O Direito contra o Terror - Coluna para Jornal

September 17, 2017 | Autor: M. Maurer de Salles | Categoria: International Relations, International Terrorism, International Law, 9/11 Literature
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O Direito contra o Terror 1 Marcus Salles O 11 de setembro de 2001 será lembrado, para sempre, como o ato inaugural do século XXI. Hoje, passados cinco anos desde os ataques a Washington e Nova Iorque, percebe-se claramente que a “Guerra contra o Terror” declarada naquela manhã transformou-se num grande e infeliz divisor de águas para a história das relações internacionais. Dez anos após a Guerra Fria, a humanidade esforçava-se para aprender a viver em relativa harmonia, curando as cicatrizes de duas guerras mundiais e livrando-se das paranóias ideológicas do confronto Leste x Oeste. A bipolaridade dava lugar à multipolaridade; a intolerância, ao diálogo; a opressão, à liberdade; a guerra, ao direito. Surge a Organização Mundial do Comércio, fortalecem-se movimentos de integração regional como a União Européia e o Mercosul, enquanto os países do Sul superam o estigma de Terceiro Mundo e aderem ativamente à globalização, buscando alternativas viáveis e concretas para seu desenvolvimento. Quando tudo indicava que o século XXI seria um tempo promissor de paz e solidariedade internacional, eis que o Ocidente volta a ser assombrado por um dos fantasmas da Guerra Fria. Osama Bin Laden, ex-guerrilheiro afegão treinado pelo exército norte-americano para resistir à invasão soviética na década de 80, lidera o maior ataque ao território norte-americano desde Pearl Harbor. A causa da Al–Quaeda era clara: combater a hegemonia e expansão do poder dos Estados Unidos, por meio de um método obscuro e covarde ao qual se convencionou denominar de terrorismo. Diferente do que leva a pensar o senso comum, o terrorismo não é uma técnica de combate recente. Ao contrário: a resistência contra regimes opressores sempre se muniu desse método de confronto, desde a Revolução Francesa, com os jacobinos, passando pela traumática criação do Estado de Israel - a mola propulsora do terrorismo no Oriente Médio - até chegar aos recentes ataques de Nova Iorque, Madri e Londres. O que, de fato, distingue o terrorismo contemporâneo é que ele finalmente venceu. Seu objetivo, disseminar o terror, encontrou eco entre seus inimigos, os Estados auto-intitulados civilizados, democráticos e garantidores de direitos humanos. A humanidade, em todos os recantos do planeta, está sendo forçada a acreditar que somente através da relativização de todos os valores que sempre lhe foram tão caros poderá vencer a “cruzada” contra o terror. Prisões secretas, como na Baía de Guantânamo, tornam-se necessárias para isolar os “bárbaros” do convívio social. As liberdades civis, como os direitos de ampla defesa e de presunção de inocência, são sistematicamente violadas ao redor do mundo. Um exemplo recente desse terrorismo levado adiante pelo Estado aconteceu em maio, em São Paulo, onde a polícia militar executou sumariamente cerca de uma centena de paulistanos, sem ligação alguma com os ataques promovidos pelo Primeiro Comando da Capital, o PCC. Isto demonstra que o terror tornou-se, definitivamente, uma técnica de governo contemporânea. A vitória do terrorismo reside exatamente no fato de que as nações do Ocidente estão dispostas a renunciar a valores historicamente cristalizados em suas constituições e em seus regimes de governo, para utilizar dos mesmos artifícios do terror: disseminação do medo, supressão de liberdades civis e violação dos direitos humanos. O terrorismo pôs em xeque o Estado Democrático de Direito. Se não houver uma mudança radical de paradigma, o xeque-mate será fulminante. Aqui se encontra o grande desafio do processo civilizatório mundial. O terrorismo não será vencido com mais terrorismo. Tal opção só levará a uma nova corrida armamentista, ao enfraquecimento das garantias civis e à disseminação da intolerância para com culturas construídas com valores diferentes dos valores hegemônicos ocidentais. A cruzada ensandecida da atual administração norte-americana de levar a democracia a todas as nações do mundo é muito mais complexa do que se imagina. Basta observar o fato que mais da metade dos países pertencentes à Organização das Nações Unidas não adotam a democracia como regime de governo. Urge que a comunidade internacional renuncie à guerra contra o terror e que eleja o Direito como instrumento supremo de coordenação dos diferentes modos de convivência social, negando todo tipo de fundamentalismo, tanto do lado islâmico como ocidental. Tal Direito não poderá mais fundar-se na eliminação das diferenças, mas sim em seu reconhecimento e na construção do respeito mútuo. Resta à humanidade decidir como tratar um dos seus maiores patrimônios, a diversidade cultural: por meio da violência ou da tolerância. 1

Texto publicado no jornal A Razão, edição veiculada em 12/09/06.

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