O efeito CSI na sociedade portuguesa

June 14, 2017 | Autor: Helena Machado | Categoria: DNA, Crime, Efeito CSI
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O Efeito CSI na sociedade portuguesa Dimensão analítica: Direito, Justiça e Crime Título do artigo: O Efeito CSI na sociedade portuguesa Autora: Helena Machado Filiação institucional: Departamento de Sociologia da Universidade do Minho E-mail: [email protected] Palavras-chave: Crime, DNA, Efeito-CSI. Um dos maiores desafios colocados às sociedades contemporâneas no âmbito da aplicação da justiça e no combate ao crime é a aplicação – bem sucedida – de tecnologias forenses na identificação de criminosos e na investigação criminal em geral [1]. O exemplo de tecnologia que mais relevo tem ganho nos imaginários colectivos, é sem dúvida a tecnologia de DNA [2], que se tornou conhecida do grande público, em larga medida, por via da série televisiva Crime Scene Investigation (CSI). Desde a sua estreia em 2000, nos EUA, o CSI tem sido grande sucesso de audiência em vários países, incluindo Portugal. A série CSI projeta uma rede heterogénea de atores sociais que conjuga atores humanos (os criminosos, os especialistas em investigação criminal e os cientistas forenses) e atores não humanos (as tecnologias forenses). No seu conjunto, e pela mistura ‘credível’ de elementos ficcionais e nãoficcionais, o CSIconfigura aquilo a que a antropóloga sueca Corinna Kruse [3] chama uma performance cultural em torno da ideia de que o DNA é capaz de produzir ‘verdades absolutas’, e que ao fazê-lo cria mitos em torno do que a ciência-deveria-ser (wishful-thinking science) para apaziguar os medos do crime que apoquentam a sociedade ‘real’. A popularização mediatizada da tecnologia do DNA no combate ao crime tem proporcionado intenso debate académico em torno do chamado Efeito CSI e das potenciais dimensões e impactos sobre os sistemas de justiça criminal. Uma das variantes do Efeito CSI mais debatidas no seio de especialistas na área da justiça criminal centra-se nos alegados receios por parte de atores do sistema de justiça, nomeadamente nos EUA, de que o CSI seja responsável por percepções distorcidas acerca da avaliação de prova científica em contexto

 

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judicial, embora não haja consenso em relação ao tipo de efeitos que a exposição ao CSI efetivamente produz [4]. Outra dimensão comummente associada ao Efeito CSI refere-se aos impactos do imaginário ficcional sobre a imagem pública dos profissionais de investigação criminal. NoCSI, a associação da ciência ao trabalho policial reforça a legitimação e autoridade moral do híbrido polícia/cientista [5]. A minha experiência de investigação empírica tem demonstrado que esta variante está bem presente em profissionais portugueses da área da investigação criminal. Durante entrevistas realizadas com policiais e cientistas forenses, foi-me reportado, espontaneamente, as vantagens do ‘efeito do CSI’, nomeadamente, na projeção de uma imagem positiva da utilização do DNA junto do grande público. Segundo estes entrevistados, o CSI serve para divulgar a potencialidade desta tecnologia no combate ao crime, e simultaneamente, para mostrar que o trabalho de investigação criminal é ‘eficiente’ e ‘honesto’. Por fim, uma terceira variante do Efeito CSI refere-se ao ‘efeito de aprendizagem’ que a série pode ter junto de criminosos ou potenciais delinquentes, nomeadamente, ensinando-os a manipular cenas de crimes ou a evitar deixar vestígios [6]. Uma investigação que realizei junto de reclusos em Portugal [7] evidenciou claramente esta variante, na medida em que os presos referiram a série como uma fonte privilegiada de aprendizagem sobre como ‘ter mais cuidado em não deixar vestígios na cena do crime’ ou como elemento que ajuda à premeditação da prática do crime. No ‘mundo real’ é incontestável que o DNA tem vindo a marcar crescente presença nas práticas dos investigadores criminais, não obstante ser ainda mais corrente no trabalho policial quotidiano a utilização de impressões digitais [8]. Um pouco por todo o mundo, tem-se assistido à criação ou expansão de bases de dados de perfis de DNA com propósitos de investigação criminal. Em Portugal, a Lei 5/2008 estabeleceu a criação de uma base de dados de perfis de DNA para investigação criminal, encontrando-se a sua operacionalidade ainda hoje limitada pela reduzida quantidade de perfis inseridos. Não obstante as diferentes variantes que o Efeito CSI possa assumir em Portugal, certo é o papel fundamental dos media na configuração das percepções públicas acerca da investigação criminal e do sistema de justiça. Dados de 2010 da Transparency International indicam que os portugueses consideram os média menos sujeitos a práticas de corrupção do que o sistema

 

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de justiça ou a polícia. Isto reforça a minha convicção da importância sociológica de compreender os impactos sociais das mensagens mediáticas na representações em torno da ciência ao serviço da justiça. Notas [1] Este texto resulta de atividades de investigação realizadas no âmbito dos projetos “Justiça, media e cidadania” (FCOMP-01-0124-FEDER-007554) e “Base de dados de perfis de ADN com propósitos forenses em Portugal: Questões actuais de âmbito ético, prático e político” (FCOMP-01-0124-FEDER-009231), financiados pela FCT, e coordenados pela autora. [2] O DNA (Deoxyribonucleic acid) é a molécula em que se encontram codificadas as características genéticas de cada pessoa. Por vezes, em português, usa-se a formulação ADN (correspondente a ácido desoxirribonucleico), que é uma tradução, para português, da sigla DNA. Contudo, considera-se habitualmente que deve ser sempre utilizada a sua designação em inglês, ou seja, DNA, por ser a designação aprovada pela Sociedade Internacional de Bioquímica. Por esse motivo, adopto a sigla inglesa. [3] Kruse, C. (2010), Producing absolute truth: CSI science as wishful thinking, American Anthropologist, 112(1), pp. 79-91, p.88. [4] Cole, S.; Dioso-Villa, R. (2007), CSI and its effects: Media, juries, and the burden of proof, New England Law Review, 41(3), pp. 435-70. [5] Cavender, G.; Deutsch, S. K. (2007), CSI and moral authority: The police and science,Crime, Media, Culture, 3 (1), pp. 67-81. [6] Prainsack, B.; Kitzberger, M. (2009), DNA behind bars: Other ways of knowing forensic DNA technologies, Social Studies of Science, 39(1), pp. 51-79. [7] Machado, H. et al. (2010), Corpos manchados. Percepções da base de dados de perfis de ADN para investigação criminal e perspectivas de reinserção social pelos reclusos. Relatório elaborado para a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais. [8] Williams, R.; Johnson, P. (2008), Genetic policing: The use of DNA in criminal investigations, Cullompton: Willan Publishing.

 

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