O efeito da crise mundial sobre o financiamento de projetos sociais e a relevância da avaliação como estratégia para a aquisição de recursos

June 2, 2017 | Autor: Plan Avaliação | Categoria: Avaliação de Políticas Públicas, Projetos Sociais
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O efeito da crise mundial sobre o financiamento de projetos sociais e a relevância da avaliação como estratégia para a aquisição de recursos

Por Aline Melgaço

Contextualização da crise
O que se convencionou chamar de "crise mundial" é uma crise que vem afetando sobremaneira desde 2008 os mercados financeiros e, por consequência, os diversos governos dos países envolvidos nesse processo.
De acordo com analistas, a inadimplência dos empréstimos de hipotecas nos EUA teria sido responsável por desmascarar "a artificialidade de uma economia construída sem fundamentos reais" (Fischer, 2010, p.6). O modelo desenvolvido pelos bancos afetou profundamente grandes empresas do setor imobiliário e, a partir daí, seguiu-se um clima de insegurança e desconfiança, que rapidamente contaminou os mercados mundiais, ocasionando uma drástica redução de capital investido, provocando escassez de recursos e paralisando grande parte das atividades econômicas.
Para além dos mercados financeiros, a crise vem afetando diretamente as questões sociais e ambientais, de 2008 até o presente, provocando grande redução de investimentos e financiamentos de projetos sociais e ambientais de organizações internacionais e também nacionais que dependem de recursos provenientes do exterior. Essa redução é notável também entre as empresas nacionais, que investem diretamente na realização desses projetos ou, simplesmente, financiam projetos a serem executados por outras organizações não governamentais.
Os projetos sociais e ambientais perderam espaço para a própria necessidade de sobrevivência econômico-financeira das empresas e organizações da sociedade civil. Segundo Anheier (2009) In: (Fischer, 2010, p.8), "para as organizações sem fins lucrativos, a crise atual significa menos recursos em termos de despesas correntes para os programas em andamento e para os previstos". A nova realidade de incertezas teria resultado, em alguns casos, na redução de recursos investidos e em outros, no cancelamento de contratos, convênios e parcerias, como também o não cumprimento de obrigações.
Em artigo publicado recentemente pela University for Peace - UPEACE, Jürgen Carls chama atenção para o fato de que a crise financeira pode ocasionar um grande retrocesso no progresso socioeconômico em grandes partes do mundo. Desse modo, os mais afetados seriam os países menos industrializados do hemisfério sul, por serem altamente dependentes dos fluxos de capital estrangeiro. Por sua vez, as organizações que desenvolvem projetos nesses países vêm sofrendo com a profunda redução de investimentos.
Grande parte dos recursos de que dispõem organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas, e suas diversas agências, são provenientes de doações de governos, dentre os quais os Estados Unidos e países europeus. A crise econômica implicou na redução de recursos disponíveis para o financiamento de programas apoiados pela ONU, realizados por diversas organizações, assim como os recursos que eram repassados dos governos diretamente para as organizações.
De acordo com o diretor da organização Médicos Sem Fronteiras, houve grande redução de recursos do Fundo Global para financiamento de projetos para o tratamento de pacientes com HIV, tuberculose e malária, realizados em países em desenvolvimento.
Ainda segundo o presidente do MSF, houve uma queda geral nos financiamentos de doadores internacionais, especialmente para AIDS, nos últimos anos, mas a escassez dos recursos hoje se deve ao comportamento dos doadores do Fundo. Alguns, como Dinamarca e Holanda, reduziram as verbas que tinham se comprometido a doar. Além disso, destaca a crise econômica que, afetando cada um dos outros países doadores, que devido às suas crises econômicas domésticas, como Irlanda, Espanha e Itália, não teriam renovado seus compromissos. Contudo, destaca a preocupação do MSF no que diz respeito ao seu maior contribuinte, os Estados Unidos, que estaria ameaçada. Foram os doadores do próprio Fundo os responsáveis pelo cancelamento desta "rodada de pedidos de financiamento e que estão, no longo prazo, privando o Fundo de recursos tão necessários".
Em artigo no jornal The Guardian em agosto de 2011, uma matéria chama atenção para o problema: "Queda no financiamento coloca ponto de interrogação sobre o futuro da luta global contra a Aids".
De acordo com a reportagem, dados recentes mostrariam que entre 2002 e 2008, o financiamento para programas de HIV e AIDS em países de baixa e média renda teriam aumentado mais de seis vezes. Em 2009, teria havido uma estabilização e caído em 2010. Grande parte dessa mudança, de acordo com o artigo, seria atribuída ao impacto da crise financeira global sobre os orçamentos governamentais.
Como resultado, embora ainda não tendo sido quantificado, é possível afirmar que, apesar de não praticarem o modelo dos chamados subprime (Fisher 2010), os países em desenvolvimento foram muito afetados com a crise econômica, diante da significativa redução de investimentos em projetos que vinham sendo desenvolvidos, sobretudo, por organizações internacionais. Atualmente, ao lado das sucessivas reduções de investimentos para seus projetos, vivenciam a incerteza de sua continuidade.

O efeito da crise nos projetos em desenvolvimento no Brasil
Embora a crise econômica não tenha afetado o Brasil no que diz respeito à continuidade do crescimento econômico, apesar de apresentar um cenário desfavorável a um crescimento mais significativo, a crise promoveu uma nova orientação dos investimentos das organizações internacionais e, por consequência, dos projetos aqui desenvolvidos. Tendo em vista a escassez de recursos houve considerável redução de investimentos de organizações internacionais em projetos desenvolvidos no país.
Além disso, houve significativa redução de investimentos privados. De acordo com Fischer (2010) embora ainda seja difícil contabilizar essas informações, observou-se que nas empresas, diante dos desafios econômico-financeiros que se apresentaram, "os gestores estiveram mais focados em evitar a vulnerabilidade do negócio do que em questionar os aspectos referentes às suas políticas e práticas socioambientais". (Idem, p.7).
De acordo com estudo realizado pelo Instituto Fonte (2010), partindo-se de uma amostra de 41 organizações internacionais, os dados relativos ao montante declarado de recursos aportados ao Brasil demonstram que houve um aumento de valores entre os anos de 2007-2008 e queda significativa entre 2008-2009, assim como a previsão apresentada para 2010.
Dentre os principais motivos mencionados pelas organizações para a diminuição ou retirada de investimentos do Brasil, destacam-se 6 categorias em ordem decrescente de frequência:
1º- Crise econômica mundial 2008-2009 com decorrente redução de orçamento;
2º- mudança de prioridade e/ou interesse para outras regiões do Globo;
3º- alto nível de desenvolvimento econômico e social brasileiro;
4º- mudança da estratégia de atuação da organização;
5º- maior potencial de captação interna e possibilidade crescente de auto sustentabilidade do campo social brasileiro;
6º-alcance dos objetivos com melhoria da problemática trabalhada. (Fonte, 2010).

Observa-se no cenário político e econômico brasileiro que o crescimento econômico vem sendo acompanhado por maiores investimentos em programas sociais diversos, desde 2004. Dentre esses estão o "Bolsa Família", e o mais recente criado pelo governo federal, "Brasil Carinhoso".
Além desses programas sociais, ações do Programa de Aceleração do Crescimento –PAC, desenvolvido pelo governo federal, a partir de 2007, que embora tenha como propósito alavancar o crescimento econômico nacional, investe recursos do FGTS em projetos de infraestrutura social, incluindo obras para o fornecimento de energia, água e esgoto. Também visando ampliar os investimentos em habitações populares, foi lançado, em 2009, o Programa "Minha casa, minha vida", com o objetivo de subsidiar a construção de moradias populares para a classe média e baixa.
A despeito dos resultados alcançados e do debate a respeito da efetividade desses programas, estes alcançaram grande repercussão internacional, o que influiu no redirecionamento dos investimentos internacionais para outras regiões com menor potencial de poupança interna, em especial os países africanos.
Apesar da redução dos investimentos socioambientais provenientes de empresas, ocasionados em função da crise, os empreendimentos realizados no país que estavam atrelados a contribuições provenientes de organizações internacionais "foram mais rapidamente atingidos pela redução de investimentos do que aqueles que captam em fontes diversas localizadas no próprio país". (Idem, p.9) –o que talvez possa ser explicado pelo crescente investimento do governo federal em programas sociais.
Desse modo, embora tenha ocorrido um maior investimento social por parte do governo federal, a crise colocou novos desafios para as organizações que desenvolvem projetos no país e precisam buscar recursos para garantir sua continuidade. Conquanto não se possa falar de respostas assertivas sobre como lidar com a crise, alguns pontos principais como o foco em projetos fundamentados na realidade e demandas específicas das populações-alvo, com objetivos e metas claros e indicadores a serem avaliados, consistem em estratégias bastante pertinentes diante de um cenário de redução de investimentos e grande demanda interna das organizações.
Além disso, o estabelecimento de parcerias público-privadas para a captação de investimentos internos e externos consiste em estratégia que pode contribuir positivamente para o planejamento de projetos e sua continuidade em longo prazo.


Alternativas para o futuro da continuidade dos projetos sociais: A importância da avaliação como ferramenta indispensável nesse processo
Observa-se que, na contramão da crise econômica, houve um grande crescimento de fundações e instituições filantrópicas em especial nos Estados Unidos, com interesse em investir em projetos sociais desenvolvidos por governos e organizações civis não governamentais.
As parcerias público-privadas também se apresentam como alternativas interessantes para o financiamento e desenvolvimento de projetos sociais no país.
Com o intuito de conquistar contratos duradouros de desenvolvimento dos seus projetos, as organizações e os governos precisam dar garantias de redução dos riscos envolvidos na execução dos projetos, assim como resultados que pretendem alcançar.
Sabe-se que, com o estabelecimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, os governos veem cada vez mais o apoio multilateral para projetos como o principal instrumento de desenvolvimento. E a base para a consolidação dessas parcerias recai sobre a necessidade de um planejamento racional que seja capaz de delinear e prever os resultados a serem alcançados.
De acordo com Carls (2012), o cenário de financiamento privado das fundações, em comparação com abordagens anteriores mudou um pouco e é hoje "mais ambicioso; mais estratégico; mais global e exige resultados, efeitos mensuráveis e impactos de longo prazo."
Ainda segundo Carls, "os fundos são alocados da mesma forma como eles foram obtidos, com metas claras, mensuráveis e objetivas, em uma cultura de gestão orientada para resultados que aprende com a experiência e está aberto a mudanças nas reações".
Fica clara a relevância que vem sendo dada à temática da avaliação para o desenvolvimento de projetos no cenário atual que envolve recursos limitados e demandas diversas seja entre países, ou dentro de um mesmo país, por organizações distintas.
Sabe-se que os doadores estão interessados em resultados e o impacto que esses podem ter na melhoria das condições de vida dos grupos-alvo. "Então, para vender um projeto para um doador, é decisivo demonstrar como os resultados e produtos do projeto levarão a impactos positivos no desenvolvimento em longo prazo". Carls (2012).
O futuro da cooperação para o desenvolvimento dos projetos sociais e ambientais reside, sobretudo, na conquista de parcerias de financiamento de projetos pensados em longo prazo. O cenário que se consolidou na última década está apoiado em alianças estratégicas entre organizações nacionais e internacionais, governos e empresas, para a elaboração de projetos que sejam planejados e orientados para a resultados e objetivos comuns, que impactem positivamente na vida das sociedades.
A crise financeira limita os recursos disponíveis para a cooperação e, por conseguinte, reduz o impacto sobre o bem-estar da pessoas num momento em que esses programas são mais necessários. Em que pese a diminuição do investimento, o modelo de cooperação existente ainda se assenta sobre as práticas pré-crise. Mudanças nesse sistema podem ocorrer caso a estagnação econômica dos países ricos se prolongue. As declarações de políticas e orçamentos públicos para 2013 sinalizarão se essa mudança se dará no sentido da redução dos custos da cooperação, com uma seletividade maior de programas beneficiados e eliminação de parceiros intermediários, ou se caminharemos na direção de uma reconstrução do modelo.
Neste último caso, é a postura dos países ricos, em especial a União Europeia, de onde derivam os maiores gastos em cooperação como proporção do PIB, que influenciará com mais força o curso dos eventos. O cenário global do investimento social, entretanto, é a soma de partes bastantes díspares. Assim, o efeito agregado da redução de investimentos dependerá, em última análise, da configuração político-econômica de cada país, na forma da maturidade de seu empresariado para o investimento social, do poder de suas organizações não-governamentais, da situação fiscal dos governos centrais e principalmente da qualidade do gasto social público, para a qual a avaliação contribui positivamente. Assim, pode-se esperar que o Brasil, por ter evoluído nesses aspectos, obtenha melhores resultados de programas sociais mesmo que o financiamento multilaterial, doméstico ou internacional, se retraia.



Referências
FISCHER, Rosa Maria. Lições a aprender: a crise e os investimentos sociais. Revista USP n.85 São Paulo maio 2010. Versão impressa ISSN 0103-9989. 2010.
CARLS, Jürgen . University for Peace. 2012. Disponível em: http://translate.google.com.br/translate?hl=ptBR&langpair=en%7Cpt&u=http://www.monitor.upeace.org/printer.cfm%3Fid_article%3D900
Instituto Fonte. Diálogos, Direito e Democracia. Investigações sobre a conjuntura dos investimentos das organizações internacionais no campo social brasileiro de 2008- 2010. Disponível em: http://institutofonte.org.br/sites/default/files/pesquisa_D3_0.pdf
Médicos Sem Fronteiras: http://www.msf.org.br/noticias/1405/presidente-internacional-de-msf-fala-sobre-a-crise-de-financiamento-do-fundo-global/)
The Guardian: http://translate.google.com.br/translate?hl=ptBR&langpair=en%7Cpt&u=h


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Publicada em 04/05/2012. Disponível em: http://translate.google.com.br/translate?hl=ptBR&langpair=en%7Cpt&u=http://www.monitor.upeace.org/printer.cfm%3Fid_article%3D900
Disponível em: http://www.msf.org.br/noticias/1405/presidente-internacional-de-msf-fala-sobre-a-crise-de-financiamento-do-fundo-global/

Disponível em: http://translate.google.com.br/translate?hl=ptBR&langpair=en%7Cpt&u=h ttp://www.guardian.co.uk/globaldevelopment/povertymatters/2011/aug/19/question-mark-future-aids-financing
De acordo com o ministro da fazenda Guido Mantega em entrevista a canais abertos, dia 14/06/2012, o crescimento esperado para a economia do próximo semestre, será de aproximadamente 3,5% e não acima de 5%, conforme esperado, devido à crise econômica.
O universo de empresas contatadas foi composto por mais de 900 organizações que fazem parte do banco de dados da publicação anual Maiores e Melhores da revista Exame da Editora Abril (36a edição).
Disponível em http://institutofonte.org.br/sites/default/files/pesquisa_D3_0.pdf
Recursos internacionais para o Fundo de combate à AIDS. Disponível em http://translate.google.com.br/translate?hl=ptBR&langpair=en%7Cpt&u=h ttp://www.guardian.co.uk/globaldevelopment/povertymatters/2011/aug/19/question-mark-future-aids-financing
Disponível em http://www.mds.gov.br/
Fischer(2010)
Nos EUA há mais de 100.000 fundações e sociedades filantrópicas registradas. Somente na Alemanha existem mais de 20.000 fundações registadas e o número está aumentando de forma constante de ano para ano. No entanto, também há muita concorrência e para garantir este tipo de financiamento exige conhecimento específico, experiência e habilidades, os quais têm de ser adquiridos através de aprender fazendo. (Carls, 2012).


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