O Direito Penal e o acesso à Justiça - The criminal law and the access to justice

May 24, 2017 | Autor: Sara Matanzaz | Categoria: Criminal Law, Criminologia, Direito Penal, Acesso à Justiça
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O DIREITO PENAL E O ACESSO À JUSTIÇA SARA CARVALHO MATANZAZ1

ÁREA TEMÁTICA: Acesso à Justiça

RESUMO: Este artigo tem como objetivo discorrer brevemente acerca da problemática do acesso à justiça sob a ótica do Direito Penal, a fim de questionar a efetividade dos mecanismos Constitucionais que visam a isonomia jurídica. Nesse intuito foram discutidos os principais obstáculos à democratização da tutela jurisdicional penal, entendendo que nesse ramo do Direito o acesso à justiça implica ainda na salvaguarda das garantias processuais penais do réu. Ademais foram dispostas propostas de solução aos aludidos impasses. Por fim, verificou-se que apesar dos instrumentos legais disponíveis ao cidadão, este só terá pleno acesso à justiça criminal se efetivado o direito à informação e superadas as barreiras culturais que fazem com que o judiciário seja para muitos ainda um mundo acessível apenas a seus operadores.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O Direito Penal e o acesso à justiça; 2 Obstáculos e propostas de solução; Conclusão; Referências Bibliográficas.

PALAVRAS CHAVE: Direito penal; acesso à justiça; direito à informação.

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Advogada criminalista, professora na Nova Faculdade, mestre em ciências jurídico-forenses pela Universidade de Coimbra, bacharel em Direito pela UFMG.

INTRODUÇÃO A partir da Constituição Federal de 1988, ao menos formalmente, pode-se dizer que no Brasil adotou-se o modelo de Estado Democrático de Direito, de forma a ampliar, significativamente, o rol de direitos fundamentais do cidadão. Na aludida Carta Constitucional, foram formalizados os direitos civis, políticos e sociais, incluindo-se nesses últimos os direitos difusos e coletivos. Um dos pilares desta estrutura de garantias está no princípio da igualdade jurídica, elencado como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, no art. 3º, inciso IV, da CR/88, o qual propõe a promoção do bem de todos, sem discriminação. No mesmo sentido, garante o caput do art. 50 da CR/88, que todos são iguais perante a lei. Importante notar que quando falamos aqui em igualdade, não se vislumbra a idéia de que a todos deverão ser dadas as mesmas respostas jurídicas, mas ao contrário, que à luz do ideário aristotélico sejam garantidas soluções desiguais àqueles que em desigual situação se encontrem. Esclarecido isto, inegável a importância de tão basilar princípio, posto que sem ele impossível garantir-se a liberdade dos cidadãos, sendo que essa se constituiria em um direito de poucos privilegiados2. A almejada igualdade jurídica só poderá ser plena se forem possibilitadas ferramentas para a resposta jurisdicional do Estado aos conflitos do cidadão, ou seja, se a ele for disponibilizado o acesso à Justiça. Nessa esteira é que o já citado art. 5º traz em seu inciso LIV a garantia à tutela jurisdicional, e no LXXIV a previsão de assistência jurídica gratuita. Porém, tais mecanismos legais não resolvem per si a questão do acesso à justiça, principalmente na delicada e limítrofe esfera do Direito Penal, conforme passaremos a analisar. 1. O DIREITO PENAL E O ACESSO À JUSTIÇA É sabido que o princípio da isonomia oferece, em sua aplicação prática, inúmeras dificuldades, uma vez que, consoante lição de Manoel Gonçalves ferreira Filho, a necessidade de desigualar os homens em certos momentos para estabelecer no plano fundamental a sua igualdade cria problemas delicados que nem sempre a razão humana resolve adequadamente.3i

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MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.p.89 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1986.p.581 3

Se, sob qualquer âmbito que se analise, penosa a procura da isonomia jurídica, na esfera penal enfrenta ainda maiores barreiras à efetividade deste princípio. É certo que uma das principais características constitucionalismo moderno está no monopólio da violência pelo Estado, o que se convencionou denominar “controle centralizado dos meios de coerção”, exercido pelo conhecido quadro coativo proposto por Weber4. Compreendida esta importante função atribuída ao Estado pelo discurso da racionalidade jurídica, mais ampla se faz a garantia do aceso à Justiça sob a ótica do Direito Penal, porquanto para além de respaldar a capacidade postulatória, permite a defesa do cidadão ante à legitimada violência institucional. Daí que se conclui que no ramo do Direito analisado, o acesso à justiça é tanto a capacidade da vítima de encontrar meios formais para resposta à agressão sofrida, como a possibilidade do réu de defender-se processualmente da conduta a ele atribuída. E sob o prisma deste último, se não há real acesso à justiça, inúteis as garantias processuais penais elencadas no texto constitucional. 2. OBSTÁCULOS E PROPOSTAS DE SOLUÇÃO Indubitável face ao exposto a necessidade de que o acesso à justiça criminal supere o formalismo legal e viabilize de um lado o amparo à vítima e de outro a salvaguarda daquele quem se imputa um fato, o qual só deixará de ser inocente face à sentença penal condenatória transitada em julgado (art. 5º LVII da CR/88). Todavia, a garantia da adequada resposta jurisdicional vem sendo há tempos questionada dada a fragilidade do Estado em oferecer a todos, respeitadas as desigualdades concretas, o devido amparo jurídico, garantido constitucionalmente. Diversos são os estudos que noticiam o desabrigo da maior parte da população face aos aparatos judiciais disponibilizados ao cidadão. Dentre os maiores obstáculos à disseminação do controle jurisdicional estão os elevados custos da resolução formal dos litígios5. Nesse sentido, importante avanço trouxe a Constituição de 1988(art. 98) ao garantir acesso integral e gratuito à justiça aos financeiramente carentes.

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Weber, 1996, p.28 in AZEVEDO, Rodrigo Ahiringhelli de. Juizados Especiais Criminais: uma abordagem sociológica sobre a informalização da justiça penal no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2001, v.16, n.47.p.97 5 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos,2002. pp.185186

No entanto, para além da possibilidade financeira das partes, há a possibilidade cultural, social e intelectual de compreender os mecanismos da justiça e os direitos e deveres por ela assegurados. De acordo com estudos de Capeletti e Garth6, dentre os obstáculos ao acesso à justiça estão a falta de disposição psicológica para recorrer a processos judiciais, a incompreensão dos procedimentos e o temor aos ambientes dos tribunais e aos operadores do Direito, de servidores a advogados e juízes. Nesse sentido, esclarecedora a lição de Boaventura de Souza Santos: (...)a discriminação social no acesso à Justiça é um fenômeno muito mais complexo do que à primeira vista pode parecer, já que, para além das condicionantes econômicas, sempre mais óbvias, envolve condicionantes sociais e culturais resultantes de processos de socialização e de interiorização de valores dominantes muito difíceis de transformar 7.

Por esta razão é que, para além da justiça gratuita, passou o Estado a buscar novos mecanismos de informalização da justiça, permitindo que a solução concentrada dos conflitos atinja a maior parte possível da população. À luz de tal problemática é que foram editadas as leis 9.099/98 e 9.307/96, que trazem formas mais rápidas e simples de resposta jurisdicional, a saber, os juizados especiais e a justiça arbitral, respectivamente. Em matéria penal, o esforço pela simplificação obteve rápida adesão popular, graças à insatisfação das classes menos favorecidas com a solução formal dos conflitos, que na maioria das vezes os tornam desamparados réus da violência estatal8. Entretanto, é preciso analisar a informalização da justiça criminal com críticos olhos, pois ao mesmo tempo que se permite maior acesso à resposta estatal, também se fragiliza o controle da violência legitimada. Isso porque, apesar da formalidade criar barreiras ao cidadão ela é capaz de limitar a discricionariedade do operador do Direito. Dessarte, de nada adianta encaminhar o cidadão de forma despreparada e desavisada a meios mais simples de solução de conflitos, se as estruturas de poder não se despirem de desnecessários formalismos, pompas e burocracias inúteis, permitindo a um só tempo a efetiva compreensão dos procedimentos por parte dos atendidos e o controle das respostas fornecidas por mecanismos fiscalizadores do judiciário.

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CAPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998. pp.21-24 7 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995. pp.170-171 8 AZEVEDO, Rodrigo Ahiringhelli de. Juizados Especiais Criminais: uma abordagem sociológica sobre a informalização da justiça penal no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2001, v.16, n.47.p.99

CONCLUSÃO Não há dúvidas quanto a importância de garantir-se o acesso à justiça criminal a todo cidadão, à fim de permitir-lhe isonomia jurídica, alicerce da liberdade constitucionalmente assegurada. Até porque quando os conflitos não são dirimidos pelas vias formais, a tendência é que sejam administrados de forma privada, na qual há predomínio da violência. Assim, o acesso à justiça pode ser encarado como o requisito fundamental – o mia básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.9 Democratizar a justiça significa, portanto, reduzir os obstáculos que se interponham à efetiva prestação jurisdicional, tanto do ponto de vista da vítima, quanto do réu. E para tal, não basta a gratuidade, ou mesmo a informalização da justiça, necessário o amplo acesso à informação, para que o cidadão se aproprie de seus direitos e obrigações e se sinta à vontade diante dos mecanismos assecuratórios destes. E nesse sentido, pela concreta integração da justiça e de seu assistido, ainda temos uma longa estrada a trilhar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Rodrigo Ahiringhelli de. Juizados Especiais Criminais: uma abordagem sociológica sobre a informalização da justiça penal no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2001, v.16, n.47. CAPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1986. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. O social e o político na pósmodernidade. São Paulo: Cortez, 1995. WEBER, 1996, p.28 in AZEVEDO, Rodrigo Ahiringhelli de. Juizados Especiais Criminais: uma abordagem sociológica sobre a informalização da justiça penal no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2001, v.16, n.47.

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CAPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998. p.12

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