O Direito de Rebelião

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O DIREITO DE REBELIÃO Por: Mário Barbosa Villas Boas – Engenheiro Químico e Advogado (…) Donde fica claro que o repúdio a um poder que a força e não o direito instalou sobre alguém, embora tenha o nome de rebelião, não constitui contudo ofensa a Deus, mas é o que Ele permite e aprova. John Locke – Segundo Tratado sobre Governo (Londres, 1690) Um dos assuntos da ordem do dia desse início de 2015 é se existe ou não base constitucional para uma intervenção militar. Juristas há que defendem ambos os lados. Como advogado e estudioso do tema, pretendo dar minha modesta constituição. No que tange à constitucionalidade strictu sensu, remeto ao artigo 142 do texto constitucional, várias vezes citados por ambas as correntes. Vejamos o que diz o artigo: Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Vejam que, por força deste dispositivo constitucional, as Forças armadas têm o dever de: 1. Respeitar a hierarquia, cujo posto máximo é exercido pelo Presidente da República; E 2. Defender a Pátria; E 3. Garantir os poderes constitucionais. Em normalidade democrática, esses três deveres estão permanentemente em harmonia. Cumprir com um deles jamais gera o descumprimento de um dos outros. Contudo, em momentos de crise institucional, esses deveres podem colidir. Vivemos hoje no Brasil um momento de crise institucional. Uma crise que cria um paradoxo para as forças armadas: o que quer que façam ou deixem de fazer cometerão alguma violação de um de seus deveres constitucionais descritos acima. A Presidência da República ataca e enfraquece as instituições democráticas deste país por exemplo ao editar decreto que, na prática, anula o Poder Legislativo, ao ameaçar o Poder Judiciário quando ataca órgãos de imprensa – revista VEJA – por nada mais do que dar publicidade a atos que aquele poder havia praticado além de defender expressamente a violação da lei ao afirmar para repórteres em rede nacional “Quem está acima da corrupção?”. Ao acatar o comando de um presidente que assim procede as Forças Armadas estão sendo cúmplices deste projeto presidencial de destruir as instituições e poderes constitucionais. Os deveres 1 e 3 da lista acima estão em oposição. Se as forças armadas acatarem a hierarquia e o comando da presidente (dever nº 1) descumprirão seu dever de defender os poderes constitucionais (nº 3). Para defender os poderes constitucionais (dever de nº 3) terão que desacatar as instruções de seu comandante supremo, descumprindo o dever de nº 1. Conclusão: Uma intervenção militar – ou golpe de estado, como preferem alguns – viola sim a constituição. Mas deixar de fazê-la também viola. Cabe então uma valoração de ambas as violações. O que viola mais profundamente a constituição? Desrespeitar a autoridade de um presidente transitório ou participar da destruição dos poderes constitucionais que são permanentes? A resposta me parece tão evidente que não pretendo colocá-la.

Mas há outra base constitucional um pouco mais sutil. Uma que para ser percebida é necessário conhecer com mais profundidade o conceito de “democracia”. Consta no preâmbulo da Constituição da República que nosso país é um “Estado Democrático”. É ponto pacífico, já decidido inclusive pela Corte Suprema que o preâmbulo faz parte da constituição e pode ser evocado como fonte de direito. A democracia é hoje um valor aceito de forma tão universal que poucos se lembram que nem sempre foi assim. No século XXVIII, todos os países do mundo eram governados por monarquias absolutistas. O poder do soberano dos monarcas de então tinha origem divina. Isso era aceito na ocasião. Então, qualquer questionamento do monarca era ipso facto um questionamento da vontade de Deus e, como tal uma heresia. No século XVIII isso soava tão natural quanto a democracia soa hoje. Surgiu, então, a revolução americana, inspirada nos pensamentos de Locke e Rousseau. Esses pensamentos estão incorporados no regime democrático. Nenhum regime pode se autodenominar de “democrático” se não contempla a essência dos pensamentos desses autores. Remeto então ao leitor à citação do pensamento de Locke com o qual eu abro este artigo. Isto é conhecido como o “direito de rebelião”. O direito de rebelião estabelece que todo povo tem o direito de se rebelar contra seu governo se este não usa de suas prerrogativas em benefício dele, povo. Isso é a conseqüência natural da máxima de que um Estado Democrático tem um governo “do povo, para o povo e pelo povo”. Se o governante, em lugar de usar de suas prerrogativas para promover a justiça e o progresso para o povo os usa exclusivamente para acumular privilégios e garantir sua perpetuação então é lícito ao povo rebelar-se contra este governante para destituí-lo, pois o governo deve servir ao povo, não o contrário. Nenhum Estado é democrático se não reconhece esse direito. Este governo não está governando para o povo. A maior prova disso está no fato de que o ex-ministro da Casa Civil – o segundo cargo em importância no Poder Executivo, atrás apenas do Presidente da República – do governo Lula – antecessor e apoiador do atual – foi condenado por desviar dinheiro público e este governo, longe de repudiar o ato, enaltece-o como a um herói. Foi perdoado após breve período na cadeia. Perdoado, veja-se! Significa que 1) este governo reconhece que ele cometeu o ato; E 2) que entende que desviar dinheiro público é um ato passível de perdão. Desde que, é claro, o dinheiro desviado seja usado em benefício do Partido. Como pode um governo que assim age ser considerado como um governo que atua em benefício do povo? Como perdoar um desvio de dinheiro público em benefício do Partido não significa que esse governo está acumulando privilégios para si em detrimento do povo? A intervenção militar é sim um golpe de Estado. Mas esse ato está amparado mais do que pelo artigo 142 da Carta Magna. Ele está amparado por algo que está acima até mesmo da própria carta magna: a definição do conceito de “democracia” na acepção daqueles que a criaram. O direito de rebelião é tão intrínseco ao Estado Democrático quanto a separação dos poderes. Assim, ele está contido no preâmbulo de nossa lei maior, na parte que estabelece que o Brasil é um Estado Democrático e, portanto, reconhece o direito de rebelião. Eis aí a base constitucional da Intervenção Militar.

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