O discurso em \"O Mestre Ignorante\"

July 24, 2017 | Autor: Andrea Onody Pellis | Categoria: Análisis del Discurso, Emancipatory Pedagogy, Educação Libertadora
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UNIVERSIDAD DEL SALVADOR MESTRADO EM EDUCAÇÃO

O DISCURSO EM “O MESTRE IGNORANTE” Andrea Onody Pellis

Junho/2013

O DISCURSO EM “O MESTRE IGNORANTE” Andrea Onody Pellis (Mestranda em Educação pela Universidad del Salvador)

ÍNDICE:

ÍNDICE ......................................................................................................................................

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RESUMO .................................................................................................................................... 01 PALAVRAS-CHAVE ................................................................................................................ 01 ABSTRACT ................................................................................................................................ 02 KEYWORDS .............................................................................................................................. 02 INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 02 CAPÍTULO 1: O QUE É ANÁLISE DO DISCURSO? ............................................................. 03 CAPÍTULO 2: O MESTRE E SUAS LIÇÕES .......................................................................... 03 2.1 A aventura intelectual .......................................................................................................... 04 2.2 Limites da língua, limites do mundo .................................................................................... 06 CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 07 BIBLIOGRAFIA ...……............................................................................................................. 09

Resumo. O presente trabalho tem como objetivo contribuir com os debates acerca da obra “O Mestre Ignorante”, inspirada na experiência de vida de Joseph Jacotot, sob a ótica da Análise do Discurso, por se apresentar como um domínio aberto que propicia o diálogo com outras disciplinas, tais como a Teoria Literária, a História em sua perspectiva cultural e a Política. Para tal intento, utilizaremos os conceitos de discurso e interdiscurso advindos dos estudos de teóricos como Eni Orlandi e Dominique Maingueneau. O resultado mostra o legado de Jacotot para a Educação, inspirando educadores do século XX e XXI, contribuindo com a formação de cidadãos politizados, construtores de sua própria história.

Palavras-chave: Educação, Pedagogia, Emancipação Intelectual, Educação Libertadora, Análise do Discurso. 1

Abstract. This work aims to contribute to debates about the book “The Ignorant Schoolmaster”, inspired by the life experience of Joseph Jacotot, from the perspective of Discourse Analysis, whose wide ranging domain promotes a dialogue with other disciplines, such as Literary Theory, History, in its cultural perspective, and Politics. For this purpose, we will use the concepts of discourse and interdiscourse arising from Eni Orlandi’s and Dominique Maingueneau’s theoretical studies. The result shows the educational legacy of Joseph Jacotot, inspiring educators from the 20th and 21st centuries, contributing to the formation of politicized citizens, builders if their own history. Keywords: Education, Pedagogy, Intellectual Emancipation, Education of Freedom, Discourse Analysis.

INTRODUÇÃO Ensinar não é das tarefas mais fáceis, pois se trata de um fenômeno social e não deve ser confundido como uma simples transmissão de conhecimento, especialmente na universidade. Isso porque é dever do professor criar situações de aprendizagem que possibilitem aos jovens desenvolverem suas competências, habilidades e senso crítico-reflexivo com relação aos aspectos socioeconômicos, filosóficos, científicos, tecnológicos e políticos que os rodeiam. Paulo Freire vai além: o ato de estudar, para ele, está ligado à “educação libertadora”, na qual a aprendizagem ocorre forma autêntica porque não há memorização dos textos, mas sim a compreensão dos mesmos. Assim, a educação cumpre seu verdadeiro papel social: desenvolver o sendo crítico nos alunos e fazê-los capazes de interagir com o mundo ativamente, como atores principais e não meros coadjuvantes. Freire ressalta que o aluno precisa ser persistente e humilde caso não entenda prontamente um texto. Esse aluno deve pesquisar o assunto em outros livros e reler o texto, a fim de que haja um completo entendimento e, de certa maneira, um diálogo com o autor e suas ideias, mesmo que estas sejam contrárias às do aluno. A emancipação intelectual faz parte dessa “educação libertadora” e a maior aventura nesse sentido foi vivenciada por Joseph Jacotot, cuja façanha nos é contada por Jacques Rancière em “O Mestre Ignorante”. O discurso filosófico materializado nas páginas da obra mencionada proporciona aos educadores mais que uma análise, mas sim uma reflexão crítica a respeito de sua postura profissional, sua prática pedagógica. 2

Inicialmente, faremos uma breve explanação do que é a Análise do Discurso, que embora pertença ao campo da Linguística, ainda que não exclusivamente, permite que as disciplinas, em conjunto, investiguem seu objeto de estudo conforme os seus respectivos interesses. Apoiados nessas teorias, faremos a análise do discurso presente em “O Mestre Ignorante”.

CAPÍTULO 1: O QUE É ANÁLISE DO DISCURSO?

A Análise do Discurso, doravante AD, surgida no início dos anos de 1960, estuda a palavra em movimento, sua materialidade, ou seja, enquanto ela está sendo usada, verificando os diferentes significantes e significados. Assim, os estudos discursivos trabalham a relação língua – discurso - história – ideologia como um todo, não como se cada uma delas precisasse ser analisada separadamente. Sempre há uma ideologia materializada na língua e esta só faz sentido por causa do sujeito, pois este produz o discurso. Ao analisarmos um texto em sua discursividade, percebemos que há uma simbologia própria, e por esse motivo há um deslocamento, visto que cada palavra não possui um sentido isoladamente, mas dentro de um contexto. Outro fator importante a se mencionar é a memória discursiva, pois as palavras que usamos já vieram carregadas de sentidos os quais não sabemos de onde vieram. Porém, estas palavras têm significados em nós e para nós, segundo Orlandi (2001, p. 20), e por isso funciona pelo inconsciente e pela ideologia. Quando interpretamos, o sentido é evidente. Às vezes interpretamos e negamos o que interpretamos na relação histórico-simbólica. Ocorre, então, o chamado apagamento de interpretação, que é um processo ideológico, pois produz essa evidência de sentidos a partir da memória discursiva, do que está no imaginário.

CAPÍTULO 2: O MESTRE E SUAS LIÇÕES

“Passado e futuro são o meu legado”. Essa frase mencionada por J.J. Benítez, em “Operação Cavalo de Troia”, bem poderia ter sido atribuída a Joseph Jacotot. Sua história como educador foi contada por Jacques Rancière em “O Mestre Ignorante – Cinco lições

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sobre a emancipação intelectual”, obra de cunho filosófico, permeada de cultura, ideologia e política da Europa nos primórdios do século XIX. Para Jacotot – e até mesmo para Rancière - educação e liberdade andam juntas. Porém, só há liberdade verdadeira quando a pessoa se emancipa intelectualmente, se livrando do embrutecimento. No entanto, são necessárias mudanças estruturais na Educação, as quais, segundo Célestin Freinet, devem ser propostas pelos professores e a escola precisa ser centrada no aluno como um ser social, inserido em sua comunidade. Para ele, a aquisição do conhecimento deve ser garantida de forma significativa, sendo que a criação, o trabalho e a experiência resultam em aprendizagem. Assim, a escola deve se adaptar à vida e acreditar em seu poder de transformação (Legrand, 2010, p. 34). 2.3 A aventura intelectual

Em 1818 Joseph Jacotot encontrava-se nos Países Baixos a fim de ensinar francês a um grupo de alunos, cuja língua materna era o flamengo. Contudo, ensinar uma língua sem dominá-la tornava o desafio muito maior. Os professores sabem que para se ensinar e aprender uma língua estrangeira (LE), que é uma forma de linguagem, entra-se em contato com outra ideologia, imaginário, cultura, tradições, costumes, maneiras de agir, usos da língua etc. Consequentemente, os sujeitos são diferentes, as pessoas acabam se tornando “outros”, uma vez que o “eu” da LE não é o mesmo da língua materna (LM). Significantes e significados assumem um papel diferente na Língua Materna e na LE, porque esta última é desprovida de uma carga afetiva. Assim, Jacotot adotou uma tática: por meio de um intérprete, ele solicitou que seus alunos lessem a edição bilíngue “Telêmaco”, de Fénelon, para posterior discussão em classe. Contudo, Jacotot não imaginava quais seriam os resultados, se positivos ou não, porque a sala de aula abriga sujeitos com características diversas; saberes, interesses, valores. A sala de aula é fundada na diversidade, e o papel do professor é fazer com que se produzam conhecimentos dentro desta complexa rede de relações sociais. Todo conhecimento aí gerado constitui uma aproximação parcial e provisória da ampla dimensão da vida, em toda complexidade.

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“Todo homem que fala tem ideias de ideologia, de gramática, de lógica e de eloquência. Todo homem que age tem princípios de moral privada e de moral social” (Rancière, 2011, p.58). Ao inverter a estratégia de ensino, Jacotot tornou-se um “mediador de leitura”, valendose, mesmo sem saber, dos conceitos de interdiscurso, os quais somente começaram a ser estudados no século XX. Seu método de ensinar foi chamado de “Ensino Universal”. Na atualidade, Dominique Maingueneau reformulou e ampliou alguns dos conceitos da AD, propondo o interdiscurso sobre o discurso, definido como o espaço em que vários discursos selecionados se relacionam. Podemos depreender disso que não há discurso homogêneo e absoluto, pois mesmo que não apresente marcas vivíveis do outro, todo discurso forma-se por meio de uma heterogeneidade constitutiva. Maingueneau (2005, p.55) ressalta que: “O discurso só adquire sentido no interior de um universo de outros discursos, lugar no qual ele deve traçar seu caminho. Para interpretar qualquer enunciado, é necessário relacioná-lo a muitos outros - outros enunciados que são comentados, parodiados, citados etc.”.

Os alunos de Jacotot (um mestre sábio) o surpreenderam, pois aprenderam de forma significativa. Ao recorrerem ao texto, viram-se envolvidos por outros saberes. Foram, na verdade, emancipados, uma vez que não se viram “subjugados” pelos conhecimentos do professor. Esse princípio condiz com a pedagogia difundida por Paulo Freire, a qual é vista como forma de conscientização, politização e emancipação do sujeito. Assim, este aprende não pelo que recebe do professor e da escola, mas pela própria experiência de aprender a fazer. Logo, o aprendizado torna-se recurso puramente dialógico, no qual tanto o aluno quanto o professor devem ter suas culturas valorizadas equiparadamente, no qual o único mediador é o mundo. (Beisiegel, 2010, p. 39-42). Freire argumentava que só por meio do aprendizado dialógico, gerando um conhecimento crítico e coerente, o ser humano alcançaria sua autonomia social, encontrando, a partir de então, sua verdadeira identidade social. “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, os homens se libertam em comunhão” (Freire, 1987, p. 52).

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Jacques Rancière diz que o “método Jacotot” é norteado por três princípios: todos os homens têm igual inteligência, cada homem recebeu de Deus a capacidade de instruir-se, tudo está em tudo. Todo mundo é igual, mesmo quando é “diferente”: em suma, todas as pessoas têm capacidade de aprender, a diferença é que cada um têm características únicas e a compreensão não se dá no mesmo tempo. Mais uma vez Jacotot se mostra na vanguarda do processo ensino-aprendizagem, preconizando e as “múltiplas inteligências” (Gardner) e apoiando-se no que os linguistas chamam de “gramática textual”. O sujeito deve ser capaz de interpretar a realidade que o circunda e perceber-se como sujeito participativo no seu contexto social, político e cultural. Isso faz com que Ranciére critique o método socrático, pois, segundo ele, é uma forma aperfeiçoada de “embrutecimento”.

2.4 Limites da língua, limites do mundo O filósofo Ludwig Wittgenstein afirmou: “os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo” (Alves, 2004, p. 16). É por esta razão que há necessidade da emancipação do ser humano. Sabemos que a linguagem é uma forma de silenciamento dos povos, uma forma de opressão. Ressaltamos também que toda e qualquer manifestação cultural se dá por meio de uma forma de linguagem. Portanto, é imprescindível que, antes que questões relativas à cultura sejam discutidas, a linguagem, sua concepção e seu funcionamento sejam objetos de reflexão. Na verdade, linguagem e realidade se prendem dinamicamente (Freire, 2011, p. 20). Isso ocorre porque as palavras são usadas para a construção do mundo daqueles que as usam. Ranciére parece acreditar que o sistema educativo apenas perpetua as desigualdades e isso poderá justificar a dominação de uns por outros, pois a escola não forma homens pensantes, críticos, mas sim meros reprodutores de conhecimento – como o “efeito papagaio” das aulas de LE, sem uma produção de sentidos. O professor precisa desenvolver uma metodologia de ensino voltada para a pesquisa e solução de problemas, para a realidade e necessidades de seus alunos, como fez Joseph Jacotot e o seu Ensino Universal. Esse é o princípio da verdadeira emancipação, da verdadeira igualdade - “é preciso aprender qualquer coisa e a isso relacionar a todo o resto, segundo esse princípio: todas as inteligências são iguais.” (Rancière, 2011, p.141).

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Vale destacar que um dos aspectos mais importantes para obter sucesso é a reflexão. Em se tratando de metodologia de ensino, adotar uma postura crítico-reflexiva implica em uma melhor qualidade do processo ensino-aprendizagem. Além disso, adotando tal postura reflexiva, o professor desenvolverá ferramentas que o ajudarão a solucionar eventuais problemas surgidos em sala de aula, bem como avaliar e rever sua prática, a fim de verificar o que foi bem sucedido e o que precisa ser reformulado (replanejamento) para que as metas de aprendizagem sejam obtidas. Com relação aos alunos, isso implica na reflexão acerca do que ele já sabe (conhecimento prévio), como ele faz e como vai agir diante de um novo objeto de estudo.

CONCLUSÃO

A base para que haja um processo ensino-aprendizagem efetivo está no diálogo. Jacotot sabia que o papel do professor não é ser somente um explicador, mas sim um emancipador. Ele deve incentivar os alunos a ler, a pensar e aprender, desde que tenham determinação. O professor é responsável pela promoção da aprendizagem e pela conscientização dos alunos quanto às possíveis limitações e modos de superá-las (Coracini, 2010, p. 98). O diálogo é o momento em que os seres humanos se encontram para refletir sobre sua realidade tal como fazem e refazem (Shor & Freire, 1986, p.122-123). Jacotot sabia que os diferentes saberes são igualmente importantes, pois são manifestações da inteligência humana. Para ele, as pessoas precisam se conscientizar de suas habilidades e competências em aprender, condição fundamental para que haja a verdadeira emancipação. “A inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de interações sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas”. (La Taille, 1992, p.11 citando Jean Piaget). No entanto, os conhecimentos não podem não pode estar desvinculados da realidade que circunda os sujeitos, que estão inseridos, pelo discurso, em uma história e ideologia que já existiam antes deles, e que são colocadas em movimento por eles toda vez que falam. Independentemente da língua que falam. Estamos, assim, trabalhando com a concepção de sujeito constituído pelo discurso e comprometido histórica e ideologicamente. O educador emancipador é consciente de que “não podemos deixar que as paredes das salas de aula e os muros das escolas bloqueiem as descobertas e impossibilitem as conexões 7

com a comunidade, pois o saber está em todos os lugares” (Legrand, 2010, p. 35 citando Freinet). Além disso, “as instituições são criações humanas. Podem ser mudadas. E, se forem mudadas, os professores aprenderão o prazer de beber águas de outros ribeirões e voltarão a fazer as perguntas que faziam quando crianças” (Alves, 2004, p. 17). Somente com o nascimento do conflito, podemos construir o que ainda nós conhecemos. Este é o desejo do educador: provocar o conflito, a dúvida, o deflagrar do "não sei", a partir do que o sujeito pensa e faz, assim, ENSINAR com significado. (Freire, 1998, p.1)

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BIBLIOGRAFIA

Alves, Rubem (2004). O Desejo de Ensinar e a Arte de Aprender. Campinas: Fundação Educar DPaschoal. Beisiegel, Celso R. (2010). Paulo Freire. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana. Bolognini, Carmen Zink (2008). Práticas na sala de aula de línguas estrangeiras. Campinas: Rever. Coracini, Maria José (2010). O Jogo Discursivo na Aula de Leitura – Língua Materna e Língua Estrangeira. Campinas: Pontes Editores. Freire, Madalena (1998). Provocar o conflito, a dúvida, o “não-sei”. São Paulo: Espaço Pedagógico, ano 1, n.º 2. Freire, Paulo (1987). Pedagogia do Oprimido. 17.ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. ___________ (2011). A Importância do ato de ler. 51.ª ed. São Paulo: Cortez Editora. La Taille, Yves. O lugar da interação social na concepção de Jean Piaget. In: Piaget, Vygotski, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. Maingueneau, Dominique (2002). Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez. Legrand, Louis (2010). Célestin Freinet. Tradução e organização de José Gabriel Perissé. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana. Orlandi, Eni P. ( 2001). Análise de Discurso, Princípios e Procedimentos. São Paulo: Pontes. Rancière, Jacques (2011). ). O Mestre Ignorante-Cinco lições sobre a emancipação. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica Editora. Shor, Ira; Freire, Paulo (1986). Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 7.ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

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