O DIREITO FUNDAMENTAL À PROTEÇÃO DOS DADOS PESSOAIS DO CONSUMIDOR BRASILEIRO: DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AO CASO “SCORE”.

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UNIVERSIDADE TIRADENTES DIRETORIA DE PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

O DIREITO FUNDAMENTAL À PROTEÇÃO DOS DADOS PESSOAIS DO CONSUMIDOR BRASILEIRO: DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AO CASO “SCORE”

Autor: Afonso Carvalho de Oliva Orientadora: Profa. Dra. Flávia Guimarães Pessoa

ARACAJU, SE - BRASIL FEVEREIRO DE 2016



UNIVERSIDADE TIRADENTES DIRETORIA DE PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

O DIREITO FUNDAMENTAL À PROTEÇÃO DOS DADOS PESSOAIS DO CONSUMIDOR BRASILEIRO: DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AO CASO “SCORE”

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Tiradentes como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Direitos Humanos.

AFONSO CARVALHO DE OLIVA ORIENTADORA: PROFA. DRA. FLÁVIA GUIMARÃES PESSOA

ARACAJU, SE - BRASIL FEVEREIRO DE 2016



O DIREITO FUNDAMENTAL À PROTEÇÃO DOS DADOS PESSOAIS DO CONSUMIDOR BRASILEIRO: DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AO CASO “SCORE” AFONSO CARVALHO DE OLIVA

DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE TIRADENTES COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM DIREITOS HUMANOS.

Aprovada por:

ARACAJU, SE - BRASIL FEVEREIRO DE 2016



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Oliva, Afonso Carvalho de O direito fundamental à proteção dos dados pessoais do consumidor brasileiro: do código de defesa do consumidor ao caso SCORE. / Afonso Carvalho de Oliva ; orientação [de] Profª. Drª. Flávia Guimarães Pessoa – Aracaju: UNIT, 2016. 165 p. il.: 30cm Inclui bibliografia. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) 1.Código de defesa do consumidor. 2. Proteção de dados pessoais. 3. Direito do cidadão brasileiro. 4. Caso SCORE. I. Pessoa, Flávia Guimarães. II. Universidade Tiradentes. III. Título. CDU: 379.85 Ficha catalográfica: Rosangela Soares de Jesus CRB/5 1701



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Um bom computador e um carro veloz Pra me manter Distante de mim No amplo progresso entre zero e um Esconder em você meus erros Pensar sim, dizer o não Quanto mais perto mais distante do que sou Vou mentir Exagerar Essa verdade já não tem tanto valor Deletar O que realmente sinto e posso acreditar Programar Uma nova linguagem em que possa me adequar Sem cores decadentes Sem nenhum arranhão Um brilho nos dentes E um vazio no ar E não há mais retorno com o que vai acontecer Já foi tudo planejado inexorável proteção Eu sei que você aceita como eu já aceitei Mais um anúncio em nosso caos Deletar O que realmente sinto e posso acreditar Programar Uma nova linguagem em que possa me adequar (Zero e Um - Dead Fish)



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AGRADECIMENTOS Inicialmente devo agradecer meus pais, Sonia e Afonso Oliva, responsáveis por toda a minha formação e que não pouparam esforços para que eu pudesse cumprir mais esse passo acadêmico, apoiando incondicionalmente os objetivos que busquei durante toda a duração deste mestrado. É uma dívida que não tenho como pagar, mas tento honrar sendo a pessoa que sempre me ensinaram a ser. Agradeço também à minha amada esposa por todo o apoio e paciência nestes dois anos de mestrado e de casamento. Somente alguém muito especial para ter a paciência com um mestrando recém-casado, aguentando toda a impaciência, noites em claro, o “turismo acadêmico” e as horas de estudo sem uma folga, nem mesmo nos finais de semana. O apoio constante e a força nos momentos de fraqueza e cansaço, as revisões em todos os trabalhos, tudo isso foi essencial para que chegasse até esse ponto. Muito obrigado! Te amo! Agradeço, ainda, a toda a minha família, aos “não acadêmicos”, pelo apoio e pela compreensão nas ausências; e aos “acadêmicos”, pelas preciosas dicas e sugestões para vencer essa etapa, todos com suas parcelas de ajuda. A minha madrinha Bárbara, a minha avó Jacy, a minha irmã Claudia, os meus tios, tias, primos e primas, cada um ajudou com o menor dos comentários feitos durante esses dois anos. Meus agradecimentos também a toda a equipe do escritório “Mendes e Oliva - Advogados” na pessoa do meu sócio/amigo/irmão, Flávio, que entendeu a importância desse curso e não mediu esforços ao cuidar de todo o escritório durante a minha ausência. Meu sincero agradecimento à minha orientadora, Profa. Dra. Flávia Guimarães Pessoa, que aceitou o desafio de orientar um trabalho que se encontrava em andamento, com toda a paciência de entender as dificuldades de ter um orientando que não podia ser dedicar unicamente à dissertação. Muito obrigado! Também agradeço aos membros de minha banca de qualificação, Prof. Dr. Otavio Augusto Reis de Sousa e Prof. Dr. Henrique Ribeiro Cardoso. As contribuições foram essenciais para alcançar as conclusões pretendidas neste trabalho. Agradeço a todos que fazem o PPGD-UNIT, professores e colaboradores, na pessoa de nossa coordenadora, Profa. Dra. Liziane Paixão, responsável por lutar incansavelmente pelo sucesso e pelo constante crescimento de nosso programa. Foi uma honra fazer parte dessa história. Por fim, agradeço aos ex-professores do nosso programa pela contribuição com nossa formação, na pessoa do hoje amigo e ex-orientador, Prof. Dr. Marco Aurélio Cunha e Cruz, o qual efetivamente me apresentou o mundo acadêmico e foi responsável por me “viciar” definitivamente nessa área. A todos o meu muito obrigado!



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RESUMO O presente trabalho apresenta como temática principal um estudo do Direito Fundamental à Proteção dos Dados Pessoais do Consumidor Brasileiro, fazendo uma análise a partir do Código de Defesa do Consumidor e chegando até o julgamento do caso Score. Investiga-se a proteção dos dados pessoais nas relações de consumo e examina-se nestas a proteção jurídica dos dados pessoais como fator de autodeterminação. Ao longo do trabalho, busca-se definir os contornos científicos dos cadastros de dados pessoais nas relações consumeristas em contraste com as iniciativas normativas que regulamentam a formação de bancos de dados com informações de consumo. Apresenta-se, também, detida análise do Recurso Especial de número 1.419.697/RS, conhecido como caso Score, a fim de expor críticas ao posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tratamento dos dados pessoais dos consumidores brasileiros. Por fim, ressaltase que o presente trabalho tem como principal objetivo buscar uma conceituação da proteção dos dados pessoais dos consumidores, reconhecendo esta proteção como um direito fundamental do cidadão brasileiros numa interpretação em consonância com a Teoria Crítica dos Direitos Humanos. Palavras-chave: Dados Pessoais. Consumidor. Bancos de Dados. Direitos Fundamentais. Score.



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ABSTRACT The main theme of this study is the Protection of the Brazilian Consumers’ Personal Data as a Fundamental Right. The Consumer Protection Law will be analyzed, as well as specialized doctrine, towards reaching the trial of the “Score” case. The point is to investigate the protection of personal data in consumer relations and examine the legal protection of personal data as a self-determination factor in those relations. Throughout the work, scientific boundaries of personal data entries in consumer relations will be defined in contrast with regulatory initiatives on the databases with information about consumers. It also presents a detailed analysis of Special appeal number 1.419.697/RS, known as the “Score” case, in order to criticize the position assumed by the Brazilian Superior Court about the treatment of personal data of national consumers. Finally, this research will look for a concept of protection of consumers’ personal data as a fundamental right of the Brazilian citizen in an interpretation according to the Critical Theory of Human Rights. Keywords: Consumer, Personal Data. Databases. Fundamental Rights. Score.



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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO............................................................................................................... 12 2. PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR BRASILEIRO ..................................................... 18 2.1. Antecedentes Históricos da Proteção do Consumidor ......................................................... 18 2.2. A Constitucionalização das Relações de Consumo .............................................................. 24 2.3. O Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990 .................................................... 25 2.4. No Contexto da Teoria Crítica dos Direitos Humanos ........................................................ 30 3. DADOS PESSOAIS E O RESPEITO À PRIVACIDADE, À INTIMIDADE E AO SEGREDO – EFICÁCIA HORIZONTAL DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR BRASILEIRO ........................................................................................... 35 3.1. Esferas da Privacidade, da Intimidade e do Segredo .......................................................... 35 3.1.1. Esfera da privacidade – “Privatsphäre”........................................................................ 37 3.1.2. Esfera da intimidade – “Vertrauensphäre” ................................................................... 37 3.1.3. Esfera do segredo – “Geheimsphäre” .......................................................................... 38 3.1.4. As esferas e as interseções da análise dos dados pessoais ........................................... 39 3.2. Eficácia Horizontal da Proteção do Consumidor................................................................. 40 3.2.1. Síntese da evolução histórica dos direitos fundamentais ............................................. 44 3.2.2. Dos direitos fundamentais como direitos de defesa. A Teoria dos Quatro Status, de Jellinek ......................................................................................................................... 46 3.2.3. Da teoria da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Os deveres de proteção. A eficácia irradiante ......................................................................................................... 49 3.2.4. Da eficácia horizontal dos direitos fundamentais ........................................................ 53 4. BANCOS DE DADOS E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR BRASILEIRO....... 57 4.1. Natureza dos Bancos de Dados com Informações de Consumo ......................................... 57 4.2. Iniciativas Normativas acerca dos Bancos de Dados com Informações Pessoais orientados para as Relações de Consumo ........................................................................................................ 62 4.2.1. Código de Defesa do Consumidor – Lei nº. 8.078/1990 .............................................. 64 4.2.2. Lei do Cadastro Positivo – Lei nº 12.414/2011 ........................................................... 68 4.2.3. Marco Civil da Internet –Lei nº. 12.965/ 2014 ............................................................ 71 4.3. Autodeterminação Informativa nas Relações de Consumo ................................................ 74 4.4. Indivíduo como Produto ......................................................................................................... 77 5. RELAÇÕES CRÍTICAS ENTRE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A LEI DO CADASTRO POSITIVO DE CRÉDITO ......................................................... 84 5.1. Interdisciplinaridade ou Diálogo de Fontes Científicas ...................................................... 85 5.2. O Diálogo Filosófico – os Cadastros de Consumidores como o Panóptico pós-Moderno 86 5.2.1. Controle pela exclusão ................................................................................................. 87 5.2.2. Segmentar - invisibilizar e demonizar.......................................................................... 90 6. O CASO “SISTEMA SCORE” – UMA ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL NÚMERO1.419.697 – RS ...................................................................................................... 94 6.1. Epítome Fática e Afetação ao Rito dos Recursos Repetitivos ............................................. 94 6.2. Os Amici Curiae e a Audiência Pública ............................................................................... 100 6.2.1. Dos argumentos dos amici curiae .............................................................................. 102 6.2.1.1. Banco Central do Brasil – BACEN .....................................................................................103 6.2.1.2. Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas – SPC Brasil .............................................104 6.2.1.3. Serasa S.A. ..........................................................................................................................106 6.2.1.4. Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN .................................................................107 6.2.1.5. IDV – Instituto para Desenvolvimento do Varejo ..............................................................107 6.2.2. Dos argumentos expostos na audiência pública ......................................................... 109 6.2.2.1. Ministério Público Federal ..................................................................................................109

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6.2.2.2. 6.2.2.3. 6.2.2.4. 6.2.2.5. 6.2.2.6. 6.2.2.7. 6.2.2.8. 6.2.2.9. 6.2.2.10. 6.2.2.11. 6.2.2.12. 6.2.2.13. 6.2.2.14. 6.2.2.15. 6.2.2.16. 6.2.2.17. 6.2.2.18. 6.2.2.19. 6.2.2.20. 6.2.2.21.

Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Distrito Federal ......................................111 Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ................................................................112 Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC .......................................................114 Associação Nacional de Informação e Defesa do Consumidor – ANDICON ....................115 Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República - SMPE/PR ...........115 Ministério Público do Distrito Federal e Territórios ...........................................................117 Serviço de Proteção ao Crédito/SC .....................................................................................118 Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN .................................................................119 Serasa Experian S/A ............................................................................................................120 Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON .........................121 Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas – CNDL ....................................................122 Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre - CDL/RS .................................................123 Banco Central do Brasil – BACEN .....................................................................................123 Dr. Fabiano Garcia Severgini (Pelo recorrente Acivaldo Roger Pereira Ferreira) .............124 Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor Bancário – IBDCONB ...............................125 Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos – COBAP ......................126 Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Mato Grosso do Sul ...............................126 Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul ..........................................................127 Proteste Associação de Consumidores ................................................................................128 Associação Procopar ...........................................................................................................129

6.3. Conclusões do Superior Tribunal de Justiça – Breves Críticas ........................................ 129 6.4. A Súmula 550/STJ e suas Implicações Futuras .................................................................. 135

7. CONCLUSÕES ............................................................................................................. 139 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 144 ANEXO A –EXEMPLO DE SCORE (AFONSO CARVALHO DE OLIVA) ............... 155 ANEXO B – RECURSO ESPECIAL Nº 1.422.256 - RS (2013/0396184-6) .................... 159 ANEXO C – RECLAMAÇÃO 2015.12/00000247941 - BOA VISTA SERVIÇOS ........ 161 ANEXO D – COMPACT DISK COM CÓPIA INTEGRAL DO RECURSO ESPECIAL 1.419.697/RS ......................................................................................................................... 165



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ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1: Esfera da Privacidade (COSTA JÚNIOR, 2007, P.31) ..................................................... 36 Figura 2: Fragmento da página 1.038 do Recurso Especial nº. 1.419.697/RS. .................. 108



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1.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo estudar a proteção dos dados pessoais dos consumidores brasileiros. Para tanto, traça-se uma relação crítica entre o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/1990), a Lei do Cadastro Positivo de Crédito (Lei nº. 12.414/2011) e o “Sistema Score “numa visão crítica do Direito Fundamental à Proteção do Consumidor (art. 5º, XXXII, da Constituição Federal de 1988). Demonstra-se a imperiosa necessidade de atenção também para a questão da proteção dos dados pessoais em nosso ordenamento jurídico, aprofundandose a análise de forma interdisciplinar, de modo a reconhecer a carência por proteção dos dados pessoais em nosso ordenamento jurídico. O objeto de estudo será restrito aos dados pessoais oriundos das relações de consumo, de modo que será comparada a proteção jurídica garantida pelo Código de Defesa do Consumidor, prevista em seu artigo 43, com a propostas surgidas da aprovação da lei nº 12.414/2011, Lei do Cadastro Positivo de Crédito. Será investigado qual o real uso dos dados pessoais dos consumidores brasileiros e se as iniciativas existentes, de fato, protegem referidos dados ou se estes são utilizados como ferramentas para a dominação econômica empreendida pelos fornecedores de bens e serviços no mercado de consumo brasileiro. Analisa-se a possibilidade de o consumidor efetivamente ter voz ativa no compartilhamento e na proteção de seus dados pessoais, de forma a garantir a sua autodeterminação no mercado de consumo e sendo-lhe, então, efetivamente possível controlar o que deseja ou não ver repercutido no mercado de consumo a seu respeito. Expõe-se, em seguida, a transformação do consumidor em mercadoria. Por meio do acesso, pelas empresas fornecedoras, a seus dados pessoais os consumidores passam a ser coisificados e servem como mercadoria de troca entre as empresas possuidoras dos referidos dados. Com isso, estes valem como instrumentos para direcionarem o consumo pretendido, como observa Bauman (2008). Trata-se de tese que será seguida para apresentar a necessidade de reconsiderar a proteção dos dados pessoais como principio fundamental do cidadão brasileiro, com base na Teoria Crítica dos Direitos Humanos, reconhecendo o direito fundamental ao consumo. Pode-se, também, reconhecer a necessidade de proteção dos dados pessoais como um aprofundamento deste direito fundamental ao consumo, representando-se, por fim, como um produto cultural da sociedade consumista brasileira, a qual demanda o reconhecimento jurídico como forma de garantir uma proteção mínima ao cidadão.

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Desde a Revolução Industrial, a sociedade passou a enfrentar uma grande mudança no tocante ao modo de consumir produtos e serviços, representada claramente pelo surgimento do chamado “mercado de consumo”. Ainda antes da Revolução Industrial, observa-se outro fenômeno que foi primordial para a mudança nas formas de consumo, a qual foi largamente acelerada por conta da criação dos mercados de troca de produtos. O consumo era relacionado tão somente com as reais necessidades dos indivíduos, baseado, em sua maior parte, na troca de produtos e serviços, relações particulares que eram levadas a cabo em pequenos centros locais de negociação – as feiras. Todavia, alguns centros comerciais começaram a florescer no final da Idade Média, tais como as feiras da região de Champagne, na França, e o comércio dos portos de Veneza, na Itália. Desse florescimento de mercado notou-se o surgimento de uma nova espécie de negócios, os serviços bancários. Com o efetivo surgimento do “crédito”, os negociantes não mais precisavam se deslocar pelas rotas de comércio com todo o seu dinheiro. Por meio dos primeiros bancos, era possível realizar o depósito em certo local, receber um título referente ao valor depositado e realizar o saque em local diverso, pagando uma taxa de administração pelo serviço prestado. Ainda nesse sentido, foi possível acompanhar o florescimento dos bancos e de seus serviços, culminando em serviços creditícios, por meio da concessão de dinheiro em contrapartida a algumas garantias apresentadas pelos consumidores. A concessão do crédito foi primordial para o surgimento do mercado de consumo pós-Revolução Industrial, uma vez que somente por meio de tais concessões foi possível vencer as crises econômicas que se instalaram em todo o mundo na primeira metade do século XX. A Revolução Industrial representou uma mudança na forma de produção de bens e serviços. O que antes era produzido de forma unitária e pessoal passou a ser produzido de modo contínuo e impessoal, uniformizando-se os produtos no mercado em todo o mundo. A contínua produção gerou também um excesso de produtos, em razão do que foi necessário expandir os mercados de consumo, levando a cultura consumista a novas fronteiras, sempre sobre o alicerce da concessão de crédito fácil aos consumidores. O crescimento das atividades de produção de bens de consumo levou também ao crescimento dos problemas que envolvem as relações de consumo, nas quais os fornecedores,

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por serem parte de maior poderio econômico e político, acabavam por impor seus interesses em detrimento dos interesses da coletividade de consumidores dos seus produtos e serviços. Deu-se, então, o florescimento do estudo da defesa do consumidor, cujo marco simbólico foi o discurso proferido pelo presidente John F. Kennedy ao Congresso Americano, em 15 de março de 1962, no qual foi destacada a necessidade do reconhecimento de direitos básicos ao consumidor americano. Após esse simbólico discurso, ocorreu, por todo o mundo, vertiginoso crescimento dos estudos acerca da premência de regulação da matéria, com o fito de garantir a proteção dos consumidores em escala global. A ONU reconheceu o ser humano como um ser consumidor, o que tornou o consumo uma das necessidades básicas do ser humano. Em nosso país, encontra-se o reconhecimento da importância do consumo para o desenvolvimento humano no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

O texto constitucional também continua com a proteção do consumidor em seu artigo 170, inciso V, ao garantir a defesa do consumidor como princípio básico da ordem econômica brasileira, a saber: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […] V - defesa do consumidor;

Desta forma, percebe-se que o Estado Brasileiro erigiu a defesa do consumidor ao patamar da fundamentalidade, o que ressalta a importância do consumo para a sociedade moderna brasileira. Demonstrado, portanto, o quão básico é o consumo para indivíduo social moderno. Nesse cenário, surge o mote que ora se apresenta.



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Em 2011, entrou em vigor a lei de número 12.414, a qual recebeu a nomenclatura midiática de “Lei do Cadastro Positivo de Crédito”, cuja finalidade seria a de fomentar a criação de banco de dados responsáveis por cadastrar todas as operações financeiras realizadas pelos cidadãos brasileiros cujo pagamento ocorrera nas datas aprazadas, de modo a possibilitar aos “bons pagadores” melhores condições de contratação de serviços de crédito. Todavia, diversas são as críticas a serem levantadas em face deste dispositivo legal, as quais serão efetivamente tratadas na presente dissertação. Num primeiro momento, explora-se a crítica à gênese da referida lei. São antecedentes, no Poder Legislativo, o Anteprojeto de Lei n° 5.870/2005 e o Projeto de Lei (PL) nº 638/98. Este foi aprovado na Câmara dos Deputados (CD) e nominado, no Senado Federal (SF), de Projeto de Lei n° 85 (PLS 85/26.05.2009). Registra-se, ainda, o PL 405/2007, (CD) que incluía um §6° no art. 43 da Lei nº 8.078/90 (CDC). Foi este aprovado pelo SF e enviado à sanção, mas restou vetado (art. 66, § 1°, CF-88). A MP-518, de 30.12.2010 (art. 62, CF-88), foi editada pelo Executivo em substituição a tal projeto, que, após emendas do Congresso Nacional, foi convertida na Lei n° 12.414/2011 (Lei do Cadastro Positivo de Crédito) (COSTA, 2012, p. 25– 30). Além de questionáveis os requisitos constitucionais da MP-518 in casu (relevância e urgência), sua edição reforça o déficit de legitimação democrática que transcende à sua lei de conversão. Em seguida, passa-se ao objeto do referido diploma legal, argumentando no sentido de que a nomenclatura midiática da Lei do Cadastro Positivo de Crédito (Cadastro Positivo) tende a dar uma conotação retórica ao seu objeto (art. 1° “bancos de dados com informações de adimplemento”). Leonardo Roscoe Bessa, por exemplo, alerta que a distinção técnica entre bancos de dados e cadastros de consumo se descortina com a fonte e o destino da informação. Infere-se, com isso, que a definição e o escopo legal da (art. 1°, Lei do Cadastro Positivo de Crédito) não refletem uma preocupação proteção constitucional do consumidor (art. 5°, XXXII, CF-88), e sim do fornecedor (art. 3º, CDC). Por fim, realiza-se um estudo em conjunto da Lei nº 12.414/2011, da Lei nº 8.078/90 e da Constituição Federal da República Brasileira de 1988, com enfoque na proteção dos dados pessoais dos consumidores brasileiros. Também com base na Teoria Crítica dos Direitos Humanos, defende-se o reconhecimento da proteção dos dados pessoais dos consumidores brasileiros como um direito

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fundamental. Nesse sentido, demonstra-se, de forma interpretativa, a ineficácia social da Lei do Cadastro Positivo de Crédito, a qual foi alvo de recente investigação realizada pelo IDEC. Para tanto, adota-se a concepção de Luís Roberto Barroso sobre eficácia social, ou efetividade, como a “materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social” (BARROSO, 2004, p. 248; DA SILVA, 2008, p. 66, sic). Adiante-se que a reportagem do IDEC noticiou o agudo desconhecimento da Lei do Cadastro Positivo de Crédito, e, entre os que tem conhecimento da existência da lei, menor é o número dos que entendem o seu funcionamento e a sua finalidade (“Um tal ‘Cadastro Positivo’”, 2014). Dessa constatação resulta o descompasso entre o direito pressuposto pela Sociedade e o direito posto pelo Estado. Utilizadas as palavras de Eros Roberto Grau (1991, sic) “Legítimo será o Direito posto que consubstancie forma de desenvolvimento das forças sociais produtivas; ilegítimo, aquele que consubstancie entrave ao seu desenvolvimento”. O direito posto (Lei do Cadastro Positivo de Crédito) é ilegítimo, pois em nada representa o direito pressuposto (produto cultural). Com a inexistência de subsídio fático e de juízo valorativo da Sociedade, o Estado Brasileiro, consoante Alaôr Caffé Alves (2011), reforçou a função ideológica do Direito na Sociedade Moderna, pois o direito posto (Lei do Cadastro Positivo de Crédito) foi proposto por um poder asséptico nos limites estabelecidos pelo sistema normativo racional-formal. Foi a Lei do Cadastro Positivo de Crédito estabelecida no nível hegemônico do Estado e seu ineficaz resultado instrumenta e operacionaliza o sistema de mercado. Ademais, submergem, no plano das aparências, as relações econômico-sociais antagônicas, precisamente no sentido de mantêlas e reproduzi-las por meio de acesso aos dados pessoais dos consumidores, o que potencializa, como adverte Zygmunt Bauman (2008), a transformação dos consumidores em mercadorias dos fornecedores. Por fim, apresenta-se um estudo de caso, com o objetivo de analisar o marco judicial da proteção dos dados pessoais dos consumidores brasileiros, qual seja, o Recurso Especial número 1.419.697/RS, responsável por traçar os contornos do uso de dados pessoais dos consumidores na análise de crédito. Na oportunidade, serão expostas críticas à ratio decidendi. Importa, também, registrar que a pesquisa tem a característica exploratória-descritiva e documental, para o que se utiliza a abordagem qualitativa de estudo e pesquisa, mais apropriada às Ciências Sociais (CRESWELL, 2010, p. 210) e, em especial, ao proposto na

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presente dissertação, tanto em razão do objetivo de delimitação de um conceito jurisfilosófico, qual seja, o do Proteção dos Dados Pessoais dos consumidores brasileiros, como também por conta da constante comparação entre iniciativas nacionais e estrangeiras já existentes. Para a efetivação da pesquisa utilizou-se a estratégia da Teoria Fundamentada (CRESWELL, 2010, p. 37), principalmente fundada nos estudos de direito comparado. Partese dos conceitos fundamentais de Intimidade e de Privacidade, tanto no âmbito internacional quanto no âmbito nacional, para, em seguida, serem traçadas suas diferenças e similitudes, chegando-se, assim, ao desenvolvimento de um conceito relativo à Proteção dos Dados Pessoais dos Consumidores Brasileiros. O procedimento de coleta de dados baseou-se na obtenção, na catalogação e na análise de documentos públicos em sua origem, tais como iniciativas legislativas e decisões jurisprudenciais brasileiras e internacionais. Com isso, pretendeu-se chegar ao entendimento acerca de um possível ponto de equilíbrio entre os aspectos público e privado da vida do atual indivíduo consumidor brasileiro. Ainda, por se tratar de um estudo cujo objetivo – a análise da Proteção dos Dados Pessoais dos Consumidores Brasileiros – encontra-se envolvido num novo cenário, qual seja, o da Sociedade de Consumo, a pesquisa dá especial atenção às recentes decisões emanadas pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal. Porém, em auxílio nesse ponto da pesquisa, utiliza-se o método histórico, analisando-se a evolução dos conceitos de intimidade e de privacidade, no sentido do reconhecimento do conceito legal de Proteção de Dados Pessoais.



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2.

PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR BRASILEIRO

No presente capítulo, traçam-se os contornos da proteção do consumidor brasileiro, apresentando-se, inicialmente, breve histórico a esse respeito. Em seguida, analisa-se a proteção trazida pela Constituição de 1988, responsável por elevar a proteção do consumidor à categoria de garantia fundamental do cidadão brasileiro, e apresenta-se análise sintética do Código de Defesa do Consumidor em relação à questão, até chegar ao diálogo deste com a Teoria Crítica dos Direitos Humanos.

2.1. Antecedentes Históricos da Proteção do Consumidor

Ao se aprofundar no estudo da proteção do consumidor, remonta-se ao longínquo passado do mundo jurídico, nas primeiras leis de que se tem notícia, chegando ao célebre “Código de Hamurabi” (FILOMENO, 2015, p. 2), do qual é possível extrair noções rudimentares de preceitos hoje defendidos em todo o mundo com o objetivo de garantir direitos básicos aos consumidores. No entanto, para o entendimento do tema aqui proposto, não é preciso delinear um histórico de tal magnitude; basta apenas demonstrar qual a base histórica que garantiu o desenvolvimento das normas de proteção aos consumidores no âmbito brasileiro, pelo que não há razão para se tratar, especificamente, do “Código de Hamurabi”. Delimita-se o alcance deste breve histórico, tomando como marco inicial a última fase da Revolução Industrial, por volta dos anos 1840, até a edição do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, marco da proteção brasileira ao consumidor e principal iniciativa principiológica para o desenvolvimento da matéria em nosso ordenamento jurídico. A Revolução Industrial apresentou ao mundo contemporâneo uma nova forma de produção, massificada, capaz de, em poucos dias, suprir as necessidades de consumo de todo o local onde estava estabelecida a unidade fabril. Para absorver tamanha capacidade produtiva, tornou-se imperiosa a necessidade de alcançar novos mercados. A chegada de mercadorias industrializadas deu início, assim, à mais marcante faceta da atual sociedade de



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consumo/consumismo, qual seja, o total desconhecimento entre os consumidores e seus fornecedores. A expansão dos mercados consumidores foi amplificada pela chamada globalização, fenômeno socioeconômico responsável por diminuir as distâncias globais e por permitir, para o caso do consumo, o oferecimento de produtos e serviços nunca antes vistos nas mais diversas regiões do mundo, apresentando-se para novos mercados o que antes era restrito aos mercados locais. A expansão dos mercados e da capacidade de produção gerou um terreno fértil para o desenvolvimento de grandes corporações, que tomaram o lugar dos pequenos empreendedores individuais, representantes do comércio outrora, fazendo com que os responsáveis pelos meios de produção perdessem a sua “identidade”, não sendo mais facilmente reconhecidos pelo seu mercado consumidor. Nesse cenário, diante do crescente número de produtos industrializados e dos problemas que passaram a apresentar aos consumidores, por não haver nenhum tipo de regulamentação, no mercado, quanto à qualidade e à segurança dos bens, iniciaram os primeiros movimentos com o objetivo de resguardar direitos mínimos aos consumidores. Nos Estados Unidos da América, encontra-se a representatividade do marco inicial da proteção e defesa dos consumidores. À guisa de exemplo, destaca-se a criação da pioneira entidade chamada “National Consumers League”, fundada em 1899, com o objetivo de garantir melhores condições de trabalho aos industriários, assim como um melhor ambiente de consumo para a população em geral (NATIONAL CONSUMERS LEAGUE, [S.d.]sic). Ainda naquele mesmo país, em 1929,foi fundada a Consumers' Research (CONSUMERS’ RESEARCH, [S.d.]), cuja cisão, em 1936,originou a Consumers Union's. Ambas entidades representaram mais um grande passo no caminho da efetiva proteção do consumidor, com forte atuação não só no campo político, atuando no lobby em favor de leis que buscavam proteger o consumidor, como também com atuação prática, realizando testes para garantir aos consumidores informações acerca da qualidade dos produtos ou serviços ofertados no mercado de consumo norte-americano. Também em território norte-americano, o primeiro reconhecimento estatal acerca da necessidade de proteção dos consumidores: em 15 de março de 1962, o presidente John F.

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Kennedy discursou ao Congresso Norte-Americano e lá traçou as linhas básicas da proteção estatal do consumidor norte-americano, reconhecendo-lhe, inicialmente, quatro direitos básicos, quais sejam: (i) direito à informação, (ii) direito à escolha, (iii) direito a ser ouvido, e (iv) direito à segurança (KENNEDY, 1962). O emblemático discurso abriu caminho para a devida regulação de diversas matérias ligadas ao direito do consumidor nos Estados Unidos da América, o que chamou ainda a atenção de todo o mundo para a necessária proteção do consumidor enquanto parte vulnerável da relação contratual, dependente, em grande medida, dos produtos colocados no mercado de consumo pelas grandes corporações. A representatividade do discurso de Kennedy foi tamanha que, até os dias atuais, reconhece-se o dia 15 de março como o Dia Internacional do Consumidor. A repercussão do discurso de Kennedy também pode ser verificada ao se observar a identidade entre os direitos básicos citados naquela oportunidade e o que foi depois reconhecido pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 1973, como direitos básicos dos consumidores de todo o mundo. Após o discurso ao Congresso Norte-Americano, verificou-se sistemático aumento na regulação de padrões mínimos de qualidade de produtos e serviços em todo o território daquele país, de modo a garantir aqueles direitos delineados por Kennedy, o que resultou em exponencial aumento da defesa do consumidor e consequente fortalecimento das associações representativas pertinentes. Saindo do plano norte-americano, impende citar a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo-Suécia, em 1972 (PASSOS, 2009).Ainda que não guardasse uma relação direta com o estudo da defesa do consumidor, uma vez tratar-se de conferência que versava sobre o meio ambiente, percebeu-se, naquele encontro, a existência de uma proto-discussão acerca da necessidade de regulamentações no consumo, do consumo consciente, bem como certa preocupação com o impacto do consumo de forma direta e indireta sobre o ambiente humano. Atualmente, não restam dúvidas a respeito da interconexão do meio ambiente humano com a defesa do consumidor, porém, naquele momento, a discussão representou um marco no entendimento do consumo como algo além das relações privadas usuais.



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Não é difícil compreender o contrato de consumo como algo ligado meramente ao direito privado clássico. Pensando-se em termos Napoleônicos, não haveria razão para a intervenção estatal numa relação de compra e venda celebrada entre partes capazes. Todavia, a interconexão do consumo com as mais diversas áreas da vida humana levou a entendimento diverso, segundo o qual se buscou reforçar a necessidade de referida tutela estatal, haja vista o real estado básico de consumo enfrentado pelo ser humano, inserido em sociedade. Avançando no delineamento histórico internacional supranacional, imperioso destacar a atuação da Comissão das Nações Unidas sobre Direitos Humanos em 1973, quando, durante sua 29ª sessão, ocorrida em Genebra – Suíça, foi garantido o enfoque essencial da proteção do consumidor enquanto parte dos direitos humanos. Naquele momento, percebeu-se o movimento da Organização das Nações Unidas no sentido de reconhecer que consumir era uma condição básica do ser humano contemporâneo, que não mais seria possível conceber uma vida digna sem garantias básicas ao consumo seguro e adequado. A ONU reconheceu que o ser humano é essencialmente um ser consumidor e que, efetivamente, já se tratava de uma sociedade de consumo, na qual a vida digna dependia sim de uma defesa dos consumidores. Na mesma oportunidade, a ONU reconheceu, ainda, a necessidade da garantia de direitos básicos aos consumidores de todo o mundo, e, como anteriormente citado, para definir tais direitos, socorreu-se daqueles delineados por Kennedy onze anos antes, ampliando-os com a inclusão dos direitos à honra, à intimidade, à integridade física dos consumidores, consequentes da sua dignidade humana. Ainda em 1973,ocorreu o primeiro movimento comunitário da Europa com o objetivo de regular a proteção de seus consumidores, por meio da aprovação da Resolução nº 543, de 17 de Maio de 1973 (ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DIREITO DO CONSUMO, [S.d.]).Também conhecida como “Carta Europeia de Proteção do Consumidor”, editada pela Assembleia Consultiva do Conselho da Europa, esse instrumento trouxe ao continente europeu a linha-mestra para a proteção dos consumidores, apresentando os caminhos necessários para garantir, por exemplo, a prevenção e a reparação de danos aos consumidores, além dos direitos básicos, igualmente em conformidade com o delineado por Kennedy em 1962 e pela Organização das Nações Unidas em 1973. A “Carta Europeia de Proteção do Consumidor” (EUROPEAN ECONOMIC COMMUNITY, [S.d.]) foi, posteriormente, complementada pela edição, em 25 de abril de

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1975, do “Programa Preliminar da Comunidade Econômica Europeia para a Proteção do Consumidor e Políticas Informacionais”. Esse programa buscou meios de efetivar o que fora anteriormente discutido na Resolução nº 543, de 17 de maio de 1973, apresentando orientações práticas para a defesa dos consumidores no âmbito daquela comunidade supranacional. No Programa Preliminar, dividiram-se os direitos garantidos aos consumidores em cinco categorias, a saber: (i) Direito à proteção da saúde e da segurança; (ii) Direito à proteção dos interesses econômicos; (iii) Direito à reparação dos prejuízos; (iv) Direito à informação e educação; e (v) Direito à representação. A divisão serviu de norte para o alcance do resultado em cada uma das categorias, permitindo sobre cada uma destas um maior aprofundamento doutrinário/legislativo, conforme se percebe no decorrer da leitura do referido documento. Ressalte-se que acima delineam-se os contornos da proteção do consumidor em nível comunitário europeu, o que não significa dizer que os países membros daquela coalizão restaram inertes à proteção de seus consumidores dentro de suas esferas de soberania. Na verdade, antes do posicionamento comunitário, já havia notícias de legislações esparsas que regulavam algumas áreas específicas da proteção do consumidor nos países do Velho Continente. Entretanto, não se verificava uma sistematização dessa proteção, talvez por conta, ainda, de uma arraigada tradição jurídica de separação entre as relações públicas e privadas1. Após referidos movimentos comunitários, percebe-se substancial incremento na quantidade de leis que visavam à proteção dos consumidores europeus, chegando-se até à efetiva constitucionalização da proteção do consumidor. Exemplo emblemático é a Constituição da Espanha de 1978 (“Spain 1978 (rev. 2011)”, [S.d.]), que em sua seção 51, itens 1 e 2, reconhece a necessidade de proteção dos consumidores, sob responsabilidade das autoridades públicas. Embora, antes, a Constituição Portuguesa de 1976 (ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, 1976b)apresentasse, em seu artigo de número 81, a proteção do consumidor entre as matérias prioritárias para o Estado Português, não se tratava de uma proteção direta e sim indireta, por meio “do apoio à criação de cooperativas e de associações de consumidores” (ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, 1976a).A defesa direta do consumidor português só foi

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Pode-se citar a Reinheitsgebot – Lei Alemã da Pureza da Cerveja, de 1516, como um exemplo histórico da proteção dos consumidores no continente europeu. Essa lei, ainda em vigor, diga-se de passagem, regulava a qualidade da cerveja vendida na Alemanha, desde os seus ingredientes até o seu preço, garantindo ao consumidor a qualidade do produto adquirido (HARDY, [S.d.]).



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garantida após alterações promovidas no texto constitucional, encontrando-se atualmente elencada no artigo de número 60. Retomando o contexto internacional, aponta-se como último grande marco da proteção do consumidor a edição da Resolução 39/248, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 16 de abril de 1985 (ONU, 2011), pela qual restaram formuladas, no âmbito da ONU, diretrizes básicas e específicas para a proteção dos consumidores, com os objetivos dessa proteção e princípios básicos pertinentes. Além dessas diretrizes, consta na Resolução 39/248 um marco na proteção consumerista, qual seja, o reconhecimento da posição de vulnerabilidade ocupada pelo consumidor quando da relação contratual. O reconhecimento da vulnerabilidade foi essencial para possibilitar o desenvolvimento de novas estruturas normativas que visavam reequilibrar a relação de consumo, proporcionando ao consumidor, vulnerável, condições de efetivar seus direitos básicos frente a grandes corporações, que insistem em descumpri-los. A Resolução 39/248 foi também responsável por aumentar o rol de direitos básicos previstos pela ONU, a saber: 3. As necessidades legítimas que as diretrizes são destinadas a satisfazer são as seguintes: (a) A proteção dos consumidores de riscos para a sua saúde e segurança; (b) A promoção e proteção dos interesses econômicos dos consumidores; (c) o acesso dos consumidores a informações adequadas que lhes permitam fazer escolhas informadas, de acordo com os desejos e necessidades individuais; (d) A educação do consumidor; (e) Disponibilidade de reparação eficaz dos consumidores; (f) Liberdade para formar grupos de consumidores ou outras organizações relevantes e oportunidade de tais organizações para apresentar seus pontos de vista nos processos de tomada de decisões que os afetam.2

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3. The legitimate needs which the guidelines are intended to meet are the following: (a) The protection of consumers from hazards to their health and safety; (b) The promotion and protection of the economic interests of consumers; (c) Access of consumers to adequate information to enable them to make informed choices according to individual wishes and needs; (d) Consumer education; (e) Availability of effective consumer redress;



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Com a edição da resolução supracitada, a ONU iniciou, também, o processo de recomendação para que todos os seus países-membros passassem a seguir o que fora ali delineado, garantindo, dessa forma, uma movimentação de contornos globais no sentido, de fato, da proteção aos consumidores. Deu-se, assim, o reconhecimento da distinção das relações de consumo, da existência do ato de consumir enquanto ação característica da vida humana em sociedade, e, posteriormente, da necessidade de uma tutela específica para fazer frente ao crescente aumento no poder das corporações, que dominavam os meios de produção com apoio estatal, o que tirou o caráter exclusivamente privado da matéria.

2.2. A Constitucionalização das Relações de Consumo

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 5º, inciso XXXII, a proteção constitucional do consumidor brasileiro, complementada pelo artigo 170, inciso V, no qual a defesa do consumidor foi erigida a princípio básico para a ordem econômica brasileira. A proteção constitucional do consumidor é aprofundada por meio do Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990 (CDC) – que veio traçar diretrizes básicas acerca das relações de consumo, buscando dar maior efetividade à proteção constitucional, ao apresentar definições acerca da matéria. Ademais, trouxe conceituações sobre o que se pode considerar produto e serviço, consumidor e fornecedor. O Código de Defesa do Consumidor, então, contém princípios, direitos e deveres para todas as partes envolvidas nas relações consumeristas. Todavia, mister reconhecer que a proteção constitucional do consumidor não pode jamais ficar restrita ao previsto no Código de Defesa do Consumidor, primeiramente, porque este mesmo já dispõe que os direitos nele elencados serão acrescidos de quaisquer outras normas que sejam benéficas ao consumidor3. Além disso, deve-se compreender a proteção do consumidor como direito e garantia fundamental do cidadão brasileiro, pelo que deve ser

(f) Freedom to form consumer and other relevant groups or organizations and the opportunity of such organizations to present their views in decision-making processes affecting them. Tradução do autor. 3 Lei 8.078/1990, art. 7°. Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.



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entendida como um direito imanente a todo o ordenamento jurídico brasileiro, a ser levado em consideração não somente quando da realização de uma relação consumerista, como também em toda e qualquer atividade estatal, em especial, em se tratando da criação de novas leis, de modo a garantir que estas não fujam da necessária proteção a ser conferida ao consumidor/cidadão. Sobre a definição da fundamentalidade do ato de consumir para a sociedade moderna, importante lição apresentada por Ricardo Henrique Weber (2013, p. 75): O ato de consumir nunca ostentou o destaque na sociedade como na atualidade. Passou a ser quase ou praticamente uma condição humana. Por isso foi realçada a direito fundamental do indivíduo e da coletividade. Tal direito atua no exercício de proteção da dignidade da pessoa que pratica o consumo, para impor limites ao livre mercado.

É relevante pensar na proteção constitucional do consumidor de modo macro, enxergando-a como direito humano a ser efetivamente protegido pelo Poder Público e não como um direito disponível, a ser tutelado da forma que melhor convenha aos detentores do poderio econômico. Neste sentido é o ensinamento de Herrera Flores (2009, p. 195), ao afirmar que “os direitos humanos como produtos culturais antagonistas se situam no meio dessas propostas, evitando em todo momento ficar reduzidos a meras pautas jurídicas de decisão judicial ou elevar-se aos céus estrelados da ‘indecisão’ humana.”. Não se pode tolerar que a legislação brasileira seja utilizada em claro descompasso com a proteção constitucional do consumidor, que vem sendo completamente ignorada em favor dos interesses econômicos dominantes do mercado de consumo – poder hegemônico que demonstra ser capaz de alterar o Estado de Direito, a ponto de legitimar suas ações como legais.

2.3. O Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990

O Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990 representa para o Brasil a efetivação do direito fundamental à proteção do consumidor previsto no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal de 1988. Sua edição foi determinada no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, artigo 48, expressamente: o Congresso Nacional haveria de editar referida norma no prazo de 120 (cento e vinte) dias após a promulgação do texto constitucional.

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A edição do Código de Defesa do Consumidor incluiu o Brasil no longo processo de desenvolvimento mundial de normas que visavam, em princípio, à distinção das relações de consumo e ao reconhecimento da existência do ato de consumir enquanto ação própria da vida humana em sociedade, e, posteriormente, da necessidade de uma tutela específica para enfrentar o crescente aumento no poder das corporações dominantes dos meios de produção. São os principais objetivos do Código de Defesa do Consumidor a já citada efetivação do texto constitucional e a adequação do país aos conceitos globais de segurança e de proteção dos consumidores, em especial, naquilo que fora traçado pela ONU em 1985. Nessa medida, a lei nº8.078/1990 segue em grande parte a resolução internacional39/248. Além da garantia de proteção segurança dos consumidores, o Código de Defesa do Consumidor assume papel inédito, até então, de renovação no ordenamento jurídico brasileiro. Relembre-se que, à época de sua edição, praticamente em conjunto com a vigência do próprio texto constitucional, o Brasil encontrava-se no inicio do seu processo de redemocratização, após anos de um regime de exceção. O Código de Defesa do Consumidor representa, portanto, um dos principais diplomas legais aprovados depois da redemocratização brasileira. A renovação trazida pelo Código de Defesa do Consumidor pode ser percebida em todo o diploma legal, com nítida influência de legislações estrangeiras que buscavam a efetivação dos direitos fundamentais nas relações privadas, apresentando uma maior influência estatal numa esfera cujas características supostamente seriam unicamente de direito privado. Comumente, apresenta-se o Código de Defesa do Consumidor como uma espécie de “microssistema legislativo”, um código que, por sua complexidade, funcionaria de forma autônoma do ordenamento jurídico, trazendo normas principiológicas, materiais, processuais e administrativas, ou seja, num mesmo diploma legal, encontram-se a filosofia do tema, o seu campo de incidência e a forma de aplicação dos direitos nele contidos. Entretanto, a ideia de “microssistema legislativo” não deixa claro o alcance nem a importância temática da defesa do consumidor para a atual sociedade brasileira. Como já demonstrado anteriormente, o ato de consumir tomou contornos de matéria fundamental para o desenvolvimento social, tanto que passou a ser concebido como direito básico em âmbito supranacional e como direito fundamental dentro do nosso próprio ordenamento pátrio.



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O entendimento a respeito da representatividade do Código de Defesa do Consumidor para o ordenamento jurídico brasileiro mudou, sendo Cavalieri Filho (2011)uma das principais vozes nesse sentido. Para o autor, a expressão “microssistema legislativo” já foi superada, havendo-se de compreender o código, por sua relevância temática, por seu alcance normativo e haja vista a repercussão da defesa do consumidor em todo o ordenamento jurídico brasileiro, como uma “superestrutura normativa”. A amplitude de aplicação do Código de Defesa do Consumidor é delimitada tão somente pela definição dos sujeitos envolvidos naquela relação, razão pela qual se pode verificar uma ampliação na aplicação do código protetivo das relações de consumo com a simples reinterpretação dos conceitos de “fornecedor” e “consumidor”. Uma vez presentes estes sujeitos, a aplicação imediata do Código de Defesa do Consumidor é reclamada. A ampliação do espectro de incidência do Código de Defesa do Consumidor fica mais clara diante dos mais recentes entendimentos do Superior Tribunal de Justiça, como quando esta Corte reconheceu a aplicação do diploma protetivo ainda que se trate de um serviço não remunerado – caso Google Search. Outrossim, pela própria sistemática legal, ao se incluírem novos atores na relação de consumo, como no caso do Estatuto do Torcedor, lei que apresenta novos conceitos de fornecedores equiparados (a saber, entidade promotora do evento esportivo). Outra característica essencial do Código de Defesa do Consumidor é o que diversos autores chamam de “corte transversal do ordenamento jurídico” (BRAGA NETTO, 2013; TARTUCE; NEVES, 2012), que significa que o código protetivo não pode ser situado, no tradicional organograma juspositivista, abaixo do Código Civil – dito a “constituição do direito privado”. Na realidade, devido a sua característica de norma responsável por efetivar um direito fundamental previsto em nossa Constituição, bem como ao seu caráter de norma de ordem pública e interesse social, referido diploma deve servir como verdadeiro norte para todo o ordenamento jurídico nacional. Sua influência trespassa todos os ramos do direito, pois, antes da atuação legislativa ou da aplicação de uma norma, cabe ao operador do direito fazer-se duas indagações: (i) “de alguma forma, estou diante de uma relação de consumo?”, e (ii) “em existindo uma relação de consumo, estou diante uma norma mais protetiva que o próprio Código de Defesa do Consumidor ou não?”.

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Com isso, percebe-se o peso da doutrina consumerista nas mais diversas áreas do Direito, uma vez que, por imposição legal e constitucional (artigo 5º, XXXII e Artigo 170, V), a defesa do consumidor assumiu papel de vital importância no Brasil, sendo fundamento de nossa sociedade, a ser observado na manutenção da ordem econômica. Trata-se, portanto, de relevância eminentemente socioeconômica. Outra questão de substancial destaque para o entendimento da doutrina consumerista e de sua possibilidade de avanço na defesa de novas situações fáticas que venham a envolver consumidores brasileiros e que não podiam sequer ser imaginadas quando da edição do Código de Defesa do Consumidor reside na chamada “Teoria do Diálogo das Fontes”, trazida ao Brasil por Cláudia Lima Marques, a partir das lições traçadas por Erik Jayme, em curso promovido em Haia em 1995 (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2010, p. 30)e prevista, expressamente, pelo ordenamento consumerista, em seu artigo 7º, caput4. Esta teoria é o que garante ao Direito do Consumidor a possibilidade de manter-se sempre atualizado e em condições de garantir a defesa e a segurança dos cidadãos diante das mais novas tendências do mercado de consumo, sem que seja necessária, a todo momento, a alteração do diploma legislativo principal. Permite, ainda, que a proteção do consumidor brasileiro se mantenha em pé de igualdade com o restante do mundo através da celebração de tratados e convenções internacionais. Um dos principais objetivos da “Teoria do Diálogo das Fontes” é garantir uma nova interpretação do ordenamento jurídico, sem que seja necessário se utilizar dos conceitos tradicionais de resolução de antinomias jurídicas, segundo os quais a aplicação de uma lei excluiria a aplicação de outra que tratasse de matéria próxima ou similar. Esse entendimento reforça que, de fato, não mais se trata o Código de Defesa do Consumidor como um “microssistema” de aplicação isolada das demais leis, mas sim como um guia principiológico geral, a “superestrutura normativa”, de proteção dos consumidores, através do qual se coordena a aplicação de leis, tratados, convenções, portarias e regulamentos que possam ampliar a proteção e a segurança em benefício daqueles.

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Código de Defesa do Consumidor, art. 7°. Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.



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O “Diálogo das Fontes”5 aproxima o ordenamento jurídico brasileiro da concepção pós-moderna de justiça e direito, conforme a qual não mais se pode pensar em matérias isoladas. Assim como, no contexto humano, não mais se pode falar em indivíduos isolados, existe uma essencial rede de interconexão entre as matérias e os sujeitos por elas atingidos, razão pela qual se faz imperiosa a ampliação dos conceitos trazidos por normas jurídicas, que, embora estáticas, permitem conceituações principiológicas sujeitas a uma constante reinterpretação, permitindo a busca por soluções mais adequadas para casos difíceis. Resta claro, então, que se pode limitar a proteção do consumidor brasileiro apenas ao que está codificado explicitamente na lei nº8.078 de 1990. A própria Política Nacional das Relações de Consumo, prevista em seu artigo 4º6, deixa claro, em especial, no seu inciso VIII, que é necessário um estudo constante do mercado de consumo, a fim de sempre assegurar a maior atualização possível na proteção consumerista. Não se pode aceitar a existência de lacuna em se tratando de proteção ao consumidor. Cabe ao Estado manter-se atualizado com a realidade de consumo e com os clamores da sociedade, reconhecendo-os como fontes primordiais para a criação de novas normativas de proteção e responsáveis pelo traçado do caminho a ser seguido pelas demais entidades envolvidas na defesa dos consumidores.

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Para uma análise mais aprofundada acerca da teoria citada, ver Marques (2014). Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo. 6



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2.4. No Contexto da Teoria Crítica dos Direitos Humanos

Como já demonstrado, não paira dúvida quanto à consideração da proteção do consumidor como direito fundamental ao desenvolvimento humano em nossa sociedade pósmoderna consumista. A relação de consumo representa uma necessidade básica do indivíduo, já reconhecida pela maior parte dos países, em especial, após o posicionamento da Organização das Nações Unidas. Ocorre, porém, que, após o reconhecimento desse direito básico do indivíduo no âmbito internacional e sua internalização nas legislações dos mais diversos países, percebe-se uma diminuição nas discussões de novos pontos para aprofundamento dessa proteção, como se, depois de garantido no âmbito internacional, não mais se necessitasse de nenhuma outra proteção, ou, ainda, como se o que fora estabelecido, em determinado momento histórico, pudesse representar o auge das discussões jurídicas, não merecendo mais reparo ou avanço. Sendo o Direito uma ciência em constante evolução, um reflexo da própria sociedade em que ele está inserido, não aceita que formulas postas em determinado momento sirvam para toda a existência de uma sociedade que, constantemente, muda. A proteção do consumidor também precisa acompanhar o desenvolvimento social como meio de garantir, até mesmo, a cidadania do indivíduo, haja vista a própria evolução que este conceito sofreu ao longo dos últimos anos. Sabe-se que, na doutrina do positivismo jurídico brasileiro (SILVA, 2015), o conceito de cidadania restringe-se tão somente à possibilidade de votar e de ser votado para ocupar cargo eletivo. Contudo, o desenvolvimento da atual doutrina pós-positivista modificou radicalmente esse conceito, não mais bastando, para a garantia da cidadania, a simples possibilidade de votar e ser votado. No atual cenário, o cidadão deve ser entendido em sua plenitude, como aquele que pode ter acesso a todos os direitos fundamentais de um Estado e, inclusive, dos direitos humanos ligados ao Direito Internacional (PIOVESAN, 2011, p. 439). É premente enxergar o cidadão enquanto indivíduo que deve ter assegurado não só o direito ao sufrágio universal, mas sim o direito a uma vida digna, que inclui o direito a ser

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protegido quando diante de relações de consumo e, mais ainda, como aquele que deve ter o direito à sua intimidade e à sua vida privada preservado. Justamente no cruzamento destes conceitos, situa-se o objeto do presente estudo – reconhecer o consumo, a vida privada e a intimidade do consumidor como parte fundamental da efetividade da cidadania brasileira. O presente tema consiste num ponto ligado à proteção do consumidor brasileiro que pouco foi explorado nos últimos anos, mesmo no âmbito internacional, qual seja, a necessidade da proteção dos dados pessoais do cidadão, neste caso, especificamente, do brasileiro, como desdobramento de direitos fundamentais seus. Para tanto, rememora-se que a captação de tais dados decorre, em sua maioria, de relações de consumo, o que nos leva de volta à garantia fundamental de proteção do consumidor brasileiro prevista no artigo 5º, inciso XXXII da Constituição Federal de 1988. Como marco teórico para a conceituação que aqui se apresenta, vai-se além do conceito já estabelecido de direitos humanos enquanto aqueles previstos nas ordenações internacionais e positivados pelos estados nacionais. Busca-se guarida na chamada “Teoria Crítica dos Direitos Humanos”, apresentada por Joaquín Herrera Flores, a qual desconstrói a ideia de universalidades dos ditos direitos humanos. Para essa teoria, a universalidade reside no conceito de dignidade, o qual permite que o desenvolvimento dos direitos humanos aconteça num contexto nacional, respeitando, assim, as individualidades de cada nação, mas sem perder o contexto global de dignidade conquistado por uma parcela de povos e que pode inspirar os demais. A Teoria Crítica questiona a restrição dos direitos humanos ao que se encontra efetivamente positivado pelo Estado, os chamados, no Brasil, de direitos fundamentais, haja vista representarem esses direitos apenas pequena parcela dos anseios sociais. Na realidade, são apenas aqueles direitos julgados como básicos de acordo com os responsáveis pela positivação legal, em determinado momento histórico, sendo fruto, muitas vezes, da importação de realidades internacionais sem a devida internalização dos conceitos por parte da população. Essa internalização temerária pode ser facilmente observada na própria defesa do consumidor no Brasil, estabelecida nos mesmos moldes que foram longamente discutidos em âmbito internacional, portanto, diverso, especialmente com base nas experiências europeias, considerando resoluções da Organização das Nações Unidas, o que cria, muitas vezes, uma desconexão entre direitos fundamentais e expectativas da população que se busca proteger.

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Nesse sentir, mais uma vez, Herrera Flores (2009), ao descrever a necessidade de se entender o direito como um produto cultural da sociedade em que está inserido, sem o que se pode constatar descompasso entre o direito pressuposto pela sociedade e o direito posto pelo Estado. O sistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor é um bom exemplo dessa desconexão, visto que, após a edição do código em 1990, enfrentou-se um longo período até que os direitos ali previstos passassem a ser não só respeitados, mas também reconhecidos pelos seus titulares como algo legítimo. Somente depois da compreensão do entitlement (SEN, 2010, 2012)do cidadão brasileiro, efetiva-se a exigência de respeito a esses direito. A ausência de um pensamento crítico acerca do direito que se busca proteger, ao contrário do caso norte-americano, em que houve o desenvolvimento inicial de diversas associações de defesa dos consumidores, acaba por deslegitimar o próprio direito, ainda que reconhecido pelo Estado, pois os próprios destinatários da proteção não se reconhecem na qualidade de protegidos, não se veem representados por tais direitos fundamentais e acreditam que tal proteção existe apenas “no papel”. Outro ponto que merece destaque reside na própria forma de elaboração dos direitos e garantias fundamentais, o que também foi largamente exposto pela “Teoria Crítica dos Direitos Humanos” e que pode ser facilmente verificado quando se fala em defesa do consumidor. Já se entende que as normas jurídicas refletem determinado momento histórico/social/econômico da sociedade que se busca regular. Dessa forma, não se há de esquecer que o cidadão se encontra inserido num sistema econômico capitalista/consumista, cujo principal objetivo é a elevação das taxas de produção e consumo no mercado. Tais interesses devem ser levados em conta quando da criação das leis, haja vista que essas mesmas empresas são responsáveis por financiar o Estado através do pagamento de impostos e pela criação de diversos empregos, de modo que a saída ou a permanência de uma delas no mercado nacional pode representar o limite entre uma crise ou a estabilidade fiscal (ALVES, 2002, 2011; BAUMAN, 2008; FARIA, 1994). É possível perceber, facilmente, a confirmação do poder econômico em setores como os das montadoras de carro, em que uma manobra de diminuição da produção de veículos representa uma alteração direta na vida de milhares de trabalhadores, ligados direta e indiretamente ao produto dessas empresas.

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Para tanto, utilizam-se as palavras de Eros Roberto Grau (1991), para delinear o descompasso anteriormente apontado: “Legítimo será o Direito posto que consubstancie forma de desenvolvimento das forças sociais produtivas; ilegítimo, aquele que consubstancie entrave ao seu desenvolvimento”. O Estado de Direito passa, então, a servir de ferramenta para a concretização dos anseios dos grupos de poder, travestindo a vontade por lei, tentando mostrá-la como algo necessário à população. Sobre esse fato reforça Faria (1994, p. 18): “Com a progressiva concentração oligopolista dos setores produtivos, forjando mecanismos próprios para a auto-resolução de seus conflitos; com a transformação do Executivo num poder simultaneamente provedor, interventor, regulador e planejador [...]”. Sobre a desigualdade, pondera Faria (1994, p. 105, sic): [...] os direitos sociais não configuram um direito de igualdade, baseado em regras de julgamento que implicam um tratamento formalmente uniforme; são, isto sim, um direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios[...]

Alaôr Caffé Alves (2002, 2011) reforçou a função ideológica do Direito na Sociedade Moderna, na qual, por meio das ferramentas propostas pelo próprio Estado de Direito, promovese a desigualdade, apelando-se justamente para uma igualdade formal na criação do Direito. Reconhece o autor, então, que (ALVES, 2002, p. 32–33): A ordem jurídica nesse sentido funciona, ela mesma, como expressão direta e imediata da organização econômico-social básica. Para considerar, portanto, essa ordem como sendo a própria estrutura social, posta por decisão estatal positivada com base nos valores do bem comum e do interesse geral, há apenas um passo. É assim que o Estado, através da objetivação e formalidade jurídica, sobressai como produto imaginário da vontade constitucional e como sujeito ideal destacado da sociedade, figurando como ente político autônomo, racional, neutro, organizador do consenso geral e responsável pela coesão social.

Nesse mesmo sentido, Bauman (2008, p. 15–16) reconhece a influência do poder econômico nas decisões do Estado de Direito, que trabalha para manter a continuidade da desigualdade existente entre os poderes sociais e econômicos: Além disso, a capacidade e a disposição do capital para comprar trabalho continuam sendo reforçadas com regularidade pelo Estado, que faz o possível para manter baixo o “custo da mão-de-obra” mediante o desmantelamento dos mecanismos de barganha coletiva e proteção do emprego, e pela imposição de freios jurídicos às ações defensivas dos sindicatos – e que com muita freqüência mantêm a solvência das empresas taxando importações, oferecendo incentivos fiscais para exportações e



34 subsidiando os dividendos dos acionistas por meio de comissões governamentais pagas com dinheiro público.

Ademais, submergem, no plano das aparências, as relações sócio-econômicas antagônicas, reforçando a desigualdade fática e aquisitiva já existente, precisamente no sentido de mantê-las e de reproduzi-las por meio de acesso aos dados pessoais dos consumidores. Dessa forma, aprofunda-se o conhecimento, pelos fornecedores, acerca de seus consumidores, não só no intuito de oferecer outros produtos e serviços que possam se “encaixar” no perfil de consumo apresentado, como também de efetivar e de potencializar a transformação dos consumidores em mercadorias dos fornecedores, haja vista que, em nossa atual sociedade de consumidores, é necessário tornar-se uma mercadoria desejável, pois, somente assim, serão abertas novas possibilidades de consumo, matéria primordial para a vida na atual sociedade. Como adverte Zygmunt Bauman (2008, p. 74): Bombardeados de todos os lados por sugestões de que precisam se equipar com um ou outro produto fornecido pelas lojas se quiserem ter a capacidade de alcançar e manter a posição social que desejam, desempenhar suas obrigações sociais e proteger a auto-estima – assim como serem vistos e reconhecidos por fazerem tudo isso –, consumidores de ambos os sexos, todas as idades e posições sociais irão sentir-se inadequados, deficientes e abaixo do padrão a não ser que respondam com prontidão a esses apelos.

Assim, fica claro o movimento econômico que vem se desenhando no sentido de, cada vez mais, orientar o mercado a dominar todas as informações dos consumidores brasileiros, utilizando como fundamento um suposto poder asséptico do Estado, que age nos limites de suas competências legislativas, sempre se baseando em movimentos que possam garantir uma suposta igualdade de tratamento legislativo.



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3.

DADOS PESSOAIS E O RESPEITO À PRIVACIDADE, À INTIMIDADE E AO

SEGREDO



EFICÁCIA

HORIZONTAL

DA

PROTEÇÃO

CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR BRASILEIRO

No presente capítulo, argumenta-se pela compreensão da Proteção dos Dados Pessoais como um desdobramento da Intimidade da Pessoa Humana, com enfoque apenas nas pessoas físicas, excluindo-se as pessoas jurídicas consumidoras, haja vista ser necessária, para que também estas sejam abrangidas na discussão, toda uma nova construção da problemática.

3.1. Esferas da Privacidade, da Intimidade e do Segredo

Como fundamentação teórica para a análise da problemática dos bancos de dados com informações pessoais, necessário entender como se dá o relacionamento do indivíduo com a sociedade em que se insere. Para tanto, funda-se o presente estudo no conceito das esferas representativas da personalidade humana, já bastante difundido na doutrina Alemã e Italiana e apresentada no Brasil na magistral lição de Costa Júnior (2007) quando da defesa de sua tese de livre-docência para titularidade em Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP na década de 1970. Divide-se, inicialmente, a personalidade humana em duas esferas independentes, quais sejam, a esfera individual e a esfera privada. Posteriormente, detalha-se a esfera privada em três círculos concêntricos, em relação aos quais destacam-se dois posicionamentos da doutrina Alemã –o de Heinrich Hubmann e o de Heinrich Henkel. Ambos dividem a esfera privada da personalidade humana em três esferas concêntricas, nas quais o afastamento a partir do centro representa uma maior abertura das informações do indivíduo ao público, desde a esfera mais restrita e central, até a mais externa. Para Hubmann, a divisão da esfera privada acontece da seguinte forma, a “esfera externa seria a privacidade, a intermediária alocaria o segredo e a esfera mais interna seria o plano da intimidade” (DI FIORE, 2011, p. 1). Já Henkel divide a esfera privada de forma similar

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a Hubmann, porém, com a seguinte divisão: “como círculo nuclear o [do] segredo, deixando o círculo da intimidade como intermediário e o da privacidade como círculo externo” (DI FIORE, 2011, p. 1). Este é o entendimento que tem mais adeptos na doutrina nacional, seguido por Costa Júnior (2007) em sua defesa e ora escolhido neste trabalho. No mesmo sentido, demonstra Frota (2007, p. 461): [...] a esfera privada (o círculo da vida privada em sentido amplo) encerra três círculos concêntricos (camadas dentro de camadas): o círculo da vida privada em sentido restrito (a camada superficial), que contempla o círculo da intimidade (a camada intermediária), no qual se acomoda o mais denso desses três compartimentos, o círculo do segredo (núcleo).

Para melhor ilustrar a ideia dos círculos concêntricos, reproduz-se a ilustração apresentada por Costa Júnior (2007, p. 31):

Esfera Privada Esfera da Intimidade ou Confidência

Esfera do Segredo

Figura 1: Esfera da Privacidade (COSTA JÚNIOR, 2007, P.31)

Ao entender-se a personalidade humana com as divisões propostas por Henkel, percebe-se como os dados pessoais fazem parte da personalidade humana, situando-se em diversas posições dentro das três esferas, a depender do tipo de dado tratado e de sua utilização.

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Ademais, é possível verificar como dados que poderiam ser considerados pertencentes à mais externa das esferas, quando combinados com outros dados, até mesmo públicos, podem representar uma invasão da mais interna das esferas.

3.1.1. Esfera da privacidade – “Privatsphäre”

No primeiro círculo, estariam os dados que mais se aproximariam dos observadores externos (FROTA, 2007), aqueles cuja existência e até mesmo a quantificação ou breve observação podem ser realizadas por estranhos e que, mediante a devida ordem judicial, podem vir a ser devassados, tais como os sigilos financeiro ou fiscal, sempre em nome do interesse público. Outro exemplo de dados sujeitos à esfera da privacidade são aqueles decorrentes de processos judiciais, visto que, nestes, os fatos, muito embora em sua maioria guardem relação apenas a duas pessoas, em razão do interesse público, ganham contornos externos, mas com a expectativa de conhecimento apenas pelas pessoas que guardem algum interesse na demanda. Aqui também inserem-se eventos de “natureza pública que envolvam o indivíduo, extensíveis a um círculo indeterminado de pessoas” (DI FIORE, 2011, p. 2), cuja divulgação ou conhecimento foge do seu controle. Exemplifica-se: um cidadão que compartilhe pensamentos sobre sua vida privada em redes sociais, ainda que em grupos restritos, não consegue controlar o alcance da mensagem publicada, o que, inclusive, decorre das próprias características de alguns desses serviços.

3.1.2. Esfera da intimidade – “Vertrauensphäre”

Na esfera intermediária, encontram-se os fatos da vida que o individuo guarda para o seu seio familiar e pessoas do seu convívio íntimo, informações que são restritas a pessoas nas quais a confiança é tão grande que o cidadão tem a certeza de que não serão compartilhadas com terceiros.



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Citam-se, para tanto, a intimidade de sua residência, seus contatos telemáticos, locais onde o cidadão guarda uma expectativa de privacidade que somente poderá ser atacada por meio de uma decisão judicial específica e fundamentada, ou, então, com autorização constitucional específica (Artigo 5º, XI da Constituição Federal). Dessa esfera exclui-se grande parte da população, mesmo pessoas com as quais o indivíduo tenha um relacionamento diário, e, portanto, afeitas à esfera da privacidade, colegas de trabalho ou estudo, por exemplo. É possível estender a exclusão até mesmo a parentes consanguíneos cujo relacionamento não guarde tamanha confiança. Pode-se, então, entender que a participação de outrem já demanda uma efetiva escolha pelo cidadão titular da esfera, pois cabe-lhe decidir com quem irá compartilhar aquelas informações e, principalmente, quais delas serão compartilhadas. Di Fiore (2011, p. 2) inclui também nesta esfera os “profissionais que têm conhecimento das informações em razão do ofício (a exemplo de psicólogos, padres e advogados)”.

3.1.3. Esfera do segredo – “Geheimsphäre”

A mais interna das esferas é também aquela que guarda os pensamentos e sentimentos mais íntimos do cidadão, a qual, quando compartilhada, só o é com aquelas pessoas que desfrutam de extrema intimidade com o titular da esfera. Trata-se de um local que não pode ser violado, nem mesmo por ordem judicial específica, no qual repousam informações como senhas bancárias ou chaves criptográficas – informações que somente podem ser obtidas por meio da disponibilização pelo próprio titular7.

7

A esfera do segredo pode ser facilmente verificada no célebre caso da Operação Satiagraha da Polícia Federal, no qual, após a apreensão de Hard Disks – HD do banqueiro Daniel Dantas, não se pode dar andamento às investigações, pois os HD encontravam-se criptografados, de modo que nem a Polícia Federal nem o Federal Bureau of Investigation – FBI, cujo auxílio foi solicitado por meio de acordos internacionais, puderam acessar os dados ali registrados. A chave para abertura daqueles discos repousa, certamente, até hoje, na esfera do segredo do seu proprietário, Daniel Dantas.



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Para Costa Júnior (2007), esta é a esfera que mais demanda uma atuação de todos os setores, públicos e privados, com o fim de resguardar o segredo dos cidadãos e, principalmente, o direito do cidadão de ter o seus segredos, independente de qualquer intromissão de terceiros. Estão também nesta esfera informações como opções religiosas, filosóficas e políticas (DI FIORE, 2011), pensamentos íntimos que não necessariamente chegarão, algum dia, a ser proferidos em local outro que não o íntimo do cidadão, o que é importante, não só para manter a própria segurança, guardando as informações intimas, mas também, acima de tudo, para que seja mantido um nível de civilidade mínimo, haja vista que alguns pensamentos e comentários não devem sair da esfera do segredo das pessoas, sob pena de censura social ou mesmo penal.

3.1.4. As esferas e as interseções da análise dos dados pessoais

A necessidade de proteção dos dados pessoais dos consumidores/cidadãos brasileiros fica ainda mais facilmente perceptível quando se constatam os riscos envolvidos na coleta de dados das mais diversas esferas da privacidade, com ou sem o consentimento do consumidor/cidadão, porém, para utilização com fins estatísticos que sequer foram imaginados pelos usuários. Um exemplo simplório desses riscos pode ser encontrado no uso da Internet por parte de um consumidor/cidadão. Verificam-se, facilmente, as três esferas em efetiva atuação. A esfera da privacidade representada pelo uso “semi-público” de redes sociais; a esfera da intimidade, representada pelo uso de ferramentas de comunicação, como e-mails ou mensageiros instantâneos; e, por fim, a esfera do segredo, representada pelas buscas realizadas em sistemas de pesquisa ou mesmo escritos efetuados em ferramenta de armazenamento pessoal de dados. Ocorre que, na ausência de regulamentação específica para a proteção dos dados pessoais dos consumidores/cidadãos brasileiros, cada um desses serviços apresenta regulamentação própria, implementada por meio de políticas unilaterais de uso. Em geral, referidas políticas de uso incluem o compartilhamento de informações com empresas parceiras, o que pode levar à utilização de dados oriundos da esfera do segredo como orientadores para a oferta de serviços que estão situados na esfera da privacidade.

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Outro exemplo de risco, o qual será abordado mais detidamente nos capítulos seguintes, é o chamado sistema Score, que, desenvolvido por entidades de proteção ao crédito, busca avaliar o risco de inadimplemento de consumidores com base num sistema estatístico que analisa uma série de variáveis e define, então, uma nota ao consumidor consultado. Ocorre que esse sistema se utiliza de uma série de dados sem que o consumidor tome conhecimento ou seja consultado. Muitas vezes, existe o acesso a dados ligados às esferas da intimidade ou mesmo do segredo, por meio de compartilhamento de informações com parceiros terceiros, o que pode levar o consumidor, desavisado, a ser punido com um Score baixo em razão de um comportamento que sequer deveria ser público, ou mesmo por conta de um exercício regular de seu direito, como no caso do uso de informações sobre a existência de ações revisionais ou de busca e apreensão movidas pelo consumidor cujos dados foram consultados. Limberger (2007) destaca outra preocupação com relação ao uso dos dados sensíveis e que guarda estreita ligação com as esferas da privacidade. Destaca a autora a necessidade de atenção e respeito aos dados sensíveis, uma vez que podem ser utilizados como fatores de discriminação. Exemplifica a autora com a possibilidade de discriminação na contratação de um funcionário que, por meio da divulgação de dados sensíveis, tem revelado à empresa contratante o fato de ser portador de HIV. Resumindo de forma magistral os conceitos aqui traçados, tem-se a lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (apud FROTA, 2007, p. 479, sic) O elemento fundamental do direito à intimidade, manifestação primordial do direito à vida privada, é a exigibilidade de res- peito ao isolamento de cada ser humano, que não pretende que certos aspectos de sua vida cheguem ao conhecimento de terceiros. Em outras palavras, é o direito de estar só. (grifos do autor)

No capítulo seguinte, em especial no item “4.1 Natureza dos bancos de dados”, são abordadas outras hipóteses de interseção que revelam a necessidade de preocupação com a utilização de dados pessoais e com as esferas da personalidade humana.

3.2. Eficácia Horizontal da Proteção do Consumidor

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Para o presente tópico, adota-se a concepção da eficácia horizontal dos direitos fundamentais conforme traçada por Ingo Wolfgang Sarlet, tanto de forma direta quanto indireta. Recorre-se, brevemente, aos conceitos traçados pelo autor para, em ato contínuo, defender o cabimento da referida eficácia horizontal também para a proteção do consumidor brasileiro. Demonstra-se como a defesa do consumidor, após constitucionalizada, deve ser entendida como uma garantia fundamental do cidadão brasileiro, razão pela qual lhe deve ser atribuída a eficácia horizontal, uma vez que não pode a defesa do consumidor restringir-se aos preceitos traçados no Código de Defesa do Consumidor. É mister reconhecer que a proteção constitucional do consumidor não pode jamais ficar adstrita ao previsto no Código de Defesa do Consumidor, porque, além de existir disposição de que os direitos nele elencados serão acrescidos de quaisquer outras normas que sejam benéficas ao consumidor8, deve-se compreender a proteção ao consumidor como direito e garantia fundamental do cidadão brasileiro. Por isso, deve ser entendida como um direito imanente a todo o ordenamento jurídico brasileiro, a ser levado em consideração não somente quando da realização de uma relação consumerista, como também em toda e qualquer atividade estatal, em especial, em se tratando da criação de novas leis, de modo a garantir que estas não fujam da necessária proteção a ser conferida ao consumidor/cidadão. Sobre a definição da fundamentalidade do ato de consumir para a sociedade moderna, importante lição apresentada por Ricardo Henrique Weber (2013, p. 75): O ato de consumir nunca ostentou o destaque na sociedade como na atualidade. Passou a ser quase ou praticamente uma condição humana. Por isso foi realçada a direito fundamental do indivíduo e da coletividade. Tal direito atua no exercício de proteção da dignidade da pessoa que pratica o consumo, para impor limites ao livre mercado.

Construído o entendimento de que devem ser incluídos os dados pessoais no conceito de personalidade humana, espera-se respeito a estes por toda a coletividade, em especial pelas empresas fornecedoras de produtos e serviços que se utilizam destes dados. Por essa razão, socorre-se, neste tópico, ao conceito de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, e, neste 8

Lei 8.078/1990 - Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade. (sic)



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caso específico, da eficácia horizontal da proteção do consumidor, de modo a fazer com que as empresas fornecedoras passem a garantir a proteção destes dados. Entende-se que a proteção dos dados pessoais do consumidor brasileiro decorre da própria lógica da proteção constitucional dos consumidores, enquanto garantia fundamental do cidadão, e de sua eficácia horizontal, não dependendo apenas de uma atuação do Estado para assegurá-la. Pode, então, o cidadão exigir que seu direito seja diretamente respeitado e implementado pelas empresas fornecedoras, não necessitando aguardar a tutela estatal específica. A fim de bem apresentar os argumentos com os quais se defende a proteção dos dados pessoais como direito fundamental a ser observado pelas empresas que tratam informações de consumidores, é preciso, antes, situar-se o tema, discorrendo-se a respeito do entendimento adotado pela doutrina especializada, quanto à eficácia dos direitos fundamentais em geral. Ainda antes, porém, duas observações – uma, quanto à nomenclatura utilizada para o tema, e a outra, quanto à delimitação do problema. Inicialmente, registre-se haver dissonâncias, na doutrina, quanto à nomenclatura mais acertada para denominar o fenômeno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Trata-se do melhor significado a ser conferido à expressão alemã Drittwirkung der Grundrechte - “cunhada por Ipsen” (PEREIRA, 2006, p. 444), de grande relevância para as origens dos estudos sobre o tema, por haver quem sustente que “a própria idéia de eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas ‘é uma criação da ciência jurídica alemã’” (PEREIRA, 2006, p. 443). Jane Reis Gonçalves Pereira anota que a primeira tradução da expressão alemã (a qual prevaleceu na primeira fase do debate) foi “eficácia perante terceiros”, em razão da intenção de acrescentar-se um novo destinatário dos direitos fundamentais (dritte = terceiros), além do Estado. Logo surgiram críticas à locução, uma vez que não se trata, propriamente, de terceiros, visto que todos os particulares envolvidos na relação, sobre a qual hão de incidir determinados direitos fundamentais, também são titulares dessa mesma espécie de direitos (PEREIRA, 2006, p. 444). Outro argumento contrário à tradução foi o equívoco em se falar num terceiro nível de eficácia, sendo mais correto referir-se a um segundo nível, pois se estaria a contrapor a

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vinculação dos particulares (“eficácia horizontal”) à vinculação original do Estado perante particulares (PEREIRA, 2006, p. 444). Esse último argumento fundamentou a expressão horizontalwirkung (eficácia horizontal dos direitos fundamentais), que também foi alvo de críticas, por pressupor igualdade dos particulares envolvidos na relação, “desconsiderando, assim, o fenômeno dos poderes privados” (PEREIRA, 2006, p. 444) – estes, verificáveis quando existe vulnerabilidade de uma das partes. Jane Reis aponta, ainda, as denominações eficácia privada e eficácia dos direitos fundamentais no direito privado, contudo, muito genéricas, incapazes, portanto, de refletir o melhor conteúdo do tema, isto é, a eficácia vinculante das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais no âmbito das relações entre particulares (PEREIRA, 2006, p. 445– 446). Em que pese haja essas e outras (PEREIRA, 2006, p. 445–446) críticas aos títulos apresentados, optou-se, no presente estudo, por fazer-se referência ao fenômeno em tela por qualquer desses termos, indistintamente, uma vez esclarecidas as possibilidades de significados para as denominações e as críticas a estas formuladas. A segunda observação diz respeito à delimitação do problema. Faz-se distinção entre relações privadas, no que tange ao “novo” (o “terceiro”) destinatário da eficácia dos direitos fundamentais no âmbito privado. Assim, quando presente pessoa (física ou jurídica) investida de competências públicas, na condição de delegatória de poderes, por exemplo, não se questiona se fica vinculada sua atuação, uma vez que representa ou faz as vezes do próprio Estado na relação, perante o particular (PEREIRA, 2006, p. 450). Ainda, faz-se distinção quanto à espécie de direito fundamental que deve vincular a relação privada. Desse modo, em se tratando de certos direitos sociais e econômicos (que não aqueles de índole trabalhista, próprios, em especial e principalmente, das relações privadas laborativas), o destinatário só pode ser o Estado (isto é, o legislador ordinário) (PEREIRA, 2006, p. 452). Em razão disso, não se tratará da vinculação a direitos fundamentais de relação privada na qual os particulares estejam investidos de poderes públicos, nem na qual o direito em questão seja originariamente direcionado ao Estado. O foco desse estudo são as relações nas quais se

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busca o equilíbrio, a igualdade material entre as partes, o que, em verdade, há de ser aferido à vista do caso concreto, a fim de mensurar-se o grau de vinculatividade a eventuais direitos fundamentais envolvidos.

3.2.1. Síntese da evolução histórica dos direitos fundamentais

Originariamente, os direitos fundamentais destinavam-se a servir de limites ao poder do Estado soberano, concebidos que foram no clima de reivindicações e revoltas vivenciado na Europa e nos Estados Unidos, ao final do século XVII e no século XVIII. De inspiração iluminista, foram elaborados com o propósito de fazerem frente aos desmandos e às arbitrariedades propiciados, pelo regime, ao monarca no Estado Absolutista. O contexto de então era o moderno, positivista e constitucionalista, no qual se forjaram as características do Estado de Direito, impregnado pelo ideário liberal de um Estado mínimo, não admitido a intervir senão no seio das relações que envolvessem o Poder Público enquanto superior e regulador da atividade do administrado. As relações entre particulares, com isso, eram um campo alheio à ingerência estatal, vigorando, de forma absoluta, a liberdade, principalmente representada pelo exercício da autonomia da vontade. Bem explica Ingo W. Sarlet, no tocante à função dos direitos fundamentais nesse período, que, no Estado clássico e liberal de Direito, eram concebidos, precipuamente, para [...] proteger os indivíduos das ingerências por parte dos poderes públicos no âmbito da sua esfera pessoal (liberdade, privacidade, propriedade, integridade física, etc.), alcançando, portanto, relevância apenas nas relações entre os indivíduos e o Estado, como reflexo da então preconizada separação entre sociedade e Estado, assim como entre o público e o privado [...]. (SARLET, 2000, p. 117–118) (sic)

Com o desenvolvimento e a especificação das relações jurídicas, no entanto, foi se percebendo a insuficiência do formato político-jurídico adotado, tornando-se necessário empreender-se uma mudança radical no que tocava ao papel do Estado, tanto no domínio público quanto, e especialmente, no âmbito das relações privadas. Dessa nova realidade advieram os fatores responsáveis por uma nova roupagem estatal: a do Estado Social de Direito (a do Estado do Bem-Estar Social). O Poder Público, com isso, teve renovadas e multiplicadas suas responsabilidades, tendo em vista assegurar direitos

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mínimos à sociedade e combater as consequências das desigualdades sociais oriundas do grave desprestígio econômico acarretado pelo excesso e pelos abusos de liberdade nas relações antes à parte de sua atuação. Ingo W. Sarlet registra: [...] a despeito de os direitos fundamentais terem surgido, historicamente, como direitos de defesa, oponíveis ao Estado, verificou-se uma transformação no âmbito do significado e das funções dos direitos fundamentais, especialmente em virtude das ameaças oriundas dos poderes sociais, além de se estar levando a sério o princípio da máxima efetividade das normas de direitos fundamentais. (SARLET, 2000, p. 122) Com efeito, com a ampliação crescente das atividades e funções estatais, somada ao incremento da participação ativa da sociedade no exercício do poder, verificou-se que a liberdade dos particulares – assim como os demais bens jurídicos fundamentais assegurados pela ordem constitucional – não carecia apenas de proteção contra ameaças oriundas dos poderes públicos, mas também contra os mais fortes no âmbito da sociedade, isto é, advindas da esfera privada. [...] O Estado passa a aparecer, assim, como devedor de postura ativa, no sentido de uma proteção integral e global dos direitos fundamentais, deixando de ocupar [...] a posição de “inimigo público”, ou, pelo menos, não mais a de inimigo número um (ou único) da liberdade e dos direitos dos cidadãos. (SARLET, 2000, p. 117)

Mais uma vez, contudo, e na linha de evolução do Direito e da Teoria dos Direitos Fundamentais, deu-se nova mudança no papel do Estado frente à sociedade, ainda mais substancial que a anterior, por alterar, profundamente, toda a construção doutrinária e jurisprudencial sobre o tema. Trata-se do período denominado de pós-positivismo jurídico. O pós-positivismo jurídico (ou o neoconstitucionalismo) traz, como características marcantes, as novas teorias acerca da norma jurídica e da força normativa dos princípios. Subverteu-se a doutrina anterior: de valores de aplicação subsidiária na ordem jurídica os princípios passam a diretrizes, a marcos fundantes e condicionadores de todo o escalonamento normativo, reconhecida sua carga cogente de norma jurídica hierarquicamente superior – em especial, em matéria de princípios constitucionais. Nessa toada, os direitos fundamentais, de índole principiológica, fazem jus a inovadora interpretação, emergente da nova Hermenêutica Constitucional. Exige-se e passa-se a buscar a implementação, a partir de então, da efetividade desses direitos-princípios, como meio de assegurar-se o fundamento-princípio maior – a dignidade da pessoa humana. E como esta não se sujeita a agressões, unicamente, por parte dos poderes públicos, mas, também, pelos

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particulares (SARLET, 2000, p. 149), urge instrumentalizar a incidência dos direitos fundamentais sobre as relações privadas. Ainda na lição de Sarlet: [...] os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados [...] constituem concretizações [...] do princípio fundamental (e igualmente positivado na Constituição) da dignidade da pessoa humana, de tal sorte que todas as normas de direitos fundamentais, ao menos no que diz com o seu conteúdo em dignidade humana (e na medida deste conteúdo) vinculam diretamente Estado e particulares, posição esta, aliás, admitida por boa parte da doutrina. (SARLET, 2000, p. 150)

É com esse propósito – o de promover o princípio da dignidade humana – que se confere aos direitos fundamentais a força normativa necessária para produzirem seus efeitos diretamente sobre qualquer ato jurídico, qualquer que seja sua natureza – administrativa, legislativa, judicial e – principalmente, na linha do presente tema – privada (contratual ou negocial). Dessa eficácia dos direitos fundamentais trata-se adiante.

3.2.2. Dos direitos fundamentais como direitos de defesa. A Teoria dos Quatro Status, de Jellinek

Preliminarmente à exposição acerca da noção de direitos de defesa, é necessário traçar algumas linhas sobre a Teoria dos Quatro Status, de Jellinek, através da qual pretendeu o jusfilósofo explicar os papéis desempenhados pelos direitos fundamentais, que se avolumaram evolutivamente, de acordo com os períodos históricos nos quais se desenvolveram. Segundo Dirley da Cunha Jr., “a teoria proposta corresponde, de certo modo, ao processo histórico de emancipação da pessoa humana” (CUNHA JR., 2009, p. 543). Para o autor, são as funções dos direitos fundamentais que ensejam: [...] falar-se em gerações ou dimensões de direitos (direitos de liberdade, de igualdade, de solidariedade e de globalização política, que são, respectivamente, direitos de primeira, segunda, terceira e quarta dimensão), em face das quais cada um desempenha papel diversificado [...], como também pela compreensão da dupla perspectiva subjetiva-objetiva desses direitos. (CUNHA JR., 2009, p. 541–542)

Pela Teoria dos Quatro Status, considera-se que o indivíduo atua em duas esferas, na privada e na pública – nesta, “enquanto membro da comunidade política”, relacionando-se com



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o Estado “por quatro espécies de situações jurídicas (status), seja como sujeito de deveres, seja como titular de direitos” (CUNHA JR., 2009, p. 542). As quatro situações juridicamente relevantes entre o indivíduo e o Estado, de acordo com a teoria de Jellinek são: Statussubjectionis ou passivo – o indivíduo encontra-se na posição de sujeito de deveres, ao invés de direitos, subordinado ao Estado (ao poder público), através de ordens e proibições (CUNHA JR., 2009, p. 542; LENZA, 2009, p. 674); Statuslibertatis ou negativo – reconhecida sua personalidade, ao indivíduo é conferida uma esfera de liberdade (segundo Jellinek, respeita-se sua condição de “homem livre”), a salvo da ingerência estatal, exceto quando para garantir-se o exercício do próprio direito (CUNHA JR., 2009, p. 542; LENZA, 2009, p. 674): “cuida-se de liberdades asseguradas em face do Estado, comportando uma situação negativa ou de garantia frente à intromissão do Estado em determinadas matérias” (CUNHA JR., 2009, p. 542) (neste status, insere-se a ideia de direitos de defesa, à qual se pretende chegar); Statuscivitatis ou positivo – neste caso, o indivíduo é sujeito de autênticos direitos públicos subjetivos, encontrando-se em condição de exigir do Estado que realize prestações positivas, capazes de satisfazerem certas necessidades (CUNHA JR., 2009, p. 542; LENZA, 2009, p. 674); e Status activus (ativo) – refere-se esta situação ao poder garantido ao indivíduo, de influenciar a vontade do Estado, através do exercício de direitos políticos, como o direito de votar (CUNHA JR., 2009, p. 542; LENZA, 2009, p. 674). Abreviada a teoria de Jellinek, Dirley da Cunha Jr. apresenta críticas doutrinárias à sua estreiteza diante das circunstâncias jurídicas atuais. Essas críticas, entretanto, não são foco direto do presente estudo. Vale registrar, porém, essas suas palavras: “[...] se deve ajustar a teoria do status às exigências do constitucionalismo moderno” (CUNHA JR., 2009, p. 544). Com isso, conecta-se, agora, o status libertatis à noção de direitos de defesa. Direitos de defesa – Abwehrrecht (MENDES, 2009, p. 2)– são aqueles direitos titularizados pelo indivíduo que se encontra ameaçado ou prejudicado pela atuação dos poderes públicos, para, então, “repelir a intervenção ilegítima destes no âmbito de sua autonomia

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individual garantida por lei” (MENDES, 2009, p. 543). Trata-se da função originária dos direitos fundamentais, de combate aos abusos praticados pelo Estado, servindo como direito ao não impedimento às ações do titular do direito fundamental; como direito à não afetação dos bens protegidos (vida, intimidade, honra etc.); como direito à não eliminação de posições jurídicas; e como direito à faculdade de não exercício do direito fundamental, pelo seu titular (MENDES, 2009, p. 545–546). Segundo Gilmar Mendes (2009, p. 545–546), “os direitos fundamentais contêm disposições definidoras de uma competência negativa do Poder Público (negative Kompetenzbestimmung), que fica obrigado, assim, a respeitar o núcleo de liberdade constitucionalmente assegurado”. Esse conceito, todavia, bem se amolda ao contexto inicial, de quando foi idealizada a primeira dimensão dos direitos fundamentais. Atualmente, um dos aspectos dos direitos fundamentais ainda consiste na chancela, pelo ordenamento jurídico, para que se atue de modo a desfrutar-se do direito assegurado constitucionalmente, impondo-se ao Estado o dever de abstenção, de não intervenção. Em razão desse aspecto, mostram-se os direitos fundamentais como limites ao poder estatal. No entanto, ao lado do mencionado aspecto, pelas lentes do atual pós-positivismo jurídico, também a esses direitos é conferida a aptidão para, igualmente, vincularem o Poder Público, mas, desta feita, no sentido de atuar para promovê-los e para resguardá-los de violações. Nesse mesmo fluir, também funcionam os direitos fundamentais como proteção perante terceiros (CUNHA JR., 2009, p. 549). Para Gilmar Mendes (2009, p. 3): Se o Estado viola esse princípio [de liberdade individual], dispõe o indivíduo da correspondente pretensão, que pode consistir, fundamentalmente, em uma: 1) pretensão de abstenção (Unterlassungsanspruch); 2) pretensão de revogação (Aufhebungsanspruch), ou, ainda, em uma 3) pretensão de anulação (Beseitigungsanspruch). Os direitos de defesa ou de liberdade legitimam ainda duas outras pretensões adicionais: 4) pretensão de consideração (Berücksitigungsanspruch), que impõe ao Estado o dever de levar em conta a situação do eventual afetado, fazendo as devidas ponderações; e 5) pretensão de defesa ou de proteção (Schutzanspruch), que impõe ao Estado, nos casos extremos, o dever de agir contra terceiros. (sem destaque no original)



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Por esse motivo, não cabe mais restringir-se o conceito de “direitos de defesa”, somente, à proteção do indivíduo ameaçado ou prejudicado por entes estatais; impende alargálo, a fim de abarcar, também, imposições aos atores sociais privados, com conteúdos, pelo menos, proibitivos de ações que os afrontem, assegurando sua eficácia, inclusive, no âmbito das relações entre particulares.

3.2.3. Da teoria da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Os deveres de proteção. A eficácia irradiante

O status libertatis tratado há pouco é a expressão do que se conhece por dimensão subjetiva de dado direito fundamental - “posição jurídica subjetiva” (CUNHA JR., 2009, p. 606). Desse prisma, é o indivíduo capaz de exigir do Estado atuação ou omissão que não vão de encontro à posição jurídica que lhe foi conferida pela ordem constitucional. Cuida-se, com isso, de um modo subjetivizado de compreender-se o direito fundamental, encontrando-se seu titular ameaçado em condições de submeter o Poder Público, que haverá de respeitar – e mais, de garantir – seu livre exercício. A Teoria dos Direitos Fundamentais, porém e necessariamente, evoluiu. Passou-se a reconhecer que esses direitos, verdadeiras normas jurídicas, formam um sistema de essencial importância para a manutenção e o progresso de um Estado constitucional e democrático de Direito. Mais ainda, nas palavras de Gilmar Mendes (2009, p. 1), “os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição [...]”. Fala-se, então, em direitos fundamentais como valores eleitos9, através do Estado, pela sociedade, para, permeando, indistintamente, o ordenamento jurídico, orientar sua aplicação e a escolha de providências pelo poder estatal - “valores objetivos básicos de conformação do Estado Constitucional Democrático de Direito” (CUNHA JR., 2009, p. 606). No mesmo sentido, Mendes (2009, p. 2-3):

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A dimensão objetiva dos direitos fundamentais foi reforçada, no ordenamento jurídico brasileiro, pelo Constituinte originário, que determinou seu status de cláusulas pétreas. Nas palavras de Gilmar Mendes, o art. 60, § 4ª, CF/88, traz “cláusulas de eternidade”, que explicitam “o especial significado objetivo dos direitos fundamentais como elementos da ordem jurídica objetiva”. (MENDES, 2009, p. 119).



50 [...] na sua condição como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais – formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático. […] a garantia de liberdade do indivíduo, que os direitos fundamentais pretendem assegurar somente é exitosa no contexto de uma sociedade livre. Por outro lado, uma sociedade livre pressupõe a liberdade dos indivíduos e cidadãos [...] Estes [os direitos fundamentais] asseguram não apenas direitos subjetivos, mas também os princípios objetivos da ordem constitucional e democrática

Descartando-se uma visão estritamente individualista, os direitos fundamentais tomam força em sentido objetivo: são, assim, normas indicativas de um concreto e presente agir, visto ostentarem tão relevante valor, cuja observância interessa ao bem-estar de toda a sociedade. Dirley da Cunha Junior (2009, p. 606) ensina que os direitos fundamentais [...] devem ser apurados não apenas sob a ótica das posições subjetivas conferidas a seus titulares [...], mas também sob o enfoque da construção de situações jurídicoobjetivas, que concorram para o atendimento das expectativas por eles fomentadas. Nesse contexto, os direitos fundamentais operam, para além da dimensão de garantia de posições jurídicas individuais, também como elementos objetivos fundamentais que sintetizam os valores básicos da sociedade democraticamente organizada e os expandem para toda a ordem jurídica. [...] os direitos fundamentais devem ser concebidos não só como garantias de defesa do indivíduo contra o abuso estatal, mas também como um conjunto de valores objetivos básicos e diretrizes de atuação positiva do Estado.

É esse o significado – de elementos objetivos da ordem constitucional, que fornecem diretrizes para a atuação dos três Poderes – que se extrai da então denominada dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Depreende-se da lição de Dirley da Cunha Júnior que essa perspectiva objetiva pode ser traduzida como a outorga de “função autônoma que transcende essa dimensão subjetiva”, acrescendo aos direitos fundamentais um “plus jurídico”, que reforça sua juridicidade (2009, p. 608). O aspecto objetivo, então, permitiu que a doutrina, mais uma vez, evoluísse, com base numa relação de complementação e de fortalecimento entre ambas as dimensões, desenvolvendo novos conceitos, sempre a fim de sedimentar a força normativa dos direitos fundamentais. Dirley da Cunha Júnior colaciona a enumeração de inovações constitucionais que, segundo Paulo Bonavides, advieram do reconhecimento dessa dimensão jurídico-objetiva. Pela relevância para o presente estudo, ressaltam-se: a) a irradiação e a propagação dos direitos fundamentais a toda a esfera do Direito Privado; (...) b) a elevação desses direitos à categoria de princípios, [...] mais importante pólo de eficácia normativa da Constituição; c) a eficácia vinculante, [...] com respeito aos três Poderes [...]; d) a aplicabilidade direta e a eficácia imediata dos



51 direitos fundamentais, com perda do caráter de normas programáticas; e) a dimensão axiológica, mediante a qual os direitos fundamentais aparecem como postulados sociais que exprimem uma determinada ordem de valores e ao mesmo passo servem de inspiração, impulso e diretriz para a legislação, a administração e a jurisdição; f) o desenvolvimento da eficácia inter privatos, ou seja, em relação a terceiros (Drittwirkung), com atuação no campo dos poderes sociais, fora, portanto, da órbita propriamente dita do Poder Público ou do Estado, dissolvendo, assim, a exclusividade do confronto subjetivo imediato entre o direito individual e a máquina estatal [...]; g) a aquisição de um duplo caráter (...), ou seja, os direitos fundamentais conservam a dimensão subjetiva [...] e recebem um aditivo, uma nova qualidade, um novo feitio, que é a dimensão objetiva, dotada de conteúdo valorativo-decisório [...]; [...] (CUNHA JR., 2009, p. 609)

No que tange à dimensão axiológica (item “e”), destacam-se algumas consequências – todas, argumentos de peso pela defesa da eficácia direta desses direitos também nas relações entre particulares: a) a eficácia dirigente em relação aos órgãos do Estado, aos quais se atribuiu o dever permanente (um dever-poder) de concretizar e de realizar os direitos fundamentais, do que decorre o direito fundamental à efetivação da própria Constituição; b) a noção de deveres de proteção do Estado, ao qual incumbe resguardar, inclusive preventivamente, os direitos fundamentais de violações ou de ameaças inclusive por particulares ou até por outros Estados – o que faz do Estado não mais um perene adversário, mas também um guardião desses direitos (CUNHA JR., 2009, p. 609–610); e c) a eficácia irradiante dos direitos fundamentais, que orienta a interpretação e a aplicação das normas infraconstitucionais em geral, relativizando a separação entre as ordens constitucional e legal (MENDES, 2009, p. 12) e ensejando, “num paralelo ao princípio da interpretação conforme a Constituição” (CUNHA JR., 2009, p. 611), o reconhecimento do princípio da interpretação conforme aos próprios direitos fundamentais. A ideia de eficácia dirigente afina-se com o contexto pós-positivista, no qual se reconhecem a necessidade e o dever de implementação dos direitos fundamentais através de providências pelos órgãos públicos. Esse dever de instrumentalizar a concretização dos direitos fundamentais é realçado no âmbito do Poder Judiciário, uma vez havendo se tornado a jurisdição o meio mais eficaz de controle, de garantia e de racionalização da aplicação das normas constitucionais – em especial, daquelas dotadas de caráter marcadamente principiológico.



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É clara a explicação do Ministro Gilmar Mendes (2009, p. 118), acerca dessa vinculação da jurisdição aos direitos fundamentais: Também indiscutível se afigura a vinculação da jurisdição aos direitos fundamentais. Dessa vinculação resulta para o Judiciário não só o dever de guardar estrita obediência aos chamados direitos fundamentais de caráter judicial, mas também o de assegurar a efetiva aplicação do direito, em especial dos direitos fundamentais, seja nas relações entre os particulares e o Poder Público, seja nas relações tecidas exclusivamente entre particulares. (sic)

Acerca dos deveres de proteção dos direitos fundamentais, fala-se na adoção de medidas positivas pelo Poder Público (CUNHA JR., 2009, p. 610), com vistas a assegurar sua integridade, o que remete a uma proibição de omissão estatal (Untermassverbote), ao lado da originária proibição de excesso (Übermassverbote) (MENDES, 2009, p. 120). Em relação à atuação do Judiciário, adotam-se injunções concretas, principalmente através da ponderação racional de interesses envolvidos no caso levado ao magistrado e, não raramente, por meio da concretização de cláusulas gerais. Conforme Fredie Didier, sobre a relação entre a atividade jurisdicional e as cláusulas gerais: É indiscutível que a existência de cláusulas gerais reforça o poder criativo da atividade jurisdicional. O órgão julgador é chamado a interferir mais ativamente na construção do ordenamento jurídico, a partir da solução de problemas concretos que lhe são submetidos. [...] O Direito passa a ser construído a posteriori, em uma mescla de indução e dedução, atento à complexidade da vida, que não pode ser totalmente regulada pelos esquemas lógicos reduzidos de um legislador que pensa abstrata e aprioristicamente. As cláusulas gerais servem para a realização da justiça do caso concreto. (DIDIER JR., 2010, p. 34, sic)

Essa possibilidade (ao mesmo tempo, um dever) de ponderação para concretização confere ao magistrado “ampla liberdade de conformação” (MENDES, 2009, p. 119) no desempenho de sua tarefa de garantir os direitos fundamentais contra agressões empreendidas por terceiros. Gilmar Mendes afirma que esse “dever genérico de proteção [...] relativiza sobremaneira a separação entre a ordem constitucional e a ordem legal, permitindo que se reconheça uma irradiação dos efeitos desses direitos [fundamentais]” (MENDES, 2009, p. 120). Para Jane Pereira, “trata-se de uma fórmula que traduz o processo de integração entre o direito



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constitucional e o direito ordinário, bem como a necessidade de adaptação e acomodação do segundo ao primeiro.” (PEREIRA, 2006, p. 461). Com isso, explicita-se a influência dos direitos fundamentais, como postulados de proteção, também no âmbito do direito privado (ou seja, das relações entre particulares) (MENDES, 2009, p. 122). Percebida, assim, a íntima relação entre a dimensão objetiva dos direitos fundamentais e o dever de proteção que, então, incumbe ao Estado, de igual modo, assinala-se a ligação entre dever de proteção e a eficácia irradiante desses direitos. Conforme Jane Pereira, esse efeito de irradiação: [...] traduz a ação conformadora que o direito constitucional deve exercer sobre todos os ramos do direito [...], bem como exprime a vinculação das três funções do Estado – judiciária, administrativa e legislativa – aos comandos constitucionais. Em verdade, o efeito de irradiação prende-se à própria idéia de supremacia constitucional, operando [...] ‘como um caso particular de interpretação conforme’. (PEREIRA, 2006, p. 461)

Uma vez analisados os aspectos mais relevantes para a fundamentação da defesa da eficácia dos direitos fundamentais também sobre as relações estritamente privadas, como argumento pela proteção dos dados pessoais dos consumidores, cuidam-se, a seguir e finalmente, da denominada Teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais.

3.2.4. Da eficácia horizontal dos direitos fundamentais

No atual contexto de pós-positivismo jurídico, conforme já registrado, conserva-se, ainda, o conteúdo limitador ao poder estatal, original dos direitos fundamentais. No entanto, o ponto marcante na evolução da teoria desses direitos está na nova concepção acerca de sua eficácia: os direitos fundamentais deixam de interferir tão só nas relações verticais, para transbordarem seus efeitos também sobre a esfera das relações privadas, antes campo exclusivo da atuação conforme a autonomia absoluta da vontade. Dirley da Cunha Júnior (2010, p. 612)explica:

54 Com a complexidade das relações sociais, agravada pela crescente e lamentável desigualdade entre os homens, a doutrina dos direitos humanos começou a perceber que a opressão das liberdades não decorria apenas do Estado, mas também do próprio homem em sua relação com o seu semelhante. Daí a necessidade de se estender a eficácia dos direitos fundamentais às relações havidas entre os homens, com o fim de proteger o homem da prepotência do próprio homem, em especial de pessoas, grupos e organizações privadas poderosas.

Trata-se da eficácia horizontal dos direitos fundamentais – a horizontalidade referindose às relações entre particulares, que, no tocante à disciplina do Direito do Consumidor, apresentam a especificidade da vulnerabilidade de um dos contratantes. Acerca da eficácia horizontal, todavia, não existe unanimidade na doutrina constitucionalista, pelo que defensáveis duas correntes, ambas, no entanto, admitindo a vinculação também dos particulares aos direitos fundamentais: a da eficácia horizontal indireta e mediata e a da eficácia horizontal direta e imediata. A primeira corrente (Mittelbare Drittwirkung), formulada por Günther Dürig (SARLET, 2000, p. 123), argumenta que, em respeito ao princípio da autonomia da vontade dos particulares contratantes, só se há de admitir a interferência dos direitos fundamentais nas relações privadas se presente, no ordenamento jurídico, regulação infraconstitucional própria, disciplinando em que termos hão de, então, influir. Por essa razão, denomina-se eficácia indireta e mediata – pois necessária a atividade do legislador para mediar a aplicação dos direitos fundamentais, ligando a Constituição ao ato particular, ou a tarefa do julgador, de “examinar se os dispositivos legais (privados) a serem aplicados encontram-se materialmente influenciados pelos direitos fundamentais” (SARLET, 2000, p. 125). Para os defensores dessa primeira linha, os direitos fundamentais não são diretamente oponíveis, como direitos subjetivos, nas relações privadas, porque: [...] os direitos fundamentais integram uma ordem de valores objetiva, com reflexos em todo o ordenamento jurídico, no entanto [...], o reconhecimento de uma eficácia direta no âmbito das relações entre particulares acabaria por gerar uma estatização do Direito Privado e um virtual esvaziamento da autonomia privada. [...] a assim chamada eficácia irradiante das normas de direitos fundamentais, reconduzida à sua dimensão jurídico-objetiva, acabaria por ser realizada, na ausência de normas jurídico-privadas, de forma indireta, por meio da interpretação e integração das “cláusulas gerais” e conceitos indeterminados do direito privado à luz dos direitos fundamentais. (SARLET, 2000, p. 123)



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De outro lado, a segunda corrente, “desenvolvida e sustentada por Hans Carl Nipperdey e adotada e reforçada por Walter Leisner” (SARLET, 2000, p. 121), traz o entendimento de que é desnecessária a atuação intermediadora do legislador para que se façam efetivos os direitos fundamentais nas relações privadas, uma vez dotados estes, expressamente e pela Carta Magna, de aplicabilidade imediata - Unmittelbare Drittwirkung (MORAES, 2010, p. 506). No contexto da ordem jurídica brasileira, preceitua o §1º do art. 5º, CF: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, não tendo trazido nenhuma distinção quanto ao âmbito de incidência da aplicabilidade desses direitos, pelo que razão não existe para restringir-se a eficácia de norma constitucional erigida ao patamar da fundamentalidade10. São esses direitos, portanto, dotados de eficácia plena, o que significa que não dependem de ulterior atuação do legislador para produzirem efeitos. Em outras palavras, são, desde sempre, efetiváveis ou socialmente eficazes, valendo acrescentar, ainda, que a localização topográfica do dispositivo não estreita seu teor aos direitos fundamentais dos incisos do art. 5º, CF, somente, referindo-se, também, aos demais, mesmo àqueles previstos fora do Título II da Constituição. Com base no princípio da unidade do ordenamento jurídico, Sarlet argumenta que [...] em virtude de os direitos fundamentais constituírem normas expressando valores aplicáveis para toda a ordem jurídica, como decorrência do princípio da unidade da ordem jurídica, bem como em virtude do postulado da força normativa da Constituição, não se poderia aceitar que o Direito Privado venha a formar uma espécie de gueto à margem da Constituição, não havendo como admitir uma vinculação exclusivamente do poder público aos direitos fundamentais. Assim, Nipperdey chegou a sustentar aquilo que denominou de eficácia absoluta (absolute Wirkung) dos direitos fundamentais no âmbito do Direito Privado e das relações entre particulares. (SARLET, 2000, p. 121–122)

Enfim, no que toca ao entendimento dos doutrinadores constitucionalistas brasileiros e à jurisprudência, prevalece, hoje, a teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais sobre as relações entre particulares, sempre através da ponderação de interesses (de princípios) e de acordo com o caso concreto (SARLET, 2000, p. 157). Dessa forma, 10

Em meio à nova Hermenêutica Constitucional, tem-se que nenhuma norma presente na Lei Maior é desprovida de eficácia. Não obstante, não se pode afirmar o mesmo quanto à aplicabilidade direta e imediata – atributo reservado, apenas, para determinadas normas, do que se infere a existência de uma gradação eficacial das normas constitucionais. A eficácia dos direitos fundamentais, portanto, é tema que pressupõe a questão da aplicabilidade desses direitos, consagrada, na Carta de 1988, em seu art. 5º, §1º.



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possibilita-se a máxima efetividade das normas constitucionais fundamentais – resultado que se tornou o objetivo da atuação jurídica pós-positivista.



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4.

BANCOS DE DADOS E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR BRASILEIRO

No presente capítulo, buscam-se traçar as relações existentes entre os Bancos de Dados e a Proteção do Consumidor Brasileiro. Num primeiro momento, será analisada a natureza dos Bancos de Dados que utilizam, em sua composição, dados pessoais de consumidores brasileiro. Em seguida, passa-se a uma análise das normas brasileira que versam, direta ou indiretamente, acerca da existência de bancos de dados orientados às relações de consumo, em especial, com uso de informações pessoais. Para tanto, o enfoque estará no que se pode apelidar de tripé normativo: o Código de Defesa do Consumidor, a Lei do Cadastro Positivo de Crédito e o Marco Civil da Internet. A finalidade é elaborar o entendimento por um constante aprofundamento na proteção do consumidor brasileiro a partir de uma interpretação das normas surgidas após a edição do Código de Defesa do Consumidor. Após traçar as conceituações acima traçadas, analisa-se, criticamente, a proteção dos dados pessoais dos consumidores brasileiros, primeiramente por meio da explanação acerca do conceito de autodeterminação informativa e de sua devida aplicação nas relações de consumo, em especial, no tocante ao uso dos seus dados pessoais por fornecedores de produtos e serviços, de modo a assegurar ao consumidor a possibilidade de um maior controle sobre seus dados, respeitando, enfim, como traçado nos capítulos anteriores, a sua própria personalidade. Por último, trabalha-se com a ideia de consumidor enquanto mercadoria, para demonstrar que, sem o devido controle dos dados pessoais pelo seu titular, o indivíduo tornase mero produto a ser utilizado pelos fornecedores, os quais vendem e transferem as mais diversas informações daqueles como forma de garantir que outras empresas possam se utilizar dessas informações para direcionar a apresentação de seus produtos a um grupo específico de consumidores. Com essa construção teórica, pretende-se demonstrar a importância da temática para o aprofundamento da defesa do consumidor brasileiro, além de colaborar para a evolução do conceito de intimidade no direito brasileiro.

4.1. Natureza dos Bancos de Dados com Informações de Consumo

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De acordo com parcela dos doutrinadores, a disciplina dos Bancos de Dados tem necessária origem no direito à intimidade consagrado no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal, a partir do qual são fundamentadas as teses acerca da existência ou não de uma proteção dos dados pessoais dos brasileiros. Neste sentido, parte da doutrina, representada por Mendes (2014b), entende pela necessidade da criação de um novo direito fundamental; noutro giro, a posição defendida por Zanon (2013), segundo o qual não haveria que se falar na criação de um novo direito fundamental, uma vez que a proteção dos dados pessoais armazenados em bancos de dados seria decorrência do inciso X do artigo 5ºe da tutela geral da dignidade da pessoa humana, artigo 1º, inciso III, dispositivos da Constituição Federal, combinados com o parágrafo segundo do artigo 5º do mesmo texto constitucional. Seja qual for o entendimento seguido, percebe-se ser inegável o reconhecimento da garantia fundamental da proteção dos dados pessoais. Utilizando-se a Teoria Crítica dos Direitos Humanos (HERRERA FLORES, 2009; RUBIO, 2014), reconhece-se a necessidade de proteção dos dados pessoais como uma construção social, razão pela qual há de ser entendida como um novo direito fundamental, a exigir reconhecimento expresso pelo Estado. A construção teórica ora proposta decorre da proteção dos dados pessoais dos consumidores brasileiros prevista pelo Código de Defesa do Consumidor, em conjunto com as leis nos12.414/2011 e 12.965/2013, e, uma vez aliada à garantia fundamental de proteção do consumidor brasileiro previsto no inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal, leva ao entendimento de que a proteção dos dados pessoais (por conjectura lógica, de todos os cidadãos brasileiros – consumidores por excelência), quando cadastrados em bancos de dados (serviço), deve ser efetivada pelo Estado com características de direito fundamental, e, conforme já esposado, irradiado também frente a todos os fornecedores de produtos e serviços, em razão de sua defendida eficácia horizontal. Sobre o direito à intimidade, este evoluiu de um aspecto negativo a um positivo (DONEDA, 2006; LIMBERGER, 2000). Surgiu como o direito a não ser incomodado, até se configurar como um direito a exigir prestações concretas. In casu, o direito à intimidade e a informática apresentam, pois, dois âmbitos: um negativo e um positivo. O primeiro caracterizase com relação a resguardo geral de dados. O segundo, pelo direito de acesso e pela

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possibilidade de ver controlado o seu destino. A função da intimidade, portanto, no âmbito informático não é apenas a proteção da vida privada (para que não seja violada) por meio da má utilização de seus dados. Pretende-se evitar, igualmente, que o consumidor seja transformado em meros números de um banco de dados. No mesmo sentido, Mendes (2014b, p. 29) ressalta que “os dados pessoais constituem uma projeção da personalidade do indivíduo e que, portanto, merecem uma tutela jurídica”. Abrangente conceito de banco de dados é elaborado por Ana Paula Gambogi Carvalho (2003), que os considera, em sentido amplo, como toda compilação de informações, obras e outros materiais organizados de forma sistemática e ordenados segundo determinados critérios e finalidades específicas, feita por pessoa física ou jurídica, pública ou privada, sob a forma de fichas, de registros ou de cadastros, por processo manual, mecânico ou eletrônico, para uso próprio ou fornecimento a terceiros, de forma a facilitar o seu acesso e manuseio. A importância dos bancos de dados na atualidade ganha relevo com a exigência de informações das quais tanto o Estado quanto o mercado necessitam. No contexto brasileiro, a massificação das relações acentuou a dificuldade de os sujeitos participantes de um negócio jurídico se identificarem e, por consequência, de avaliarem o grau de confiabilidade e a capacidade creditícia da parte interessada. Entretanto, os bancos de dados vêm sendo utilizados para fins diversos, que vão desde o arquivamento de informações simples, como o nome e o endereço do usuário, para facilitar a sua identificação nas relações com fornecedores de bens e serviços, até a combinação de dados mais complexos para se traçar um perfil detalhado do usuário, de seus hábitos, gostos e preferências. A utilização de dados pessoais pode servir a variados propósitos, como publicitários, políticos e até persecutórios, podendo, pois, gravar de ilicitude o seu uso desvirtuado. É de se destacar que a preocupação que se busca demonstrar no presente trabalho não é recente, conforme magistralmente traduzida por Efing (2002, p. 59): A sociedade de consumo se curva diante do poder extraordinário alcançado pelos arquivos de dados pessoais, notadamente transformados de auxiliares do comércio a instrumentos indispensáveis à análise da possibilidade de concessão do crédito pretendido, sustentando a última palavra a ser seguida pelos fornecedores para tanto, não importando a veracidade e a abrangência do dado acusado. Além disso, invadem a privacidade do cidadão ao dispor indiscriminadamente de informações que dizem respeito somente a ele, podendo prejudicá-lo sobremaneira a divulgação destes dados sem o seu consentimento.



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Efing (2002) também ressalta a ligação dos bancos de dados com a disciplina dos incisos XIV e XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal, ambos tratando acerca do direito à informação do cidadão/consumidor brasileiro, garantindo a todos o acesso a informações arquivadas a seu respeito, entendimento este que reforça a ideia de autodeterminação informativa, a ser tratado adiante. Assegura-se, com isso, ao cidadão o pleno conhecimento dos dados pessoais armazenados. Efetivamente, trata-se dos “direitos de se informar e de ser informado” (EFING, 2002, p. 56, sic). Destaque-se que toda a questão aqui tratada reside apenas em dados pessoais ou que possam ser ligados a um cidadão específico e não em dados anônimos. Caso esses dados tenham sido coletados, de forma legal, ressalte-se, e devidamente anonimizados, não há que se falar em proteção de dados pessoais, porquanto não mais teriam esta natureza. É o que acontece, por exemplo, com os dados dos censos realizados pelo Poder Público, que, após a coleta de diversas informações que podem ser entendidas como pessoais, trata-os de forma a não mais ser possível ligar as respostas encontradas a determinado cidadão. É o que se espera, também, das eleições, principalmente, para cargos eletivos do Poder Executivo, em cujo período dados pessoais dos cidadãos são coletados – número do título de eleitor e escolha política – mas que, após o devido tratamento, realizado através do software inserido na urna, resultam apenas num resultado numérico, sem que seja possível relacionar-se eleitor a voto. Neste sentido, Mendes (2014b, p. 57) reforça que ao “adquirirem a característica de anônimos, os dados não estão mais sujeitos à disciplina de proteção de dados pessoais, se tiverem sido tratados de modo a impossibilitar toda e qualquer identificação pessoal”. Percebe-se, outrossim, a desconexão entre os mais diversos ramos do Direito ao ser regulada a questão dos dados pessoais armazenados em bancos de dados diversos quando se analisa a Resolução de número 121 do Conselho Nacional de Justiça (2010), após sua alteração pela Resolução número 143. Referida mudança deu-se em razão da preocupação daquele colegiado com a possibilidade de criação de “listas sujas” de trabalhadores que já haviam movido ações na Justiça do Trabalho, uma vez que, por meio de uma simples consulta pelo nome do cidadão nos sites dos Tribunais Regionais do Trabalho de todo o país, ou mesmo em sítios agregadores de tais informações, era, então, possível delimitar se a contratação de determinado funcionário poderia representar um “risco futuro” de demandas judicias.

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Isso representa efetiva preocupação com os desvios de finalidade dos dados pessoais dos cidadãos brasileiros. Todavia, referido entendimento parece não encontrar repercussão em outras áreas do Direito, de modo que, como se pretende demonstrar neste trabalho, ainda se necessita reafirmar a necessidade de proteção daqueles dados. De um lado, percebe-se um movimento, capitaneado pela Justiça do Trabalho, no sentido de restringir o acesso a alguns dados pessoais, sem que isso atinja o princípio da publicidade dos autos, a fim de, assim, dificultar a realização de juízo de valor negativo contra cidadãos que buscam apenas exercer o seu direito de ação. Não obstante, doutro lado, o qual, imaginava-se, deveria ser capitaneado pelos Tribunais de Justiça ou mesmo pelo Superior Tribunal de Justiça, nota-se que pouco esforço se faz para restringir a utilização de dados pessoais contra os próprios cidadãos, permitindo até, como será demonstrado no capítulo em que se analisará o julgamento do caso Score, que empresas confessem em juízo, em sede de audiência pública, que se utilizam de dados pessoais de cidadão/consumidores – inclusive com informações referentes à existência ou não de títulos protestados, ações revisionais ou ações de busca e apreensão – para oferecer um serviço no mercado de consumo empresarial, qual seja, a análise de risco na concessão de crédito. Os dados pessoais devem ser integrados ao entendimento da própria construção da pessoa e de sua personalidade, como decorrência de não haver meio de serem dissociados referidos conceitos em nossa atual sociedade pós-moderna de registros e classificações. Por esse motivo, necessário estender a conceituação da intimidade, para nele incluir-se o controle dos dados pessoais e de suas formas de captação e de uso. O direcionamento da oferta de produtos e serviços representa verdadeira invasão à intimidade dos consumidores, uma vez que estes já não mais controlam quais dados estão sendo compartilhados, com quem e nem mesmo para que fins estão sendo compartilhados, somente percebendo o resultado desse compartilhamento ao receberem a publicidade de produtos ou serviços direcionados ao seu perfil. Além do direcionamento de produtos e serviços, a captação e o processamento desses dados pessoais são responsáveis por orientar a vida creditícia do cidadão brasileiro, haja vista que a análise destes dados por empresas especializadas em traçar o perfil creditício dos consumidores é capaz de levá-los à negativa de crédito com base em informações obtidas dos



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mais diversos bancos de dados, os quais, não raramente, sequer representam a realidade atual do indivíduo. Anotam-se, em seguida, alguns dos conceitos traçados por Mendes (MENDES, 2011, 2013, 2014a), Costa Júnior (2007) e Zanon (2013), no sentido do reconhecimento dos dados pessoais como partes da personalidade humana, uma vez que, quando analisados, permitem traçar um provável perfil do cidadão e – considerado o risco do desvio de finalidade de sua utilização – direcionar a oferta de novos produtos e serviços para o consumidor objeto do perfil. Na sociedade do consumo, que tem como um de seus pilares a publicidade lucrativa, os dados dos consumidores podem ser dotados de um valor econômico (LIMBERGER, 2000). Podem servir de diretrizes na hora de serem formuladas campanhas de marketing e estratégias de venda direcionadas, capazes, por conseguinte, de alcançar resultados mais efetivos. A necessidade de proteger o consumidor origina-se no valor econômico e numa suposta comercialização dos dados referentes à sua personalidade. Tais informações podem revelar aspectos de comportamento, preferências e até contornos psicológicos, detectando hábitos de consumo que guardam relevância para o mercado (LIMBERGER, 2000; VIEIRA, 2002). Diante dessas colocações, percebe-se a importância de uma efetiva tutela dos dados pessoais dos consumidores brasileiros, os quais acabam por se misturar com a sua própria personalidade, ante a miríade de dados coletados e interpretados, responsáveis por efetivamente orientar a vida dos consumidores com a oferta de produtos e serviços direcionados aos perfis formulados de acordo com as informações coletadas e processadas.

4.2. Iniciativas Normativas acerca dos Bancos de Dados com Informações Pessoais orientados para as Relações de Consumo

Neste tópico, analisa-se a legislação brasileira que regulamenta os Bancos de Dados com informações pessoais orientadas para as relações de consumo, de modo a excluir, neste

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momento, a discussão acerca dos dados existentes em outras bases de informações ligadas, em especial, ao poder público, tais como as informações fiscais. A escolha por limitar o campo de estudo da proteção dos dados pessoais às relações de consumo se dá, primeiramente, pela própria necessidade metodológica, uma vez que, para o escopo de uma dissertação de mestrado, não se poderia alargar o tema, sob pena de ser necessário simplificar e tratar de forma superficial alguns pontos nevrálgicos. Apenas como exemplo, cite-se a problemática do compartilhamento de dados pessoais financeiros de entidades privadas com dados fiscais mantidos pela Receita Federal com fins de cobrança de tributos, ou da liberação de informações pessoais de servidores públicos em razão da Lei de Acesso à Informação, que acaba expondo dados sensíveis, como lotação em seu ambiente de trabalho e vencimentos mensais. Desta forma, foca o presente trabalho na tríade formada, inicialmente, pelo Código de Defesa do Consumidor, lei basilar da defesa do consumidor brasileiro e primeira a efetivamente normatizar os bancos de dados de forma especial para as relações de consumo, razão pela qual se considera esta lei como um marco na regulamentação da matéria. Após a conceituação básica apresentada pelo Código de Defesa do Consumidor, comenta-se acerca da lei nº 12.414/2011 – Lei do Cadastro Positivo de Crédito, iniciando por uma crítica, em especial, pela sua apresentação midiática diversa do que efetivamente se pode depreender da leitura do próprio texto. Essa lei é responsável por traçar, em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor, maiores diretrizes para a criação, manutenção e uso de bancos de dados com informações pessoais de consumo. Por fim, complementando a tríade legal, aborda-se o tratamento apresentado pelo Marco Civil da Internet – Lei nº 12.965/2014 – para o armazenamento de dados pessoais de usuários de serviços de internet no Brasil. A disciplina serviu como plataforma para início de uma maior discussão sobre o tema em questão, resultando em consulta pública para elaboração de projeto de lei específico de proteção de dados pessoais. Esclarece-se que, por ainda tratar-se de projeto em consulta pública, não haverá, por ora, aprofundamento sobre o assunto; apenas breve narrativa dos caminhos que se desenham no seu desenvolvimento.



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4.2.1. Código de Defesa do Consumidor – Lei nº. 8.078/1990

O Código de Defesa do Consumidor, lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, foi a primeira norma brasileira a regular os bancos de dados com informações pessoais de consumidores brasileiros. Ainda que já existissem esses bancos desde a década de 1950, até o momento, o código continua sendo o principal texto legal no Brasil a regular, expressamente, o assunto, mesmo que de forma restrita às relações de consumo. Bessa (2003), traçando um contexto histórico, relata que os bancos de dados de proteção ao crédito surgiram com o objetivo de oferecer informações àqueles que pretendiam conceder empréstimo em dinheiro a alguém, parcelar o preço ou, simplesmente, adiar o pagamento para data futura. As informações referem-se aos aspectos teoricamente úteis para permitir uma melhor avaliação dos riscos de se conceder crédito à referida pessoa. O crédito possui quatro características básicas: confiança, prazo, interesse ou juro e risco. Por estes motivos, o fornecedor constitui-se no legítimo interessado em obter algumas informações do próprio consumidor e de terceiros, com a finalidade específica de avaliar os riscos do negócio. A concessão de crédito ampara-se na crença de que o beneficiado irá, no futuro, cumprir as obrigações assumidas. Baseia-se, especialmente, no conhecimento de informações referentes à conduta do candidato ao crédito. Quanto mais conhecimentos se têm da pessoa, maior o crédito que se lhe atribui. Ressalta Bessa (2003), em breve histórico acerca da concessão de crédito, que a tentativa de obtenção de crédito era demorada, trabalhosa e complexa. O aspirante ao crédito via-se obrigado a preencher um longo cadastro, informando todos os seus locais usuais de consumo, além de outras lojas das quais comprava a crédito. A loja responsável pela concessão do crédito, por sua vez, possuía um quadro de funcionários com a função de informantes, os quais percorriam, diária e pessoalmente, os locais indicados em busca de informações sobre o crédito daquele indivíduo. Buscando uma solução para agilizar o procedimento acima descrito, tornando-o mais eficaz e barato, em julho de 1955, vinte e sete comerciantes reuniram-se em Porto Alegre, na sede da associação de classe, para fundar o “Serviço de Proteção ao Crédito”. Não havia objetivo lucrativo: a intenção era somente resguardar os interesses dos associados,

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possibilitando-lhes, com o conhecimento e o cruzamento das informações, analisar melhor os riscos da concessão de crédito a determinada pessoa. Voltando a atenção ao Código de Defesa do Consumidor, é certo que o texto não faz distinção expressa quanto à sua incidência em relação a bancos de dados públicos ou privados. Importa, também, esclarecer que os dados podem ser classificados em: a) públicos – relevantes para toda a sociedade, atendendo sua divulgação ao direito de informar e de ser informado, como acidentes, crimes, eleições, gastos públicos; b) pessoais de interesse público – nome, domicílio, estado civil, filiação, por exemplo; e c) sensíveis – determinados tipos de informação que, caso conhecidos e processados, prestam-se a uma potencial utilização discriminatória ou particularmente lesiva, como pensamentos, opiniões políticas, situação econômica, raça, religião, vida conjugal e sexual. O Código de Defesa do Consumidor considera arquiváveis, independentemente da vontade do seu titular, somente os dados não sensíveis, pois se relacionam diretamente com o funcionamento da sociedade de consumo. São ditos dados relevantes para a caracterização da idoneidade financeira do consumidor. Nada obstante ao entendimento acima, o §4º do art. 43 do mesmo diploma legal estabelece que “os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público”, sem distinguir o tipo do dado, e, indo mais além, desvinculando o dito caráter público da classe ou da natureza jurídica da administradora do banco de dados. Entende-se que o caráter público significa que os bancos de dados de consumo atuam numa seara permeada pelo interesse público, não havendo que se falar em exclusão ou atenuação dos deveres impostos às entidades arquivistas. Seu funcionamento e administração apresentam interesse para a sociedade. O armazenamento dos dados sobre os consumidores não interessa apenas ao proprietário do arquivo, mas também às pessoas nele inscritas. Oportuno explicar, sobre o armazenamento dos dados, que “arquivo de consumo” é o gênero do qual fazem parte os bancos de dados e os cadastros de consumidores. Os arquivos de consumo auxiliam na dinâmica das relações consumeristas, de modo que informações que não cumprem este propósito, que não acresçam nenhum benefício ao fim, não devem ser objeto de arquivamento sem expressa autorização. De toda sorte, os dados devem ser expostos de forma

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objetiva e transparente, isentos de avaliações subjetivas ou passionais, que invadam a privacidade do indivíduo. A característica comum entre os bancos de dados e os cadastros de consumidores é que coletam e armazenam informações de terceiros para uso em operações de consumo. Todavia, os bancos de dados têm aleatoriedade da coleta; organização permanente; transmissibilidade extrínseca e inexistência de autorização do conhecimento do consumidor. Nos cadastros de consumo, por sua vez, a permanência das informações é acessória, já que o registro não é um fim em si mesmo, estando a manutenção dos dados vinculada ao interesse comercial atual ou futuro. Com relação à diferenciação dos arquivos de consumo, Leonardo Roscoe Bessa (2011, p. 77–78) aduz que: (...) a distinção (...) se faz a partir da fonte e do destino da informação. Os bancos de dados, em regra, coletam informações do mercado para oferecê-las ao próprio mercado (fornecedores). No cadastro, a informação é obtida diretamente do consumidor para o uso de um fornecedor específico, a exemplo do que ocorre em diversos estabelecimentos comerciais quando se solicitam dados pessoais (nome, endereços postal e eletrônico, telefone, data de aniversário, entre outros), independentemente de a compra ser à vista ou mediante crediário. No Cadastro, objetiva-se estreitar o vínculo com alguns consumidores, intensificando a comunicação sobre ofertas, promoções e outras vantagens, de modo a fidelizá-los a uma marca ou estabelecimento. (...). Nos bancos de dados, (...) os dados são coletados para posterior disseminação entre inúmeros fornecedores com visas a alguma necessidade do mercado.

De logo, percebe-se que as finalidades são bastante diversas: enquanto o simples “cadastro” busca, tão somente, estreitar o vínculo existente entre o consumidor e um fornecedor específico, que recebeu estes dados diretamente de seu consumidor cadastrado, o banco de dados é criado por meio do repasse de informações oriundas de um terceiro ente na relação, que coleta os dados, em regra, com a anuência do consumidor, repassando-os para o mercado de consumo, a fim de que outras empresas possam deles se utilizar para direcionar vendas ou analisar e melhor prever o comportamento de seus consumidores. Novamente, então, ressalta-se que, para o Código de Defesa do Consumidor, não existe distinção entre cadastros ou banco de dados de consumo. Na realidade, o que o Código Protetivo prevê é que, qualquer que seja o meio de armazenamento de informações de consumo, deve seguir o que está previsto nos artigos 43 e 44 do texto legal.



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No Código de Defesa do Consumidor, foram traçados quatro direitos básicos para os consumidores em contato com bancos de dados de consumo: (i) objetividade, (ii) clareza, (iii) veracidade e (iv) linguagem compreensível. Devido à sua natureza principiológica, o legislador não buscou conceituar detalhadamente os princípios, o que, caso feito, iria de encontro a essa característica fundamental do Código de Defesa do Consumidor. A interpretação deveria, então, ser feita pelos destinatários do Código (consumidores e fornecedores) e pelos julgadores de eventuais demandas administrativas ou judiciais. Entretanto, como comumente ocorre com a legislação pátria, a interpretação por parte dos fornecedores de produtos e serviços acaba deturpando sua aplicação. Muitas vezes, a lei sequer é seguida, e, quando da análise pelo Poder Judiciário, acaba sendo concretizada sem o necessário aprofundamento científico demandado pela matéria, como será demonstrado nos próximos capítulos, em especial, quando da análise do julgamento do caso Score. A discussão judicial acerca da proteção dos dados pessoais dos consumidores brasileiros acaba, na maioria das vezes, recaindo apenas sobre os registros em cadastros de inadimplentes, a forma como deve ser realizado, o prazo e a comunicação ao consumidor acerca de sua inscrição, não aprofundando na discussão acerca do uso posterior de tais dados. Como exemplo da ausência de enfrentamento judicial, nas notas jurisprudenciais apresentadas por Oliveira, em seu “Código de Defesa do Consumidor - Anotado e Comentado - Doutrina e Jurisprudência”, ao comentar o 43 (2011, p. 495–496) e também o seu parágrafo primeiro (2011, p. 500–501), encontram-se apenas decisões referentes às inscrições indevidas em cadastros protetivos de crédito, não se discutindo sobre o uso dos dados cadastrais dos consumidores para fins diversos daquele originalmente informado, ou mesmo sobre a utilização desses dados para fins de aprofundamento do marketing bombardeado ao consumidor com anúncios personalizados e intencionalmente direcionados. A doutrina consumerista mais recente já reconhece a importância de se discutir sobre o uso dos dados pessoais dos consumidores brasileiros e os riscos envolvidos na guarda e no uso indiscriminado desses dados por parte dos fornecedores de produtos e serviços. Nesse sentido, Bessa (2002) reconhece o potencial ofensivo à honra e à privacidade do consumidor/cidadão, preceitos básicos da dignidade humana.



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Desse modo, percebe-se que não se realizou, até o momento, qualquer esforço jurisprudencial para definir, efetivamente, o que representaria o respeito aos preceitos trazidos pelo artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor (transparência, objetividade, clareza e linguagem compreensível) – fatores essenciais para a promoção de uma maior proteção do consumidor brasileiro no tocante ao resguardo de seus dados pessoais. Ponto primordial da regulação dos bancos de dados de consumo, a transparência não foi regulamentada, nem mesmo objeto de análise judicial, de modo que o consumidor não conhece os contornos deste direito, até que ponto pode exigir dos fornecedores a transparência acerca dos dados cadastrados sobre si nem se o consumidor tem o direito de exigira exclusão de tais dados após o encerramento da atividade prestada. Basta uma rápida observação da vida diária de um consumidor para perceber a quantidade de dados pessoais arquiváveis fornecidos diariamente, desde dados mais simples, como nome e telefone, até dados de cunho personalíssimo, como número de documentos pessoais e até mesmo informações biométricas.

4.2.2. Lei do Cadastro Positivo – Lei nº 12.414/2011

Somente após vinte e um anos desde a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, houve outra lei, no Brasil, que buscou regular bancos de dados que envolvam relações de consumo. Trata-se da Lei nº 12.414/2011, que, no entanto, é envolta pela desinformação e, principalmente, pela falta de efetividade na sua utilização, conforme se demonstra a seguir. A retórica midiática acerca da Lei nº 12.414/2011 buscas apresentar o cadastro positivo como forma de garantir uma posição de superioridade do consumidor perante as instituições financeiras, ao criar um banco de dados que seriam utilizados para garantir diminuição nas taxas juros para os “bons pagadores” quando da celebração de contratos de financiamento bancários. Essa questão foi explorada na exposição de motivos que fundamentou a criação da Medida Provisória nº 518/2010 (BARRETO; MANTEGA, 2010), posteriormente convertida

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na lei ora analisada. Em seu tópico de número dois, é apresentado o fundamento de que a criação dos cadastros positivos poderia efetivamente resultar em redução no risco da concessão de crédito aos consumidores brasileiros, representando um ganho não apenas para os comerciantes como para os próprios consumidores. Ainda em sua exposição de motivos, em seu tópico de número três, acrescenta-se que a criação do cadastro seria de utilidade ainda maior aos consumidores de baixa renda, uma vez que estes são, em regra, vistos como “investimento de alto risco”, razão pela qual, em geral, sofrem com as mais altas taxas de juros. Assim, aos que possuam um bom histórico de crédito seriam concedidas menores taxas de juros. Ponto decisivo para o presente debate reside na diferenciação que se apresenta ao se comparar a nomenclatura midiática, “Lei do Cadastro Positivo de Crédito”, com o seu objeto, disposto em seu artigo 1º, “disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento”. Enquanto sua nomenclatura midiática trata de “cadastro”, o verdadeiro objeto da norma versa sobre “banco de dados”. Muito embora ambos os termos guardem similitude entre si, não podem ser confundidos por sinônimos; suas naturezas podem ser tidas como semelhantes, porém, as formas de seu “abastecimento” e suas finalidades são por demasiado diversas, o que macula gravemente a retórica que se busca dar à norma em análise. E esta importante diferenciação transcende à proteção jurídica do objeto da lei: o uso dos dados pessoais nas relações de consumo. Dado, segundo Victor Drummond (2003), é uma informação em sua dimensão mais reduzida, isolada, destacada. Estará excluída de todo e qualquer contexto interpretativo que lhe possa atribuir algum valor. Quando há contextualização (primária), pode-se conferir a um dado pessoal característica de relevante. Não destoa desse sentido Danilo Doneda (2011), que afirma que “dado” seria uma informação em estado potencial (pré-formação), e “informação” alude a algo além da representação contida no dado (cognição). O tipo de tratamento que se dará aos dados pode ser primordial para o funcionamento de um banco de dados, bem como atentatório para a inviolabilidade da vida privada dos consumidores. Percebe-se, também, que a nomenclatura “Cadastro Positivo” foi acompanhada de uma enorme campanha midiática, sempre induzindo o consumidor a entender que, ao fornecer

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seus dados para as empresas mantenedoras dos bancos de dados, estes refletiriam uma melhor situação de concessão de crédito, sempre com termos que sugerem a ideia de valorização do consumidor. Dessa forma, fica clara a indução do consumidor, ao apresentar uma campanha midiática diversa da fundamentação legal prevista pela lei nº 12.414/2011. Essa indução semântica abre caminho para a discussão jurídica sobre o necessário respeito à proteção constitucional do consumidor. Todavia, a lei ora analisada traz à defesa do consumidor alguns conceitos que, em conjunto com a proteção já conferida pelo Código de Defesa do Consumidor, permite um aprofundamento da análise dos bancos de dados de informações de consumo, principalmente, no tocante à interpretação do parágrafo primeiro do já citado artigo 43, já que a lei nº 12.414/2011 trouxe conceituação para os princípios básicos da proteção dos consumidores brasileiros acerca de informações armazenadas em bancos de dados e em cadastros de consumo. A conceituação referida pode ser encontrada no artigo 3º, §2º, da lei nº 12.414/2011: Art. 3o [...] § 2o [...] I - objetivas: aquelas descritivas dos fatos e que não envolvam juízo de valor; II - claras: aquelas que possibilitem o imediato entendimento do cadastrado independentemente de remissão a anexos, fórmulas, siglas, símbolos, termos técnicos ou nomenclatura específica; III - verdadeiras: aquelas exatas, completas e sujeitas à comprovação nos termos desta Lei; e IV - de fácil compreensão: aquelas em sentido comum que assegurem ao cadastrado o pleno conhecimento do conteúdo, do sentido e do alcance dos dados sobre ele anotados. (BRASIL, 2011)

Em que pese o dispositivo acima indicado se refira, especificamente, ao objeto da supracitada lei, qual seja, “formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento” (BRASIL, 2011), lembra-se que, como será aprofundado no próximo capítulo, o diálogo das fontes serve de instrumento interpretativo básico para a proteção do consumidor brasileiro, de modo que essa proteção, com fito de ser ampliada, deve buscar conceitos de

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quaisquer outros regramentos, nacionais ou internacionais. O necessário diálogo é previsto também na Lei nº 12.414/2011, em seu artigo 1º, o qual já preceitua a existência de um convívio harmônico e cooperativo entre as normas desta lei e o Código de Defesa do Consumidor (BESSA, 2011, p. 75–77; COSTA, 2012, p. 32–33). Com isso, é necessário entender que a proteção dos dados pessoais do consumidor armazenados por fornecedores de produtos ou serviços, seja de características negativas ou positivas, está sujeita aos regramentos do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor em conjunto com a interpretação dos princípios básicos conferida pelos incisos do artigo 3º, §2º, da Lei nº 12.414/2011. Merecem atenção, também, os artigos 5º e 6º da referida lei, nos quais constam, respectivamente, direitos dos cadastrados e deveres dos gestores de bancos de dados. O que se depreende de ambos os artigos, em síntese, é o respeito aos direitos básicos de transparência e informação previstos pelo Código de Defesa do Consumidor, porém, assim como na hipótese do artigo 3º, vê-se a aplicação prática daqueles princípios, com delimitações específicas no que toca ao campo dos bancos de dados, diminuindo a possibilidade de interpretações exclusivamente voltadas para os fornecedores/gestores de bancos de dados de consumo. Referidos artigos põem fim à dúvida ressaltada no tópico anterior acerca das incertezas deixadas pelo Código de Defesa do Consumidor no tocante aos bancos de dados, pois determinam como se dá a alteração dos dados cadastrados ou mesmo o cancelamento desses cadastros, passando ao consumidor o direito de escolher até quando compartilhar seus dados pessoais. Não há, portanto, razão para desconsiderar esses preceitos da norma específica – Lei nº 12.414/2011 – para utilização da norma geral – Código de Defesa do Consumidor. Protegese, assim, a totalidade de consumidores expostos a cadastros, registros, fichas ou bancos de dados com informações de consumo e não apenas os bancos de dados com informação de adimplementos previsto pela lei em tela.

4.2.3. Marco Civil da Internet –Lei nº. 12.965/ 2014



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O Marco Civil da Internet, lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014, apresenta-se como responsável por estabelecer, no Brasil, princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede mundial de computadores neste país. No artigo 3º, inciso III, já se encontra a proteção dos dados pessoais entre os princípios básicos para o uso da Internet no Brasil, porém, percebe-se que este princípio não teria, inicialmente, aplicação imediata em nosso ordenamento jurídico, uma vez que carece de regulamentação por meio de lei específica, razão pela qual já se vislumbra consulta pública para a apresentação de projeto de lei sobre este ponto. Todavia, como demonstrado alhures, é imperioso entender que as normativas existentes– Constituição Federal, Código de Defesa do Consumidor e Lei nº 12.414/2011 – somadas ao princípio insculpido no artigo 3º, inciso III, do Marco Civil da Internet, já são suficientes para garantir uma proteção aos dados pessoais dos consumidores brasileiros, usuários ou não da Internet, uma vez que a própria existência de bancos de dados de consumo reclama o uso da rede para a troca de informações entre as mais diversas bases de dados. Por esse motivo, verifica-se uma interseção entre as leis aqui expostas, resultando em efetiva proteção dos dados pessoais. Além da previsão principiológica, a tutela apresentada pelo Marco Civil da Internet é, de fato, suficiente para iniciar-se o entendimento pela necessária proteção dos dados pessoais. Prova disto é a simples análise da Seção II do referido diploma legal, que traz como título “Da Proteção aos Registros, aos Dados Pessoais e às Comunicações Privadas” e no qual se pode perceber que, nos artigos 10 e 11, existe expressa menção à necessidade de se preservar, na coleta de dados pessoais, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem dos usuários/consumidores de Internet no Brasil. Ademais, prevê-se o respeito à intimidade por meio da proteção dos dados pessoais, validando, assim, a tese traçada em capítulos anteriores, de reconhecimento dos dados pessoais como parte da intimidade do cidadão brasileiro. Destaca-se que, em conjunto com o entendimento já esposado no tocante ao Código de Defesa do Consumidor e à Lei nº 12.414/2011, o Marco Civil da Internet apresenta também o respeito aos princípios consumerista da transparência e da informação. Encontram-se estas referências no artigo 7º, em especial nos incisos VII, VIII, IX e X, que aprofundam a tutela da proteção dos dados pessoais do usuário/consumidor da internet, não havendo razão para não se



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alargar esse entendimento para qualquer outro tipo de banco de dados, como anteriormente ressaltado. Nesses incisos, estão o respeito à finalidade dos dados capturados e a impossibilidade de seu repasse para terceiros sem a expressa anuência do consumidor, além da previsão expressa de exclusão dos dados por solicitação do consumidor (LIMA, 2015). Os preceitos do artigo sétimo do Marco Civil acima destacados demonstram também a preocupação do legislador com o uso das dados pessoais como ferramentas para a personalização do marketing (OLIVEIRA, 2014) a serem aplicada sem desfavor dos próprios consumidores que tiverem seus dados consultados, coletados e interpretados. Bitelli (2014) também reconhece a necessidade de um regime de proteção unificada dos dados do cidadão brasileiro, com o que ora se concorda, pois não mais exigiria um esforço científico para o convencimento sobre esse dever, inclusive, como garantia fundamental do cidadão brasileiro – conforme ora se defende, todavia, para aquele autor a solução encontrada é outorgar ao Marco Civil da Internet a responsabilidade por tal proteção. Referido posicionamento reforça o atual estado de desconexão enfrentado pelo Direito brasileiro, inclusive, em seu viés científico, pois se demonstra incapaz de articular normas com espectro muito próximo de aplicação para um fim novo, mas possível com base nos princípios gerais destas normas. Relembra-se que a proteção constitucional do consumidor é integral, garantia fundamental do cidadão brasileiro. No mesmo caminho é a conceituação dada pelo Código de Defesa do Consumidor para o termo “consumidor”. Desse modo, qualquer cidadão brasileiro que se utilize de produtos ou serviços que estejam regidos por uma das leis aqui tratadas haverá de ser, de fato, consumidor, razão pela qual estará também sujeito à proteção constitucional do inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal. Ressalte-se que, por se tratar de uma lei extremamente nova, de pouco mais de um ano de publicada e vigente, o que ocorreu em 24 de junho de 2014, ainda não se verificam discussões aprofundadas 11 acerca das inovações trazidas por este diploma legislativo, nem 11

À guisa de exemplo, analisando a base de dados da editor Revista dos Tribunais, responsável por editar periódicos de alto impacto nos mais diversos ramos do Direito, encontram-se apenas quatro artigos (BITELLI, 2014; LIMA, 2015; MADALENA, 2014; OLIVEIRA, 2014) que buscavam analisar a novel legislação, sendo que,



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mesmo de sua repercussão em outras áreas do conhecimento que não apenas em relação a questões ligadas ao uso da Internet no Brasil. É, portanto, premente interpretar os preceitos estabelecidos na lei de forma extensiva e interligada com outras disciplinas, ante a sua pluralidade de conceitos e interligação temática. Tem-se, nestes breves parágrafos, a interligação entre o texto constitucional, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei do Cadastro Positivo de Crédito e o Marco Civil da Internet e, partindo-se da premissa maior – a proteção constitucional do consumidor e da intimidade do cidadão brasileiro – traça-se a devida existência de proteção fundamental dos dados pessoais.

4.3. Autodeterminação Informativa nas Relações de Consumo

O conceito de autodeterminação informativa ou informacional foi talhado, pela primeira vez, por meio do Tribunal Constitucional alemão ao deliberar, em 1983, acerca da constitucionalidade da chamada “Lei do Censo” (CUNHA E CRUZ; SOUSA, 2014),a qual, quando aprovada, impôs ao cidadão alemão a obrigatoriedade de prestação de uma série de informações pessoais sem a devida garantia do respeito à finalidade da coleta inicial (censo da população alemã) e nem mesmo a garantia de anonimato dos participantes do censo (NAVARRO, 2012). Ao analisar a constitucionalidade da lei, aquele tribunal acabou por considerá-la inconstitucional com base na interpretação de preceitos fundamentais da constituição alemã que garantem ao cidadão alemão o livre desenvolvimento de sua personalidade. Foi, então, definido que existia, no Estado alemão, “um “direito à autodeterminação informativa” (informationelle selbstestimmung), que consistia no direito de o indivíduo controlar a obtenção, a titularidade, o tratamento e a transmissão de dados relativos à sua pessoa.” (DONEDA, 2011, p. 95). O conceito da autodeterminação informativa repercutiu por todo o continente europeu, ecoando no texto constitucional de diversos países daquele continente. No ano 2000, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagrou, em seu artigo 8º,a autodeterminação

em sua maioria, tecem apenas comentários gerais sobre a lei, pouco aprofundando na questão específica da proteção dos dados pessoais.



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informativa como garantia fundamental do cidadão europeu, sob forte influência da decisão alemã supracitada (NAVARRO, 2012). O texto constitucional brasileiro de 1988 não trouxe expresso o conceito de autodeterminação informativa e não se verifica qualquer menção à proteção dos dados pessoais do cidadão, quando da sua coleta, processamento, catalogação ou mesmo quando da consulta destes dados. No entanto, defende-se, assim como Navarro (2012), que a simples ausência de positivação não implica a inexistência do direito. A diferença entre o entendimento esposado neste trabalho e o apresentado pela autora supracitada refere-se ao fundamento que permite entender a existência deste direito. Para Navarro (2012), a existência do direito decorre de uma interpretação do artigo 1º da Constituição brasileira, princípio da dignidade da pessoa humana, em conjunto com o “princípio do livre desenvolvimento da personalidade, encontrado no artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro de 1948” (NAVARRO, 2012 n.p.) Entretanto, parece mais adequado que a autodeterminação informativa exista no Brasil com fundamento diverso, assim como apontado por Carvalho (2003). Ao se entender a proteção constitucional do consumidor, direito fundamental previsto no inciso XXXII do artigo 5º da Constituição de 1988, efetivada pelo Código de Defesa do Consumidor, que prevê, entre diversas outras garantias, o princípio das transparências nas relações de consumo, a criação dos “consumidores equiparados”12 e a regulamentação dos bancos de dados, prevista no artigo 43, são suficientes para determinar os contornos jurídicos da autodeterminação informativa. Se existe o dever de informar o consumidor acerca da inscrição ou de seu registro em qualquer banco de dados, seja por notificação prévia em casa de registros negativos, seja por meio do consentimento informado, nos casos positivos, se existe também a possibilidade do consumidor buscar esclarecimentos acerca destes dados, questionar eventuais equívocos ou mesmo solicitar modificações nestes dados, não se concebe outro nome que não o da autodeterminação informativa. E mais, lembre-se do nascimento do Direito do Consumidor no célebre discurso proferido por Kennedy (1962): “consumers, by definition, include us all”, Com 12

Pessoas que, muito embora não tenham adquirido determinado produto ou serviço, tornam-se vítimas de um evento danoso ou mesmo das práticas comerciais adotadas por seus fornecedores. É o caso dos brasileiros que, mesmo sem terem contratado com determinadas empresas, tem seus dados cadastrados e analisados – hipótese do “sistema Score”, analisado nos próximos capítulos.



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isso, não se vislumbra um banco de dados de informações pessoais cujos cadastrados não possam ser considerados consumidores para fins de aplicação do Código Protetivo dos Consumidores. Demonstrada a existência da autodeterminação informativa no direito brasileiro, resta, então, exigir o efetivo respeito a esses preceitos fundamentais, de modo a garantir ao titular das informações o seu controle, para que defina os limites temporais e materiais de uso destes dados (CARVALHO, 2003; CUNHA E CRUZ; SOUSA, 2014; DONEDA, 2006, 2011; NAVARRO, 2012). Assim, necessário garantir aos consumidores brasileiros, e por consequência lógica, a todos os cidadãos brasileiros, o pleno conhecimento da destinação de seus dados, de maneira que se respeitem, também, preceitos básicos do Código de Defesa do Consumidor, em especial, o da transparência, uma vez que, em muitos casos, consumidores são induzidos a compartilhar dados pessoais para determinada finalidade, os quais, posteriormente, por meio de parcerias para troca de dados entre fornecedores, são compartilhados com terceiros estranhos à relação inicial de compartilhamento e utilizados para fins completamente diversos dos originais. Outro ponto de atenção para a autodeterminação informativa recai sobre os “dados sensíveis”13, visto que estes podem representar um risco ainda maior para os consumidores quando compartilhados sem sua autorização, podendo servir de motivação para tratamento diferenciado entre consumidores. É de se destacar que tais dados, como já definido pelo Lei nº. 12.414/2011, não são passíveis de arquivamento, conforme previsto no inciso II, parágrafo 3º do artigo 3º da referida lei, e, como já defendido anteriormente, devem-se utilizar os conceitos na norma específica (Lei nº. 12.414/2011) para a concretização da norma geral de bancos de dados (Código de Defesa do Consumidor). A discussão sobre o uso dos dados sensíveis se aprofunda em se tratando de questões como as do uso indevido da chamada “Lei do Cadastro Positivo de Crédito” e, de forma mais prática, com a utilização de sistemas de análise de risco para a concessão de crédito – Sistema Score. Em ambos os casos, analisados com mais profundidade nos capítulos seguintes, resta claro como informações aparentemente benéficas para o consumidor, quando compartilhadas,

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Para Carvalho (2003), os dados sensíveis são aqueles “que dizem respeito à esfera íntima do indivíduo, como os seus pensamentos, as suas opiniões políticas, a sua situação econômica, a sua raça, a sua religião, a sua vida conjugal e sexual, e outras condições que importam apenas ao indivíduo”.



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em vez de servirem para a criação de histórico de crédito ou mesmo de uma boa nota, podem se transformar em verdadeiras sentenças prejudiciais àqueles, por municiar os fornecedores de produtos e serviços com informações precisas sobre seus hábitos de consumo, transformandoos, enfim, em perfis “indesejados” para determinados negócios. Com relação ao projeto de lei que versa sobre a proteção dos dados pessoais, o PL 4060/2012 apresenta, em seu artigo 15, o conceito de autodeterminação informativa, mas o faz sem maiores esclarecimentos sobre como tal direito será exercido nem sobre eventuais sanções pelo seu não cumprimento por parte dos gestores dos bancos de dados. Até o momento, da mesma forma como apresentado pela “Lei do Cadastro Positivo de Crédito” e também seguido pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o caso Score, não existe, na nova iniciativa legislativa, o necessário respeito à personalidade do cidadão/consumidor brasileiro, pelo que está fora de sintonia com a proteção constitucional a este conferida. O que se percebe do projeto de lei sobre proteção dos dados pessoais dos brasileiros é, mais uma vez, a criação de um instituto jurídico dissonante da vontade da população brasileira, cujo maior objetivo acaba por ser reforçar o poder hegemônico de grandes corporações, em claro ataque ao Estado de Direito (ALVES, 2002, 2011; GRAU, 1991; VIEIRA, 2007a). Com isso, reforça-se a “coisificação” dos cidadãos/consumidores brasileiros (BAUMAN, 2008), ideia que será aprofundada no próximo tópico deste capítulo.

4.4. Indivíduo como Produto

Como continuidade do tópico anterior, passa-se à análise da “coisificação” do consumidor – sua transformação em mercadoria no mundo consumista (BAUMAN, 2008) – em especial, por meio da análise da “Lei do Cadastro Positivo de Crédito” e do sistema Score e de sua desconexão com a proteção constitucional do consumidor, a fim de demonstrar que nem a lei nem o sistema Score representam um incremento na referida proteção, ao contrário do esperado pela população brasileira, servindo sim como ferramentas para a transformação de consumidores em mercadorias. Cabe esclarecer que não se questiona, no presente estudo, a validade jurídica da “Lei do Cadastro Positivo de Crédito” – Lei nº 12.414/2011 –, haja vista ter emanado de órgão

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competente, que a promulgou, publicou e regulamentou, admitindo-se que se encontra em aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, tanto que já se verifica a criação dos bancos de dados nela previstos. Todavia, adota-se a concepção de Luís Roberto Barroso (2013, p. 65) sobre eficácia social, ou efetividade: [...] que se refere, como assinala Miguel Reale, ao cumprimento efetivo do direito por parte de uma sociedade, ou ao “reconhecimento” (AnerKennun) do direito pela comunidade ou, mais particularizadamente, aos efeitos que uma regra suscita através do seu cumprimento. Em tal acepção, eficácia social é a concretização do comando normativo, a sua força operativa no mundo dos fatos.

Ou seja, ao avaliar a eficácia social, ou efetividade, da Lei nº 12.414/2011, percebe-se o distanciamento existente entre os preceitos normativos, o princípio da proteção constitucional do consumidor e o conhecimento efetivo, pela população, a seu respeito bem como sobre de sua utilidade. Não se pode aceitar que uma lei possua tamanho distanciamento social. Trata-se, na realidade, de uma lei criada sem a necessária fundamentação social, baseada, tão somente, em poderes econômicos superiores, que buscam um maior controle sobre a população consumidora. Nesse sentir, mais uma vez, os ensinamentos de Herrera Flores (2009), ao descrever a necessidade de se entender o direito como um produto cultural da sociedade à qual deve servir. Nessa linha, constata-se o descompasso entre o direito pressuposto pela Sociedade e o direito posto pelo Estado. Para tanto, repitam-se as palavras de Eros Roberto Grau (1991): “Legítimo será o Direito posto que consubstancie forma de desenvolvimento das forças sociais produtivas; ilegítimo, aquele que consubstancie entrave ao seu desenvolvimento”. O direito posto (Lei do Cadastro Positivo de Crédito) é ilegítimo, pois em nada representa o direito pressuposto (produto cultural). A ilegitimidade do direito posto é consubstanciada ao revelar-se como um verdadeiro entrave ao desenvolvimento creditício da população brasileira, uma vez que representa mais uma forma de classificação e estratificação da sociedade, conforme explorado, a seguir, em estudo comparativo com a obra de Oscar Vilhena Vieira, segundo o qual, para que haja um “pleno” poderio creditício, é necessário que se conceda acesso a toda sua vida de consumo

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econômico, de modo a não pairar dúvida quanto à segurança da concessão de crédito a determinado cidadão. Em contrapartida, o direito pressuposto pela sociedade alinha-se no sentido de questionar a atual forma do mercado de consumo, que, em nome de uma suposta insegurança do mercado, apresenta taxas de juros cada vez maiores, envolvendo o cidadão brasileiro numa verdadeira “espiral de crédito e juros”, cujo fim somente se vislumbra com seu superendividamento e completo padecimento ante os deleites do poder econômico dominante, que passa a definir o seu destino. Da forma posta, o direito não busca restabelecer o equilíbrio entre as partes envolvidas nas negociações de crédito, já tão severamente abaladas ante a discrepância econômica existente. O Estado fomenta, com isso, o incremento da desigualdade, utilizando a lei para garantir o desequilíbrio. Garantindo-se a desigualdade, permanece a possibilidade de domínio social pelos grupos políticos, que são, em última análise, dominados por grupos de grande poder econômico. O Estado de Direito passa, então, a servir de ferramenta para a concretização das necessidades dos grupos de poder, travestindo a vontade destes por lei, tentando mostrá-la como algo necessário à população. Sobre esse fato reforça Faria (1994, p. 18): Com a progressiva concentração oligopolista dos setores produtivos, forjando mecanismos próprios para a auto-resolução de seus conflitos; com a transformação do Executivo num poder simultaneamente provedor, interventor, regulador e planejador [...].

Sobre a desigualdade, Faria (1994, p. 105, sic)pondera: [...] os direitos sociais não configuram um direito de igualdade, baseado em regras de julgamento que implicam um tratamento formalmente uniforme; são, isto sim, um direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios[...]

Complementando a total ausência de subsídio fático e de juízo valorativo da Sociedade, o Estado Brasileiro, consoante ensina Alaôr Caffé Alves (2002, 2011), reforçou a função ideológica do Direito na Sociedade Moderna, na qual, por meio das ferramentas propostas pelo próprio Estado de Direito, promove-se a desigualdade, apelando, justamente, para uma igualdade formal na criação do Direito. Reconhece o autor, então, que: A ordem jurídica nesse sentido funciona, ela mesma, como expressão direta e imediata da organização econômico-social básica. Para considerar, portanto, essa ordem como sendo a própria estrutura social, posta por decisão estatal positivada com base nos



80 valores do bem comum e do interesse geral, há apenas um passo. É assim que o Estado, através da objetivação e formalidade jurídica, sobressai como produto imaginário da vontade constitucional e como sujeito ideal destacado da sociedade, figurando como ente político autônomo, racional, neutro, organizador do consenso geral e responsável pela coesão social. (ALVES, 2002, p. 32–33)

Nesse mesmo sentido, Bauman (2008, p. 15-16)reconhece a influência do poder econômico nas decisões do Estado de Direito, que trabalha para manter a continuidade da desigualdade existente entre os poderes sociais e econômicos: Além disso, a capacidade e a disposição do capital para comprar trabalho continuam sendo reforçadas com regularidade pelo Estado, que faz o possível para manter baixo o “custo da mão-de-obra” mediante o desmantelamento dos mecanismos de barganha coletiva e proteção do emprego, e pela imposição de freios jurídicos às ações defensivas dos sindicatos – e que com muita freqüência mantêm a solvência das empresas taxando importações, oferecendo incentivos fiscais para exportações e subsidiando os dividendos dos acionistas por meio de comissões governamentais pagas com dinheiro público.

Ainda conforme Alves (2011), percebe-se que o direito posto (Lei do Cadastro Positivo de Crédito) foi proposto por um poder asséptico, nos limites estabelecidos pelo sistema normativo racional-formal, de forma a defender uma suposta eficácia social do direito posto, uma vez que este foi criado por meio dos representantes eleitos nos moldes do Estado de Direito – representantes das forças sociais que, efetivamente, mostram-se desconsideradas quando da positivação do direito em análise. A Lei do Cadastro Positivo de Crédito, estabelecida no nível hegemônico do Estado, demonstra o seu ineficaz resultado, operacionalizando o sistema de mercado e a possibilidade da exploração econômica e mantendo essa operacionalização revestida sob um manto de legalidade fundado numa racionalidade estatal inerente à própria condição do Estado de Direito. Dessa forma, explica-se e justifica-se toda a realidade do direito (ALVES, 2011, p. 27). Ademais, submergem, no plano das aparências, as relações socioeconômicas antagônicas, reforçando a desigualdade fática e econômica já existente, precisamente no sentido de mantê-las e de reproduzi-las por meio do acesso aos dados pessoais dos consumidores. Com isso, aprofunda-se o conhecimento dos fornecedores acerca de seus consumidores, não só como modo de oferecer outros produtos e serviços que possam se “encaixar” no perfil de consumo apresentado, como também de efetivar e de potencializar a transformação dos consumidores em mercadorias dos fornecedores, haja vista que, em nossa atual sociedade de consumidores, é necessário tornar-se mercadoria desejável, pois, somente desta forma, serão abertas novas possibilidades de consumo, matéria primordial para a vida nesta sociedade. Como adverte Zygmunt Bauman (2008, p. 74):

81 Bombardeados de todos os lados por sugestões de que precisam se equipar com um ou outro produto fornecido pelas lojas se quiserem ter a capacidade de alcançar e manter a posição social que desejam, desempenhar suas obrigações sociais e proteger a auto-estima – assim como serem vistos e reconhecidos por fazerem tudo isso –, consumidores de ambos os sexos, todas as idades e posições sociais irão sentir-se inadequados, deficientes e abaixo do padrão a não ser que respondam com prontidão a esses apelos.

Assim, fica claro o movimento econômico que vem se desenhando no sentido de, cada vez mais, orientar o mercado a dominar todas as informações dos consumidores brasileiros, utilizando como fundamento um suposto poder asséptico do Estado, que age nos limites de suas competências legislativas, sempre se baseando em movimentos que possam garantir uma suposta igualdade de tratamento legislativo. Quando analisados de forma pontual e compartimentalizadas, apenas do ponto de vista da constitucionalidade de uma determinada lei, ou de sua adequação ao tema proposto em seu projeto, por exemplo, deixa-se de atentar para os reais interesses envolvidos no tema e em suas possíveis repercussões em outras áreas do conhecimento. Como alhures defendido, não se pode entender o direito, sob nenhum aspecto, como ciência isolada num mundo do “dever ser” que não se comunica com as demais realidades enfrentadas pela população de um país ou mesmo de todo o mundo. Vive-se numa era de interconexão (BAKER, 2009; BAUMAN, 1998; CASTELLS, 2003, 2013; LÉVY, 1999), de múltiplas fontes de conhecimento interligadas entre si que fogem às tradicionais partições dogmáticas. Em razão disso, necessário observar-se o fenômeno legislativo de forma mais ampla e também interconectada, entendendo então que uma lei que, aparentemente, apenas regularia a criação de “bancos de dados de informações positivas” abre caminho para uma severa violação de dados pessoais de todos os consumidores brasileiros, sem que isso seja analisado previamente pelos próprios legisladores, que, muitas vezes, cedendo ao poder econômico, buscam regular uma matéria específica (criação de bancos de dados de histórico positivo de crédito), sem que tenham sequer discutido normativas gerais para o assunto (proteção dos dados pessoais), ou mesmo sequer aprofundado o entendimento estético sobre o tema a ser regulado (dados pessoais enquanto desdobramento ou mesmo parte integrante da intimidade, vida privada e personalidade). Pelo presente trabalho, propõe-se uma visão crítica acerca da proteção dos dados pessoais quando confrontados com iniciativas legislativas, a exemplo da “Lei do Cadastro

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Positivo de Crédito”. Clama-se por uma análise interconectada da matéria, em diálogo com outras áreas do conhecimento e com iniciativas já realizadas em outros países para garantir tal proteção. Da análise do sistema Score, percebe-se que todos os comentários traçados para a “Lei do Cadastro Positivo de Crédito” podem ser também aplicados aos sistemas de análise de risco de concessão do crédito. O posicionamento exposto neste estudo é reforçado ao aprofundar-se o desenrolar até o julgamento do Recurso Especial 1.419.697/RS, objeto de análise em capítulo específico. Sem adentrar no mérito da análise do recurso especial acima citado, apenas reforce-se que será também possível perceber um movimento de proteção dos interesses hegemônicos dos fornecedores de produtos e serviços, de modo a garantir que as empresas operadoras desses sistemas de análise de risco possam continuar a desenvolver livremente sua atividade, que, em ultima ratio, é justamente vender os consumidores, vender os seus perfis de consumo e de possibilidade de adimplemento de dívidas a fornecedores terceiros, que serão, então, responsáveis por, efetivamente, conceder o crédito ou parcelar as compras efetuadas pelos consumidores. A mercantilização de consumidores já é fato por muitos reconhecido entre doutrinadores da Sociologia, da Economia e mesmo da Psicologia Comportamental. De forma mais tímida, vê-se a discussão deste tema em doutrinas críticas especializadas na ciência do Direito do Consumidor, a qual, porém, vem sendo sistematicamente ignorada pelo Estado em todas as suas divisões, seja no Poder Legislativo, num misto de desconhecimento técnico específico e submissão a interesses econômicos externos; em caminho similar, pelo Poder Executivo, que também acaba por discutir a temática de forma tímida e sem maiores aprofundamentos conceituais; e, por fim, no Poder Judiciário, de forma ainda mais assustadora e preocupante, por se tratar do poder depositário da confiança de ser o mais independente dos três poderes, comprometido apenas com o Estado de Direito, sem amarras políticas que duram o mesmo tempo de legislaturas e mandatos. Especificamente a respeito do Judiciário no tocante ao presente tema, sua atuação é também tímida, visto ser arraigado a conceitos antigos e pouco disposto a inovações no discurso científico em tela. É o que se depreende de decisões que tratam da proteção de dados pessoais e da “coisificação” do consumidor – um verdadeiro festival de falta de rigor científico, baseado

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em conceitos fundados em “conhecimento popular” incompatíveis com a técnica envolvida nas questões relacionas a serem discutidas.



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5.

RELAÇÕES

CRÍTICAS

ENTRE

O

CÓDIGO

DE

DEFESA

DO

CONSUMIDOR E A LEI DO CADASTRO POSITIVO DE CRÉDITO

Como delineado anteriormente, verifica-se a necessidade de se aprofundar a análise acerca da proteção dos dados pessoais dos consumidores brasileiros, em especial, por meio da realização de análises críticas entre o previsto no Código de Defesa do Consumidor, sem olvidar de seu arcabouço constitucional, e o que fora positivado pela “Lei do Cadastro Positivo de Crédito”. Necessário, para esta análise, entender o que, de fato, os “Cadastros Positivos de Crédito” podem representar para o livre desenvolvimento creditício e mesmo pessoal dos cidadãos/consumidores brasileiros. Para tanto, traça-se a análise a partir de uma perspectiva multicultural, aproveitando, dessa forma, experiências de outras culturas acerca do tema e, também, de outras áreas de conhecimento, apresentando, assim, uma perspectiva intercultural e complexa do Direito (RUBIO, 2014). Para este capítulo, demonstra-se a necessidade de utilização de outras fontes do conhecimento para aprofundar a discussão, para o que se apresenta, primeiramente, o necessário diálogo de fontes para o presente caso. Dialoga-se com outras normativas nacionais e internacionais, além de outras áreas de estudo científico, sempre se baseando na perspectiva interconectada apresentada pelo Código de Defesa do Consumidor e pela chamada Teoria do Diálogo das Fontes. Em seguida, passa-se a uma análise com viés filosófico, através da qual se procura comparar a problemática da existência dos bancos de dados de informações de crédito com a ideia do Panóptico apresentada por Bentham e aprofundada por Foucault. O objetivo é demonstrar que a simples existência desses bancos de dados permite aos seus proprietários um poder imenso sobre a população brasileira, pois promove meios de controlar a sociedade, com o uso destes dados, de forma legalizada, através da concessão ou não de crédito e, pior, através do medo, pois o consumidor passa a viver em constante medo de agir em desconformidade com o esperado pelas empresas de análise de crédito e, por conta disso, ser prejudicado em sua pretensão creditícia.



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5.1. Interdisciplinaridade ou Diálogo de Fontes Científicas

Um dos pontos de maior destaque da proteção do consumidor reside no fato de, no Brasil, haver um dos mais avançados sistemas protetivos de todo o mundo, com uma norma principiológica, material e processual. Além disso, essa proteção não fica restrita ao que já está positivado no Código de Defesa do Consumidor, graças ao previsto em seu o artigo 7º. Conforme anteriormente discutido, inclui-se na proteção do consumidor tudo o que lhe for benéfico, sejam outras leis, regulamentos, portarias ou mesmo tratados internacionais. Ademais, a proteção do consumidor exige um constante aprofundamento no estudo de novas matérias que possam se tornar prejudiciais aos consumidores. Para tanto, necessário manter estreita relação com outras áreas de conhecimento. É devido interpretar a proteção dos dados pessoais não só pelo viés consumerista, mas também pelo constitucional, econômico, psicológico, sociológico e mesmo filosófico. Somente assim pode-se aprofundar a proteção dos consumidores, haja vista a grande interação das mais diversas áreas de conhecimento na atuação dos fornecedores de produtos e serviços. Não se pode esperar um aprofundamento da proteção do consumidor sem um adequado conhecimento de todas as áreas que atuam no ataque aos seus direitos. Um ponto importante para o debate no presente trabalho é a análise do entendimento comunitário europeu acerca da proteção dos dados, consolidado através da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, responsável por ser o texto base em matéria de proteção de dados pessoais na União Europeia. Neste sentido: Institui um quadro regulamentar a fim de estabelecer um equilíbrio entre um nível elevado de proteção da vida privada das pessoas e a livre circulação de dados pessoais no interior da União Europeia (UE). Para este efeito, fixa limites estritos à recolha e à utilização de dados pessoais e solicita a criação, em cada Estado-Membro, de um organismo nacional independente encarregado do controlo de todas as atividades relacionadas com o tratamento de dados pessoais. (THE PUBLICATIONS OFFICE, 2014)

Diante disso, não há razão para ignorar a experiência europeia acerca da proteção dos dados pessoais, visto que já contam 20 (vinte) anos de regulamentação e discussões acerca do tema, enquanto, no Brasil, há pouco começaram as discussões doutrinárias e somente em 2015 vislumbrou-se uma regulamentação legal expressa – relembre-se que, mediante interpretação

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conjunta de leis específicas, já se expôs o posicionamento pelo amplo arcabouço legal que permite regular a matéria, bastando, para tanto, uma melhor análise do tema que inclua referenciais de outras áreas do conhecimento. Parênteses: ao contrário da construção pretendida no presente trabalho, a iniciativa europeia buscou regular qualquer tipo de banco de dados com informações pessoais, seja para fins de consumo ou não. Retomando o raciocínio, a iniciativa legislativa específica de 2015resolveu questões como a tratada no próximo capítulo, no qual se analisará o julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça, do sistema Score. Na oportunidade, discutia-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos bancos de dados consultados por aquele sistema, recaindo a decisão na classificação ou não daqueles bancos de dados como de consumo.

5.2. O Diálogo Filosófico – os Cadastros de Consumidores como o Panóptico pós-Moderno A conceituação do Panóptico é apresentada por Jeremy Bentham numa série de cartas enviadas da Rússia, onde se encontrava o autor, no ano de 1787, para um amigo na Inglaterra, logo após tomar conhecimento sobre os planos para a construção de um novo presídio naquele país. O princípio básico do Panóptico é apresentar uma proposta arquitetônica para qualquer tipo de estabelecimento onde exista a necessidade de se manter vigilância constante sobre qualquer tipo de pessoa. Importa destacar que, muito embora tenha sido primeiramente apresentada para uso numa casa penitenciária e suas mais comuns aplicações sejam neste mesmo tipo de estabelecimento, o próprio autor já previa o uso deste conceito em qualquer estabelecimento "no qual pessoas de qualquer tipo necessitem ser mantidas sob inspeção; [ ... ] prisões, casas para pobres, Lazaretos, casas de indústria, manufaturas, hospitais, casas de trabalho, hospícios, e escolas” (BENTHAM et al., 2008, p. 15). O Panóptico propicia constante sensação de vigilância, sem que os vigiados tenham efetivamente conhecimento sobre se a vigilância existe ou não naquele momento específico. Essa sensação ocorre em razão da distribuição arquitetônica proposta por Bentham (2008), na qual os vigiados seriam dispostos de forma circular, ao redor de um ponto principal de

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observação, a partir do qual, por meio de persianas, seriam vigiados, sem, contudo, terem certeza sobre qual local estaria sendo vigiado em determinado momento, em razão da utilização de efeitos de luz. A proposta de Bentham também é capaz de reduzir os custos com a vigilância, ao necessitar de apenas um vigilante para um grande círculo de vigiados, uma vez que, por conta da incerteza criada, os próprios vigiados passam a criar, em seu interior, a constante sensação de vigilância, passando, então, a apresentar o comportamento esperado pela instituição. “Tratava-se de um novo modo de garantir o poder da mente sobre a mente” (BENTHAM et al., 2008, p. 17). Já no século XX, a estrutura proposta por Bentham foi analisada por Foucault como a melhor ferramenta para representar a sociedade de controle ao “induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder” (FOUCAULT, 1999, p. 166), principalmente com o advento das novas tecnologias de monitoramento. Avançando no estudo da sociedade de controle, tem-se o trabalho apresentado por Túlio Vianna, que, ainda tomando por base os princípios traçados por Bentham e seu Panóptico, apresenta formas de como as novas tecnologias passam a disciplinar a sociedade sem a necessidade de uma imediata punição. “O “vigiar e punir” foi substituído por um novo tipo de sociedade, marcada pelo “monitorar, registrar e reconhecer”.” (VIANNA, 2006, p. 54). Na pós-modernidade, enfim, não mais se precisa punir os “anormais” por meio de sanções, bastando “registrar e reconhecer o ‘anormal’ para filtrá-lo da sociedade dos ‘normais’” (VIANNA, 2006, p. 55), excluindo-o naturalmente da sociedade “pura” – objetivo primordial das sociedades pós-modernas (BAUMAN, 1998).

5.2.1. Controle pela exclusão

Ao unir as duas ferramentas anteriormente tratadas, o Cadastro Positivo de Crédito – Lei nº. 12.414/2011 – e o Panóptico, como apresentado por Bentham (2008) e Foucault (1999), percebe-se a perversidade com que a sociedade consumista (BAUMAN, 2008) passa a exercer o controle sobre os mais diversos grupos sociais.

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O que ora se defende é que a simples existência do Cadastro Positivo de Crédito já é suficiente para efetivar uma nova forma de controle social, garantida pelo Estado, a favor das grandes corporações multinacionais. Em momentos anteriores, já se defendeu a ineficácia social da lei supramencionada (CUNHA E CRUZ; OLIVA, 2014c) e a subversão que a mesma representa para o Estado de Direito (CUNHA E CRUZ; OLIVA, 2014b), uma vez que o diploma legal em análise não representa, em momento algum, um verdadeiro anseio da população brasileira, tendo sido fruto, na realidade, das mais diversas manobras políticas para garantir a sua aprovação sem maiores discussões por parte da população atingida pelos preceitos lá lançados. Em simples análise da exposição de motivos da Medida Provisória 518/2010 (a qual originou a Lei nº 12.414/2011), percebe-se que o principal fundamento para a criação desse malfadado banco de dados foi a possibilidade de melhor concessão de crédito no mercado brasileiro (BARRETO; MANTEGA, 2010), garantindo a possibilidade de melhores taxas de juros para aqueles dispostos a participar da coleta destes dados pessoais. Esse ponto já destaca a orientação consumista da lei: o que antes era apenas uma forma de ação das empresas multinacionais passa a ser uma política programática do próprio governo brasileiro, ao garantir a legalidade da coleta de dados pessoais dos consumidores, com o único objetivo de alimentar, ainda mais, o consumo, a favor dos fornecedores de produtos e serviços. Devem-se perceber os problemas que nascem da criação e da adoção desses bancos de dados. Observando-se a já destacada exposição de motivos, tem-se como um dos principais objetivos a possibilidade de melhores taxas de juros para aqueles que buscam crédito e se encaixam em categorias antes consideradas como de “alto risco” – em especial aqueles que possuem uma renda considerada como baixa para os padrões mercantilistas. Ocorre que se deve atentar para o que se realmente permite ao criarem cadastros de informações “positivas” de crédito. Na realidade, está se abrindo a possibilidade de conhecimento e de análise total dos perfis de consumo dos cidadãos brasileiros, tornando-os extremamente classificáveis pelas empresas gerenciadoras destes bancos de dados. Além disso, um efeito ainda mais maléfico: a possibilidade de se discriminarem negativamente aqueles que efetivamente não se encontram nos cadastros “positivos” por uma escolha ou ideologia pessoal. Utilizando-se de uma lógica inversa do mercado, por meio da aplicação de maiores taxas de juros para aqueles que não autorizaram a captação de seus dados pessoais, as empresas,

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com o aval do Poder Público, possuem, então, uma forma de intimidar e forçar a abertura destes dados, retirando a possibilidade de escolha do cidadão sobre a possibilidade ou não de captação dos seus dados. Ainda na esteira do controle, trazendo a ideia do Panóptico apresentado por Bentham (2008) e atualizada por Vianna (2006, p. 48) para a realidade do monitoramento eletrônico, pode-se perceber o efetivo empoderamento (FOUCAULT, 1999) das empresas responsáveis por esses bancos de dados, no sentido de alcançar o pleno adimplemento de todos os contratos celebrados com os seus consumidores. Explica-se a afirmação da seguinte forma: primeiramente, deve-se lembrar que os consumidores inscritos nos “cadastros positivos” que possuam um “bom histórico de crédito” vão estar aptos a receber menores taxas de juros, sendo a única forma de se obter o referido “bom histórico de crédito” o adimplemento de suas obrigações nas datas aprazadas e da maneira contratada – não se utilizando de ações revisionais para a discussão dos valores cobrados, por exemplo. Ou seja, antes, a única ameaça ao consumidor brasileiro inadimplente era a inscrição nos “cadastros negativos de crédito”, uma sanção, que para ser aplicada dependia da cobrança após o vencimento, da comunicação ao cliente acerca da dívida existente e sujeita ao perdão após o efetivo pagamento, o que garantia que o consumidor inadimplente, após a quitação do débito, visse seu crédito restabelecido ao status quo ante. Todavia, com a adoção do Panóptico pós-moderno de crédito, os próprios consumidores passam a exercer um efetivo controle em seu agir, a fim de que se adequem ao padrão imposto pelas empresas de crédito, uma vez que os mesmos, após a abertura de seus dados pessoais, nunca saberão efetivamente quem estará observando, captando, registrando e interpretando as informações, além de desconhecer as formas como tais dados serão refletidos em seu “histórico de crédito”. Conforme Rebouças (2012, p. 49), “ele [o Panóptico] cria um vigia dentro de cada olhar, dentro de cada dúvida e da suspeita de estar sendo visto. Percebe-se que a forma como se deu a criação da lei nº12.414/2011, além da confusão gerada entre o que fora efetivamente divulgado na mídia e as reais possibilidades do alcance da informações captadas, acaba por afastar a população destinatária da norma do seu necessário entendimento (DUSSEL, 1995).



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Demonstra, também, que a lei não respeita o necessário desenvolvimento histórico das normas na realidade social, ou seja, a criação de normas que tenham como fundamento o sentir da própria sociedade (HERRERA FLORES, 2009), sem representar, em realidade, apenas a importação de um modelo normativo utilizado em outra realidade social, ou, como no caso em concreto, um modelo normativo instituído não por fontes estatais e sim por fontes privadas, quais sejam, as grandes corporações que atuam nos serviços de “proteção ao crédito”. Assim, resta demonstrado que, agindo de acordo com as previsões legais inspiradas por seus próprios interesses econômicos, a atual sociedade de controle e de consumismo, por meio da atualização do conceito do Panóptico proposto por Bentham, passa a controlar seus consumidores por dois vieses: primeiramente, excluindo do mercado de crédito aqueles que não aceitam a devassa de seus dados pessoais sem um maior controle pessoal das formas de utilização destes; e, num segundo momento, controlando aqueles que já estão incluídos nos cadastros com a certeza de que, caso não honrem suas dívidas nas datas acordadas, serão registrados e excluídos (VIANNA, 2006) das listas de bons pagadores, além de transformados em “anormais” ou “párias” da sociedades pós-moderna (BAUMAN, 1998), o que cria a certeza da punição e do controle, pelas grandes corporações, sobre suas atividades diárias.

5.2.2. Segmentar - invisibilizar e demonizar

Um outro resultado advindo da autorização para a criação dos Cadastros Positivos de Crédito reside na segmentação causada em nossa sociedade pós-moderna, revelando-se como uma autorização legislativa para a prática de discriminação entre as pessoas que estão ou não cadastradas nestes bancos de dados de “histórico de crédito”. É essencial relembrar que a atual sociedade pós-moderna está incluída num programa de consumismo que a transformou por completo, alterando sobremaneira suas práticas e seus valores (BAUMAN, 1998, 2008). O consumo foi erigido a um patamar de total destaque, servindo como um verdadeiro objetivo comum da maior parte da sociedade brasileira. Criou-se, então, um sistema de retroalimentação da necessidade de consumo, iniciado com as grandes corporações que “criaram” o consumismo ou a necessidade de consumir na mente da população brasileira, seguido de um aumento do poder econômico destas mesmas corporações. Passa, então, a ser verificada uma influência cada vez maior destas no Estado de

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Direito, primeiramente, por meio do financiamento de campanhas de eleição para os Poderes Executivo e Legislativo, cuja eleição direta autorizara tal participação, chegando ao Poder Judiciário, em seus maiores cargos, através da intervenção indireta nos processos de escolha dos Desembargadores e dos Ministros, por meio do poder já consolidado no Executivo, responsável por tais nomeações. Lembre-se, também, que referido modelo de atuação não é uma exclusividade da realidade brasileira (SALADOFF, 2011), sendo verificado em diversos pontos do mundo, tendo como ponto comum as corporações multinacionais. Tendo em mente a realidade consumista, ao apresentar a possibilidade de criação dos “históricos de crédito”, percebe-se, igualmente, a possibilidade, com autorização estatal, da efetivação da discriminação entre os consumidores que participam ou não destes cadastros, retirando, como anteriormente destacado, seu poder de escolha acerca da abertura ou não dos seus dados pessoais. Uma forma de se realizar essa discriminação apoiada na tutela estatal foi apresentada por Oscar Vilhena Vieira (2007b), quando defendeu a existência de três categorias distintas de pessoas na sociedade atual, quais sejam; os imunes, os invisíveis e os demonizados. As relações entre estas categorias e a realidade do consumidor brasileiro em face do “cadastro positivo de crédito” já foi anteriormente explorada em outro artigo de nossa autoria (CUNHA E CRUZ; OLIVA, 2014b), mas retoma-se o tema, em especial, para analisar a segmentação causada por tal dispositivo legal, representando a efetiva prática da discriminação entre aqueles que podem ser classificados como invisíveis e aqueles demonizados. De forma prática, tem-se, na representação dos invisíveis, todos aqueles consumidores que, desconhecendo as reais implicações da abertura de seus dados pessoais de consumo e crédito para as grandes corporações multinacionais, concordam em participar destes bancos de dados, na vã ilusão de que efetivamente poderiam ser agraciados com taxas de juros mais baixas. Com isso, permitem um aumento no consumo pessoal, enquanto, na realidade, estão apenas sendo cadastradas, analisadas e segmentadas (BAKER, 2009), tudo para, em seguida, serem transformados em mercadorias (DUSSEL, 1995, p. 30; BAUMAN, 2008), quando então ganham visibilidade, como um objeto de interesse em negociações realizadas entre fornecedores e não como sujeitos de direito. E mais, nas palavras de Dussel (1995, p. 31): “Será



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que uma pessoa dominada terá condições de “interpretar” o texto produzido e interpretado “dentro-do-mundo” do dominador?”. Já os demonizados estariam representados por aqueles consumidores/cidadãos brasileiros que optam por preservar o mínimo de suas intimidades ao não permitirem que seus movimentos sejam deliberadamente registrados e utilizados posteriormente contra si mesmos, ao buscar direcionar e individualizar o consumo muitas vezes desnecessário. E passam a ser demonizados pelo próprio sistema, ao impor taxas de juros mais altas, dificultando o acesso aos produtos e serviços cujo desejo já fora introjetados em seu estilo de vida, frustrando as expectativas de consumo. A própria situação de exclusão dos “cadastros positivos” acaba por gerar uma desconfiança nos próprios pares que podem não compreender como legítima a vontade de não ser indexado nestes bancos de dados, acreditando tratar-se de um meio de ocultar algum tipo de ilícito, transfomando-os em estranho subproduto necessário para a manutenção do referido sistema de controle (BAUMAN, 1998, p. 37). Com tais definições, notória a potencialidade do “cadastro positivo de crédito” para segmentar a sociedade brasileira em “cadastrados” e “não-cadastrados”. E mais, demonstra a possibilidade de alimentar uma disputa entre tais “classes” de cidadãos. Os “nãocadastrados/demonizados” são jogados contra os “cadastrados/invisíveis”, uma vez que negociar com estes representaria apenas um risco desnecessário para quaisquer atividades desenvolvidas pelos “cadastrados/invisíveis”. Tal fato leva a sociedade para um caminho que a história já demonstrou ser o pior possível, demonizando uma “classe” de cidadãos por questões ligadas apenas ao crédito, o que poderá representar apenas o início de uma discriminação cada vez maior, inciando-se na negativa de crédito com juros baixos, mas podendo chegar até mesmo à completa negativa de consumo por meio de crédito ou, num ponto ainda mais extremo, à total discriminação no consumir, negando a certos consumidores qualquer possibilidade de consumo, excluindo-os do que se apresenta como fundamento da sociedade. Pode soar como dramatização e perversidade acerca de uma situação que sequer se sabe se será concretizada, mas há de ser considerado que, em 2014, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor realizou uma pesquisa (“Um tal ‘Cadastro Positivo’”, 2014), através da qual demonstrou o desconhecimento e o desuso do sistema de “cadastro positivo de crédito”.

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Ou seja, pode-se estar tratando de um sistema que sequer será efetivado, fadado a se tornar mais uma das tantas leis em desuso no Brasil. Todavia, como adverte Habermas (2010, p. 26 e ss.), deve-se traçar um limite moral para as normas cujo alcance são desconhecidos para a nossa razão, sob pena de aceitarmos como moral algo que, num futuro próximo, pode vir a representar uma completa mudança na sociedade, direcionando-a para caminhos que, se conhecidos hoje, nunca seriam eleitos como corretos.



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6.

O CASO “SISTEMA SCORE” – UMA ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL NÚMERO1.419.697 – RS

Após todo o exposto nos capítulos anteriores, argumentando-se pela necessidade de reconhecimento da proteção dos dados pessoais como um direito e garantia fundamental do cidadão/consumidor, pela eficácia horizontal da proteção do consumidor, pela conceituação dos bancos de dados e suas iniciativas normativas e pelo diálogo filosófico entre a defesa do consumidor e os riscos apresentados pelos cadastros de consumidores, passa-se à sua demonstração prática. Apresenta-se então a análise do Recurso Especial número 1.419.697/RS, também conhecido como o julgamento do caso “Sistema Score”. Antes, resumem-se os fatos analisados na demanda e sua transformação em recurso representativo e, após, a participação dos Amici Curiae, bem como as discussões travadas na audiência pública. Em seguida, são apresentadas as conclusões do Superior Tribunal de Justiça, e, por fim, a súmula 550 da mesma Corte, editada em função do referido julgamento, sobre o qual se expõem algumas críticas.

6.1. Epítome Fática e Afetação ao Rito dos Recursos Repetitivos

O processo que deu origem ao Recurso Especial em análise neste capítulo foi inicialmente tombado sob o número 001/1.12.0110621-5
 (CNJ 149378-51.2012.8.21.0001), protocolado no dia 15 de maio de 2012, cujas partes era Anderson Guilherme dos Santos e “Boa Vista Serviços”. Foi denominada como “AÇÃO INDENIZATÓRIA CUMULADA COM DECLARATÓRIA com PEDIDO PARCIAL DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA”. Na exordial, o autor buscava discutir a existência de um cadastro de consumidores criado sem que fossem respeitados os preceitos do Código de Defesa do Consumidor e da Lei nº. 12.414/2011, ou seja, sem que houvesse a comunicação prévia ou a autorização do consumidor para que este passasse a fazer parte do cadastro, que é oferecido a diversas empresas que atuam no mercado de consumo brasileiro, chamado de “SCPC SCORE CRÉDITO”. Sustentava ainda que referido cadastro trazia prejuízos ao seu livre desenvolvimento creditício, uma vez que, por ter recebido uma nota baixa no sistema Score, as empresas optavam

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por não lhe conceder o crédito, tomando como base tão somente as informações oferecidas pelo sistema. Ressaltava, ainda, que o sistema fazia um juízo de valor negativo sobre o autor, ao apresentá-lo como um consumidor que tinha um “alto risco de inadimplência” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2013, p. 2). O autor alegava que, para o cálculo da nota conferida, eram considerados dados com mais de 5 anos, inclusive, de inscrições negativas, todos de origem desconhecida, o que vai de encontro ao artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor, em sua regulamentação sobre os bancos de dados. Para corroborar a validade do seu pleito inicial, o autor apresentou dois julgados da lavra do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos quais se reconhecem a existência e a ilegalidade dos serviços promovidos pelo réu na análise do risco na concessão de crédito. Busca, ao final, a condenação da empresa requerida ao cancelamento do cadastro existente em seu nome, além do pagamento de indenização pelos danos morais causados ao autor, em razão das constantes negativas de concessão de crédito decorrentes da informação de risco repassada aos usuários do sistema. Em sede de contestação, a empresa Boa Vista Serviços sustentou, preliminarmente, a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda, pois não poderia ser responsabilizada pela negativa de concessão de crédito efetuada por terceiros que se utilizavam do seu sistema de análise de risco. Alegou que o serviço que efetua é apenas uma modernização de práticas anteriormente realizadas pelo próprio lojista. Segundo a empresa ré, não se trata de um juízo do valor do consumidor; apenas de uma análise da existência ou não de inscrições em nome do consumidor consultado em sistemas de proteção ao crédito (cadastros negativos) e do cruzamento de dados provenientes de bancos de dados públicos capazes de mensurar a renda, a capacidade financeira e creditícia do consultado, de modo a, estatisticamente, definir a probabilidade de aquele consumidor tornarse ou não inadimplente em determinado espaço de tempo. Diante do quadro, ressaltou, a concessão ou não do crédito depende de escolha única e exclusiva do fornecedor que efetua a consulta. No mérito de sua defesa, a empresa ré, inicialmente, sustentou que o serviço oferecido, SCPC Score, em nada se assemelha ao “Cadastro Positivo de Crédito” regulado pela Lei nº. 12.414/2011, uma vez que, para este, exige-se a efetiva criação de um banco de dados com

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informações de adimplemento e a autorização prévia do consumidor para a abertura de tal cadastro. A empresa ainda destacou, naquela oportunidade, que o serviço oferecido era o da criação de um perfil do consumidor consultado, o qual se utiliza, única e exclusivamente, de dados cuja utilização seria legal, tais como: [...] existência ou não de ações judiciais em face do solicitante do crédito, títulos protestados, etc. ou ainda, dados de que dispõe o próprio demandado, como por exemplo, o histórico de inadimplência, jamais superior a cinco anos, bem como e principalmente, as informações prestadas pelo próprio consumidor quando solicita crédito, a exemplo do valor de renda mensal, etc. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2013, p. 56) (sic)

A empresa destacou ainda em sua contestação que, em momento algum, restou comprovado nos autos que o autor efetivamente teve negado o acesso a qualquer tipo de crédito que buscava adquirir no mercado de consumo, ressaltando, então, que a demanda se revestia de características que indicavam o objetivo de uma mera obtenção de lucro, representante da chamada “indústria do dano moral”. Defendeu, por fim, a inexistência de dano causado por ação ou omissão da empresa. Em réplica, o autor reiterou toda a fundamentação da exordial, questionando, ainda, qual a natureza do sistema oferecido pela ré, haja vista seu necessário enquadramento como “positivo” – pelo que haveria de seguir os preceitos da Lei nº. 12.414/2011 – ou “negativo” – devendo, então, adequar-se ao artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor e à jurisprudência já consolidada e sumulada do STJ. Questionou como a nota atribuída ao consumidor foi baixa, se não existia caso de negativação em seu nome na data da consulta do Score, e alegou não existir meio de o autor provar a negativa de crédito, já que as informações repassadas pela ré são totalmente sigilosas, vedada a divulgação da nota do consumidor consultado. O autor ainda reforçou o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul com a apresentação da ementa de dois julgados e uma lista com 75 (setenta e cinco) outros processos resolvidos pelo mesmo tribunal, nos quais fora reconhecida a ilegalidade do sistema em debate nos autos. Após a instrução processual, o feito passou a julgamento em mesa de audiência, onde, tomando como parâmetro o julgado de número 70051943249, oriundo da 10ª Câmara Cível do



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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul14, a demanda foi julgada procedente para fins de excluir o autor do cadastro Crediscore mantido pela ré, além de condená-la ao pagamento de indenização por danos morais fixada em R$6.220,00 (seis mil, duzentos e vinte reais). Ambas as partes envolvidas na demanda interpuseram recurso de apelação. A parte autora, com o objetivo de majorar o valor da condenação a título de danos morais, sob a alegação de que, no caso em concreto, a empresa fora condenada ao pagamento de 10 (dez) vezes o valor do salário mínimo, enquanto o patamar praticado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul era de 15 (quinze) a 30 (trinta) vezes o valor do salário mínimo. Já a parte ré buscava a reforma total da sentença, utilizando os mesmos fundamentos já expostos na sua peça de defesa, requerendo ainda a minoração do valor devido à título de honorários advocatícios. Os recursos foram tombados sob o número 70053783122, sob a relatoria da Desembargadora Marilene Bonzanini Bernardi, e decididos, em 17 de abril de 2013, por decisão monocrática. Foram determinadas a redução do valor dos honorários advocatícios para 15% (quinze por cento) do valor total da condenação e a majoração da verba indenizatória para R$8.000,00 (oito mil reais)15.

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APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SISTEMA CREDISCORE. NATUREZA. BANCO DE DADOS. SUJEIÇÃO ÀS DISPOSIÇÕES CONSTANTES DO ART. 43 DO CDC. A elaboração, organização, consulta e manutenção de bancos de dados sobre consumidores não é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor; ao contrário, é regulada por este, no art. 43. Hipótese em que o denominado Sistema Crediscore, colocado à disposição das empresas conveniadas à ré, caracteriza-se como um verdadeiro banco de dados de hábitos de consumo e... (TJ-RS - Apelação Cível: 70051943249 RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Data de Julgamento: 09/11/2012, Décima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/11/2012) 15 APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL. SCPC SCORE CRÉDITO. ILEGALIDADE DO SERVIÇO. DIREITO À INFORMAÇÃO. VIOLAÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MAJORAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO DO PERCENTUAL FIXADO NA SENTENÇA. É abusiva a prática comercial de utilizar dados negativos dos consumidores, para lhe alcançar uma pontuação, de forma a verificar a probabilidade de inadimplemento. Sem dúvidas, este sistema não é um mero serviço ou ferramenta de apoio e proteção aos fornecedores, como quer fazer crer a demandada, mas uma forma de burlar direitos fundamentais, afrontando toda a sistemática protetiva do consumidor, que inegavelmente se sobrepõe à proteção do crédito. Reconhecer a ilicitude deste serviço não significa uma forma de proteção aos mal pagadores. Estes já contam com seu nome inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, cujos dados podem ser utilizados livremente pelas empresas. O que não é possível é a utilização de registros pessoais dos consumidores, para formar um novo sistema de probabilidade de inadimplemento, sem informar claramente aos interessados e a toda sociedade quais são exatamente as variáveis utilizadas e as razões pelas quais uma pessoa é classificada como com "alta probabilidade de inadimplência" e outra com "baixa probabilidade de inadimplência". A falta de transparência e de clareza desta "ferramenta" é incompatível com os mais comezinhos direitos do consumidor. Na forma com que é utilizado o sistema, certamente gera os danos morais alegados na inicial, pois o consumidor que necessita do crédito, negado em face de sua pontuação, fica sem saber as razões pelas quais é considerado propenso ao inadimplemento, restando frustrada legítima expectativa de ter acesso aos seus dados e a explicações sobre a negativa do crédito. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DA DEMANDADA PARCIALMENTE PROVIDA DE PLANO. APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA DE PLANO. (Apelação Cível Nº 70053783122, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 17/04/2013)



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Após a decisão monocrática, irresignada, a ré interpôs agravo interno, com o objetivo de buscar a reconsideração da decisão monocrática, ou, alternativamente, de levar o feito para deliberação e decisão pelo órgão colegiado, a fim de revertera primeira condenação. O colegiado, de forma unânime, negou provimento ao agravo interno, mantendo a decisão hostilizada em todos os seus termos16. Após publicação do acórdão, a empresa ré opôs embargos de declaração, com o fim de prequestionar os artigos 267, 333, I e II, 461, 535, I e II e 644, todos do Código de Processo Civil; os artigos 43 e 84, §4º da Lei nº8.078/1990; e os artigos 186, 927 e 944, todos do Código Civil. Os embargos foram desprovidos por entender o Tribunal não estar presente nenhum dos requisitos autorizadores do artigo 535 do Código de Processo Civil17. Com o mesmo fundamento de todos os recursos já apresentados, a empresa ré interpôs, então, recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça. Em sede de análise de admissibilidade recursal, a Terceira Vice-Presidência daquele Tribunal de Justiça, diante da multiplicidade de recursos que debatiam a mesma temática presente neste processo, decidiu

(TJ-RS - AC: 70053783122 RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Data de Julgamento: 17/04/2013, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 22/04/2013) 16 AGRAVO EM APELAÇÃO CÍVEL. APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL. SCPC SCORE CRÉDITO. ILEGALIDADE DO SERVIÇO. DIREITO À INFORMAÇÃO. VIOLAÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MAJORAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO DO PERCENTUAL FIXADO NA SENTENÇA. É abusiva a prática comercial de utilizar dados negativos dos consumidores, para lhe alcançar uma pontuação, de forma a verificar a probabilidade de inadimplemento. Sem dúvidas, este sistema não é um mero serviço ou ferramenta de apoio e proteção aos fornecedores, como quer fazer crer a demandada, mas uma forma de burlar direitos fundamentais, afrontando toda a sistemática protetiva do consumidor, que inegavelmente se sobrepõe à proteção do crédito. Reconhecer a ilicitude deste serviço não significa uma forma de proteção aos mal pagadores. Estes já contam com seu nome inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, cujos dados podem ser utilizados livremente pelas empresas. O que não é possível é a utilização de registros pessoais dos consumidores, para formar um novo sistema de probabilidade de inadimplemento, sem informar claramente aos interessados e a toda sociedade quais são exatamente as variáveis utilizadas e as razões pelas quais uma pessoa é classificada como com "alta probabilidade de inadimplência" e outra com "baixa probabilidade de inadimplência". A falta de transparência e de clareza desta "ferramenta" é incompatível com os mais comezinhos direitos do consumidor. Na forma com que é utilizado o sistema, certamente gera os danos morais alegados na inicial, pois o consumidor que necessita do crédito, negado em face de sua pontuação, fica sem saber as razões pelas quais é considerado propenso ao inadimplemento, restando frustrada legítima expectativa de ter acesso aos seus dados e a explicações sobre a negativa do crédito. AGRAVO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70054363627, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 15/05/2013) (TJ-RS - AGV: 70054363627 RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Data de Julgamento: 15/05/2013, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 17/05/2013) 17 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. Mesmo quando tenham por fim o prequestionamento, os embargos de declaração devem se embasar em uma das hipóteses elencadas no art. 535 do CPC. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESPROVIDOS. (Embargos de Declaração Nº 70054789383, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 26/06/2013) (TJ-RS - ED: 70054789383 RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Data de Julgamento: 26/06/2013, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/06/2013)



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admitir o recurso em comento como representativo da controvérsia para análise pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil18. Já seguindo o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, o recurso recebeu a numeração aqui utilizada, 1.419.697/RS, e passou à relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que determinou o sobrestamento de todos os feitos que tratavam da mesma temático em todo o Brasil. Após receber a informação de que, apenas em Santa Catarina, mais de 36.000 (trinta e seis mil) ações aguardavam distribuição inicial, foi mantido o sobrestamento, mas definido que todas as ações deveriam ser distribuídas, aguardando, após a distribuição, o resultado do presente recurso. Na folha 452 dos autos, a recorrente, Boa Vista Serviço, apresentou suas razões pela legalidade do sistema, discorrendo acerca do seu funcionamento. Repetiu, em síntese, tudo o que vinha sendo debatido desde o primeiro grau, fazendo se juntar aos autos parecer técnico da lavra da Fundação Getúlio Vargas, além de pareceres jurídicos dos professores Ruy Rosado de

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Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 2o Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 3o O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 4o O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 5o Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4o deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 6o Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 8o Na hipótese prevista no inciso II do § 7o deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 9o O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).



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Aguiar e Nelson Nery Jr., todos pela legalidade do uso do sistema operado pela empresa Recorrente. Sendo esses os fatos de maior relevância do início da demanda até seu reconhecimento como representativo a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, passa-se à análise da participação dos amici curiae; posteriormente, dos resultados do julgamento da presente demanda; e, por fim, apresentam-se algumas digressões sobre o que se pode esperar do tratamento do tema da proteção dos dados pessoais após o julgamento e posterior súmula editada pelo Superior Tribunal de Justiça.

6.2. Os Amici Curiae e a Audiência Pública

Um ponto crucial para o julgamento do REsp 1.419.697-RS foi a participação processual de diversas entidades com interesse direto ou indireto na causa, na qualidade de amici curiae, responsáveis por aprofundar o debate acerca da proteção dos dados pessoais dos consumidores brasileiros. Atuaram como amici curiae, nessa demanda, as seguintes entidades: Banco Central do Brasil – BACEN; Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas; Serasa S.A.; Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN; e IDV –Instituto para Desenvolvimento do Varejo. Além da participação de importantes entidades na qualidade de amici curiae e da inovação temática que havia sido debatida de forma mais tímida em oportunidades anteriores19, o julgamento do REsp em análise trouxe como destaque a utilização de um novo expediente, qual seja, a realização de uma audiência pública, na qual diversos atores sociais puderam expor posicionamentos contrários ou favoráveis ao “sistema Score” para a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, responsável pelo julgamento do recurso especial ora analisado, permitindo, com isso, a participação de diversas outras entidade que não puderam integrar a demanda na

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A exemplo do REsp Nº 1.422.256 - RS (2013/0396184-6), de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, no qual constava como parte, da mesma forma como no REsp ora analisado, a Boa Vista Serviços S/A. Neste foi reconhecida a ilegalidade do sistema “score” em razão de sua falta de transparência, ferindo o preceituado no §1º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor. Para uma melhor análise dos fundamentos deste julgamento, anexa-se ao presente trabalho a ementa de julgamento deste Recurso Especial.



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qualidade de amici curiae mas que, em razão das atividades desenvolvidas, puderam em muito contribuir para a análise do caso. Participaram da audiência pública: Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Mato Grosso do Sul; Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos - COBAP; Dr. Leonardo Roscoe Bessa (MPDFT); Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - BRASILCON; SPC/SC; Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas - CNDL; Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Distrito Federal; Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre - CDL/RS; Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor Bancário - IBDCONB; Associação Nacional de Informação e Defesa do Consumidor - ANDICON; Dr. Fabiano Garcia Severgini (Pelo recorrente Acivaldo Roger Pereira Ferreira);Associação Procopar; Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul; Banco Central do Brasil; Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro; Serasa Experian S/A; Proteste Associação de Consumidores; Federação Brasileira de Bancos –FEBRABAN; Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor –IDEC; e Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República - SMPE/PR. Ante a massiva participação de atores sociais com interesse na discussão temática, a audiência pública foi realizada em 04 (quatro) blocos, dois no turno matutino e dois no turno vespertino, todos no dia 22 de agosto de 2014. Nestes blocos, cada expositor teve o tempo de 15 minutos para expor pontos que julgavam de destaque para a melhor compreensão da temática tratada. Os expositores foram divididos conforme seu posicionamento acerca do tema, de modo que metade dos blocos foi composto apenas com entidades favoráveis ao sistema e a outra metade apenas com entidades contrárias à ferramenta, garantindo então a equidade na defesa das ideias ali tratadas. Para garantir a publicidade dos debates ali travados, a audiência pública contou com cobertura completa da TV Justiça, além da disponibilização de link “ao vivo” por meio do canal oficial do Superior Tribunal de Justiça no YouTube, o que resultou em mais de 6 horas de debates disponíveis imediatamente a todos os interessados (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2014a, b). Destaca-se que, além da disponibilização do vídeo completo da audiência pública, é possível o acesso à íntegra do recurso especial por meio do sistema e-STJ, com o acompanhamento de toda a marcha processual e as manifestações dos amici curiae, cópia dos



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recursos audiovisuais utilizados pelos expositores e, por fim, as notas taquigráficas da audiência pública, o que consiste num excelente acervo de pesquisa para a presente análise20. Feitas as necessárias explicações acerca da participação do amici curiae e de outras entidades afeitas ao tema em debate, passa-se a uma breve exposição dos argumentos apresentados por cada uma delas ao longo do processo e da audiência pública, para que, após, seja possível analisar a forma como tais argumentos foram refletidos na decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça.

6.2.1. Dos argumentos dos amici curiae

Trata-se dos argumentos trazidos aos autos por aquelas entidades que foram admitidas a participar da demanda na qualidade de amici curiae. Não serão analisadas as petições juntadas aos autos por entidades que foram reconhecidas como terceiras interessadas na demanda, pois seus argumentos acabam por repetir, em ultima ratio, tudo o que já fora exposto pela parte ré em suas manifestações. Somado a isso, têm-se as manifestações das mesmas entidades na audiência pública, tratadas logo em seguida. Conforme já exposto, quatro entidades foram admitidas como amici curiae: Banco Central do Brasil – BACEN; Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas; Serasa S.A.; Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN e IDV – Instituto para Desenvolvimento do Varejo. Contudo, nenhuma delas entende o sistema Score como ilegal, sendo favoráveis ao seu uso indiscriminado no mercado de consumo. Apesar disso, não se pode entender essa formação de amici curiae como tendenciosa por parte do Superior Tribunal de Justiça, visto que, na folha 806 dos autos, foram cientificados o Conselho Federal da OAB, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC e o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, para que apresentassem suas considerações, porém, nenhum destes formalizou resposta nos autos.

20

Não será anexada a este trabalho a cópia integral do Recurso Especial analisado, em razão da sua extensão, uma vez que o mesmo conta com mais de 1.800 (mil e oitocentas) páginas, o que torna inviável sua impressão. Todavia, apresenta-se a cópia do recurso em mídia digital, a ser entregue aos avaliadores juntamente com o presente trabalho.



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Deste modo, analisam-se as manifestações escritas e, ato contínuo, os entendimentos apresentados na audiência pública.

6.2.1.1.

Banco Central do Brasil – BACEN

Foi apresentada manifestação na forma de diversos pareceres oriundos dos mais diversos setores do Banco Central do Brasil. Optamos, porém, por focar a análise no primeiro e principal dos pareceres, oriundo da Coordenação-Geral de Processos Judiciais Relevantes – Cojud. A entidade reconheceu como fundamentais o uso dos cadastros positivos e negativos nas operações de credito efetuadas no mercado de consumo brasileiro, com o principal fim de redução do custo destas operações para o consumidor final. Por essa razão, uma ferramenta como o Score, que é capaz de unificar tais cadastros numa só análise, reforça a importância dos sistemas. Para o Banco Central, os sistemas de análise de crédito causam um impacto direto no mercado de consumo brasileiro, uma vez que a redução da inadimplência leva a uma diminuição dos gastos das instituições financeiras – o chamado spread bancário, que acaba por melhorar as condições de concessão de crédito e de acesso ao crédito. Declarou, ainda, a entidade que a prática de classificação dos consumidores é ferramenta essencial também na sua educação financeira. Esclarece-se: trata-se a educação citada, segundo o entendimento daquela entidade, da prevenção do superendividamento, uma vez que a análise de risco efetuada pelo sistema Score, pode identificar aquele consumidor que já se encontra superendividado e recomendar a não concessão do crédito em seu caso, ou mesmo indicar que, de acordo com seu comportamento recente no mercado de consumo, aquele consumidor está em vias de se tornar inadimplente dentro de lapso temporal estimável. Por fim, a entidade defende que a utilização dos sistemas do gênero do Score é essencial para a manutenção da estabilidade do sistema financeiro natural como um todo, pois possibilita mitigar o risco na concessão de crédito direto ao consumidor, como na hipótese dos chamados “crediários”. Para estes tipos de operações, os fornecedores transferem os valores

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recebíveis para o chamado “Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC)”, o qual é financiado por investidores e entidades financeiras variadas. Dessa forma, caso não sejam realizadas operações com segurança de adimplemento, que é reforçada pela análise do Score, seria verificado o repasse dos riscos destas negociações para o sistema financeiro nacional, retornando, então, para toda a população brasileira. De forma resumida, foram esses os fatos expostos pelo Banco Central do Brasil em sua manifestação enquanto amicus curiae da presente demanda.

6.2.1.2.

Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas – SPC Brasil

A manifestação da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas – SPC Brasil confunde-se com uma petição de parte interessada ao processo. Ao invés de apresentar fundamentos para auxiliar a compreensão do tema de forma articulada e convincente, traz aos autos uma repetição do que se viu na defesa e nos recursos da empresa ré, talvez porque a própria entidade administra e fornece sistema de avaliação de risco de concessão de crédito aos consumidores brasileiros. A manifestação é dividida em dois pontos primordiais: o primeiro discorre sobre a legalidade do sistema Score ou Rating, e o segundo, sobre a inexistência de danos morais para elaboração de cálculo estatístico. Após sintética análise do caso, a entidade apresenta um breve resumo sobre a concessão de crédito no Brasil, demonstrando que não existe, no direito brasileiro, nenhuma obrigação à concessão de crédito aos consumidores, que não se trata de um direito por estes conquistado, mas sim de um serviço oferecido no mercado de consumo, portanto, sujeito a regras para a sua concessão, entre as quais destaca a análise do risco de inadimplemento. Ressalta também a entidade que a concessão segura de crédito sempre foi um grande desafio para os fornecedores do todo o Brasil, os quais sempre buscaram novos meios de garantir maior segurança e também maior agilidade na análise do risco envolvido na concessão do crédito pretendido, o que levou, por exemplo, à criação das primeiras entidades de proteção ao crédito.

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Em seguida, a entidade passa à conceituação do que seriam os sistemas de Score ou Rating, reforçando, logo de início, que se trata de sistemas estatísticos que não geram nem armazenam nenhum tipo de dados, e cujos cálculos são realizados utilizando-se de dados públicos ou particulares aos quais o acesso é devidamente autorizado pelos consumidores lá cadastrados. A principal característica deste cálculo seria a volatilidade, uma vez que, em questão de segundos, com a mudança de algum dos dados consultados, a nota do consumidor pode ser completamente alterada. Destaca que se trata de uma mera avaliação estatística que se utiliza de dados fornecidos pelos próprios consumidores consultados, de modo que não haveria dúvida quanto a serem esses dados de pleno conhecimento daqueles, motivo pelo qual não se poderia falar em surpresa acerca dos dados valorados. Ressalta, também, que a análise não gera um juízo de valor acerca do consumidor consultado ou da possibilidade de sua inadimplência. Na realidade, o que o sistema faz, segundo a SPC Brasil, é indicar que o consumidor consultado pode ser inserido em determinado grupo de consumidores que representam risco de inadimplência, ou seja, o Score seria um índice de grupo e não individual. Por fim, frisa que não se pode apresentar a fórmula de funcionamento do sistema, por tratar-se de um sistema plástico, que pode ser moldado de acordo com as necessidades de cada usuário, mudando, assim, os dados consultados e valorados de acordo com o ramo de atividade. A entidade também apresentou breves comentários acerca da constitucionalidade do sistema apresentado, negando que fira algum preceito constitucional, defendendo estar em consonância com o artigo 170 e incisos do texto constitucional, servindo, inclusive, como ferramenta essencial ao desenvolvimento da ordem econômica brasileira. Ato contínuo, a entidade passa a analisar o sistema Score em face da legislação infraconstitucional, focando o debate no confronto entre o sistema Score e o Código de Defesa do Consumidor e a Lei nº. 12.414/2011. A entidade defende que não se pode encaixar o serviço oferecido em nenhuma das duas leis por não se consistir num cadastro ou mesmo num banco de dados, mas apenas num sistema de análise de risco. Por conseguinte, não haveria geração nem mesmo armazenamento de nenhum tipo de dados, pelo que, no sentir da entidade, não haveria que se falar em necessidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor e nem mesmo da Lei nº. 12.414/2011 no tocante à utilização do sistema.

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Reforça a SPC Brasil que o respeito às leis anteriormente citadas deveria ser exigido, na verdade, das empresas que mantêm os bancos de dados consultados pelos sistemas de Score ou Rating, haja vista que estes sim efetuam a coleta e a guarda de dados pessoais dos consumidores brasileiros. Finaliza a manifestação destacando o fato de que não se pode aceitar a existência de danos morais pela simples realização de um cálculo estatístico que sequer vincularia a concessão de crédito. Referido cálculo serviria tão somente para auxiliar na tomada de decisão pela concedente do crédito, pois a decisão final, positiva ou negativa, seria sempre da empresa usuária do sistema. Não se falaria, com isso, em dano à imagem ou à honra do consumidor pela simples análise de seu perfil de crédito por meio de ferramentas automatizadas que se utilizam de dados públicos ou cujo acesso tenha sido autorizado pelos consumidores.

6.2.1.3.

Serasa S.A.

A manifestação apresentada pela empresa Serasa S.A., encontrada na folha 895 dos autos, apresenta, assim como o SPC Brasil, uma petição de parte interessada na demanda em forma de manifestação, o que deve decorrer do fato de também operar sistema de análise de risco de crédito, prestando serviço semelhante ao fornecido pela empresa Boa Vista Serviços, recorrente da demanda. A manifestação dessa entidade segue, rigorosamente, o mesmo que fora apresentado pela SPC Brasil: discorreu sobre a conceituação do Score; sobre o fato de ser uma mera ferramenta estatística, bem como defendeu que respeita toda a legislação infraconstitucional e também a própria Constituição Federal. Foram, enfim, expostos os mesmos fundamentos apontados pela entidade anteriormente analisada. Ressalta-se, não obstante, a importância dos pareceres juntados aos autos para a correta decisão do caso. Como principal informação nova trazida por essa entidade tem-se o fato de que, até o momento daquela manifestação, já se tinha notícia de mais de 100.000 (cem mil) ações que versavam sobre a mesma temática, razão pela qual, a entidade reforçou que se configurava, verdadeiramente, a chamada “indústria do dano moral”.



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6.2.1.4.

Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN

A manifestação da Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN revela-se extremamente sucinta, tendo apenas uma única lauda (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2013, p. 973), na qual defendeu que o sistema Credit Score é uma ferramenta estatística que não se pode confundir com uma base de dados, sendo apenas o resultado de uma análise de variáveis que permitem prever a possibilidade de inadimplemento de determinado consumidor. Sustentou, outrossim, que o Credit Score tem grande importância para o mercado de consumo brasileiro, visto que permitiria uma “maior responsabilidade na concessão de crédito; prevenção do superendividamento; melhoria no cenário de risco de inadimplência, incentivando assim a redução de spreads” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2013, p. 973). Ademais, argumentou que a responsabilidade pela legalidade dos dados consultados seria da empresa mantenedora daqueles dados, cabendo-lhe o respeito às normas do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor e da súmula 359 do STJ.

6.2.1.5.

IDV – Instituto para Desenvolvimento do Varejo

A última entidade a se manifestar na qualidade de amicus curiae, o IDV – Instituto para Desenvolvimento do Varejo trouxe uma manifestação com um ponto de vista diverso dos anteriormente apresentados, decorrente de não operar nenhum sistema similar, isento, portanto, de interesse direto na causa comentada. A entidade teceu alguns comentários sobre o sistema Score, ressaltando, assim como as outras entidades, tratar-se de um sistema estatístico, cujo desenvolvimento por empresas especializadas retira da empresa o custo de realizar referidas análises, o que contribuiria para uma melhoria geral nos preços dos serviços pela diminuição dos custos envolvidos. Fato de destaque encontrado nesta manifestação diz respeito às fontes consultadas pelas empresas que fornecem o serviço de Score – em nenhuma manifestação das empresas envolvidas na demanda, foram informadas quais as efetivas fontes dos dados analisados. Para



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melhor compreensão, apresenta-se fragmento da manifestação que demonstra a quantidade de fontes consultadas para a formação do Score:

Figura 2: Fragmento da página 1.038 do Recurso Especial nº. 1.419.697/RS.

Ressaltou, ainda, a entidade que a política de concessão de crédito depende de cada empresa que se utiliza do sistema Score e que pode variar, severamente, entre duas empresas do mesmo ramo, levando à aceitação do financiamento por uma empresa e a negativa por outra, no mesmo dia.

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Finalizou sua manifestação reforçando a importância das ferramentas de análise de risco para a diminuição das taxas de inadimplência no país. Ademais, para a garantia do funcionamento de diversas empresas que se utilizam do sistema, uma vez que, caso tivessem que empregar funcionários para realizar a função do sistema Score, suas operações se tornariam economicamente inviáveis.

6.2.2. Dos argumentos expostos na audiência pública

Apresentam-se, de forma resumida, os posicionamentos apresentados pelas diversas entidades que participaram da audiência pública. Em sua maioria, as explanações foram orais, algumas acompanhadas de recursos multimídia, mormente o uso de slides, tendo sido poucas as entidades que se fizeram acompanhar de memoriais escritos. Opta-se por apresentar os posicionamentos esposados pelas entidades na mesma ordem em que foram produzidos na audiência pública. Cumpre ressaltar que, em razão da quantidade de entidades envolvidas na audiência pública e da especificidade do tema analisado, os argumentos apresentados, após determinado tempo, passaram a se repetir. Não obstante, opta-se por apresentá-los de toda sorte, de modo a melhor situar o leitor acerca do que foi defendido por cada entidade presente.

6.2.2.1.

Ministério Público Federal

Por questões regimentais, antes do início das apresentações agendadas para a audiência pública, foi passada a palavra ao representante do Ministério Público Federal com assento naquela seção, o Subprocurador-Geral da República, José Eleares Marques Teixeira. Em rápido registro, o representante manifestou-se no sentido de alinhar o seu posicionamento, enquanto representante também da Terceira Câmara de Revisão do Ministério Público Federal, ao posicionamento da Secretaria Nacional do Consumidor porquanto reconhecem diversas vantagens no uso de sistemas de classificação de risco de crédito, em especial, na possibilidade de redução das taxas de juros e o consequente aumento na possibilidade de obtenção de crédito pelos cidadãos brasileiros.

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O expositor reconheceu, então, que a problemática no uso dos sistemas de modelagem e análise de risco reside em dois pontos fulcrais, “primeiro, falta de transparência dos modelos de Credit Scoring no Brasil e, segundo, alegada utilização de dados antigos alcançados pelo prazo de cinco anos, que deveriam ter sido excluídos do cadastro” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2014c, p. 251). Ressaltou que a utilização do Credit Scoring pode ser harmonizada com a proteção constitucional do consumidor, bastando, para tanto, que os fornecedores deste tipo de serviço se adequem ao que fora preceituado no artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor 21 , garantindo ao consumidor uma total transparência acerca dos dados utilizados e valorados para a construção de seu score, de modo a permitir, ainda, a verificação de eventuais violações pelo uso de dados prescritos ou mesmo de cunho subjetivo e irrelevante para a avaliação de risco de crédito. Por fim, o expositor demonstrou a possibilidade de participação efetiva do Banco Central – ante a sua experiência na análise de riscos com objetivo de garantir a estabilidade do Sistema Financeiro Nacional – na construção de rotinas e de procedimentos necessários para a garantia da transparência da análise de risco e do relacionamento das entidades para com os consumidores. Tais rotinas e procedimentos serviriam como um norte a ser utilizados pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor para a criação de diretrizes e manuais de boas práticas, a serem direcionados a as entidades que se utilizem de sistemas de análise de risco.

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Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. § 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele. § 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas. § 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público. § 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores. § 6° Todas as informações de que trata o caput deste artigo devem ser disponibilizadas em formatos acessíveis, inclusive para a pessoa com deficiência, mediante solicitação do consumidor. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 13.146, de 2015, em vigor após 180 dias de sua publicação)



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6.2.2.2.

Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Distrito Federal

A primeira entidade instada a se manifestar nos painéis da Audiência Pública foi representada pelo presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/DF, Fernando Martins, o qual deixou claro, desde o início, ser contrário à utilização do sistema Score. Nesse sentido, o expositor buscou primeiro diferenciar os bancos de dados negativos e positivos, de modo a caracterizar o Score como uma terceira via no armazenamento de dados de consumo. Em seu entendimento, por se tratar de uma terceira via, sem respaldo de lei que autorize ou mesmo discipline o seu funcionamento, não se pode aceitar sua utilização, uma vez que os cadastros positivos e negativos de crédito já seriam por demasiado suficientes para mitigar o risco da concessão de credito. Para a entidade representada pelo expositor, é necessário entender o sistema Score como um banco de dados, razão pela qual se faz imperiosa a aplicação do já citado e transcrito artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor, em especial, dos preceitos trazidos em seu parágrafo primeiro, que traça, como requisitos essenciais de qualquer tipo de banco de dados envolvidos em relações de consumo, a veracidade, a objetividade e a clareza das informações ali lançadas. Pela explanação, percebe-se que a própria transparência já não é respeitada quando se verifica a extrema dificuldade para que o consumidor tenha acesso ao seu Score, visto que não é divulgada a forma de obtenção destas informações. Esse fato é reforçado pela confidencialidade exigida pelos fornecedores dos serviços de Score, tanto no uso do sistema quanto na divulgação das informações existentes acerca de qualquer consumidor consultado. A ausência de transparência automaticamente acaba por impedir o respeito aos demais preceitos do parágrafo primeiro do artigo 43, uma vez que obsta ao consumidor verificar se os dados valorados são, de fato, verídicos, objetivos e claros. Ressaltou o expositor que o sistema é fundado em obscuridade, tanto das formas de funcionamento quanto dos dados consultados, não sendo possível, em momento algum, confirmar a qualidade dos dados utilizados e, principalmente, o respeito à finalidade dos dados consultados.



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Explica-se. A alegação das empresas fornecedoras dos sistemas de Score é que a consulta se dá a bancos de dados públicos ou cuja captação tenha sido autorizada pelo consumidor, porém, sem que este conheça quais são os dados e as bases consultadas, pelo que não pode ter a certeza de que o dado foi fornecido com a finalidade de “análise de risco para concessão de crédito”. A explanação foi arrematada com o destaque ao desrespeito também ao Marco Civil da Internet– Lei nº. 12.965/2013 – já abordado neste trabalho, uma vez que, no curso do processo em análise, as empresas operadoras de sistemas de Score alegam se utilizar de “diversos dados públicos”, sendo alguns destes retirados da Internet. Desse modo, deve-se garantir o respeito ao inciso IX do artigo 7º da referida lei, o qual preceitua a exigência de “[...] consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma destacada das demais cláusulas contratuais;” (BRASIL, 2014a).

6.2.2.3.

Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro foi representada, na audiência pública, pelos defensores Larissa Davidovich e Fábio Ferreira da Cunha, que apresentaram memoriais escritos, cujos principais pontos ora se destacam. A entidade mostra-se contrária à utilização do sistema Score, inicialmente, traçando uma conceituação das atividades envolvidas na concessão do crédito e, em seguida, apresentando os conceitos legais de banco de dados e de gestor, presentes na Lei do Cadastro Positivo de Crédito (BRASIL, 2011).Para os expositores, ao contrário do que as empresas fornecedoras dos serviços alegam, a atividade de entregar uma análise de risco já seria suficiente para a subsunção aos termos do inciso II do artigo 2º da Lei nº 12.414/2011. O contraponto defendido pelos fornecedores do serviço reside no fato de que a atividade de avaliação não armazena dados, os quais seriam consultados em tempo real, razão pela qual não haveria que se falar em aplicação da Lei nº 12.414/2011.



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A entidade expositora fundou seu entendimento no julgamento do Recurso Repetitivo nº. 1.339.313/RJ22, oportunidade em que o STJ considerou desnecessário o preenchimento de todos os verbos de determinado artigo de lei para a caracterização do serviço de esgoto.Com isso, entende a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ser possível a classificação das empresas fornecedoras de serviço de Score na categoria de “gestoras de bancos de dados”, nos termos da Lei do Cadastro Positivo de Crédito. Outro ponto também destacado pela entidade, assim como por sua antecessora, diz respeito à confidencialidade das informações utilizadas e de seu resultado, visto que, conforme demonstrado na exposição, o próprio contrato de fornecimento do serviço impõe ao utilizador, consulente, a divulgação dos resultados obtidos, mesmo que diretamente, ao consumidor consultado, a saber: Cláusula 6.4.: "Por tratar-se de um serviço em fase de teste, a contratante não poderá, em hipótese alguma, fornecer, seja qual for a forma, ao próprio consumidor ou a terceiros as informações obtidas através da consulta ao SPC-Credit Scoring". Também é totalmente vedado à contratante informar, seja qual for a forma e a quem quer que seja, a existência, o resultado da consulta e a utilização, bem como a celebração do presente instrumento. (SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTIÇA, 2014c, p. 264–265, sic) A entidade arrematou sua participação atentando para o fato de que a análise de dados pessoais dos consumidores tem grande potencial ofensivo, principalmente, para sua honra,

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ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SERVIÇO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COLETA E TRANSPORTE DOS DEJETOS. INEXISTÊNCIA DE REDE DE TRATAMENTO. TARIFA. LEGITIMIDADE DA COBRANÇA. 1. Não há violação do artigo 535 do CPC quando a Corte de origem emprega fundamentação adequada e suficiente para dirimir a controvérsia. 2. À luz do disposto no art. 3o da Lei 11.445/2007 e no art. 9o do Decreto regulamentador 7.217/2010, justificase a cobrança da tarifa de esgoto quando a concessionária realiza a coleta, transporte e escoamento dos dejetos, ainda que não promova o respectivo tratamento sanitário antes do deságue. 3. Tal cobrança não é afastada pelo fato de serem utilizadas as galerias de águas pluviais para a prestação do serviço, uma vez que a concessionária não só́ realiza a manutenção e desobstrução das ligações de esgoto que são conectadas no sistema público de esgotamento, como também trata o lodo nele gerado. 4. O tratamento final de efluentes é uma etapa posterior e complementar, de natureza sócio-ambiental, travada entre a concessionária e o Poder Público. 5. A legislação que rege a matéria dá suporte para a cobrança da tarifa de esgoto mesmo ausente o tratamento final dos dejetos, principalmente porque não estabelece que o serviço público de esgotamento sanitário somente existirá quando todas as etapas forem efetivadas, tampouco proíbe a cobrança da tarifa pela prestação de uma só́ ou de algumas dessas atividades. Precedentes: REsp 1.330.195/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 04.02.2013; REsp 1.313.680/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 29.06.2012; e REsp 431121/SP, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 07/10/2002. 6. Diante do reconhecimento da legalidade da cobrança, não há o que se falar em devolução de valores pagos indevidamente, restando, portanto, prejudicada a questão atinente ao prazo prescricional aplicável as ações de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto. 7. Recurso especial provido, para reconhecer a legalidade da cobrança da tarifa de esgotamento sanitário. Processo submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ.



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justamente em razão do desconhecimento, pelos consumidores, acerca dos dados valorados, o que vai de encontro a outras iniciativas de Score no Direito Comparado, segundo as quais o consumidor participa ativamente no desenvolvimento e no melhoramento de sua nota.

6.2.2.4.

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC

Representado pelo advogado Walter Faiad de Moura, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC veio apresentar uma posição não polarizada da questão, uma vez que não se colocou como contrário à utilização do sistema Score, mas também não concordou com a forma como vem sendo empregado e, principalmente, implementado no mercado de consumo sem o conhecimento do consumidor. Mais uma vez, percebe-se que a questão central entre as manifestações contrárias reside na problemática da falta de transparência da utilização do serviço, seja para fins de esclarecer o consumidor acerca de sua existência e forma de utilização, seja para cientificar o consumidor acerca da análise a ele conferida e dos dados valorados para na avaliação. O expositor destacou o histórico dos sistemas de análise de crédito, conceituando-os não como um serviço autônomo, mas sim, no início do seu uso, como uma ferramenta da atividade bancária, uma parte fundamental da atividade dos bancos. Com a massificação do crédito, e, em especial, pelo deslocamento da concessão de crédito dos bancos para os varejistas, o sistema de análise de risco não mais poderia ser intrínseco à atividade, fosse pela impossibilidade financeira para criar um setor/sistema a esta dedicado, fosse pelo efetivo desconhecimento da matéria, totalmente estranha a sua atividade fim. Deste modo, por se tratar o Score de um serviço prestado no mercado de consumo, o expositor entende que é necessário compreender a atividade como de gestão de banco de dados, razão pela qual se faz necessária, além da já citada transparência e, por conseguinte, legalidade dos dados utilizados, a promoção de uma intensa participação dos consumidores na elaboração da pontuação, visando à sua constante melhoria e, de forma indireta, a uma melhoria também de todo o mercado de consumo, com a concessão de crédito a juros mais baixos.



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6.2.2.5.

Associação Nacional de Informação e Defesa do Consumidor – ANDICON

A entidade foi representada, na audiência pública, pelos advogados Remi Molin e Deivti Dimitrios. Em sua exposição, também contrária à utilização do sistema Score, a entidade iniciou com uma crítica aos pareceres anexados aos autos, da lavra do ex-ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior e do professor Nelson Nery Junior. Referidos documentos, na visão da entidade, apenas reforçam a necessidade de aplicação dos preceitos do Código de Defesa do Consumidor e da Lei do Cadastro Positivo de Crédito aos sistemas de análise de risco, pois, segundo ambos os pareceres, os serviços efetuam suas análises com base em bancos de dados. Ainda sobre os pareceres, a entidade criticou o fato de que, segundo os escritos, as análises geram avaliações estatísticas para grupos de consumidores, encaixando o requerente do crédito num desses grupos, não se tratando, portanto, de uma avaliação individual. Entretanto, no entendimento da entidade, ao se atribuir a nota a um consumidor, servindo tal informação para a concessão ou não de crédito, a avaliação torna-se personalíssima, pelo que é necessário dar pleno conhecimento de suas condições aos consumidores pontuados, o que retoma, mais uma vez, a questão da transparência na utilização destes serviços. A segunda parte da exposição enfrentou questões de fato, em especial, relativas ao cabimento ou não de indenização por danos morais causados pela avaliação dos consumidores sem seu conhecimento; se tal dano haveria de ser considerado in re ipsa; e, por fim, se se poderia falar em requisitos para o reconhecimento do dano. Em razão do corte epistemológico, todavia, por não consistir no objeto de estudo deste trabalho, não serão tecidos maiores comentários sobre esta parte da exposição.

6.2.2.6.

Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República - SMPE/PR

Representada por José Levi Mello do Amaral Júnior, a entidade iniciou o painel dos que se colocavam contrários à utilização do sistema Score. A apresentação foi estruturada em quatro pontos chaves: (i) justificativa quanto à participação da entidade; (ii) narrativa acerca do

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sistema Score; (iii) juízo de valor sobre o sistema; e (iv) conclusão com a demonstração de aspectos constitucionais para sua utilização. Destacou o interesse da entidade em participar da audiência pública, por ser esta responsável por promover o tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas, conforme orientação constitucional 23 , e, por serem os micro e pequenos empresários os principais utilizadores dos serviços terceirizados de análise de risco. A presença da entidade tornou-se imperiosa, visto entender ser um requisito essencial no desenvolvimento das atividades desses empreendedores, possibilitando, então, o oferecimento de crédito de forma mais confiável e barata. No segundo momento, o expositor passou a discorrer sobre a formação do Score. Demonstrou que a formação do Score acontece com ouso de três conjuntos de dados: (a) informações de bancos de dados negativos (negativações); (b) dados públicos e de acesso público; e (c) dados fornecidos pelo próprio consumidor quando da contratação. O primeiro conjunto de dados dispensa maiores digressões por ser de conhecimento geral de toda a população. Sobre os segundo e terceiro conjuntos de dados, importante trazer a manifestação do expoente: Eles são, em essência, o quê? Comprovante de renda, profissão, idade, CPF, RG, título de eleitor, dados de censo, CEP, escolaridade, dados comportamentais, por exemplo, quantas vezes o consumidor em questão buscou crédito, o seu respectivo histórico de adimplência, se teve ou não títulos protestados, eventual número de cheques sem fundo emitidos, existência ou não de ações judiciais. (SUPERIOR TRIBUNAL

DE JUSTIÇA, 2014c, p. 288) Arrematou o ponto conceituando o Score como uma análise desses dados em que o consumidor será, então, agrupado com outros consumidores com perfis iguais ou semelhantes, e aos quais serão atribuídas notas acerca do seu provável comportamento no mercado de crédito. Passando ao terceiro ponto da exposição, qual seja, a emissão de um juízo do valor acerca do sistema Score, a entidade defendeu que não há desrespeito ao artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor, visto que a análise não armazenaria dados, apenas compararia o perfil do consumidor com o perfil de outros consumidores e tentaria prever o comportamento daquele 23

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. (MORAES, ALEXANDRE DE, 2005, p. 1993)



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analisado no mercado futuro de crédito. Ressaltou, ainda, que o respeito ao artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor deve partir sim daqueles que mantem os bancos de dados consultados pela ferramenta de Score. Por fim, em sua manifestação conclusiva, a entidade teceu breves comentários sobre a constitucionalidade do sistema, em especial, com relação a uma possível ofensa à privacidade ou à intimidade do consumidor brasileiro, o que foi rechaçado pela entidade, uma vez que, conforme seu posicionamento, não existe manipulação de dados que não aqueles autorizados à coleta por lei ou os que foram fornecidos pelo próprio consumidor. Segundo o expositor, não há que se aplicar o conceito de legalidade/conformidade para o empreendedor, sob risco de acabar com as novas iniciativas de mercado, cabendo àquele, tão somente, o respeito à legalidade/compatibilidade, que permite a este realizar tudo o que a lei não proíba.

6.2.2.7.

Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

Representada pelo promotor de justiça Leonardo Roscoe Bessa, a entidade, embora listada como favorável ao uso do sistema Score, ressaltou que tampouco pode polarizar seu posicionamento, a exemplo do que fora apresentado pelo IDEC, principalmente em função do próprio expositor, expoente doutrinário na proteção dos dados pessoais dos consumidores e de sua intimidade no mercado de consumo. Iniciou a exposição com um breve relato histórico sobre as formas de análise de risco do mercado brasileiro e sobre o surgimento de entidades especializadas no fornecimento destas informações, representada na figura da primeira delas, o Sistema de Proteção ao Crédito de Porto Alegre, criado em 1955. Ato contínuo, o expositor discorreu sobre a importância do Score como ferramenta para assegurar a melhoria do crédito em todo o país, gerando divergência em relação a sua posição favorável ao uso da ferramenta. Demonstrou a importância também da participação do consumidor e do varejista na concessão do crédito e, principalmente, na construção de um melhor perfil de consumo – um trabalho conjunto com vistas à melhoria do mercado, garantindo



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que o consumidor não será unicamente julgado por um software, em consonância com o inciso VI do artigo 5º da lei nº 12.414/201124. Outrossim, o expositor demonstrou que o fundamento jurídico para o sistema Score já existe, encontrando-se no artigo 5º, inciso IV, da lei do Cadastro Positivo de Crédito, ao dispor que [são direitos dos cadastrados] “conhecer os principais elementos e critérios considerados para a análise de risco” (BRASIL, 2011).Daí, pode-se inferir a autorização legal para o funcionamento dos sistemas de análise de risco, bastando que estes estejam em acordo com a regra geral dos bancos de dados de consumo (artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor) bem como com o previsto no próprio inciso destacado: a garantia de ciência ao consumidor sobre os principais elementos e critérios utilizados no cálculo de sua nota. A participação foi encerrada com seis pontos conclusivos, quais sejam: (i) os sistemas de Score devem seguir os preceitos do Código de Defesa do Consumidor e da Lei do Cadastro Positivo de Crédito; (ii) os dados devem ser obtidos de forma legítima – se negativos, com a comunicação prévia; se positivos, com o consentimento prévio do consumidor; (iii) deve ser franqueado aos consumidores o acesso às informações que alterem sua nota, assim como ao peso daquelas no cálculo final; (iv) deve ser garantida a possibilidade de questionamento, pelo consumidor, acerca das informações utilizadas e de sua nota, com o objetivo de, eventualmente, modificá-las; (v) deve ser proibida a negativa de crédito por decisão exclusivamente automatizada; e (vi) o desrespeito a qualquer dos critérios anteriores consiste em ofensa à personalidade do consumidor, passível de indenização (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2014c, p. 297).

6.2.2.8.

Serviço de Proteção ao Crédito/SC

Representada por Rodrigo Titericz, a entidade trouxe a ideia, anteriormente demonstrada, de que o sistema Score não pode ser confundido com um banco de dados, por tratar-se, na verdade, de uma ferramenta adicional essencial para pequenos empreendedores na concessão do crédito no mercado de consumo.

24

[…]VI - solicitar ao consulente a revisão de decisão realizada exclusivamente por meios automatizados [...] (BRASIL, 2011).



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Para a entidade, não existe proibição legal quanto ao uso de ferramentas de análise de risco para a concessão de crédito, de ferramentas de modelagem matemática e estatística. Ao contrário do previsto no Cadastro Positivo de Credito, no qual existe uma avaliação personalíssima, individual para cada consumidor, no Score, os consumidores são agrupados de acordo com similitudes em seus dados consultados (idade, sexo, escolaridade, etc.) e sua eventual probabilidade de se tornarem inadimplentes em determinado lapso temporal, considerados casos anteriores enfrentados pelas empresas para aquele determinado grupo. Ressaltou, ainda, que a concessão de crédito não depende exclusivamente do Score; que a nota é apenas um fator que o varejista irá considerar quando da sua análise, podendo ser negado o crédito a uma pessoa de altíssimo Score ou concedido o crédito a uma pessoa cujo Score esteja no grupo daqueles de alto risco de inadimplência. Alegou que a nota atribuída pode ser objeto de discussão entre o varejista e seu consumidor, o qual pode receber orientação sobre como melhorar essa pontuação. Por fim, destacou que a atividade de fornecimento do serviço de análise de risco – Score – deve ser considerada constitucional, em respeito ao princípio da livre iniciativa insculpido no artigo 170 do texto constitucional.

6.2.2.9.

Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN

Representada por Marcos de Barros Lisboa, a FEBRABAN vem se somar ao coro das entidades favoráveis ao uso do sistema Score, munida de diversas informações estatísticas acerca do uso de sistemas similares em todo o mundo e dispondo de argumentos no sentido de tratar-se de um modelo estatístico e não de um banco de dados. Defendeu, também, que é um sistema que visa mitigar a existência de risco na concessão de crédito no mercado varejista, representando, em ultima ratio, uma vantagem ao consumidor, seja pela maior oferta de crédito, seja pela diminuição das taxas de juros praticadas no mercado de consumo. Ressaltou, por fim, que uma solução para a problemática apresentada pelos defensores da proibição do sistema Score seria a regulamentação estatal acerca dos dados que efetivamente

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poderiam ou não compor a análise de risco de crédito, a partir do que haveria fiscalização contra eventuais excessos pelos fornecedores dos serviços de análise de crédito.

6.2.2.10. Serasa Experian S/A

Representada por Fabiano Robalinho Cavalcanti, a entidade também se juntou à defesa do uso do sistema Score, destacando, assim como as entidades anteriores, que não se trata de um banco de dados, mas de uma ferramenta de análise de riscos, desenvolvida com base em cálculos matemáticos e dados públicos ou autorizados pelo consumidor. Discorreu sobre a multiplicidade de fontes consultadas, afirmando não existir um padrão único de consulta – tudo dependeria, segundo o representante, da modelagem requerida pelo comerciante contratante do serviço, uma vez que, para determinados ramos de atividades, alguns dados valorados podem ter mais peso que outros e vice-versa. O expositor também reforçou que não seria razoável acreditar que referida modelagem de cálculo vá se utilizar de dados prescritos, como negativações com mais de cinco anos, haja vista que tais dados seriam inúteis ao cálculo, por não representarem mais a realidade do consumidor consultado. Este argumento reforçaria a ideia de que não seria realizado, por parte dos mantenedores do sistema, armazenamento de dados pessoais, com o que estaria afastada a tese de ser o Score um banco de dados irregular. Conforme o representante, o Score seria muito mais próximo de uma fotografia instantânea das condições creditícia do consumidor, passível de modificação em questão de segundos. Finalizou sua exposição com questões atinentes à realidade dos mais de 120.000 (cento e vinte mil) processos judiciais existentes que questionam o Score, muitos dos quais fundando suas pretensões em Scores emitidos pelos próprios escritórios que patrocinam as ações, em flagrante desconfiguração da tese de que os consumidores demandantes teriam sofridos danos por haverem tido seu crédito negado no mercado de consumo.



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6.2.2.11. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON

Iniciando o terceiro painel da Audiência Pública, sendo o último favorável à utilização do Score, Bruno Miragem representou o BRASILCON, e, assim como o IDEC e o MPDFT, apresentou-se como favorável e contrário ao uso do sistema Score. Primeiramente, o expositor defendeu a necessidade de entender que o artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor não versa apenas sobre bancos de dados negativos de consumo, e sim sobre bancos de dados e cadastros em geral que guardem interesse com relações de consumo ou com informações sobre consumo, pelo que deve o dispositivo legal ser entendido com norma geral. Já a lei nº 12.414/2011, ressaltou, deve ser entendida, não como traduz a sua retórica midiática, de Cadastro Positivo de Crédito, já tratada neste e em outros trabalhos (CUNHA E CRUZ; OLIVA, 2014a, b, c), mas, “rigorosamente, [como uma lei] sobre a formação e consulta de bancos de dados com informação de adimplemento para fins de formação de histórico de crédito.” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2014c, p. 320–321). Com relação à espécie jurídica a ser definida para a ferramenta Score, o expositor defende que deve ser entendida como banco de dados, sujeito às regras do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor, ou mesmo um banco de dados sobre informações de crédito, hipótese na qual deveria se somar o artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor à Lei nº 12.414/2011. Por outro lado, ainda que seguindo pela teoria das entidades anteriores, de que não seria um banco de dados, mas uma ferramenta, ainda assim, sustentou o expositor, trata-se de uma ferramenta sobre bancos de dados, razão pela qual não se pode afastar o artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor e a Lei nº 12.414/2011. Além disso, refutou a posição apresentada por outros expositores, no tocante à temporalidade dos dados, quando alegaram não terem utilidade alguma, para o cálculo, informações com mais de 5 (cinco) anos – prazo prescricional da anotação de inadimplência. Para Bruno Miragem, se assim fosse, não haveria motivo para o prazo de 15 (quinze) anos previsto na Lei nº 12.414/2011.Ademais, ressaltou que não tem condições de afirmar que existe

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o uso de informações com mais de 5 (cinco) anos. Por outro lado, disse não pode aceitar que referidas informações seriam imprestáveis para os cálculos. Por essa razão, relacionando a questão à transparência, defendeu que as fontes de consulta devem, assim como defendido por outros, ser informadas e esclarecidas aos consumidores. O representante ressaltou que toda a problemática enfrentada na demanda decorria, na realidade, da falta de unidade normativa acerca da proteção dos dados pessoais, o que, caso existisse, permitiria uma efetiva regulamentação estatal sobre bancos de dados que se utilizam desse tipo de informações, uma vez que todos os dados utilizados pelos sistemas de Score estariam sim sujeitos à regulamentação clara e transparente do Estado. Por fim, o derradeiro ponto de preocupação: a utilização de dados relativos a demandas judiciais movidas pelos consultados como um dos parâmetros para a formação de seu Score. Segundo o expositor, seria o caso de aplicar-se o artigo 37, VII do Código de Defesa do Consumidor, de modo a considerar prática abusiva e lesiva ao consumidor a utilização desses dados em sua pontuação, pois, como já sedimentado em precedentes do Superior Tribunal de Justiça, o exercício de direitos não pode surtir efeitos depreciativos para seu titular.

6.2.2.12. Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas – CNDL

Representada por Nival Martins da Silva Junior, a entidade não trouxe nenhuma informação fundamentalmente diferente do que fora tratado até então. Centrou sua exposição na ideia de que a concessão de crédito é uma atividade de risco, o qual só pode ser mitigado pela confiança entre as partes envolvidas no contrato. Por esse motivo, torna-se importante, para o fornecedor, dispor do maior número possível de informações acerca de determinado consumidor antes de efetivamente contratar com este. Nesse cenário, destacou a importância do Score, não como fator determinante para a concessão do crédito, mas sim como mais um dado à disposição do fornecedor sobre o consumidor que busca o crédito no mercado. Ressaltou, ainda, que a maior parte das informações tratadas pelos sistemas de Score originam-se do próprio consumidor, ao realizar a proposta de contratação, ou seja, são informações providas por ele mesmo para a análise do risco de inadimplemento.

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A entidade defendeu que o Score é ferramenta essencial para o desenvolvimento do mercado, uma vez que auxilia o comerciante a melhor dispor o seu “ponto de corte”, quando deve ou não fornecer o crédito ao consumidor. Como arremate, também destacou, como declarado em exposições anteriores, que não há armazenamento de dados, muito menos uma fórmula única, visto que variantes vão sendo ajustadas em decorrência da atividade desenvolvida pelo varejista usuário do sistema.

6.2.2.13. Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre - CDL/RS

Representada por Fernando Smith Fabris, a entidade limitou-se a discorrer acerca de ação coletiva movida em 2010, em face da instituição, pela existência de suposto “banco de dados obscuro”, que se tratava, na realidade, do sistema Score. Naquela oportunidade, a empresa fora condenada a cientificar todos os consumidores que tivessem interesse em conhecer a sua nota. A entidade, então, questionou o real interesse na transparência por parte dos consumidores, pois, na ação acima referida, após a sentença, apenas 40 consumidores, em todo o estado do Rio Grande do Sul, efetivamente buscaram a entidade para conhecer seu Score. Este fato, segundo exposto, refutou a dita necessidade de transparência do sistema.

6.2.2.14. Banco Central do Brasil – BACEN

A entidade foi representada por seu Procurador-Geral, Isaac Menezes Sidney Ferreira, que buscou demonstrar que a análise de risco na concessão de crédito decorre de exigências do próprio mercado financeiro, interno e externo, principalmente, após a celebração dos “Acordos de Basiléia”, os quais, entre outras modificações nos sistemas bancários, apresentaram a condicionante do uso de ferramentas para mitigar o risco. A existência do Score decorreria de uma imposição pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, visto que a ausência de uma ferramenta de análise de crédito e mitigação dos

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riscos envolvidos na atividade tornaria o próprio produto ou serviço defeituoso, como consequência de um grau de risco incompatível com a proteção do consumidor brasileiro. Ao mitigar o risco do fornecimento de produtos e serviços, as empresas de crédito garantiriam, assim, um mercado mais seguro para todos os consumidores. A entidade finalizou seu posicionamento reforçando a ideia de que existe transparência sim no sistema Score, pois o próprio consumidor é quem melhor conhece sua realidade financeira e sabe, inclusive, mais do que qualquer fornecedor munido de ferramentas de análise de crédito.

6.2.2.15. Dr. Fabiano Garcia Severgini (Pelo recorrente Acivaldo Roger Pereira Ferreira)

Iniciando o último painel da audiência pública, voltando às entidades que defendem a proibição do uso do Score, manifestou-se um dos recorrentes, Acivaldo Roger Pereira Ferreira, representado por Fabiano Garcia Severgini. Na visão do recorrente, os sistemas de Score, ao contrário do que fora exposto pelos seus defensores, não trazem benefícios aos consumidores, muito menos para os fornecedores, micro ou pequenos empreendedores, mas tão somente para os fornecedores do serviço em si, que lucram diariamente com as consultas realizadas em seus sistemas. O recorrente explicou que o dano ao consumidor é causado, justamente, pela falta de transparência do sistema, que não lhe permite conhecer sua nota, nem, muito menos, conhecer os métodos capazes de melhorá-la. Reforçou esse posicionamento com as próprias informações lançadas pelas entidades favoráveis ao uso do Score, nas quais, por exemplo, dados do IBGE, como características do bairro de residência do consumidor, são valorados e pesam de forma desconhecida na nota atribuída ao consumidor. Sem a devida transparência, o consumidor não encontra condições de conhecer esses dados para, então, buscar uma melhorá-los. Para os micro e pequenos empreendedores, o recorrente ressaltou que os danos são causados, justamente, pela mesma falta de transparência, pois, ao confiarem cegamente num sistema cujas fórmulas de julgamento desconhecem, acabam, muitas vezes, por negar crédito a

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consumidores que talvez pudessem ter condições de adimpli-los. Com isso, deixam de realizar um negócio por conta de uma formação incompleta e obscura, fornecida pelas mantenedoras dos sistemas de avaliação de risco, que lucram todas as vezes que consultas são realizadas em suas bases de dados. Para o recorrente, todos perdem quando o crédito é negado ao consumidor, tanto os pequenos varejistas quanto o próprio mercado brasileiro. Os micro e pequenos empreendedores estariam sendo induzidos a erro ao negarem o crédito com base numa análise estatística completamente obscura. Finalizou trazendo à audiência publica a ideia, já debatida neste trabalho, de autodeterminação informativa, seja pelo consumidor, seja pelos fornecedores usuários desses serviços, o que levaria a uma melhoria na qualidade geral do crédito.

6.2.2.16. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor Bancário – IBDCONB

Representada por Luciano Duarte Peres, a entidade trouxe ao debate a questão dos resultados propagandeados pelas entidades que gerenciam os sistemas de Score, segundo os quais o uso desse tipo de sistema seria responsável por ajudar a diminuir as taxas de juros do mercado brasileiro. Conforme demonstrado pelo representante da entidade, até o momento, não se havia verificado nenhuma modificação positiva no mercado brasileiro decorrente da utilização de ferramentas de análise de crédito. Na realidade, acontecia um crescente aumento nas taxas de juros e, por conseguinte, um aumento da lucratividade das entidades financeiras. Ressaltou, ainda, que, conforme informado pelas empresas que fornecem serviços de análise de crédito, em um ano, são realizadas mais de 500 (quinhentos) milhões de consultas aos sistemas. Lembrou que todas essas consultas são pagas e geram lucratividade apenas para as empresas que administram os sistemas. Questionou, então, a falta de transparência acerca deste fato e, principalmente, a ausência de comprovação de melhorias no mercado de consumo,



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em especial, com menores taxas de juros, como tão defendido pelas empresas mantenedoras desses sistemas.

6.2.2.17. Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos – COBAP

A entidade foi representada por Antônio Celso Nogueira Leiria, que iniciou sua exposição reconhecendo a importância de ferramentas como o Score para garantir melhoria e maior segurança na concessão do crédito no mercado de consumo. A entidade questionou a qualidade e a relação entre os dados utilizados e a efetiva concessão de crédito ao consumidor. Como exemplo, utilizou um conjunto de dados já tratados anteriormente, quais sejam, dados obtidos junto ao IBGE, para questionar qual o real impacto destes dados para a concessão de crédito e, principalmente, qual a real validade destes dados; estaria sendo criada uma verdadeira discriminação entre consumidores com base em seu local de residência? Ressaltou, também, a falta de respeito aos princípios básicos de um Estado Democrático de Direito, tais como o direito ao contraditório, à ampla defesa e à transparência. Ao ser atribuída uma nota e sendo esta fator de análise para concessão do crédito, o consumidor deve ter conhecimento dos fatores que geram essa nota, a fim de poder questionar a validade e a qualidade dos dados utilizados. Finalizou a exposição externando a preocupação da entidade com a insegurança acerca do julgamento das informações coletadas para a formação do Score, já que a avaliação, com base num mesmo conjunto de dados, pode mudar, radicalmente, de uma operadora para a outra.

6.2.2.18. Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Mato Grosso do Sul



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Representada pelo Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor daquela Seccional, Leandro Amaral Provenzano, a entidade reforça o entendimento daqueles que consideram o Score uma ferramenta importante para o mercado, porém, obscura em sua forma e em seu uso, o que torna o sistema extremamente perigoso para os consumidores brasileiros. Um ponto de destaque na exposição da entidade disse respeito ao questionamento feito acerca dos responsáveis pelos bancos de dados consultados pelo sistema Score, uma vez que, durante todo o curso do processo que deu origem ao Recurso Especial em análise, ou mesmo durante toda a audiência pública, em momento algum, as empresas mantenedoras dos sistemas de Score informaram efetivamente quais as fontes consultadas para a formação do Score, limitando-se a generalizar que seriam fontes públicas ou autorizadas pelo consumidor que busca o crédito no mercado de consumo. Dessa forma, no sentir da entidade, restaria prejudicado o direito do consumidor, de buscar eventuais indenizações por dados errados ou mesmo falsos, já que este consumidor não é informado sobre quais seriam as mantenedoras dessas informações. No mesmo sentindo, concluiu a seccional que, em razão do lucro obtido pelas empresas administradoras do sistema com as consultas realizadas, e com a recusa, por essas empresas, em efetivamente esclarecer os consumidores acerca das fontes consultadas, em sendo verificada a causação de um dano a um consumidor, a responsabilização deve, necessariamente, recair sobre a empresa operadora do sistema. A entidade concluiu que o sistema apresenta graves falhas, pois permite elevada manipulação por parte daqueles que conhecem seu funcionamento, relatando, como exemplo, o aumento do Score para aqueles que realizam diversas compras parceladas ou mesmo entre os que realizam diversas operações bancárias, promovendo, então, uma verdadeira deseducação financeira para os consumidores brasileiros.

6.2.2.19. Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul

Representada por Josane de Almeida Heerdt, a entidade apresentou sua abordagem por dois vieses: o primeiro, estritamente legalista; o segundo, focado no alcance social do uso do sistema Score.

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Do ponto de vista legal, a entidade sustentou que o sistema Score é sim um banco de dados, e, como tal, deve se sujeitar às exigências legais, em especial, às do parágrafo segundo do 43 do Código de Defesa do Consumidor. De igual modo, ressaltou a necessidade de transparência, como já demonstrado por diversos outros expositores, fazendo menção ao também já citado Recurso Especial número 1.422.256, no qual foi destacada a necessidade de transparência do sistema em análise. Além disso, embora o sistema tenha sido explicado por seus defensores como uma ferramenta que trabalha com o agrupamento de consumidores em categorias estatísticas, sempre de forma objetiva e não individualizada, essa alegação perdeu força diante do fato de que são valoradas no cálculo do Score informações personalíssimas, como a existência ou não de demandas judiciais ou protestos. Já do ponto de vista social, em especial, pela missão institucional da Defensoria Pública, a expositora ressaltou que não se pode aceitar a transferência do risco da atividade creditícia totalmente para o consumidor, por meio da atribuição de uma nota para cada um. Seria devido, sim, mitigar o risco do negócio, mas não com a transferência total desse risco para o consumidor. Sob este enfoque a entidade encerrou sua participação.

6.2.2.20. Proteste Associação de Consumidores

Representada por Maria Inês Dolci, a entidade defendeu as ideias já esposadas por outras entidades, quais sejam, a ilegalidade do sistema, em razão da falta de transparência, e a necessidade de respeito aos artigos 43 e 44 do Código de Defesa do Consumidor. No sentir da entidade, a simples existência dos sistemas de Score já viola a intimidade e a dignidade dos consumidores, desrespeitando os preceitos do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, inclusive, porque não se sabe, efetivamente, se existe a utilização de dados subjetivos de consumidor. Por fim, relembrou-se que a própria utilização dos dados referente às negativações do consumidor não pode ser aceita, uma vez que o consumidor, quando informado sobre a



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negativação, é cientificado apenas para esse fim e não para fins de compartilhamento para a criação de Score de crédito.

6.2.2.21. Associação Procopar

Representada por Josafar Augusto da Silva Guimarães, a entidade foi a última a expor seu posicionamento na audiência pública. Em síntese, apresentou os mesmos argumentos que outras entidades contrárias ao uso do Score: questionou sua real utilidade para o mercado brasileiro e também reforçou a ilegalidade do sistema, em razão de sua falta de transparência. Demonstrou que, de forma fácil, pode-se ter acesso ao Score atribuído a um consumidor e a diversas informações pessoais suas, o que se dá por meio de empresas que recebem as informações dos mantenedores dos sistemas de Score25, em flagrante violação à privacidade do consumidor brasileiro. A falta de transparência é reforçada, como dito alhures, pela ausência de divulgação das fontes consultadas para a formação do Score, sendo reforçada pela inexistência de explicação acerca do repasse de tais informações para outras entidades. Ressaltou, por fim, que não se pode aceitar que o Score seja uma ferramenta considerada essencial para a concessão do crédito, uma vez que, como entende a entidade, não a vida de um consumidor não pode ser resumida apenas aos momentos cadastrados naqueles bancos de dados.

6.3. Conclusões do Superior Tribunal de Justiça – Breves Críticas

O presente Recurso Especial foi julgado no dia 12 de novembro de 2014 e ementado da seguinte forma: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC). TEMA 710/STJ. DIREITO DO CONSUMIDOR. ARQUIVOS DE

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A empresa citada na audiência pública, “Nacional Consultas”, foi utilizada para obter a consulta anexa ao presente trabalho.



130 CRÉDITO. SISTEMA “CREDIT SCORING”. COMPATIBILIDADE COM O DIREITO BRASILEIRO. LIMITES. DANO MORAL. (BRASIL, 2014b)

Tendo em vista sua afetação ao rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, com o intuito de orientar as futuras decisões acerca do tema em análise, foram editadas as seguintes teses: 1) O sistema “credit scoring” é um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito). 2) Essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5o, IV, e pelo art. 7o, I, da Lei n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo). 3) Na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei n. 12.414/2011. 4) Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas. 5) O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema “credit scoring”, configurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3o, § 3o, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados.

Para nossa crítica à decisão analisada, necessário se faz apresentar neste momento o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul questionado no presente Recurso Especial, ementado da seguinte maneira: AGRAVO EM APELAÇÃO CÍVEL. APELAÇÕES CÍVEIS. Responsabilidade civil. Ação cominatória de obrigação de fazer cumulada com indenizatória por dano moral. SCPC SCORE CRÉDITO. ILEGALIDADE DO SERVIÇO. DIREITO À INFORMAÇÃO. VIOLAÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MAJORAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO DO PERCENTUAL FIXADO NA SENTENÇA. É abusiva a prática comercial de utilizar dados negativos dos consumidores, para lhe alcançar uma pontuação, de forma a verificar a probabilidade de inadimplemento. Sem dúvidas, este sistema não é um mero serviço ou ferramenta de apoio e proteção aos fornecedores, como quer fazer crer a demandada, mas uma forma de burlar direitos fundamentais, afrontando toda a sistemática protetiva do consumidor, que inegavelmente se sobrepõe à proteção do crédito. Reconhecer a ilicitude deste serviço não significa uma forma de proteção aos mal pagadores. Estes já contam com seu nome inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, cujos dados podem ser utilizados livremente pelas empresas. O que não é possível é a utilização de registros pessoais dos consumidores, para formar um novo sistema de probabilidade de inadimplemento, sem informar claramente aos interessados e a toda sociedade quais são exatamente as variáveis utilizadas e as razões pelas quais uma pessoa é classificada como com “alta probabilidade de inadimplência” e outra com “baixa probabilidade de inadimplência”. A falta de transparência e de clareza desta



131 “ferramenta” é incompatível com os mais comezinhos direitos do consumidor. Na forma com que é utilizado o sistema, certamente gera os danos morais alegados na inicial, pois o consumidor que necessita do crédito, negado em face de sua pontuação, fica sem saber as razões pelas quais é considerado propenso ao inadimplemento, restando frustrada legítima expectativa de ter acesso aos seus dados e a explicações sobre a negativa do crédito. AGRAVO DESPROVIDO. (Fl. 202)

O primeiro ponto que precisamos destacar na presente análise reside no reconhecimento do sistema credit scoring como uma mera ferramenta estatística para análise do risco na concessão de crédito, merece destaque o uso na primeira tese traçada da expressão “diversas variáveis”. Como se pode perceber na comparação entre a tese e as manifestações dos amici curiae e dos debatedores favoráveis ao uso do sistema na Audiência Pública, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça seguiu exatamente o que fora defendido por tais entidades, inclusive mantendo a mesma omissão no tocante às fontes consultadas, fazendo apenas uma menção genérica de “diversas variáveis”. Torna-se preocupante perceber que em mais de mil e oitocentas folhas o mais próximo de sermos informados sobre as fontes valoradas na construção do Score foi uma breve passagem em uma folha da manifestação de um dos amici curiae. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2013, p. 1038). Na decisão, encontra-se o mesmo erro que se perpetua em diversas outras decisões dos tribunais superiores brasileiros, a falta de um rigor científico e técnico, no caso em concreto percebe-se que o Poder Judiciário não aprofundou, quando necessário, a pesquisa para compreender o efetivo funcionamento deste sistema, a sua fonte de dados e como tais dados podem acabar por ferir seriamente a intimidade do cidadão/consumidor brasileiro. Interessante ressaltar também que, embora o Superior Tribunal de Justiça não tenha reconhecido o sistema Score como espécie de banco de dados, seja nos termos do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor, seja nos termos da lei nº 12.414/2011, na segunda tese de verifica que o mesmo tribunal reconheceu que a prática adotada pelo sistema Score está sim autorizada pela própria lei nº 12.414/2011. Ocorrer que o caput do artigo 7º da lei nº 12.414/2011, utilizado como fundamento para a legalidade do funcionamento do sistema Score é claro ao determinar que “as informações disponibilizadas nos bancos de dados somente poderão ser utilizadas para:[...]”, ou seja, o uso



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de sistemas de análise de crédito necessariamente pressupõe a existência de cadastros com informações de adimplementos, como regulado pelo artigo primeiro da mesma lei. Analisando de forma mais detida as teses três e quatro, percebe-se que o Superior Tribunal de Justiça destacou, em sua decisão, que, quando da análise de crédito, deve ser respeitada a tutela da privacidade e da transparência nas relações consumeristas. Também foi reconhecida a possibilidade de o consultado solicitar ao fornecedor maiores esclarecimentos acerca das fontes dos dados obtidos. Aqui cabe uma observação quantitativa relativa ao Inteiro Teor do Acórdão em questão. Percebe-se que a palavra “informação” foi utilizada 23 vezes. Entre tais menções, 7 delas se deram entre as páginas 32 e 34 do documento onde o vocábulo foi apresentado no sentido de um direito do consumidor brasileiro. Ocorre que a “informação” é tratada a todo o tempo apenas como um “dever” a ser cumprido pelas empresas, nunca sendo reconhecido coo um efetivo “princípio”, a ser respeitado pelos fornecedores que atuem no Brasil. Ainda, em momento algum, referida Corte enfrentou as questões envolvidas com a autorização para o cadastramento e com a análise dos “perfis” dos consumidores brasileiros contra a vontade destes, muito menos adentrou na discussão acerca das fontes efetivamente consultadas para a realização da análise de crédito. Em realidade, a Corte Superior de Justiça em nada avançou acerca da proteção do consumidor brasileiro, garantia fundamental de nossa sociedade (CF/88, 5º, XXXII); apenas caracterizou como legal a atividade desenvolvida por empresas multinacionais, demonstrando, mais uma vez, a subversão do Estado de Direito defendida por Vieira (2007b). É de se destacar que, quando do julgamento no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ficou clara a preocupação daquele órgão colegiado com a utilização indevida dos dados dos consumidores brasileiros como decisivos para a possibilidade de estes efetuarem ou não o adimplemento das compras realizadas ou créditos concedidos. Além de reforçar naquela decisão a importância da informação clara aos consumidores, de modo que estes tivessem pleno conhecimento sobre a nota a ele atribuída e as fontes de consulta, capaz de influenciar negativamente a vida creditícia do consumidor. Ademais, fica patente a necessidade de se considerar o Princípio da Prevenção quando do julgamento do Recurso Especial em análise, o que foi completamente negligenciado pelos

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ministros do Superior Tribunal de Justiça, visto que, em tal oportunidade, seria possível demonstrar a preocupação com a utilização destes dados pessoais para fins diversos dos parcialmente expostos, isto é, na defesa das empresas envolvidas na contenda. É necessário garantir ao consumidor o pleno conhecimento acerca da real utilização dos seus dados, além da forma como serão estes valorados para a concessão ou não do crédito solicitado. Ademais, a garantia do conhecimento dos dados utilizados pelos fornecedores na análise do crédito permitiria ao consumidor uma efetiva noção sobre eventuais desvios da finalidade dos dados armazenados nestes bancos de dados. Imperioso garantir ao consumidor um maior controle dos dados captados e armazenados a seu respeito, permitindo-lhe escolher quais dados poderiam efetivamente ser utilizados pelos fornecedores para a análise de seu perfil de crédito. No mesmo sentido, Navarro (2012, p. 429): O direito fundamental à autodeterminação informativa, sob a sua vertente de direito geral à proteção de dados pessoais captados pelo Estado, surge oportunamente como um direito de defesa e de prevenção, individual ou coletivo, contra os desvios de finalidade nos atos de captação, tratamento e comunicação de dados pessoais pelas instituições públicas.

Destaca-se, ainda, a incoerência existente entre as teses de número 3 e 4: enquanto uma define que devem ser respeitados os limites da privacidade e da transparência previstos na lei nº 12.414/2011 e no Código de Defesa do Consumidor, a outra afirma ser desnecessário o consentimento do consumidor consultado, e, por conseguinte, entende como desnecessária a autorização do consumidor para a criação de perfil no sistema de análise de crédito – o que fere o preceito básico de transparência nos contratos consumeristas, além da própria privacidade, pois os consumidores desconhecem a existência dos dados consultados. A breve análise do acórdão também demonstra a forma como insistem os tribunais em analisar a proteção do consumidor brasileiro, fragmentada em diplomas diversos, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor e da Lei do Cadastro Positivo de Crédito, e não a analisando como o microssistema que é – um conjunto de normas interligadas e coordenadas com a proteção constitucional prevista no artigo 5º, XXXII da Carta de 1988. A última tese apresentada pelo Superior Tribunal de Justiça deixa clara a generalidade da decisão daquela corte, trata-se de uma tese repleta de situações hipotéticas, onde “poderá” haver a ocorrência de danos morais pelo uso de dados sensíveis, dados incorretos ou mesmo desatualizados, sem, contudo, tecer maiores detalhes sobre o que configuraria tais situações.

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Deve-se ressaltar, ainda, que a quinta tese inicia sua redação fazendo menção aos “limites legais na utilização do sistema”, sem adentrar no mérito de definir quais seriam esses limites legais, não se sabe sequer a quais leis a tese se refere, já que anteriormente fora definido que o sistema não se tratava de um banco de dados. É de se destacar, por fim, que a suposta garantia evidenciada pela edição da tese de número 4 apenas demonstra, mais uma vez, a já demonstrada e reforçada subversão do Estado de Direito, nesta oportunidade direcionada aos consumidores brasileiros (CUNHA E CRUZ; OLIVA, 2014b), ao impor ao consumidor a necessidade de buscar as informações acerca do uso dos seus dados pessoais captados e armazenados sem sua autorização/conhecimento, em total descompasso com o Princípio da Informação, além de sequer reconhecer a obrigatoriedade de consulta ao consumidor cadastrado, ferindo, também, a própria transparência citada no acórdão em análise. Fica clara a defesa dos interesses daqueles que detém o poder econômico, uma vez que se percebe claramente a total afiliação do julgamento ao alegado pelas próprias empresas, não se encontra, em momento algum da decisão, menção aos fundamentos apontados pelas entidades que buscavam a ilegalidade do sistema Score, nem mesmo para que fossem as empresas obrigadas a efetivamente informar quais as fontes de consulta utilizadas para o cálculo da nota. Pode-se abstrair também da decisão que a mesma teve uma forte influência do poder econômico no tocante ao número de ações que foram afetadas por ela. Sabe-se que no momento do julgamento já se tinham notícias de mais de 250.000 (duzentos e cinquenta) mil ações em todo o Brasil que versavam sobre o mesmo tema (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2014d). Ressalte-se que, caso o julgado seguisse pela mesma linha do acórdão proferido originalmente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, estaríamos diante de uma demanda com potencial para ser movida por todos os consumidores brasileiros. Este fato fora ventilado pelos representantes do sistema, indicando que isso acabaria por levar as empresas à falência, porém percebe-se que o Superior Tribunal de Justiça não ponderou corretamente a questão econômica, uma vez que os representantes das entidades contrárias ao sistema também demonstraram o lucro obtido por cada consulta realizada ao sistema de Score, consultas que em 2013 somaram mais de 565 milhões (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2014c, p. 317)



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Resta, com isso, demonstrada, agora no âmbito do Poder Judiciário, a subversão do Estado de Direito, manifestada agora na total inversão dos preceitos fundamentais para a defesa do consumidor, no que tange às responsabilidades antes impostas aos fornecedores, as quais passam a recair sobre a parte mais fraca daquela relação econômica, o consumidor brasileiro.

6.4. A Súmula 550/STJ e suas Implicações Futuras

Como último ponto de análise do presente trabalho, após a retrospectiva feita na análise do Recurso Especial 1.419.697/RS e as críticas traçadas face ao seu julgamento, apresentam-se algumas elucubrações sobre o que se pode esperar em matéria de proteção dos dados pessoais dos consumidores brasileiros no tocante à análise de crédito, em especial, após a edição de súmula pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, apresentada a seguir: Súmula 550 A utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá́ o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo.

A Súmula 550 aprofundou as teses traçadas após o julgamento do Recurso Especial 1.419.697/RS, ao reconhecer textualmente que o Score – agora chamado de “escore”, efetivamente não constitui um banco de dados e também não exige autorização prévia do consumidor para que seja realizada análise em seu nome. Com relação aos direitos dos consumidores analisados por este sistema, o Superior Tribunal de Justiça buscou garantir apenas a possibilidade de serem solicitados esclarecimentos sobre as informações valoradas e as fontes consultadas. Ocorre que a súmula não deixa clara a forma de solicitação desses esclarecimentos, nem eventuais punições pelo seu descumprimento, nem, principalmente, como serão repassados ditos esclarecimentos ao consumidor, se devem ser específicos, apontando, um a um, os dados valorados, ou se essa informação pode ser fornecida de forma genérica. As dificuldades de acesso às informações constantes do Score já podem ser vivenciadas pelos consumidores brasileiros. Primeiro, porque a maioria dos consumidores brasileiros sequer sabem da existência desse sistema e porque se enfrenta a resistência, pela

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própria empresa operadora do sistema, em fornecer os dados requisitados. Para melhor exemplificar essa dificuldade, apresentam-se, no “Anexo C”, as tratativas entre este pesquisador e a empresa Boa Vista Serviços, realizadas por meio da plataforma “Consumidor.gov.br”, na tentativa de ter acesso ao próprio Score e, principalmente, às fontes utilizadas para a composição da nota. Questão importante sobre a proteção dos dados pessoais dos consumidores brasileiros após a súmula 550 reside na forma de se buscar judicialmente o acesso às informações utilizadas para a formação do Score do consumidor, isto porque, até a edição da súmula 550, discutia-se sobre o cabimento do Habeas Data como ferramenta para o consumidor tomar conhecimento dos dados sobre ele armazenados e também requisitar as correções necessárias. Ocorre que, após a edição da súmula, com o reconhecimento textual de não se tratar o sistema Score de um banco de dados, o Superior Tribunal de Justiça acabou por afastar, completamente, a possibilidade de uso do Habeas Data para que o consumidor pudesse tomar conhecimento dos dados armazenados ou consultados por aquele sistema, uma vez que foge completamente ao escopo constitucional deste remédio26. A súmula 550 também trouxe severa violação, ainda que indireta, à proteção dos consumidores brasileiros. Explica-se: de início, reconheceu-se a legalidade de um sistema que usa dados de consumidores sem que estes tenham pleno conhecimento deste fato e com objetivo de lucro, ou seja, confirma-se aqui o que foi exposto em capítulos anteriores, a efetiva transformação dos consumidores em mercadorias (BAUMAN, 2008). Não se pode perder de vista esta realidade, os dados dos consumidores, por meio de transferências e parcerias obscuras, funcionam como uma imensa fonte de renda para as operadoras desses sistemas, sem que seja devido ao consumidor o mínimo de informação prévia. A falta dessa informação prévia leva à segunda violação severa que se verifica após a súmula 550: efetivamente, as empresas operadoras dos sistemas Score não possuem a menor responsabilidade pela legalidade dos dados consultados, uma vez que, informando ao consumidor a fonte dos dados, cabe ao consumidor, então, buscar aquela fonte para verificar

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Art. 5º [...]

LXXII - conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;



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sua legalidade, o que consiste em total excludente de responsabilidade para o mantenedor do sistema. Exemplifica-se, para um melhor entendimento da problemática envolvida: ao tomar conhecimento do seu Score, com uma nota baixa, o consumidor solicita esclarecimentos acerca das fontes consultadas. Ao receber a informação, o consumidor percebe que, de três fontes hipotéticas consultadas, uma delas está fornecendo uma informação desabonadora há mais de cinco anos, ou seja, ilegal nos termos do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor. De posse dessa informação, caberá à mantenedora do sistema Score desconsiderar tal informação nos cálculos futuros, porém, caberá ao consumidor buscar a reparação em face daquele banco de dados ilegal, o que pode se revelar extremamente dificultoso, caso esse banco de dados seja operado por empresa inidônea. Do exemplo anterior, percebe-se que o consumidor poderá acabar encontrando uma barreira ao seu ressarcimento, caso seja utilizada uma fonte inidônea ou incorreta de difícil localização, perpetuando a cultura de violação dos direitos dos consumidores, em detrimento de uma maior cobrança de responsabilidades dos fornecedores de produtos ou serviço. Com essa decisão, percebe-se, de igual forma, que o Superior Tribunal de Justiça ignorou por completo o conceito da autodeterminação informativa, já tratado anteriormente neste trabalho, retirando do consumidor o direito a qualquer controle dos seus dados pessoais, uma vez que, também de acordo com a súmula, não se resguardou a possibilidade de o consumidor exigir a retirada de dados destes sistemas. É de se destacar que, reconhecendo a tese aqui tratada, qual seja, a fundamentalidade da proteção dos dados pessoais, poderiam os consumidores brasileiros questionar, com fundamento constitucional, a legalidade das atividades de coleta, de processamento e de repasse desses dados às empresas responsáveis pelos sistemas de análise de risco. Necessário se faz também aprofundar o debate acerca da temporalidade dos dados fornecidos pelos consumidores, pois, como também já demonstrado, por diversas vezes, enquanto consumidores, os indivíduos repassam diversos dados pessoais para determinado fim, sem que saber quais as futuras implicações que referidos dados poderão ter numa futura análise de crédito. Percebe-se, com isso, que o aprofundamento do debate da proteção dos dados pessoais é fundamental para a segurança do consumidor/cidadão ao livre desenvolvimento de sua

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personalidade, razão pela qual se faz necessário um maior diálogo científico e jurídico quando do desenvolvimento do projeto de lei de proteção dos dados pessoais, enxergando-se o Direito como a unidade que é, não mais o tratando como ciências estanques dentro de um todo, sem influência recíproca das diversas diversas áreas do conhecimento reguladas. Por fim, reforçamos a necessidade de, mesmo depois de o entendimento ter sido sumulado, o Superior Tribunal de Justiça continuar sendo questionado, de modo a forçar o Poder Judiciário a continuar esmiuçando as discussões acerca do tema, com a apresentação de novas teses atinentes à matéria em debate, como proposto no presente trabalho.



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7.

CONCLUSÕES

Diante de tudo o que foi exposto no presente trabalho, acredita-se no alcance dos objetivos traçados no início desta pesquisa, com o fim de contribuir para o debate sobre a proteção dos dados pessoais, tanto dos consumidores, quanto dos cidadãos brasileiros como um todo. Tamanha foi a influência dos antecedentes estrangeiros fáticos e legislativos a respeito da proteção do consumidor, que, no Brasil, elevou-se o tema ao patamar de norma constitucional fundamental, para, em seguida, ser elaborado o diploma específico, conhecido como Código de Defesa do Consumidor. No curso da pesquisa, demonstrou-se a importância do entendimento do Direito como uma unidade, superando-se as divisões didáticas utilizadas nos primeiros bancos da Academia, cujo objetivo era apenas proporcionar uma compreensão inicial sobre cada um dos "ramos" jurídicos. Referidas divisões, entretanto, perduram no íntimo dos operadores do Direito, o que se percebe na resistência em inter-relacionar-se, por exemplo, o Direito Constitucional e o Direito do Consumidor, com base, ainda, na ultrapassada distinção relativa à natureza de normas de direito público e de direito privado, ignorando que a disciplina do Direito do Consumidor decorre do próprio texto constitucional, o qual estabeleceu a proteção ao consumidor como direito fundamental. Ressalta-se, em complemento, que as normas de proteção ao consumidor, por força do artigo primeiro do CDC, são, inclusive, de ordem pública, mesmo tratando de relações privadas. É necessário trazer ao diálogo sobre a defesa do consumidor os conceitos traçados pela Teoria Crítica dos Direitos Humanos, de modo a reconhecer a ampliação dos direitos fundamentais com base no próprio desenvolvimento cultural, não se limitando a aguardar o regular procedimento legislativo, sob pena de se ver, ao invés da efetiva ampliação, uma limitação desses direitos, em função da dominação econômica exercida por grupos de dominação sobre os poderes estatais constituídos. O aprofundamento do debate acerca da privacidade do consumidor/cidadão brasileiro, utilizando-se, para tanto, a Teoria dos Círculos Concêntricos como fundamento, mostra-se essencial para perceber-se o risco envolvido na captura e no uso indiscriminado dos dados

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pessoais. Estes, vistos de modo isolado, podem não representar grandes riscos aos consumidores, porém, ao serem inter-relacionados, podem servir para traçar perfis perfeitos dos indivíduos aos quais se referem. A partir desses perfis, direciona-se o consumo de produtos e serviços sem que conhecimento pelo consumidor. De acordo com a teoria, já abraçada pela doutrina brasileira, da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, estes devem ser objetos de proteção não só frente ao Estado, mas também, no caso da proteção dos consumidores, em relação a todos aqueles que tomam parte na relação de consumo, direta ou indiretamente. Reside, então, nesta questão o necessário respeito, por parte dos fornecedores de produtos e serviços, à privacidade e à intimidade dos consumidores brasileiros em se tratando de seus dados pessoais, seja por meio da aplicação de tecnologias seguras de armazenamento e consulta, seja no respeito à finalidade e, principalmente, no respeito à informação dos consumidores sujeitos a serem cadastrados. Os indivíduos devem ser cientificados de todos os fatos envolvidos no cadastramento dos seus dados, sob pena de ser violado o direito constitucional de proteção de sua intimidade e de sua privacidade, no sentido da argumentação das esferas concêntricas apresentada em tópico próprio. Outrossim, referido conhecimento pelo indivíduo assegura sua proteção sob o aspecto de sua posição de consumidor na relação jurídica firmada, a qual também reclama a proteção constitucional. Não se pode falar de ausência de legislação que regule os bancos de dados no Brasil, pois basta que sejam feitas as interpretações sistêmicas da legislação infraconstitucional, visto ser o ordenamento jurídico uma unidade. Referida proteção existe, e os principais marcos normativos para a matéria são o Código de Defesa do Consumidor, a Lei do Cadastro Positivo de Crédito e o Marco Civil da Internet. Reconhecendo que não se pode falar em cidadão que não seja também um consumidor, ainda que equiparado, a proteção dos dados pessoais é garantida pela própria disciplina do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor. Desse mesmo conceito extrai-se que já existe, no Brasil, a previsão de autodeterminação informativa, o que significa que o cidadão/consumidor brasileiro – visto que, como dito alhures, tais características são indissociáveis – tem o direito de saber quais são as informações que determinado fornecedor possui sobre ele, qual o uso que é dado a tais informações, a quem ela é repassada. Ademais, o consumidor/cidadão tem o direito de escolher quando encerrar o relacionamento com



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determinada empresa e, então, solicitar a exclusão de todos os seus dados pessoais dos bancos de dados daquela. Importa que sejam reconhecidos os riscos envolvidos na simples autorização para uso dos dados pessoais dos consumidores de modo indistinto, sem que sejam traçados limites para a atuação dos fornecedores, uma vez que há o perigo real de ser autorizada a transformação desses dados, e, por conjectura lógica, dos próprios consumidores, em meras mercadorias, que serão negociadas entre os fornecedores mediatos e imediatos. Já se constatam, atualmente, empresas especializadas nesse tipo de comércio, em especial, as operadoras dos sistemas de “Score” ou “Rating”. O diálogo de fontes científicas é uma real necessidade para o enfrentamento de questões novas como a aqui proposta. Cabe uma visão filosófica sobre a interseção do Código de Defesa do Consumidor com a Lei do Cadastro Positivo de Crédito, pois, ao se autorizar a criação de cadastros de bons pagadores – e aprofundando-se a argumentação com a situação dos Scores de crédito – na realidade, os indivíduos estão sendo aprisionados aos meios apresentados pelos próprios fornecedores de produtos e serviços, uma vez que, para ser aceito no mercado de consumo, o consumidor deve compartilhar seus dados pessoais e consumir sempre da forma que melhor convém aos fornecedores, que irão pontuá-lo adiante, garantindo que possa continuar consumindo. Ou seja, a forma de consumo imposta pela existência de “cadastros positivos” ou de notas para concessão de crédito acaba por aprisionar os consumidores, forçando-os a se enquadrar em determinado padrão de comportamento, o que reforça o controle pela exclusão, exercido pelos fornecedores sobre aqueles. Comparam-se, então, as manobras de fornecedores ao que foi descrito por Jeremy Bentham em sua clássica obra “O Panóptico”. Os consumidores passam a acreditar estarem sendo constantemente monitorados, e qualquer deslize fora dos padrões de consumo adequados poderá representar sua exclusão do mercado e, por conseguinte, sua impossibilidade de acesso aos bens e serviços ofertados, o que representa sua morte social/comercial. É a estigmatização do indivíduo: ou se enquadra nas manobras do sistema, como invisíveis, ou são demonizados porque as enxergam e rejeitam. A aplicação prática dos conceitos traçados durante todo o trabalho encontra-se no caso Score – Recurso Especial número 1.419.697/RS, com a confluência de todos os temas aqui

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tratados: defesa do consumidor, bancos de dados, cadastro positivo, análise de crédito e autodeterminação informativa. Em que pese tenha sido primoroso, o trabalho de condução do Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça foi falho ao não se desvencilhar do poderio econômico das entidades envolvidas no julgamento. A decisão apresentada pouco inovou na proteção dos consumidores e apenas legitimou as atividades que já vinham sendo praticadas pelos fornecedores dos serviços de análise de risco de crédito. Em lugar de posicionar a defesa do consumidor como o elemento fundamental que é, o Superior Tribunal de Justiça apenas reforçou a subversão do Estado de Direito. Os poderes públicos instituídos foram distorcidos de tal modo que, em vez de representarem os anseios da população, acabam utilizados como ferramentas pelas grandes corporações na obtenção de lucro. Ficou reforçado o entendimento de que o consumidor, de fato, não merece ser o protagonista da relação, aquele que efetivamente deveria ser protegido por todo o aparato estatal, como se devesse ocupar mesmo o papel de mercadoria, a ser vendida e trocada entre os fornecedores que decidem, dia após dia, quais consumidores poderão efetivamente consumir os produtos ou serviços ofertados e quais deverão se esforçar mais para poderem ser considerados dignos de tal consumo. Forçoso concluir que restam claras a dificuldade e a resistência, por parte dos setores mais tradicionais do Direito, em inter-relacionar conceitos ligados às novas tecnologias e as normativas jurídicas básicas do cidadão brasileiro. Mantém-se o entendimento de que se trata de questões completamente diferentes, cujo desenvolvimento não demandaria um conhecimento multidisciplinar nem, principalmente, um exercício de elucubrações voltadas ao futuro das bases tecnológicas e suas implicações no Direito. Todavia, o principal objetivo deste trabalho não era apenas constatar a perpetuação da cultura de danos e desrespeitos aos consumidores brasileiros, mas sim pensar em novas formas de se questionar o que está posto. Por tal razão, entende-se que, mesmo após a edição da súmula 550 do Superior Tribunal de Justiça, que disciplinou os sistemas de análise de crédito, os consumidores brasileiros devem continuar questionando a forma como os sistemas foram implantados: sem participação dos consumidores e sem respeito aos preceitos básicos do Código de Defesa do Consumidor, em especial, ao da transparência.

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Cumpre destacar que as preocupações demonstradas neste trabalho, em especial, com relação à ausência de transparência por parte dos fornecedores dos serviços de análise de crédito acerca da feitura e uso dos seus serviços extrapola o âmbito meramente conceitual do universo científico, chegando à realidade fática no momento em que este pesquisador/consumidor, conforme demonstrado no anexo “C”, não conseguiu garantir o acesso às fontes consultadas para a formulação de seu Score. Deve-se trabalhar com o conceito da autodeterminação informativa, garantido pelo Código de Defesa do Consumidor, para, desta forma, poder efetivar a proteção dos dados pessoais dos consumidores brasileiros. É de se destacar que esta pesquisa está longe de esgotar o tema, mas buscou traçar as linhas gerais dessa nova problemática para a defesa do consumidor/cidadão, apresentando sua conceituação e também formas futuras de proteção. As bases jurídicas não podem ficar tão desatualizadas a ponto de serem consideradas inúteis à realidade fática, devido ao enorme grau de desconexão existente. Assim como a evolução tecnológica dos bancos de dados, os conceitos aqui traçados devem andar em constante evolução, sempre buscando alcançar as novas formas de violação da intimidade do cidadão por meio da coleta e processamento de seus dados pessoais.



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ANEXO A –EXEMPLO DE SCORE (AFONSO CARVALHO DE OLIVA)

Confidencial para: 35.560-CAMEL.

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Resumo da consulta CPF

NOME

NOME DA MÃE

DATA NASCIMENTO

011.529.035-43

AFONSO CARVALHO DE OLIVA

SONIA CARVALHO DE OLIVA

16/11/1985

Ocorrências

Quantidade

Valor

Último Registro

Pendências Internas

NAO CONSTAM OCORRENCIAS

-

Pendências Financeiras

NAO CONSTAM OCORRENCIAS

-

Protesto Nacional

NAO CONSTAM OCORRENCIAS

Cheques Sem Fundo BACEN

NAO CONSTAM OCORRENCIAS

-

Ações Judiciais

NAO CONSTAM OCORRENCIAS

-

Participação em Falências

NAO CONSTAM OCORRENCIAS

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Falência/Concordata/Recuperação Judicial

NAO CONSTAM OCORRENCIAS

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Detalhes do documento Situação do CPF/CNPJ em 01/09/2015: REGULAR Alerta de Identidade

NÃO FOI DETECTADA a necessidade de verificar documentos adicionais de identificação Para realizar uma transação comercial mais segura, o Alerta de Identidade é uma ferramenta que pode auxiliar o contratante ao indicar a necessidade ou não de verificação de documentos adicionais de identificação do consumidor, tais como documentos pessoais com foto, comprovante de endereço/telefone e/ou referências pessoais. A decisão da aprovação ou não do crédito é de exclusiva responsabilidade do concedente. As informações prestadas pela



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156

Serasa Experian têm como objetivo subsidiar essas decisões e, em hipótese alguma, devem ser utilizadas como justificativa, pelo concedente do crédito, para a tomada da referida decisão.

Classificação do Risco de Crédito Serasa INTERPRETAÇÃO    Consumidores com a classificação AA tem perfil semelhante ao de um grupo com um percentual estatístico de até 19% de inadimplência. Isso significa que de cada 100 pessoas, 19 poderão se tornar inadimplentes e 81 poderão não se tornar inadimplentes , considerando-se um período de 12 meses. A decisão da aprovação ou não do crédito é de exclusiva responsabilidade do concedente. As informações prestadas pela Serasa Experian têm como objetivo subsidiar essas decisões e, em hipótese alguma, devem ser utilizadas como justificativa, pelo concedente do crédito, para a tomada da referida decisão. Participação Societária Empresa OLIVA E PEREIRA ADVOCACIA E CONSULTORIA

CNPJ

Participação (%)

UF

15425973000140

50,0 %

SE

Desde: Abr/2012

Última Atualização:  Abr/2012

Renda Mensal Estimada VALOR (em reais):

1.501  a 3.000

FAIXAS:

INTERPRETAÇÃO: 

R$0

a

R$800

R$801

a

R$1.500

R$1.501

a

R$3.000

R$3.001

a

R$5.000

Acima

de

R$5.000

Informa, por meio de faixa de valores em reais, a estimativa de renda mensal de um determinado grupo ou perfil no qual o indivíduo está inserido. É baseada nas melhores práticas e modelos estatísticos, mas pode não refletir a renda real do indivíduo.

A decisão da aprovação ou não do crédito é de exclusiva responsabilidade do cedente. As informações prestadas pela Serasa Experian têm como objetivo subsidiar essas decisões e, em hipótese alguma, devem ser utilizadas como instrumental decisivo para aprovação ou recusa do crédito, pois outros fatores devem ser considerados pelo concedente para tomada de decisão creditícia. O resultado é calculado com base nos dados existentes na Serasa Experian no momento da consulta.

Gasto Estimado (Despesa Básica Mensal Estimada) VALOR (em reais):

201  a 400

FAIXAS:

INTERPRETAÇÃO: 

R$0

a

R$200

R$201

a

R$400

R$401

a

R$800

R$801

a

R$1.500

Acima

de

R$1.500

Informa, por meio de faixa de valores em reais, a estimativa mensal com os gastos que o indivíduo consultado tem com o pagamento de energia elétrica, água, gás, telefonia, moradia, transporte, educação e saúde. É baseada nas melhores práticas e modelos estatísticos, mas pode não refletir o gasto real do indivíduo.

A decisão da aprovação ou não do crédito é de exclusiva responsabilidade do cedente. As informações prestadas pela Serasa Experian têm como objetivo subsidiar essas decisões e, em hipótese alguma, devem ser utilizadas como instrumental decisivo para aprovação ou recusa do crédito, pois outros fatores devem ser considerados pelo concedente para tomada de decisão creditícia. O resultado é calculado com base nos dados existentes na Serasa Experian no momento da consulta.

Limite de Crédito (Capacidade de Crédito Mensal Estimada)



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VALOR (em reais):

401  a 800

FAIXAS:

INTERPRETAÇÃO: 

R$0

a

R$200

R$201

a

R$400

R$401

a

R$800

R$801

a

R$1.500

Acima

de

R$1.500

Informa, por meio de faixa de valores em reais, um limite mensal de concessão de crédito para um determinado grupo ou perfil no qual o indivíduo está inserido. É um modelo estatístico que utiliza informações sobre a renda mensal estimada, sobre a classificação do risco de crédito, além de outras informações disponíveis na base da Serasa Experian. É baseada nas melhores práticas e modelos estatísticos, mas pode não refletir o potencial de consumo real do indivíduo.

A decisão da aprovação ou não do crédito é de exclusiva responsabilidade do cedente. As informações prestadas pela Serasa Experian têm como objetivo subsidiar essas decisões e, em hipótese alguma, devem ser utilizadas como instrumental decisivo para aprovação ou recusa do crédito, pois outros fatores devem ser considerados pelo concedente para tomada de decisão creditícia. O resultado é calculado com base nos dados existentes na Serasa Experian no momento da consulta.

Documentos Roubados, Furtados ou Extraviados NAO CONSTAM OCORRENCIAS Alerta Óbito NÃO CONSTA INFORMAÇÃO DE ÓBITO NA BASE DE DADOS DA SERASA EXPERIAN. Pendências Internas NAO CONSTAM OCORRENCIAS

Pendências Financeiras NAO CONSTAM OCORRENCIAS

Protestos NAO CONSTAM OCORRENCIAS

Ações Judiciais NAO CONSTAM OCORRENCIAS

Participação em Falências NAO CONSTAM OCORRENCIAS

Falência/Concordata/Recuperação Judicial NAO CONSTAM OCORRENCIAS

Cheques Sem Fundo BACEN NAO CONSTAM OCORRENCIAS

Registro de consultas realizadas ao mesmo documento



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NAO CONSTAM INFORMACOES

Índice Relacionamento Mercado   Serasa Experian

Alto grau de relacionamento no mercado A decisão da aprovação ou não do crédito é de exclusiva responsabilidade do concedente. As informações prestadas pela Serasa Experian têm como objetivo subsidiar essas decisões e, em hipótese alguma, devem ser utilizadas como instrumental decisivo para aprovação ou recusa do crédito, pois outros fatores devem ser considerados pelo concedente para a tomada da decisão creditícia.

PROTOCOLO DA CONSULTA : 120026

"As informações acima, de uso exclusivo do destinatário, são protegidas por sigilo contratual. Sua utilização por outra pessoa, ou para finalidade diversa da contratada, caracteriza ilícito civil, tornando a prova imprestável para o processo."

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2015 Serasa Experian. Todos os direitos reservados.

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ANEXO B – RECURSO ESPECIAL Nº 1.422.256 - RS (2013/0396184-6)

Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.422.256 - RS (2013/0396184-6) RELATORA RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO

: : : : :

MINISTRA NANCY ANDRIGHI BOA VISTA SERVIÇOS S/A ADILSON DE CASTRO JUNIOR E OUTRO(S) EDSON LOURENÇO CALAZANS DA SILVEIRA ROHDE LISANDRO GULARTE MORAES E OUTRO(S) EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR MORAIS. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. ALTERAÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO MORAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. A existência de fundamento do acórdão recorrido não impugnado – quando suficiente para a manutenção de suas conclusões – impede a apreciação do recurso especial. 2. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais somente é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 3. Negado seguimento ao recurso especial.

DECISÃO Cuida-se de recurso especial interposto por BOA VISTA SERVIÇOS S/A, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. Ação: de compensação por danos morais, ajuizada por EDSON LOURENÇO CALAZANS DA SILVEIRA ROHDE, em desfavor da recorrente, em virtude da utilização de seus dados em serviço de restrição de crédito que atribuiu ao consumidor pontuação a ser analisada nas operações de crédito por ele contraídas. Sentença: julgou procedente o pedido, para condenar a recorrente ao pagamento de compensação por danos morais no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente. Recurso especial: alega ofensa dos arts. 43, §1º, do CDC, bem como dissídio jurisprudencial. Sustenta que a utilização do sistema não caracteriza ato ilícito. Assevera que o valor da compensação fixado é exagerado. Relatado o processo, decide-se.

- Da existência de fundamento não impugnado Documento: 35770585 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 05/06/2014



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Superior Tribunal de Justiça A recorrente, em relação à ilegalidade do sistema, não impugnou o seguinte fundamento utilizado pelo TJ/RS: De outro lado, impende esclarecer, ainda, que a ilegalidade do sistema aqui reconhecida é pela falta de transparência e clareza dos dados utilizados pela apelante para chegar ao prognóstico do autor (§10 do art. 43), e não pela ausência de notificação prevista no §2º do art. 43 do CDC, na medida em que referido cadastro se utiliza de informações constantes dos bancos de dados da demandada, as quais já foram, ou pelo menos deveriam ter sido, previamente noticiadas ao consumidor (e-STJ fl. 702)

Assim, não impugnado esse fundamento, deve-se manter o acórdão recorrido. Aplica-se, neste caso, a Súmula 283/STF.

- Do pedido de revisão do valor da compensação por danos morais A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a modificação do valor fixado a título de danos morais somente é permitida quando a quantia estipulada for irrisória ou exagerada, o que não está caracterizado neste processo.

Forte nessas razões, NEGO SEGUIMENTO ao recurso especial. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 30 de maio de 2014.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora

Documento: 35770585 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 05/06/2014



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ANEXO C – RECLAMAÇÃO 2015.12/00000247941 - BOA VISTA SERVIÇOS

Consumidor.gov.br SENACON Secretaria Nacional do Consumidor

PROTOCOLO DA RECLAMAÇÃO:

2015.12/00000247941

DATA DE ABERTURA:

26/12/2015

PRAZO DE RESOLUÇÃO:

05/01/2016

SITUAÇÃO:

Finalizada avaliada

AVALIAÇÃO DA RESPOSTA:

Não Resolvida

DADOS DO CONSUMIDOR Nome:

Afonso Carvalho de Oliva

CPF:

011.529.035-43

Endereço: Rua Monsenhor Silveira, 294, Bairro São José, Cidade Aracaju/SE - CEP 49015-030 Telefone:

(79) 98807-4262

E-mail:

[email protected]

Celular:

DADOS DO FORNECEDOR Boa Vista Serviços - SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito) CNPJ: 11.725.176/0001-27 - BOA VISTA SERVIÇOS S.A. - SCPC SERVIÇO CENTRAL DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO Endereço: Rua Boa Vista 51, 51, Bairro Centro, Cidade São Paulo/SP - CEP 01014-911 Telefone:

DADOS DA RECLAMAÇÃO Como Comprou/Contratou:

Não comprei / contratei

Área: Serviços Financeiros Assunto: Banco de Dados e Cadastros de Consumidores (SPC, Serasa, SCPC etc) Problema: Dados pessoais ou financeiros consultados, coletados, publicados ou repassados sem autorização

DESCRIÇÃO DA RECLAMAÇÃO VENHO POR MEIO DO PRESENTE SOLICITAR A DISPONIBILIZAÇÃO DO MEU SCORE DE CRÉDITO E DAS FONTES CONSULTADAS PARA A FORMAÇÃO DO MESMO.

PEDIDO À EMPRESA VENHO POR MEIO DO PRESENTE SOLICITAR A DISPONIBILIZAÇÃO DO MEU SCORE DE CRÉDITO E DAS FONTES CONSULTADAS PARA A FORMAÇÃO DO MESMO.

Visualizada pelo fornecedor Data: 28/12/2015

Autor Boa Vista Serviços - SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito)

(Sem Detalhes)

Complemento da reclamação Data: 28/12/2015 Prezado Senhor,

Autor Boa Vista Serviços - SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito)

Afonso Carvalho de Oliva Em resposta a sua solicitação, onde requer Consulta Score e conforme documentos enviados necessários para tal providência, segue anexo o documento solicitado. Com tais informações estamos certos de ter atendido ao solicitado, pelo que este atendimento será encerrado. SENACON - Endereço: Esplanada dos Ministérios Bloco T, Edificio Sede - 5º Andar - Sala 524 Nr , Bairro Zona Cívico-Administrativa, Cidade Brasília/DF CEP 70064-900 http://justica.gov.br/portal/sites/direito-do-consumidor/



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Consumidor.gov.br SENACON Secretaria Nacional do Consumidor

Atenciosamente, Boa Vista Serviços S.A. Consumidores e empresas do mesmo lado Canais de Atendimento direto Boa Vista Serviços: 3003-0101

Resposta do fornecedor Data: 28/12/2015 Autor Boa Vista Serviços - SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito) Certos de ter esclarecido/atendido ao que nos foi solicitado, pedimos fazer suas considerações finais conforme instruções deste site. Atenciosamente, Boa Vista Serviços S.A. Consumidores e empresas do mesmo lado Canais de Atendimento direto Boa Vista Serviços: 3003-0101

Complemento da reclamação Data: 28/12/2015 Autor Afonso Carvalho de Oliva Prezados, agradeço o envio do Score solicitado, todavia, nos termos da súmula 550 do STJ, aguardo o envio dos esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo. Atenciosamente, Afonso Oliva Data: 28/12/2015 Autor Boa Vista Serviços - SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito) Prezado Senhor, Afonso Carvalho de Oliva Informamos que o SCPC Score Crédito é uma ferramenta que se utiliza de cálculos estatísticos para indicar a probabilidade de ocorrência de eventos de inadimplência de grupos de pessoas em um determinado horizonte de tempo, auxiliando consumidores e empresas a realizarem negócios a crédito, com mais segurança e agilidade, reduzindo os custos envolvidos nas operações creditícias. O cálculo do score apresenta um resultado compreendido entre 0 e 1000. De acordo com o resultado do score é possível conhecer o comportamento do grupo que tem perfil equivalente ao do consumidor consultado e prever a probabilidade futura de inadimplência. Com base nesses resultados e em outras diversas análises realizadas, é a empresa concedente de crédito quem decide pela concessão. A ferramenta SCPC Score Crédito utiliza os seguintes dados e informações para o cálculo do perfil de risco de inadimplência de grupos nos quais os consumidores se inserem: - Dados públicos: Informações do Censo, índice de inadimplência por região, pesquisas sobre o mercado de trabalho, entre outros. - Informações legalmente fornecidas pelo próprio consumidor: seja no ato de suas solicitações de crédito ou aquelas fornecidas diretamente às concedentes de crédito como dados de identificação (nome, RG, CPF), endereço, comprovante de renda, profissão, idade, escolaridade, etc. - Dados relativos ao comportamento de crédito: (i) registros de débitos inadimplidos apontados por empresas credoras, quantidade de consultas realizadas, valores dos débitos, diversidade de segmentos em que os débitos foram registrados. (ii) existência ou não de ação judicial (execução, busca e apreensão, etc.). (iii) e títulos protestados. Importante destacar que o período de tempo das informações acima relacionadas, sempre respeita o limite legal de cinco anos. Devemos ressaltar que o Score não se trata de cadastro novo, pois os dados são extraídos de informações já existentes no banco de dados do SCPC, logo, não há necessidade de consentimento e/ou notificação prévia ao consumidor para a existência do SCPC Score Crédito. Por fim, sobre a legalidade do SCPC Score Crédito, por vezes questionadas, já foi objeto de apreciação por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, por unanimidade dos membros de sua 2ª Seção, no mês de Novembro de 2014, reconheceu a legalidade da ferramenta de análise de crédito e do gerenciamento do sistema, conforme decisão proferida no Recurso Especial nº 1.419.697-RS. Atenciosamente, Boa Vista Serviços S.A. SENACON - Endereço: Esplanada dos Ministérios Bloco T, Edificio Sede - 5º Andar - Sala 524 Nr , Bairro Zona Cívico-Administrativa, Cidade Brasília/DF CEP 70064-900 http://justica.gov.br/portal/sites/direito-do-consumidor/



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Consumidor.gov.br SENACON Secretaria Nacional do Consumidor

Consumidores e empresas do mesmo lado Canais de Atendimento direto Boa Vista Serviços: 3003-0101

Complemento da reclamação Data: 29/12/2015 Autor Afonso Carvalho de Oliva Prezados, conforme exposto no julgamento do recurso apresentado, responsável pela gênese da Súmula 550, restou definido que sim, trata-se de uma ferramenta legítima que se utiliza de dados diversos para a análise de risco, todavia, também foi assegurado ao consumidor o direito de ter acesso às informações consultadas, indicando a origem dos dados consultados, de modo a permitir a verificação da legalidade das informações repassadas a essa empresa. Desta forma, mais uma vez solicito a informação acerca das fontes consultadas e valoradas para a elaboração deste cálculo estatístico. Data: 29/12/2015 Autor Boa Vista Serviços - SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito) Prezado Senhor, Afonso Carvalho de Oliva A ferramenta SCPC Score Crédito utiliza os seguintes dados e informações para o cálculo do perfil de risco de inadimplência de grupos nos quais os consumidores se inserem: - Dados públicos: Informações do Censo, índice de inadimplência por região, pesquisas sobre o mercado de trabalho, entre outros. - Informações legalmente fornecidas pelo próprio consumidor: seja no ato de suas solicitações de crédito ou aquelas fornecidas diretamente às concedentes de crédito como dados de identificação (nome, RG, CPF), endereço, comprovante de renda, profissão, idade, escolaridade, etc. - Dados relativos ao comportamento de crédito: (i) registros de débitos inadimplidos apontados por empresas credoras, quantidade de consultas realizadas, valores dos débitos, diversidade de segmentos em que os débitos foram registrados. (ii) existência ou não de ação judicial (execução, busca e apreensão, etc.). (iii) e títulos protestados. Importante destacar que o período de tempo das informações acima relacionadas, sempre respeita o limite legal de cinco anos. Atenciosamente, Boa Vista Serviços S.A. Consumidores e empresas do mesmo lado Canais de Atendimento direto Boa Vista Serviços: 3003-0101

Data: 29/12/2015 Autor Afonso Carvalho de Oliva Pois bem, mais uma vez solicito o esclarecimento acerca das seguintes fonte: "- Informações legalmente fornecidas pelo próprio consumidor: seja no ato de suas solicitações de crédito ou aquelas fornecidas diretamente às concedentes de crédito como dados de identificação (nome, RG, CPF), endereço, comprovante de renda, profissão, idade, escolaridade, etc. - Dados relativos ao comportamento de crédito: (i) registros de débitos inadimplidos apontados por empresas credoras, quantidade de consultas realizadas, valores dos débitos, diversidade de segmentos em que os débitos foram registrados. (ii) existência ou não de ação judicial (execução, busca e apreensão, etc.). (iii) e títulos protestados." Favor nominar quais entidades entre as listadas acima foram consideradas para o cálculo de meu Score, em especial com relação a estas entidades: "Informações legalmente fornecidas pelo próprio consumidor: seja no ato de suas solicitações de crédito ou aquelas fornecidas diretamente às concedentes de crédito como dados de identificação (nome, RG, CPF), endereço, comprovante de renda, profissão, idade, escolaridade, etc" Uma vez que até o momento não fiz nenhuma solicitação de crédito no mercado. Aguardo o retorno.

Complemento da reclamação

SENACON - Endereço: Esplanada dos Ministérios Bloco T, Edificio Sede - 5º Andar - Sala 524 Nr , Bairro Zona Cívico-Administrativa, Cidade Brasília/DF CEP 70064-900 http://justica.gov.br/portal/sites/direito-do-consumidor/



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Consumidor.gov.br SENACON Secretaria Nacional do Consumidor

Data: 06/01/2016

Autor Afonso Carvalho de Oliva

Prezados, continuo no aguardo da informações solicitadas.

Avaliação do consumidor Data: 06/01/2016 Autor Afonso Carvalho de Oliva Resolvida: Não Nota de Avaliação: 1 Texto de Avaliação: O fornecedor não apresentou os dados solicitados e garantidos aos consumidores conforme a súmula 550 do STJ.

Andamento Data

Descrição

Autor

Anexos

26/12/2015

Abertura da reclamação

Afonso Carvalho de Oliva

28/12/2015

Visualizada pelo fornecedor

28/12/2015

Complemento da reclamação

28/12/2015

Resposta do fornecedor

28/12/2015

Complemento da reclamação

28/12/2015

Complemento da reclamação

29/12/2015

Complemento da reclamação

29/12/2015

Complemento da reclamação

29/12/2015

Complemento da reclamação

Boa Vista Serviços - SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito) Boa Vista Serviços - SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito) Boa Vista Serviços - SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito) Afonso Carvalho de Oliva Boa Vista Serviços - SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito) Afonso Carvalho de Oliva Boa Vista Serviços - SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito) Afonso Carvalho de Oliva

CNH - Afonso Oliva.pdf Não há anexos.

06/01/2016

Complemento da reclamação

Afonso Carvalho de Oliva

Não há anexos.

06/01/2016

Avaliação do consumidor

Afonso Carvalho de Oliva

Não há anexos.

Score.pdf Não há anexos. Não há anexos. Não há anexos. Não há anexos. Não há anexos. Não há anexos.

SENACON - Endereço: Esplanada dos Ministérios Bloco T, Edificio Sede - 5º Andar - Sala 524 Nr , Bairro Zona Cívico-Administrativa, Cidade Brasília/DF CEP 70064-900 http://justica.gov.br/portal/sites/direito-do-consumidor/



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ANEXO D – COMPACT DISK COM CÓPIA INTEGRAL DO RECURSO ESPECIAL 1.419.697/RS



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