O Edifício Chagas Rodrigues (DER-PI) na paisagem cultural da Avenida Frei Serafim, em Teresina-PI: Seu reconhecimento enquanto marco e análise do projeto de intervenção proposto

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O EDIFÍCIO CHAGAS RODRIGUES (DER-PI) NA PAISAGEM CULTURAL DA AVENIDA FREI SERAFIM, EM TERESINA-PI: Seu reconhecimento enquanto marco e análise do projeto de intervenção proposto. CASTELO BRANCO, André M. C. (1); MAGALHÃES, Aminna R. S. (2); MELO, Neuza B. A. L. (3). 1. Instituto Camillo Filho. Arquitetura e Urbanismo Av. Aviador Irapuan Rocha, nº 2071, apto 301, Bairro de Fátima, Teresina-PI, 64049-518 [email protected] 2. Instituto Camillo Filho. Arquitetura e Urbanismo R. Alberone Lemos, nº 258, Bairro Acarape, Teresina-PI, 64003-780 [email protected] 3. Instituto Camillo Filho. Arquitetura e Urbanismo Av. Marechal Castelo Branco, nº 330, apto 702, Bairro Frei Serafim, Teresina-PI, 64001-920 [email protected]

RESUMO A presente pesquisa propõe o estudo arquitetônico do Edifício Chagas Rodrigues, sede do DER-PI em Teresina, além do estudo arquitetônico do edifício e de sua trajetória, como forma de reconhecimento da obra enquanto marco na paisagem cultural e, assim, abrir a discussão de perspectivas que abordem a sua preservação, além de uma análise da proposta de reforma existente. O projeto do arquiteto carioca Maurício Sued, datado de 1955, é considerado o primeiro edifício modernista do estado. Exemplo característico da Escola Carioca de Arquitetura, ele apresenta os princípios corbusianos de fachada e planta livres da estrutura e uso de pilotis no térreo livre, além da volumetria prismática simples, rompida pela escada helicoidal, e do painel do artista Genes Soares. A adaptação ao clima se faz presente nas fachadas, com cobogós a oeste e esquadrias recuadas e brises a leste. Está localizado na Avenida Frei Serafim, principal via de ligação entre o centro e a zona leste da cidade, em um ponto da via próximo ao limite leste da mancha urbana na época em que foi edificado, que coincide com o início da expansão da cidade naquela direção. Por este motivo, constitui marco fronteiriço entre o trecho mais a oeste da avenida, que conta com diversas casas de tipologia eclética da primeira metade do século XX, e aquele mais a leste, após o cruzamento com a ferrovia, de ocupação posterior à edificação do DER; na esquina oposta está o conjunto da Estação Ferroviária de Teresina, tombado a nível federal, e todo o corredor da avenida tem suas fachadas protegidas por legislação municipal. O edifício é testemunho de um período de modernização da cidade e reestruturação da máquina administrativa pública no estado; nas décadas de 1950 e 1960, a Arquitetura Moderna é adotada no Piauí nos edifícios sede de diversos órgãos governamentais. Além de representativo desse momento, o Edifício Chagas Rodrigues constituiu, ao longo de sua trajetória, um marco na paisagem da Avenida Frei Serafim, tendo sido tombado a nível estadual em 1997. Porém, conforme a prática comum da época, o tombamento considerou o edifício como objeto isolado e, mesmo assim, mostrou-se insuficiente para sua conservação adequada, como atesta a condição atual do imóvel. Estão em andamento os trâmites para uma reforma, cujo projeto já foi elaborado. O trabalho pretende analisar

essa proposta para compreender o tratamento dado à Paisagem Cultural em que o edifício está inserido, como marco limítrofe entre dois momentos da Avenida Frei Serafim, e contribuir para a preservação do bem ao promover seu reconhecimento, identificação e apropriação, lançando mão de pesquisa e aprofundamento da reflexão acerca dele. Serão realizadas pesquisas histórica, arquitetônica, iconográfica e bibliográfica para conhecimento da trajetória do bem ao longo do tempo e do projeto da reforma, além de levantamentos e registros fotográficos do atual estado do edifício, para fundamentar a análise e discussão sobre ele. Espera-se, assim, aprofundar a discussão sobre a política patrimonial desenvolvida no Piauí e promover a difusão do conhecimento desse importante bem cultural teresinense, na perspectiva da sua preservação. Palavras-chave: Patrimônio Cultural; Arquitetura Moderna; Maurício Sued; Teresina; Edifício Chagas Rodrigues.

4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Introdução Este artigo tem como objeto o Edifício Chagas Rodrigues, sede do Departamento de Estradas de Rodagem do Piauí (DER-PI), inserido no contexto da Avenida Frei Serafim, em Teresina. O órgão é uma autarquia estadual vinculada à Secretaria dos Transportes, com a atribuição de gerir o transporte rodoviário no Piauí. Sua sede, composta pelo edifício principal e um auditório anexo, está situada no limite leste do centro da cidade, ocupando uma quadra delimitada pela Avenida Frei Serafim ao norte, Avenida Miguel Rosa ao leste, Rua Paissandu ao sul e Rua Dezenove de Novembro ao oeste.

Figura 1 – Recorte espacial do trabalho, com localização do DER-PI e da Av. Frei Serafim em Teresina.

Fonte: Elaborado pelos autores, com imagem adaptada de Google Earth, 2016.

A Avenida Frei Serafim teve origem no último quartel do século XIX, como caminho espontâneo de ligação do centro da cidade (estabelecido à margem do Rio Parnaíba, fronteira oeste do estado do Piauí) com a margem do Rio Poti, e passou por diversos momentos ao longo de sua trajetória. Situada fora do perímetro urbano original da cidade, a primeira ocupação de seu entorno foi com chácaras, recebendo ampla reforma urbanística no período do Estado Novo (1937-1945) e, a partir de então, tendo sua arquitetura transformada com a demolição das casas de palha que ali havia e a construção de diversos bangalôs ecléticos. Posteriormente, a avenida se consolidou como o principal eixo de expansão centro-leste da cidade e no seu entorno surgiram sucessivamente edificações de linhas Art Déco, Modernas e contemporâneas, dispostas quase em ordem cronológica de construção e estilo. Ao longo do século XX, a avenida assumiu importante função simbólica, pois seu papel como eixo de expansão da malha urbana em novo sentido, a forma de boulevard com que foi dotada nas suas reformas, a importância e imponência dos seus edifícios e o seu papel econômico a tornaram a mais importante via da cidade. Considerado o primeiro edifício institucional Moderno no Piauí, o Edifício Chagas Rodrigues data de 1955 e foi projetado pelo arquiteto carioca Maurício Sued, formado na Faculdade 4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Nacional de Arquitetura (FNA). Está implantado no cruzamento da Av. Frei Serafim com a Av. Miguel Rosa, cujo traçado acompanha a linha férrea edificada na década de 1920 circundando o núcleo urbano e que configurou, à sua época, a delimitação deste. O edifício é um exemplo característico da chamada Escola Carioca de Arquitetura, ramo do Modernismo fortemente influenciado por Le Corbusier. Em 1973, o edifício recebeu um anexo na testada da Av. Miguel Rosa, projetado para abrigar o Auditório e Sala de Debates Prof. Herbert Parentes Fortes. A obra é relevante no contexto da avenida tanto pela sua localização num cruzamento que constituiu à sua época o limite da malha urbana da cidade quanto pela sua forma, que tanto assinala o surgimento da Arquitetura Moderna no estado quanto constitui marco estilístico e temporal no processo de ocupação da Frei Serafim.

Figura 2 – As fachadas leste e oeste, respectivamente, do Edifício Chagas Rodrigues, sede do DER-PI.

Fontes: MÜLLER, [197-?]; FEITOSA, 2008.

Justifica-se a escolha dessa paisagem como objeto para estudo, primeiramente, pelos valores que a Avenida Frei Serafim como um todo e o Edifício Chagas Rodrigues em particular apresentam: histórico, por testemunhar um período de transformações em Teresina; estético, pela qualidade arquitetônica das edificações da via e do DER-PI em particular; técnico, pelo emprego do concreto armado, atenção ao conforto ambiental e arrojo estrutural; e de uso prático, pelo seu emprego continuado como sede de uma autarquia estadual. Além disso, a pesquisa e documentação sobre a arquitetura teresinense ainda é incipiente, sendo composta em grande parte por apresentações e inventários gerais que tomaram corpo e assumiram caráter analítico do ponto de vista arquitetônico apenas na última década. Essa produção existente é de grande valor, mas alerta acertadamente para a necessidade de aprofundar as reflexões sobre o acervo da cidade, tarefa com a qual se pretende contribuir. A significação cultural da paisagem em estudo foi reconhecida pelo poder público quando da elaboração de instrumentos jurídicos de salvaguarda como o tombamento do Edifício Chagas Rodrigues a nível estadual, realizado em 1997, e a criação da Zona de Preservação Ambiental pelo plano diretor de 2006, que protege as fachadas de toda a avenida. Apesar de ser uma iniciativa importante, esta medida se mostrou insuficiente para a preservação dos bens em 4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

questão, pois diversas fachadas da avenida apresentam alterações substanciais e a sede do DER-PI encontra-se bastante deteriorada devido à falta de manutenção. Dessa forma, faz-se necessária a adoção de outras medidas para sua conservação e preservação, que demandam a realização de estudos e análises sobre sua significação e atual estado. Pretende-se contribuir para a preservação dessa paisagem e do edifício ao promover seu (re)conhecimento e apropriação enquanto bens patrimoniais, através da pesquisa e aprofundamento das reflexões prévias. Para tanto, fazem-se necessárias pesquisas histórica, bibliográfica, arquitetônica e iconográfica para conhecimento da trajetória da Avenida Frei Serafim e do DER-PI ao longo dos anos, além de levantamentos e registros do atual estado de conservação do edifício, para fundamentar a análise e discussão sobre ele e seu contexto. Espera-se, assim, promover a difusão do conhecimento desses importantes bens culturais teresinenses, na perspectiva da sua preservação.

Arquitetura, Cidade e Sítio Histórico O arquiteto e teórico italiano Aldo Rossi entende a arquitetura como uma criação inseparável da vida civil e da sociedade em que se manifesta, porque realiza um ambiente artificial mais favorável à vida, sempre com uma intencionalidade estética. Ela é a cena fixa e palco da vida do homem. Essa intencionalidade se transforma ao longo do tempo e, ao crescer, a cidade adquire consciência e memória de si mesma e os fatos urbanos desenvolvem-se em contínua relação com a própria ideia de cidade (ROSSI, 2001, p.1-5). A palavra cidade, segundo o historiador da arquitetura Leonardo Benevolo, pode significar a organização da sociedade e a sua situação física, que são correspondentes. Essa correspondência, porém, não é perfeita e a forma urbana pode se realizar às vezes em antecipação ou em resposta às estruturas sociais. A forma física é frequentemente mais durável do que a própria sociedade e constitui importante objeto histórico cujo estudo fornece valiosas informações sobre quem a habitou (BENEVOLO, 2001, p.13-28). A Carta de Washington, adotada pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS, órgão consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO] para questões relacionadas ao patrimônio material) em 1987, afirma que “todas as cidades do mundo são expressões materiais da diversidade das sociedades através da história e são todas, por essa razão, históricas”. Seus bairros e centros históricos são documentos e expressões de valores (ICOMOS, 1987, p.1). Elaborada no mesmo ano no Brasil, a Carta de Petrópolis compreende a cidade em termos semelhantes, enquanto expressão cultural. O sítio histórico urbano é nela definido como “[...] o espaço que concentra testemunhos do fazer cultural da cidade em suas diversas manifestações” e seu contexto 4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

inclui a paisagem e as vivências da sociedade (SEMINÁRIO BRASILEIRO PARA PRESERVAÇÃO E REVITALIZAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS, 1987, p.1).

Arquitetura Moderna Como toda transformação histórica importante, de acordo com Benevolo (2001), o Movimento Moderno é o resultado de inúmeras contribuições, tanto coletivas quanto individuais, e é impossível fixar sua origem num só lugar ou ambiente cultural. Guimarães (2015) afirma que a arquitetura moderna surgiu entre o fim do século XIX e o início do século XX e tem como principais características a primazia de medidas; o destaque ao detalhe técnico; o elementarismo; a criação a partir de protótipos, a construção projetual baseada na repetição modular; a subdivisão da estrutura global em volumes eficazes; a procura primordial pela funcionalidade, a abstração e o racionalismo formal e a construção do complexo a partir do simples. Benevolo (2001, p.403) descreve a primeira década de experiências, distinguindo, em primeiro lugar, as duas mais inovadoras: a obra didática de Gropius e seus colaboradores da Bauhaus e a obra de Le Corbusier como arquiteto; em segundo lugar, algumas experiências ligadas aos movimentos culturais do período anterior à guerra. A Bauhaus, fundada em 1919 na Alemanha por Walter Gropius, era uma escola de artes que tinha como objetivo construir uma nova sociedade, tendo influenciado bastante a arquitetura modernista, através de seus ideais de funcionalidade e simplicidade das formas (SILVA, 2005). Já o franco-suíço Le Corbusier foi um dos mais importantes expoentes da arquitetura do século XX. Nascido na França, enfrentou as tradições de seu país com o propósito de inovar e romper os paradigmas do classicismo ornamentalista. Em 1914, o arquiteto esforça-se para idealizar a célula de moradia econômica, repetível em série: surgiu, neste momento, a Casa Domino. Em 1926, em parceria com Pierre Jeanneret, Le Corbusier deu sua maior contribuição para a disciplina, os cinco pontos da nova arquitetura: pilotis, tetos-jardim, planta livre, janelas horizontais e fachada livre. Suas principais obras deste momento são a Villa Savoye e as Unidades de Habitação em Berlim (BENEVOLO, 2001). O Movimento Moderno no Brasil não surgiu repentinamente. Para Bruand (2002), ele foi o resultado da evolução do pensamento de alguns grupos intelectuais brasileiros, especialmente paulistas, que resultou na Semana de Arte Moderna em 1922. Foi através do arquiteto russo Gregori Warchavchik que o modernismo arquitetônico fez sua primeira aparição no Brasil. Publicou em 1925 um manifesto da Arquitetura Funcional e construiu em 1928 sua casa, considerada a primeira casa Modernista de São Paulo. Porém, apesar do pioneirismo paulista, o modernismo encontrou na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de

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Janeiro, maior espaço para debate. A primeira visita de Le Corbusier teve pouco destaque e aconteceu em 1929. Em 1936, aconteceu o concurso público para a sede do Ministério da Educação e Saúde (MES) no Rio de Janeiro, que teve seu resultado desconsiderado pelo governador em vigência Gustavo Capanema, delegando à Lucio Costa o papel de desenvolver um novo projeto. (ANDRADE, 2005). Com apoio do governo, Costa contratou uma equipe de arquitetos modernistas brasileiros e também a consultoria de Le Corbusier. Na segunda visita ao Brasil, Corbusier foi mais visibilizado devido à grandiosidade do projeto do MES e a melhor aceitação do modernismo arquitetônico por parte da população. Nesta visita, ele pôde esclarecer sobre a flexibilidade de sua doutrina, demonstrando que “sabia libertar-se de sua rigidez, estimulando, sempre que possível, sua capacidade criadora” (BRUAND, 2002, p.90). As consequências da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) fizeram-se sentir no Piauí na forma de estagnação econômica, devido ao declínio das exportações de produtos do extrativismo local. Como resposta, o governo federal planejou, na década de 1950, a estruturação da máquina administrativa no estado, buscando fomentar o desenvolvimento da região com a criação de empresas estatais para atuar nos setores de infraestrutura, finanças e abastecimento. Essa década viu uma nova dinâmica na urbanização do Piauí, que objetivava consolidar a importância de Teresina no contexto estadual (GUIMARÃES, 2015, p.240). A modernização do aparato administrativo refletiu-se também na estética dos edifícios, pois, do mesmo modo que o Estado Novo adotou o Art Déco como espécie de estilo oficial, as novas sedes dos órgãos públicos e das empresas estatais edificadas em Teresina a partir desse período adotaram a Arquitetura Moderna. A primeira obra modernista projetada por um arquiteto com formação universitária na cidade foi a casa do médico Zenon Rocha, de 1952, criada por Anísio Medeiros, teresinense radicado no Rio de Janeiro e formado na Faculdade Nacional de Arquitetura (ANDRADE, 2005, p.25-28). Logo depois, outros proprietários contrataram o arquiteto, levando essa estética a ser adotada na região próxima à Avenida Frei Serafim. Em 1955 foi inaugurado o primeiro edifício institucional marcadamente Moderno do Piauí: o Edifício Chagas Rodrigues, projetado pelo carioca Marcelo Sued. (AFONSO, 2015b, p.47-48).

Patrimônio e Paisagem Cultural O conceito atual de patrimônio é recente, tendo surgido na Europa apenas no período seguinte à Revolução Francesa de 1789. Àquela época, a população francesa depredava edifícios e objetos que remetiam ao Antigo Regime, como palácios e objetos artísticos. O governo revolucionário tomou para si a tarefa de salvaguardá-los e ressignificá-los, conferindo 4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

ao seu conjunto o papel de base material para a cultura nacional do Estado em formação. Fez-se um esforço para construir a ideia de que os franceses eram um só povo, com uma só língua, cultura e história, da qual o patrimônio seria testemunha. Esse modelo de tutela estatal do patrimônio se difundiu por diversos países posteriormente, inclusive no Brasil, onde influenciou a criação do IPHAN (CHOAY, 2006, p.17-28, 61-67; FONSECA, 2009, p.52-60; FUNARI; PELEGRINI, 2006, p.3-5). No início do século XX, o austríaco Alois Riegl elaborou a teoria dos valores, com uma perspectiva distanciada, focada na percepção. Riegl considerou que todos os monumentos têm dimensões histórica e estética e, adotando uma concepção de história centrada na ideia de desenvolvimento e evolução, sua teoria levou à superação da noção de cânone e à afirmação do valor específico de cada período (FONSECA, 2009, p.66-67). O conceito de valores permanece relevante na prática preservacionista atual e geralmente é compreendido como composto pelos valores culturais (de identidade, técnico ou artístico relativo, de originalidade) e valores socioeconômicos (econômico, funcional, educativo, social, político). A valoração dos bens é decorrente de um processo crítico que inclui a investigação e a documentação e a conjugação das duas categorias de valores é fundamental para avaliar os impactos que podem ter sobre os bens patrimoniais (FIGUEIREDO, 2008, p.87-90). A atuação sobre o patrimônio hoje tem forte referência na teoria do Restauro Crítico, desenvolvida principalmente no segundo pós-guerra por teóricos italianos como Pane, Bonelli e Brandi. Para os autores, as intervenções decorrem dos valores de que o bem é portador (identificados num processo crítico) e o ato criativo busca recompor a unidade potencial do bem que carrega estes valores, demandando, a formulação de respostas específicas para cada caso. Brandi, particularmente, coloca a necessidade de reconhecer na obra tanto a dimensão física quanto a dupla instância histórica e estética, tendo esta última prevalência em caso de eventuais tensões. Afirma, ainda, que a obra deve ser compreendida como inseparável da sua paisagem circundante (FIGUEIREDO, 2008, p.83-87; KÜHL, 1998, p.205-206). Antes restrito a monumentos provenientes da arqueologia e da História da Arquitetura erudita, após a 2ª Guerra Mundial o universo do patrimônio passou a incluir obras não monumentais de usos, épocas e lugares distintos, como a produção dos “esquecidos”, das minorias, dos países orientais e do chamado 3º mundo, através do reforço do seu valor cultural. Ocorreu uma sobreposição das noções de bem patrimonial e bem cultural e a preservação passou a se justificar pela ideia de direitos culturais. (CHOAY, 2006, p.12-15; FONSECA, 2009, p.52-53, 70-75).

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O período é marcado pela cooperação internacional, com a realização de encontros entre profissionais de diversos países que produzem documentos chamados Cartas Patrimoniais, objetivando a uniformização de discursos e práticas. Espécie de documento base do ICOMOS, a Carta de Veneza, de 1964, incorporou diversos princípios do Restauro Crítico. O texto reconheceu os valores histórico e estético dos bens, abrangeu também as obras modestas, afirmou a necessidade de pensar o bem no seu contexto, estabeleceu diretrizes para atuação e colocou a necessidade de fazer extensa documentação de todos os trabalhos. É colocado que a preservação deve incidir sobre a dimensão histórica e também sobre a estética, deve abranger o esquema de escala do entorno e deve sempre considerar o bem associado ao seu contexto físico e histórico (FIGUEIREDO, 2008, p.88; ICOMOS, 2014, p.1-4). A substituição definitiva da terminologia “Patrimônio Histórico, Artístico e/ou Nacional” por “Patrimônio Cultural” aconteceu na Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, realizada em 1972 pela UNESCO. A Convenção incorpora a teoria dos valores ao definir que o Patrimônio Cultural compreende os monumentos e conjuntos com valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte e da ciência e os lugares notáveis com valor excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico (UNESCO, 2014, p.2). Nas últimas décadas, fortaleceu-se a discussão acerca do conceito de Paisagem Cultural, entendida como “[...] uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores“ (BRASIL, 2009, p.17). O caráter peculiar, especial, é o que faz uma paisagem ser portadora de valores culturais. Uma das formas com que essa peculiaridade, que lhe confere identidade, pode se fazer presente é por marcas inscritas no espaço. Essas marcas são características morfológicas, produzidas em diferentes momentos históricos, que se cristalizam no espaço e carregam o testemunho dessas diferentes interações do homem com o meio natural ao longo do tempo. São, por isso, tempo passado, mas também tempo presente por estarem inseridas na vida atual e a forma dessa inserção também é relevante para seus conteúdos. A identidade da paisagem não reside apenas em sua forma, mas também na maneira como a sociedade a apreende e vivencia (NASCIMENTO; SCIFONI, 2010, p.30-32).

A Avenida Frei Serafim O Piauí teve colonização a partir do interior, centrada na pecuária, a partir do século XVII. Em 1852, deslocou-se a capital de Oeiras, no sudeste do estado, para Teresina, de modo a minar 4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

a polarização econômica de Caxias, no Maranhão, e facilitar o transporte de bens através da navegação do Rio Parnaíba. (AFONSO, 2015a, p.218-224; COPLAN S.A., 1969, p.11-12; FRANCO, 2015, p.68). A Avenida Frei Serafim teve origem no último quartel do século XIX, com o início da construção da Igreja São Benedito, na forma do caminho percorrido para buscar material para a obra na margem do Rio Poti, fato testemunhado pelo Cruzeiro ainda de pé no centro da via, próximo ao rio. Nas primeiras décadas do século XX, a ocupação no entorno da então Travessa Frei Serafim era composta por chácaras e quintas. Na década de 1920, foi construída a linha férrea na cidade, com traçado semicircular (em parte coincidente com a Av. Miguel Rosa), que induziu uma ocupação desordenada em torno de vias radiais. A Estação Ferroviária, de arquitetura com fortes traços ecléticos, foi edificada no cruzamento das avenidas Miguel Rosa e Frei Serafim, onde era então o limite da área urbanizada da cidade (COPLAN S.A., 1969, p.12; FRANCO, 2015, p.70-71). A transformação seguinte na paisagem da avenida ocorreu durante o Estado Novo (1937-1945), quando o discurso oficial de modernidade foi aplicado à forma urbana pelo Plano de Embelezamento elaborado para Teresina nos anos 1940. A Frei Serafim recebeu o título de Avenida dos Sonhos e passou por uma reforma que incluiu o alargamento das pistas, arborização e alargamento do passeio central, meio-fio, terraplanagem, iluminação elétrica e pavimentação. Em 1941, uma legislação específica para a avenida proibiu a construção de edificações de um só pavimento e determinou a demolição, em até 180 dias, de todas as casas de palha existentes nas quintas. Esta medida teve viés higienista, como outros planos semelhantes elaborados em cidades brasileiras a partir da década de 1930, e foi levado a cabo através de incêndios e demolições, muitas vezes, criminosas. Nesse contexto, a avenida assumiu função residencial de habitantes com alto poder aquisitivo, que edificaram diversos bangalôs de linhas ecléticas no trecho da avenida mais próximo da Igreja São Benedito, a oeste. Posteriormente, surgiram também residências de tipologia Art Déco e Modernas, dispostas ao longo da avenida numa sucessão quase cronológica de estilos no sentido oeste-leste (FRANCO, 2015, p.71; NASCIMENTO, 2002, p.152). Em 1957, foi inaugurada a Ponte Juscelino Kubitschek sobre o Rio Poti, situada na extremidade leste da Frei Serafim. A obra impulsionou a ocupação da área a leste do rio, onde já havia alguns empreendimentos imobiliários, além de consolidar a avenida como a via de acesso para essa expansão. (COPLAN S.A., 1969, p.12). Teresina passou por diversas modificações em seu espaço urbano nos anos 1970, que se fizeram sentir também na Avenida Frei Serafim através do asfaltamento das duas pistas e de novo paisagismo para seu canteiro central. O projeto, de autoria de Roberto Burle Marx, 4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

contou com nova arborização, espelhos d’água, fontes luminosas e nova iluminação. Nesse período já são visíveis as sucessões de estilos arquitetônicos na avenida, com as linhas retas e a plasticidade do Modernismo se fazendo presente nas fachadas em contraste aos bangalôs ecléticos. A partir de então, ocorreram ao longo das décadas seguintes as primeiras mudanças de uso em edificações da avenida e a instalação das sedes de órgãos públicos como a Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) e a Delegacia Regional do Trabalho (FRANCO, 2015, p.71-72). A última reforma da avenida aconteceu em 2007, quando a Prefeitura Municipal retirou as fontes e espelhos d’água, refez a pavimentação do passeio, implantou rampas para acessibilidade, instalou novos bancos e plantou novas árvores, além de ter alargado o leito carroçável da via em alguns trechos. Atualmente, a avenida apresenta uso comercial e institucional na quase totalidade das suas edificações. Após o primeiro movimento de expansão da ocupação para o leste, em direção ao Rio Poti, iniciou-se também o processo de mudança de uso do trecho de ocupação mais antiga, em que diversas obras foram demolidas para dar lugar a novas edificações, como supermercados, hotel e panificadoras. No trecho entre a Igreja São Benedito e a Avenida Miguel Rosa, em que se observa a situação de avanço cronológico e estilístico das edificações, é possível observar que o casario eclético remanescente apresenta exemplares bem conservados, alguns mesmo sem nenhuma descaracterização na fachada, ainda que todos (exceto o palácio episcopal) tenham passado por adaptação de uso. Já as casas de traços mais próximos do Modernismo sofreram mais alterações em suas fachadas e volumetria, um possível desdobramento do fato de este patrimônio carecer do valor de ancianidade, como descrito por Riegl. Sua aparência não evoca o mesmo sentido de distanciamento no tempo que as casas ecléticas, o que contribui negativamente para sua preservação. Ao longo da via, a Avenida Frei Serafim guarda diversas marcas da passagem do tempo e do desenvolvimento da relação da sociedade com aquele espaço, que constituem o componente “físico” da paisagem cultural. A Igreja São Benedito e o cruzeiro no canteiro central, já próximo ao Rio Poti são testemunho da gênese da via; a Estação Ferroviária faz lembrar da época em que esse modal de transporte fazia parte do cotidiano da população e a Avenida Miguel Rosa constituía o limite leste da malha urbana; as casas ecléticas são remanescentes da ocupação pela elite da época estadonovista; o Hospital Getúlio Vargas e a configuração da caixa da rua com o largo passeio marcam a época da “avenida dos sonhos” da década de 1940; as casas de linhas Art Déco e Modernistas, dispostas em direção ao leste, demonstram a ocupação progressiva da via; o Edifício Chagas Rodrigues marca o período de modernização da administração da cidade iniciado nos anos 1950; o largo passeio central arborizado, com desenhos em paralelepípedos portugueses no piso e os altos postes de iluminação são 4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

remanescentes da ampla reforma da década de 1970; os novos edifícios de vários pavimentos, como a sede da Embratel e o Metropolitan Hotel marcam a mudança de usos do primeiro trecho da avenida, nem sempre com a devida atenção ao patrimônio; os estabelecimentos comerciais mais próximos do Rio Poti, como a Loja Automaq e a sede da Construtora Parente, marcam a ocupação mais recente; as novas áreas de convivência onde antes havia as fontes luminosas no passeio central foram acrescentados na reforma de 2007.

Figura 3 – Metropolitan Hotel, residência de traços Modernos e residência de traços ecléticos, respectivamente, ilustrando a sequência estilística e cronológica das edificações da Frei Serafim; perspectivas da paisagem da avenida.

Fontes: Google Street View, 2016; Perspectivas elaboradas pelos autores.

Com relação ao aspecto da identidade da paisagem presente na forma como a sociedade apreende e vivencia aquele espaço, Viana e Sousa realizaram em 2005 um estudo em que investigaram a relação de usuário da avenida com aquele espaço. Segundo os autores, os aspectos subjetivos mais citados foram o de “[...] marco histórico, cartão postal e símbolo da cidade, um local de manifestações culturais, aconchegante, receptivo e belo, onde o novo e o antigo convivem harmonicamente” (VIANA; SOUSA, 2005, p.7). Os elementos físicos mais presentes na imagem da avenida são os de “[...] um corredor, uma via de acesso, interligação, a ‘espinha dorsal’, um ponto de convergência, concentração ou limite, um marco urbanístico, arquitetônico e de desenvolvimento da cidade, um local de passeio, um corredor verde” 4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

(VIANA; SOUSA, 2005, p.8). Os elementos que mais chamam a atenção dos usuários da avenida são as edificações, o cruzeiro, a arborização e o mobiliário urbano; os edifícios mais citados são o Colégio Sagrado Coração de Jesus, o Palácio Episcopal, o Hospital Getúlio Vargas, a sede do DER-PI, a sede do 2º Batalhão de Engenharia de Construção (2º BEC), o Convento São Benedito, o Metropolitan Hotal e as diversas edificações ecléticas (VIANA; SOUSA, 2005, p.8-9). Esse trabalho, ainda que exploratório, demonstra que a paisagem cultural constituída pela Avenida Frei Serafim tem grande relevância simbólica para a população e, dentre outras edificações, o Edifício Chagas Rodrigues constitui um marco bastante significativo na via, caráter que se busca reconhecer e evidenciar na presente pesquisa através de uma reflexão mais aprofundada sobre ele.

O Edifício Chagas Rodrigues (DER-PI) O Departamento de Estradas de Rodagem do Piauí (DER-PI) é uma autarquia estadual que gere o transporte rodoviário, sediada no edifício Chagas Rodrigues, que ocupa uma quadra no cruzamento das avenidas Frei Serafim e Miguel Rosa. O edifício teve seu projeto desenvolvido em 1955 pelo arquiteto carioca Maurício Sued, graduado pela Faculdade Nacional de Arquitetura (FNA). De grande importância histórica para a cidade de Teresina, a edificação é considerada o primeiro exemplar da arquitetura moderna no Piauí, apresentando todos os princípios definidos por Le Corbusier: pilotis, planta e fachada livres da estrutura, mas adaptados ao clima tropical através do emprego de cobogós na fachada oeste e de brises e esquadrias recuadas na fachada leste. O edifício em lâmina implantado na direção norte-sul é a situação mais desfavorável possível numa região equatorial, em termos de conforto térmico, por maximizar a insolação. O recuo das salas em relação às fachadas e o emprego das barreiras à insolação são uma resposta a este fator. O prédio é um exemplo característico da chamada Escola Carioca, ramo da arquitetura moderna brasileira influenciado por Le Corbusier. Seu projeto apresenta volumetria prismática simples, marcada pela pureza das formas e por eixos bem definidos, com configuração de um bloco retangular. Possui fachadas longitudinais a leste e a oeste e encontra-se inserido na malha urbana, no centro da cidade. Sua estrutura é caracterizada pelo uso do concreto armado, com o bloco assentado sobre uma sequência de pilotis, deixando o pavimento térreo livre. A entrada principal, em sua fachada frontal, é marcada por uma esbelta marquise em concreto armado, jardim e calçada com o desenho de uma palma de carnaúba (palmeira símbolo da região) em paralelepípedo português. A escada helicoidal, que dá acesso aos 3 pavimentos, fica próxima ao centro da planta e rompe a ortogonalidade da edificação. Ainda no térreo, o prédio conta com um painel artístico, característica comum nos prédios 4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Modernistas institucionais na cidade. De autoria do artista Genes Celeste Soares, a obra retrata o modo de vida sertanejo piauiense na mata e os carnaubais, além de um arquiteto em sua prancheta e alguns elementos, como uma motoniveladora, que remetem a um contexto de construção e modernidade. Sua cobertura é de laje recoberta por telhas de fibrocimento, sustentadas por treliças de madeira. Todas essas características levam o edifício Chagas Rodrigues a guardar semelhança com a arquitetura produzida poucos anos depois nas superquadras de Brasília. Sua significação foi reconhecida pelo governo do Estado, que realizou seu tombamento a nível estadual em 1997.

Figura 4 – Fachadas oeste, leste e norte; corredor interno da fachada oeste; detalhe dos brises e esquadrias da fachada leste; detalhe da escada helicoidal.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Em visita realizada no dia 28 de junho de 2016 ao Edifício Chagas Rodrigues, foi feito levantamento fotográfico e coleta de informações com funcionários do órgão, de modo a apurar e registrar seu atual estado de conservação e as patologias presentes. A estrutura do edifício encontra-se íntegra e os danos existentes afetam, em sua maioria, os elementos de revestimento e fechamento. A fachada frontal, voltada para a Avenida Frei Serafim, possui rachaduras no reboco e pichações. O letreiro com a sigla do DER – PI, em bronze, foi retirado no mandato do governador Zé Filho para permitir a colocação de um painel do Governo do Estado e nunca foi 4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

recolocado. Segundo um servidor, o letreiro foi perdido e não existem planos para refazê-lo. A fachada oeste do edifício, voltada para a Rua Dezenove de Novembro, apresenta problemas no revestimento, como perda de reboco. A fachada leste, voltada para a Avenida Miguel Rosa, é uma das mais prejudicadas. Sua parede apresenta umidade e, por isso, manchas e perda de trechos da pintura. Fios elétricos estão expostos, gerando poluição visual e riscos à segurança. A pintura dos brises está desbotada e descascando. A fachada sul não apresenta problemas consideráveis, observando-se apenas problemas na pintura, algumas rachaduras no reboco e oxidação da tubulação exposta. A laje sobre o térreo, incluindo a da marquise, apresenta pontos de perda do material, expondo a armadura do concreto à oxidação e podendo, a longo prazo, prejudicar a estabilidade estrutural da edificação. As pastilhas que revestem os pilares no térreo apresentam manchas e em um deles, situado sob a marquise na fachada frontal, observa-se a perda de uma área considerável do revestimento, expondo o substrato de fixação. Ainda no térreo, o painel do artista plástico Genes Celeste Soares possui falhas ocasionadas por perda da pintura. Não foram obtidas informações concretas sobre uma possível restauração. A escada helicoidal está em bom estado. O auditório não apresenta danos em sua estrutura, mas encontra-se sem condições de uso. Observa-se a infestação de cupins, tanto no interior quanto no exterior, e extensos danos causados pela umidade. Segundo informações de funcionários, o anexo foi transferido à Secretaria da Administração e Previdência. Para sanar os inúmeros problemas apresentados pelo edifício, dois projetos de reforma já foram realizados, tendo sido o segundo aprovado pelos órgãos competentes por apresentar custo mais baixo e adequação às normas de proteção ao patrimônio que incidem sobre ele. O projeto prevê reparação dos danos levantados, como pintura das fachadas, pintura do letreiro, reparo de esquadrias, reposição de pastilhas nos pilares e reforço de guarda corpo e corrimãos, mas sem alterações substanciais que descaracterizariam o bem. A mudança mais substancial na arquitetura do edifício é a construção de um espaço isolado, envidraçado, para a permanência do vigilante, nas proximidades do painel artístico do térreo. Coloca-se a necessidade de atentar à preservação das condições de visibilidade da obra de arte, que pode ser prejudicada por esta inserção. A reforma faz-se necessária para a preservação e conservação do edifício, devido à sua importância histórica para a cidade. Não existe ainda uma data definida para o início das obras.

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Considerações finais Ao longo do trabalho, foi possível perceber novas dimensões da paisagem cultural da Avenida Frei Serafim, tanto no que diz respeito às marcas físicas deixadas ao longo do seu desenvolvimento, como edificações de diferentes estilos e épocas, quanto na imagem que os usuários da via fazem, identificando os aspectos mais representativos para eles. Ficou clara a importância da avenida para a cidade, nos âmbitos funcional e simbólico, e a do Edifício Chagas Rodrigues enquanto marco importante no conjunto da via. A sede do DER-PI é significativa tanto como obra arquitetônica esteticamente relevante, quanto como documento histórico, testemunha de um momento singular da história da cidade, de modernização das instituições e de chegada da Arquitetura Moderna ao estado através da Escola Carioca, cujas características técnicas e estéticas estão ali presentes. O trabalho identificou, reconheceu e registrou estes aspectos relevantes do edifício, além do seu estado de conservação e do papel que cumpre na realidade do contexto da avenida. O patrimônio oriundo da produção do Movimento Moderno tem sido reconhecido, estudado e recebido medidas de preservação há pouco tempo, realidade ainda mais pronunciada em Teresina. Além disso, a questão do reconhecimento da paisagem cultural e da relação de edifícios significativos com ela também tem estudo incipiente na realidade local. Buscou-se, com este trabalho, contribuir para a produção sobre o tema no Piauí e em Teresina em particular, promovendo o reconhecimento de bens patrimoniais importantes e das suas inter-relações, na perspectiva de sua apropriação e preservação.

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