O DIREITO À INFORMAÇÃO COMO INSTRUMENTO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO URBANO

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Acadêmico do 6º Período do Curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha. Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal do Espírito Santo. Pós Graduada em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral-MG e Pós- Graduanda em Direito Público pela Faculdade Estácio de Sá de Vitória.
Acadêmico do 6º Período do Curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha.
Professora Universitária, advogada, Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais Constitucionais pela Faculdade de Direito de Vitória-ES (FDV).

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This definition remained fairly constant until the years immediately following World War II, when it came into vogue to use "information" as a technological term to define anything that was sent over an electric or mechanical channel. "Information" become part of the vocabulary of the science messages. And, suddenly, the appellation could be applied to something that didn't necessarily have to inform. This definition was extrapolated to general usage as something told or communicated, whether or not it made sense to the receiver. Now, the freedom engendered by such an amorphous definition has, as you might expect, encouraged its liberal deployment. It has become the single most import word of our decade, the sustenance of our lives and our work. […] Much of what we assume to be information is actually just dada or worse. (WURMAN, Richard Saul. Information Anxiety: What to do when information doesn't tell you what you need to know. New York: Bantam Book; 1990. p.3, tradução livre).
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AULETE, op. cit.
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O DIREITO À INFORMAÇÃO COMO INSTRUMENTO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO URBANO


Luciana Cordeiro de Lemos
Hugo Weyn
Profª. Débora Nitz Ferreira Elias



RESUMO

O artigo versa sobre o direito à informação como instrumento da participação popular na gestão democrática das políticas urbanas. Indagando-se: Quais mecanismos político-jurídicos poderiam ser implementados no Município de Vila Velha para estimular a participação popular no planejamento, execução e fiscalização do Plano Diretor Municipal? Concluiu-se que os principais mecanismos são: Ação Popular, Ação Civil Pública, Plebiscito, Referendo, Audiência Pública, Orçamento Participativo, os Conselhos Municipais, entre outros. Embora as políticas públicas existam, elas não são eficazes e não exercem a devida influência na vida dos cidadãos. Portanto, é inevitável o questionamento das bases conceituais para a institucionalização jurídica de condições para o exercício efetivo do direito à informação. Optou-se pelo método dedutivo, com base bibliográfica, documental e jurisprudencial.


Palavras-chave: Direito à Informação. Direito Fundamental. Participação Popular. Planejamento e Desenvolvimento Urbano.


ABSTRACT

This article examines the issue of the right to information as an instrument of popular participation in the democratic management of urban policies. In response to the question: What political and legal mechanisms could be implemented in the municipality of Vila Velha to encourage popular participation in planning, implementation and supervision of the Master Plan? Concluded that the main mechanisms are: Popular Action, Public Civil Action, Plebiscite, Referendum, Public Hearing, Participatory Budgeting, Municipal Councils, among others. Although public policies exist, they are not effective and do not exert the necessary influence in the lives of citizens. Therefore, making inevitable the questioning of the conceptual bases for the legal institutionalization of conditions for the effective exercise of the right to information. It was deductively written based on bibliographic, documentary and jurisprudential sources.

Keywords: Right to Information. Fundamental Right. Popular Participation. Planning and Urban Development.
INTRODUÇÃO

O presente trabalho é o resultado de um projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Iniciação Científica (PIC) da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha – FESVV e pretende, em sua essência, enfrentar o tema do direito à informação como instrumento da participação popular no planejamento e desenvolvimento urbano, verificando de que forma a informação está vinculada à participação popular e às políticas públicas.

O interesse que move essa pesquisa é, principalmente, a busca por uma resposta ao problema proposto, a saber: Quais mecanismos político-jurídicos poderiam ser implementados no Município de Vila Velha para estimular a participação popular no planejamento, execução e fiscalização do Plano Diretor Municipal?

Por outro lado, é inquestionável a atualidade do tema haja vista as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) propostas pelo Ministério Público Estadual (MPES) contra as alterações do Plano Diretor Municipal (PDM) de Vila Velha/ES tendo como um de seus argumentos a violação ao princípio da democracia participativa.

Ademais, este trabalho objetiva analisar se existem mecanismos capazes de permitir que o povo exerça sua soberania, buscando o porquê da população não participar de forma efetiva do planejamento urbano. Neste sentido, o texto foi elaborado em cinco capítulos.

O primeiro tratou da definição e contextualização da palavra informação, bem como dos aspectos inerentes ao direito à informação e o lugar de destaque que ele ocupa, hoje, no discurso político-jurídico. Já o segundo, discorreu sobre o direito urbanístico e seus princípios informadores. O terceiro foi dedicado à democracia deliberativa e à participação popular nas decisões de interesse público. O quarto, por sua vez, dedica-se à observação do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor Participativo. Por fim, o quinto capítulo analisa um caso concreto com o intuito de verificar as hipóteses apresentadas no projeto de pesquisa, tendo em vista que o Plano Diretor Municipal de Vila Velha foi objeto de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, ambas com fulcro na violação da participação democrática.

Procurar uma resposta para essa questão foi uma oportunidade para colocar em prática os conhecimentos adquiridos, ao longo da trajetória profissional na área de arquitetura e urbanismo, administrativa, como líder comunitário e assessor parlamentar, bem como aperfeiçoar os conhecimentos jurídicos e, acima tudo, exercer de forma efetiva nosso dever de cidadão buscando ampliar os mecanismos de participação popular, incluindo a população como parte da solução de seus problemas.

Além disso, o tema foi escolhido em razão da sua relevância jurídica e político-administrativa, da sua importância na estrutura institucional do planejamento urbano do município e também do aprofundamento do debate que propicia no momento em que a comunidade acadêmica passa a interagir com o poder público. É nesse âmbito que se insere a necessidade de criação e ampliação dos mecanismos de participação popular em caráter multidisciplinar, promovendo debates entre a instituição e o poder público em seus diferentes setores e áreas de atuação.

Isso sem contar que se trata de uma oportunidade para que a comunidade acadêmica promova a articulação entre a sociedade civil e o poder público. Ocasião na qual exercerá relevante influência no despertar da sociedade para que ela possa recriar as condições políticas de uma experiência urbana capaz de inserir a população na vida política, fazendo valer o seu direito constitucional de participar democraticamente das decisões públicas.

O trabalho foi elaborado de forma dedutiva com base em fontes bibliográficas, valendo-se de dados já registrados e elaborados em livros e artigos científicos pertinentes ao tema, além da legislação específica e Constitucional, bem como de jurisprudência. Registre-se, ainda, que não dispõe o presente artigo de uma matriz teórica específica, mas de um marco teórico-referencial. Isso ocorre dada a impossibilidade de se identificar uma única teoria que o sustente. No capítulo final far-se-á um estudo de caso.

Este trabalho é, assim, um primeiro passo para se repensar de que forma o advento da sociedade da informação aliado à evolução das teorias democráticas, que dão ênfase a democracia deliberativa e admitem a relevância da participação popular nas decisões públicas, provocam mudanças de paradigmas que contribuem para a expansão dos limites naturais do poder jurídico.

Por uma questão de coerência com a proposta da pesquisa é fundamental que se estabeleça um marco conclusivo no presente trabalho, entretanto, as respostas apresentadas, apresentam-se como novos desafios, apontam alguns questionamentos genéricos sobre a emergência, de uma reflexão atual sobre a condição urbana, de um pensamento crítico e interdisciplinar, para conscientizar a sociedade de que, por meio do debate, é possível mudar valores e atitudes e garantir uma democracia deliberativa.


O DIREITO À INFORMAÇÃO

A importância do direito à informação é reconhecida internacionalmente, isto é, reconhece-se globalmente que o acesso à informação sob o controle de órgãos públicos é essencial para o efetivo respeito aos direitos humanos. Parafraseando a célebre assertiva de Dworkin de que o governo que não toma a sério os direitos não leva a sério o Direito, pode-se afirmar que quando o poder público deixa de informar está violando um direito fundamental que é a base do direito ao conhecimento, do direito ao saber ou à verdade.

Para além do que foi dito, convém não esquecer que quando o assunto é o de direito à informação, indiretamente está presente o tema da democracia que na sua essência implica prestação de contas e boa governança. Neste sentido, a lição de Mendel:

A democracia também implica prestação de contas e boa governança. O público tem o direito de perquirir os atos de seus líderes e de participar de um debate pleno e aberto sobre tais atos. Precisa ser capaz de avaliar o desempenho do governo, o que dependo do acesso à informação sobre o estado da economia, sistemas sociais e outras questões de interesse público. Umas das formas mais eficazes de atacar a má governança, sobretudo com o passar do tempo, é por meio do debate aberto e bem informado.

Tornar efetivo o direito à informação é um dos grandes desafios do Estado de Direito na construção da democracia deliberativa. Particularmente, quando vivemos o desafio imposto pelas novas relações urbanas da sociedade na era da informação.


SEMÂNTICA DO TERMO INFORMAÇÃO

A palavra informação sempre foi um termo ambíguo, arbitrariamente aplicado a uma variedade de conceitos. Substantivo feminino originado do latim - informatio, onsis. 1. Ato de informar (-se); informe. 2. Fatos conhecidos ou dados comunicados acerca de alguém ou algo. 3. Instrução. 4. Tudo aquilo que, por ter alguma característica distinta, pode ser ou é apreendido, assimilado ou armazenado pela percepção e pela mente humana [...]. 6. Fato de interesse específico, conhecido graças a observação, pesquisa e análise.

Essa definição permanece praticamente constante até os anos imediatamente seguintes a Segunda Guerra mundial, quando a palavra informação passa a integrar o cotidiano da sociedade como um termo tecnológico utilizado para designar tudo o que fosse veiculado por meio de canais eletrônicos. Subitamente, o termo passa a ser utilizado de forma generalizada para determinar qualquer coisa dita ou comunicada, mesmo que a informação não faça sentido algum para o receptor.

A liberdade gerada por essa definição amorfa incentivou a implantação da palavra informação no vocabulário popular de forma liberal. A informação se tornou um referencial frequente no discurso social das últimas décadas e, de certa forma, imprescindível no sustento de nossas vidas e trabalho. Mas, muito do que supomos ser informação, não passam de dados.

No livro "As palavras no tempo" , encontramos uma referência ao termo informação, que diz: o verbete da Encyclopédie (uma das primeiras enciclopédias publicada na França no século XVIII) sobre information é um verbete jurídico. Information "é um ato jurídico contendo os depoimentos das testemunhas sobre um crime ou um delito do qual a parte civil ou pública fez uma denúncia". Para os enciclopedistas, information é, em síntese, um termo cujo interesse se restringe ao campo jurídico como sinônimo de inquérito, que nada mais é do que uma coletânea de informações.

Ao ensejo da conclusão desse item convém registrar que as transformações sofridas e as diversas conotações dadas ao termo informação fez com que passasse a desempenhar um papel de extrema importância não só no discurso social, como nas questões políticas. A informação, conforme se apresenta na sociedade contemporânea, contribui para o desenvolvimento de um pensamento crítico em relação aos limites que as palavras impõem à nossa compreensão.

Consequentemente, somos levados a concordar com De Masi quando ele diz que:

[...] o advento da sociedade da informação é, de fato, o advento de uma sociedade em que o poder jurídico expande-se além de seus limites naturais para invadir, de um lado, as esferas de competência de outros poderes do Estado (executivo, legislativo, administrativo) e permear, de outro, todas as relações sociais, desde as econômicas às interpessoais e afetivas.

Em outras palavras, a amplitude do termo informação invoca uma gama enorme de instituições a estabelecerem um nexo entre a complexa sociedade da informação e a ampliação de seus limites naturais tendo como objeto a adequada interpretação dos fenômenos sociais, dinâmicos e, inerentemente, complexos.

Oportuno se torna mencionar a lição de Bourdieu, um apaixonado pelo verbo e sua compreensão, que diz:

A gramática define apenas muito parcialmente o sentido das palavras, pois a determinação completa da significação dos discursos opera-se no marchê, no mercado linguístico, na conjuntura, vem do dehors, resulta de artefatos, da produção de sentimentos sociais.

Do exposto, infere-se que a definição do termo informação está baseada em várias hipóteses que paulatinamente e de forma dial tica serão comprovadas, negadas ou modificadas perante a intrincada rede social cujas relações mudam constantemente no decurso do tempo.

DO DIREITO À INFORMAÇÃO

Assim como o direito à democracia, ao pluralismo e à liberdade de informação, o direito de informação é um direito fundamental de sexta geração assegurado aos cidadãos nos termos do art. 5º, inciso XXXIII da CRFB/88.

Art. 5º, inciso XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. (grifo nosso)

Nas palavras de Bulos, temos que:

O direito de informação, por sua vez, é outra liberdade pública da coletividade. Não se personifica, muito menos se dirige a sujeitos determinados. Conecta-se à a liberdade de informação. Porque todos, sem exceção, têm a prerrogativa de informar e de ser informado. O acesso ao conhecimento não pode ser tido como privilégio de uns em detrimento de outros.

Ao lado da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, há a publicidade como princípio que rege a Administração Pública, disposto no art. 37, § 3º, inciso II, CRFB/88, e atinge diretamente os atos normativos de finalidade urbanística ao vincular a administração direta e indireta de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Posto que, não existem na doutrina grandes discordâncias quanto à sua aplicação e, segundo Carlos Magno Miqueri da Costa, configura ponto pacífico a relação divulgação-eficácia jurídica, independentemente de dispositivo expresso direcionado à publicação dos planos.

Estreitamente vinculado à liberdade de informação na medida em que todos, sem exceção, têm a prerrogativa de informar e ser informado, o princípio da publicidade não deixa de ser uma liberdade pública que não só garante a liberdade de imprensa, como também a liberdade de expressão, ou seja, de manifestação das próprias ideias. Entretanto, não basta assegurar tal liberdade sem que o Estado exerça o seu dever de informar e, o cidadão, por sua vez, exerça o seu direito de participar do processo informativo.
O direito fundamental, mesmo que reconhecido e declarado, fica mitigado em seu conteúdo se não for garantido, ou seja, não há que se confundir direitos com garantias fundamentais. Na brilhante formulação de Ruy Barbosa:

[...] os direitos fundamentais consagram disposições meramente declaratórias (imprimem existência legal aos direitos reconhecidos). Já as garantias fundamentais contêm dispositivos assecuratórios (defendem direitos, evitando o arbítrio dos Poderes Públicos) [República: teoria e prática (textos doutrinários sobre direitos humanos e políticos consagrados na Primeira Constituição da República].

Acoplado ao direito à informação, consagrado no art. 5º, inc. XXXIII, supramencionado, encontramos o Decreto 4.520, de 16.12.2002, que dispõe sobre a publicação do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça do Brasil, estipulando, em âmbito federal, o que deve ou não deve ser submetido à publicação.

Por outro enfoque, cuidou o legislador, no Estatuto da Cidade, de garantir a "publicidade quanto aos documentos e informações produzidos" ao se referir ao "processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação" (art. 40, §4º, inc. II, Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade).

Em vigor desde Maio de 2012, a Lei 12.527/2011 – Lei de Acesso a Informação -, veio para regulamentar o acesso à informação previsto no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal . Essa lei obriga órgãos públicos federais, estaduais e municipais a oferecer informações relacionadas às suas atividades a qualquer pessoa que solicitar os dados, ao mesmo tempo em que determina que esses órgãos públicos criem centros de atendimento dentro de cada um deles, chamados de SIC (Serviço de Informação ao Cidadão). Para isso precisarão implantar uma infraestrutura capaz de atender e orientar o público quanto ao acesso às informações de interesse difuso e coletivo.

Em verdade, o dever de tornar transparentes os atos da Administração Pública, sejam eles legislativos, administrativos ou executivos vai além de simplesmente dar a eles publicidade. Quando nos referimos aos procedimentos de elaboração e de execução dos planos urbanísticos devemos considerar que esses instrumentos de ordenação urbana e territorial geram efeitos concretos, atingem interesses tanto dos entes públicos quanto dos cidadãos, sejam eles proprietários ou não.

Sendo assim, os interessados direta ou indiretamente na formação e execução desses planos devem ter garantido o seu direito de acesso a essa informação, possibilitando a sua participação e consequentemente o exercício do controle preventivo e repressivo dos atos do Poder Público, relacionados às questões urbanas passíveis de interferir de alguma forma em direitos, interesses e bens jurídicos.

O reconhecimento do direito que cada um possui de ser informado daquilo que lhe possa interessar enquanto cidadão livre, integrante de uma sociedade cada dia mais complexa e globalizada, além de transformar radicalmente a relação da sociedade com a informação, e, principalmente mudar a forma como essa informação é utilizada, aumentou a importância do direito à informação para o povo, cada vez mais respeitado como fundamento essencial da democracia em todos os níveis.

Há quem defina a informação como "o oxigênio da democracia" - Definição dada pela ONG de direitos humanos internacionais Artigo 19, Campanha Global pela Liberdade de Expressão.. Neste sentido deve-se dizer que a efetividade da democracia está diretamente relacionada com a capacidade dos indivíduos de participar de forma ativa da tomada de decisões que os afeta. O exercício dessa liberdade deve ter como objetivo o resgate da vida activa.

Paralelamente, deve-se cuidar para que o acesso ao saber, não seja tido como privilégio de uns, em detrimento de outros. Outrossim, é imprescindível, como garantia do livre fluxo das informações e das ideias, a aplicação efetiva do princípio da publicidade, ou seja, fazer com que os órgãos públicos detenham informações não para eles próprios, mas em nome do povo.

A liberdade, seja ela política, social ou econômica, não é absoluta, ou seja, possui certas limitações intrínsecas que por si só tornam possível a vida social: "a liberdade de cada um termina onde começa a do outro". Por outro lado, Hannah Arendt , sabiamente e de forma precisa declara:

(...) a liberdade só pode ser exercida mediante a recuperação e a reafirmação do mundo público, que permite a identidade individual através da palavra viva e da ação vivida, no contexto de uma comunidade política criativa e criadora. (grifo nosso)

Vale lembrar que o binômio indivíduo-sociedade apresenta-se como uma relação muito complexa que requer seja feita uma análise criteriosa em relação ao indivíduo e sua subjetividade, bem como verificar de que maneira essa subjetividade se relaciona com as questões sociais ao indivíduo, de certa forma, impostas. Contudo, a definição de subjetividade necessita ser ampliada de modo a ultrapassar essa oposição clássica entre sujeito individual e sociedade e contribuir para a criação de uma relação autêntica com o outro. Muito bem sintetizado no trecho abaixo transcrito:

Cada indivíduo é determinado pela sociedade em todas as dimensões de sua subjetividade, mas ao mesmo tempo também é livre, no sentido de que pode interferir sobre esses códigos culturais. Assim, família, escola, colegas, amigos, igrejas e, especialmente, as mídias de massa determinam muito a individuação das subjetividades. .(grifo nosso)

Por outra parte, é possível uma intervenção dos sujeitos sobre esses determinantes desde que desenvolvam a capacidade de problematizá-los. Em todas essas esferas ocorre o processo educativo através da formação dos indivíduos em semioses geradoras de interpretantes, de padrões e referências para os diversos conjuntos de comportamentos e ações pessoais ou coletivas. (grifo nosso).

Nesse sentido, escreve Paulo Freire:

Nem somos, mulheres e homens, seres simplesmente determinados nem tampouco livres de condicionamentos genéticos, culturais, sociais, históricos, de classe, de gênero, que nos marcam e a que nos achamos referidos.

Do ponto de vista dos interesses dominantes, não há dúvida de que a educação deve ser uma prática imobilizadora e ocultadora de verdades. Toda vez, porém, que a conjuntura o exige, a educação é progressista à sua maneira, progressista "pela metade". "As forças dominantes estimulam e materializam avanços técnicos compreendidos e, tanto quanto possível, realizados de maneira neutra".

A par disso, é preciso ter em conta que, sendo o homem um ser ontologicamente social, sua liberdade deve ser compreendida do ponto de vista do homem social, do homem inserido em seu meio, daquele que não existe isolado da sociedade. Portanto, a liberdade humana é, necessariamente, uma liberdade social, situada e interpretada conforme suas relações sociais, isto é, concebida conforme o relacionamento dos indivíduos entre si, donde surgem deveres e responsabilidades.

Dito dessa maneira, a formação de cidadãos efetivamente inseridos e atuantes na comunidade política criativa e criadora, cidadãos livres e conscientes dessa liberdade, aptos para agir de forma ativa e efetiva, capazes de problematizar os códigos culturais vigentes, somente será possível por meio de um processo educativo adequado, transparente e comprometido o direito à informação e, consequentemente, com a dignidade da pessoa humana.

Esse processo decorre naturalmente da efetiva garantia ao livre fluxo de informação, da limitação da discricionariedade do poder público na divulgação e direcionamentos da informação necessária e fundamental para o exercício democrático da experiência urbana.


O DIREITO URBANÍSTICO E SEUS PRINCÍPIOS INFORMADORES

O século XX foi palco de transformações sociais radicais se comparado a períodos anteriores da história das civilizações. Especificamente, quanto à evolução das cidades, que cresceram vertiginosamente de forma irreversível e inevitável. As cidades se definem como "um complexo interdisciplinar" , o que, segundo boa parte da doutrina (neste sentido as obras de Castells (1984); George (1970); Kolb (1995)). , atribui à urbanização papel relevante dada sua importância como processo de mudança social. O processo de urbanização interfere diretamente na estrutura do poder, na ordem econômica e, até mesmo na própria ideologia do Estado. Nesse sentido, o Prof. Dr. Roberto Luís de Melo Monte-Mór, da UFMG, diz:

A emergência teórica e a relevância da questão urbana no mundo contemporâneo podem ser tomadas como quase consenso. Expressam a inevitabilidade da centralidade do fato urbano, quando as redes de informação e de articulação da economia capitalista ganham dimensão global têm nas cidades seu principal espaço de comando. Ao mesmo tempo expressa a escala local, da cidade e das referências sócio-espaciais, presentes e fortalecidas em qualquer escala de vida ampliada e sempre localizada.

Assim, à luz do que dispõe Olivier Mongin, é preciso repensar o papel da experiência urbana e a constituição de lugares que dão ensejo à vida activa.

Desse contraste entre um "lugar próprio", porque teórico, e a realidade da prática urbana resulta, contudo, menos uma oposição estrita entre o discurso do engenheiro-urbanista e a linguagem do homem da cidade do que uma interrogação: será que o urbanismo, encarregado da organização dos lugares, pode favorecer uma experiência prática da cidade, torná-la possível, desenvolvê-la, intensificá-la? O lugar desenhado pelo urbanista poderia dar corpo a uma experiência urbana que se enuncia em diversos níveis, aqueles de uma poética, de um cenário e de uma política? Sair em busca de um tipo-ideal é uma exigência, uma prioridade, não para reinventar a boa cidade, a cidade-modelo, mas para respeitar as características da experiência urbana. A começar pelo seu aspecto cênico que passa pela instauração de uma vida pública.·

Não obstante sua importância como área do Direito, prematuro dizer, apesar disso, que constitui um ramo autônomo, mas sim, é parte integrante do Direito Administrativo, sobretudo, se analisarmos o seu objeto e suas relações jurídicas estritamente subordinadas à Administração Pública.

Nesse passo, convém examinar os princípios que, hodiernamente, são considerados normas jurídicas e possuem caráter prescritivo e ocupam uma posição nuclear no ordenamento jurídico. Os princípios são utilizados como parâmetros essenciais no processo hermenêutico de construção de um pensamento jurídico crítico e atuam na exata compreensão das diferentes normas quando aplicadas à realidade social.

No âmbito do direito urbanístico, merece ser levado em conta, em primeiro plano, os princípios constitucionais explícitos e implícitos que o informam para, na sequência, abordar os princípios que especificamente informam o direito urbanístico. Dessa forma, far-se-á uma abordagem sintética dos princípios gerais visando, apenas, introduzir os princípios urbanísticos em si que serão analisados na sequência.

Em primeiro plano vamos abordar o princípio da dignidade da pessoa humana que constitui o núcleo axiológico da Constituição. Trata-se de um princípio básico, informador de todo o ordenamento jurídico, utilizado como critério e parâmetro de valoração a orientar toda interpretação e compreensão do sistema constitucional.

A Constituição de 1988 ao consagrá-lo como fundamento da República e de nosso Estado democrático de Direito (artigo 1°, inciso III, CF88) reconhece, indubitavelmente, que é o Estado que existe em função da pessoa humana, isto é, o ser humano constitui a finalidade essencial, e não meio da atividade estatal.

Recolhendo aqui a lição de Ingo Sarlet, é preciso cuidar para que a noção de dignidade não seja vista como mero apelo ético, ou melhor, o seu conteúdo deve, indiscutivelmente, ser determinado no contexto da situação concreta da conduta estatal e do comportamento de cada pessoa humana. Nesse sentido, constata:

A dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da dignidade.

Logo, infere-se que o princípio da dignidade da pessoa humana analisado sob a ótica política estabelece as formas de participação da sociedade nos poderes estatais. Por outras palavras, quando politicamente considerada exige uma democracia no sentido originário da palavra, ou seja, a participação no poder por todos. Temos que a dignidade é pressuposto de igualdade real de todas as pessoas humanas e do próprio Estado democrático de Direito.

Inerente ao Estado Democrático de Direito e consagrado na Constituição de 1988 em seu artigo 5°, caput, estabelece que todos são iguais perante a lei, ou seja, expressamente declara o princípio da igualdade. E, ao mesmo tempo que prevê a igualdade de direitos impõe um objeto de reflexão, investigação e debate ao buscar sempre uma maior isonomia ou, quando não, uma redução das desigualdades.

Neste sentido, vale reproduzir expressivo pensamento de Octavio de Faria:

Estabelecer a liberdade – a igualdade de liberdade – para indivíduos de capacidades desiguais, numa sociedade onde existem e sempre existiram e sempre hão de existir fortes e fracos – e depois deixar que tudo corra por si, sem intervenção de poder algum – é inevitavelmente estabelecer o domínio natural, cego, dos fortes sobre os fracos, dos países poderosos sobre os países fracos na ordem internacional, dos capitalistas sobre os operários na ordem nacional. É esquecer desastrosamente a lição de Lacordaire, decisiva entretanto: "Entre o forte e o fraco é a liberdade que escraviza, é a lei que liberta".(grifo nosso)

De tal sorte que a reflexão sobre o princípio da igualdade deve, necessariamente, incluir a liberdade, mais especificamente, a igualdade de liberdade ou, melhor dizendo, a igualdade de oportunidade. As exigências sociais no sentido de diminuir as desigualdades sociais foram relevantes na elaboração do texto constitucional de 1988 que, reconhece essa situação de desigualdades sociais e estabelece como um dos objetivos fundamentais do Estado Brasileiro a redução da desigualdade e erradicação da pobreza e marginalização.

Daqui se infere a importância do princípio da igualdade como fundamento para a instituição de políticas públicas que contemplem planos e programas aptos para combater o processo de exclusão social. Aliado aos preceitos da cidadania, além de fornecer elementos para a implementação de políticas públicas efetivas para toda a sociedade, contribuiu para que surgissem movimentos sociais em prol da criação de institutos de desconcentração do poder da União visando a solução de realidades locais, quais sejam, aquelas de interesse direto dos Municípios.

Nessa esteira, surge o Estatuto da Cidade que, ao regulamentar a política urbana, nos diz que esta tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana garantindo, a todo cidadão, igualitariamente, o acesso à cidade. Assim, tem-se por óbvio que os cidadãos têm o direito de exigir o cumprimento do princípio da igualdade em todas as fases antecedentes ou posteriores à aprovação por lei dos planos urbanísticos.
Na sequência, verifica-se o princípio da legalidade cujo fundamento encontra-se no artigo 4° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada no ano de 1789, durante a Revolução Francesa, considerada como marco inicial do Estado de Direito, in verbis:

Artigo 4º- "A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei".

Resta consolidada, de forma definitiva, a conquista do conceito de liberdade. Por conseguinte, consagra-se o princípio da legalidade, observados os limites da lei para o exercício do poder. É certo que, o Estado de Direito está sujeito aos parâmetros da legalidade. Em outras palavras, as ações do Estado estão totalmente subjugadas a um quadro normativo, impositivo para todos – Estado e indivíduos.

Disse Bandeira de Mello que o Estado de Direito resulta da convergência de duas concepções políticas: o pensamento de Montesquieu e o pensamento de Rousseau, conforme transcrição abaixo.

[...], o pensamento de Jean Jacques Rousseau, que em sua última e derradeira instância se apoia na ideia de igualdade, sustenta a soberania popular. Sendo todos os homens iguais, todo o poder a eles pertenceria. (...) É a ideia da soberania popular, é a ideia da democracia.

[...], o pensamento do barão de Montesquieu, acima de tudo pragmático, fundava-se na observação de um fato, (...), isto é: todo aquele que tem poder, tende a abusar dele. (...). Daí sua clássica formulação de que, para contê-lo, é necessário que aquele que faz as leis nem julgue nem execute, que aquele que executa nem julgue e nem faça leis, e que aquele que julga nem faça as leis nem as execute.

A juridicização dessas duas ordens de pensamento deu forma ao modelo que é, hoje, conhecido como Estado de Direito. Posta assim a questão, é de se dizer que a Constituição de 1988 ao afirmar no parágrafo único do art. 1° que, "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição", bem como declarar a tripartição do exercício do poder no artigo 2°: "São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário", determina, portanto, ser o Brasil um Estado Democrático de Direito.

Ademais, a legalidade encontra previsão Constitucional nos artigos 5º, inciso II e artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988, sendo sua observância de caráter obrigatório por parte do administrador público, tendo em vista, ser o gestor da coisa pública. Em contrapartida, a lei 9.784/99 (Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal), no artigo 2º, inciso I, reclama por: "atuação conforme a lei e o Direito"

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Inciso I atuação conforme a lei e o Direito; (grifo nosso)

Aqui interessa apresentar a interpretação dada pelo direito administrativo que determina que, em qualquer atividade, a Administração Pública está estritamente vinculada à lei. Assim, se não houver previsão legal, nada pode ser feito, uma vez que a Administração Pública não tem vontade autônoma. Entre a Administração e a lei prevalece uma relação de subsunção, ou seja, a lei expressa a vontade do povo e à Administração só é permitido fazer aquilo que está expressamente previsto no ordenamento legal.

Levando, contudo, em conta que a proximidade existente entre o Direito Urbanístico e o Administrativo é incontestável, convém resaltar que ao lado da legalidade temos o princípio da publicidade que, em conjunto com a impessoalidade e a eficiência forma o tripé de sustentação de uma política de desenvolvimento urbano voltada para a satisfação das carências da urbe e de seus citadinos por meio da flexibilização das instituições no atendimento das demandas sociais e promoção do desenvolvimento sustentável.

Nesta linha de raciocínio, sustenta-se que o princípio da função social da propriedade, que integra o rol dos direitos fundamentais (art. 5°, XXII da CF88), além de reger a ordem econômica, forma, ao lado do princípio da função social das cidades, o núcleo central da política urbana. Visam fomentar articulações políticas direcionadas a uma revisão das políticas públicas destinadas à cidade e sua constitucional função social.

São responsáveis por permitir uma adequada ordenação e instrumentalização da cidade, na medida em que autorizam o Estado a intervir, fundamentado na lei, na propriedade particular, visando sempre o interesse coletivo em detrimento dos interesses privados, estes, por sua vez, subordinados ao interesse público. A primazia do interesse público, aliada à justiça social, forma um sustentáculo capaz de contribuir para a solução de graves conflitos urbanos, cada vez mais presentes na complexidade das grandes cidades.

Se, por um lado, considera-se que o interesse público deve prevalecer, contata-se de outra parte, que a Constituição acolhe os postulados da democracia representativa e participativa que, pressupõe um processo dinâmico, com a existência de uma sociedade aberta e ativa.

Assim, não restam dúvidas quanto à relevância do princípio da gestão democrática da cidade, específico do Direito Urbanístico e pautado pela indispensável e efetiva participação popular no desenvolvimento integral dos planos de intervenção da Administração Pública nas questões urbanas.


A DEMOCRACIA DELIBERATIVA E A PARTICIPAÇÃO POPULAR NAS DECISÕES DE INTERESSE PÚBLICO

A palavra democracia vem do grego antigo e quer dizer: governo do povo, detentor da sabedoria e do poder político, ou seja, traduz-se em um regime de governo que subsiste há séculos.

Disse Lincoln que democracia é o governo do povo, para o povo, pelo povo. Dessa máxima lapidar infere-se que o povo é sujeito ativo e passivo de todo esse processo, mediante o qual se governam as sociedades livres.

Infere-se também que a participação ocupa aí, um lugar decisivo na formulação do conceito de Democracia, em que avulta, por conseguinte, o povo – povo participante, povo na militância partidária, povo no proselitismo, povo nas urnas, povo elemento ativo e passivo de todo o processo político, povo, enfim, no poder. (grifo nosso)

Todavia, neste trabalho, na esteira do que averbou Godoy, o objeto de estudo não é remontar às origens da democracia e tampouco às teorizações que a constituíram nos moldes atuais. Assim sendo, o que se pretende é demonstrar que entre o Estado de Direito (ou o Constitucionalismo) e a Democracia existe uma a relação tensa, aparentemente lógica, mas repleta de contradições em sua estrutura.

Sem que aqui se vá aprofundar este ponto, importa registrar que se de um lado o constitucionalismo assegura direitos, por outro lado a democracia dá conteúdo e eficácia a esses direitos ao estabelecer a importância da participação popular, direta ou indiretamente, nos processos de discussão e decisão, especialmente aqueles que envolvem questões de planejamento e ordenamento das cidades, articulando suas vontades e necessidades. Para tanto, reporta-se ao que foi dito por Godoy

Em suma, é essa relação entre poder constituinte, entendido como o poder soberano do povo, e o soberano, entendido como o povo que funda uma nova ordem normativa a fim de se autolegislar, que fundamenta e dá forma à difícil, tensa e paradoxal relação entre constitucionalismo e democracia. Tensão essa que deve ser encarada como algo positivo e produtivo e, ao contrário do que afirma Negri ou Agamben, não aniquila o constitucionalismo nem tampouco a democracia. Pois é justamente esse conflito que os alimentam, os forçam a se manifestar e produzir efeitos – o constitucionalismo assegurando direitos e a democracia dando conteúdo e eficácia a esses direitos e estabelecendo a participação popular nos processos de discussão e decisão. (grifo nosso)

Embora não se possa adentrar o debate com profundidade, é notável o salto qualitativo no que se refere às teorias democráticas, em especial, quando se percebe o resgate do espaço público onde os cidadãos podem interagir e se posicionar de forma crítica perante o Estado, enfatizando uma construç o argumentativa de suas preferências em detrimento da mera agregação de interesses.

A análise dessa evolução histórica das teorias democráticas revela a necessidade premente de dotar os indivíduos de capacidade deliberativa. Estando aptos a deliberarem sobre as questões urbanas, o povo poderá resgatar o espaço público e exercer o seu poder de participação na gestão das cidades de forma efetiva. Para isso, precisa compreender a ideologia dominante e ampliar o conceito daquilo que entende por "cidade", transcender o estado de alienação política em que se encontra e, a partir daí, criar mecanismos eficientes de participação no discurso social que se materializa no espaço urbano, o que se infere da seguinte afirmativa:

Ideologia e poder são constituintes dos discursos políticos e espaço urbano concebido e construído é, sem dúvida, um dos maiores exemplos de discurso social materializado. O espaço urbano, em sua materialidade é visto e percorrido; em sua existencialidade cultural, política, ideológica e econômica, é sentido e vivenciado.

Todavia, o poder público ao atuar sobre as cidades, em raras ocasiões, permite aos cidadãos atuar nas estruturas de poder político local. Nesse aspecto, Villaça faz um alerta sobre o perigo do "urbanismo" como um mero discurso e não como um conjunto de propostas e ações do Estado:

[...] neste aspecto é preciso cuidado para não identificar o urbanismo enquanto mero discurso, conjunto de ciências e supostas ciências (ideologia) com políticas públicas. Estas devem referir-se às reais ações e às propostas consequentes de ação do Estado sobre o urbano. Inserem-se no campo da política. Aquele, como retórica, insere-se no campo da ideologia.

A relação entre a prática urbanística e a democracia deliberativa e, entre esta e a discussão pública de questões relativas ao espaço urbano deve partir do pressuposto de que quanto mais imparciais forem as decisões, mais valorizadas serão perante a coletividade. Aliás, é justamente isso que diz o trecho abaixo transcrito:

A ideia de avaliar a opinião de todos aqueles potencialmente afetados parece, assim, responder a essa intuição básica de que todos são iguais e devem ser tratados com igual respeito e consideração. Isto é, entende-se justo escutar e sopesar adequadamente o que cada pessoa quer dizer quando uma decisão interferirá diretamente em sua vida.

Nesse contexto, o objetivo é expressar a noção de que a democracia deliberativa detém o poder de harmonizar, por meio da discussão pública, os interesses conflitantes, isto é, presume-se que por meio do debate público o resultado da discussão aproximar-se-á da solução mais imparcial. Busca-se, portanto, a superação dos conflitos urbanos, naturalmente polêmicos e complexos, por meio da cooperação de atitudes e condutas.



O ESTATUTO DA CIDADE E O PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO

Os movimentos sociais, dentre eles, movimentos reivindicatórios e contestatórios urbanos que, diante da crescente demanda por políticas públicas voltadas para a cidade, por meio de uma atuação expressiva foram os responsáveis pela inclusão, extremamente importante na consolidação do Estado democrático, do capítulo da Política Urbana na Constituição Federal de 1988, o que deu origem aos artigos 182 e 183. Transcrevemos abaixo o artigo 182 e parágrafos, por estarem diretamente relacionados ao tema proposto:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.[...]

O Estatuto da Cidade – Lei 10.257 de 10 de julho de 2001 vem regulamentar a Política Urbana, ou seja, é ele que confere efetividade ao preceito constitucional. Passa a ser o instrumento garantidor do cumprimento da função social da cidade e da propriedade, conforme se depreende de seus artigos 1° e 2°, in verbis:

Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
[...]
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

O Estatuto da Cidade reúne importantes instrumentos urbanísticos, tributários e jurídicos que garantem efetividade ao Plano Diretor, responsável por estabelecer a Política Urbana na esfera municipal. Por força constitucional o Plano Diretor é aprovado por lei, mas, apesar disso, José Afonso da Silva justifica com acerto:

[...] o plano urbanístico não constitui simples conjunto de relatórios, mapas e plantas técnicas [...] Compenetrando-se na realidade a ser transformada que consubstancia o processo de planejamento, sob pena de ser mera abstração sem sentido, o plano urbanístico adquire, ele próprio, por contaminação necessariamente dialética, as características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo [...] A lei, no caso, não constitui simples ato de aprovação de proposições técnicas e administrativas. Configura um articulado que revela as diretrizes normativas do plano e dá eficácia jurídica às regras concretas que ele contém. Por isso, a nosso ver, o plano passa a integrar o conteúdo da lei, formando, assim, com esta, uma unidade legislativa.

Ademais, de acordo com Carlos Magno Miqueri da Costa , a Constituição conferiu ao Plano Diretor o papel de organizador da política urbana e, para isso conferiu-lhe regime jurídico próprio e, por essa razão, o processo de sua elaboração requer atenção redobrada quanto ao atendimento rigoroso das fases que ultrapassam a mera redação das leis em geral, pois são marcados por peculiaridades que lhe são inerentes, tais como: serem de iniciativa do Poder Executivo; dependerem da contribuição de equipes multidisciplinares internas ou externas; estarem inarredavelmente sujeitos a revisões e alterações oriundas do dinamismo das realidades urbanísticas; serem, por vezes, acolhedores de normas de efeitos concretos e não somente gerais e abstratos etc.

O Plano Diretor Municipal de Vila Velha (Lei 4.575 de 26 de novembro de 2007) , de acordo com os preceitos constitucionais, tem como principal objetivo definir a função social da cidade e da propriedade urbana, nos seguintes termos:.

Art. 1º A Política de Desenvolvimento Urbano de Vila Velha, observado o disposto no Capítulo da Política Urbana da Constituição Federal, no Estatuto da Cidade e na Lei Orgânica do Município de Vila Velha será implementada de acordo com o conteúdo desta Lei denominada Plano Diretor Municipal - PDM de Vila Velha.

Em seu artigo 4°, in verbis, estabelece seus princípios, dentre eles o disposto no inciso V que está diretamente no contexto:

Art. 4º São princípios da Política Urbana de Vila Velha:
[...]
V - gestão democrática e participativa.

No artigos 10 e 11, in verbis, o legislador define o que se entende por gestão democrática, bem como estabeleces os instrumentos por meio dos quais ela será efetivada e, ainda, expressamente prevê a participação popular:

Art.10 A gestão democrática significa a participação efetiva da sociedade nos processos de planejamento e gestão da cidade e do território municipal de Vila Velha, por meio dos seguintes instrumentos:
[...]

Art.11 A gestão democrática pressupõe a participação dos diferentes segmentos sociais tanto na formulação de planos, programas e projetos, como na sua execução e monitoramento.

Certamente, não foi por mera formalidade que o legislador inseriu no texto da lei a realização de audiência pública como requisito da gestão democrática, mas sim, porque constitui uma importante vertente da prática democrática. É no município que o cidadão pode exercer plenamente a sua cidadania, é no seu local de moradia que deve dar início à transformação, por meio da participação nas decisões que lhe afetam diretamente e da fiscalização das ações administrativas dos governos locais.


A ANÁLISE DE UM CASO CONCRETO

Atualmente, tramitam no Tribunal de Justiça do Estado (TJES) duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs), sendo que a primeira foi ajuizada em 27/03/2008 (Nº 0000683-63.2008.8.08.0000) e a segunda em 15/09/2011 (Nº 0003051-40.2011.8.08.0000). Ambas, impetradas pelo Ministério Público Estadual (MPES) contra alterações no Plano Diretor Municipal (PDM) de Vila Velha/ES.

A primeira ADIN, de Nº 0000683-63.2008.8.08.0000, pugna pela inconstitucionalidade e pede a suspensão liminar da vigência da Lei 4.475/07, questionando, dentre outros aspectos, que o novo PDM viola o princípio da democracia participativa, tema analisado ao longo desse trabalho. Pelo mesmo motivo, a segunda ADIN de Nº 0003051-40.2011.8.08.0000, objetiva ver declarada a inconstitucionalidade da Lei n° 5.155/11 de 09 de agosto de 2011, que dispõe sobre alterações no Plano Diretor Municipal (PDM) do Município de Vila Velha. Far-se-á em seguida uma análise dos relatórios e votos dos Ministros relatores, abaixo transcritos (em parte), que julgaram essas ADINs.

A alegação averbada pelo Eminente Procurador Geral da República na exordial de ambas as ADINs, vem corroborar para a validação da hipótese de que a participação popular na gestão do PDM está associada à informação, ou seja, não foi oportunizada a ampla participação, tampouco a população foi informada de que o PDM estava em vias de ser modificado. Sendo assim, o direito à informação foi mitigado e a ação pública restou viciada. Assim sendo, passamos à análise das referidas ADINs.

AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0000683-63.2008.8.08.0000
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO
DATA DA SESSÃO: 1/12/2011
RELATOR: DES. CARLOS ROBERTO MIGNONE

RELATÓRIO: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido liminar, onde a então Procuradora-Geral de Justiça impugna diversas disposições contidas na Lei nº 4.575/07 do Município de Vila Velha/ES que alterou o plano diretor municipal. Na defesa da inconstitucionalidade de diversos dispositivos desse diploma legal, alega-se, em suma, na exordial que: [...] ii) ofendeu-se o princípio da democracia participativa, na medida em que não se oportunizou a ampla participação das comunidades nas alterações que foram implementas pelo Poder Legislativo;[...] (grifo nosso)

AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0003051-40.2011.8.08.0000
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO
DATA DA SESSÃO: 19/11/2012
RELATOR DES. CARLOS SIMÕES FONSECA

RELATÓRIO: Cuidam os autos de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado do Espírito Santo objetivando ver declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 5.155, de 09 de agosto de 2011, que dispõe sobre alterações no Plano Diretor Municipal (PDM) do Município de Vila Velha e dá outras providências. Em sua exordial (fls. 02/18), o douto Procurador-Geral de Justiça argumenta, inicialmente, que a Lei n.º 5.155/11 contém vício formal, pois, [...] não houve efetiva participação popular quando da elaboração do projeto de lei pelo Poder Executivo, em flagrante violação ao princípio da democracia participativa expressamente previsto nos artigos 231, parágrafo único, inciso IV e 236, da Constituição Estadual e no art. 69 da Lei Orgânica Municipal. [...]

O voto do Eminente Relator Des. Carlos Roberto Mignone, abaixo transcrito, acompanhando a alegação do douto Procurador, conclui pela incontestabilidade da importância que se confere ao princípio da participação popular no processo legislativo. Afasta-se, portanto, qualquer dúvida, que por ventura se possa ter, quanto à importância da manifestação popular nas questões públicas que lhes sejam afetas.

VOTO DO RELATOR – MÉRITO: [...] diz respeito à violação ao princípio da democracia participativa, pois, segundo a requerente, não foi oportunizada a ampla participação das comunidades daquele Município em todas as etapas do processo legislativo de alteração do plano diretor municipal. [...] após o encaminhamento do projeto de lei para a Câmara Municipal, os Vereadores modificaram-no substancialmente sem que fosse permitida a efetiva participação da sociedade. [...] Tenho por inquestionável a relevância de que se reveste o postulado da participação popular no processo legislativo. Entretanto, não vislumbro a imposição pela ordem constitucional de que seja garantida a participação das comunidades necessariamente em todas as etapas do processo legislativo de elaboração do plano diretor municipal, sobretudo porque o artigo 231, parágrafo único, inciso IV, da Constituição Estadual busca assegurar a participação ativa das entidades comunitárias apenas no estudo e no encaminhamento dos planos, programas e projetos que versam sobre a Política de Desenvolvimento Urbano, [...]

Com a devida vênia, ao interpretar o artigo 231, parágrafo único, inciso IV, da Constituição Estadual , verifica-se com clareza que, ao contrário da conclusão do Eminente Relator, entende-se que está garantida a participação das comunidades em todas as etapas do processo legislativo de elaboração do plano diretor municipal, haja vista a expressão "no encaminhamento dos planos, programas e projetos na solução dos problemas que lhes sejam concernentes". (grifo nosso)

Da análise semântica dos termos acima grifados, verifica-se que o termo "encaminhamento" define-se como: "ação de envio e tramitação (andamento de um processo, de acordo com os trâmites (etapas regulares de um processo) legais) de processo para seguir seu curso normal" ; sendo que o termo "solução" tem o seguinte significado: "aquilo que encerra um assunto; conclusão" . Dito isto, vale lembrar que o processo legislativo subdivide-se em três fases, a saber: introdutória ou iniciativa, constitutiva (trata da deliberação parlamentar e da deliberação executiva) e complementar ou integradora (da promulgação e publicação da lei).

Consequentemente, infere-se que quando o legislador diz "[...] no encaminhamento dos planos, programas e projetos na solução dos problemas [...]", ele, certamente englobou todas as fases do processo legislativo, ou seja, desde a iniciativa do projeto de lei até a sua publicação, portanto, não restam dúvidas quanto ao direito das comunidades de participar de todas as fases do processo. Portanto, o pedido de inconstitucionalidade deveria ter sido julgado procedente sob o aspecto da violação do princípio da participação democrática.

Ao contrário do voto anterior, o voto que se segue, do Eminente Relator Des. Carlos Simões Fonseca, é divergente em relação à interpretação da Constituição Estadual e, coincide com a interpretação apresentada nos parágrafos anteriores.

VOTO DO RELATOR: [...] a Lei Municipal n.º 5.155/11, ora questionada, padece de vício formal, posto que não foi obedecido o "princípio da democracia participativa" na sua elaboração, mediante amplo debate com a população e as associações representativas dos seguimentos da sociedade vilavelhense, sobre os impactos que irá ocasionar na organização urbanística do município. [...] A necessidade da participação popular na elaboração do Plano Diretor Urbano e suas posteriores alterações não passou despercebida pelo constituinte estadual, ao tratar da política de desenvolvimento urbano, expressamente prevista no art. 231, parágrafo único, inciso IV e no art. 236 da Carta Constitucional Estadual, [...].

Nesse mesmo diapasão, a Lei Orgânica do Município de Vila Velha (Lei n.º 01/1990), em seu art. 69, determina a obrigatoriedade da participação popular em questões que envolvam a alteração do patrimônio arquitetônico do município, através da realização de audiência pública:

Tais regras guardam conformidade com a exigência de "democracia e acesso às informações disponíveis", elencado pelo constitucionalista José Afonso da Silva como um dos princípios básicos do processo de planejamento local, do qual o PDU é um instrumento de efetivação. [...] deve-se "assegurar a participação direta do povo e a cooperação das associações representativas em todas as fases do planejamento municipal (CF, art. 29, XII)" [...]

Fixadas essas premissas e após analisar o conjunto probatório constante dos autos, constatei que não houve efetiva participação dos munícipes e representantes da sociedade vilavelhense na elaboração da Lei n.º 5.115/11 - que alterou o Plano Diretor Urbano de Vila Velha - o que indica a existência de vício formal na sua elaboração, por não ter sido respeitado em toda sua plenitude, o "princípio da democracia participativa".

Com efeito, dessume-se das próprias informações prestadas pela Câmara Municipal de Vila Velha, que o projeto de lei n.º 052/2010 - que, posteriormente, convolou-se na Lei n.º 5.115/11 - foi elaborado de forma unilateral pelo chefe do Poder Executivo Municipal, sem que houvesse qualquer forma de consulta popular, seja por meio de audiência pública, pesquisa, ou qualquer outro meio, contrariando a disposição constitucional (art. 231, § único, inciso IV, CE) que garante a participação da comunidade inclusive nos projetos que ensejarem alteração da política de desenvolvimento urbano.

Diante do exposto fica evidente que os cidadãos e seus representantes não participaram efetivamente na elaboração da Lei Municipal, violando totalmente o princípio da democracia participativa. Vale registrar, ainda, que, dessa forma, a referida Lei foi elaborada por um ato unilateral do chefe do Poder Executivo, negligenciando a participação da população, o que contraria o disposto no artigo 231, parágrafo único da Constituição Estadual, que garante a "participação ativa das entidades comunitárias no estudo e no encaminhamento dos planos, programas e projetos na solução dos problemas que lhes sejam concernentes".


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho é resultado de um estudo minucioso, elaborado de forma dedutiva com base em fontes bibliográficas, documentais e jurisprudenciais, valendo-se de dados já registrados e elaborados em livros e artigos científicos pertinentes ao tema que exigiu muita leitura, reflexão e acima de tudo, capacidade de síntese em função da quantidade de autores pesquisados.

Em sua essência versou sobre o direito à informação como instrumento da participação popular no planejamento e desenvolvimento urbano, partindo do pressuposto que a informação está vinculada à participação popular e às políticas públicas. Para além dos aspectos já referidos, colocou o problema de saber até que ponto a participação popular está associada à informação ou ao acesso às informações e, de que forma a sonegação ou a informação inadequada poderiam contribuir para desestimular, ou desqualificar a ação política, ou a participação popular.

Ademais, ponderou acerca da existência de mecanismos capazes de permitir ao povo o exercício de sua soberania e cogitou a respeito da não existência de políticas públicas que pudessem transformar em poder de fato o poder legal que esses mecanismos possuem. Por outro lado, o objeto da pesquisa seria identificar quais mecanismos político-jurídicos poderiam ser implementados no Município de Vila Velha para estimular a participação popular no planejamento, execução e fiscalização do Plano Diretor Municipal. Para tanto, o texto foi elaborado em cinco capítulos, conforme se segue.

No primeiro capítulo desenvolveu-se o tema do direito à informação. Iniciou-se pela definição e contextualização da palavra informação haja vista a complexidade do seu significado e a sua importância no contexto político e jurídico. Em seguida abordaram-se os aspectos inerentes ao direito à informação que, com o advento da Lei de Acesso a Informação passou a ocupar lugar de destaque no discurso político-jurídico devido a premência de se efetivar a garantia ao livre fluxo de informação, indiscutivelmente necessária e fundamental para o exercício democrático da experiência urbana.

No segundo capítulo, ao discorrer sobre o direito urbanístico e seus princípios informadores, antes de analisar os princípios, fez-se uma breve contextualização histórica. Na sequência foi feita uma análise dos princípios constitucionais e daqueles específicos do Direito Urbanístico com ênfase no princípio fundamental da participação popular como princípio norteador do exercício da democracia deliberativa, observada com mais detalhes no terceiro capítulo.

O terceiro capítulo foi dedicado à democracia deliberativa e à participação popular nas decisões de interesse público, onde o que se pretendeu foi demonstrar que entre o Estado de Direito e a Democracia existe uma a relação tensa, aparentemente lógica, mas repleta de contradições em sua estrutura. A partir da análise da evolução histórica das teorias democráticas, revelou a necessidade premente de dotar os indivíduos de capacidade deliberativa para que, ao promover o debate, alcancem a superação dos conflitos urbanos, naturalmente polêmicos e complexos, por meio da cooperação de atitudes e condutas.

O quarto capítulo foi dedicado à observação do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor Participativo com o intuito de verificar, com base na legislação vigente, o que existe no direito material que possa garantir a participação popular como preceito obrigatório dos processos e instrumentos de planejamento, seja no âmbito da Constituição ou das Leis Ordinárias.

O quinto e último capítulo teve por objeto a análise de um caso concreto, isto é, a arguição de inconstitucionalidade do PDM visando identificar de que forma o acesso à informação vincula a participação popular nas decisões públicas e, até que ponto, o PDM enquanto norma está efetivamente cumprindo a sua função social.

Apresentados, de forma sintética, o tema proposto revelou ser bastante atual, presente no discurso social contemporâneo e, demonstrou-se eficiente na comprovação das hipóteses suscitadas. No que se refere à participação popular, não restam dúvidas quanto à sua efetividade estar diretamente vinculada ao acesso à informação.

Entretanto, é fundamental que, não somente, se crie mecanismos de acesso à informação, como também políticas educacionais capazes de impulsionar projetos concretos de modificação da realidade social, em especial, àquelas voltadas para o desenvolvimento da consciência política dos cidadãos com o intuito de habilitá-los para o exercício da soberania, pressuposto básico do Estado Democrático de Direito.

Oportuno se torna dizer que, embora se admita alguma limitação na sua divulgação, a informação precisa ser adequada, transparente e disponibilizada com frequência. Enfim, deve-se miniminar os obstáculos e ampliar as oportunidades de participação da população na gestão pública, com ênfase no processo de elaboração, discussão e implantação do Plano de Desenvolvimento Urbana que interfere diretamente no cotidiano dos citadinos.

Conclui-se assim que os principais mecanismos político-jurídicos existentes no Município de Vila Velha para estimular a participação popular no planejamento, execução e fiscalização do Plano Diretor Municipal são os seguintes: Ação Popular, Ação Civil Pública, Plebiscito, Referendo, Audiência Pública, Orçamento Participativo, Conselhos Municipais, dentre outros.

De fato, em termos de ordenamento jurídico, existem mecanismos capazes de permitir o exercício da soberania, entretanto, embora existam políticas públicas, ao contrário do que havia sido ponderado, elas não constituem um conjunto de ações capazes de produzir efeitos específicos ou de exercerem qualquer influência na vida dos cidadãos.

O governo possui o poder legal, é ele quem escolhe transformar esse poder em ação (poder de fato), ou, simplesmente, quedar-se inerte. Pode optar por agir diretamente ou por delegação, mas, algumas vezes, simplesmente, opta por não fazer nada, ignorando a essência da política pública, ou seja, afasta o embate em torno de ideias e interesses e renuncia à todas as possibilidades de cooperação que poderiam existir entre os governos e outras instituições ou grupos sociais.

Quer se trate da participação popular, do acesso à informação ou da democracia deliberativa, diante da constatação de que a experiência urbana, mesmo que fragmentada, é eminentemente política, é inevitável que se questione as bases conceituais para a institucionalização jurídica de condições para o exercício efetivo não somente, do direito à informação, como também, do direito à cidade, ambos entendidos como direitos humanos fundamentais.


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