O DIREITO COMO SISTEMA CULTURAL - Eduardo de Carvalho Lima - Monografia -FAFICH - UFMG

May 28, 2017 | Autor: Eduardo Carvalho | Categoria: Antropología cultural, Antropología y Sociología Jurídica, Direito Processual
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Eduardo de Carvalho Lima

O DIREITO COMO SISTEMA CULTURAL

Belo Horizonte 2015

Eduardo de Carvalho Lima

O DIREITO COMO SISTEMA CULTURAL

Monografia submetida à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito para obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais, sob a orientação do prof. Leonardo Hipólito Genaro Figoli.

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AGRADECIMENTOS

Um bom trabalho antropológico só está completo quando são apresentadas as anotações do “Diário de Campo”, sendo este o lugar pertinente para expor algumas emoções e tornar conhecidos alguns “informantes”. Primeiramente, agradeço imensamente aos meus pais e ao meu irmão que acolheram, sem hesitar, o meu sonho de estudar Ciências Sociais, pois, mesmo sem saber do que o curso se tratava, confiaram na minha escolha e tiveram em mente minha felicidade. O amor verdadeiro é aquele que confia e se mantém fiel mesmo quando se depara com o desconhecido. Pela paciência e compreensão sou eternamente grato. Trato agora de um dos principais “informantes” no desenvolvimento desse trabalho, foi uma pessoa que me recebeu em um universo novo e, sempre com um sorriso sereno e palavras fraternas, me escutou nas minhas angústias e nas minhas alegrias com uma atenção inabalável, como que se quem estivesse a falar fosse um verdadeiro sábio. Meu “informante” e grande amigo Marcielo, sua amizade e suas lições me fizeram chegar até o fim, me tornaram uma pessoa mais sensível e sensata. Sou eternamente grato. A antropologia não é possível sem a poesia, sem a literalidade e sem a paixão, nesses temas um “informante” excepcional veio dar sua contribuição. Companheiro nas devassas e nas festas, mas também nas reflexões mais íntimas a respeito da vida, o dono da risada mais contagiante que conheci fez parte do início e do fim desse processo de graduação. Guilherme, sua amizade e sua maneira de ser estão refletidas em vários dos pensamentos que exponho aqui. Esse trabalho é a expressão de uma experiência permanente de se viver antropologicamente, pois, estar no curso de ciências sociais e ser conhecido como o estudante de direito e, ao mesmo tempo, estar cursando direito e ser lembrado como o estudante de ciências sociais, me fez um estrangeiro permanente nas disciplinas o que, sem dúvida alguma, me permitiu os insights que exponho nessa monografia.

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RESUMO

O presente estudo se ocupa de uma proposta de antropologia jurídica pautada nas considerações de Clifford Geertz quando trata os fatos e leis em uma perspectiva comparativa, ressaltando a necessidade de se tomar o direito como um sistema cultural, da mesma maneira que se faz com a religião. Para tanto, são desenvolvidas análises do processo jurídico e da pessoa jurídica, partindo-se de uma abordagem antropológica situada nos estudos de Victor Turner e Mariza Peirano acerca do processo ritual e nas considerações de Marcel Mauss e Giorgio Agamben a respeito da noção de pessoa. Desenvolvem-se os argumentos tendo em vista noções caras à antropologia do simbólico e à hermenêutica, destacando-se que nesse momento situa-se a argumentação em considerações de Geertz e do jurista Eros Roberto Grau sendo que, ao mesmo tempo, por tratar-se de uma abordagem de instituições do direito, são utilizados conceitos pertencentes ao universo de significação jurídico, notadamente o de devido processo legal, balizado nas construções da Teoria Neoinstitucinalista do Processo e, também, nas reflexões de Alain Supiot acerca do Homo Juridicus e do jurista Vinícius José Marques Gontijo a respeito da dignidade da pessoa jurídica. Com arrimo nas análises das mencionadas instituições jurídicas pretende-se demonstrar que o direito é, de fato, um sistema cultural e, como tal, constitui-se como um objeto de análise extremamente fértil para a antropologia.

Palavras-chave: antropologia jurídica, processo ritual, noção de pessoa, sistema cultural

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SUMÁRIO

1. Introdução .............................................................................................................. 6 2. O processo jurídico analisado sob a perspectiva antropológica, uma concepção ritual ..................................................................................................... 12 2.1 O lugar do ritual, o espaço da justiça ................................................................. 15 2.2 O momento liminar, a integração de sentido à norma pelo intérprete autorizado ............................................................................................... 17 2.3 A (des)agregação, a imposição de um sentido pelo magistrado e a não pacificação dos conflitos, o ritual judicial carente de eficácia .......................................................................... 20 3. A noção de pessoa para a antropologia à luz da análise do conceito de pessoa jurídica no ordenamento jurídico brasileiro ......................... 24 4. Conclusão ............................................................................................................... 32 5. Referências bibliográficas ....................................................................................... 34

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1. Introdução

O presente trabalho inicia-se com uma citação de Geertz que, ao tratar das peculiaridades que unem e ao mesmo tempo desunem os advogados e os antropólogos, aponta para a principal questão que se pretende tratar aqui. Nesse sentido, busca-se chamar atenção para o que o contato entre a antropologia e o direito proporcionou e o que poderia proporcionar, destacando-se que as pretensões deste estudo são de tentar usar a sensibilidade antropológica para observar o direito e, também, a sensibilidade jurídica para contribuir com a antropologia. Vejamos, portanto, o que nos diz Geertz:

Com tudo isso, a interação de duas profissões tão orientadas para a prática, tão profundamente limitadas a universos específicos e tão fortemente dependentes de técnicas especiais, teve como resultado mais ambivalência e hesitação que acomodação e síntese. E, ao invés de termos uma penetração da sensibilidade jurídica na antropologia, ou da sensibilidade etnográfica no direito, o que vemos é um conjunto limitado de debates estáticos, em que se tenta descobrir se os conceitos da jurisprudência ocidental têm alguma aplicação útil em contextos não ocidentais ou se o estudo do direito comparativo consiste em saber como os africanos ou os esquimós concebem a justiça (...). (GEERTZ, 1978: 170)

Na esteira do raciocínio do autor, entende-se que a antropologia e o direito têm mais o que acrescentar entre si, sendo que, para tanto, é indispensável uma atitude antropológica de transformar o “exótico em familiar e o familiar em exótico”, nos termos propostos por Roberto Da Matta. Indispensável, assim, compreender a proposta de Da Matta e demonstrar de que maneira ela se amolda ao que Geertz muito bem apontou como limitação do que chamamos de “antropologia jurídica”. A atitude sugerida por Da Matta é por ele esclarecida da seguinte maneira:

De tal modo que vestir a capa de etnólogo é aprender a realizar uma dupla tarefa que pode ser grosseiramente contida nas seguintes fórmulas: (a) transformar o exótico no familiar e/ou (b) transformar o familiar em exótico. E, em ambos os casos, é necessária a presença de dois termos (que representam dois universos de significação) e, mais basicamente, uma vivência dos dois domínios por um mesmo sujeito disposto a situá-los e apanhá-los. (DA MATTA, 1978: 28)

A proposta metodológica do presente trabalho é, portanto, bastante simples. A “falta de sensibilidade”, antropológica e jurídica, observada por Geertz, que aponta para o que seria a falta de uma antropologia do direito pautada na “busca de temas específicos de análise que,

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mesmo apresentando-se em formatos diferentes, e sendo tratados de maneiras distintas, encontram-se no caminho das duas disciplinas” (GEERTZ, 1978: 171), pretende ser suprida com a asserção de Da Matta, ao passo que serão feitos os caminhos do estranhamento do familiar e de familiarização do exótico, valendo-se do contato entre a antropologia e o direito, dois universos de significação distintos, articulando estes domínios para encontrar o “caminho entre as disciplinas”. Quando se observa o direito pelos olhos da antropologia e, mais do que isso, identifica-se nos termos jurídicos os conceitos antropológicos que se apresentam na análise de temas caros à antropologia, a semelhança das palavras entre as duas disciplinas deixa de se apresentar como mera casualidade, apontando para desdobramentos interessantes e muito férteis. Dessa maneira, nos dois capítulos que compõem o presente trabalho, busca-se efetivar o diálogo entre antropologia e direito, chegando-se a permitir, em um certo momento, uma proximidade muito grande entre as palavras e os termos empregados como conceitos estruturantes das duas disciplinas. Para ter êxito em tal proposta, no primeiro capítulo será realizada uma análise do processo jurídico sob o prisma do ritual antropológico, ou seja, a partir de uma abordagem antropológica de caracterização de rituais, que passa pelas lições de Victor Turner e, aqui, consolida-se nos conceitos de Esther Jean Langdon. Será feita uma tentativa de leitura do processo jurídico, demonstrando de que maneira os rituais judiciários podem ser facilmente compreendidos pelos antropólogos, a partir das noções que estes desenvolveram acerca das características de um processo ritual. Nesse momento, ao analisar o processo jurídico a partir de conceitos estranhos à dogmática jurídica, pretende-se transformar o exótico em familiar, uma vez que o universo de significação do direito será afastado para que o processo jurídico seja tratado apenas como mais um ritual. Com tal postura, suspende-se a imperatividade da verdade jurídica e estabelece-se uma análise que pretende, tão somente, considerar a ritualística do procedimento de tomada de decisão pela via jurídica. É fundamental destacar que tal estudo não tem a intenção de deslegitimar o direito, tendo em vista que a proposta é de compreensão e, para tanto, muitas vezes é necessário adotar olhares distintos daqueles utilizados pela dogmática jurídica. Não obstante tal consideração – lembrando a todo momento que o presente trabalho tem pretensões de contribuir no campo dos estudos antropológicos, mas, também, para a esfera jurídica, notadamente na construção de um processo democrático –, é importante tecer breves considerações acerca da pertinência do estudo dos rituais na antropologia, traçando, desde já, um paralelo muito interessante com o direito, tendo em vista principalmente a teoria 7

discursiva de Habermas, muito bem compreendida pela teoria neoinstitucionalista do processo.1 O estudo dos rituais pela antropologia se preocupa com duas questões centrais: a eficácia e a legitimidade. Desse modo, no intuito de se compreender melhor como os ritos podem fornecer aos seus participantes alguma mudança de estado, modificação e transformação da experiência, é indispensável analisar como se adquire legitimidade e de que maneira esta é capaz de conferir eficácia ao rito. Parte-se do pressuposto de que a eficácia e legitimidade do processo ritual situam-se, sobretudo, nos símbolos e na construção compartilhada de significado pelos participantes do rito; por esta razão, noções caras à Antropologia do Simbólico serão indispensáveis no desenvolvimento do presente estudo. Mais uma vez, portanto, as ideias de Geertz serão assimiladas, sendo que a proposta central deste trabalho é, a partir de breves análises antropológicas do direito, notadamente no que diz respeito ao processo ritual e à noção de pessoa, construir o argumento de que o direito é um sistema cultural, tendo em vista as noções de cultura e de símbolo desenvolvidas pelo citado autor no livro A interpretação das culturas, destacadamente no seu capítulo 4, “A religião como sistema cultural”. Pontua-se, dessa maneira, que o direito é um objeto de análise tão fértil que, assim como a religião, pode ser tomado como um sistema cultural capaz de fornecer conteúdo à compreensão de uma sociedade. Na concepção de Geertz, aqui adotada, o símbolo expressa significado, é algo tangível que representa uma ideia, são formulações tangíveis de formulações abstratas, ou seja, o símbolo é uma fonte extrínseca de informação, sendo esta uma característica que lhe confere plasticidade, dinamicidade, diminuindo sua determinação. É nesse sentido que se pode pensar, juntamente com Geertz, em um conceito semiótico de cultura, que coloca a antropologia como uma ciência interpretativa em busca de significado, e a cultura como um processo, pois ao mesmo tempo que modela a ordem social é modelada por ela. Caminhando um pouco mais na relação entre cultura e símbolo, tendo em vista esta noção de processo, é necessário 1

Para uma melhor compreensão da teoria, ver a obra de Rosemiro Pereira Leal, A teoria neoinstitucionalista do processo. Uma trajetória conjectural. Nas palavras do autor: “A teoria neoinstitucionalista do processo é uma resposta que elaborei (e venho elaborando!) ao holocausto a que fui submetido pelo aprendizado museológico de um Direito fincado na ideologia secular da Ciência Dogmática do Direito. Com o advento da Constituição brasileira de 1988, encerrando-se o ciclo totalitário de 1964, entendi que o seu art. 1º abolira o republicanismo (modelo comunitarista de Estado Social que, a seu turno, preserva veladamente a tradição do Estado Liberal) com expressa implantação do Estado Democrático de Direito. Esse novo paradigma de Estado, a meu ver, porque protossignificativo e constitucionalizado (sistematizado) por uma teoria linguístico-autocrítico-jurídica denominada processo, núcleo gestativo sistêmico da própria Lei Constitucional, é que iria, por uma de suas vertentes que cognominei neoinstitucionalista, reclamar compreensões pela ciência não dogmática, logo democrática de direito no sentido que lhe empresto no decorrer deste ensaio”.

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conceber a cultura como intrinsecamente incompleta, em permanente mutação na interação com as pessoas. Assim sendo, os símbolos são responsáveis por realizar essa “passagem” da estrutura para a ação, das emoções para o intelecto, nas palavras de Geertz, pode-se resumir que a cultura:

(...) denota um padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida. (GEERTZ, 1978: 103)

Pelo exposto, neste momento introdutório, suficiente dizer que tratar-se-á o processo jurídico como momento ritualístico por excelência de construção da “cultura jurídica”, aqui pensada como uma padrão de significados transmitido historicamente, notadamente no que diz respeito à construção de sentido das leis, ou seja, tendo como pano de fundo as ideias de Geertz, a análise irá propor uma compreensão do processo jurídico como ritual de significação da Lei, tendo em vista que a Lei, evidentemente expressa em palavras, nada mais é do que um sistema de símbolos ao qual deve-se atribuir um significado. Nesse sentido, cabível

trazer

em

linhas

gerais

a

proposta

habermesiana

adotada

pela

teoria

neoinstitucionalista, na qual a decisão judicial somente é constitucionalmente válida e legítima quando construída conjuntamente pelas partes que serão atingidas pela sentença a ser proferida pelo Juiz. Nota-se, portanto, que é patente a semelhança entre a Teoria Discursiva proposta por Habermas e a noção de cultura desenvolvida por Geertz, na medida em que ambos compreendem que a construção do significado se dá de maneira compartilhada. A abordagem do primeiro capítulo terá o condão de conduzir à ideia de que o direito é um sistema cultural, na medida em que, tomando-se por base as ideias de Esther Lagdon, o rito é um conceito chave para a compreensão de processos sociais,2 sendo o rito jurídico um dos processos sociais mais importantes da sociedade ocidental, pois, no limite, todos os conflitos acabam por terminar no judiciário, sendo esta a instituição competente para definilos e portanto dizer a “verdade” e estabelecer a “paz social”. O segundo capítulo, como se há de ver, também irá fornecer argumentos fortes para a construção do argumento de que o direito é um sistema cultural, uma vez que irá tratar de um conceito fundante de qualquer sociedade: a noção de pessoa.

A este respeito ver o artigo de Ladgon, “Rito como conceito chave para a compreensão de processos sociais”, destacando-se a seguinte assertiva ali proposta: “Para Turner, a vida social é caracterizada por fluxos que incluem períodos conflituosos, estes que ele denomina de ‘dramas sociais’”. (LANGDON, 2007: 08) 2

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No segundo capítulo, portanto, invertendo o sentido adotado anteriormente, passar-seá a uma análise técnica do conceito de pessoa jurídica, utilizando-se do universo de significação estritamente jurídico e dogmático para, a partir dessa análise técnico-judicia, buscar contribuições do direito para a construção da noção de pessoa pela antropologia. Neste segundo momento, tendo em vista que se trata de um trabalho antropológico, far-se-á a transformação do familiar em exótico, na medida em que conceitos jurídicos aparentemente estranhos à antropologia fornecerão conteúdo interpretativo capaz de desenvolver antropologicamente a noção de pessoa. Importante pontuar, nesse primeiro momento, o referencial teórico em que se situa esta parte do trabalho que se propõe a discutir a noção de pessoa no ocidente, aqui entendido como “lugar cultural” no qual vigem as regras do direito oriundas das construções romanas, germânicas e católicas, tendo em vista que a noção de pessoa pautar-se-á nas definições jurídicas e religiosas vigentes em tal “lugar cultural”. A ideia se desenvolve nos termos sugeridos por Alain Supiot em seu livro Homo Jurisdicus: ensaio sobre a função antropológica do direito, no qual, entre outras contribuições, o autor chama atenção para a condição de possibilidade para a estruturação da noção de pessoa jurídica no ocidente, a saber:

Nas origens da nossa ideia de personalidade humana encontram-se as personae, as máscaras mortuárias dos antepassados. Detinha a personalidade na Roma antiga, aquele que era depositário destas imagines e do nome dos antepassados: o pater famílias. Em Direito Romano, os seres humanos não possuíam todos plena personalidade: alguns podiam ser tratados juridicamente como coisas, enquanto outros apenas procediam da personalidade do pater famílias. Não existe, pois, então, o conceito genérico de “pessoa”, mas graus de personalidade, indo desde o escravo até o pater famílias, passando pelos libertos, os filhos e mulheres livres, os peregrinos, etc. É com o cristianismo que a personalidade se torna num atributo reconhecido a todo ser humano. Nas duas outras religiões do Livro, Deus permanece um Ser impossível de circunscrever e, logo, de representar. Sendo aperigraphtos (incircunscritível), a divindade não pode ser encerrada naquilo que define a pessoa: um nome e um rosto, que lhe dão uma perigraphê (circunscrição), uma forma e limites. Em contrapartida, a encarnação do Deus dos cristãos sob os traços do Filho, confere-lhe um rosto (prosopon) e, logo, uma personalidade. (SUPIOT, 2005: 46-47)

E, no intuito de dar sucedâneo empírico ao estudo desenvolvido, será realizada uma análise do ordenamento jurídico vigente sob o prisma da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conjuntamente com o trabalho de campo desenvolvido pelo antropólogo Patrick Arley de Resende, Corpos sem nome, nomes sem corpos: desconhecidos, desaparecidos e a

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constituição da pessoa, no qual são tratadas as peculiaridades da pessoa como fisiologicamente presente e juridicamente ausente e vice-versa. Ao final, com apoio em conclusões filosóficas de Giorgio Agamben, será possível não só dar maior sustentação ao que foi dito pelos citados autores, como também alcançar algumas conclusões interessantes para o direito e para a antropologia. São, portanto, duas perspectivas de análise que partem de dois universos de significação distintos, caros a cada uma das disciplinas, mas que, ao final, acabam por revelar coincidências e, em razão delas, é possível chegar a conclusão de que o direito pode ser abordado pela antropologia como um sistema cultural, nos mesmo moldes que os antropólogos tomam a religião. Por fim, antes de esmiuçar cada uma das análises, deve-se destacar que o estudo está intimamente relacionado em todos os seus propósitos, sendo indispensável realizar uma análise em conjunto tanto do processo quanto da noção de pessoa, pois estas noções são condições de possibilidade para se demonstrar que o direito é, de fato, um sistema cultural.

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2. O processo jurídico analisado sob a perspectiva antropológica, uma concepção ritual

Propor-se a analisar símbolos implica, necessariamente, em buscar a relação entre significado e significante, ou seja, em todas as acepções possíveis acerca do significado da palavra símbolo tem-se dois elementos: algo que representa e algo que é representado, o simbolizado e o simbolizante. Podendo-se dizer que, obedecendo a proposição acima, ao pensarmos o símbolo, temos o veículo, o símbolo visível e o significado, que requer uma leitura, ou melhor, uma hermenêutica. Dessa maneira, importa pensar e analisar que relação é esta que une um simbolizante a um simbolizado, ressaltando ainda que a própria palavra símbolo, quando analisada etimologicamente, aponta para a ideia de união e ligação. Seguindo a breve introdução tecida a respeito do que seria necessário observar e analisar ao estudar símbolos, fundamental destacar que as palavras leitura e hermenêutica, utilizadas acima quando da explicação do processo de compreensão do significado do símbolo, não foram utilizadas aleatoriamente. Afirma-se, desde já, que o importante a ser compreendido na análise dos símbolos é a leitura (hermenêutica) que se faz deles. Assim, define-se o objeto do presente capítulo da seguinte maneira: analisar brevemente o processo de leitura (hermenêutica) das leis, partindo-se do pressuposto central de que as palavras são símbolos por excelência e de que a sua leitura implica na compreensão à luz de um horizonte de significação. Em outras palavras, o que se pretende fazer são algumas observações dos processos legislativos e judiciais de criação e interpretação da Lei, uma vez que o Legislativo é a função estatal típica para a criação de normas, enquanto o Judiciário tem a função típica de interpretar o direito, integrando significado à norma positivada pelo Legislativo. Não obstante tais considerações, antes de adentrar na temática proposta, indispensável fazer menção ao trabalho de Mariza Peirano, O dito e o feito, sobretudo no que tange a sua proposta de tomar os rituais como estratégia analítica de abordagem etnográfica. Deve-se ter em vista que na antropologia não há superação de paradigmas, pois trata-se de uma disciplina pluriparadigmática, ocorrendo, de fato, um “movimento espiralado”. Nesse sentido, é possível compreender que retomar a análise dos ritos, horizontalizando o seu grau de importância com a análise dos mitos, não implica em um retrocesso da disciplina. Os ritos não se confundem com o cotidiano; pelo contrário, eles já são destacados como algo não natural, ou seja, o rito é algo extraordinário. O ritual, seguindo as lições de Peirano, objetiva uma linguagem, configurando-se como a dimensão da ação da linguagem, 12

que, como visto, acarreta na ação, no sentido de compreender o que os símbolos produzem. Ora, o símbolo não é uma “contrassenha” do pensamento, a linguagem também é ação, as palavras não apenas nomeiam as coisas. Destarte, deve-se restaurar a importância do rito, articulando-o com o mito, desfazendo a separação e horizontalizando a tensão entre eles. Por todo o exposto até o momento, é possível estabelecer duas proposições que irão guiar os argumentos aqui expostos, a saber: a) de acordo com Victor Tuner, o rito retroalimenta o mito; e b) seguindo as conclusões de Agamben, notadamente na sua leitura de Mauss e Hubert, o que foi separado ritualmente, ou seja, foi sacralizado, pode ser restituído, mediante o rito, à esfera profana. Traçadas essas considerações iniciais e delineados os pressupostos dos argumentos a serem apresentados, é necessário esclarecer qual rito pretende-se analisar detidamente neste trabalho. O rito a ser analisado é o do processo jurídico, sendo indispensável fazer uma breve ressalva acerca da noção de processo aqui empregada. A análise se situa na proposta de Antoine Garapon, mais precisamente nas ideias desenvolvidas no livro Bem julgar: ensaio sobre o ritual judiciário. Por esta razão, faz-se o pequeno acerto de termos, analisa-se, pois, o ritual judicial. Todavia, antes de adentrar na análise do ritual judicial propriamente dito, tendo em vista a importância de se pontuar algumas questões pertinentes às leis, sobretudo quando tratadas como enunciados linguísticos simbólicos, deve-se fazer alguns comentários acerca do processo legislativo. Primeiramente, é interessante conhecer um brocardo jurídico utilizado na hermenêutica jurídica: verba cum effectu sunt accipienda (as leis não contém palavras inúteis). O ritual legislativo é aquele pelo qual são criadas as leis que irão reger um estado de direito, ou seja, é por meio da elaboração de enunciados normativos, leis, nos quais não existem palavras inúteis, que se chega à estruturação de um ordenamento normativo que irá pautar várias relações e situações no mundo social. Ora, a redação de uma lei implica na utilização de palavras, para que se possa, por meio delas, dar a conhecer o direito e a justiça. Por meio dessa resumida exposição do ritual legislativo, compreende-se que a elaboração de uma lei, em última análise, é a simbolização, por meio das palavras, daquilo que se entende por justiça. Pelo exposto, restam configuradas as duas proposições apresentadas: a) o ritual legislativo retroalimenta o mito da justiça3, uma vez que a redação da lei é perfeita, pois não 3

Atribui-se à justiça a qualidade de mito, pois, quando entendida como uma virtude, o conceito toma contornos místicos, como sugere Jacques Derrida ao tratar do tema em seu livro Força de Lei, mais precisamente quando cita Montaigne: “Ora, as leis se mantêm em crédito, não porque elas são justas, mas porque são leis. É o fundamento místico de sua autoridade, elas não têm outro (...). Quem a elas obedece porque são justas não lhes obedece justamente pelo que deve”. Vê-se, pois, que o fundamento da justiça é algo místico e, devido a isso, tão

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contém palavras inúteis; b) o ritual legislativo separa ritualmente as palavras, que passarão a compor um enunciado normativo (Lei), sendo indispensável um outro ritual para que essas palavras possam sair da esfera textual normativa e sejam aplicadas enquanto leis na realidade fática, o ritual judicial. É, pois, o saber tradicional que deve ser interpretado para sua aplicação no presente, da mesma maneira que a leitura dos textos sagrados:

(...) a hermenêutica jurídica como a teológica são obrigadas a encarara compreensão, não apenas como uma tentativa arqueológica de penetrar num outro mundo (...), mas como tentativa de construção de uma ponte sobre a distância que separa o texto da situação presente. (PALMER, 1986: 237)

Nesse mesmo sentido, as lições sobre interpretação do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Roberto Grau, balizam muito bem o que se pretende observar:

Interpretar é atribuir significado a um ou vários símbolos linguísticos escritos em um enunciado normativo. O produto do ato de interpretar, portanto, é o significado atribuído ao enunciado ou texto (preceito, disposição). (...) O significado (isto é, a norma) é o resultado da tarefa interpretativa. (...) Por isso as normas resultam da interpretação, e podemos dizer que elas, enquanto disposições, nada dizem – elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem (...). (GRAU, 2008: 78-80)

A partir das citações e das ideias já desenvolvidas, é possível iniciar a análise do processo jurídico enquanto ritual judicial. Para tanto, tendo em vista se tratar de uma análise antropológica, é indispensável situar qual definição de rito será empregada, a fim de delimitar os contornos da pesquisa e os conceitos a serem utilizados. Ao tratar da noção de rito, partir-se-á da definição proposta por Langdon, qual seja, um evento que envolve “uma ruptura no fluxo da ação social, um limite temporal, e atores sociais que estão, de alguma maneira, manifestando simbolicamente valores e ideais sobre seu mundo” (LANGDON, 2007: 5); e, no intuito de dar uma base sólida à análise do processo ritual, será utilizada a noção de liminaridade, tão bem tratada bom Victor Turner, que identifica três fases no processo ritual: separação, transição ou margem e agregação (préliminar, liminar e pós-liminar). Feitas estas pertinentes considerações teóricas e conceituais, é imperioso adentrar, portanto, na análise do ritual judicial, buscando demonstrar de que maneira é possível encontrar a manifestação fática dos conceitos traçados. difícil de definir, sendo justamente esse seu aspecto de uma virtude a priori, ou seja, carente de esclarecimento racional, que lhe atribui a condição de mito.

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2.1 O lugar do ritual, o espaço da justiça

Na esteira dos conceitos apresentados, a primeira fase a se identificar no processo ritual é a da “ruptura com o fluxo da ação social”, que seria o estágio “pré-liminar” do rito. Nesse sentido, o próprio espaço da justiça, ou seja, os fóruns e tribunais, já apresenta características que marcam precisamente a mudança de lugar e, via de consequência, uma ruptura com o fluxo cotidiano da vida. Antoine Garapon faz observações interessantes acerca dessa mudança de espaço:

O simbolismo da porta acentua a separação entre o espaço judiciário e o espaço profano da cidade. A porta é um local imbuído de um certo poder, o que explica que tenha sido escolhida muitas vezes por essa qualidade para nela se fazer justiça. (...) A porta resume todo o caráter sagrado do edifício. (...) A porta de um palácio de justiça nunca se encontra ao mesmo nível da rua: está sempre acima deste. Para aceder ao palácio da justiça, é preciso subir sempre um grande número de degraus. As escadarias majestosas, que evocam a ideia de uma ascensão espiritual, (...). (GARAPON, 1997: 35)

Nota-se, à vista disso, que a mudança no fluxo se impõe desde o momento em que o indivíduo se coloca diante do lugar da justiça, destacando-se que, no caso dos edifícios Fórum e do Tribunal de Justiça situados em Belo Horizonte, um elemento peculiar atribui ao lugar da justiça e à passagem pela porta, ainda mais força simbólica e coercitiva, indicando que estarse a adentrar em local especial: o detector de metais. A respeito dessa passagem pela porta, que marca as fronteiras do espaço ritual e do cotidiano, Van Gennep tece considerações muito relevantes para o argumento aqui exposto:

De maneira mais precisa é possível dizer que a porta é o limite entre o mundo estrangeiro e o mundo doméstico, quando se trata de uma habitação comum, entre o mundo profano e o mundo sagrado, no caso de um templo. Assim, “atravessar a soleira” significa ingressar em um mundo novo. Tal é o motivo que confere a esse ato grande importância nas cerimônias do casamento, da adoção, da ordenação e dos funerais. (VAN GENNEP, 2011: 37)

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Ora, a porta, como visto, já carrega toda uma força simbólica que indica uma mudança de lugar e de espaço, colocando o indivíduo na nítida situação de ver-se em um ambiente diferente. Entretanto, ao colocar junto à porta um detector de metais, instaura-se também um momento de purificação, que deve ser analisado mais detidamente. Adentrar em um espaço sagrado implica, necessariamente, que o indivíduo esteja apto a ali permanecer, ou seja, não é possível frequentar certos espaços sem que sejam observadas algumas regras, não só de comportamento, como também de limpeza, vestuário e purificação. No âmbito dos tribunais, tais regras já foram objeto de debate, sendo muito pertinente a transcrição de um julgamento do Superior Tribunal de Justiça ao ser chamado a se manifestar acerca da ilegalidade do uso de “bermudas” por uma advogada, sendo a emenda do julgado elucidativa:

MANDADO DE SEGURANÇA. PORTARIA Nº 255, DE 30 DE MAIO DE 1986. - Mandado de segurança impetrado contra ato da mm. juíza diretora do foro, da seção judiciária do rio de janeiro, tendo em vista ter sido a 2ª impetrante impedida de entrar na área térrea do prédio da justiça federal, posto estar trajando "bermudão de linho" de cumprimento até os joelhos. - É de se registrar que o ato inquinado de ilegal encontra amparo no item 12, da portaria nº 255, de 30 de maio de 1986, emanada pela diretora do foro, o qual é bastante explícito quando exemplifica como sendo traje inadequado para acesso às dependências da seção judiciária, o uso de bermudas. - Dentro dos princípios constitucionais, ao se ter que permitir o ingresso de pessoas do sexo feminino usando bermudas, o mesmo tratamento teria que ser dispensado às pessoas do sexo masculino, inclusive no que se refere a camisetas e sandálias, o que há de convir, não seria condizente com o decoro, dignidade e austeridade que se reveste a justiça federal como um todo. - Tanto assim é que, no tribunal regional federal da 2ª região o entendimento é idêntico ao aqui adotado, sendo mais rígida ainda tal norma nos tribunais superiores, onde nem a calça comprida é permitida às pessoas do sexo feminino. - Segurança denegada. (TRF-2 - MS: 0 RJ 94.02.20382-6, Relator: Desembargador Federal SILVERIO CABRAL, Data de Julgamento: 05/09/1995, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJU - Data::06/07/1999 - Página::12)

Vê-se, pois, que a “dignidade das roupas” deve ser condizente com o decoro do Tribunal. Dessa maneira, é inegável que, mesmo antes de se deparar com a porta de entrada, o indivíduo que irá ao espaço da justiça já se coloca em uma situação especial, uma vez que deve considerar qual roupa irá vestir antes de sair de casa. Não obstante esta breve digressão, que em muito contribui para a construção do argumento, deve-se retomar a questão dos detectores de metal. O simples fato de um indivíduo se submeter ao constrangimento de passar por um detector de metais já indica que, no lugar que está a adentrar, tem-se uma preocupação muito grande com a “segurança”.

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Entretanto, a análise de tal constrangimento não pode se limitar a uma leviana justificação pautada no argumento da segurança. Ora, na contemporaneidade, o detector de metais nada mais é do que um ato de revista, no qual pretende-se encontrar objetos que não podem compor o espaço da justiça; estar-se-á, de fato, a limpar, ou melhor, purificar o indivíduo que irá se colocar diante da autoridade judicial. Vê-se, até aqui, que existem circunstância fortes que levam à conclusão de que o contato com o judiciário implica em uma ruptura com a vida cotidiana, amoldando-se à definição de Victor Turner sobre a primeira fase de um processo ritual, uma vez que a separação “abrange o comportamento simbólico que significa o afastamento do indivíduo ou de um grupo, quer de um ponto fixo anterior na estrutura social, quer de um conjunto de condições culturais”. (TURNER, 1974: 97)

2.2 O momento liminar, a integração de sentido à norma pelo Intérprete autorizado

Tratar da fase liminar em qualquer processo ritual, mas, sobretudo, no ritual judicial é, sem dúvida, o momento mais delicado da análise. Por esta razão, no intuito de situar a perspectiva aqui adotada acerca da função do ritual judicial, inicia-se com uma citação de Pierre Bourdieu ao discorrer sobre o que chama de “linguagem autorizada”:

A estrutura da relação de produção linguística depende da relação de força simbólica entre os dois locutores, isto é, da importância de seu capital de autoridade (que não é redutível ao capital propriamente linguístico): a competência é também, portanto capacidade de se fazer escutar. A língua não é somente um instrumento de comunicação ou mesmo de conhecimento, mas um instrumento de poder. Não procuramos somente ser compreendidos, mas também obedecidos, acreditados, respeitados, reconhecidos. Daí a definição completa da competência como direito à palavra, isto é, à linguagem legítima como linguagem autorizada, como linguagem de autoridade. A competência implica o poder de impor a recepção. (BOURDIEU, 1977: 6)

Como visto no tópico anterior, a mudança de lugar, a passagem pela fase “préliminar”, é necessária para que se instaure uma nova ordem das coisas e, logicamente, seja possível manifestar simbolicamente valores e ideais pertinentes ao rito que se instaura. O ritual tem a capacidade de gerar a força simbólica necessária para que se tenha espaço a linguagem autorizada. Nesse sentido, retomando as primeiras ideias desse capítulo, seguindo

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as conclusões de Agamben, notadamente na sua leitura de Mauss e Hubert, o que foi separado ritualmente, ou seja, foi sacralizado, pode ser restituído, mediante o rito, à esfera profana. Nesse momento, feita a referência a Mauss, deve-se abrir um importante parêntesis para citar o autor, mais precisamente quando analisa a prece, para evidenciar que, consoante todo o argumento que se está construindo, existe uma similaridade muito grande entre a religião e o direito, o que conduz à conclusão de que este é, também, um sistema cultural:

O que encerra a demonstração de que a prece é um fenômeno coletivo são as relações que a ligam a outros fenômenos coletivos. Há notadamente toda uma ordem de fatos evidentemente sociais que mantêm com ela relações estreitas de parentesco. São as fórmulas jurídicas e morais. Uma teoria da prece certamente não será inútil a quem quiser compreender o juramento, o contrato solene, (...). Todos estes fatos são tão próximos da prece que não precisaremos distingui-los mais tarde. A fórmula inicial da maioria das preces sacramentais no catolicismo e aquela pela qual se abre o pronunciamento de nossos julgamentos se superpõem quase traço por traço. As expressões rituais in nomine patris etc. correspondem as palavras consagradas "Em nome do povo francês etc.". Tanto umas quanto as outras têm um valor evocativo e colocam a coisa que solenizam sob a proteção de um ser que chamam e tornam presente. E pelas fórmulas, é a todo formalismo, de uma maneira geral, que a prece se encontra vinculada. Portanto, ela ajuda a compreendê-lo. Até mesmo o caráter criador das formas que a sociedade impõe, em lugar nenhum aparece melhor do que na prece. A virtude sui generis delas, a marca particular que imprimem aos atos, nelas sobressai melhor do que em nenhuma outra instituição. Pois a prece só atua através da palavra e a palavra é o que há de mais formal no mundo. Portanto, jamais o poder eficaz da forma é tão aparente. A criação pelo verbo é o tipo da criação ex nihilo. (MAUSS, 1979: 121)

Dessa maneira, tendo em vista as considerações sobre a prece, nota-se que a Lei, que foi gerada via processo legislativo e encontra-se no âmbito mais formal do mundo, o da palavra, passará pela linguagem autorizada do magistrado, que integrará seu sentido no “caso concreto”, aplicando-se assim a palavra sagrada (Lei) ao mundo profano. Tem-se, assim, o retorno do que foi sacralizado pelo ritual legislativo (palavras que compõem o enunciado normativo) à esfera mundana, no exato momento em que a lei é aplicada, tendo seu sentido integrado pelo juiz, sendo este o momento liminar a ser melhor analisado adiante. Assim, retomando a referência feita ao entendimento do jurista Eros Grau, passar-se-á a demonstrar no que consiste, na perspectiva adotada por este estudo, o momento liminar do ritual judicial: a integração de sentido à norma, retirando de seu lugar sagrado e aplicando à situação mundana que se põe a decidir. Antes de iniciar este esforço argumentativo, indispensável esclarecer o que se entende por liminaridade, ou momento liminar, revelando-se que no presente trabalho, por mais que pautado nas lições de Turner e Langdon a este

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respeito, entende-se liminaridade como um momento não estrutural, momento em que o enunciado linguístico é plástico, maleável, exigindo-se uma definição, pois uma sociedade não pode se encontrar a todo momento na liminaridade, haja vista que a sociedade é entendida como estrutura. Seguindo o raciocínio, uma vez realizado o ritual legislativo tem-se a Lei que, como exposto, são palavras que foram retiradas ritualmente do uso comum e se tornaram “enunciados normativos sacralizados”. Estes enunciados, por sua vez, estão positivados nos Códigos e na Constituição, sendo que, se não forem aplicados ao “mundo da vida”, não passam de meras previsões do “dever-ser”. Por isso, tem-se o ritual judicial, é ele que irá restituir a previsão legal (dever-ser) à vida cotidiana (ser), ou seja, o ritual judicial é um processo de reagregação da Lei ao “caso concreto”, não só a aplicando, mas também reafirmando-a, relembrando a segunda função dos ritos. Porém, tal conclusão ganha contornos ainda mais claros quando se analisa a dinâmica do processo civil que se opera no direito brasileiro, na medida em que, atualmente, aplica-se a nomenclatura de “processo sincrético”. Contudo, antes de explicar este termo, deve-se esclarecer, mesmo que minimamente, outros dois conceitos caros ao direito processual pátrio. Existem, no Código de Processo Civil Brasileiro, a previsão de dois procedimentos muito pertinentes para o presente estudo, notadamente o Processo de Conhecimento, previsto no Título I do referido Código, e o Processo de Execução, regulamentado no Livro II. O Processo de Conhecimento, como o próprio nome indica, é aquele no qual se estabelece um ritual que irá apresentar ao juiz os fatos, os fundamentos jurídicos e as provas, para que o magistrado que não conhece algo venha a conhecer e, dessa maneira, possa decidir e, consequente, definir o devido “acertamento da lide” (conflito), na medida em que integra sentido à norma e “faz valer o direito”. Sendo assim, o que ocorre é uma separação dos fatos ocorridos na esfera mundana, levando-os a conhecimento do juiz, por meio de uma reconstrução probatória do ocorrido, para que o Intérprete Autêntico da Lei defina a solução jurídica do conflito. Entretanto, deve-se perceber que, quando profere a sua sentença, a norma, por mais que com o sentido devidamente integrado, permanece na esfera do sagrado, daquilo que foi separado ritualmente e, ali estando, não é possível de ser executada na esfera mundana, ou seja, a decisão judicial, mesmo que já tomada, ainda não retornou à esfera cotidiana para que surta seus efeitos. Tem-se, pois, o Processo de Execução (Cumprimento de Sentença), que, nos exatos termos propostos por Agamben, “o que foi separado ritualmente pode ser restituído, mediante o rito, à esfera profana” (AGAMBEN, 2007: 66), efetiva a reentrada da Lei ao “mundo da vida”. Sendo assim, o Processo de Execução é a restituição do 19

sagrado, o fato decidido e sacralizado pela sentença, ao mundo cotidiano, é a execução da sentença. Foi mencionado o Processo Sincrético porque atualmente é possível realizar estes dois movimentos por meio de um único processo ritual. Porém, antes dessa inovação processual, esses dois movimentos eram tão bem marcados e delineados que, findo o Processo de Conhecimento, era necessário instaurar um novo processo, o de Execução. Para tecer breves linhas de conclusão, importante retomar Bourdieu:

O signo não tem existência (salvo abstrata, nos dicionários) fora de um modo de produção linguístico concreto. Todas as transações linguísticas particulares dependem da estrutura do campo linguístico, ele próprio expressão particular da estrutura das relações de força entre os grupos que possuem as competências correspondentes (ex.: língua "polida" e língua "vulgar" ou, numa situação multilinguística, língua dominante e língua dominada). (BOURDIEU, 1977: 6)

Ao final dessas considerações acerca da liminaridade no ritual judicial, resta evidente que é atribuído ao juiz enorme força simbólica e, por esta razão, força normativa, uma vez que, como visto, cabe a ele a integração do sentido da norma:

Tal como um sacerdote, o juiz da dogmática é aquele que, não sendo apenas humano, mas não ostentando a condição de divindade, coloca-se no limiar da normatividade. A norma lhe é anterior, embora somente após o seu dizer é que o sentido normativo possível é revelado (jurisdição). (LEAL e FANTINI, 2014: 12)

Um leitor mais atento aos aspectos simbólicos da ritualística jurídica poderá, com razão, alegar a ausência de qualquer menção aos advogados, sujeitos indispensáveis no ritual que se analisa. Entretanto, como se há de demonstrar, o fato de não terem sido feitas referências a eles está intimamente ligado às lições de Bourdieu, na medida em que a existência do signo está condicionada às transações no campo linguístico, que expressam as relações de força entre os sujeitos que participam da construção do sentido, sendo que, quando o juiz ocupa um lugar de “Super-parte”, o lugar daquele que sabe o direito (iura novit cúria), o advogado torna-se, para dizer o mínimo, uma figura inócua. É no sentido dessa crítica que será analisada a última fase do processo ritual, a “pós-liminaridade” ou agregação.

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2.3 A (des)agregação, a imposição de um sentido pelo magistrado e a não pacificação dos conflitos, o ritual judicial carente de eficácia

Novamente, para dar início à analise dessa terceira e última fase do ritual judicial, a fase na qual tem-se, em regra, a agregação, é indispensável citar um trecho que elucida as críticas que serão elaboradas a seguir, no intuito de fornecer consistência ao que será afirmado. O jurista Dhenis Cruz Madeira, ao tecer comentários a respeito do processo de cognição dos magistrados brasileiros durante o Processo de Conhecimento, em uma extensa nota de rodapé fornece a problemática a ser analisada:

Outrossim, pode-se dizer que o exercício da função jurisdicional, em si, não pacifica as relações sociais. Não é raro ver pessoas que saem dos Tribunais sem que o conflito deixe de existir. A existência de uma sentença não assegura, por si, a pacificação social. No mesmo sentido, o Processo não é um meio de realização da justiça. (CRUZ MADEIRA, 2008: 112)

Nesse momento, imperioso retomar a construção argumentativa realizada acerca da relação entre cultura e símbolos no início deste trabalho, pois a problemática, ao que tudo indica, situa-se nessa relação, uma vez que esta é indispensável para a eficácia ritual. A construção tanto da cultura quanto dos símbolos se dá por meio de um processo social no qual símbolos e cultura modelam e são modelados pelos sujeitos. É nesse ponto que o argumento se coloca: é a capacidade do indivíduo de também modelar os símbolos e a cultura, sendo também modelado por aquilo que participou da construção, que confere legitimidade aos símbolos e à cultura. Em outras palavras, pode-se dizer que a legitimidade se constrói devido à possibilidade do sujeito de interferir na cultura e nos símbolos, pois estes irão interferir em sua vida, e é essa autonomia conferida ao sujeito que possibilita a legitimidade e eficácia dos ritos. Tendo em vista esta posição de autonomia do sujeito e sua extrema relevância para que os símbolos tenham legitimidade, será possível agora discorrer sobre a eficácia dos ritos. Iniciando a análise do rito e sua eficácia, em primeiro lugar, é válido colocar a ideia de que durante o processo ritual, mais precisamente na fase liminar, a estrutura cultural é colocada em suspenso, admitindo assim uma modulação, pois encontra-se em um estado fluído. Vê-se, com arrimo nos argumentos desenvolvidos no tópico anterior, que o ritual judicial, em sua fase liminar, coloca em suspensão a Lei, ou melhor, o enunciado linguístico-simbólico que expressa uma previsão legal de “dever-ser”, sendo que, a partir de uma integração de sentido pelo magistrado, este enunciado retoma a sua solidez e concretude, aplicando-se diretamente 21

na vida das pessoas que se submetem à sentença. Chama-se atenção, portanto, para o fato de, na relação ritual, estarem presentes não só o magistrado, mas também os advogados e as pessoas (partes) que representam, destacando-se que, em última análise, quem se verá atingido pela sentença são as partes. Dessa maneira, quando o magistrado integra o sentido da norma de maneira solitária e autoritária, sem participação de seus destinatários, ao que tudo indica, não se tem eficácia ritual e, via de consequência, não é possível falar em agregação ou pacificação do conflito, pois, como observou o jurista Dhenis Madeira, “não é raro ver pessoas que saem dos Tribunais sem que o conflito deixe de existir” (MADEIRA, 2012: 112). Contudo, uma ressalva deve ser feita: é evidente que não são desconsiderados outros motivos pelos quais o conflito não deixa de existir, entretanto, da perspectiva da análise da eficácia simbólica do ritual, é evidente que a não participação dos atingidos pela decisão de sua construção acarreta em uma perda de legitimidade do ritual e da própria sentença. Não por acaso, o recente artigo publicado por juristas especializados na área do direito processual parece identificar os mesmos problemas aqui apontados para a falta de legitimidade da decisão jurisdicional:

O óbice intransponível ao atendimento da promessa democrática desse “Direito Processual”, aqui tratado como dogmática jurídica processual, é sua tão oculta quanto imprescindível relação com a dominação religiosa, a qual não abdica, como se demonstra ao longo do texto, de uma separação radical entre o humano e o divino e supõe um sacerdote a conduzir o trânsito entre essas duas esferas. Na dogmática jurídica processual, esse sacerdote é o julgador detentor do monopólio da revelação última do sentido normativo – o monopólio da jurisdição-atividade do Estado-Juiz. Aliás, pouca é, de fato, na dogmática processual, a preocupação com a decisão. O intento do saber dogmático não é expor os referenciais a partir das quais uma decisão poderia se considerar legítima (fiscalizável) no direito democrático, mas oferecer justificativas não jurídicas de legitimação do ato de julgar – o que faz por um apelo à autoridade, ou seja, à suposição de que a alguém se reconhece a condição de sábio especialista clarividente para decidir. (LEAL e FANTINI, 2014: 12)

Identificou-se, até aqui, a presença dos três principais elementos do processo ritual consolidados na antropologia, separação, transição ou margem e agregação (pré-liminar, liminar e pós-liminar), no processo jurídico ocidental, restando demonstrado que é possível se falar em ritualística quando se trata do processo jurídico. Contudo, nos tópicos referentes à “separação” e a “liminaridade”, a demonstração da adequação dos conceitos antropológicos à prática jurídica processual foi evidente, sendo que, ao final, no momento de se tratar da agregação, os mesmos conceitos da antropologia indicaram, sob uma nova perspectiva, para

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um problema já noticiado pelos juristas. Vê-se, pois, que o raciocínio adotado encontra correspondência nas atuais pesquisas jurídicas acerca da eficácia do processo jurídico que, sobretudo, questionam a maneira como se efetiva o momento de transição, a fase liminar do processo ritual, consistente na integração de sentido ao enunciado linguístico simbólico, a Lei. É indiscutível que o material analisado, o processo jurídico, é um campo muito mais fértil de análise, que merece mais atenção acadêmica. Entretanto, dentro dos limites deste trabalho, foi possível demonstrar a pertinência da teoria antropológica para o direito, notadamente na proposta de uma maneira mais profícua de relacionamento entre as disciplinas. Assim sendo, ao final deste capítulo, é possível concluir que a análise antropológica do processo jurídico permite a adoção de uma nova perspectiva de análise, apontando para novas questões pertinentes à construção de um direito democrático e inclusivo, na medida em que se tem a pertinência da participação de todos os indivíduos na atribuição de significado ao símbolo, que constitui a cultura na qual estão inseridos. Contudo, mais do que isso, seguindo a proposta central do trabalho de demonstrar a possibilidade e pertinência de se tomar o direito como um sistema cultural, vê-se que, assim como argumentou Mauss ao tratar da prece, o processo jurídico é um fenômeno coletivo de extrema relevância para a compreensão da sociedade.

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3. A noção de pessoa para a antropologia à luz da análise do conceito de pessoa jurídica no ordenamento jurídico brasileiro

Seguindo os passos de Mauss, sobretudo sua proposta metodológica de fazer uma história social da categoria de noção de pessoa, retomando o argumento no seu texto Uma categoria do espírito: a noção de pessoa, a noção do eu, este capítulo irá desenvolver um pouco mais as considerações feitas pelo autor acerca do direito e da origem jurídica da noção de pessoa. O intuito é de, ao final, poder compreender de que maneira o desenvolvimento da noção de pessoa no pensamento jurídico ocidental permitiu que fosse possível falar-se em dignidade da pessoa jurídica concomitantemente à figura do homo sacer (noção agambeniana do termo), ou seja, de que maneira o desenvolvimento jurídico da noção de pessoa legitimou a restrição da dignidade somente àquela pessoa reconhecida juridicamente. Para tanto, necessário apresentar algumas ideias centrais deste texto de Mauss:

Bem no início, somos transportados aos mesmos sistemas de fatos que os anteriores, mas já com uma forma nova: a ‘pessoa’ é mais que um elemento de organização, mais do que um nome ou o direito a um personagem e a uma máscara ritual, ela é um fato fundamental de direito. Em direito, os juristas dizem: há somente as personae, as res e as actiones: esse princípio ainda governa as divisões de nossos códigos. (MAUSS, 2003: 385)

Destaque-se a constatação essencial de que a noção de pessoa é um fato fundador do direito, ou seja, o ordenamento jurídico se funda na noção de pessoa, pois é para ela que se dirige. Não por acaso, o Código Civil brasileiro está estruturado da seguinte maneira: Livro I – Das Pessoas, Título I – Das Pessoas Naturais, Capítulo I – Da Personalidade e da Capacidade. Sendo que o artigo primeiro deste código dispõe o seguinte: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Dessa maneira, todo o código civil estrutura-se a partir dos direitos e deveres reconhecidos a uma pessoa, porém o artigo é bem direto ao usar, tão somente, a palavra pessoa, sem preocupar-se em definir este conceito. O Título II deste primeiro livro trata das Pessoas Jurídicas, apontando para uma distinção de qualidade da pessoa dentro do ordenamento, a pessoa natural e a jurídica. Entretanto, a intenção deste ensaio é de, justamente, demonstrar que tanto a pessoa natural quanto a jurídica, são, de fato, pessoas jurídicas, no sentindo de que ambas dependem do ato cartorário de registro para que possam ser reconhecidas pelo direito. Nesse sentido, é essencial transcrever dois artigos importantíssimos para a comprovação deste argumento, ambos do Código Civil:

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Art. 9º - Serão registrados em registro público: I – os nascimentos, casamentos e óbitos; Art. 45 – Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Ora, o ato de registro nada mais é que a legitimação/validação perante o ordenamento jurídico da existência da pessoa, ou seja, impossível reconhecer direitos e deveres a um ser humano que não tenha sido registrado, pois este não é uma pessoa. Seguindo a proposta de que, assim como a religião, o direito pode ser tomado como um sistema cultural, uma breve consideração acerca do batismo na Igreja Católica indica para similaridades muito interessantes entre a ideia de constituição de pessoa que se pretende abordar neste capítulo. Nesse sentido, a simples transcrição de alguns cânones que integram o Código Canônico apontam para essa noção de início da vida e constituição da pessoa por meio de um ato de reconhecimento da sua personalidade:

Cânone 849. O batismo, porta dos sacramentos, necessário na realidade ou ao menos em desejo para a salvação, e pelo qual os homens se libertam do pecado, se regeneram tornando-se filhos de Deus e se incorporam à Igreja, configurados com Cristo mediante caráter indelével, só se administra validamente através da ablução com água verdadeira, usando-se a devida fórmula das palavras.

Vê-se que, assim como o registro, o batismo representa o início da vida; é falar que, enquanto para o direito o corpo torna-se sujeito de direitos (adquire personalidade jurídica) com o registro do nascimento, para a Igreja Católica, o homem torna-se “filho de Deus” (detentor dos benefícios da salvação) com o batismo. Para esclarecer o argumento de que a pessoa, para o ordenamento jurídico, em nada se confunde com o ser humano, o artigo do professor Vinícius Jose Marques Gontijo, “Do princípio da dignidade da pessoa jurídica”, fornecerá o entendimento técnico necessário para a compreensão da noção de pessoa para o direito. Vejamos o que diz o jurista:

Ultimamente, temos assistido a uma escalada no desconhecimento de institutos jurídicos. Pior, muitos aplicam teorias e institutos que mal conhecem trazendo prejuízos a eles e instalando uma confusão técnica e insegurança jurídica, que são prejudiciais não apenas ao sistema jurídico, mas também ao destinatário da norma e ao próprio Estado brasileiro. Dentre estes institutos está a figura de ‘pessoa’ que muitos insistem em confundir com seres humanos, olvidando o art. 1º do Código Civil Brasileiro. (GONTIJO, 2008: 151)

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Isto posto, resta esclarecido que, quando o ordenamento jurídico se refere à pessoa, ele não está garantindo ao ser humano direitos e deveres, mas à pessoa jurídica registrada. Assim, cabe compreender no que consiste o registro e de que maneira ele atribui à pessoa registrada personalidade, que do ponto de vista técnico é um atributo jurídico que dá a um ser status de pessoa. Retomemos, pois, o texto de Mauss. Ao tratar do desenvolvimento da noção de pessoa no ocidente, Mauss, inevitavelmente, tem de lidar com a religião cristã, vez que o autor pensa da seguinte maneira: É a partir da noção de uno que a noção de pessoa é criada – acredito nisso há muito tempo – a propósito das pessoas divinas, mas simultaneamente a propósito da pessoa humana, substância e modo, corpo e alma, consciência e ato. (MAUSS, 2003: 393)

Compreende-se que a noção de pessoa é fruto de um ato constitutivo e distintivo da fé cristã: a unidade de Deus no Pai, Filho e Espírito Santo, ou seja, o mistério da fé cristã da santíssima trindade que, a um só tempo, reúne três elementos que são um só. É nessa unidade e indivisibilidade de vários elementos em um só que a pessoa jurídica encontra seu fundamento. Senão vejamos:

A invenção da personalidade moral permitiu que esta concepção individualista digerisse toda a forma de comunidade ou de sociedade humana. Com a personalidade moral, toda a forma de associação dos indivíduos, seja ela fundada na partilha de coisas ou na comunhão de pensamentos, pode ser, por seu turno, elevada ao título de indivíduo. O homo juridicius consegue, assim, tratar o plural como singular, o ‘nós’ como um ‘eu’ suscetível de privar em pé de igualdade com todos os outros indivíduos. O elemento chave desta ordem humana exclusivamente povoada de indivíduos é um indivíduo supremo, de que se postula, ainda segundo o modelo de imago Dei, a unidade e indivisibilidade. A República francesa, una e indivisível, foi uma das primeiras representações deste estado separado de toda a espécie de referência religiosa e que, ao contrário das corporações, não é um instrumento ao serviço dos seus membros, mas um Ser imortal que transcende os seus interesses individuais. (SUPIOT, 2005: 41)

O exemplo típico de pessoa jurídica são as sociedades, que nada mais são do que a reunião de várias outras pessoas formando uma só, ou seja, tem-se os sócios que, por interesses comuns, constituem uma sociedade, para poderem desenvolver estes interesses. Tal argumento situa-se, evidentemente, em uma perspectiva de secularização, que não será aqui desenvolvida, mas entenda-se que a associação feita entre o dogma cristão da trindade e as concepções jurídicas de constituição da noção de pessoa está no mesmo plano de todos os

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fundamentos religiosos que o direito sempre exigiu, relembrando, também, as considerações já desenvolvidas no capítulo primeiro deste trabalho. Feita essa associação essencial entre a noção de pessoa para o direito e a noção de pessoa para a religião cristã, é possível entender a necessidade do registro para que se tenha reconhecida a existência da pessoa. Como dito anteriormente, o ato registral é um ato cartorário público, ou seja, o registro é feito em cartório e tal exigência somente é compreendida quando se tem em vista uma qualidade do ato cartorário: a “fé pública”. Para manter o fundamento jurídico do argumento, a transcrição de dois artigos da Lei 8.935, “Lei dos Cartórios”, é lapidar:

Art. 1º - Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos; Art. 2º - Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.

Vê-se que, a existência da pessoa para o direito somente é possível pelo registro, pois esse garante eficácia ao ato e lhe confere fé pública. Quando se fala em eficácia deve-se relembrar as lições de Lévi-Strauss ao tratar da “eficácia simbólica”, porém este trabalho não tem por objetivo adentrar nessa questão. Sendo assim, destacaremos a importância da “fé pública” para a constituição da pessoa. Evidentemente, a expressão “fé-pública” não foi utilizada pelo legislador, ao descrever as dotações do tabelião, de maneira leviana. A pessoa se constitui com o registro, pois, a partir dele, o ser humano deixou de ser um animal despersonificado e passou a ser pessoa provida de personalidade, isso porque, seguindo o entendimento de Mauss, “A pessoa é uma substância racional indivisível, individual” (MAUSS, 2003: 393). É o registro que individualiza, não por acaso o número de CPF ou CNPJ é único, é um só. Perceba-se que o ser humano e a pessoa tornam-se um só ente por meio do ato registral, tem-se, então, o corpo e a alma, ou melhor, o corpo e a personalidade jurídica. Neste sentido, complementando a lógica de raciocínio utilizada por Mauss, está colocada a unidade da pessoa, da unidade do Estado, da unidade da Igreja, em relação à unidade de Deus. Retomando, agora, a perspectiva do professor Vinícius Jose Marques Gontijo, é possível traçar algumas considerações finais e atingir o objetivo do capítulo:

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Ante tudo o quanto expusemos e demonstramos neste nosso artigo, podemos concluir que a pessoa jurídica tem os direitos da personalidade e os direitos fundamentais compatíveis com o seus elementos fático-jurídicos, dentre os quais o de uma existência digna.” (GONTIJO, 2008: 157)

Dessa maneira é simples e quase óbvio entender que, dentro da lógica do ordenamento jurídico e do direito, quem tem direitos e deveres é a pessoa jurídica registrada, ou seja, aquela que passou pelo ato cartorário que conferiu eficácia e fé pública à sua existência. Dessa maneira, por mais que não seja uma questão que se relacione diretamente à noção de pessoa como tem sido estudada pela antropologia, entender o que Agamben quer dizer quando vai tratar do homo sacer torna-se quase que uma experiência trivial de raciocínio. Ora, aquele ser humano que é deixado para morrer encontra-se em tal situação pelo simples fato de que, para o direito, ele não é uma pessoa, não passou pelo ato constitutivo que o individualiza e torna indivisível, corpo e alma. Aquele que é deixado para morrer é, tão só, corpo. É com arrimo nesta conclusão de Agamben que se pretende desenvolver um pouco mais a ideia de que não é possível confundir a noção de pessoa com a de ser humano, partindo-se, assim, de alguns pressupostos teóricos e técnicos até aqui desenvolvidos. Por esta razão, antes de expor as novidades no desenvolvimento da referida ideia, é necessário retomar algumas conclusões obtidas até o momento. Todo o argumento situa-se na ideia de que é necessário o ato cartorário, dotado de fépública, para que se tenha constituída a pessoa para o direito. Pretendeu-se demonstrar que tanto a pessoa dita natural ou física quanto a pessoa jurídica somente passam a existir para o ordenamento jurídico uma vez que se encontram devidamente registradas. Em outras palavras, chegou-se à conclusão de que quem tem direitos e deveres é a pessoa jurídica registrada, ou seja, aquela que passou pelo ato cartorário que conferiu eficácia e fé pública à sua existência. Entretanto, até aqui, o estudo limitou-se, tão somente, a fazer uma análise de dois artigos, um da lavra de um reconhecido antropólogo, Mauss, e outro de um jurista, analisando também alguns artigos de lei contidos no Código Civil Brasileiro e na Lei dos Cartórios. Assim, por mais que tenha sido frutífera a análise teórica da noção de pessoa, careceu de subsídio fático para que o argumento pudesse se consolidar. Devido a isso, neste segundo momento, será feita referência a um estudo antropológico desenvolvido por Patrick Arley de Resende, Corpos sem nome, nomes sem corpos: desconhecidos, desaparecidos e a constituição da pessoa. Reconhece-se, desde já, que a intenção do autor não era, propriamente, desenvolver uma reflexão acerca das implicações jurídicas do ato cartorário de registro dos seres humanos constituindo-os como pessoas, porém, toda a reflexão elaborada

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na tese fornece elementos fortíssimos para a comprovação do argumento aqui desenvolvido. Pelo exposto, é necessário retomar algumas ideias concebidas por Resende no seu já citado trabalho. Em sentido similar ao aqui adotado, Resende faz referência à ideia de “máscara”, presente no trabalho de Mauss, abrindo espaço para uma discussão acerca da constituição da noção de pessoa tendo em vista, sobretudo, a noção de pessoa jurídica. A seguinte passagem é bastante elucidativa desta ideia:

É como se estivéssemos diante de uma máscara mortuária vazia, sem rosto. A morte biológica é uma certeza, mas uma certeza insuficiente: Embora seja condição necessária, não basta para que haja a morte da pessoa. Neste sentido, a morte biológica é apenas um ponto de partida. É preciso terminála e para tanto é preciso saber quem é aquele morto. (RESENDE, 2012: 23)

Neste momento, pretende-se expandir ainda mais essa ideia de que a morte deve ser terminada, fazendo-se valer das práticas jurídicas de inventário e das ações de direito sucessório, nas quais são extintas as obrigações da pessoa jurídica (aqui entende-se pessoa jurídica aquela pessoa natural devidamente registrada), que terá seus direitos transferidos para os descendentes, ascendentes e consanguíneos. Tem-se, dessa maneira, a noção de pessoa em suspensão, condição corporal e condição moral do corpo, destacando que, para a dogmática jurídica, o termo “pessoa moral” se confunde com “pessoa jurídica”. Resumidamente, pode-se dizer que Resende chega à seguinte conclusão: a morte, por pior que seja, possibilita que seja produzido, a partir dela, algum sentido, contrariamente ao caso dos desaparecidos que, ao constituir a dúvida, impossibilitam essa produção de sentidos, gerando um mal-estar muitas vezes maior do que aquele causado pela morte. Porém, a chave para o argumento deste trabalho está em um desdobramento desta ideia, qual seja: a morte de uma pessoa que encontra-se devidamente registrada possibilita a abertura da sucessão, por meio da ação de inventário, que irá extinguir a pessoa jurídica, liquidando todos os seus direitos e obrigações no mundo jurídico; a morte de uma pessoa carente de um registro, ou seja, quando tem-se o corpo, mas não se tem o “nome”, implica, somente, na perda de um elemento biológico constituído como corpo, sendo impossível falar-se em morte, pois não existe pessoa. Munido dessa conclusão, é possível tecer a seguinte consideração: o atestado de morte determina a causa mortis legalmente, o registro desse documento comprovará a morte moral, ou seja, jurídica, indispensável para a “morte efetiva” da pessoa. Dessa maneira, também é por meio de um ato cartório de registro, o registro do atestado de óbito, que é posto um fim à existência jurídica, ou melhor, é constituída a morte da pessoa. Assim, seguindo as conclusões 29

já alcançadas, resta claro que a pessoa inicia e termina sua existência por meio de atos cartorários de registro, dotados de fé-pública, apontando para o caráter eminentemente jurídico da noção de pessoa, que em nada se confunde com o corpo, vez que um corpo sem “nome”, sem registro, é, tão somente, matéria biológica. Para finalizar, é importante apresentar ainda uma ideia que irá esclarecer que não existe distinção, para o ordenamento jurídico, entre a pessoa jurídica constituída por meio do registro de um corpo (CPF) ou por meio do registro do contrato social de uma sociedade (CNPJ). A pessoa jurídica estrito sensu, ou seja, as sociedades empresárias, para deixarem de existir, também têm de passar por um processo de liquidação dos direitos e obrigações na esfera jurídica, assim como a pessoa natural, entendida aqui também como pessoa jurídica, se adotarmos o sentido lato do termo. Vejamos algumas similaridades destes processos. A pessoa física, uma vez registrado o óbito, terá seu processo de inventário aberto, sendo constituído o espólio do falecido (em termos jurídicos de cujus), que irá “presentar”, no processo jurídico de inventário, os direitos e obrigações do falecido – nota-se que o espólio, para o direito, é um ente jurídico despersonificado, representado pelo inventariante. No caso da pessoa jurídica estrito sensu, ou seja, o caso de sociedades empresárias, quando se tem interesse na sua extinção, poderá ser instaurado o processo falimentar, por meio do pedido de falência, que irá dar início à liquidação de seus direitos e obrigações. Neste processo, assim como no processo de inventário, a personalidade jurídica da sociedade é afastada, vez que passará a ser “presentada” juridicamente também por um ente despersonificado, a massa falida, que terá como representante legal o administrador judicial. Com isso, quer-se chamar atenção para o fato de que, tanto na liquidação dos direitos e obrigações da “pessoa física”, quanto nos da “pessoa jurídica”, são constituídos entes despersonificados, espólio e massa falida, respectivamente, e nomeados representantes legais para estes entes, o inventariante e o administrador judicial. Sendo assim, os processos para liquidação são formalmente idênticos, havendo uma mudança nos nomes, o que constitui mais um indício da inexistência de diferença entre a pessoa dita “física” ou “natural” e a pessoa “jurídica”, sendo todas, em última análise, jurídicas. Ao final, no mesmo sentido do exposto no primeiro capítulo, nota-se que foi possível chegar a conclusões relevantes acerca da noção de pessoa no Ocidente, porém, evidentemente, as pretensões foram que o direito pode ser tomado pela antropologia como um sistema cultural. Dessa maneira, observando os limites da proposta do presente trabalho, é evidente que a antropologia ainda tem muito o que observar no direito, uma vez que este comporta 30

inúmeros elementos que podem auxiliar em uma compreensão de noções muito relevantes para o entendimento da cultural ocidental.

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4. Conclusão

Feitas as análises do processo ritual e da noção de pessoa, ambas partindo de uma abordagem antropológica do direito, foi possível chegar a algumas provocações muito interessantes que indicam para a pertinência do estudo de instituições jurídicas para a compreensão antropológica da sociedade ocidental. Nesse sentido, viu-se que o processo jurídico, quando observado sob a perspectiva antropológica do processo ritual, contém vários elementos que dizem muito a respeito de como a sociedade ocidental constitui os lugares sagrados para definição de significado, bem como as pessoas competentes para dizer o significado dos símbolos que atribuem sentido a essa maneira de vida em sociedade. Ao tratar da noção de pessoa, foi possível notar que o ordenamento jurídico fornece muitas informações relevantes para a compreensão do que seria a pessoa no ocidente, configurando-se, assim, como objeto de análise antropológica muito pertinente para a compreensão dessa noção tão particular do ocidente. Devido aos limites de um trabalho como este, não foi possível analisar outras instituições jurídicas que em tudo se relacionam com a problemática antropológica de compreensão da vida em sociedade, mas é válido mencionar que a análise do parentesco tendo como objeto o Código Civil tem muito o que acrescentar para a compreensão antropológica, na medida em que as áreas do direito de família e sucessório definem as noções do que seriam os núcleos familiares da sociedade ocidental e como se dá a relação de matrimônio e entre os herdeiros, sendo este um campo bastante fértil para a antropologia. Pode-se destacar, ainda, a pertinência da análise do direito contratual e cambiário que, se abordado antropologicamente, irá fornecer interessantes ponderações acerca da estrutura das relações de troca na sociedade ocidental. O que se pretendeu, portanto, nos capítulos que compõe o presente trabalho, foi demonstrar que a antropologia pode utilizar das técnicas de análise da disciplina para fazer uma abordagem mais substancial do direito, seguindo as provocações de Geertz mencionadas na introdução. Por esta razão, visto a pertinência e a dimensão da abordagem aqui sugerida, ao final, conclui-se que o direito deve ser tomado como um sistema cultural, tal qual o é a religião, sendo necessário, pois, esclarecer o que se entende aqui por sistema cultural. Retomando a referência que foi feita a Geertz na Introdução, esclarece o que se entende por sistema cultural citando o autor quando ele assim define a religião:

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Para um antropólogo, a importância da religião está na capacidade de servir, tanto para o indivíduo como para um grupo, de um lado como fonte de concepções gerais, embora diferentes, do mundo, de si próprio e das relações entre elas – seu modelo da atitude – e de outro, das disposições ‘mentais’ enraizadas, mas nem por isso menos distintas – seu modelo para atitude. (...) Os conceitos religiosos espalham-se para além de seus contextos especificamente metafísicos, no sentido de fornecer um arcabouço de ideias gerais em termos das quais pode ser dada uma forma significativa a uma parte da experiência – intelectual, emocional, moral. (GEERTZ, 1978: 140)

Ora, o direito, em nossa sociedade, devido a um nítido processo de secularização, muito bem esclarecido por Weber, ocupou o lugar da religião, sobretudo quando se pretende dar respostas “racionais” aos “dramas sociais” e a várias outras questões pertinentes à vida em sociedade, como a noção de pessoa aqui analisada, mas também noções de parentesco e de troca, dentre várias outras. Devido a isso, é possível dizer que para a antropologia, a importância do direito está na sua capacidade de fornecer concepções e conceitos gerais que acomodam as ideias em relação às quais pode ser compreendida a experiência da vida em sociedade no Ocidente. Por todo o exposto, nota-se que o direito, hoje, é um sistema cultural completo, que pretende dar conta de todas as situações e questões decorrentes das relações sociais no Ocidente. Não por acaso, atualmente se observa um forte processo de judicialização de quase todos os conflitos decorrentes do convívio social, sendo que o Judiciário é chamado a resolver questões que perpassam desde de um desentendimento entre vizinhos até o abordo e o casamento homoafetivo, restando claro que se colocou no juiz e, consequentemente, no processo judicial, o meio de se alcançar as verdades que irão pacificar os “dramas sociais”. Dessa maneira, o direito passa a ocupar um lugar de definição, não só de questões jurídicas, mas também de questões morais, sendo que tal abrangência não pode ser negligenciada, comportando, portanto, a possibilidade de se considerar o direito como um sistema cultural.

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