O EFEITO DA PRESSÃO DE TEMPO NA REALIZAÇÃO DE TAREFAS DE TRADUÇÃO: UMA ANÁLISE PROCESSUAL SOBRE O DESEMPENHO DE TRADUTORES EM FORMAÇÃO

Share Embed


Descrição do Produto

Tânia Liparini Campos

O EFEITO DA PRESSÃO DE TEMPO NA REALIZAÇÃO DE TAREFAS DE TRADUÇÃO: UMA ANÁLISE PROCESSUAL SOBRE O DESEMPENHO DE TRADUTORES EM FORMAÇÃO

Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos Belo Horizonte – Dezembro de 2005

Tânia Liparini Campos

O EFEITO DA PRESSÃO DE TEMPO NA REALIZAÇÃO DE TAREFAS DE TRADUÇÃO: UMA ANÁLISE PROCESSUAL SOBRE O DESEMPENHO DE TRADUTORES EM FORMAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação

em

Estudos

Linguísticos

da

Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Lingüística Aplicada. Área de Concentração: Lingüística Aplicada Linha de Pesquisa: Estudos da Tradução Orientador: Prof. Dr. Fábio Alves da Silva Júnior Co-orientadora: Profa. Dra. Adriana Silvina Pagano

Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2005

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais pela oportunidade de dar continuidade aos meus estudos. Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo auxílio financeiro. Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Fábio Alves pela orientação objetiva, sem a qual a realização deste trabalho não seria possível, e também à minha coorientadora Profa. Dra. Adriana Pagano pela disponibilidade e auxilio na realização desta pesquisa. Agradeço aos alunos de tradução da Fale que se dispuseram a participar como informantes em minha pesquisa. Agradeço a todos os colegas e amigos do Net pela colaboração e pelos momentos de descontração. Agradeço à minha família e amigos pelo apoio. E, por fim, agradeço a todos aqueles que, de forma direta ou indireta, participaram dessa etapa de minha vida.

5 SUMÁRIO

Lista de Tabelas ___________________________________ Resumo__________________________________________ Abstract__________________________________________ Introdução________________________________________

Página 07 08 09 10

1 1.1 1.1.1 1.1.2 1.1.2.1 1.1.2.2 1.1.2.3 1.1.2.4 1.1.2.5 1.1.3 1.1.4 1.1.5 1.2 1.2.1 1.2.2 1.2.3 1.2.4 1.2.4.1 1.2.4.2 1.2.5

Revisão Bibliográfica _______________________________ Abordagem Processual _____________________________ A Abordagem Processual nos Estudos da Tradução_______ Modelos Teóricos do Processo Tradutório_______________ Os Modelos de Königs e Alves________________________ A Unidade de Tradução e as Pausas___________________ Segmentação e Ritmo Cognitivo ______________________ As Fases do Processo de Tradução ___________________ A Durabilidade Textual______________________________ Tradutores Novatos e Tradutores Expertos______________ Formação de Tradutores ____________________________ Pressão de Tempo na Tradução Escrita ________________ Abordagem Discursiva______________________________ A Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday____________ A Meta-Função Textual_____________________________ Os Tipos de Temas________________________________ A Organização Temática em Outras Línguas ____________ O Tema no Português ______________________________ O Tema no Alemão ________________________________ A Organização Temática nos Estudos da Tradução _______

15 15 15 20 20 22 26 29 32 35 39 42 48 48 50 53 63 63 70 79

2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.6.1 2.6.2

Metodologia ______________________________________ Instrumentos de Coleta de Dados _____________________ Os Textos de Partida _______________________________ Os Informantes____________________________________ Pressão de Tempo_________________________________ Coleta de Dados (Desenho Experimental)_______________ Procedimentos de Análise___________________________ Dados Processuais ________________________________ Dados do Produto _________________________________

83 83 87 88 90 92 93 93 96

6

Página

3 3.1 3.2 3.2.1 3.2.2 3.3

Apresentação e Análise dos Dados Processuais __________ As Três Fases do Processo de Tradução________________ A Fase de Redação ________________________________ Recursividade e Revisão Online ______________________ Segmentação _____________________________________ A Fase de Revisão _________________________________

98 98 107 107 120 126

4 Apresentação e Análise dos Dados do Produto Final_______ 4.1 Os Textos de Partida _______________________________ 4.2 Os Textos de Chegada _____________________________

137 137 152

5 Cruzamento dos Dados Processuais com os Dados do Produto____________________________________________

177

6 Conclusão _______________________________________

184

Referências Bibliográficas ___________________________

190

Anexos (em CD-Rom): Anexo 1 – Questionários Anexo 2 – Instruções Anexo 3 – Texto Projeto Piloto Anexo 4 – Textos de Partida Anexo 5 – Textos de Chegada Anexo 6 – Protocolos Lineares Anexo 7 – Dados Sincronizados Anexo 8 – CROSF

7 LISTA DE TABELAS Página Tabela 01 - Experiência com a Língua Alemã e Nível de Proficiência em Tradução __________ Tabela 02 - Tempo despendido nas fases de tradução de T00 _______

89 91

Tabela 03 - Tempo, em segundos, despendido na fase de orientação de T01 e T02 ______________________________________

99

Tabela 04 - Tempo relativo da fase de orientação em T00, T01 e T02 _

99

Tabela 05 - Pausa de orientação, em segundos, em T01 e T02 ______

100

Tabela 06 - Tempo relativo da fase de revisão em T02_____________

103

Tabela 07 - Produção e recursividade nas fases de redação de T01 e T02 ___________________________________________

108

Tabela 08 - Produção e recursividade na fase de revisão de T02 ____

109

Tabela 09 - Movimentos de teclado nas fases de redação de T01 e T02

109

Tabela 10 - Segmentação nas fases de redação de T01 e T02 ______

121

Tabela 11 - Produção e recursividade na fase de redação de T02____

126

Tabela 12 - Alterações na fase de revisão de S01 ________________

128

Tabela 13 - Alterações na fase de revisão de S02 ________________

130

Tabela 14 - Alterações na fase de revisão de S05 ________________

131

Tabela 15 - Alterações na fase de revisão de S03 ________________

132

Tabela 16 - Alterações na fase de revisão de S04 ________________

134

Tabela 17 - Temas Simples e Temas Múltiplos nos TPs ___________

143

Tabela 18 - Tipos de Tema segundo a Meta-Função nos TPs _______

143

Tabela 19 - Escolha do Tema Ideacional nos TPs ________________

146

Tabela 20 - Tipos de Tema segundo a Meta-Função em T01________

167

Tabela 21 - Tipos de Tema segundo a Meta-Função em T02________

168

Tabela 22 - Escolha do Tema Ideacional em T01 ________________

169

Tabela 23 - Escolha do Tema Ideacional em T02 ________________

170

8 RESUMO

Esta dissertação apresenta um estudo do efeito da pressão de tempo no processo de tradução de tradutores novatos a partir de uma abordagem empírica da tradução. O estudo foi realizado tendo-se como par lingüístico o alemão e o português. O efeito da pressão de tempo nos dados processuais é analisado a partir de aspectos relativos às fases de orientação, redação e revisão (JAKOBSEN, 2002, 2003) e ao ritmo cognitivo dos tradutores. O produto final da tradução também é considerado em complementaridade aos dados processuais e analisado a partir do conceito de Tema da Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday. Dados quantitativos e qualitativos foram coletados através do programa Translog e de relatos retrospectivos. A triangulação, que consiste no cruzamento de dados obtidos por meio de técnicas de coleta diferentes (ALVES, 2003), foi adotada como opção metodológica. Para a análise do produto final, seguiu-se uma metodologia que combina dados sobre a organização temática com o mapeamento do Sujeito e aspectos coesivos ao longo do texto. Os dados indicam que os informantes da pesquisa não modificaram suas estratégias de tradução para lidar com as restrições impostas pelo fator tempo. Ainda assim, a recursividade e revisão tende a diminuir nas traduções realizadas sob pressão de tempo, acarretando em textos de chegada menos duráveis do que aqueles produzidos sem pressão de tempo. Em alguns textos produzidos sob pressão de tempo não houve manutenção da progressão temática e o elo coesivo se tornou mais fragmentado com problemas de mudanças nas cadeias coesivas.

9 ABSTRACT

This thesis presents a study of the effect of time pressure on the translation process of novice translators based on an empirical approach of translation. The study was carried out considering the linguistic pair German/Portuguese. The effect of time pressure on process data is analysed based on the concepts of translation phases (JAKOBSEN, 2002, 2003) and cognitive rhythm. The final product of the translations is also considered in addition to process data and it is analysed based on the concept of Theme of Halliday’s Systemic-Functional Grammar. The software Translog and retrospective protocols were used to obtain quantitative and qualitative data. Triangulation of data (ALVES, 2003) obtained by different techniques was the methodology adopted in this work. The final product was analysed relating thematic organization to aspects concercing the Subject of the clause and cohesion along the text. Results point that the subjects of this research did not change their translation strategies to deal with difficulties imposed by time pressure. Yet, there’s a tendency to reduce recursiveness and revision on the translations produced under time pressure, resulting in less durable target texts compared to those produced without time pressure. Some texts produced under time pressure presented problems related to changes in their cohesive ties because subjects failed to maintain the thematic progression of the text.

10 Introdução

A abordagem processual nos Estudos da Tradução tem início na década de 80, quando as pesquisas em tradução começam a interagir com outras áreas, relacionadas às ciências cognitivas (SHREVE & DANKS, 1997). Os aspectos cognitivos relacionados ao processo de tradução passam a ser considerados foco de pesquisa pelos estudiosos da área. Pesquisas empíricas começaram a ser realizadas visando decifrar o que acontece na cabeça do tradutor, chamada por analogia de Black Box. O uso de protocolos verbais (Think Aloud Protocols) foi incorporado nos Estudos da Tradução com o objetivo de investigar aspectos processuais da tradução. Na década de 90, novas ferramentas tecnológicas, softwares que permitem observar o processo de produção textual durante a tradução de um texto, como o Translog e o Proxy, foram desenvolvidas com o intuito de aprimorar a observação do processo de tradução e contribuir para as pesquisas nessa área. A triangulação de dados obtidos por meio de instrumentos de coleta diferentes passou a ser adotada como opção metodológica para garantir maior confiabilidade aos resultados (ALVES, 2003). Muitos resultados interessantes que contribuíram tanto para a formulação de novas teorias assim como para a formação de tradutores foram obtidos e, atualmente, existem pelo menos cinco grupos de pesquisa, em diferentes países, que trabalham com tradução sob uma perspectiva processual (KUSSMAUL, 2005). Em pesquisas mais recentes, a análise do produto final também passou a ser considerada em complementaridade à análise processual em estudos empíricos da tradução. Hansen (1999, 2002a/b, 2003) chama a atenção para a importância do produto final e alega que os aspectos processuais da tradução devem ser considerados

11 em relação ao seu resultado, o texto de chegada. Alves & Magalhães (2004) também incluem a análise do produto final da tradução em sua pesquisa com tradutores novatos. Estes últimos fazem uso da Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) de Halliday na análise dos textos de chegada. A GSF propõe a análise da linguagem a partir de três Meta-funções – a Ideacional, a Interpessoal e a Textual - e tem se mostrado profícua na análise de textos traduzidos nos Estudos da Tradução (PAGANO, 2005). A pressão de tempo, foco da presente pesquisa, tem sido investigada, principalmente, em traduções simultâneas (GILE, 1995). Estudos sobre pressão de tempo em textos escritos não são comuns; no entanto, prazos curtos e limite de tempo são realidades constantes na vida profissional do tradutor (JENSEN, 2001). Pesquisas de abordagem processual têm implicações didáticas no treinamento de tradutores e como a pressão de tempo é um aspecto importante na vida profissional do tradutor, ela deve ser levada em consideração em sua formação e também nos estudos empíricos da tradução. O presente trabalho foi motivado pela importância do impacto da pressão de tempo no processamento cognitivo de tradutores e a escassez de estudos que levam esse aspecto em consideração. Pretende-se, com o presente estudo, responder às seguintes perguntas de pesquisa: Pergunta geral: •

Qual o efeito da pressão de tempo no processo de tradução e nos textos de chegada (produto final) de tradutores novatos? Perguntas específicas relativas à observação do processo de tradução:



Qual o efeito da pressão de tempo no ritmo cognitivo (alternância entre momentos de pausa e de produção textual) dos informantes?

12 •

A segmentação (tamanho dos segmentos) se altera com a pressão de tempo?



Qual o tempo, a freqüência e a localização das pausas?



Qual o efeito da pressão de tempo na revisão como um todo, e especificamente na fase de revisão e na revisão online?



A recursividade do processo tradutório se altera com a pressão de tempo? Perguntas específicas relativas à observação do produto final:



Qual é a configuração de Temas no texto de partida e como ela está articulada a recursos de coesão gramatical e lexical? Em que medida a organização temática pode ser correlacionada com a construção do fluxo do texto com base nos Sujeitos Interpessoais?



Qual a configuração de Temas dos textos de chegada? Há correlação entre escolhas temáticas mais freqüentes e disponibilidade de tempo (pressão)? Que elementos

são

colocados

em

posição

temática

(Textual/Interpessoal/Ideacional) nos textos de chegada produzidos sob a condição com e sem pressão de tempo? •

Como os textos de chegada são construídos a partir do mapeamento do Sujeito Interpessoal?



Como os informantes lidam com os Temas "problemáticos" na retextualização nas situações com e sem pressão de tempo? A partir das respostas às perguntas acima, busca-se observar a correlação ritmo

cognitivo/pressão de tempo e durabilidade do texto de chegada, vista a partir de uma análise do desempenho dos tradutores novatos. Uma vez feito esse mapeamento, proceder-se-á a um exame de aspectos relativos a uma das variáveis independentes do experimento: o perfil do tradutor. Para tanto, serão respondidas as seguintes perguntas:

13 •

Em que medida a correlação ritmo cognitivo – pressão de tempo e durabilidade aponta para perfis análogos de tradutores novatos?



Quais informantes apresentam um perfil claramente diferenciado?

São objetivos da presente pesquisa: Objetivo geral: Estudar a pressão de tempo como variável específica nos processos cognitivos de tradutores novatos.

Objetivos específicos: 1- Replicar parcialmente, para o par lingüístico alemão-português, os resultados da tese de doutorado de Astrid Jensen (2001), The effect of time on cognitive processes and strategies in translation, tendo como informantes um grupo de tradutores novatos brasileiros com perfil semelhante. 2- Analisar a relação Tema/Rema dos produtos traduzidos, à luz da lingüística sistêmica, a fim de aferir se textos produzidos sob condições distintas revelam configurações temáticas passíveis de serem correlacionadas com a variável tempo. 3- Relacionar os dados processuais com os dados do produto para averiguar se a durabilidade é afetada pela variável pressão de tempo.

O presente trabalho se divide em seis capítulos, além desta Introdução: No capítulo 1, faço uma revisão da teoria que servirá de base para a análise dos dados da pesquisa. Na seção 1.1, apresento a abordagem processual nos Estudos da Tradução e os conceitos teóricos dessa abordagem que serão adotados

14 neste trabalho. Apresento também algumas considerações sobre tradutores novatos e expertos, e formação de tradutores, assim como algumas pesquisas que investigam a pressão de tempo em traduções de texto escrito sob uma perspectiva processual. A seguir, na seção 1.2, apresento o conceito de Tema da Gramática Sistêmico-Funcional, que será adotado para a análise do produto final, juntamente com o conceito de Sujeito dessa abordagem teórica. No capítulo 2, apresento a metodologia adotada para a coleta de dados e a análise dos dados processuais e do produto final, assim como informações sobre o perfil dos informantes e os textos de partida selecionados para a realização do experimento. O capítulo 3 trata da apresentação e análise dos dados processuais visando responder às perguntas de pesquisa referentes ao processo de tradução. O capítulo 4 trata da apresentação e análise dos dados do produto à luz da Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday1 visando responder às perguntas de pesquisa referentes à observação do produto final. No capítulo 5, os dados processuais são relacionados com os dados do produto levando-se em consideração o conceito de durabilidade proposto por Alves (2005a). O capítulo 6 apresenta as conclusões do trabalho a partir dos resultados obtidos e aponta limitações da presente pesquisa bem como algumas sugestões para pesquisas futuras.

1

A terminologia da GSF em português é adotada da lista de termos construída a partir do intercâmbio PUC-SP e FLUL (Faculdade de Letras de Lisboa). (BARBARA & GOUVEIA et al, 2000)

15 Capítulo 1: Revisão Bibliográfica

1.1 Abordagem Processual

1.1.1 A Abordagem Processual nos Estudos da Tradução A abordagem processual é uma abordagem relativamente recente nos Estudos da Tradução. No geral, as teorias desse campo de estudo tinham como foco principal o produto final das traduções, e eram baseadas em modelos prescritivos e na comparação de aspectos sintáticos do texto original e seu respectivo texto de chegada. A partir dos anos 80, ocorre uma virada nos Estudos da Tradução, chamada pelos teóricos interessados no processo tradutório de Translation Shift (FRASER, 1996a). A tradução passa a ser vista como uma atividade complexa de processamento de informação e as pesquisas nesse campo de estudo começam a interagir com outras áreas de pesquisa, como as ciências cognitivas e a psicologia cognitiva, apresentando, a partir de então, modelos empíricos do processo de tradução como alternativa aos modelos lingüísticos usados anteriormente, que só explicavam em parte o fenômeno da tradução (SHREVE & DANKS, 1997; HOUSE, 2000). Séguinot (2000) também chama a atenção para a importância de se pesquisar o processo de tradução, já que a comparação de textos de partida com suas respectivas traduções não diz nada sobre os aspectos de monitoramento e gerenciamento do processo de tradução. A abordagem processual nos Estudos da Tradução visa investigar empiricamente os processos cognitivos envolvidos na realização da tradução, e não apenas o produto final. Em seu artigo de 1990, Königs chama a atenção para a importância da realização de estudos empíricos no campo dos Estudos da Tradução e

16 afirma que a tradução em si é uma atividade prática, cujo estudo requer o desenvolvimento de teorias empíricas. O autor define três tipos de teoria, enumerados a seguir: 1.

2.

3.

Teorias de 1a ordem são aquelas teorias que se ocupam concretamente do objeto de tradução observado, ou parte dele, abrangendo o maior número possível de variáveis pertinentes a esse objeto. Elas se formam de maneira indutiva e são, sobretudo, descritivas, e em casos excepcionais também prescritivas. São fundamentadas empiricamente e contribuem decididamente para o esclarecimento sobre a formação de um produto específico. As teorias de 2a ordem ocupam-se do objeto de estudo auto-concebido – e não de um objeto de estudo produzido por um outro sujeito. Encontram-se focalizadas sobre o formulador da teoria e sua experiência pessoal, sendo basicamente dedutivas, sobretudo prescritivas e somente em parte capazes de explicar a formação de um produto específico. Não são comprovadas empiricamente e não apresentam provas de validade intersubjetiva. As teorias de 3a ordem surgem através da comparação de produtos sob aspectos não pertinentes à tradução, sendo essencialmente descritivas, incapazes de explicações, isolando apenas um dos muitos aspectos de uma tradução.

(KÖNIGS, 1990, apud ALVES, 2001:70) As teorias cujo objeto de estudo é o processo de tradução devem ser baseadas em comprovações empíricas de seus dados contribuindo, portanto, para a formulação de teorias de 1a ordem, já que lidam concretamente com o objeto “traduzir” e ajudam a explicar como o texto traduzido é concebido. A princípio, houve dificuldade em se estabelecer uma metodologia científica para as pesquisas sobre o processo de tradução e sobre o que se passava na mente do tradutor (KRINGS, 2005:343). O uso da técnica de protocolos verbais ou introspecção (think-aloud protocols), que tem sua origem metodológica nas ciências sociais (ALVES, 2001:73), foi incorporado nos primeiros estudos de abordagem processual no campo dos Estudos da Tradução para a coleta de dados. Durante as duas primeiras décadas, as pesquisas processuais em tradução mais representativas tinham em comum apenas o fato de utilizarem a mesma forma de coleta de dados, os protocolos verbais, mas os interesses de estudo eram bastante

17 diversificados, como aponta Fraser (1996a) e, posteriormente, Jääskeläinen (1996:6061) e Alves (2003:73-74). A maior parte das pesquisas em tradução com uma abordagem processual era realizada isoladamente e independente umas das outras. O perfil dos informantes, o par lingüístico, a modalidade de tradução (oral/escrita), o tipo de protocolos verbais utilizado durante a coleta de dados (monológico/dialógico) e o aspecto do processo a ser analisado variavam. Segundo Fraser (1996a), Krings (1986) e Lörscher (1991) coletaram dados com estudantes de língua estrangeira, enquanto Jääskeläinen (1987, 1989a, 1989b), Nagy (1989) e Tirkkonen-Condit utilizaram estudantes de tradução como informantes. Königs (1987) e Krings (1988) combinaram os dados de tradutores em formação e tradutores profissionais; já Laukkanen (1993) e Séguinot (1989a) pesquisaram somente tradutores profissionais. Foram realizados trabalhos com diferentes pares linguísticos como alemão e francês (KRINGS, 1986), inglês e francês (GERLOFF, 1988; SÉGUINOT, 1989), alemão e inglês (LÖRSCHER, 1991), alemão e espanhol (KÖNIGS, 1987), inglês e finlandês (JÄÄSKELÄINEN, 1990; LAUKKANEN, 1993; TIRKKONEN-CONDIT, 1989, 1992) e, por fim, alemão e finlandês (NAGY, 1989). A maior parte dos pesquisadores citados acima pesquisa o processo da tradução escrita; no entanto, Lörscher (1991) conduz também experimentos sobre a tradução oral. House (1988) e Kussmaul (1991) são exemplos de pesquisadores que fazem uso de protocolos verbais dialógicos na coleta de dados. Além disso, Fraser (1993), Séguinot (1989), e Tirkkonen-Condit (1989, 1991) concentraram-se em aspectos práticos da formação de tradutores, enquanto Jääskeläinen (1989) e Gerloff (1987, 1988) tentaram estabelecer semelhanças e diferenças entre grupos de informantes com níveis distintos de experiência prévia em tradução.

18 A diversidade das pesquisas realizadas nessa primeira fase dos estudos processuais da tradução tem a vantagem de enfocar perspectivas diferentes do processo de tradução. No entanto, as diferenças metodológicas impedem que os resultados das pesquisas sejam comparados uns com os outros (JÄÄSKELÄINEN, 1996:61). Alves (2003) também menciona a necessidade de os pesquisadores dessa área de pesquisa buscarem uma metodologia comum e propõe a triangulação de dados, que será discutida em mais detalhes no capítulo 2, como opção metodológica. Recentemente, a abordagem processual nos Estudos da Tradução se consolidou como campo de pesquisa (KRINGS, 2005:343). Surgiram grupos de pesquisa visando estudar aspectos processuais e competência em tradução e, no final da década de 1990, novas ferramentas tecnológicas, como os softwares Translog e Proxy, foram desenvolvidas e passaram a fazer parte da coleta de dados, possibilitando que o processo tradutório fosse analisado sob novas perspectivas e que a validade metodológica das antigas ferramentas de coleta de dados fosse testada. Kussmaul (2005:379) enumera os seguintes grupos de pesquisa que investigam aspectos processuais da tradução: O grupo Trap (Translation Process) da Copenhagen Business School, na Dinamarca, que utiliza o Translog como instrumento central na coleta de dados e investiga o conhecimento experto em tradução em comparação com o conhecimento do tradutor em formação. O grupo Pacte (Process in the Acquisition of Translation Competence and Evaluation) da Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha, que faz uso de questionários, entrevistas, protocolos verbais, gravações de vídeo e do software Proxy como opção metodológica para identificar características específicas da(s) competência(s) em tradução. O grupo Expertise (Expert Probing through Empirical Research on Translation Processes) liderado por um pesquisador da Universidade de Oslo, na Noruega, que faz uso de

19 metodologias cognitivas e psicolingüisticas para investigar o conhecimento experto em tradução. O grupo Pronit (Process and Product in Translation Investigation), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que investiga o comportamento do tradutor profissional visando à formação de tradutores. E, finalmente, o projeto Corprat (Corpus Processual para Análises Tradutórias), da Universidade Federal de Minas Gerais, no qual a presente pesquisa se insere. O Corprat investiga aspectos do processo tradutório e da competência em tradução e também faz uso de corpora reduzidos para investigar dados sobre o produto final da tradução e contrastá-los com os dados processuais. O Corprat faz parte do grupo Cordiall (Corpus Discursivo para Análises Lingüísticas e Literárias), que investiga aspectos discursivos da língua em textos escritos com base em estudos de corpora e na Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday. Ao longo dos últimos 20 anos, muitas perguntas de pesquisa foram respondidas no âmbito das pesquisas empíricas realizadas nos Estudos da Tradução e resultados interessantes foram obtidos a respeito do processo de tradução de diferentes perfis de tradutores: de bilíngües não tradutores a tradutores com diferentes níveis de competência em tradução (KRINGS, 2005:343). No entanto, ainda há muitas perguntas a serem respondidas. A análise do produto final também passou a ser considerada como objeto de análise na abordagem processual nos Estudos da Tradução. Hansen (1999, 2002a/b, 2003), integrante do grupo Trap, e Alves & Magalhães (2004), integrantes do grupo Cordiall/Corprat, investigam a interface processo-produto na tradução cruzando dados processuais e dados do produto final. Apesar de adotarem análises diferentes - enquanto Hansen estabelece critérios de avaliação do produto final, Alves & Magalhães adotam uma análise descritiva de aspectos coesivos tendo como base teórica a Gramática Sistêmico-Funcional de

20 Halliday - os três autores consideram importante a inclusão de dados do produto final nas pesquisas processuais da tradução. Hansen (2003:35), como já foi apontado antes, chega a afirmar que "os processos não são muito interessantes se não puderem ser relacionados com algum tipo de resultado, o produto final da tradução". Feitas estas breves considerações sobre a abordagem processual nos Estudos da Tradução, apresento na seção seguinte dois modelos teóricos do processo tradutório e outros conceitos importantes para a análise dos dados processuais. O primeiro modelo teórico foi elaborado por Königs no final da década de 1980 e o segundo modelo teórico, complementar ao primeiro, foi elaborado por Alves na década de 1990.

1.1.2 Modelos Teóricos do Processo Tradutório 1.1.2.1 Os Modelos de Königs e Alves Königs (1987) propôs um modelo do processo tradutório que divide o processamento das unidades de tradução (UT) em dois blocos: o bloco ad-hoc ou bloco automático (Adhoc-Block) e o bloco restante (Rest-Block), também chamado de bloco reflexivo por Alves. Alves (1995, 1997) propõe um modelo complementar ao de Königs, que considera os conceitos de bloqueio processual, recursividade, apoio interno e externo e priorização e omissão de unidades de tradução (conscientes ou inconscientes). Ambos os modelos foram elaborados de forma indutiva a partir de dados empíricos coletados por meio de protocolos verbais. De acordo com o modelo proposto por Königs, as UTs que são processadas no bloco ad-hoc encontram imediatamente uma UT correspondente na língua de chegada e são traduzidas de forma inconsciente e automática. Elas parecem ter uma resistência maior a mudanças e correções por parte do tradutor por não envolverem nenhum tipo

21 de reflexão e, por isso, traduções inadequadas que ocorrem nesse bloco geralmente não são corrigidas durante a tarefa de tradução e permanecem no texto de chegada. Tudo o que não ocorre no bloco ad-hoc, ou seja, unidades de tradução que não encontram automaticamente um correspondente na língua de chegada durante seu processamento, é traduzido dentro do bloco restante, no qual o tradutor toma decisões de tradução apoiado em processos cognitivos conscientes. Como Königs não apresenta uma explicação detalhada do que acontece no bloco restante, Alves (1997) propõe um modelo complementar ao de Königs, que inclui os processos cognitivos que ocorrem dentro desse segundo bloco: apoio interno e externo, recursividade, bloqueio processual e priorização e omissão de unidades de tradução (conscientes ou inconscientes). O apoio interno se dá no momento em que o tradutor faz uso de conhecimentos prévios para tomar decisões através de recuperação de memória ou inferências e o apoio externo ocorre de acordo com a capacidade do tradutor de buscar fontes externas que o auxiliem no processo de tradução, como dicionários, obras de consulta e referência e outras fontes alternativas. Na maior parte das vezes, há uma combinação de apoios interno e externo. “Quando uma das fontes esgota seus recursos, o tradutor passa a usar outro tipo de processo cognitivo alternativamente de forma recursiva para evitar um bloqueio processual” (ALVES, 1997:26). O bloqueio processual ocorre quando o tradutor se depara com uma UT que apresenta um problema para o qual ele não consegue encontrar uma solução. Caso o tradutor não consiga decidir o que fazer com essa UT (omiti-la, por exemplo), ele corre o risco de bloquear todo o processo e ter que abandonar a tradução. No entanto, é durante a priorização e omissão de unidades de tradução que as decisões de tradução são tomadas. Nessa fase o tradutor prioriza algumas informações que ele considera serem mais relevantes em detrimento das que são consideradas menos relevantes. Ao

22 final do processo, o tradutor tem a possibilidade de revisar todo o texto reiniciando a tradução ou alterando algumas UTs caso ache necessário. Todo o processo de tradução tem essa característica de recursividade, mesmo antes de o tradutor chegar ao final do texto e iniciar a fase de revisão em si. Ao elaborarem seus modelos empíricos, Königs e Alves utilizam o termo unidade de tradução para falar do trecho do texto de partida que é processado pelo tradutor em um dado momento. O conceito de unidade de tradução, muito utilizado nos Estudos da Tradução, é bastante controverso. Segundo Dragsted (2004), alguns teóricos que tratam esse conceito sob uma perspectiva lingüística consideram a UT como uma unidade que varia do parágrafo ao texto. No entanto, quando o conceito de UT é tratado sob uma perspectiva cognitiva, os teóricos consideram que seu tamanho não pode ser maior do que uma oração, devido ao fato de a memória de trabalho não ter capacidade de processar trechos maiores do que esse de uma só vez. No presente trabalho, adotarei as definições de UT de Alves (2000) e Dragsted (2004), elaboradas a partir de dados empíricos, em que a noção de pausa também é de grande importância. Essas definições serão apresentadas na próxima seção.

1.1.2.2 A Unidade de Tradução e as Pausas Dragsted (2004) realiza uma pesquisa com o objetivo de averiguar como o processo cognitivo de tradução é influenciado por variáveis externas, especificamente, como o tradutor segmenta o texto ao traduzi-lo e qual efeito algumas variações, como nível de experiência do tradutor, nível de dificuldade do texto traduzido e uso de sistemas de memória de tradução, exercem na segmentação cognitiva do tradutor. Como o conceito de unidade de tradução é importante para a noção de segmentação, a autora apresenta uma discussão sobre esse conceito levando em consideração tanto

23 uma perspectiva lingüística quanto uma perspectiva cognitiva. A primeira perspectiva inclui várias abordagens teóricas, enquanto os estudiosos da segunda perspectiva se baseiam em dados empíricos para elaborar sua definição de UT. Levando-se em consideração essas duas perspectivas, Dragsted chega à conclusão de que a UT é uma unidade lingüística que pode ser processada pela capacidade de memória de trabalho (MT) do tradutor e cujos limites são indicados por pausas. Baseada nessas considerações, a autora propõe a seguinte definição de UT: A unidade de tradução é um segmento lingüístico que pode ser processado pela memória de trabalho e que, portanto, tem o tamanho limitado. O tamanho e a natureza da unidade de tradução podem ser identificados com base nas pausas no decorrer da produção, e podem variar de acordo com o nível de experiência do tradutor e o nível de dificuldade percebido. Resumindo, a unidade de tradução pode ser definida como a compreensão simultânea/consecutiva na LP e produção na LC de um segmento do texto cujo tamanho é limitado pela capacidade da MT e cujo limite é identificado através de pausas.2

Uma definição semelhante já havia sido apresentada por Alves (2000): UNIDADE DE TRADUÇÃO é um segmento do texto de partida independente de tamanho e forma específicos, para o qual, em um dado momento, se dirige o foco de atenção do tradutor. Trata-se de um segmento em constante transformação que se modifica segundo as necessidades cognitivas e processuais do tradutor. A UNIDADE DE TRADUÇÃO pode ser considerada como a base cognitiva e o ponto de partida para todo o trabalho processual do tradutor. Suas características individuais de delimitação e sua extrema mutabilidade contribuem fundamentalmente para que os textos de chegada tenham formas individualizadas e diferenciadas. O foco de atenção e consciência é o fator direcionador e delimitador da UNIDADE DE TRADUÇÃO e é através dele que ela se torna momentaneamente perceptível.

(ALVES, 2000:38)

2

Minha tradução de: The translation unit is a language segment which can be processed by working memory, and which is therefore limited in size. The size and nature of the translation unit may be identified on the basis of pauses in the flow of production, and may vary according to the level of expertise of the translator and the level of difficulty perceived. In short, the translation unit may be defined as the simultaneaous/consecutive comprehension in the SL and production in the TL of a text segment the size of which is limited by WM capacity and the boundaries of which are identifiable through pauses. (DRAGSTED, 2004:78 – grifo no original)

24 Ambas as propostas apresentam vários pontos em comum; no entanto, a definição de Dragsted leva em consideração a duplicidade do processo tradutório, alegando que a UT se encontra “no meio do caminho” entre a língua de partida (LP) e a língua de chegada (LC), enquanto a definição de Alves considera a UT como um segmento do texto de partida (TP). Com o uso do Translog, a UT pode ser identificada como o segmento que ocorre entre duas pausas. O tamanho de pausa a ser considerado é arbitrário e deve ser definido pelo pesquisador de acordo com seus objetivos de pesquisa (JAKOBSEN, 1999:32). Neste trabalho, será considerada uma UT qualquer segmento que ocorra entre duas pausas de, pelo menos, 5 segundos. Mesmo sabendo que a UT tem sua origem no texto de partida, ela será identificada a partir do texto de chegada, ao qual temos acesso direto através dos protocolos do Translog. Jensen (2001:58) aponta que as pausas são indicativos de esforço cognitivo. Sempre que o tradutor se depara com algo novo ou algum problema de tradução, ele direciona sua atenção para aquele ponto gastando mais tempo e energia para solucionar o problema. Pausas de menos de 3 segundos de duração, no geral, estão relacionadas a questões de coordenação motora e velocidade de digitação. As pausas entre 3 e 5 segundos já indicam esforço cognitivo e são adotadas na análise do processo tradutório. Hansen (2002b:33-34) divide as pausas em quatro tipos: Pausas de orientação (Orientierungspausen), pausas de controle (Kontrollpausen), pausas internas (Binnenpausen) e pausas de monitoramento (Monitoringpausen). As pausas de orientação são aquelas que ocorrem antes da primeira palavra de uma oração e as pausas de controle são as pausas que ocorrem após a última palavra de uma oração ou após o ponto final. Podemos identificar se a pausa ocorre antes ou depois da oração por meio do caractere que indica espaçamento no protocolo linear do Translog. No geral, quando o tradutor faz uma pausa antes de usar a tecla de espaço,

25 ele está revisando o que foi escrito anteriormente. Quando o tradutor faz uma pausa depois de ter usado a tecla de espaço, ele já está direcionando sua atenção para o que vai ser escrito em seguida. As pausas internas são aquelas que ocorrem dentro da oração e as pausas de monitoramento são um tipo de pausa de controle durante a qual o tradutor controla não apenas a oração anterior, mas todo um trecho (parágrafo ou tudo o que foi escrito anteriormente). Nem sempre é possível distinguir as pausas de monitoramento das pausas de controle. Indicativos de que o tradutor estava monitorando o texto produzido em trechos anteriores à última oração produzida são as correções e/ou alterações, que nem sempre ocorrem. Hansen considera em seu trabalho pausas de, no mínimo, 6 segundos, mas admite que cada pesquisador pode definir a duração da pausa de acordo com seus interesses de pesquisa. De acordo com a autora, as pausas de orientação são um indicativo de processamento adequado, enquanto as pausas internas são indicativo de problemas e insegurança. No entanto, nem sempre a ausência de pausas internas garante a qualidade do produto final da tradução. Em sua pesquisa, Hansen chegou à conclusão de que a quantidade e o tamanho das pausas, apesar de estarem relacionados a problemas de tradução, ou seja, problemas de processamento de UTs, não são indicativos de qualidade do produto final. Dificuldades com determinadas unidades de tradução e padrões de segmentação podem ser identificados a partir do tempo das pausas, que, como foi discutido acima, indicam como o tradutor segmenta o texto em unidades de tradução (ALVES, 2003:87). A noção de segmentação é importante para a discussão do conceito de ritmo cognitivo e será abordada a seguir.

26 1.1.2.3 Segmentação e Ritmo Cognitivo Dragsted (2004) faz um estudo detalhado do padrão de segmentação em tradução comparando tradutores expertos com tradutores novatos e conclui que tradutores expertos dividem o texto em segmentos maiores e trabalham principalmente no nível da oração, enquanto tradutores novatos segmentam o texto em UTs menores (em média três palavras) e trabalham principalmente no nível do sintagma, o que indica um processo mais orientado para a forma do que para o significado. Os resultados de Dragsted corroboram a constatação de Alves (2003) de que tradutores novatos costumam apresentar uma preocupação excessiva com a forma lingüística e com a literalidade lexical. Apesar de não utilizar tradutores novatos como informantes, Lörscher (1996) também aponta que tradutores expertos se preocupam mais com o sentido do que com a forma e apresentam UTs maiores, enquanto estudantes de língua se atêm mais à forma do que ao conteúdo, se preocupam predominantemente com a equivalência lexical e apresentam UTs menores. A diferença do processo tradutório de tradutores novatos e de tradutores expertos será tratada em detalhes mais adiante na seção 1.1.3 deste capítulo. Considerando-se as variáveis utilizadas por Dragsted em seu desenho experimental, é importante discutir também os conceitos de conhecimento experto e memória de trabalho. De acordo com Ericsson (2002), o conhecimento experto (expertise) é considerado pelo senso comum como algo inato, geneticamente prédeterminado, ou seja, a pessoa já nasce com vocação (ou não) para determinadas atividades. Ericsson se posiciona contra essa crença e alega que o conhecimento experto em qualquer área é desenvolvido através de prática deliberada a partir de uma base biologicamente constituída. Para Ericsson, a base biológica consiste apenas em características físicas de peso e altura e representa um aspecto pouco significativo no

27 desenvolvimento de conhecimento experto. O conhecimento experto se consolida gradativamente com a experiência que a pessoa adquire através de prática deliberada, que envolve engajamento em uma atividade específica, com o objetivo de atingir uma performance ótima (ERICSSON, 2002:193). Dessa forma, a experiência é vista por Ericsson como co-construtora dos processos cognitivos. Um tradutor experto, portanto, se torna um “especialista” através da prática deliberada. Dragsted acredita que tradutores expertos, assim como outros sujeitos capazes de realizar atividades cognitivas especializadas (skilled cognitive activities), desenvolvem uma memória de trabalho de longo prazo (MTLP) que possibilita um acesso mais rápido à memória de longo prazo (MLP) através de dicas de recuperação (retrievel cues) e, conseqüentemente, o processamento de UTs maiores, aumentando a eficiência do processo tradutório. A questão que se coloca é se a MTLP seria um aprimoramento da memória de trabalho de curto prazo ou um mecanismo que se desenvolve à parte. Rothe-Neves (2003) trabalha apenas com o conceito de memória de trabalho (MT) e não considera o conceito de MTLP. Os resultados de seu estudo mostram que o comportamento de tradutores expertos difere daquele de tradutores novatos. “Tradutores expertos com maior velocidade de processamento e capacidade de coodenação foram mais fluentes, precisaram de menos tempo para produzir suas orações e realizaram menos revisões até chegar à versão final. Em outras palavras, quanto maior a capacidade da MT, mais eficiente é a performance.” (ROTHENEVES, 2003:116). Relacionando as considerações de Ericsson sobre prática deliberada e as de Dragsted sobre memória de trabalho de longo prazo, poderíamos dizer que um tradutor adquire proficiência no ato de traduzir ao desenvolver uma MTLP através de

28 prática deliberada. Se a MTLP deve ser considerada um mecanismo à parte ou não ainda é uma questão em aberto. Dessa forma, como os tradutores expertos trabalham com segmentos maiores devido à sua capacidade de recuperar informações por meio da MTLP ou, de acordo com Rothe-Neves, devido a uma maior capacidade da MT, espera-se que o ritmo cognitivo de tradutores novatos seja mais errático e menos regular do que o ritmo cognitivo de tradutores expertos. O conceito de ritmo cognitivo foi primeiramente proposto por Schilperoord (1996, apud JAKOBSEN, 2002) a partir de estudos sobre o processo de produção textual, que, assim como a tradução, é um processo hierárquico não-linear. O ritmo cognitivo resulta da alternância entre fases de produção textual e pausas e é caracterizado pelas pausas, correções, mudanças, seqüência de produção (flow of text production) e também pelas três fases do processo de tradução propostas por Jakobsen: a fase de orientação, a fase de redação e a fase de revisão, que serão discutidas na próxima seção (1.1.2.4). As pausas que ocorrem durante o processo de tradução indicam recursão (não-linearidade) e/ou mudança de fase (hierarquia) e são usadas, juntamente com as fases de produção textual, para mapear o ritmo cognitivo dos informantes. Os resultados dos estudos sobre o ritmo cognitivo de tradutores novatos (JAKOBSEN, 2002, 2003; HANSEN, 2002b; ALVES & MAGALHÃES, 2004; ALVES, 2005a) apontam que tradutores novatos apresentam um ritmo cognitivo errático, menos consistente e com segmentos menores do que os tradutores expertos. No entanto, Hansen (2002b) constata que cada informante isoladamente costuma ter um padrão de ritmo cognitivo regular. A autora percebe também que existe relação entre o tempo gasto na tarefa de tradução e o comportamento das pausas (Pausenverhalten). Sendo assim, apesar de apresentarem um ritmo cognitivo menos consistente do que tradutores expertos, cada tradutor novato possui um padrão

29 processual individualizado que se repete na realização de tarefas de tradução diferentes. O ritmo cognitivo também está intimamente ligado às diferentes fases do processo de tradução. Na próxima seção apresento as três fases do processo de tradução propostas por Jakobsen (2002) e sua relação com o ritmo cognitivo de informantes expertos e informantes novatos.

1.1.2.4 As Fases do Processo de Tradução Com base na observação do processo tradutório conforme registrado por softwares, Jakobsen (2002) identifica três fases distintas no processo de tradução: A fase de orientação, a fase de redação e a fase de revisão. Cada uma das três fases apresenta características específicas e pode ser facilmente identificada nos protocolos lineares do Translog. A fase inicial de orientação começa no momento em que o tradutor entra em contato com o texto de partida (TP) - quando o TP aparece na tela do computador - e termina no momento em que o tradutor aciona a primeira tecla, ou seja, quando ele começa a produzir o texto de chegada (TC). Nessa fase o tradutor se ocupa, principalmente, com a compreensão do TP. Os dados dessa fase do processo de tradução indicam o quanto o tradutor se ocupou do texto de partida antes de começar a traduzi-lo de fato. A fase de redação começa com o acionamento da primeira tecla no Writelog do Translog e vai até o momento em que o tradutor chega pela primeira vez ao último ponto final ou tecla do texto de chegada equivalente à última tecla do texto de partida. Durante a fase de redação, diversos tipos de movimento de teclado são efetuados, identificados e contabilizados pelo Translog, como teclas de produção, teclas de

30 eliminação (backspace, delete), movimentos de cursor, cliques de mouse e outros tipos de operação, como copiar, colar etc. A fase de redação engloba não apenas produção textual, mas também mudanças, correções e eliminação de texto produzido, ou seja, o tradutor monitora todo o processo e realiza revisão já durante essa fase. À revisão que ocorre durante a fase de redação Jakobsen dá o nome de revisão online ou revisão em tempo real (online revision). A fase de revisão, propriamente, começa com o término da fase de redação e termina no momento em que o tradutor considera a tradução como finalizada (quando ele aciona a tecla stop do Translog). Segundo Jakobsen, a revisão é uma fase de grande recursão e, no geral, tem um processo mais parecido com a produção de texto em língua materna, em que soluções internas ao texto são tomadas. Nessa fase, a velocidade de produção costuma ser mais lenta do que na fase de redação. De acordo com o estudo realizado por Jakobsen (2002, 2003), tradutores expertos gastam mais tempo na fase de orientação e na fase de revisão do que tradutores em formação, mas realizam a fase de redação em menos tempo. Jakobsen acredita que, durante a fase de revisão, tradutores expertos otimizam um texto de chegada inteiramente funcional, enquanto tradutores novatos ainda têm que lidar com problemas de tradução não resolvidos, ou seja, a fase de redação e a fase de revisão são bem delimitadas no processo tradutório de tradutores expertos, enquanto no processo de tradutores novatos essas duas fases se confundem. Os resultados obtidos por Alves (2005a) também confirmam que tradutores expertos têm as fases de redação e revisão mais bem delimitadas do que tradutores novatos. Tradutores novatos tendem a deixar lacunas no texto de chegada para serem preenchidas durante a fase de revisão.

31 Ao investigar o ritmo cognitivo de tradutores novatos, Alves & Magalhães (2004) também constatam que tradutores menos experientes apresentam ritmos cognitivos mais erráticos do que tradutores expertos. Os autores levam em consideração o texto de chegada na análise dos dados e cruzam os dados do produto com os dados processuais, no intuito de investigar a interface processo-produto na tradução. Eles chegam à conclusão que tradutores novatos produzem textos de chegada menos duráveis, ou seja, menos adequados às exigências da tarefa de tradução, como conseqüência de um ritmo cognitivo errático, dificuldade de gerenciamento do processo de tradução e falta de consciência crítica com relação a questões discursivas da língua e ao próprio processo de tradução. Jakobsen (2002, 2003) já havia constatado que tradutores expertos apresentam ritmos cognitivos mais consistentes e tendem a produzir traduções com padrões de adequação mais altos do que tradutores novatos. Hansen (2002b), no entanto, não conseguiu estabelecer relação entre o tamanho das fases de orientação, redação e revisão e a posição, quantidade e tamanho das pausas com a qualidade do produto final. Pesquisas nos Estudos Processuais da Tradução que incluem análise do produto final são recentes. Alves (2005a) apresenta o conceito de durabilidade textual, que está relacionado ao grau de adequação do texto de chegada à tarefa de tradução e às especificidades do texto de partida. A durabilidade está relacionada a carcaterísticas do processamento cognitivo do tradutor que possuem impacto na configuração do produto final da tradução e se mostra um conceito importante na investigação da interface processo-produto. Por esse motivo, o conceito de durabilidade textual será discutido na próxima seção.

32 1.1.2.5 A Durabilidade Textual Em seu artigo de 2003, Jakobsen fala de textos mais ou menos duráveis ao incluir o produto final da tradução em sua análise. Como já foi mencionado acima, ele chega à conclusão de que tradutores expertos têm um ritmo cognitivo mais consistente e menos errático do que tradutores novatos e produzem textos de chegada mais duráveis, ou seja, mais adequados às exigências da tarefa de tradução. Partindo dessa noção de textos duráveis, Alves (2005a) propõe o conceito de durabilidade textual, que é definido como: uma propriedade do texto produzido por um sujeito tradutor ao final da fase de redação cujo nível de consciência crítica e de gerenciamento operativo (ritmo cognitivo) e discursivo do processo de tradução lhe permita chegar a uma produção textual que, mesmo demandando ajustes e re-elaborações na fase de revisão, terá as características de uma produção mais adequada às especificidades do texto de partida e às necessidades da tarefa de tradução. Em outras palavras, o conceito de durabilidade textual implica na produção de material textual adequado e atendimento satisfatório às expectativas da tarefa de tradução.

(ALVES, 2005a:121) A durabilidade textual está relacionada ao nível de experiência, ao ritmo cognitivo, à capacidade de meta-reflexão do tradutor e ao desenvolvimento da competência tradutória. Ela deve ser entendida como “sustentabilidade imediata” no processo de produção textual. Nesse sentido, um texto durável apresenta, já ao final da fase de redação, características adequadas às especificidades da tarefa de tradução, com estrutura coesiva e níveis de coerência textual adequados à tarefa de tradução e às especificidades do texto de partida. As modificações que podem vir a ser feitas durante a fase de revisão devem manter ou aumentar o grau de durabilidade do texto. Tradutores expertos tendem a produzir textos com maior durabilidade textual do que tradutores com níveis de conhecimento experto mais baixo. Tradutores novatos tendem a apresentar muitas lacunas após a fase de redação, que só serão solucionadas durante a fase de revisão e, muitas vezes, realizam revisões que não resultam em melhora ou até mesmo pioram a qualidade do produto final (LORENZO, 2002).

33 Alves (2005a) conduz um experimento com três tradutores com graus de competência em tradução distintos - um tradutor com pouco conhecimento experto em tradução, um tradutor com conhecimento experto razoável em tradução e um tradutor com alto grau de conhecimento experto em tradução - e chega à conclusão de que tradutores com maior grau de meta-reflexão e conhecimento experto em tradução produzem textos com maior nível de durabilidade textual, corroborando os resultados obtidos por Jakobsen (2002, 2003) e Alves & Magalhães (2004), mencionados anteriormente. Buchweitz & Alves (no prelo) realizam um experimento com dois grupos de tradutores novatos: o primeiro grupo, considerado menos experiente do que o segundo, é formado por alunos de um curso de especialização em tradução; o segundo grupo é formado por alunos de pós-graduação (mestrado e doutorado) em tradução. Todos os informantes realizaram uma tradução direta (do português para o inglês) e uma tradução indireta (do inglês para o português). O primeiro grupo não apresentou alteração no processo de tradução de um texto para o outro; já os informantes do segundo grupo passaram a segmentar o texto em UTs menores ao realizarem a tradução indireta. No geral, segmentos menores são indícios de que o tradutor focaliza aspectos micro-lingüísticos do texto; no entanto, é preciso observar detalhes da tarefa de tradução. Ao mesmo tempo em que os informantes com maior grau de conhecimento experto passaram a segmentar o texto em UTs menores, eles também aumentaram a recursividade do processo de tradução. Averiguou-se que os segmentos menores foram causados pela necessidade de uma quantidade maior de pausas para consultas a textos paralelos devido à dificuldade de traduzir um texto para uma língua estrangeira. Ao segmentarem o texto em UTs menores, os informantes aumentaram a recursividade do processo mantendo a atenção em aspectos macro-textuais.

34 Buchweitz & Alves chegam à conclusão que o aumento da recursividade resultou da tentativa de lidar com uma situação de dificuldade e foi considerado indício de durabilidade textual. Enquanto os informantes com menos conhecimento experto não mudaram de estratégia para traduzir um texto para uma língua estrangeira, os informantes do segundo grupo o fizeram. No entanto, Buchweitz & Alves não analisaram o produto final das traduções. Alves (2005a) considera que a durabilidade textual está relacionada, dentre outros, à capacidade do tradutor de produzir textos de chegada consistentes e adequados aos padrões do gênero textual ao qual pertence. Tradutores expertos com níveis mais altos de competência em tradução possuem uma capacidade cognitiva que lhes possibilita recuperar informações de maneira mais eficaz e manter um nível de coesão maior entre as partes do texto que está sendo traduzido. Essa capacidade cognitiva de manter os laços coesivos entre as partes do texto é visível no produto final. Portanto, a análise do texto de chegada, em complemento à análise dos dados processuais, possibilita discutir o grau de durabilidade textual alcançado pelo tradutor. A Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday se apresenta como um modelo teórico adequado para a análise textual do produto e será adotada no presente trabalho. Sua aplicação nas línguas alemã e portuguesa será discutida mais adiante, na seção 1.2 deste capítulo. Antes farei ainda algumas considerações sobre a diferença entre os processos tradutórios de tradutores novatos e tradutores expertos, implicações da abordagem processual dos Estudos da Tradução na formação de tradutores e uma breve revisão dos estudos realizados sobre o efeito da pressão de tempo no processo de tradução escrita.

35 1.1.3 Tradutores Novatos e Tradutores Expertos Como já foi apontado na seção 1.1.1, durante as duas primeiras décadas, as pesquisas de abordagem processual nos Estudos da Tradução foram realizadas de maneira isolada por diversos pesquisadores. Por isso, a terminologia usada referente ao grau de conhecimento experto dos informantes nem sempre coincide. No presente trabalho usarei o termo tradutor experto para designar o que alguns pesquisadores denominam tradutor profissional ou tradutor experiente, ou seja, tradutores já inseridos no mercado de trabalho com um alto grau de conhecimento experto em tradução. Os informantes sem conhecimento experto em tradução vão desde o informante bilíngüe, ou seja, com competência lingüística ótima, mas sem conhecimentos em tradução, ao tradutor em formação (cursando um curso de tradução) e o tradutor novato (tradutor recém-formado com pouco tempo de experiência no mercado de trabalho). Comparando o processo de tradutores expertos com o processo de nãotradutores (estudantes de língua estrangeira), Lörscher (1996) aponta que, ao traduzir um texto, os tradutores expertos se preocupam mais com o sentido do que com a forma, apresentam unidades de tradução maiores, conferem inclusive as UTs que não apresentaram problemas de tradução para eles e se preocupam com questões estilísticas e de adequação da linguagem ao tipo de texto, enquanto os estudantes de língua se atêm mais à forma do que ao conteúdo, se preocupam predominantemente com a equivalência lexical, apresentam UTs menores e não costumam conferir as UTs que não apresentaram problemas de tradução para eles. Fraser (1996b) também aponta as diferenças entre o processo de tradução de tradutores em formação e tradutores expertos. Em sua pesquisa, ela constata que, ao contrário dos tradutores novatos, os tradutores expertos apresentam uma preocupação

36 maior com o registro dos textos de partida e de chegada e sua contextualização. No geral, os tradutores expertos têm uma abordagem orientada para o texto de chegada e o público de chegada, e as estratégias para a resolução dos problemas de tradução são definidas de acordo com a percepção que se tem do papel do tradutor e das necessidades do público-alvo. Quanto maior o grau de conhecimento experto do tradutor, maior a sua consciência do contexto (GERLOFF, 1988, apud FRASER, 1996b). Segundo um estudo de caso realizado por Alves (2003), tradutores novatos costumam apresentar um processo de tradução linear e seqüencial com uma preocupação excessiva com a forma lingüística e com a literalidade lexical e uma ausência de reflexão consciente sobre questões de natureza contextual. Tradutores novatos parecem ter “dificuldade de trabalhar uma tradução como parte integrante de uma rede textual e de atentar para as implicações coesivas inerentes a ela” (ALVES, 2003:93). Seus processos de tradução apresentam níveis inadequados de recursividade e de revisão e pouca preocupação com a contextualização da tradução na língua e cultura de chegada, ao passo que tradutores expertos costumam fazer uso de estratégias que reforçam os laços coesivos do texto de partida. Em um trabalho mais recente, Alves (2005b) corrobora seus dados anteriores ao comparar o desempenho de tradutores expertos com o desempenho de tradutores novatos. O autor constata que, enquanto tradutores novatos concentram seus esforços na resolução de problemas lingüísticos em um nível micro-textual, tradutores expertos resolvem tais problemas com facilidade e concentram seus esforços em questões de caráter contextual (macrotextual). Os resultados de Dragsted (2004), que constatam que tradutores novatos segmentam o texto em UTs menores, no nível do sintagma ou da palavra, enquanto

37 tradutores expertos trabalham com segmentos no nível da oração, também indicam que tradutores novatos têm a atenção voltada para aspectos micro-lingüísticos, enquanto tradutores expertos conseguem se concentrar em questões macro-textuais durante a tradução de um texto, por terem desenvolvido uma memória de trabalho de longo prazo por meio de prática deliberada. A constatação de Dragsted de que tradutores expertos possuem uma memória de trabalho de longo prazo, é corroborada pela afirmação de Alves (2005a) de que tradutores expertos possuem um desempenho característico associado à durabilidade textual, com a qual conseguem produzir textos de chegada mais adequados à tarefa de tradução. Curiosamente, Jääskeläinen (1996) chega à conclusão de que nem sempre tradutores com níveis maiores de conhecimento experto são mais bem sucedidos em seu processo de tradução do que tradutores novatos. Comparando seu estudo ao de Gerloff (1988, apud JÄÄSKELAINEN, 1996), Jääskeläinen percebe que a tradução não se torna mais fácil com o aumento do grau de conhecimento experto, mas que quanto maior o tempo e o esforço gasto na produção da tradução, melhor a qualidade do produto. Fatores afetivos - envolvimento, compromisso, motivação e atitude do tradutor durante o processo - também exercem um papel importante no processo de tradução. No entanto, a autora chama a atenção para o fato de que é necessário haver um equilíbrio entre envolvimento emocional e desprendimento intelectual ao se traduzir um texto, para não haver distorções do mesmo devido às opiniões pessoais do tradutor. Dragsted também aponta que quanto maior o nível de dificuldade do texto de partida para o tradutor, mais o processo de tradução se aproxima daquele apresentado por um tradutor novato, ou seja, o grau de conhecimento declarativo sobre o conteúdo do texto a ser traduzido afeta positivamente ou negativamente o processo de tradução. Pesquisas em curso realizadas dentro do projeto Corprat parecem indicar que a falta

38 de conhecimento declarativo pode fazer com que o processamento cognitivo do tradutor experto durante a tradução se assemelhe mais ao do tradutor novato. O modelo de competência do tradutor elaborado por Gonçalves (2003), a partir de dados empíricos, retrata como a competência do tradutor pode variar de acordo com o grau de conhecimento experto, mas também com o grau de conhecimento declarativo que ele possui. O modelo mostra como as sub-competências linguística, instrumental, teórica e componentes psico-fisiológicos se relacionam com os diversos níveis de processamento cognitivo. À medida que aumenta o nível de conhecimento experto do tradutor, observa-se um aumento de meta-reflexão sobre a própria prática tradutória e de processos cognitivos conscientes, além de uma maior integração entre as sub-competências. Dessa forma, Gonçalves apresenta um modelo com possibilidades de gradação diferenciada: representando, por um lado, a competência do tradutor experto (tradutor com espectro amplo/“broadband” translator) e, por outro

lado,

a

competência

do

tradutor

novato

(tradutor

com

espectro

reduzido/“narrow-band” translator). Alves, Magalhães & Pagano (2002) também já haviam apontado que tradutores novatos tendem a tomar decisões dedutivamente ou indutivamente de forma abrupta, o que indica um processo de tradução menos consciente e menos reflexão nas decisões tomadas. O modelo de Gonçalves prevê ainda que o comportamento de um tradutor experto, em alguns momentos, pode se aproximar do comportamento de um tradutor novato dependendo do nível de dificuldade do texto e do conhecimento declarativo que o tradutor possui sobre o assunto específico do texto. Pesquisas realizadas com tradutores em formação são importantes para identificar os tipos de problema que se apresentam ao tradutor novato durante a realização de uma tarefa de tradução (FRASER, 1996b; LÖRSCHER, 1996); já as

39 pesquisas realizadas com tradutores expertos fornecem dados de como os problemas de tradução são superados de forma eficiente (FRASER, 1996b). Tanto as pesquisas que investigam o processo tradutório de tradutores novatos, quanto as pesquisas que investigam o processo tradutório de tradutores expertos acarretam em informações importantes para a formação de tradutores. As implicações didáticas das pesquisas de abordagem processual nos Estudos da Tradução serão discutidas na seção seguinte.

1.1.4 Formação de Tradutores No geral, a formação de tradutores tem sido feita através de treinamento orientado para o produto final da tradução. Fraser (1996b), no entanto, defende um treinamento orientado para o processo de tradução, já que a maior parte das teorias não fornece nenhum tipo de ajuda de como solucionar os problemas de tradução. Ela propõe que o público-alvo e o propósito da tradução, ou seja, a função que o texto de chegada deve exercer na cultura para a qual está sendo traduzido, sejam determinados nas tarefas apresentadas aos aprendizes e que o registro dos textos e a necessidade do público-alvo sejam discutidos com os mesmos. Pretende-se, assim, criar uma consciência de um contexto mais amplo que vai além de equivalências lexicais nos tradutores que estão sendo formados. Jääskeläinen (1996) chama a atenção para as implicações didáticas dos aspectos afetivos no ato da tradução. Ela concorda com Fraser (1996b) que as teorias não costumam ajudar a prática do tradutor e também defende um treinamento de tradutores orientado para o processo de tradução. Segundo Jääskeläinen, é necessário desconstruir o ideal do tradutor-perfeito, que acaba abaixando a auto-estima do tradutor e causando o efeito de piorar seu processo de tradução, já que nenhum tradutor experto terá condições de realizar todas as possíveis tarefas de tradução de

40 forma perfeita. Como já foi mencionado anteriormente, foi constatado que, quando aumenta o grau de dificuldade do texto de partida e/ou o tradutor (experto) não possui conhecimento declarativo suficiente sobre o assunto específico do texto de partida, seu processo de tradução se assemelha ao processo de tradução de um tradutor novato. Essa situação é muito comum quando o tradutor experto tem que traduzir um texto que não seja específico da sua área de conhecimento. Alves (2003) alega que as pesquisas de abordagem processual em tradução têm implicações didáticas para a formação de tradutores na medida em que chama a atenção dos tradutores novatos para suas próprias práticas cognitivas e discursivas, criando a possibilidade de eles aumentarem sua conscientização e autonomia na percepção das inter-relações dinâmicas entre linguagem, cognição e discurso e, dessa forma, aprenderem a lidar com a solução de problemas de tradução em um contexto mais amplo. A conscientização do tradutor tem como objetivo aumentar o nível de meta-reflexão sobre o próprio processo de tradução acarretando em tomadas de decisões mais conscientes na resolução de problemas de tradução. Resultados da pesquisa realizada por Hansen (1999) mostram que um maior grau de conscientização sobre o próprio processo de tradução aumenta a capacidade do tradutor de refletir sobre os problemas de tradução e de perceber como solucionálos de forma mais eficaz. Em pesquisa posterior, Hansen (2002a) cita um exemplo específico de uma tradutora novata que, após tomar consciência de seu próprio comportamento, melhora seu processo de tradução modificando sua estratégia na fase de orientação. Ao trabalhar sem pressão de tempo, a tradutora fazia uso excessivo do dicionário durante a fase de orientação por falta de segurança e, muitas vezes, fazia escolhas lexicais aleatórias baseada nas consultas ao dicionário. Ao traduzir sob pressão de tempo, a tradutora não tinha tempo de fazer tanto uso do dicionário e tanto

41 seu processo de tradução quanto a qualidade do produto final melhoraram consideravelmente, pois suas escolhas lexicais, baseadas em apoio interno, eram mais reflexivas. O uso excessivo do dicionário durante a fase de orientação era um hábito prejudicial e pôde ser abandonado após ter sido identificado. Diferentemente da postura adotada por Hansen e pelos pesquisadores do Corprat (ALVES & GONÇALVES, no prelo), que acreditam que a conscientização sobre aspectos do processo tradutório assim como a sub-competência teórica e os conhecimentos declarativos são aspectos importantes a serem desenvolvidos na formação de tradutores, o grupo Pacte acredita que, na formação de tradutores, devem ser desenvolvidos, principalmente, os conhecimentos procedimentais, ou seja, conhecimentos operativos relativos ao uso de fontes de consulta (dicionários, enciclopédias, etc.) e ferramentas tecnológicas (softwares, sistemas de memórias de tradução, etc.) necessários para a resolução de problemas de tradução. O modelo de competência tradutória do grupo Pacte (2003) é constituído por várias subcompetências: a sub-competência bilíngüe, a sub-competência extra-lingüística, a subcompetência instrumental, a sub-competência teórica (conhecimentos sobre tradução) e a sub-competência estratégica, além de componentes psico-fisiológicos. A subcompetência estratégica é a sub-competência central que integra todas as outras subcompetências e controla todo o processo tradutório e, por isso, é considerada a subcompetência mais importante, que deve ser desenvolvida em cursos de formação de tradutores. Qualquer deficiência em uma das outras sub-competências pode ser compensada por meio da sub-competência estratégica, segundo o grupo Pacte. Os modelos de competência em tradução e a postura adotada pelo grupo Pacte e pelo Corprat com relação à formação de tradutores divergem em alguns pontos; no entanto, um não exclui o outro. Cada um dos grupos prioriza aspectos diferentes da

42 competência em tradução que devem ser levados em consideração na formação de tradutores, sem, no entanto, deixar os outros aspectos ou sub-competências de lado. Em contextos profissionais, na maioria das vezes, a tradução tem que ser feita sob pressão de tempo, já que o tradutor costuma ter um prazo pré-estabelecido para a entrega dos trabalhos. Em muitos casos, o tradutor experto dispõe de um prazo bastante curto, portanto, a pressão de tempo é uma variável importante que necessita ser mais pesquisada para que tal aspecto da tradução possa ser considerado e incluído na formação de tradutores. Na próxima seção, apresento algumas pesquisas sobre pressão de tempo na tradução realizadas sob uma perspectiva processual.

1.1.5 Pressão de Tempo na Tradução Escrita O limite de tempo na realização de tarefas de tradução escrita é um fenômeno ainda pouco estudado, apesar de sua crescente importância, já que tradutores profissionais sempre precisam lidar com prazos, em alguns casos bastante curtos. A maior parte dos trabalhos realizados sobre pressão de tempo em tradução trata de tradução simultânea, já que nessa modalidade a pressão de tempo é bastante evidente. No entanto, o processo de tradução na tradução simultânea e na tradução escrita não é exatamente o mesmo. A tradução simultânea requer um esforço cognitivo e uma capacidade de armazenamento da memória de trabalho maiores do que a tradução escrita, pois o tradutor precisa lidar com mais de uma tarefa ao mesmo tempo: compreender o texto de partida e produzir o texto de chegada (GILE, 1995). Por esse motivo, é importante que sejam realizadas pesquisas quanto à pressão de tempo na tradução escrita especificamente, já que esta também é uma realidade do tradutor de textos escritos e os resultados obtidos em pesquisas sobre tradução simultânea nem sempre se aplicam à tradução escrita.

43 Jensen (1999, 2001) investiga a forma como tradutores lidam com a pressão de tempo na tradução de textos jornalísticos em sua tese de doutorado. Sua escolha de investigar a tradução de textos jornalísticos foi motivada por sua experiência profissional. Ao contrário de textos escritos pertencentes a outros gêneros, os textos jornalísticos precisam ser traduzidos imediatamente e não podem ser entregues no dia seguinte, pois nesse caso, a notícia já não seria mais atual. Sendo assim, tradutores de textos jornalísticos têm que lidar constantemente com pressão de tempo devido aos prazos curtos para a entrega do texto traduzido. Estudos sobre tradução simultânea (GILE, 1995) apontaram o uso de estratégias de compensação3 para lidar com pressão de tempo. Jensen seleciona e adapta algumas das estratégias de compensação utilizadas por Gile que se aplicam à tradução escrita e, por meio do uso da técnica de protocolos verbais (TAPs) e do software Translog, investiga se o limite de tempo impõe alguma restrição às atividades de resolução de problemas e se há diferença entre tradutores expertos e não-tradutores (informantes com alta proficiência nas duas línguas em questão, mas sem nenhuma experiência como tradutor) no uso de estratégias para lidar com o limite de tempo. Para identificar as estratégias de compensação, a autora usa uma versão modificada da lista apresentada por Gile (1995) e enumera quatro tipos de estratégias de

compensação

usadas

na

tradução

escrita:

empréstimo

(borrowing),

transcodificação (transcoding), reconstrução de um segmento com ajuda do contexto e omissão de informação. O empréstimo se caracteriza pela naturalização na língua de chegada de um termo da língua de partida, mesmo quando existe um outro termo equivalente na língua de chegada. A transcodificação se dá por meio da adaptação de um segmento do texto de partida palavra por palavra na língua de chegada. Jensen

3

Minha tradução do termo: coping tactics. (GILE, 1995)

44 também analisa o efeito da pressão de tempo nas fases do processo de tradução e no uso de dicionários. A autora chega à conclusão que as atividades de resolução de problemas diminuem e a quantidade média de movimentos de teclado aumenta com o aumento da pressão de tempo, indicando um processamento mais rápido e menos reflexivo. Com a diminuição da pressão de tempo para a realização da tarefa, ocorre uma diminuição na velocidade de digitação que pode, em parte, ser explicada pelo aumento do uso de dicionário. No entanto, Jensen chama a atenção para o fato de que o processo dos tradutores expertos tende a manter um padrão mais consistente e varia pouco com a pressão de tempo com relação às atividades de resolução de problemas. Com relação às fases do processo de tradução, os resultados de Jensen apontam que não houve influência significativa da pressão de tempo no tempo gasto na fase de orientação, mas ela constata que tradutores novatos gastam menos tempo na fase de orientação do que tradutores expertos. O tempo relativo gasto na fase de redação aumenta significativamente com o aumento da pressão de tempo. Ao contrário, o tempo relativo gasto na fase de revisão tende a diminuir à medida que a pressão de tempo aumenta. No que diz respeito ao uso de estratégias de compensação, Jensen constatou que, com o aumento da pressão de tempo, os informantes passaram a fazer uso de estratégias de compensação como empréstimo e omissão, que demandam menos esforço cognitivo. Além disso, tradutores novatos tendem a fazer mais uso de estratégias de compensação do que tradutores expertos e o tipo de estratégia de compensação utilizado varia entre os dois grupos. Relacionando as atividades de resolução de problemas com o uso de estratégias de compensação, Jensen chega à conclusão de que os tradutores não reduzem simplesmente a quantidade de atividades

45 de resolução de problemas, mas mudam de estratégia com o aumento da pressão de tempo. Outros estudos sobre tradução escrita que investigam o efeito da pressão de tempo são apresentados por Hansen (2002a), Jääskeläinen (1996) e Gerloff (1988, apud JENSEN, 2001). Além de investigar aspectos processuais do efeito da pressão de tempo na tradução escrita, esses estudos também levam em consideração a avaliação da qualidade do produto final. Hansen (2002a) realiza uma coleta de dados com tradutores novatos (alunos do último ano do curso de tradução da Copenhagen Business School) e constata que, em alguns casos, os informantes traduzem melhor sob pressão de tempo do que sem pressão de tempo. Alguns informantes de sua pesquisa produzem textos finais melhores quando realizam a tarefa sob pressão de tempo. Duas tradutoras apresentam hábitos que pioram a qualidade do produto final na tradução realizada sem limite de tempo. Uma das informantes despende grande parte do tempo na fase de orientação fazendo consultas a dicionário e montando um mini-dicionário para ser usado durante a fase de redação, na qual poderá escolher os itens lexicais de forma contextualizada. No entanto, na fase de redação, as escolhas acabam sendo aleatórias e muitas vezes a informante realiza escolhas inadequadas. Quando traduz sob pressão de tempo, ela não tem tempo o suficiente para consultas a dicionário durante a fase de orientação e produz textos de chegada de qualidade maior. Uma outra informante despende mais tempo na fase de revisão durante a tarefa de tradução sem pressão de tempo e toma várias decisões de última hora que comprometem a qualidade do seu texto de chegada. Após tomarem consciência desses hábitos, as informantes passaram a usar estratégias diferentes melhorando assim seu processo de tradução e a qualidade do produto final.

46 Jääskeläinen (1996) e Gerloff (1988, apud JENSEN, 2001:35-36) não investigam especificamente o efeito da pressão de tempo no processo de tradução, mas chegam à conclusão de que quanto maior o tempo gasto na tarefa de tradução e quanto mais variado o tipo de atividade processual envolvido na tradução, melhor a qualidade do produto final. Rothe-Neves (2003) também comenta que quanto mais alto o grau de dificuldade da tarefa de tradução mais tempo o tradutor necessita para realizá-la e, no geral, o tempo costuma ser relacionado à eficiência (quanto menos tempo o tradutor precisa para realizar uma tarefa de tradução, mais eficiente ele é considerado). Estudos relacionados com o limite de tempo são escassos e, no entanto, podem ter implicações didáticas relevantes no que diz respeito à formação de tradutores. Como foi observado nos estudos sobre pressão de tempo apresentados por Jensen (1999, 2001) e Hansen (2002a), o processo de tradução se modifica quando o tradutor trabalha com um limite de tempo definido. Faz-se necessário identificar quais os tipos de problema que podem surgir para o tradutor em formação ao ter que lidar com um prazo de tempo curto, para que isso possa ser levado em consideração em seu treinamento. Jensen (2001:150) aponta ainda a necessidade de se cruzar dados processuais com dados qualitativos do produto final em estudos comparativos entre tradutores expertos e tradutores novatos, pois é importante relacionar aspectos processuais da tradução com o resultado final, que se manifesta no produto. Jääskeläinen (1996), Gerloff (1988, apud JENSEN, 2001) e Hansen (2002b:37) levam em consideração a avaliação do produto final em seus estudos. Hansen elabora uma lista de critérios de avaliação para comparar os produtos finais dos seus informantes. Um dos critérios

47 utilizados pela pesquisadora - erros lingüísticos (textlinguistische Fehler) - inclui a avaliação da estrutura informacional, que se dá por meio da ordem das palavras. Em meu trabalho, não farei uso de critérios de avaliação na análise do produto final, mas levarei em consideração questões relacionadas à construção textual em seus aspectos estrutural (Tema/Rema) e não estrutural (coesão). Fazendo uso do conceito de Tema/Rema sob a perspectiva da Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday, tentarei descrever as semelhanças e diferenças na organização temática do produto final e o efeito da pressão de tempo na elaboração do texto de chegada de tradutores em formação. Comparando os textos de chegada com seus respectivos textos de partida, pretendo averiguar se as traduções realizadas sob pressão de tempo levaram à produção de textos que evidenciem em sua construção coesiva e organização temática aspectos correlacionáveis ao desempenho dos tradutores e aos resultados da tarefa de tradução. A organização temática é responsável pela construção da tessitura do texto e, portanto, está intimamente ligada ao estabelecimento de coesão. Aspectos relativos à organização e à progressão temática de um texto podem apontar problemas de mudanças nas cadeias coesivas do texto. De acordo com Blum-Kulka (2000), os laços coesivos entre as partes de um texto estão relacionados ao sistema da língua e, portanto, na retextualização de um texto, podem ocorrer mudanças nos padrões de coesão que estejam relacionadas aos diferentes sistemas lingüísticos da língua de partida e de chegada. Por outro lado, o próprio tradutor pode fazer escolhas que reforcem os laços coesivos no texto de chegada ou o contrário. A partir dessas escolhas, pode ocorrer também que o tradutor opte por uma solução que acarretará em problemas na manutenção dos laços coesivos do texto de chegada, o que seria indício de menor durabilidade textual. Dessa forma, aspectos relativos à organização temática

48 e aos padrões de coesão do texto de chegada serão utilizados em complementaridade aos dados processuais para analisar aspectos relativos à durabilidade textual.

1.2 Abordagem Discursiva

1.2.1 A Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday Halliday elabora sua Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) tendo em vista que a língua funciona como um sistema probabilístico em que a funcionalidade é algo intrínseco. Ao contrário das gramáticas de abordagem estruturalista, que focalizam principalmente aspectos sintáticos da língua, a gramática de Halliday tem como componente central a função da linguagem. Para Halliday, a linguagem é organizada de acordo com as funções que ela exerce. Seu uso está sempre relacionado ao desempenho de alguma função, ou seja, a algum propósito em um contexto específico de situação. O sistema lingüístico serve às funções necessárias para a comunicação e essas funções da linguagem, por sua vez, são realizadas através de aspectos gramaticais na forma de texto. Apesar de considerar que o texto funciona como um todo, Halliday toma a oração como unidade de análise. De acordo com Halliday, a língua possui três funções básicas que se manifestam nas três Meta-Funções da linguagem: a Meta-Função Ideacional, a MetaFunção Interpessoal e a Meta-Função Textual. A Meta-Função Ideacional está relacionada à construção de significado e aos objetos e experiências do mundo do falante. Essa Função se manifesta na Transitividade (classificação dos diferentes tipos de Processo) e na Ergatividade (relação Processo/Participantes). Lidamos com a Função Ideacional ao analisarmos a oração sob a perspectiva daquilo sobre o que está

49 sendo falado. Ao analisarmos a oração sob a perspectiva do tipo de interação que está sendo estabelecida entre os interlocutores, estamos lidando com a Função Interpessoal, que se manifesta através do Modo e da Modalidade. Já a Função Textual é responsável pela construção do texto como um todo coerente e pode ser abordada por meio da Coesão e da Tematização. Apesar de podermos analisar o texto ou a oração sob a perspectiva de apenas uma das Meta-Funções, elas não devem ser pensadas isoladamente. As três Meta-Funções operam sempre conjuntamente no texto. Apesar de, inicialmente, Halliday ter apresentado uma descrição detalhada da língua inglesa com base na GSF, posteriormente, ela passou a ser aplicada e adaptada também para outras línguas. No que diz respeito ao conceito de Tema, Barbara & Gouveia (2001), Gouveia & Barbara (2001, 2003) e Ventura & Lima-Lopes (2002) discutem sua aplicação no português brasileiro assim como no português europeu. Taboada (1995) faz considerações sobre a aplicação da GSF nas línguas espanhola, italiana e alemã. Também nos Estudos da Tradução, a GSF tem sido largamente adotada por teóricos que seguem uma abordagem discursiva para a análise de textos traduzidos, na tentativa de explicar como textos de uma língua foram retextualizados em línguas diferentes (PAGANO, 2005). Foram desenvolvidos trabalhos com diversos pares lingüísticos como inglês e português (VASCONSCELLOS, 1997), inglês e espanhol (MUNDAY, 1998), inglês e alemão (VENTOLA, 1995; TEICH, 2001), inglês e chinês (GHADESSY & GAO, 2001) e espanhol, inglês e português (PAGANO, 2005). No âmbito do projeto Cordiall da UFMG, também foram desenvolvidos vários trabalhos com os pares lingüísticos inglês e português, tendo como base teórica a GSF. Mauri (2003), Cruz (2003), Jesus (2004), Assis (2004), Cançado (2005) e Bueno (2005) pesquisam a Transitividade em corpora paralelos.

50 Feitosa (2005) investiga o conceito de Tema e Rema em uma retextualização do inglês para o português, enquanto Rodrigues (2005) aplica esse mesmo conceito em uma retextualização do português para o inglês. Neste trabalho, farei uso da Meta-Função Textual, mais especificamente da noção de Tematização, para a análise do produto final das traduções realizadas por tradutores novatos do alemão para o português. De acordo com a GSF (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY & MATHIESSEN, 2004; EGGINS, 1994; MARTIN et al., 1997; THOMPSON, 2002), a Tematização está relacionada à forma como o usuário da língua constrói a mensagem. A Meta-função Textual e o conceito de Tema/Rema, especificamente, serão discutidos em mais detalhes na seção a seguir.

1.2.2 A Meta-Função Textual A Meta-Função Textual diz respeito à organização da oração (ou do texto) como mensagem e opera, dentre outros, por meio da estrutura temática: um Tema acompanhado do Rema. De acordo com Halliday, o Tema é o elemento que ocupa a primeira posição da oração. O Tema funciona como ponto de partida da mensagem e situa a oração dentro de um contexto, delimitando a interpretação do que vem em seguida (BROWN & YULE, 1983:133, apud VASCONSCELLOS, 1997:161). O restante da oração é considerado o Rema. A escolha do Tema da oração está diretamente ligada à atribuição de significado; diferentes escolhas temáticas contribuem para significados diferentes. As escolhas temáticas servem para orientar o ouvinte/leitor. Para Ghadessy & Gao (2001:151), o componente textual especifica não só a organização global do texto, mas também o início e o final da estrutura interna da própria unidade de mensagem. De acordo com Eggins (1994), a Meta-função textual possibilita que a oração seja organizada de forma a surtir um efeito de acordo com um

51 propósito dentro de um contexto. A função da estrutura textual é possibilitar que os elementos Ideacionais e Interpessoais sejam realizados em um texto coeso e coerente. Ventura & Lima-Lopes (2002) acrescentam que o Tema tem também a função de fazer a ligação entre as orações anteriores e o Rema; ele serve como pano de fundo para a informação nova a ser apresentada no Rema. A organização temática dá ao texto seu caráter de mensagem e é importante para a construção da coesão. De acordo com Davies (1998) e Torsello (1990), a estrutura temática também serve para apresentar - ou até mesmo ocultar - o ponto de vista do escritor. "A estrutura temática reflete o desenvolvimento do tópico da pessoa cujo ponto de vista orienta a mensagem" (TORSELLO, 1990:161). "É um recurso sutil e poderoso para apresentar o ponto de vista do escritor" (DAVIES, 1998:179). Davies faz um estudo em que analisa diferentes escolhas de Sujeito como Tema em textos acadêmicos como forma de tornar o ponto de vista do autor mais visível ou invisível. Já Torsello faz uso do conceito de Tema para analisar mudanças de ponto de vista em um texto literário, um romance de Virginia Woolf. Considerando-se a organização temática sob a perspectiva do texto, o Tema realiza a função de sinalizar a manutenção ou progressão do assunto do texto, especificar ou mudar o enquadre para a interpretação da oração seguinte, sinalizar os limites entre as seções do texto e o que o usuário considera um ponto de partida importante ou viável (EGGINS, 1994; THOMPSON, 2002). As escolhas temáticas de cada oração individual contribuem para construir o significado do texto como um todo. Na análise, é importante considerar como a progressão temática se desenvolve construindo o texto como mensagem. A progressão temática se dá por meio de dois movimentos que se intercalam durante o texto formando um fluxo de informação: um movimento linear, de expansão

52 seqüencial, que garante a manutenção do assunto do texto, e um movimento de periodicidade hierárquica, que se estabelece por meio de macroTemas, hiperTemas e os Temas das orações, e consiste de fases em que um novo assunto é introduzido por um novo Tema (MARTIN & ROSE, 2003). Koch (2003) enumera cinco tipos de progressão temática: a progressão temática linear, a progressão temática com um Tema constante, a progressão com Tema derivado, a progressão por desenvolvimento de um Rema subdividido e a progressão com salto temático. A progressão temática linear, denominada por Eggins (1994) de padrão zigue-zague, se dá quando o Rema de um enunciado passa a ser o Tema do enunciado seguinte. A progressão temática com um Tema constante, denominada por Eggins de reiteração, se dá quando um mesmo Tema é acrescido de novas informações remáticas. A progressão com Tema derivado se dá quando vários Temas parciais derivam de um hiperTema. Essa categoria não é contemplada por Eggins. A progressão por desenvolvimento de um Rema subdividido se dá pelo desenvolvimento das partes de um Rema super-ordenado. Eggins chama esse tipo de progressão de padrão de Tema Múltiplo (Multiple Theme Pattern). Já na progressão com salto temático ocorre a "omissão de um segmento intermediário da cadeia de progressão temática linear, deduzível facilmente do contexto" (KOCH, 2003:65). Também o Tema específico de cada oração pode ser classificado de várias formas. A seguir apresento como Halliday e os outros teóricos da GSF - Eggins (1994), Martin et al. (1997) e Thompson (2002) - classificam os diferentes tipos de Tema. Essa classificação foi elaborada tendo-se em vista a língua inglesa; portanto, algumas considerações precisam ser feitas com relação às línguas contempladas no presente trabalho: o português e o alemão (ver seções 1.2.4.1 e 1.2.4.2).

53 1.2.3 Os Tipos de Tema De acordo com a GSF (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY & MATHIESSEN, 2004; EGGINS, 1994; MARTIN et al., 1997; THOMPSON, 2002), o Tema pode ser classificado em Simples ou Múltiplo. Por ter a função de preparar o ouvinte/leitor para o que vai ser apresentado, o Tema, necessariamente, deve incluir um constituinte que desempenhe algum papel na Transitividade da oração. Segundo a definição de Halliday: o Tema sempre contém um, e apenas um, elemento Ideacional. Isso significa que o Tema de uma oração termina com o primeiro constituinte que é Participante, Processo ou Circunstância. A este constituinte chamamos Tema Ideacional (Topical Theme).4

Quando o Tema Ideacional está na primeira posição, ele é considerado um Tema Simples. O Tema Simples pode ser constituído por um grupo ou sintagma simples ou por dois ou mais grupos ou sintagmas constituindo um único elemento estrutural na oração. Apresento a seguir um exemplo de Tema Simples em inglês, retirado Halliday & Mathiessen (2004) (exemplo 1) e outro no português5 (exemplo 2). Exemplo 1:

The Walrus and the Carpenter were walking close at hand.

Exemplo 2: - Ele também procura por sua conta, disse o lama, não um rio, mas um Touro.

O Tema Ideacional pode ser precedido de outros elementos com função Textual ou Interpessoal. Só o elemento Ideacional esgota o potencial temático da oração, porque a posição que ele ocupa na oração depende da escolha do usuário. No caso de elementos Interpessoais e Textuais, a escolha é mais limitada. Em alguns 4

Minha tradução de: the Theme contains one, and only one, of these experiential elements. This means that the Theme of a clause ends with the first constituent that is either participant, circumstance or process. We refer to this constituent, in its textual function, as the topical Theme. (HALLIDAY & MATHIESSEN, 2004:79 – grifo no original) 5 Nesta seção (1.2.3), todos os exemplos em português foram retirados de Pagano (2005:251-283).

54 casos, o elemento ocupa necessariamente a primeira posição. Tudo o que vem antes do Tema Ideacional também faz parte do Tema da oração e, nesse caso, temos o que Halliday chama de Tema Múltiplo. Apresento a seguir exemplos de Tema Múltiplo no inglês (THOMPSON, 2002:137) e no português (exemplos 3 e 4). Exemplo 3:

Well, certainly, sanity is a precarious sate.

Exemplo 4: Mas o que o seduzia era a parte perigosa das façanhas de encomenda – o furtivo deslizar pelos becos escuros (...)

A ordem típica de um Tema Múltiplo é a seguinte: Textual > Interpessoal > Ideacional, sendo que a ordem Interpessoal > Textual > Ideacional também pode ocorrer (THOMPSON, 2002:136-137). O Tema Textual é constituído pelos Continuativos, pelas Conjunções e pelos Adjuntos Conjuntivos. Os Continuativos e as Conjunções, quando presentes, ocorrem obrigatoriamente em posição temática. Já os Adjuntos Conjuntivos ocorrem tipicamente, mas não necessariamente, em posição temática. Dessa forma, os Temas Textuais são divididos em dois tipos de Tema: estrutural (o que ocorre obrigatoriamente em primeira posição), representado pelos Continuativos e pelas Conjunções, e o não-estrutural (que ocorre tipicamente, mas não obrigatoriamente em primeira posição), representado pelos Adjuntos Conjuntivos. O Tema Interpessoal é constituído pelo Vocativo, pelos Adjuntos Modais e pelo Finito. Todos esses elementos ocorrem tipicamente, mas não necessariamente, em posição temática. Como esses Temas ocupam uma posição temática demandada pela configuração das línguas, e não por uma de opção do usuário da língua, eles não esgotam completamente o potencial temático da oração permitindo a co-ocorrência de outro(s) elemento(s) na posição temática.

55 Há ainda os elementos Qu- interrogativos e relativos (pronomes interrogativos e pronomes relativos), que também ocorrem tipicamente em posição temática. Esses ítens, no entanto, esgotam o potencial temático pelo fato de exercerem um papel na estrutura Ideacional da oração e são, ao mesmo tempo, Interpessoal e Ideacional (pronomes interrogativos) ou Textual e Ideacional (pronomes relativos). Downing (1991) critica a definição de Tema de Halliday de que o "Tema é o ponto de partida da mensagem .... aquilo sobre o que a oração vai tratar", apresentada em Halliday (1985:39, apud DOWNING, 1991:122), e que confunde os conceitos de Tema (ponto de partida da mensagem) e Tópico (assunto da mensagem). Segundo a autora, o Tema é sempre o ponto de partida, mas não necessariamente o assunto da mensagem. Ela sugere dissociar os dois conceitos e incluir o Tópico no Tema. Sendo assim, o primeiro elemento Ideacional não marcaria necessariamente o limite entre Tema e Rema. Caso o Tópico ocorra depois do primeiro elemento Ideacional do Tema, ele seria incluído no Tema. Em Halliday (1994), o autor ainda mantém a seguinte definição de Tema: "O Tema é o elemento que serve de ponto de partida da mensagem; é aquilo sobre o que a oração trata" (HALLIDAY, 1994:37 - grifo meu). No entanto, na reedição de sua gramática em 2004, a definição é modificada para: "O Tema é o elemento que serve de ponto de partida para a mensagem; é aquilo que localiza e orienta a oração dentro de seu contexto" (HALLIDAY & MATHIESSEN, 2004:64). Com essa nova definição, a ambigüidade entre Tema e Tópico parece ter sido resolvida. Davies (1998) vai além e considera que o Participante-Sujeito, especificamente, deve ser incluído no Tema. Para essa autora, enquanto a função do Sujeito é apresentar o tópico da oração, a função dos outros elementos temáticos é criar o enquadre ou o contexto para o desenvolvimento do

56 Tópico. No presente trabalho, adotarei a definição de Tema de Halliday & Mathiessen (2004) em que o Tema inclui apenas o primeiro elemento Ideacional. O Tema Ideacional, por sua vez, pode ser classificado de acordo com o tipo de constituinte da oração que ocupa a posição temática. Quando um Participante ocorre em posição temática, temos um Tema Ideacional Participante, como nos exemplos 5 e 6. O exemplo em inglês foi retirado de Halliday & Mathiessen (2004:66). Exemplo 5:

The duke has given my aunt that teapot.

Exemplo 6: Porque Kim era mestre na arte de não fazer nada.

O Participante pode exercer a função de Sujeito ou de qualquer outro constituinte da oração, sendo que o Sujeito é o constituinte que ocupa tipicamente a posição temática. A Elipse do Sujeito, apesar de não ser tão comum como no português, também ocorre no inglês em orações coordenadas em que o Sujeito da segunda oração é o mesmo da primeira. Nesses casos, Eggins (1994) e Martin et al. (1997) consideram o elemento elíptico como o Tema Ideacional da Oração, como no exemplo 7 (MARTIN et al., 1997:29). Exemplo 7: He roared in fury and ∅ struggled with all his might.

No português, a Elipse do Sujeito é bastante comum e foi discutida por teóricos como Barbara & Gouveia (2001), Gouveia & Barbara (2001) e Ventura & Lima-Lopes (2002). Os primeiros consideram, assim como Eggins e Martin et al., a Elipse como Tema Ideacional não marcado no português, enquanto Ventura & LimaLopes consideram o Processo como Tema Ideacional marcado. No presente trabalho,

57 adotaremos a posição de Barbara & Gouveia, que será discutida com mais detalhes na seção 1.2.4.1. Quando um Processo ocorre em posição temática, temos um caso de Tema Ideacional Processo, como nos exemplos 8 e 9. O exemplo 8 foi retirado de Thompson (2002:124). Exemplo 8:

Leave the lamp here.

Exemplo 9: Ainda bem – disse ela -, porque a casa é assombrada.

No inglês, o Processo é comum em posição temática somente no Modo imperativo; já no português, há uma maior incidência deste fenômeno. Os casos em que o Processo ocupa a posição temática no português devido à pós-posição do Sujeito serão discutidos também na seção 1.2.4.1. Quando uma Circunstância ocorre em posição temática, temos um caso de Tema Ideacional Circunstância, como nos exemplos 10 e 11. O exemplo 10 foi retirado de Thompson (2002:121). Exemplo 10: Last night a man was helping police inquiries.

Exemplo 11: Com grande desprezo das proibições municipais, Kim montou no Zam-Zammah, o canhão assentado numa base de tijolos defrinte do velho Ajaib-Gher – ou a casa das Maravilhas, como a gente simples chamava o Museu de Lahore.

De acordo com Downing (1991), o Tema Circunstância estabelece um enquadre temporal, espacial ou situacional que se estende até o Tema Circunstância seguinte. O enquadre temporal delimita um ponto específico no tempo ou um período de tempo e o enquadre espacial especifica uma localização no espaço. O enquadre situacional se dá por meio das orações reduzidas. As orações reduzidas de particípio passado resumem o contexto anterior criando um ponto de partida para a informação

58 nova. As orações reduzidas de particípio presente expressam sucintamente uma situação adjacente à situação principal em que o Participante está diretamente envolvido. E as orações reduzidas de infinitivo apontam um objetivo e levantam expectativas de como esse objetivo será alcançado (DOWNING, 1991:135-137). A escolha temática exerce um papel importante na organização do discurso; no entanto, nas orações dependentes, a estrutura temática é menos flexível do que em orações independentes (orações hipotáticas e orações encaixadas) e depende menos da escolha do falante do que de padrões de configuração das línguas. Sendo assim, a principal contribuição no desenvolvimento da organização temática de um texto vem das orações independentes (BAKER, 1992; HALLIDAY, 1994; HALLIDAY & MATHIESSEN, 2004; EGGINS, 1994; MARTIN et al., 1997; THOMPSON, 2002). Tanto Halliday (1994, 2004) quanto Eggins (1994), Martin et al. (1997) e Thompson (2002) sugerem que, no caso de complexos oracionais, quando a oração dependente ocupar a primeira posição, ela seja considerada o Tema de todo o complexo oracional configurando o Tema Ideacional Oracional, como nos exemplos 12 e 13. O exemplo 12 foi retirado de Thompson (2002:132). Exemplo 12:

After the police arrived I brought them to this cottage.

Exemplo 13: Embora tivesse a pele morena como a dos indianos, falasse de preferência a língua do país e convivesse em perfeito pé de igualdade com os moleques do bazar , Kim era branco (...).

Quando a oração independente estiver na primeira posição, o Tema da oração independente será Tema de todo o complexo oracional. Se houver mais de uma oração independente, mais de um Tema deve ser identificado. Para fins de análise, adotarei a proposta apresentada acima: considerarei o Tema da oração independente como Tema de todo o complexo oracional, exceto no caso de a oração dependente preceder a oração independente, já que quando isso ocorre, é por motivos de escolha do falante,

59 relativa à organização temática. De acordo com Downing (1991), quando ocorre em posição temática, a oração dependente, assim como a Circunstância, também exerce a função de criar um enquadre situacional para o que vai ser dito no Rema. As orações reduzidas têm a mesma função de Adjuntos e podem ser classificadas como Tema Circunstância quando ocorrem em posição temática. Há ainda o Tema Ideacional Elíptico que pode ocorrer através da Elipse anafórica ou exofórica. Na Elipse anafórica, o Tema é pressuposto a partir da oração antecedente. Já na Elipse exofórica, a oração consiste apenas em Rema e o Tema é inferido através do contexto. Há ainda as orações menores (Minor Clauses), ou seja, aquelas que não possuem Predicador, e, portanto, não apresentam estrutura temática. Existem também certos tipos de estruturas que permitem ao usuário da língua manipular a mensagem de forma a deslocar para a posição temática algum elemento específico da oração. São as chamadas Estruturas de Topicalização ou Estruturas Tematizadoras (VENTURA & LIMA-LOPES, 2002). Thompson (2002) enumera as seguintes estruturas de Topicalização6: os Temas Equativos (Thematic Equatives), o Tema Predicado (Predicated Theme), o Tema Comentário, o Tema Preposto e as orações passivas. O Tema Ideacional Equativo é realizado por estruturas denominadas pseudoclivadas na gramática tradicional. O Tema Ideacional Equativo envolve a nominalização de um elemento Qu- (WH- element), permitindo ao usuário colocar qualquer um dos constituintes da oração em posição temática e identificá-lo com o Rema. Ele estabelece uma relação de identificação entre o Tema e o Rema através de um Processo Relacional e "acrescenta também um componente semântico de

6

Nem todas as categorias apresentadas por Thompson são consideradas por Halliday como estruturas de Topicalização.

60 exclusividade ao segundo termo da oração" (HALLIDAY & MATHIESSEN, 2004:71). A seguir apresento um exemplo de Tema Ideacional Equativo no inglês7. Exemplo 14:

What you need to do is to write me an official letter asking for an extension.

No Tema Equativo, a nominalização pode ocorrer tanto no Tema quanto no Rema. O Tema Predicado é realizado por estruturas denominadas clivadas na gramática tradicional e permite agrupar mais de um elemento em um único constituinte da oração transformando-o em Tema. No Tema Predicado, a informação nova, que geralmente ocorre no Rema, é deslocada para a posição temática, como no exemplo 15. Exemplo 15:

It’s not the technology which is wrong

No Tema Preposto, ou na Pós-posição segundo Halliday, um elemento nominal é deslocado para o Rema da oração, e substituído por um pronome apropriado em seu lugar de origem, como no exemplo 16. Exemplo 16:

Happiness, that’s what life is about.

O Tema Comentário permite ao usuário tematizar o seu próprio comentário a respeito do que vai ser dito. Essa estrutura não é considerada por Halliday (1994) e Halliday & Mathiessen (2004) como estrutura de Topicalização, mas será levada em consideração em minha análise de acordo com Thompson (2002). A seguir apresento um exemplo de Tema Comentário. Exemplo 17: It’s interesting that you should say that.

7

Todos os exemplos de Estruturas de Topicalização apresentados nessa seção (1.2.3) foram retirados de Thompson (2002:126-130).

61 Os Temas Equativos e Predicados são realizados por um número mais variado de estruturas no português do que no inglês. Como Rodrigues (2005) aponta, Longhin e Ilari (2000) enumeram cinco tipos de clivagem no português, considerando dois deles variações do Tema Equativo e os outros três variações do Tema Predicado. Essas estruturas serão discutidas mais adiante, na seção 1.2.4.1. O Tema também pode ser classificado como marcado ou não-marcado, o que, na GSF e, sobretudo em sua elaboração tendo como matriz a língua inglesa, está relacionado ao Modo da oração, já que o Modo da oração se dá por meio da ordem de seus constituintes (RAVELLI, 2000:45). Para identificar o Modo da oração, devemos identificar a presença ou ausência do Sujeito e do Finito e a ordem em que ambos se encontram. De acordo com a GSF, o Sujeito expressa a entidade que o falante quer responsabilizar pela validade da proposição apresentada na oração, enquanto o Finito possibilita a negociação sobre a validade da proposição. O Sujeito pode ser expresso por um pronome pessoal, grupos nominais ou por uma estrutura de nominalização. O Finito é expresso por uma parte do grupo verbal. Ele pode ser dividido em dois grupos de operadores verbais principais: os que expressam tempo verbal, relacionando a proposição à realidade atual do evento de fala, e os que expressam modalidade, relacionando a proposição à atitude do falante. O Finito e o Predicador, tanto na língua inglesa como, e muito mais freqüentemente, na língua portuguêsa, podem estar fusionados em um único elemento lexical. Nas orações declarativas, o Tema é considerado não-marcado quando ele coincide com o Sujeito. Quando o Tema da oração é outro constituinte diferente do Sujeito, ele é considerado marcado, podendo ser um Complemento ou um Adjunto. O Complemento em posição temática é a forma mais marcada em orações declarativas. Há ainda uma sub-categoria das orações declarativas, as orações exclamativas, em que

62 o Tema mais comum é um elemento Qu- exclamativo. Nas orações interrogativas, o Tema não-marcado é o elemento Qu- (em interrogativas Qu-) ou o Finito juntamente com o Sujeito (em interrogativas polares), como nos exemplos 18 e 19 (HALLIDAY & MATHIESSEN, 2004:76). Exemplo 18:

Where did you get that from?

Exemplo 19: Are they still together?

O Tema marcado é bastante raro em orações interrogativas no inglês, mas pode ocorrer quando a Circunstância é deslocada para a primeira posição, como no exemplo 20, retirado de Thompson (2002:123). Exemplo 20: After the party, where did you go?

Nas orações imperativas, o Tema não-marcado é o Predicador (como no exemplo 8) e o Tema marcado acontece quando o Interpelado é explicitado, ocorrendo então em posição temática. O Predicador só é encontrado como Tema não-marcado no Modo imperativo no inglês (HALLIDAY & MATHIESSEN, 2004:77). No entanto, a classificação do que é marcado ou não marcado é bastante controversa em alguns casos, principalmente quando se trata de outras línguas, diferentes do inglês, em que o Modo da oração é realizado de formas diferentes. Mesmo línguas que são classificadas como padrão SVO, como o português e o alemão, nem sempre têm uma ordem vocabular tão rigorosa quanto o inglês e é comum apresentarem outros constituintes da oração em posição temática além do Sujeito, com a mesma freqüência que o Sujeito ocupa a posição temática no inglês. Tendo-se em vista que o foco do presente trabalho é utilizar o conceito de Tema enquanto categoria de análise que permita examinar a produção de tradutores novatos e não fazer um estudo comparativo de sistemas ligüísticos, a discussão dos aspectos

63 no marcado e marcado torna-se secundária e excede os objetivos principais desta dissertação. Assim, por se tratar aqui de uma aplicação da GSF à análise do texto traduzido, a classificação dos Temas do meu corpus de análise em marcado e não marcado não constitui um aspecto relevante e, portanto, não será considerado.

1.2.4 A Organização Temática em Outras Línguas Como

apontam

vários

autores

(GERZYMISCH-ARBOGAST,

1994;

VASCONCELLOS, 1997; MUNDAY, 1998; GHADESSY & GAO, 2001; GOUVEIA & BARBARA, 2001; VENTURA & LIMA-LOPES, 2002), a organização temática é realizada de formas diferentes em línguas diferentes. A adoção de um referencial teórico como a GSF demanda que sejam consideradas as particularidades das línguas envolvidas no presente trabalho, antes de passarmos adiante. Abordarei primeiramente o português, língua materna dos informantes envolvidos na presente pesquisa, e depois o alemão, língua dos textos de partida.

1.2.4.1 O Tema no Português Como foi apontado anteriormente, de acordo com a GSF, o Modo da oração é caracterizado pela posição do Sujeito e do Finito na oração. Assim como no inglês, as orações declarativas do português são caracterizadas pela ordem Sujeito>Finito. De acordo com Ravelli (2000) quando a oração tem vários auxiliares, o auxiliar que ocorrer primeiro na oração deve ser considerado o Finito. O Finito contém informação sobre o tempo verbal e, em alguns casos, por exemplo, no Simple present e Simple past no inglês, ele pode estar fusionado ao verbo principal (o Predicador), que, então, passa a ser constituído por uma parte lexical e o Finito. "Dessa forma, o papel do Finito pode ser representado por um auxiliar separado ou por alguma marca de tempo

64 no verbo principal" (RAVELLI, 2000:46). Também no português, é comum a fusão do Finito e do Predicador no Modo declarativo. Por outro lado, diferentemente do que ocorre no inglês, em que o Finito é realizado lexicalmente de forma separada do Predicador no Modo interrogativo, na construção de interrogativas polares na língua portuguesa a categoria de Predicado costuma englobar o Finito e não ocorre o deslocamento do Predicador/Finito para o início da oração. Portanto, o Tema, nesses casos, seria apenas o Sujeito, como na oração declarativa. Também é bastante comum um elemento elíptico, exercendo a função de Sujeito, configurar o Tema da oração, como no exemplo 21, retirado de Rodrigues (2005:52). Exemplo 21: ∅ Voltarei algum dia à minha vida anterior?

Como já foi apontado anteriormente, nos casos de Elipse de Sujeito, o Tema é o Sujeito elidido, recuperável por coesão. No entanto, uma outra particularidade do português em relação ao inglês é que o Finito carrega também a marca de número e pessoa. Isso tem implicações na caracterização do Tema em casos de Sujeito elíptico no português. Taboada (1995), ao discutir a ordem vocabular no espanhol, apresenta algumas considerações importantes sobre o Finito que também podem ser estendidas para o português. Ao contrário do que acontece no inglês, em que o Finito tem função predominantemente Interpessoal, no espanhol, o Finito realiza a função sintática de sujeito8, já que contém marcas morfológicas do sujeito implícito no final do Predicador. Portanto, o Finito também exerce um papel de Participante na Transitividade na língua espanhola. Enquanto no inglês o Finito vem quase sempre

8

Trata-se aqui do conceito de sujeito da Gramática Tradicional (GT: conjunto de gramáticas da língua postuguesa que apresentam normas prescritivas formuladas a partir da análise de textos, em sua maioria, literários), que é definido também por critérios sintáticos, diferentemente do Sujeito da GSF, que é definido de acordo com sua função na construção do discurso. Sempre que se tratar do conceito da GT, o termo será escrito com inicial minúscula.

65 precedido do Sujeito, com exceção dos casos de Elipse coesiva, no espanhol e no português isso ocorre com menos freqüência. E nos casos em que o Tema é o Sujeito elidido, no inglês ele é recuperado por coesão, enquanto no português e no espanhol existe também uma marca formal; o elemento elíptico que exerce a função de Sujeito pode ser recuperado por coesão e pela marca formal de número/pessoa do Predicador/Finito. As marcas de número/pessoa, portanto, são elementos do Participante presentes no Processo que, por sua vez, pode ser expresso pelo Finito ou Predicador, quando este último incorpora o Finito formando com ele um único elemento lexical. Sendo assim, no espanhol e no português existe a possibilidade de o Predicador realizar dois elementos da Transitividade - o Participante e o Processo juntos. Com relação à ordem dos elementos na oração, o português é considerado uma língua SVO (MATEUS ET AL., 1983; PONTES, 1987; BARBARA & GOUVEIA, 2001). Nas orações não marcadas, abordagens gramaticais diferentes da GSF consideram o sujeito como o tópico da oração (MATEUS ET AL., 1983). Se aplicarmos a GSF, podemos dizer que, sendo o Sujeito o elemento que ocorre com mais freqüência no início da oração no português, O Tema não marcado em orações declarativas é realizado pelo Sujeito da oração. De acordo com Pontes (1987), a ordem VS é considerada a ordem marcada no português. Ela constata que a ordem VS é pouco freqüente na linguagem escrita e ainda menos freqüente na linguagem oral, principalmente se considerarmos as orações principais declarativas (neutra, afirmativa, ativa) com verbo transitivo. Nas orações com verbos intransitivos e nas orações interrogativas, exclamativas, optativas, relativas, existenciais, reduzidas de particípio, gerúndio ou infinitivo, a ocorrência da ordem VS é mais significativa, mas, ainda assim, pouco freqüente. No geral, a pós-

66 posição do sujeito é usada como uma estratégia de descontinuidade. Pontes constata também que há uma co-ocorrência de alguns verbos, chamados de "existenciaisrepresentativos" (existir, ocorrer, aparecer e seus sinônimos) com a ordem VS. Apesar de ser uma língua que segue a ordem SV, o português apresenta muitas orações com V-inicial devido às construções impessoais. Orações existenciais com haver, orações relativas a climas atmosféricos, orações com predicados modais, orações passivas impessoais e orações impessoais de 3a pessoa no plural começam sempre com o predicado, ou seja, são construções com V-inicial e não apresentam sujeito "postiço" como o it do inglês. Portanto, no caso de orações impessoais no português, o Processo ocupa a posição temática, diferentemente do inglês, em que onde há sempre um sujeito funcional (there, it). Como já foi mencionado no início da seção, o verbo também ocupa a posição inicial no português quando o Sujeito está elíptico, o que ocorre principalmente na linguagem escrita. "Em português muitas vezes o pronome pessoal é redundante, porque a flexão do verbo já indica o sujeito. Esta é a razão porque na língua escrita ele não ocorre" (PONTES, 1987:143). No caso de Elipse do Sujeito no inglês quando o verbo da segunda oração de uma oração coordenada tem o mesmo Sujeito da primeira, Eggins (1994:292) e Martin et al. (1997:29) consideram a Elipse como Tema, e não o Processo. Da mesma forma, Barbara & Gouveia (2001) e Gouveia e Barbara (2001, 2003) consideram o elemento elíptico o Tema da oração, classificando-o como Tema Ideacional Participante-Sujeito-Pronome Zero. Casos em que o Predicador ocorre em posição temática e o Sujeito não está expresso, mas pode ser recuperado pela desinência verbal ou pelo contexto, são comuns no português. A ocorrência ou omissão do pronome-sujeito não é uma questão de escolha, já que não acarreta em diferença de significado ou diferença funcional. É um fenômeno comum

67 no português e a ocorrência ou omissão devem ser interpretadas da mesma forma. A Elipse do Sujeito no português é considerada por Gouveia & Barbara uma Elipse de Referência, ou seja, um recurso para estabelecer co-referencialidade. Portanto, o Tema pode ser algo que não está expresso na oração, como no exemplo 22 (RODRIGUES, 2005:68). Já em orações impessoais ou com o Sujeito pós-posto, em que o verbo se encontra em posição temática, o Predicador costuma ser considerado Tema, como nos exemplos 23 e 24 (RODRIGUES, 2005:65). Exemplo 22: mas ∅ sei que o universo jamais começou.

Exemplo 23: e há falta de felicidade.

Exemplo 24: Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados.

Ao contrário de Barbara & Gouveia, Ventura & Lima-Lopes (2002) consideram o Predicador como Tema nos casos de Elipse do Sujeito, por acreditarem que a omissão do Sujeito é uma escolha do usuário. Os pesquisadores do projeto Cordiall adotaram a análise de Bárbara & Gouveia para a classificação de Sujeito elíptico em posição temática e optaram por mapear a Elipse do Sujeito nos corpora paralelos estudados. As pesquisas de Rodrigues (2005) e Feitosa (2005) mostram que a Elipse do Sujeito é muito mais freqüente em português do que em inglês. Ambos os pesquisadores trabalham com corpora paralelos, sendo que Rodrigues investiga a retextualização para o inglês de um texto originalmente escrito em português, enquanto Feitosa investiga a retextualização para o português de um texto originalmente escrito em inglês. Os dois trabalhos comprovam uma freqüência maior de Elipse do Sujeito no português ao

68 comparar os dois sistemas lingüísticos. Isto nos permite tratar a elisão como fenômeno mais característico do português. Baker (1992) já havia apontado que, ao contrário do que ocorre no inglês, é comum o Processo ocorrer em posição temática em línguas como o português e o árabe, devido à ausência do Sujeito. Apesar de usar uma terminologia diferente, Muriel Vasconcellos (1992) faz uma análise esclarecedora de alguns tipos de Tema no português brasileiro, que corrobora o que foi dito sobre o Predicador em posição inicial no português. Vasconcellos divide o Tema em dois tipos: Major themes and Minor themes. Os Major themes correspondem aos Temas Ideacionais Participantes e Temas Ideacionais Processo e os Minor themes correspondem aos Temas Ideacionais Circunstância, os Temas Interpessoais e os Temas Textuais. Os Minor themes precedem os Major themes e esses últimos demarcam o limite entre Tema e Rema. Como os Major themes, no geral, correspondem a um Participante, o Tema inclui o Tópico. Nesse sentido, a análise de Vasconcellos (1992) coincide com a de Downing (1991), já que esta última também opta por incluir o Tópico, ou seja, o Sujeito, no Tema da oração, independente de ele ser precedido por uma Circunstância ou não. Os

Major

themes

podem

ser

realizados

através

do

Sujeito,

do

Objeto/Complemento ou do Predicador. Os Minor themes podem ser realizados por Adjuntos Circunstanciais, Modais ou discursivos e Conjunções. Vasconcellos analisa as orações dependentes, inclusive as reduzidas, como um único constituinte com status temático exercendo a função de Adjunto. Segundo a pesquisa realizada por Vasconcellos, a maioria dos Temas no português coincide com o Sujeito, no entanto, o Tema Objeto/Complemento (geralmente chamado de topicalização) e o Tema Predicador também são utilizados com freqüência no português. Este último ocorre

69 mais comumente na linguagem falada. Já no inglês, Vasconcellos constata que tanto o Tema Objeto/Complemento como o Tema Predicador são bastante incomuns. A maioria dos casos de Tema Predicador no português corresponde ao Sujeito pósposto, em que o Sujeito assume características de objeto, como no exemplo 25, retirado de Vasconcellos (1992:153). Exemplo 25:

Chegou hoje o meu vestido

Como foi mencionado na seção 1.2.3, assim como o inglês, o português também possui Estruturas de Topicalização; no entanto, enquanto no inglês o Tema Equativo e o Tema Predicado são realizados apenas por dois tipos de estrutura - a identificação e a predicação - no português eles são realizados por cinco tipos de estruturas equacionais diferentes (LONGHIN & ILARI, 2000). Em seu trabalho, Rodrigues (2005) estabelece uma correlação entre a classificação de Longhin & Ilari e a classificação da GSF. De acordo com Rodrigues, a predicação, ou o Tema Predicado, pode ocorrer por meio de três estruturas dentre as cinco enumeradas por Longhin & Ilari: a oração clivada propriamente dita, a construção "é que" e a construção "que". Observe os exemplos 26-28, retirados de Longhin & Ilari (2000:204)9: Exemplo 26 - Clivada propriamente dita As grandes enxurradas no cristalino, na região da caatinga, provocam uma corrida de água muito rápida, há pouca retenção no solo, a agricultura de ciclo anual não vive, e é essa agricultura que alimenta o homem. Sou eu que escrevo o que estou escrevendo.

Exemplo 27 - Construção É QUE A física também tinha estagnado depois de um grande avanço, depois da física nuclear, e não estava produzindo coisa nova. O novo vinha da genética. De fato, a genética é que produziu uma séria de transformações. A tia é que lhe dera um curso ralo de como bater à máquina.

9

Os grifos estão presentes no original e seguem a seguinte convenção: toda a sentença clivada está em itálico; a marca formal da clivagem está sublinhada e o elemento focal está em negrito em todos os exemplos.

70 Exemplo 28 - Construção QUE

Já o político normalmente não gosta de ficar contra – ele gosta de ir na maré, porque ficar contra é ficar sozinho, é se isolar. [...] O intelectual, na política, rompe mais facilmente, por isso que os outros desconfiam mais dele.

Em todas essas três estruturas o foco da mensagem recai na posição inicial da oração, ou seja, o elemento novo é deslocado para a posição temática, como pode ser observado nos trechos marcados em negrito dos exemplos 26-28. A identificação, ou o Tema Equativo propriamente dito, pode ocorrer por meio das pseudoclivadas e da construção SER Foco. Seguem alguns exemplos retirados da mesma fonte dos exemplos anteriores (26-28): Exemplo 29 - Pseudoclivada Então, cada sociedade humana, mesmo atrasada, como Portugal ou a Grécia, existe para preencher as condições de vida da sua população. Português come muito, grego pobre come muito, italiano come muito; quem morre de fome é brasileiro.

Exemplo 30 - SER Foco

Nos meios empresariais, atualmente, existe também [...] grande coincidência com esse ponto de vista. E tenho encontrado ainda coincidência no sindicalismo moderno. Agora, eu encontro é uma certa ataraxia por parte da classe política no sindicalismo moderno.

Nessas estruturas, a informação dada ocorre em posição temática e o foco da mensagem recai sobre o Rema (cf. trechos em negrito). A língua alemã também apresenta algumas particularidades que precisam ser levadas em consideração na discussão sobre a organização temática desta língua. Passo a seguir para essas considerações.

1.2.4.2 O Tema no Alemão Segundo Weinrich (1993), o alemão é uma língua de "parênteses" (Klammersprache) com três tipos de parênteses diferentes, dependendo do tipo de constituinte que margeia o sintagma. O parêntese principal é aquele formado pelos verbos, o parêntese verbal (Verbalklammer), que é constituído pelo pré-verbo

71 (Vorverb), correspondente ao verbo conjugado e pelo pós-verbo (Nachverb). Tudo o que ocorre antes do pré-verbo (Vorverb) é chamado de Vorfeld (campo anterior), o espaço entre o pré-verbo (Vorverb) e o pós-verbo (Nachverb) é denominado Mittelfeld (campo interno) e o que vem depois do pós-verbo (Nachverb) é chamado de Nachfeld (campo posterior). O exemplo 31, retirado de Weinrich (1993:40), ilustra o foi explicado acima. Exemplo 31: Verbalklammer Sie hat meinen Blick so deutlich gespürt wie nie zuvor Vorverb Nachverb

Para Weinrich, que adota uma posição diferente daquela de Halliday, uma vez que considera conjuntamente os sistemas de Tema/Rema e Dado/Novo10, o foco da mensagem, ou seja, a informação nova, coincide com o Rema (Mittelfeld + Nachfeld), enquanto a informação dada, que ocorre no Vorfeld (campo anterior), coincide com o Tema da oração. O Vorfeld (campo anterior) pode ser preenchido por um Participante (Sujeito ou Complemento) com todos os seus determinantes (exemplo 32), por uma Circunstância (exemplo 33) ou oração hipotática (exemplo 34), pelo pós-verbo (Nachverb) com todos os seus determinantes (exemplo 35), ou por expressões de negação (exemplo 36). Os exemplos 32-36 foram retirados de Weinrich (1993:73-76). Exemplo 32:

Kaiser Franz Josef weilte gerne in Bad Ischl.

Exemplo 33: Heute ist mir etwas seltsames passiert.

Exemplo 34: Wie ich damit fertig werden soll, weiss ich noch nicht.

10

Halliday trata a estrutura temática e a estrutura da informação separadamente. Weinrich adota a perspectiva da escola de Praga, segundo a qual a análise da estrutura temática é feita com base em critérios semânticos, em que o Tema coincide com a informação dada e o Rema coincide com a informação nova, não levando em consideração a posição do elemento na oração.

72 Exemplo 35:

Gelesen habe ich viel, geschrieben wenig.

Exemplo 36: Nie sollst du mich befragen.

O constituinte que ocorre no Vorfeld (campo anterior) com mais freqüência é o Sujeito da oração, sendo que um Complemento ou um Adjunto também ocorre com freqüência nessa posição (WEINRICH, 1993; GERZYMISCH-ARBOGAST, 1994). Steiner & Ramm (1995, apud TABOADA, 1995) também consideram a Circunstância e, especificamente, o Participante Experienciador em posição temática comuns no alemão. A estrutura da língua alemã permite que, em orações declarativas, freqüentemente, o Sujeito da oração ocorra depois do verbo conjugado, no Mittelfeld (campo interno), como nos exemplos 35 e 36. Quanto mais distante o Sujeito estiver do Tema da oração, maior o seu caráter de informação nova (VENTOLA, 1995). Weinrich aponta que um Vorfeld (campo anterior) vazio é raro em orações declarativas, mas característico de orações imperativas e interrogativas polares no alemão. Nesses casos, de acordo com a GSF, o verbo conjugado ocupa a posição temática, como nos exemplos 37 e 38 (WEINRICH, 1993:78). Exemplo 37: Kennst du das Land, wo die Zitronen blühn?

Exemplo 38: Greift nur hinein ins volle Menschenleben!

Segundo Teich (2003), teórica que utiliza a GSF, no alemão, o Modo é realizado de forma semelhante ao inglês, mas apresenta algumas particularidades. Enquanto no inglês a realização do Modo está relacionada à posição do Sujeito em relação ao Finito, no alemão, não é a presença do Sujeito que distingue os Modos oracionais, já que a língua alemã tem uma conjugação mais rica do que a língua inglesa e, portanto, o Finito contém uma carga do Sujeito por apresentar marca de

73 número e pessoa, assim como o português. No entanto, ao contrário da língua portuguesa, o alemão não permite a elisão do Sujeito e, no caso de orações impessoais, como as mencionadas na seção anterior (1.2.4.1), é feito o uso do Sujeito vazio (es), assim como o it no inglês. Martin et al. (1997) mencionam três tipos de it "vazios" no inglês: o it ambiental, o it não-representacional e o it antecipatório. Todos os três também ocorrem na língua alemã. Há ainda o termo there no inglês, que não é, em si, um Participante, mas indica que um Participante será introduzido. Em orações existenciais análogas no alemão, também é usado o pronome es. Por outro lado, diferentemente do inglês, o Sujeito não ocorre necessariamente antes do Finito no Modo declarativo no alemão. Como já foi dito acima, o Sujeito pode ser deslocado para o Mittelfeld (campo interno) como nos exemplos 35 e 36. Portanto, não é a posição do Sujeito em relação ao Finito, mas a posição do Finito em si que caracteriza o Modo da oração no alemão. No Modo declarativo, o Finito ocorre necessariamente em segunda posição. Quando o Sujeito não ocorre no Vorfeld (campo anterior) no Modo declarativo, ele é sempre pós-posto; exceto em orações coordenadas em que o Sujeito é o mesmo da oração anterior e pode ser elidido, como no inglês. Assim como Weinrich, Teich considera que o Tema, no alemão, coincide com o Vorfeld (campo anterior). A oração pode ser contextualizada Ideacionalmente, Interpessoalmente ou Textualmente, dependendo do tipo de elemento que ocupa a posição temática. A oração pode ser contextualizada em termos de mais de uma Metafunção, como foi discutido para o inglês, por meio de Temas Múltiplos. No entanto, a realização de Temas Múltiplos em alemão se dá de maneira um pouco diferente. Enquanto no inglês o Tema deve conter pelo menos um, e apenas um elemento Ideacional, no alemão é possível a ocorrência de um Tema Simples Textual ou

74 Interpessoal, assim como um Tema Múltiplo Ideacional, ou seja, com mais de um elemento Ideacional. Teich (2003) considera uma particularidade da língua inglesa o fato de que, quando um elemento Textual ou Interpessoal ocorre em posição temática, o Tema, necessariamente, se torna um Tema Múltiplo. Sendo assim, no alemão, o Tema Simples pode ser realizado por um único elemento de qualquer uma das três Meta-funções, resultando em uma das três possibilidades: Tema Simples Ideacional, Tema Simples Textual ou Tema Simples Interpessoal. Já o Tema Múltiplo se dá quando mais de um elemento ocorre em posição temática, podendo ser ele uma combinação de dois ou mais elementos de uma mesma Meta-função ou dois ou mais elementos de Meta-funções diferentes. A seguir apresento alguns exemplos de Temas Simples (39 e 40) e Múltiplos (41-43) no alemão, retirados de Teich (2003:118). Exemplos 39:

Deshalb kam er doch noch.

Exemplos 40: Vielleicht kam er já doch noch.

Exemplos 41: Denn sie fürchtete sich doch.

Exemplos 42: Na deshalb bin ich nicht nach Sydney gegangen.

Exemplos 43: Dumm geblieben sind manche.

Como tanto no alemão quanto no inglês, a organização temática é realizada pela ordem das palavras na oração, é natural que haja divergências quanto ao tipo de elemento que ocorre em posição temática. No alemão, o Finito quase sempre ocorre em segunda posição nas orações declarativas, exceto em alguns poucos casos de Temas Múltiplos. Ao contrário do inglês, há casos de Tema Múltiplo Ideacional no alemão (ver exemplo 43), assim como a ocorrência de Tema que não contenha

75 elemento Ideacional (ver exemplos 39 e 40). Como o alemão possui uma maior diversidade de tipos de processo, com regências diferentes, existe uma possibilidade maior de posicionar elementos que não coincidem com o Sujeito em posição temática. Por outro lado, há mais restrições quanto ao tipo de Participante que pode ocorrer como Sujeito da oração. Ventola (1995) afirma que a língua alemã escrita é considerada bastante complexa. Um aspecto do alemão que causa muitos problemas na tradução para o inglês é o fato de os Temas em alemão poderem ser extremamente extensos e complexos em sua estrutura. Muitas vezes, há muitas estruturas interpoladas, já que o alemão permite pré-modificações e pós-modificações dos sintagmas nominais mais complexas do que o inglês. As orações no alemão também costumam ser mais longas e mais complexas. Se o tradutor não prestar atenção aos padrões temáticos próprios de cada língua, a tradução de um texto alemão para outra língua pode resultar em um texto pouco comum na língua de chegada (VENTOLA, 1995). Outras características da língua alemã são apresentadas por GerzymischArbogast (1994). Enquanto no inglês a ênfase, no geral, é alcançada por meio de marcas sintáticas (clivagem), no alemão, ela é mais comumente realizada por meio de recursos lexicais (Abtönungspartikel; ver exemplo 44). O Tema Equativo e o Tema Predicado do inglês e do português também podem ser realizados no alemão, mas são considerados por Gerzymisch-Arbogast, Mathiessen (2001) e Teich (2003) uma estrutura pouco freqüente no alemão escrito. No alemão é mais comum o uso de partículas de ênfase (Abtönungspartikel) ou mesmo a anteposição da informação nova, como nos exemplos 44 e 45, retirados de Gerzymisch-Arbogast (1994:176 e 179 – grifos no original).

76 Exemplos 44 - Uso de partícula de ênfase

Er konnte sich nicht mehr genau erinnern, wann. Jedenfalls hatte er selbst Schluss gemacht, er hatte die Oberhand, und er schritt durch das Tor in der Mauer, die ihr Schwimmbassin umgab mit absolutem Selbstvertrauen.

Exemplo 45 - Anteposição da informação nova Lebendige, geistig unverbindliche Greifbarkeit der Gestaltung bildet das Ergötzen der bürgerlichen Massen, ...

Como o alemão tem uma ordem vocabular mais livre do que o inglês, há a possibilidade de deslocar outros elementos diferentes do Sujeito e, conseqüentemente, da Informação dada para a posição temática, como mostram os exemplos 44 e 45. Ao comparar a tradução inglesa de um conto alemão com o seu original, Mathiessen (2001) aponta que a maioria dos casos em que ocorre o uso da partícula erst no Tema, que pode ser considerada uma partícula de ênfase, é traduzida para o inglês como Tema Predicado, como no exemplo 46 (MATHIESSEN, 2001:107). Exemplo 46: (Alemão) Erst im Frühjahr 1950 kehrte ich aus dem Krieg heim und ich fand niemanden mehr in der Stadt, den ich kannte.

(Tradução para o inglês) It wasn’t until spring 1950 that I came back from the war and I found there was nobody I knew left in town.

Lavid (1996) chama a atenção para o fato de que línguas diferentes fazem uso de Modos diferentes para expressar uma mesma função da fala e, como a realização da estrutura temática está intimamente ligada ao Modo da oração, a escolha do Tema vai depender do Modo mais utilizado em uma língua para expressar uma determinada função da fala. Segundo a autora, "em italiano e em alemão, opções temáticas marcadas não estão limitadas a um número restrito de elementos Ideacionais que são deslocados para a posição inicial na estrutura da oração, mas incluem uma grande variedade de combinações de ordenação dos elementos na oração que realizam toda a estrutura como marcada" (LAVID, 1996:186). Corroborando as considerações feitas por Lavid e por Gerzymisch-Arbogast, Kruijff et al. (2001) afirmam que, apesar de

77 haver uma imposição forte com relação à posição do verbo na segunda posição no alemão, a ordem linear das palavras não é tão determinada pela estrutura sintática do sistema lingüístico quanto no inglês. Conseqüentemente, a escolha do Tema no alemão é mais livre do que no inglês. No entanto, apesar dessa flexibilidade maior quanto à ordem dos elementos na oração, o alemão também é considerado uma língua de padrão SVO (GERZYMISCH-ARBOGAST, 1994). Baseada nas diferenças entre o inglês e o alemão quanto à flexibilidade da ordem dos elementos na oração, Teich (2001) prevê que a realização temática nas duas línguas ocorre de maneira diferente e faz um estudo comparativo entre um texto em inglês e sua tradução para o alemão levando em consideração a categoria de Tema marcado/não marcado e Tema Simples e Múltiplo. Teich também analisa diferenças relativas à Transitividade e à Metáfora Gramatical, que não serão comentadas neste trabalho por estarem fora do escopo de minha pesquisa. Teich considera que o Sujeito em posição temática no inglês configura o Tema não marcado, enquanto no alemão o Objeto Indireto e as Circunstâncias também são Temas não marcados. No entanto, há uma maior flexibilidade no inglês com relação ao tipo de Participante que pode exercer a função de Sujeito, enquanto no alemão essa escolha é mais restrita. O Experienciador, por exemplo, exerce a função de Complemento no alemão e não de Sujeito, como no exemplo 47, retirado de Teich (2001:201). Exemplo 47:

Mir gefällt das Buch.

Em seus dados Teich observa que muitas vezes o Sujeito do inglês é retextualizado no alemão como uma Circunstância ou que um tipo de Processo diferente é selecionado pelo tradutor. Os dados de Teich corroboram a afirmação de Baker (1992), que considera os Adjuntos em posição temática como Temas não marcados no alemão. Baker ainda comenta que eles são menos marcados no português

78 do que no inglês. Com relação aos Temas Simples e Múltiplos, Teich observa que, apesar de as opções de Temas Simples e Múltiplos serem semelhantes no inglês e no alemão, Temas Múltiplos que contenham um elemento Textual são bem mais raros no alemão. Outros autores que abordam a questão da estrutura temática no alemão, embora sob uma perspectiva diferente daquela da GSF, são Nord (1996) e Vater (2001). Nord compara a organização temática do alemão com a organização temática do inglês e Vater descreve como a organização temática se dá na língua alemã. Esses dois autores não adotam a perspectiva hallidayana e sim a perspectiva da Escola de Praga, que combina a estrutura temática com a estrutura da informação. Seguindo a perspectiva da Escola de Praga, a análise da estrutura temática é feita com base em critérios semânticos, em que o Tema coincide com a informação dada e o Rema coincide com a informação nova, não levando em consideração a posição do elemento na oração, como o faz Halliday. No presente trabalho, ao comparar a organização temática dos textos originais em alemão e suas retextualizações para o português, as diferenças sistêmicas entre as línguas portuguesa e alemã discutidas acima serão levadas em consideração. Apesar das dificuldades de aplicação da GSF em outras línguas, devido às diferenças sistêmicas com relação ao inglês, principalmente no caso de línguas com ordem vocabular mais livre como o alemão, a análise da organização temática lança uma luz sobre alguns aspectos importantes da organização do discurso (BAKER, 1992). A seguir apresento algumas considerações sobre a importância da análise da organização temática nos Estudos da Tradução, sob a perspectiva de seu impacto na construção textual em nível local e global do texto.

79 1.2.5 A Organização Temática nos Estudos da Tradução Como já foi mencionado anteriormente, a GSF tem sido adotada em pesquisas nos Estudos da Tradução e tem se mostrado bastante profícua para a análise de textos traduzidos e a correlação desses textos com os seus originais. Nesta seção tratarei sucintamente de alguns trabalhos, em especial de Maria Lúcia Vasconcellos (1997) e Ghadessy & Gao (2001), que adotam a GSF como abordagem teórica, e sua contribuição para os Estudos da Tradução. Maria Lúcia Vasconcellos investiga "a tensão entre a ordem das palavras como um requerimento sintático e a estrutura temática como uma função de propósitos comunicativos no texto traduzido" (VASCONCELLOS, 1997:157) em nove textos traduzidos do inglês para o português por alunos de graduação. A autora aponta que o Tema Ideacional Oracional do texto inglês foi a construção que apresentou mais problemas para os tradutores na retextualização para o português. As maiores mudanças temáticas nesses casos foram de Tema marcado para Tema não marcado. No entanto, Baker (1992) lembra que, nem sempre, transformar uma estrutura marcada em uma estrutura não marcada no texto traduzido é a opção mais adequada, já que estruturas marcadas são motivadas pela escolha do falante. Ghadessy & Gao (2001), ao compararem a organização temática em traduções do inglês para o chinês, levam em consideração o número de orações de cada texto, já que um aumento (ou diminuição) do número de orações no texto traduzido implica em aumento (diminuição) do número de Temas e surte efeito na organização temática do texto. Os autores constataram que, em muitos casos, uma única oração do inglês foi traduzida por mais de uma oração no chinês. É provável que esse fenômeno também ocorra em traduções do alemão para o português, já que as orações no alemão

80 costumam ser mais complexas, devido ao maior número de interpolações (VENTOLA, 1995). Vasconcellos (1997) e Ghadessy & Gao (2001) chamam a atenção para o fato de que a comparação de como a organização temática é realizada em textos paralelos (o original e suas traduções) lança uma luz sobre as características sistêmicas de cada uma das línguas e pode servir de subsídio para o treinamento de tradutores. Na tradução, o tradutor se depara com a tensão entre a manutenção da estrutura temática do texto de partida e padrões estruturais da língua de chegada. Sabemos que existem diferenças sistêmicas entre as línguas que impõem restrições na tradução de um texto de uma língua para outra. A questão que se coloca para o tradutor então é a seguinte: como manter, no texto de chegada, o mesmo efeito retórico do texto de partida criado através da organização temática? A organização temática é resultado de escolhas do escritor para cumprir determinados propósitos retóricos. Se o tradutor é sensível para esses aspectos do texto de partida, isso pode ajudá-lo a construir representações análogas no texto de chegada que poderão ser correlacionadas como retextualizações do texto de partida. Estudos que tem como foco o produto final da tradução não têm acesso às decisões tomadas pelos tradutores que levam a determinadas escolhas. Dados processuais, coletados a partir de relatos retrospectivos e outros recursos de coleta, como o software Translog, podem ser úteis nesse sentido, pois permitem que a tradução seja analisada sob um outro ângulo: a forma como o tradutor trabalha o texto e toma suas decisões de tradução. Acredito que a análise processual possa esclarecer vários aspectos que uma análise apenas do produto final deixa de contemplar. Por exemplo, se aspectos da organização temática do texto de partida foram percebidos

81 pelos

tradutores

e

conscientemente

trabalhados

ou

se

foram

traduzidos

automaticamente sem uma reflexão crítica. Gerzymisch-Arbogast (1994) chama a atenção para o fato de que uma análise detalhada do texto de partida serve de base para o processo de tradução. Para isso, é necessário que se faça uso de alguma teoria linguística e a análise da organização temática dos textos pode servir de instrumento para a descrição de fenômenos importantes que ocorrem na retextualização de um texto para outra língua. Se um texto deve exercer em sua cultura de chegada a mesma função que o texto de partida em sua cultura de partida, então os padrões de organização temática de cada uma das línguas envolvidas na tradução devem ser observados, já que os recursos utilizados para a realização da estrutura temática de um texto divergem de uma língua para a outra. É interessante, portanto, observar o que acontece com a progressão temática de um texto, quando este passa por um processo de tradução e é retextualizado para outra língua. A análise da progressão temática nos oferece subsídios para perceber quando um texto traduzido é mal-sucedido ou bem-sucedido em suas realizações (VENTOLA, 1995). Assim como Vasconcellos (1997), Gerzymisch-Arbogast (1994) e Ventola (1995) também alegam que estudos comparativos sobre a realização temática em línguas diferentes podem ser muito úteis no treinamento de tradutores. Tanto um conhecimento detalhado dos princípios de organização do texto quanto uma percepção (Bewusstsein) das possibilidades estruturais e lexicais de uma língua para atingir um efeito comunicativo específico são essenciais para o tradutor. (...) esse conhecimento é um elemento no mosaico de sua competência. (...) É dever dos lingüistas providenciar para o tradutor critérios operáveis para a diferenciação da organização temática, para que este último possa desenvolver métodos práticos de usá-los.11 11

Minha tradução de: Eine detaillierte Kenntnis der Texttorganisationsprinzipien einerseits und ein Bewusstsein für die strukturellen und lexikalischen Möglichkeiten einer Einzelsprache zum Erzielen bestimmter kommunikativer Effekte andereseits ist für den Übersetzer unerlässlich. (...) diese Kenntnis ist ein Element im Mosaik seiner Kompetenz (...) Es ist Aufgabe der Linguisten, dem Translator operable Kriterien zur Thema-Rhema-Unterscheidung an die Hand zu geben, die er in praktisch duschführbare Arbeitsmethoden umsetzen kann. (GERZYMISCH-ARBOGAST, 1994:181-182)

82 "O tradutor deve ser treinado para se tornar sensível a esses recursos (de tematização) para poder usá-los efetivamente" (VENTOLA, 1995:85), já que escolhas temáticas diferentes podem mudar a orientação do leitor com relação ao foco da mensagem. Na tradução, escolhas temáticas inapropriadas podem causar problemas ao leitor, pois os padrões temáticos são importantes para guiar o leitor no texto. Muito pouca informação linguística que pode ser útil aos tradutores foi filtrada para as teorias de tradução e os sistemas educacionais de treinamento de tradutores. Mais investigação a respeito da organização temática e seu papel na criação de textura em traduções se faz necessária. A análise do produto final da tradução subsidiada pelo conceito de Tema da Gramática Sistêmico-Funcional nos fornece dados importantes para complementar a análise do processo e oferecer um panorama mais amplo de todo o processo tradutório, esclarecendo aspectos que uma análise apenas processual não contempla e contribuindo com informações que podem ser relevantes para o treinamento de tradutores. Passo a seguir para o capítulo 2, no qual será discutida a metodologia da pesquisa.

83 Capítulo 2: Metodologia

No presente trabalho a triangulação de dados (ALVES, 2003) foi adotada como opção metodológica. Como já foi mencionado anteriormente, a triangulação consiste no cruzamento de dados obtidos por meio de duas ou mais técnicas de coleta diferentes. Dados quantitativos foram cruzados com dados qualitativos, para garantir maior confiabilidade aos resultados. Com exceção da variável a ser testada, tentou-se manter todas as outras variáveis constantes. Alves & Magalhães (2004) sugerem também o cruzamento de dados processuais com dados do produto. Essa interface processo-produto se dá por meio da triangulação metodológica aplicada a corpora de pequenas dimensões, possibilitando a investigação de aspectos cognitivos e discursivos da tradução ao mesmo tempo. Neste trabalho, seguiremos o desenho experimental proposto em Alves (2003), incluindo a análise dos dados do produto, conforme sugerido em Alves & Magalhães (2004). Para a coleta e análise dos dados processuais foram utilizados o software Translog e relatos retrospectivos. Os textos de chegada constituíram objeto de análise do produto.

2.1 Instrumentos de Coleta de Dados Os instrumentos utilizados para a obtenção de dados processuais para este estudo foram os relatos retrospectivos, coletados por meio da técnica de protocolos verbais (TAPs), e representações em tempo real do processo de tradução obtidas por meio do software Translog. Os textos de chegada constituíram um terceiro instrumento, uma vez que foram utilizados para analisar a interface processo-produto. O cruzamento dos dados processuais obtidos por meio das duas técnicas mencionadas

84 acima possibilita uma descrição mais objetiva das características processuais das traduções realizadas, sem deixar de lado a natureza subjetiva do processo tradutório, já que o Translog fornece dados quantitativos, enquanto a retrospecção fornece dados qualitativos. Esse cruzamento de dados segue a proposta feita em Alves (2001), que defende a posição de que resultados mais confiáveis e passíveis de generalização podem ser alcançados por meio do cruzamento de análises quantitativas e qualitativas no estudo empírico da tradução enquanto processo. Proposta esta que reforça a colocação de Jakobsen (1999) de que a triangulação de diferentes métodos nos Estudos da Tradução é essencial para a validação dos dados obtidos. A técnica da retrospecção tem sua origem nas Ciências Sociais e consiste no relato a posteriori a respeito da tarefa executada (ALVES, 2001). Esses relatos são gravados e, posteriormente, transcritos para serem analisados juntamente com o texto traduzido e os dados do Translog. É uma técnica de aplicação fácil e simples que permite a obtenção de dados qualitativos, de natureza subjetiva, a respeito das partes da tradução que mais chamaram a atenção do informante. No entanto, Hansen (2005) lembra que, tanto nos relatos concomitantes quanto nos relatos retrospectivos, emoções e experiências individuais estão inevitavelmente envolvidas na verbalização dos informantes e são aspectos que não têm como serem controlados quando se aplica a técnica de TAPs. O informante não menciona apenas suas decisões de tradução em seus relatos, mas decidem também o que mencionar e o que não. Comparando a verbalização retrospectiva com a verbalização concomitante, Alves afirma que “verbalizações retrospectivas são capazes de destacar, de forma mais detalhada, relatos processuais que refletem aspectos inferenciais e contextuais relevantes para a solução de problemas e tomadas de decisão em tradução” (ALVES, 2003:76). Além disso, Jakobsen (2003) constatou que as verbalizações concomitantes

85 exercem influência considerável no processamento em tradução. Ao contrário do que se acreditava, os relatos simultâneos representam uma sobrecarga cognitiva para os tradutores, forçando-os a gastar mais tempo no processo de tradução e a processar o texto em segmentos menores do que o habitual. Os tradutores expertos, em especial, são afetados pela verbalização concomitante, mas o processo dos tradutores novatos também sofre efeito significativo desse tipo de verbalização. Apesar disso não significar a invalidação dos relatos concomitantes como método de coleta de dados, não é recomendável que ele seja utilizado em pesquisas sobre pressão de tempo, já que a variável pressão de tempo em si já representa uma sobrecarga cognitiva para os tradutores. O efeito da pressão de tempo poderia se confundir com o efeito dos relatos simultâneos no processo de tradução dos informantes. O Translog é um software que foi desenvolvido por pesquisadores da Copenhagen Business School, Arnt Jakobsen e Lasse Schou. O programa foi criado com o intuito de melhorar a observação do processo de produção de texto e contribuir para o desenvolvimento metodológico nos Estudos da Tradução, possibilitando o cruzamento de dados quantitativos e qualitativos. Ele registra todos os movimentos de teclado que o tradutor realiza, quando, e o tempo gasto para realizá-los. Tudo aquilo que o informante deleta e/ou reescreve também fica registrado. Esses dados fornecidos pelo programa dão indícios ao pesquisador de como a tradução é processada cognitivamente. Para se obter os protocolos no Translog, o texto deve ser traduzido diretamente no computador, no Writelog do programa. O informante só tem acesso ao texto de partida a partir do momento em que o programa é acionado. Quando o ícone de stop é acionado, o protocolo é finalizado sem possibilidade de reinício. Por isso, é interessante que todo o texto seja traduzido de uma só vez. Caso

86 contrário, para cada trecho traduzido separadamente, obtém-se um protocolo separado. O Translog possui duas funções: View Function e Replay Function. A primeira função fornece um protocolo com todas as pausas, registros de teclas e movimentos de cursor. A segunda função reproduz em tempo real o processo de produção de texto do tradutor. O Translog oferece múltiplas possibilidades de monitoração das etapas do processo de tradução (ALVES, 2001) e facilita a classificação dos dados em categorias que permitam uma comparação. O programa oferece um gráfico que disponibiliza a velocidade de operações e de produção textual (actions per minute e text production per minute) e quantifica as teclas que foram acionadas durante a realização da tarefa dividindo-as nas seguintes categorias: teclas de produção (text production keys), teclas de eliminação (text elimination keys), movimentos de cursor (cursor navigation keys), cliques de mouse (mouse clicks) e operações não identificadas (miscellaneous actions). Jakobsen chama a atenção para o fato de que os dados do Translog têm que ser interpretados, “eles só fazem sentido a partir de alguma idéia ou teoria de como funciona a tradução” (JAKOBSEN, 1999:15). Lorenzo (1999) lembra também que o Translog registra o processo de escrita e não o processo de tradução diretamente. Sendo assim, é preciso estar atento para alguns problemas metodológicos que podem surgir, dependendo da diferença entre o processo de produção textual e o processo de tradução do informante. Quanto menos espontâneo for o processo de produção do texto durante a tradução, maiores dificuldades serão encontradas na interpretação das pausas, que podem estar relacionadas tanto ao processo de escrita quanto às dificuldades de tradução em si. Os relatos retrospectivos são um recurso para superar esse tipo de problema que o Translog pode apresentar, já que eles possibilitam que o

87 informante aponte quais pausas representam problemas relacionados especificamente à tradução do texto. Nesse sentido, a triangulação possibilita que problemas metodológicos inerentes a cada uma das técnicas de coleta de dados sejam sanados, garantindo maior confiabilidade aos resultados.

2.2 Os Textos de Partida Os dois textos de partida utilizados no experimento (anexo 4) foram retirados do sítio da revista alemã Spiegel (www.spiegel.de) e pertencem ao mesmo gênero textual12, reportagem jornalística. Cada um dos artigos contém um lead, que consiste em um pequeno parágrafo logo após o título, em que o assunto do texto é apresentado resumidamente. Os dois textos tratam de assuntos semelhantes – Arte e Nazismo – e foram escritos originalmente em alemão. O primeiro texto de partida (T01) e o segundo texto de partida (T02) datam de 07 e 11 de setembro de 2004, respectivamente. T01 tem 289 palavras e 1830 caracteres e T02 tem 298 palavras e 1809 caracteres. A notícia de T02 dá continuidade à notícia que já havia sido divulgada no texto T01. Nenhum dos dois textos foi editado para a realização da pesquisa. A escolha do texto em trabalhos como este, em que o texto não constitui uma variável distinta, deve ser criteriosa. A tese de Dragsted (2004) apresentou problemas com relação à variável texto, já que a autora fez uso de dois textos diferentes para tentar analisar o efeito do uso de memórias de tradução no padrão de segmentação de dois grupos de tradutores. Ao escolher textos diferentes, surge o problema da interferência dessa variável. Não se pode delimitar até que ponto a diferença dos textos foi responsável pela alteração no padrão de segmentação dos tradutores. No 12

No presente trabalho, o gênero foi utilizado como um conceito operacional para fins de classificação do texto.

88 presente trabalho, tentou-se controlar essa variável. O uso do mesmo texto em duas situações diferentes, com e sem pressão de tempo, interferiria no efeito da variável a ser testada, pois, após já ter traduzido o texto uma vez, a segunda tarefa seria facilitada pela primeira. Por outro lado, o uso de textos muito diferentes poderia acarretar em efeitos relativos às diferenças textuais, por exemplo, de nível de dificuldade, interferindo novamente na variável pressão de tempo. Como já foi apontado no capítulo 1, o nível de dificuldade do texto e conhecimentos declarativos sobre o assunto do qual ele trata afetam diretamente o processo de tradução dos tradutores. Na tentativa de superar os problemas apontados acima, foram selecionados textos com, aproximadamente, o mesmo tamanho (cerca de 300 palavras) e que tratam de assuntos atuais, possibilitando maiores alternativas de fontes de consulta em tempo real. Os dois textos tratam de assuntos semelhantes e contém marcas culturais que suscitaram problemas de tradução. Ambos foram retirados da mesma fonte para assegurar que as características de gênero e registro fossem mantidas estáveis e garantir um padrão semelhante para a análise textual. Pretendeu-se, dessa forma, controlar também o grau de dificuldade dos textos para que não diferissem muito um do outro. Apesar de saber que T01 e T02 são textos diferentes e que isso exerce algum tipo de influência no processo de tradução, neste estudo, o texto será considerado uma variável controlada.

2.3 Os Informantes Foram selecionados para este experimento cinco alunos da Faculdade de Letras da UFMG. Todos os informantes escolhidos participaram voluntariamente da pesquisa. A proficiência lingüística dos informantes foi avaliada através de um teste

89 aplicado pelo orientador desta pesquisa, à época professor dos informantes que participaram do projeto. Para averiguar o nível de proficiência em tradução e o tempo de experiência com a língua alemã foi elaborado um questionário com 10 perguntas (anexo 1), que foi respondido pelos informantes logo após a realização do experimento. A tabela 1 apresenta resumidamente as respostas obtidas nos questionários13. Tabela 1: Experiência com a Língua Alemã e Nível de Proficiência em Tradução S01

Graduação* (2) Disciplinas de tradução (alemão) (3) Experiência c/ alemão (4) Estadia na Alemanha (5)** Interesse Acadêmico / Profissional (6) Mestrado / Doutorado (7/8) Trabalhos como tradutor / (publicados) (9)

S02

S03

S04

S05

A/B (em curso)

A/B

A/B (em curso)

A/B (em curso)

P/L (em curso)

2/(2)

3/(3)

4/(2)

2/(2)

2/(2)

8 anos

9 anos

6,5 anos

5,5 anos

4 anos

2 meses

3 meses

8 meses

Não

Não

Acadêmico

Acadêmico e Profissional

Acadêmico e Profissional

Acadêmico e Profissional

Acadêmico e Profissional

Não

M (em curso)***

Não

Não

Não

Não/(Não)

Sim/(Não)

Sim/(Não)

Sim/(Não)

Sim/(Não)

*A: alemão; P: português; B: bacharelado; L: licenciatura. ** Todos os informantes que já residiram na Alemanha fizeram-no por motivo de estudo. *** S02 cursa mestrado na área de Fonética e Fonologia. De acordo com a Tabela 1, podemos perceber que os informantes têm um nível de proficiência em tradução semelhante. Todos os informantes são falantes nativos do português brasileiro e têm proficiência satisfatória na língua alemã (averiguada por meio do teste aplicado pelo orientador), mas pouca ou nenhuma experiência profissional em tradução. Quatro informantes cursam ou cursaram 13

Os números entre parênteses, na primeira coluna, correspondem às perguntas no questionário.

90 Bacharelado em Alemão e, apesar de o informante S05 cursar Licenciatura em Português, ele cursou várias disciplinas da área de língua alemã. Todos os informantes cursaram pelo menos duas disciplinas de tradução durante o curso de graduação e têm mais de quatro anos de experiência com a língua alemã, sendo que três deles (S01, S02 e S03) já residiram em país de língua alemã por alguns meses. Com exceção de S01, todos os informantes têm algum interesse profissional em tradução e já realizaram trabalhos como tradutor, mas nenhum deles depende financeiramente desse tipo serviço. Com exceção do informante S04, que tem entre 35-40 anos, a idade dos informantes é de 25-30 anos. Os informantes representam um grupo homogêneo com proficiência lingüística satisfatória, mas pouca experiência profissional em tradução. Todos os informantes têm formação acadêmica na área de tradução e serão considerados tradutores novatos no presente estudo.

2.4 Pressão de Tempo No presente trabalho, foi realizado um estudo piloto com a finalidade de se estabelecer um limite de tempo que configurasse pressão de tempo para os todos os informantes envolvidos. O texto selecionado para o estudo piloto, T00 (anexo 3), trata de um assunto semelhante ao dos outros dois textos (T01 e T02) e foi reduzido para que tivesse o mesmo tamanho (295 palavras/1821 caracteres) dos textos que seriam usados no experimento, já que o tamanho do texto a ser traduzido influencia diretamente o tempo a ser despendido na tarefa e, conseqüentemente, afeta a variável pressão de tempo. O texto T00 data de 02 de julho de 2004 e foi retirado da mesma fonte de T01 e T02, do sítio da revista alemã Spiegel (www.spiegel.de).

91 Foi requisitado aos informantes que traduzissem T00 no programa Translog, e nenhum limite de tempo foi estabelecido. De acordo com a tabela 2, o tempo despendido para traduzir T00 variou de 1:09:26 (Informante 5) a 2:01:41 (Informante 3). No entanto, foi levado em consideração apenas o tempo despendido até ao final da fase de redação para definir a pressão de tempo, já que durante a fase de revisão os informantes não realizaram nenhuma alteração significativa em seus textos finais. Considerando, portanto, apenas as fases de orientação e de redação, a variação do tempo despendido na realização da tarefa foi de 58:07 (Informante 5) a 1:38:16 (Informante 3), conforme mostram os dados da tabela 2. Tabela 2: Tempo despendido nas fases da tradução de T00 Orientação Redação S01 S02 S03 S04 S05

00:04:16 00:09:09 00:07:09 00:08:37 00:03:09

01:10:40 01:09:30 01:31:07 01:22:16 00:54:58

Revisão 00:13:05 00:21:36 00:23:25 00:11:17 00:11:19

Total 01:28:01 01:40:15 02:01:41 01:42:10 01:09:26

Total sem a revisão 01:14:56 01:18:39 01:38:16 01:30:53 00:58:07

Em sua tese de doutorado, Jensen (2001) teve que incluir os dados de seu estudo piloto no trabalho final, pois a pressão de tempo que a autora havia calculado para os tradutores profissionais não configurou, de fato, pressão de tempo, e um dos textos, que deveria ser traduzido sob pressão de tempo em 15 minutos, foi traduzido em menos tempo por alguns de seus informantes. Para que não ocorresse o mesmo problema que houve com os dados de Jensen, o limite de tempo foi estabelecido bem abaixo do tempo despendido pelos informantes na tradução de T00 no estudo piloto. A pressão de tempo foi definida em 40 minutos, o que corresponde a 50% da média de tempo despendido por todos os informantes para realizar a tradução de T00, sendo que o tempo da fase de revisão foi desconsiderado.

92 2.5 Coleta de Dados (Desenho Experimental) Foram selecionados cinco informantes com nível de proficiência semelhante em alemão entre os alunos da Faculdade de Letras da UFMG que tenham cursado disciplinas da área de tradução (ver seção 2.3 para o perfil dos informantes). Seguindo o modelo de Jensen (1999, 2001), cada informante traduziu dois textos jornalísticos retirados do sítio da revista alemã Spiegel (anexo 4): o primeiro (T01) com pressão de tempo de 40 minutos, e o segundo (T02) sem pressão de tempo. A tradução com pressão de tempo foi realizada primeiro, porque T01 e T02 tratavam de assuntos bastante semelhantes (T02 é uma segunda notícia sobre o assunto noticiado em T01) e as consultas feitas durante a primeira tarefa poderiam amenizar o efeito da pressão de tempo. De acordo com o desenho experimental apresentado em Alves (2003), cada informante traduziu os textos no computador no programa Translog. Durante a tradução, o informante teve acesso a fontes de consulta, como dicionários e Internet. Antes de iniciar cada uma das tarefas de tradução, foi apresentado a cada informante um texto com as instruções para a realização da tarefa (anexo 2). Antes do início da tradução de T01, cada informante foi avisado verbalmente que o limite máximo de tempo para a realização da tarefa era de 40 min. Para a tradução de T02, os informantes levaram o tempo que acharam necessário para a realização da tarefa e nenhum limite de tempo foi estabelecido. A coleta de dados foi realizada com cada um dos informantes individualmente, em dias diferentes, dentro do período de um mês. Os dois textos (T01 e T02) foram traduzidos um logo após o outro e o relato retrospectivo foi gravado ao final de cada tradução, antes do início da tradução do texto seguinte. Durante o relato retrospectivo, o informante pôde visualizar seu próprio processo por meio da função replay do

93 Translog. Os relatos foram coletados com um gravador de MD e transformados em arquivos mp3 posteriormente. Antes de iniciar a gravação dos relatos, foram selecionados alguns trechos no protocolo de pausas do Translog levando-se em consideração as pausas mais longas, ou seja, os trechos que apresentaram problemas de tradução, para que fosse solicitado ao informante que os comentasse durante o relato retrospectivo. Além dos trechos pré-selecionados, o informante tinha liberdade de comentar qualquer outro trecho ou aspecto do processo de tradução que houvesse causado algum problema. Caso quisesse comentar mais demoradamente sobre algum ponto específico de seu processo de tradução, o informante tinha a opção de pausar a função replay do Translog. Ao final do segundo relato retrospectivo, feito após a tradução de T02, perguntei a cada um dos informantes se, e como, a pressão de tempo afetou a tarefa a de tradução.

2.6 Procedimentos de Análise 2.6.1 Dados Processuais Primeiramente,

todos

os

relatos

retrospectivos

foram

transcritos

e

sincronizados com os protocolos do Translog e os respectivos trechos no texto de chegada (anexo 7). Os dados processuais foram analisados quanto ao efeito da pressão de tempo no ritmo cognitivo, levando-se em consideração as fases do processo de tradução, a segmentação e o padrão de pausas, a recursividade do processo e aspectos relacionados à revisão, em especial à revisão online. Todos esses aspectos foram analisados nas modalidades de tradução com e sem pressão de tempo e comparados para se averiguar o efeito da pressão de tempo em cada um deles no processo de tradução. Também foram comparadas as diferenças individuais entre os processos de tradução dos informantes quanto a cada um desses aspectos. As estratégias de

94 compensação utilizadas por Jensen (2003) não foram adotadas no presente trabalho por se tratar de categorias originalmente criadas por Gile (1995) para analisar o processo de tradução oral e, portanto, mais adequadas para estudos que levem essa modalidade de tradução em consideração. As fases do processo de tradução foram identificadas no Translog de acordo com os critérios estabelecidos por Jakobsen (2002). Os tempos absolutos e relativos de cada uma das fases foram calculados e representados em forma de gráfico para comparação. Foi analisado como a pressão de tempo afeta o monitoramento do tempo relativo alocado a cada uma das três fases por parte dos informantes. Para fins de comparação, alguns dados do projeto piloto sobre as fases de tradução também foram incluídos na análise. A recursividade foi quantificada por meio do cálculo da percentagem da soma das teclas de revisão (revision keystrokes): movimentos de cursor, cliques de mouse e teclas de eliminação (backspace e delete). Foi averiguado se a recursividade da fase de redação, especificamente, se altera com a pressão de tempo. Como apontam Buchweitz & Alves (no prelo), a recursividade está relacionada à quantidade de revisão que o informante realiza enquanto traduz o texto. Ao calcular a recursividade durante a fase de redação, estamos lidando com um tipo específico de revisão, a revisão online (JAKOBSEN, 2002, 2003). A fase de revisão em si foi analisada separadamente. No entanto, como recursão nem sempre resulta em modificações no texto de chegada, a percentagem das teclas de eliminação (backspace e delete) também foi calculada separadamente com o propósito de averiguar se o aumento na recursão resultou também em um aumento nas modificações realizadas pelos informantes nos textos de chegada.

95 Foi analisado se, e como, a pressão de tempo afeta a maneira como o tradutor divide o texto em UTs. Cada protocolo linear foi dividido em segmentos (trecho do protocolo linear do Translog que ocorre entre duas pausas de, pelo menos, 5 segundos) e o tamanho médio dos segmentos foi calculado e representado em forma de gráfico para comparação. Pausas de menos de 5 segundos não foram consideradas significativas para a divisão de segmentos, já que, no geral, estão relacionadas a questões de coordenação motora e velocidade de digitação, como foi apontado no capítulo 1; não são, portanto, indicativo de esforço cognitivo. O tamanho da UT foi calculado em caracteres e, por motivos práticos, considerou-se o segmento do texto de chegada, já que este é facilmente identificado no protocolo linear do Translog. Foram analisadas as pausas nas duas modalidades de tradução (sem pressão e com pressão de tempo), focando, sobretudo, as pausas que se relacionam com questões referentes à estrutura Tema/Rema do texto de partida. As pausas também foram associadas às consultas (apoio externo) e a elementos de apoio interno para se estabelecer como essas duas estratégias de resolução de problemas diferem em função da variável tempo em cada um dos dois textos traduzidos e analisar a repercussão dessas diferenças nos textos traduzidos à luz da Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday. Em complementaridade aos dados processuais, foram analisados os dados do produto. Essa possibilidade de análise do produto é oferecida pelos Estudos de Corpora. Pode-se utilizar corpora de pequenas dimensões para o tratamento de questões específicas; no caso do presente projeto, a análise da organização temática do texto traduzido em comparação com a organização temática do texto de partida tendo como subsídio teórico a Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday. Os procedimentos de análise relativos aos dados do produto serão explicados a seguir.

96 2.6.2 Dados do Produto Para a análise da organização temática, as seguintes características de cada um dos textos de partida e de chegada foram examinadas: 1- Quais elementos ocorrem em posição temática (Textuais, Interpessoais, Ideacionais) 2- Qual a escolha do Tema Ideacional (Participante, Processo, Circunstância) 3- Percurso de Sujeitos Interpessoais 4- Progressão temática do texto Primeiramente, os textos foram divididos em orações e os Temas das orações independentes foram classificados de acordo com a Meta-função (Interpessoal, Textual ou Ideacional). Os Temas Ideacionais foram classificados de acordo com as categorias apresentadas no capítulo 1. Para a anotação do corpus de pesquisa, foi utilizado o protótipo 14 do Código de Rotulação Sistêmico-Funcional (CROSF, conferir anexo 8), um código numérico de rotulação elaborado pelo pesquisador do grupo Cordiall, Marcos Feitosa (2005). Primeiramente foi analisada a configuração de Temas no texto de partida e como a organização temática se relaciona com a construção do fluxo do texto com base nos Sujeitos Interpessoais. Então, confrontando os textos de chegada com os textos de partida, foram analisadas a configuração de Temas dos textos de chegada e a correlação entre escolhas temáticas mais freqüentes e a disponibilidade de tempo. Averiguou-se

quais

elementos

foram

colocados

em

posição

temática

(Textual/Interpessoal/Ideacional) nos textos de chegada produzidos nas modalidades com e sem pressão de tempo e como os textos de chegada foram construídos a partir do mapeamento do Sujeito Interpessoal. Foi analisado também como os informantes

97 lidaram com os Temas percebidos como "problemáticos" na retextualização, nas situações com e sem pressão de tempo. Cruzando a análise dos dados processuais com a análise dos dados do produto, buscou-se observar a correlação entre o ritmo cognitivo e a pressão de tempo com a durabilidade do texto de chegada. Além do confronto dos dados obtidos com e sem pressão de tempo, procedeu-se a um exame de aspectos relativos ao perfil do tradutor buscando averiguar em que medida a correlação entre ritmo cognitivo/pressão de tempo e durabilidade do texto de chegada aponta para perfis análogos de tradutores novatos. A análise de dados será dividida em 2 capítulos: análise dos dados processuais (capítulo 3) e análise dos dados do produto (capítulo 4). Passo a seguir para a análise dos dados processuais.

98 Capítulo 3: Apresentação e Análise dos Dados Processuais

No presente capítulo, a análise dos dados processuais será conduzida na tentativa de responder às perguntas de pesquisa relativas ao processo de tradução apresentadas na introdução do trabalho. Primeiramente considerarei aspectos relativos ao tempo despendido nas três fases do processo de tradução: a fase de orientação, a fase de redação e a fase de revisão (seção 3.1). Na seção 3.2, analiso aspectos específicos da fase de redação, como recursividade e segmentação e na seção 3.3 a fase de revisão de T02 será discutida mais detalhadamente. Os dados relativos ao produto final da tradução são analisados no capítulo 4. O cruzamento dos dados processuais com os dados do produto é feito no capítulo 5.

3.1 As três Fases do Processo de Tradução Nessa seção, será analisado como os informantes distribuíram o tempo disponível para a realização das tarefas de tradução em relação às três fases do processo de tradução definidas por Jakobsen (2002, 2003). Para fins de comparação, alguns dados do projeto piloto sobre o tempo, relativo e absoluto, alocado a cada uma das fases foram incluídos aqui. A Fase de Orientação Na fase de orientação, com exceção de S03, todos os informantes despenderam menos tempo em T02 do que em T01, provavelmente, devido à maior familiaridade com o assunto do texto durante a realização da segunda tarefa. No entanto, a diferença foi pequena, variando entre 3 segundos e 42 segundos, conforme os valores da tabela 3.

99 Tabela 3: Tempo, em segundos, despendido na fase de orientação de T01 e T02 T01 T02

S01 377 335

S02 261 258

S03 373 684

S04 321 317

S05 303 221

Diferentemente dos outros informantes, a fase de orientação de S03 em T02 foi quase duas vezes maior do que sua fase de orientação em T01. Talvez pelo fato de ter mais tempo disponível, o informante tenha ficado mais à vontade para alocar mais tempo à leitura do texto de partida e se orientar melhor antes de começar a traduzir o texto. Se considerarmos o tempo relativo, todos os informantes alocaram proporcionalmente mais tempo à fase orientação de T01 do que de T02, incluindo S03, conforme os dados da tabela 4, em que os dados do estudo piloto foram incluídos para fins de comparação. Tabela 4: Tempo relativo da fase de orientação em T00, T01 e T02 T00 T01 T02

S01 4,85% 15,71% 6,95%

S02 9,13% 10,71% 6,54%

S03 5,88% 15,27% 12,68%

S04 11,04% 13,20% 4,72%

S05 4,54% 12,63% 6,72%

Todos os informantes alocaram entre 10% e 16% dos 40 minutos disponíveis para a tradução de T01 à fase de orientação. Isso significa que os informantes despenderam um tempo relativamente maior na fase de orientação de T01 do que de T02, e também de T00 (piloto), que foi traduzido antes de T01. O informante S01 comenta que realizou consultas na internet durante a fase de orientação de T01, ao contrário do que ocorreu em T02. Isso pode indicar uma tentativa de mudança de estratégia, mas S01 alega que o fato de os dois textos tratarem do mesmo assunto pode ter sido a causa de a fase de orientação ter sido relativamente maior em T01 (conferir relato 1).

100 Relato 1 (S01/T02):

I. – (...) E também, talvez, porque o assunto era conhecido, né? Só que, por exemplo, um dos pontos eu só vim a entender nesse, no outro eu fiz errado, eu entendi errado. Na hora que aparecer eu te mostro. P. - É, isso é uma coisa que eu pensei. Talvez, as leituras anteriores já ajudaram um pouco, né? I. - É, isso mesmo. Sim, sem dúvida. É. Não, sem dúvida. P. - É o mesmo assunto. I. - É, isso mesmo. Na verdade é uma continuação quase, né? Esse, pelo menos, em relação ao texto anterior [T01].

Durante a fase de orientação, podemos observar nos protocolos lineares do Translog que todos os informantes movimentam o Texto de Partida (TP) na tela para visualizá-lo - já que ele não cabe inteiro na tela - e fazem uma pausa antes de começarem a traduzir, denominada por Jakobsen (2002) de pausa de orientação. A pausa de orientação é sempre maior em T01 do que em T02, como mostram os dados da tabela 5, possivelmente pelos mesmos motivos apontados acima para a maior alocação de tempo à fase de orientação: como os informantes já estão familiarizados com o assunto do texto, eles precisam se orientar menos antes de começar a traduzilo. Tabela 5: Pausa de orientação, em segundos, em T01 e T02 T01 T02

S01 187 20

S02

S03 30 5

25 0

S04 225 35

S05 92 45

Conforme a tabela 5, na tradução de T02, todos os informantes alocaram relativamente menos tempo à fase de orientação e tiveram uma pausa de orientação menor, pelo fato de já estarem mais familiarizados com o assunto do texto. Por outro lado, se o texto utilizado no experimento piloto, T00, também for levado em consideração, podemos perceber que o tempo relativo alocado à fase de orientação na tradução de T01 foi menor, apesar de este texto ter sido traduzido após T00. Já a variação entre T01 e T02 do tempo absoluto alocado à fase de orientação é muito pequena. Isso parece indicar uma insuficiência na capacidade de gerenciamento do tempo disponível para a realização da tarefa, quando foi estabelecido um limite de

101 tempo. Apesar de terem tido menos tempo disponível para realizar a tarefa em T01, os informantes alocaram praticamente o mesmo tempo para a fase de orientação na tradução de T01 e de T02. As Fases de Redação e Revisão Na tradução de T01, nenhum informante apresentou fase de revisão (conferir gráfico 1), já que nenhum deles traduziu o texto até o final, devido à insuficiência no gerenciamento do tempo disponível. Possivelmente, todos os informantes teriam condições de finalizar a tradução de T01 no limite de 40 minutos, já que eles dedicaram bastante tempo à primeira parte do texto, reescrevendo e realizando correções e revisões online, restando depois pouco tempo disponível para a tradução da segunda metade do texto. O fato de os informantes terem alocado mais tempo à tradução da primeira metade do texto e terem traduzido apenas parte da segunda metade do texto apressadamente parece indicar uma insuficiência na capacidade de gerenciamento do processo de tradução na tarefa realizada sob pressão de tempo.

Informantes

Gráfico 1: Tempo Relativo das Fases de Orientação, Redação e Revisão em T01

S05

12,63%

87,37%

0,00%

S04

13,20%

86,80%

0,00%

Orientação S03

0,00%

84,73%

15,27%

Redação Revisão

0%

10%

0,00%

84,29%

15,71%

S01

0,00%

89,29%

10,71%

S02

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Tempo relativo

No que diz respeito ao tempo relativo da fase de redação, este não variou muito entre T01 e T02 (conferir gráficos 1 e 2). No entanto, não foi possível comparar

102 essas duas fases com relação ao tempo despendido, pois nenhum informante finalizou a tradução de T01 no limite de tempo estabelecido (40min.) e, portanto, a fase de redação de T01 não foi concluída. Ainda assim podemos perceber, conforme os dados dos gráficos 1 e 2, que, corroborando os dados de Jakobsen (2002, 2003), os tradutores novatos alocaram um tempo maior à fase de redação do que às fases de orientação e revisão. Gráfico 2: Tempo Relativo das Fases de Orientação, Redação e Revisão em T02

S05

S04 4,72%

Informantes

5,72%

87,56%

6,72%

12,50%

82,78%

Orientação S03

14,50%

72,82%

12,68%

Redação Revisão

S02

6,54%

85,74%

7,72%

S01

6,95%

84,57%

8,48%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Tempo relativo

O informante S03 apresenta uma diferença maior do que os outros informantes no tempo relativo nas fases de redação de T01 e T02. O que podemos perceber ao comparar os dados de T01 e T02 com os dados do experimento piloto (T00) é que S03 dedica bastante tempo à fase de revisão quando tem tempo suficiente disponível. No relato 2, o informante confirma ter revisado seu texto final mais de uma vez na realização da tarefa de tradução sem pressão de tempo.

103 Relato 2 (S03/T02):

P. - E de alguma outra forma você acha que, assim, você acha que te afetou de alguma outra forma? O fato de o outro texto ter... I. - Ah, eu acho que sim. Igual, para a revisão mesmo, assim, aqui eu tive mais tempo, né. Eu revisei duas vezes, ainda eu voltei, mexi em altas coisas. Então eu acho que especialmente para a revisão assim, né? É, deixa eu ver, deu para trabalhar melhor a revisão, porque eu tive mais tempo. Mesmo o fato de ter trabalhado mais aqui, né, na verdade mais o começo do texto, né, que sofreu mais modificação, né, na fase de revisão.

Na tradução de T02, os informantes despenderam aproximadamente a mesma quantidade de tempo nas fases de revisão e de orientação, com exceção de S04, que despendeu quase três vezes mais tempo na fase de revisão. Quanto aos outros informantes, houve um equilíbrio na distribuição do tempo que não foi verificado na tarefa realizada sob pressão de tempo, conforme os dados da tabela 6. Tabela 6: Tempo relativo da fase de revisão em T02 Fase de Orientação Fase de Revisão

S01

S02

S03

S04

S05

6,95%

6,54%

12,68%

4,72%

6,72%

8,48%

7,72%

14,50%

12,50%

5,72%

Na tradução de T02, portanto, houve um equilíbrio no tempo dedicado a cada uma das fases do processo de tradução, enquanto na tradução de T01, houve um excesso de tempo alocado à fase de orientação e redação e ausência de uma fase de revisão. Com exceção de S04, os outros informantes parecem começar a sentir a pressão de tempo apenas a partir da segunda metade do texto em diante. O único informante que menciona a questão do limite de tempo desde o início em seus relatos retrospectivos é o informante S04. Seus primeiros comentários sobre a tradução de T01 são apresentados no relato 3.

104 Relato 3 (S04/T01):

P.- Você não começou pelo título não, né? ... O título, você quer comentar alguma coisa sobre o título? I.- O título eu ia pôr no fim, mas aí não deu tempo. P.-Aí você não chegou a fazer. I.- É, não cheguei, não fiz. Agora, a princípio, eu li o texto até o meio, não li o texto inteiro. A hora que eu vi o texto, aí eu falei assim, senão eu não vou conseguir fazer isso em 40 minutos, aí eu não li tudo.

Como podemos perceber através do relato 3, S04 já demonstra preocupação em gerenciar o tempo disponível para a realização da tarefa desde o início da tradução, durante a fase de orientação. No entanto, S04 parece ter tido um bloqueio processual (conferir capítulo 1) exatamente pelo fato de o tempo para a realização da tarefa ter sido delimitado. O informante tentou gerenciar o tempo disponível de forma adequada, mas ficou ansioso e não conseguiu finalizar a tarefa, como indicam os relatos 4 e 5. Relato 4 (S04/T01): I.- (...) ... Mas é difícil com o tempo, né? P.- Aí, terminou. Pois é, você quer fazer algum comentário geral sobre.. I.- Eu acho difícil falando o tempo. Aí parece que clica um botão que fica tudo pior. Sem o tempo é mais fácil. Só isso. O grau de dificuldade é o mesmo do outro (T00). Só. P.- Do outro texto, né? I.- É.

Relato 5 (S04/T02): I.- Ahhh, a pressão de tempo, aí que você não faz, acho que parece que você fica mais lerdo ainda. Que coisa impressionante, hein! Mais lerdo do que tudo, te dá assim uma ansiedade. Agora quando não tem, a gente que fica querendo andar com isso.

Os outros informantes não parecem se preocupar com o limite de tempo até o momento em que percebem que não terão mais tempo para finalizar a tarefa. O informante S01 comenta que a partir de um certo momento ele simplesmente deixou de ter certos cuidados com a tradução por perceber que o tempo estava acabando, como mostra o relato 6.

105 Relato 6 (S01/T01):

I. – Ó, eu acho que o tempo foi significativo, é.. no início a tarefa de tradução era bem, assim, eu focava bastante a tradução sobre ela, mas depois eu confesso que.. P. – ..como você já tinha lido antes, você foi.. I. – É, e mesmo assim, eu não parei pra pensar exatamente, com exceção do... até nacional-socialista e nazista, no leitor brasileiro. Eu fui traduzindo o texto porque o tempo estava acabando. É, talvez um cuidado maior quanto a isso poderia ter sido feito, mas não sei.

No início, S01 chegou a realizar mais consultas e traduzir mais calmamente, mas à medida que ia se aproximando o momento de encerrar a tarefa ele foi diminuindo gradativamente a quantidade de consultas e as preocupações com o leitor e o texto de chegada. S03 apresenta um comportamento semelhante ao de S01. No princípio, dedica bastante tempo fazendo consultas e revendo trechos já traduzidos, mas quando percebe que não terá tempo de finalizar a tarefa, passa a traduzir com menos cuidado, como indica o relato 7. Relato 7 (S03/T01): I. - Acabei deixando assim, mas foi por causa do tempo também, né, que eu fui na correria. (...) I. - Eu acho que deveria ter tido mais tempo assim, que eu acho que aí eu ia ter trabalhado umas coisas assim melhor, ou então queria ter feito mais consulta na internet, talvez, mas é, com relação ao gênero, assim, e tinha umas colocações que eu fiquei meio em dúvida, às vezes, isso que eu queria ter pesquisado melhor.

S02 e S05 mencionam a questão do limite de tempo apenas uma vez em seus relatos retrospectivos (conferir relatos 8 e 9), e ainda assim, mais ao final do texto, o que indica que ela não foi considerada no planejamento da execução da tarefa. Relato 8 (S02/T01): I. - Uhum. Essa parte também Flick pai, né, Flick senior, eu falei: nossa, e agora? Mas isso, a minha intenção era voltar e arrumar, mas não deu tempo não. ...

Relato 9 (S05/T01): I. - É.. o trabalhadores forçados, eu não sei se isso é uma coisa que a gente fala em português. Tem trabalhos forçados, né? Mas como eu também estava com pouco tempo, nesse ponto eu já não quis muito pensar nisso.

106 Ao ser questionado sobre a pressão de tempo no segundo relato retrospectivo, S05 menciona que tentou traduzir o melhor possível o que ele pudesse traduzir em 40minutos, mas não se preocupou em traduzir o texto até o final, conforme indica o relato 10. Relato 10 (S05/T02):

P. - É, sobre o texto, sobre a tarefa. A questão do, por exemplo, no primeiro texto, com relação à pressão de tempo. I. - Ah tá. É, no final, quando eu vi que o tempo estava acabando mesmo, eu.. como eu te falei, teve um momento lá que eu, eu poderia talvez ter gasto mais tempo assim pensando sobre alguma coisa, mas eu resolvi, preferi passar para frente. Mas eu percebi mais ou menos assim que eu não ia conseguir terminar mesmo, então eu não fiquei preocupado, afora esse momento específico, eu não fiquei muito preocupado em avançar ou traduzir o máximo possível. Eu fiquei, eu tentei ao máximo possível traduzir como se não tivesse limite de tempo, e o que eu conseguisse, pelo menos aquilo que eu conseguisse ficaria o melhor possível, entendeu?

Todos os informantes mencionam que gostariam de ter tido mais tempo para realizar consultas, revisar mais e traduzir com mais cuidado, mas nenhum deles menciona se tentou mudar de estratégia para poder finalizar a tarefa no limite de tempo disponível. Com exceção de S04, que tentou dedicar menos tempo na fase de orientação, nenhum outro informante mostra evidências de ter tentado gerenciar o tempo disponível para finalizar a tarefa no prazo estabelecido. Pelos protocolos lineares do Translog, podemos ver que S01, S02, S03 e S05 dedicaram boa parte do tempo para traduzir o lead do artigo, que representa apenas um pequeno trecho de todo o texto, e depois tentaram “correr” para finalizar a tarefa. Houve uma falta de equilíbrio na distribuição do tempo disponível. Já o informante S04, apesar de ter levado em consideração o limite de tempo no planejamento da execução da tarefa, sofreu uma espécie de bloqueio processual e não conseguiu finalizá-la. Os dados apresentados nessa seção parecem indicar que os tradutores novatos que participaram desse experimento não apresentaram estratégias de planejamento e gerenciamento adequado do processo de tradução no que diz respeito à distribuição do tempo disponível para a realização da tarefa. Enquanto na tradução de T02 houve um

107 equilíbrio na distribuição do tempo alocado às fases de orientação, redação e revisão, na tradução de T01 houve apenas fase de orientação e de redação, sendo que esta última não foi concluída. A seguir, abordarei aspectos específicos das fases de redação e revisão mais detalhadamente. Na fase de redação, serão considerados aspectos relativos à recursividade e revisão online, e à segmentação. Na fase de revisão, serão consideradas as modificações realizadas pelos informantes no texto final e os aspectos relacionados à recursividade do processo de tradução nessa fase específica. A fase de revisão só será considerada para o texto T02, já que nenhum dos informantes apresentou fase de revisão na tradução de T01.

3.2 A Fase de Redação 3.2.1 Recursividade e Revisão Online A partir dos dados obtidos pelo gráfico do Translog sobre os movimentos de teclado dos informantes, foram elaboradas as tabelas 7 e 8. Com base nos dados dessas tabelas podemos comparar a proporção de produção textual em relação à recursividade. A produção textual é indicada pelo percentual das teclas de produção, enquanto a recursividade é calculada levando-se em consideração o percentual da soma das teclas de eliminação (backspace e delete), movimentos de cursor e cliques de mouse. Na tabela 7, a percentagem das teclas de produção e teclas de recursão foi calculada considerando-se os movimentos de teclado na fase de redação; já na tabela 8, o mesmo cálculo foi feito em relação ao total de movimentos de teclado na fase de revisão. As operações não identificadas (miscellaneous actions) não foram levadas em consideração na quantificação dos dados nesta pesquisa, pois ocorrem principalmente na fase de orientação, que já foi discutida no início dessa seção. Como já foi dito

108 reiteradas vezes, a fase de revisão só ocorreu em T02. Não houve fase de revisão em T01 (ver seção 3.3 para uma discussão da fase de revisão). De acordo com a tabela 7, podemos perceber que, ao mesmo tempo em que a quantidade de teclas de produção para cada 100 movimentos de teclado aumenta com a pressão de tempo, o uso de teclas que indicam recursão diminui. Isso indica que, com a pressão de tempo, há uma diminuição da recursividade no processo de tradução dos informantes. O informante S05 apresenta uma tendência contrária. Há uma diminuição da recursividade em seu processo de tradução em T02, quando não houve pressão de tempo.

Tabela 7: Produção e recursividade nas fases de redação de T01 e T02 Produção Recursividade T01 T02 T01 T02 70,40% 56,10% 29,60% 43,90% S01 86,70% 82,90% 13,30% 17,10% S02 66,40% 52,10% 33,60% 47,90% S03 85,80% 75,90% 14,20% 24,10% S04 46,00% 59,60% 54,00% 40,40% S05 Média 71,10% 65,30% 28,90% 34,70%

Comparando as tabelas 7 e 8, podemos perceber que o padrão processual é diferente nas fases de redação e de revisão. A produção textual tende a ser menor na fase de revisão do que na fase de redação, enquanto a recursão tende a aumentar, como já havia apontado Jakobsen (2002:193). Sendo assim, caso a fase de revisão fosse considerada juntamente com a fase de redação nos cálculos para T02, os dados poderiam ser distorcidos, dificultando a comparação com T01, já que T01 não apresenta fase de revisão. Nesta seção, pretendo comparar aspectos relacionados à recursividade e à revisão online apenas na fase de redação. Aspectos relacionados à recursividade na fase de revisão serão considerados na seção 3.3.

109 Tabela 8: Produção e recursividade na fase de revisão de T02 Produção Recursividade 9,60% 90,40% S01 72,40% 27,60% S02 2,30% 97,70% S03 33,60% 66,40% S04 7,00% 93,00% S05 Média 25,00% 75,00%

A revisão online, que ocorre durante a fase de redação, está intimamente ligada à recursividade. Tanto os movimentos de cursor e cliques de mouse, quanto as teclas de eliminação, são indícios de recursividade e revisão online. Jakobsen (2003) considera todos esses movimentos para calcular a recursividade do processo em oposição à produção textual em si. No entanto, enquanto os movimentos de cursor e cliques de mouse indicam que o tradutor passeia pelo texto ou tenta localizar um ponto específico, as teclas de eliminação são indícios de que algo foi reescrito no texto de chegada. Sendo assim, podemos dizer que os primeiros indicam recursão, monitoramento e controle, mas só as teclas de eliminação implicam em alterações de fato no TC. A tabela 9 apresenta o percentual de cada um desses movimentos (teclas de produção, movimentos de cursor, cliques de mouse e teclas de eliminação) separadamente. Tabela 9: Movimentos de teclado nas fases de redação de T01 e T02 Teclas de prod. Teclas de elim. Mov. de cursor Mouse T01 T02 T01 T02 T01 T02 T01 T02 70,40% 56,10% 4,90% 5,70% 24,60% 37,90% 0,10% 0,30% S01 86,70% 82,90% 6,90% 9,20% 0,00% 0,00% 6,40% 7,90% S02 66,40% 52,10% 14,10% 16,20% 18,70% 30,30% 0,80% 1,40% S03 85,80% 75,90% 6,90% 7,50% 5,50% 12,20% 1,80% 4,40% S04 46% 59,60% 7,70% 9,90% 46,10% 29,70% 0,20% 0,80% S05 Média 71,10% 65,30% 8,10% 9,70% 19,00% 22,00% 1,80% 3,00%

110 A tabela 9 nos mostra que, com o efeito da pressão de tempo, há uma diminuição no uso de movimentos de cursor e cliques de mouse, assim como no uso de teclas de eliminação. Sendo assim, além de os informantes apresentarem menos recursividade e revisão online na tradução de T01, eles também realizam menos modificações no TC. Como já foi mencionado anteriormente, o informante S05 configura uma exceção no grupo e teve um aumento na recursividade ao traduzir sob pressão de tempo. No entanto, apesar de apresentar mais recursão em T01 do que em T02, ele realiza mais alterações neste último. Podemos, portanto, dizer que em T02 esse informante realiza menos revisão, mas que a revisão realizada acarreta em mais modificações no TC. Os outros quatro informantes, além de apresentarem um processo mais recursivo na tradução realizada sem pressão de tempo, também realizam mais modificações no TC durante a revisão online. Os informantes S02 e S04 fazem bastante uso do mouse e pouco uso de movimentos de cursor. S02 não faz uso dos movimentos de cursor, ele utiliza apenas o mouse, cujo percentual é maior na tradução realizada sem pressão de tempo. Esse informante tem um processo menos recursivo do que os outros informantes. S04 tem um processo mais recursivo do que S02. Ele alterna o uso do cursor com cliques de mouse e podemos perceber que há um aumento considerável no uso desses dois tipos de movimento na realização da tradução de T02. Os informantes S01 e S03 apresentam muita recursão e, assim como S02 e S04, tendem a aumentar a recursividade com a diminuição da pressão de tempo. Assim como S05, S01 e S03 fazem mais uso do cursor, e o uso do mouse não é tão significativo como no caso de S02 e S04. Tanto o uso do mouse quanto o uso do cursor indicam recursão e o uso predominante de um ou outro é uma característica idiossincrática do tradutor.

111 Apresento abaixo dois exemplos: um trecho de um processo em que há mais uso de mouse (exemplo 48) e outro em que o uso do cursor é mais significativo (exemplo 49). Exemplo 48 (S02/T02): Berlim Desde o meiodia de setafeira[ ]s⌫x[ ][ ] encontramse cartazes na rua dos inválisos[ ]I[ ][ ][ ]⌫d [ ] em Berlim, em frente ||à ⌫⌫⌫⌫à estação de Hamburgo e na est ação de Lehrter⌫ [ ][ ]⌦[ ][ ] [ ]grandes [ ] dos artid ⌫stas ⌫conceito Renata Stih e Frieder Schnock [ ][ ],[ ] que [ ],[ ] fizeram um nome [ ]⌫⌫⌫[ ]com "arte em espaç~⌫os públicos".

Exemplo 49 (S01/T02): Berlim Dese⌫de o meiodia de sexta ⌫d⌫feira, grandes cat⌫rtazes dos arrtistas conceituais berlinenses Renata Stih e ⌫ Frieder Schnock, que fizeram seu nome ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫já têm tradiç ão com "arte em espaços públicos" , ,⌫ estão pendurados na rua de Berlim Invalidenstraße em Berlin⌫,⌫m, ⌦⌦⌦⌦⌦⌦⌦⌦ ⌦⌦ especificamente , em fren te[ :01.30.72][ ] ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫a saber, á ⌫⌫à estação d e trem Hamburger Bahnhof , e na estação de trem também Lehrter Bahnhof . [ST ][ST ][ST ][ST ][ST ][ST ][ :53.22]

Com a pressão de tempo, há uma diminuição da recursividade e, conseqüentemente, um aumento na proporção de produção textual. O que podemos perceber é que o informante que tem um processo pouco recursivo, como S02, não sofre muita influência da pressão de tempo quanto a esse aspecto específico do processo, enquanto os outros informantes, que têm um processo bastante recursivo, apresentam uma redução drástica no uso de teclas de recursão na realização da tarefa sob pressão de tempo. O informante S05 é uma exceção. Apesar de ter um processo bastante recursivo, a recursividade foi maior na realização da tradução de T01. Esse aspecto do processo de S05 será discutido em relação à segmentação na próxima subseção (3.2.2) e à durabilidade textual (capítulo 5). Como indicam os dados do informante S05, apesar de a recursividade estar atrelada à revisão, nem sempre maior recursividade acarreta em mais modificações no

112 TC. Sendo assim, considerarei a seguir o efeito da pressão de tempo especificamente no uso de teclas de eliminação. As teclas de eliminação são indícios de que modificações foram realizadas durante a revisão online. De acordo com Jakobsen (2002), durante a fase de redação, o tradutor também modifica seu texto, corrige erros de digitação e deleta trechos já escritos. Em todos esses casos, o tradutor precisa fazer uso das teclas de eliminação e, por isso, a freqüência de uso dessas teclas indica não somente a quantidade de revisão realizada durante a fase de redação, mas, principalmente, a quantidade de modificações que foram realizadas no TC. Como já foi observado na tabela 9, com a pressão de tempo, houve uma diminuição no uso das teclas de eliminação, o que indica que houve uma diminuição na quantidade de modificações realizadas no TC durante a revisão online de todos os informantes. A seguir apresento alguns exemplos de revisão online retirados dos textos T01 e T02 em que os informantes fazem uso de teclas de eliminação. Exemplo 50 (S01/T01): Ju⌫⌫judaica

No exemplo 50, S01 havia escrito a palavra judaica com inicial maiúscula, por se tratar da comunidade judaica de Berlim, mas decide alterá-la imediatamente, antes mesmo de terminar de digitar a palavra, reescrevendo-a com inicial em minúscula. Exemplo 51 (S01/T02): [32:59] [ :55.23]”Zurique não aceitou a coleção de artte ⌫ ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫ ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫s⌫recus doação da , enquanto⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫

como presente

Enquanto Berlim gasta milhões para recebêla como empréstimo”, diz Renata Stih.

[35:24] [36:11] ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫Se p or um lado por outro ⌫,

[36:42]

113 Relato 11 (S01/T02):

I.- ... Eu resolvi marcar aí a oposição, por enquanto, apesar de não ter no texto de partida. Só que aí, daí a pouco aparece um problema, o enquanto seria repetido, porque na próxima ela coloca während. Aí para evitar a repetição eu coloquei de um lado – por outro lado. P. – No... nessa parte que ela fala ou na próxima? I.– No que ela fala mesmo. P. – Ah, enquanto Zurique recusou. .. Ah tá. I.– Aí, aí apareceria o enquanto, aí para evitar essa repetição, eu fiz isso aí: se por um lado – por outro.

No exemplo 51, podemos perceber que há bastante recursão. S01 opta por explicitar a relação de oposição entre Berlim e Zurique com marcas textuais, ausentes no texto de partida. Primeiramente ele faz uso da conjunção enquanto, mas mais adiante, ele precisa usar novamente esse termo e, para evitar a repetição, o informante opta por fazer uso de dos elementos textuais por um lado ... por outro. Esse exemplo demonstra um processo recursivo, em que o informante, ao dar prosseguimento à tradução, não perde de vista os trechos traduzidos anteriormente, retomando-os para manter uma relação lógica entre as partes e construir um texto coeso. Por outro lado, o relato 11 não evidencia a presença de meta-linguagem, ou seja, de algum embasamento teórico que justifique as escolhas do informante. Exemplo 52 (S02/T01): dE´P⌫⌫⌫⌫Depois

No exemplo 52, S02 comete erros de digitação, que ele percebe imediatamente e corrige logo em seguida. Exemplo 53 (S02/T02): A controvérv⌫sia[ :01.06.91] sobre a exposição planejada da Flick Co⌫ ⌫collection"[ ]"[ ] [ ]⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫[ ]planejada [ ] em Berlim não deixa ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫aquece os ânimos da cena ⌫ ⌫⌫⌫⌫⌫⌫o cenâ⌫ário artístico da capital.

Relato 12 (S02/T02): I. - Aí eu inverti a ordem do adjetivo, eu acho que ficou melhor antes. P. - Onde? I. - Planejada exposição. Eu tinha colocado exposição planejada da Flick Collection. Mas aí não ficou bom, eu coloquei: planejada exposição da Flick Collection. Acho que assim ficou melhor, de ouvir. P. - É, porque aqui teve uma pausa grande, né? I. - Uhum, é, acho que foi sobre isso que eu tava pensando. P. - Uhum.

114 I. - Aí, deixa eu ver, aquece os ânimos do cenário artístico da capital, essa parte eu pensei também um pouquinho, falei, será que fica bom isso. Porque lá é o contrário, né? Fala que não fica frio. P. - Lässt nicht kalt.

O exemplo 53 retrata vários tipos de revisão. Primeiro o informante S02 corrige um erro de digitação na palavra controvérsia, depois reescreve collection com letras minúsculas e acrescenta aspas, pois deixa o termo em inglês no texto traduzido (o termo também está em inglês no texto de partida). Então, o termo planejada é deletado e reescrito em outra posição da frase, antes de exposição. As últimas revisões estão relacionadas à expressão do texto de partida lässt die Kulturszene nicht kalt. O informante faz algumas tentativas e, ao final, opta por utilizar a expressão esquenta o cenário artístico. Esse informante tem o hábito de fazer as modificações em seu texto de chegada imediatamente após a tradução de um pequeno trecho e não costuma voltar posteriormente a trechos já traduzidos. Assim como o relato 11, o relato 12 também não apresenta nenhuma evidência de meta-linguagem. O informante justifica suas escolhas com expressões como “eu acho que ficou melhor do que antes” e “ficou melhor de ouvir”. Exemplo 54 (S03/T01): berlin,

⌫B

Exemplo 55 (S03/T01): e por esta razão sofreu ferrenhas crí⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫cr íticas ferrenhas por parte de membros da comunidade e representanrtes ⌫ do conselho central.

No exemplo 54, S03 havia escrito o nome da cidade com inicial minúscula e efetua a correção. No entanto, ele não se atenta para o fato de que, em português, Berlim se escreve com “m” e não “n”, como no alemão, e não realiza a correção. Casos como este, em que o informante, apesar de efetuar a revisão, mantém algumas incorreções, serão discutidos no capítulo 5 sobre durabilidade textual. No exemplo 55, S03 opta por trocar a ordem do substantivo (críticas) e do adjetivo (ferrenhas) e, mais adiante, faz uma correção ortográfica (representantes).

115 Exemplo 56 (S03/T02): [12:46] A polêmica em torno da exposição da ⌫⌫⌫ ⌫⌫⌫⌫ção da coleção ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫mostra pro⌫ivada de Flick em Berlin ⌫⌫⌫⌫⌫⌫artucular , A cena ⌫⌫⌫⌫⌫O meio artístico

de Berlin não deixa

⌫⌫

⌫a

⌫i ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫ passar em brancas nuvns ⌫⌫⌫ens.

[15:54] [16:17] [ ]⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫contovérsia ⌫⌫branco

[ ] ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫

[16:46] [17:22] [ ]exposição

⌫da "Flik ⌫⌫ck Colle⌫⌫ lecrion⌫⌫⌫⌫tion"

⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫acerca

[18:14] [20:01] [ :01.04.71]

também

[20:09] [26:34] [ ] r

[26:47] Relato 13 (S03/T02): I. - Ah é, ih aí. Deixa eu ver aqui. ... Ah é, aqui era o polêmica e controvérsia, mas depois, quando eu fui escrevendo eu mudei, eu deixei controvérsia mesmo, porque depois fala de umstritten, né, aqui, então eu achei preferível colocar polêmica depois. P. - Uhum. I. - Então depois eu mudei e deixei controvérsia mesmo. Ah é, eu mudei também acho que a organização temática e remática, né, eu preferi colocar lá o meio artístico no começo. É... porque tem essa expressão aqui nicht kalt lassen, e no português não teria nenhum, pelo menos a minha opinião aqui, eu pensei que mexer aqui na minha lembrança, não vi nada semelhante, coloquei tipo passar em brancas nuvens, mas depois eu mudei e deixei só passar em branco. P. - Na verdade então você juntou essas duas, a primeira... I. - Não, a primeira ficou assim mesmo. P. - Ah não, está na primeira, você só mudou a ordem. I. - Eu mudei a ordem, é. ... É, aí, é, aí eu mudei lá para controvérsia e deixei só passar em branco. I. - E depois eu coloquei lá o também, que depois eu coloquei, porque tem o auch aqui, né, que primeiro eu deixei de lado e depois eu resolvi colocar ele.

No exemplo 56, S03 realiza várias revisões até chegar a uma solução que considera adequada. Algumas alterações são apenas correções ortográficas e de erros

116 de digitação, mas o informante também altera a ordem dos termos da oração optando por colocar o sintagma o meio artístico de Berlim, que no texto de partida ocorre em posição remática, em posição temática no texto de chegada, alterando, dessa forma, o Participante que exerce o papel de Sujeito na oração. Ao contrário dos outros relatos apresentados anteriormente, o relato 13 o informante S03 faz uso de meta-linguagem para justificar suas escolhas. Exemplo 57 (S04/T01): tomou sua decisão

como uma

gentileza

[ ]"[ ]"⌫⌫"

No exemplo 57, temos um caso em que o mouse é utilizado pelo informante para localizar um ponto específico no texto para acrescentar aspas. Exemplo 58 (S04/T02): A controvérsia a respeito da planejada exposição da "Coleç ão Flick" em berlim ⌫B esquenta a ce na artístico rio ⌫á ⌫o da capital.

No exemplo 58, S04 altera o termo cena para cenário. O informante também faz uma correção ortográfica, pois havia escrito Berlim com inicial minúscula. Também pode acontecer de o tradutor copiar ou recortar um trecho já redigido e colar esse trecho em outro lugar no texto, como nos exemplos abaixo: Exemplo 59 (S05/T01): [ :01.33.01]O convite feito origem ao⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫ao colecionador para participar da comemora ção do centenário de uma sinagoaa⌫⌫ga berlese⌫⌫⌫inense [Shft ][S hft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Cut] [Paste:·feito·ao·colec ionador] que

⌦sse

deu origem a protestos.

Relato 14 (S05/T01):

I. –Ah, isso aí foi uma coisa que me deu trabalho. Você ia parar para me perguntar aí? P. - Ia, porque primeiro aqui, antes de começar a escrever o convite, né, esse als man den Sammler, teve uma pausa bastante longa aí, aí depois você escreveu, mexeu. I. - No convite? Acho que foi para... é, primeiro eu estava pensando onde que eu ia colocar o destinatário do convite, feito ao colecionador, para o colecionar ou no final, convite para a comemoração feita ao colecionador, ou convite feito ao colecionador, só depois, primeiro eu pus para participar, depois é que eu resolvi, aliás, eu pus o feito ao colecionador no

117 final, e quando eu passei para o começo, porque eu achei que o, separar convite do destinatário do convite por muitas palavras ia ser ruim, é que eu decidi mudar o participar para participasse, para que participasse, ao invés de para participar. Eu acho que é... só nisso que eu estava pensando. Deu origem a protestos, é, isso aí eu acho que eu sempre soube que ia escrever assim.

No exemplo 59, o informante S05 não conseguia decidir em que posição da oração deveria colocar o destinatário do convite e faz uso das opções de recortar e colar para mudar o termo (feito ao colecionador) de posição. Exemplo 60 (S05/T02): [ ] Também desta vez cuidadosamente ex⌫scolhido. [ ]⌦.

o

local da "exposição" foi ,

a

⌫, pois, em 21 de setembro, será inugurada a "Coleçao ⌫⌫⌫ão Flick"[ ][Cut]⌦ [Paste:·será·inaugurada] na estação

Hamburger Bahnhof [Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Sh ft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Shft ][Cut] , ,[Paste:·a·"Coleção·Flick"·] , a coleção privada de ob ras de arte do milionário alemão Friedrich Carl Flick, que mora na Suíça ⌫pertencente a , ntas controvérsias . ad tem

coleção esta que

originou viole ⌫



Relato 15 (S05/T02): I. - ... Aí aconteceu a mesma coisa, a coleção tinha que aparecer por último, então tive que trocar de lugar.

O exemplo 60 apresenta um caso semelhante ao do exemplo 59. S05 resolve mudar a posição de a ‘Coleção Flick’ e, ao invés de apagar o que já estava escrito e reescrever em outra posição na sentença, ele simplesmente recorta e cola o trecho no lugar desejado. Casos como os exemplos 59 e 60 também são indicativos de revisão online, mas não foram considerados na elaboração das tabelas (7, 8 e 9), pois o Translog identifica as operações de recortar, copiar e colar como operações não identificadas (miscellaneous actions), juntamente com vários outros tipos de operação. Portanto, essas operações só podem ser identificadas e contabilizadas manualmente. No meu corpus de pesquisa, esse tipo de operação só ocorreu três vezes na tradução de T02 do informante S05 e uma vez na tradução de T01 do mesmo

118 informante. Os outros informantes não apresentaram esse tipo de operação em seus processos. Sendo assim, sua quantificação não alteraria significativamente os resultados apresentados nas tabelas 7, 8 e 9. No entanto, é importante considerar os exemplos 59 e 60 acima como casos de revisão online realizadas pelo informante S05. A maioria dos informantes apresentou menos recursividade na tradução realizada com pressão de tempo e todos os informantes realizaram menos alterações no TC na tradução de T01, inclusive S05, cujo processo de tradução apresentou mais recursividade na tradução realizada com pressão de tempo. Portanto, além de não apresentarem fase de revisão na tradução de T01, houve também menos revisão online, ou seja, a revisão como um todo tende a diminuir com o aumento da pressão de tempo. Alem disso, o tipo de revisão realizada difere nas tarefas com e sem pressão de tempo. Na tradução de T01, é mais comum observarmos correções de erros de digitação e de erros ortográficos, enquanto na tradução de T02, revisões mais complexas, que envolvem escolhas vocabulares, escolhas de expressões adequadas à língua de chegada e aspectos relativos à ordem dos elementos na oração e à escolha do Sujeito, ocorrem com mais freqüência (conferir capítulo 4). Além das diferenças relativas ao efeito da pressão de tempo, o processo de tradução de cada informante também apresenta características idiossincráticas relativas à recursividade e à revisão online. Em comparação com os outros informantes, S03 realiza bastante revisão online e muita recursão. Esse informante tende a retomar várias vezes trechos já traduzidos e reescrevê-los. Muitas vezes, S03 faz uso do cursor para rever trechos traduzidos sem fazer nenhuma alteração, monitorando o que já foi traduzido. Essas características dão indício de que S03 trabalha o texto como um todo e se preocupa com a ligação entre as partes do texto, mantendo sua rede coesiva amarrada. O

119 informante S03 foi o único que apresentou meta-linguagem no relato retrospectivo, considerando-se os exemplos tratados nessa seção. Por outro lado, S02 não tem o hábito de retomar trechos já traduzidos. Uma vez finalizada a tradução de um trecho, ele passa adiante sem voltar atrás. Ele tem o hábito de revisar cada trecho imediatamente após sua tradução. Como mostram os dados, apesar de fazer bastante uso de teclas de eliminação, seu processo de tradução apresenta bem menos recursão do que o processo dos outros informantes e a maior parte das revisões realizada por ele é menos complexa, relativa a correções ortográficas e aspectos micro-linguísticos. Essas características indicam que S02 trabalha o texto de forma mais focalizada, se ocupando de um segmento específico de cada vez. O informante S04 tem um processo semelhante ao de S02. S04 também tem o hábito de fazer a revisão de cada trecho imediatamente após sua tradução, mas alterna mais entre o uso do mouse e do cursor e apresenta mais recursão do que S02. Além disso, S04 apresenta uma fase de revisão bastante longa, como veremos na seção 3.3. Esses dados indicam que S04 prefere monitorar o texto completo já na fase de revisão, depois de terminada a tradução. Os informantes S01 e S05 apresentam processos de tradução bastante recursivos. Ambos demonstram preocupação em manter os laços coesivos entres as partes do texto durante todo o processo de tradução. Eles costumam retomar trechos já traduzidos no intuito de manter o texto coeso, evitando repetições e estabelecendo relações entre as diferentes partes. Ao contrário de S01, que não consegue manter esse padrão de comportamento na tradução de T01, o informante S05 apresenta um processo bastante recursivo mesmo na tradução realizada sob pressão de tempo. S05 é o único informante que aumenta a recursividade com o efeito da pressão de tempo;

120 ainda assim, realiza mais modificações no TC durante a tradução de T02. No entanto, como veremos mais adiante, nem sempre maior recursividade resulta em um texto mais durável. Como podemos observar a partir dos dados discutidos acima, a recursividade está bastante relacionada à revisão como um todo. Tradutores com processos mais recursivos, no geral, realizam mais modificações no texto de chegada e a fase de revisão em si, que será discutida mais adiante, é uma fase em que a recursividade aumenta consideravelmente. Buchweitz & Alves (no prelo) apontam que a recursividade pode ser um indício de durabilidade textual. No entanto, esses dados processuais devem ser analisados em relação aos dados do produto, pois, como aponta Lorenzo (2002), há muitos casos de revisão que não resultam, necessariamente, em um aprimoramento do texto de chegada. Como apontam os relatos retrospectivos tratados nessa seção, a maior parte dos informantes não apresenta uma fundamentação teórica com a qual justifiquem suas tomadas de decisão, que, muitas vezes, se baseiam em escolhas intuitivas. Na próxima seção, relaciono a recursividade com a segmentação no processo de tradução e o efeito da pressão de tempo.

3.2.2 Segmentação Assim como a recursividade, a segmentação também está relacionada ao ritmo cognitivo do tradutor. Segmentos mais longos indicam que o tradutor direcionou o foco de usa atenção para um trecho maior do texto, enquanto segmentos mais curtos indicam que a atenção do tradutor esteve voltada para aspectos micro-linguísticos do texto.

121 Nesta seção, foi calculado o tamanho médio dos segmentos de cada informante para a tradução dos textos T01 e T02. Foram considerados todos os segmentos do texto de chegada que ocorrem entre pausas de 5 segundos e o tamanho do segmento foi calculado em caracteres (conferir capítulo 2). O número de segmentos em T02 é maior do que em T01 porque este último não foi traduzido até o final por nenhum dos informantes. Sendo assim, era esperado que a quantidade de segmentos em T02 fosse maior. Os dados da tabela 10 apontam que o tamanho médio dos segmentos é um pouco menor em T02 do que em T01, se considerarmos a média de todos os informantes. No entanto, a variação é muito pequena e os dados não apontam nenhuma tendência específica quanto ao efeito da pressão de tempo no tamanho dos segmentos, já que S01, S04 e S05 segmentam o texto em UTs menores na tradução de T02, ou seja, sem pressão de tempo, enquanto S02 e S03 segmentam o texto em UTs maiores na tradução de T02. Tabela 10: Segmentação nas fases de redação de T01 e T02 Número de Tamanho Médio Segmentos do Segmento T01 S01 S02 S03 S04 S05 Média

58 95 76 64 51 68,8

T02 133 132 128 154 82 125,8

T01 45,1 18,5 38 27,2 75,5 40,9

T02 41,4 22,5 50,8 21,4 54,3 38,1

Segmentação em UTs menores são indícios de que o tradutor focalizou sua atenção em um ponto especifico do texto, demonstrando uma preocupação com aspectos mais localizados, em que as diferentes partes do texto são traduzidas isoladamente sem interação ou com pouca interação entre si. No entanto, como

122 apontam Buchweitz e Alves (no prelo), a segmentação em UTs menores, em alguns casos, se dá devido a um aumento na recursividade e nas pausas de reflexão, que indicam mais revisão e também uma tentativa de trabalhar o texto em um nível mais amplo e contextualizado. Sendo assim, o fato de a média do tamanho médio do segmento ser um pouco menor em T02 não significa que os informantes focalizaram sua atenção em aspectos mais específicos e localizados do texto, já que, como foi discutido na seção anterior (3.2.1), a recursividade foi consideravelmente maior na tradução sem pressão de tempo. Como a variação no tamanho médio do segmento foi bem pequena, de menos de quatro caracteres, e o aumento na recursividade se mostrou mais significativo, podemos concluir que, apesar de segmentarem o texto, em média, em UTs menores na tradução sem pressão de tempo, isso não significa que os informantes focalizaram sua atenção em pontos específicos e isolados do texto, já que a recursividade do processo aumentou. Provavelmente, a segmentação do texto em UTs menores em T02 se deu devido a um aumento nas pausas de reflexão e pausas para consulta. Considerando-se o perfil de cada informante isoladamente, o tamanho médio do segmento dos informantes S03, S04 e S05 sofrem uma variação significativa de um texto para o outro, enquanto o tamanho médio dos segmentos de S01 e S02 varia muito pouco. O tamanho médio do segmento aumenta com a pressão de tempo no caso dos informantes S04 e S05 e diminui no caso de S03. O que explica os segmentos maiores na tradução do texto sem pressão de tempo de S03 é o aumento do uso do cursor sem interrupções para pausas, como no segmento especialmente longo demonstrado no exemplo 61.

123 Exemplo 61 (S03/T02): [ :01.04.71]

também

Em T02, S03 apresenta vários segmentos como o do exemplo 61, em que faz uso do cursor para localizar algum ponto específico no texto ou simplesmente "passar o olho" para rever trechos já traduzidos. Como esses segmentos são bastante longos, por não serem interrompidos por pausas de reflexão, eles aumentam o tamanho médio da UT de S03 em T02. Com a pressão de tempo, S03 não revê os trechos traduzidos nem "passeia" pelo texto com tanta freqüência como em T02 e, por isso, não há ocorrência de tantos segmentos especialmente longos como o do exemplo 61. Como vimos, S05 representa uma exceção e apresenta mais recursividade na tradução de T01 do que de T02. Portanto, o mesmo motivo apontado para o aumento do tamanho do segmento de S03 pode se aplicar a S05, com a diferença de que este último apresenta segmentos maiores em T01 e não em T02. S05 apresenta alguns trechos especialmente longos em T01, devido ao uso do cursor para localizar algum ponto específico do texto, em que o cursor é utilizado sem interrupção para pausas de reflexão, como no exemplo 62. Exemplo 62 (S05/T01): A princípio, ⌦⌦⌦⌦⌦por fim

⌦⌦⌦⌦⌦ ⌫

S04 apresenta um processo menos recursivo do que os informantes mencionados acima e o aumento do tamanho médio dos segmentos em T01 parece ter sido motivado pela tentativa do informante de produzir mais rápido e tentar finalizar a tradução de T01 dentro do limite de tempo estabelecido. Os segmentos de S04 contém

124 mais teclas de produção do que de recursão (exemplo 63) tanto em T01 quanto em T02, mas em T01 os segmentos são maiores. Exemplo 63 (S04/T01): O presidente da comunidade judia de Berlim ⌫, Albert Meyer, h⌫ [ :59.07]havia convidado os controversos colecionadores de arte

S01 e S02 não apresentam variação muito significativa no tamanho médio do segmento entre T01 e T02 (máximo de 4 caracteres). Enquanto S01 trabalha com segmentos um pouco maiores quando está sob pressão de tempo, S02 sofre o efeito inverso - seus segmentos são um pouco menores quando traduz sob pressão de tempo. No entanto, a pressão de tempo não parece ter tido efeito significativo no processo de tradução desses dois informantes com relação à segmentação. Como vimos, os dados sobre segmentação não mostraram nenhuma tendência específica relacionada ao efeito da pressão de tempo. Ao mesmo tempo em que alguns informantes tendem a segmentar o texto em UTs menores com a pressão de tempo (S02 e S03), outros tendem a segmentar o texto em UTs maiores traduzindo nessa mesma condição (S01, S04 e S05). Por outro lado, as características de segmentação e recursividade são bastante diversificadas se compararmos os informantes entre si. Mesmo com a pressão de tempo, cada informante mantêm um padrão processual idiossincrático que o distingue dos demais, como já apontaram Séguinot (2000), Hansen (2002) e Alves (2005a). Alguns informantes trabalham com segmentos menores, enquanto outros segmentam o texto em UTs maiores. Os informantes S02 e S04 apresentam segmentos menores e, ao mesmo tempo, menos recursividade do que os outros informantes. S02, em especial, trabalha com segmentos bastante curtos e muito pouca recursividade, como pode ser observado no exemplo 64.

125 Exemplo 64 (S02/T02): sobre a exposição planejada da Flick Co⌫⌫collection"[ ]"[ ] [ ]⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫[ ]planejada [ ] em Berlim

Os segmentos de S04 são um pouco maiores do que os segmentos de S02. Já os informantes S01, S03 e, principalmente, S05 trabalham com segmentos bastante longos e muita recursão. Parece haver relação entre a recursividade e o tamanho dos segmentos. No presente trabalho, os mesmos informantes que mostram maior recursividade, segmentam o texto em UTs maiores do que os informantes que têm o processo menos recursivo. Como já foi apontado anteriormente, processos mais recursivos e segmentos maiores podem ser indícios de que o tradutor tem sua atenção voltada para aspectos macro-linguísticos de caráter contextual, preocupando-se em estabelecer ligação entre as diferentes partes do texto, enquanto processos menos recursivos e segmentos menores podem indicar que o tradutor tem sua atenção focalizada em aspectos microlinguísticos. Maior recursividade e segmentos maiores podem estar relacionados com maior durabilidade textual, ou seja, produção de textos mais adequados às especificidades da tarefa de tradução, do texto de partida e aos padrões da língua de chegada. Essas características do processo de tradução serão relacionadas aos dados do produto final no capítulo 5, em que será discutida a questão da durabilidade no desempenho dos informantes. Na seção seguinte, serão considerados os aspectos de recursividade do processo de tradução assim como as modificações efetuadas nos textos de chegada durante a fase de revisão de T02.

126 3.3 A Fase de Revisão Como o texto T01 não foi traduzido até o final por nenhum dos informantes, ele não apresenta fase de revisão. A fase de revisão será discutida apenas para o texto T02, levando-se em consideração as características próprias dessa fase em comparação com a fase de redação, e as características individuais de cada informante. A fase de revisão pode ser identificada por algumas particularidades: a proporção de produção textual diminui consideravelmente, enquanto a recursividade aumenta, em relação à fase de redação (JAKOBSEN, 2002). Esse fenômeno também foi observado nos dados do presente trabalho, como pode ser observado na tabela 11 (para fins de comparação, reproduzo aqui a tabela 8 da seção 3.2.1). Tabela 11: Produção e recursividade na fase de redação de T02 Produção Recursividade 56,10% 43,90% S01 82,90% 17,10% S02 52,10% 47,90% S03 75,90% 24,10% S04 59,60% 40,40% S05 Média 65,30% 34,70%

Tabela 8: Produção e recursividade na fase de revisão de T02 Produção Recursividade 9,60% 90,40% S01 72,40% 27,60% S02 2,30% 97,70% S03 33,60% 66,40% S04 7,00% 93,00% S05 Média 25,00% 75,00% Comparando as tabelas 11 e 8, podemos perceber que houve aumento no uso das teclas que indicam recursividade (movimentos de cursor, cliques de mouse e teclas de eliminação) e diminuição da produção textual na fase de revisão.

127 Proporcionalmente, há mais recursividade do que produção textual durante essa fase, o que corrobora Jakobsen (2002). S02 configura uma exceção, pois apresenta, proporcionalmente, mais produção textual do que recursividade na fase de revisão. Isso pode ser explicado pelo fato de S02 ter um processo pouco recursivo, se comparado aos outros informantes. Esse informante também não apresenta uma fase de revisão muito dissociada da fase de redação, como veremos mais adiante, e, por isso, suas características processuais não diferem muito nas fases de redação e revisão. Como já foi mencionado na seção 3.1, no geral, a fase de revisão em T02 é apenas um pouco mais longa do que a fase de orientação (de 47 segundos a 93 segundos a mais). S05 despende 33 segundos a menos na fase de revisão do que na fase de orientação e S04 é o único informante que tem a fase de revisão bem mais longa do que a fase de orientação (522 segundos a mais). S01, S02 e S05 têm uma fase de revisão bastante curta e não realizam muitas alterações no texto final. As alterações que esses informantes fazem são relativas a pontuação, correções ortográficas, regência, tempo e modo verbal e escolhas lexicais. S03 e S04 têm fases de revisão mais longas e realizam mais alterações no texto final do que os outros informantes durante essa fase. Algumas dessas alterações estão relacionadas à organização temática do texto, foco desta dissertação no que diz respeito à analise discursiva. A fase de revisão de cada um dos informantes será discutida mais detalhadamente a seguir. Primeiramente abordarei as fases de revisão dos informantes S01, S02 e S05, que apresentam uma fase de revisão mais curta, e depois abordarei as fases de revisão dos informantes S03 e S04, que são mais longas e apresentam uma quantidade maior de modificações.

128 A fase de revisão de S01 apresenta bastante recursão. De acordo com o protocolo linear do Translog (exemplo 65), ele movimenta o TP na tela uma vez, indicando que consulta o texto de partida pelo menos uma vez durante essa fase. Exemplo 65 - Fase de revisão de (S01/T02): (6:49min./409seg-8,48%): l a ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫du⌫iscussão V⌫vêm

⌫⌫⌫⌫⌫⌫trazendo ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌦preci

samnete

⌫ n[ :51.68]

⌫⌫⌫sob a forma de

⌫ ⌫a

⌫d [ST ][ST ][ST ][ST ][ST ][ST ][ST ][ST ] [ST ] [ ]⌫⌫⌫o chanceler

ti

S01 realiza poucas alterações no TC durante a fase de revisão. Essas alterações estão listadas na tabela 12. Tabela 12: Alterações na fase de revisão de S01 Trecho do TC ao final da Fase de Redação 1- A controvérsia 2- ... causam desde ontem irritação. 3- ..., a saber, na rua Invalidenstrasse 4- ... gasta milhões para recebê-la como empréstimo. 5- a recusa de Flick em participar com uma contribuição do fundo para as vítimas ... 6- Sob tais circunstâncias, ele visitará... 7- vímas 8- trablhos 9- trabahos

Trecho do TC ao final da Fase de Revisão A discussão ... vêm trazendo desde ontem irritação ..., precisamente na rua Invalidenstrasse ... gasta milhões para recebê-la sob a forma de empréstimo. a recusa de Flick em participar com uma contribuição ao fundo para as vítimas ... Sob tais circunstâncias, o chanceler visitará... vítimas trabalhos trabalhos

S01 faz três correções ortográficas (exemplos 7, 8 e 9), cinco alterações relacionadas a escolha lexical (exemplos 1, 2, 3, 4 e 5) e troca o Referente ele pelo termo chanceler, explicitando o Participante que exerce a função de Sujeito em uma da orações, ao invés de usar o pronome pessoal como Referente (exemplo 6). Como podemos ver, S01 faz duas alterações que estão relacionadas a aspectos coesivos do

129 texto (exemplos 1 e 6) e algumas alterações isoladas, que não apresentam modificações substanciais no texto final durante a fase de revisão. Como mostraremos no capítulo 4, S01 apresenta uma tendência de reforçar os laços coesivos no texto de chegada, como no exemplo 6 da tabela 12, mas durante a fase de revisão, propriamente, poucas modificações dessa ordem são realizadas. S02 tem uma fase de revisão bastante reduzida. Na verdade, este informante não apresenta uma fase de revisão muito dissociada da fase de redação. Ele revisa principalmente a última parte do texto de chegada, realizando o que Jakobsen chama de revisão online (conferir capítulo 1) do último trecho, e não uma fase de revisão à parte. Essa constatação está de acordo com o que foi dito sobre a revisão realizada por esse informante durante a fase de redação: ele revê o trecho imediatamente após sua tradução e não costuma voltar a ele posteriormente. Dessa forma, o processo de S02 apresenta também menos recursividade do que o processo de tradução dos outros informantes. As revisões realizadas por S02 são mais localizadas durante todo o processo de tradução, e não somente na fase de revisão. Como já foi mencionado, S02 faz mais uso do mouse do que do cursor para se movimentar no texto. Ele movimenta o TP na tela duas vezes durante a fase de revisão, indicando que ele consulta o texto de partida pelo menos duas vezes, uma delas ao final da tradução, provavelmente para conferir as alterações que foram feitas, como pode ser observado no exemplo 66. Exemplo 66 - Fase de revisão de (S02/T02): (5:05min./305seg-7,72%): [ ]que trabalharam ⌫ de forma forçada [ ]⌫[ ][ ]no regime nazista [ ST ][ST ][ST ] " [ ], [ ],[ ], [ ]⌦⌫ [ ]de ⌫ [ ][ ][ ]em[ :55.04][ ]⌦⌫ão [ ],[ ], [ST ][ST ][ST ][S T ][ST ][ST ][ST ][ST ] [End]

S02 realiza poucas alterações no TC durante a fase de revisão. Mesmo após a revisão, algumas incorreções ortográficas permanecem no texto, já que ele não retoma

130 trechos anteriores. Essas incorreções serão discutidas no capítulo 5 sobre durabilidade textual. As alterações realizadas por S02 no TC estão listadas na tabela 13. Tabela 13: Alterações na fase de revisão de S02 Trecho do TC ao final da Fase de Redação 1- na rua do Inválidos em Berlim, 2- fizeram um nome com 3- Também dessa vez 4- a recusa de Flick de participar de com uma quantia do Fundo para os Trabalhadores Forçados

Trecho do TC ao final da Fase de Revisão na rua do Inválidos, em Berlim, fizeram nome com Também, dessa vez, a recusa de Flick em participar de com uma quantia ao Fundo para os Trabalhadores Forçados

5- que, no entanto, poderiam ir. 6- Stih e Schnock exigem "entrada livre para todos, trabalhadores e trabalhadoras forçados daquela época.

que, no entanto, poderão ir. Stih e Schnock exigem "entrada livre para todos, trabalhadores e trabalhadoras que trabalharam de forma forçada no regime nazista"

Além das correções realizadas no último trecho do TC (exemplo 6), S02 volta ao texto para fazer algumas alterações na pontuação (exemplos 1 e 3), de regência (exemplo 4), de tempo verbal (exemplo 5) e retira o artigo da expressão fazer nome (exemplo 2). Assim como a maior parte das alterações realizadas por S01, as modificações que S02 efetua em seu texto de chegada durante a fase de revisão não afetam a organização temática ou aspectos de coesão do texto final. A fase de revisão de S05 é bastante curta, a menor entre todos os informantes, e ele faz apenas três alterações no texto final durante essa fase, conforme mostra o exemplo 67. Todas as alterações acontecem no último parágrafo do texto, o que indica que, assim como S02, este informante não apresenta uma fase de revisão bem dissociada da fase de redação. A fase de revisão parece configurar apenas uma revisão online do último trecho, pois S05 não retoma os trechos que já haviam sido revisados durante a fase de redação.

131 Exemplo 67 - Fase de revisão de (S05/T02): (3:08min./188seg-5,72%): ⌦a

⌦⌦⌦⌦⌦⌦ que ele ⌦o ] [ ][ ]

⌦⌦⌦⌦é ⌦⌦⌦e [ ]⌦o e⌦

⌦í ⌦o ⌦o [ ]à [

[End]

S05 também deixa uma incorreção no início do texto, já que não revê todo o texto de chegada. No entanto, ao contrário de S02, S05 tem um processo de tradução bastante recursivo. As alterações realizadas por S05 no TC estão listadas na tabela 14. Tabela 14: Alterações na fase de revisão de S05 Trecho do TC ao final da Fase de Redação 1- Ao fazê-lo, ele possivelmente passará por ... 2- ... tivessem que ser retirados a força 3- entrada gratuita para todos as antigas trabalhadoras forçadas

Trecho do TC ao final da Fase de Revisão Ao fazê-lo, é possível que ele passe por ... ... tivessem que ser retirados à força entrada gratuita para todos os antigos trabalhadores forçados

O informante S05 realiza poucas alterações e todas ocorrem no último parágrafo do TC. Ele faz uma alteração de modo verbal (exemplo 1), uso de crase (exemplo 2) e, no exemplo 3, o informante percebe o trocadilho no texto de partida, como mostra o relato 16, mas não encontra uma forma criativa na língua de chegada para reproduzi-lo. O informante resolve deixar a tradução de ZwangsarbeiterInnen no masculino em português, já que, nessa língua, quando nos referimos a pessoas do gênero masculino e feminino ao mesmo tempo, tende-se a usar o gênero gramatical masculino como genérico. Relato 16 (S05/T02): I. - Depois que eu vi que era.. que não era exatamente só Zwangsarbeiter, é ZwangsarbeiterInnen, com uma ênfase no I aí. A princípio, pensei que fosse simplesmente o feminino, mas, não é, né? É como se fosse um trocadilho com a idéia de entrar, ou coisas que estão dentro. Porque os trabalhadores vão poder entrar de graça. (...) Pois é, mas, a princípio, eu traduzi como feminino, assim que eu percebi isso. Mas depois, chegando à conclusão de que seria um trocadilho, eu resolvi trocar para o masculino mesmo. Porque, já que só estava no feminino por causa do trocadilho, não teria sentido ficar no feminino sem trocadilho em português. (...) não consegui enxergar nenhuma maneira de reproduzir o trocadilho. Depois que eu já tinha acabado eu até pensei na possibilidade de, talvez, explicar assim que eles tinham feito um trocadilho, mas aí ficaria uma explicação muito longa e talvez muito sofisticada também para um leitor de uma notícia de jornal.

132 O informante S03 tem uma fase de revisão bastante longa com muita recursividade (conferir anexo 6 para a fase de revisão de S03). Esse informante realiza muita revisão online (como foi mencionado anteriormente), mas na fase de revisão em si, apresenta pouca produção e modificação em relação ao percentual de recursão. Pelos movimentos de cursor, podemos perceber que S03 relê seu próprio texto três vezes ao longo da fase de revisão e volta ao texto de partida pelo menos duas vezes. Apesar de realizar relativamente pouca produção, S03 realiza mais alterações no TC do que a maioria dos informantes. Algumas de suas alterações evidenciam escolhas temáticas diferentes no texto final. As alterações realizadas por S03 no TC estão listadas na tabela 15. Tabela 15: Alterações na fase de revisão de S03 Trecho do TC ao final da Fase de Redação 1- controvérsia acerca da exposição da "Flick Collection" 2- mostra do herdeiro, artistas procuram desde ontem causar provocação. 3- Desde a tarde de sexta-feira encontram-se pendurados na Invalidenstrasse, em frente à estação Hamburger Bahnhof, bem como na estação Lehrter Bahnhof, em Berlim, outdoors (...)

Trecho do TC ao final da Fase de Revisão controvérsia acerca da "Flick Collection" mostra do herdeiro de milhões, artistas buscam, desde ontem, causar provocação. Desde a tarde de sexta-feira, encontram-se pendurados em frente à estação Hamburger Bahnhof, e também na estação Lehrter Bahnhof, em Berlim, outdoors (...)

4- E mais uma vez a sala de exposições foi escolhida com cautela, 5- a "Flick Collection", a coleção particular de Friedrich Carl Flick, 6- A (...) intervenção (...) apanha dois aspectos do debate: 7- e depois o fato de ele ser um dos "refugiados do impostos" 8- tal atitude deve ser 'socilamente banido'", reclama Stih. 9- No entanto, Schröder irá abrir a exposição.

E mais uma vez, a sala de exposições foi escolhida com muita cautela, a "Flick Collection", coleção particular de Friedrich Carl Flick, A (...) intervenção (...) agarra dois pontos do debate: e depois, o fato de ele ser um dos "refugiados dos impostos" tal atitude deve ser 'socilamente banida'", protesta Stih. No entanto, Schröder é quem irá abrir a exposição. 10- que na verdade naõ foram convidados que de fato naõ foram convidados 11- "O bicho ia pegar se a polícia tivesse que "O negócio ia ficar quente, se a polícia tivesse tirar os trabalhadores forçados do caminho, para que tirar os trabalhadores do caminho, para dar dar passagem ao chanceler passagem ao chanceler 12- Stih e Schnock fazem uma exigência:

os artistas fazem uma exigência:

133 Além de alterações relacionadas a correções de concordância (exemplos 7 e 8), pontuação (exemplos 3 e 7), remoção ou acréscimo de algum termo ou artigo (exemplos 1, 2, 3, 4 e 5) escolhas lexicais (exemplos 6 e 10), o informante também realiza algumas modificações relacionadas ao registro do texto (exemplo 11) e aspectos coesivos (exemplo 12). No exemplo 9 da tabela, S03 faz uma alteração na estrutura temática da oração. Primeiramente, ele havia tematizado o Participante Schröder como Ator de um Processo Material (abrir). Durante a fase de revisão, o informante estabelece uma relação de identificação entre Schröder e quem irá abrir a exposição. Dessa forma, ele faz uso de um Tema Predicado (THOMPSON, 2002), em que o foco da mensagem recai sobre o elemento que ocorre em posição inicial, ou seja, o Tema. O próprio informante comenta que sentiu necessidade de dar uma "ênfase" nessa parte, como mostra o relato 17. Relato 17 (S03/T02):

I. - É, ele mesmo, alguma coisa assim, aí depois eu mudei. Porque assim eu achei tipo muito seco, né, no entanto Schröder irá abrir a exposição, tipo assim, não tem muita ênfase assim, é. Pelo fato de ela reclamar, né. Aí não tem tanto impacto. Mas assim eu acho que ficou até bem literal.

O informante S03 tem uma fase de revisão bastante longa, na qual relê várias vezes seu texto de chegada e efetua algumas modificações que, ao contrário das que foram realizadas pelos informantes S02 e S05, apresentam mudanças em algumas escolhas relacionadas à estrutura temática e aspectos coesivos do texto. Por outro lado, assim como os outros informantes, S03 também não revisa o texto de chegada o suficiente para detectar incorreções na sua versão final. S04 apresenta a fase de revisão mais longa de todos os informantes (exemplo 68). Assim como S02, S04 faz muito uso do mouse; no entanto, este informante apresenta um processo de tradução mais recursivo e realiza mais modificações e correções em seu texto de chegada do que o informante S02. Ao assistir o protocolo

134 linear de S04, podemos perceber que esse informante revê todo o texto uma vez na fase de revisão e volta ao TP pelo menos uma vez. Exemplo 68 - Fase de revisão de (S04/T02): (13:59min./839seg-12,50%): [ST ] [ST ][ST ][ST ][ ] ⌫ s[ :55.18][ ]⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫causada. [ ]⌫ E[ :01.14.91][ ] ⌫ [ ]⌫m⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫fizr⌫eram[ ] ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫são conhecidos [ ]⌫⌫⌫⌫por fazerem [ ]⌫⌫[ ]⌫o a ⌫⌫⌫⌫⌫a ação [ ]⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫ ⌫O [ ]⌫⌫ [ST ][ST ][ST ][ST ][ST ] [ ]⌫ô [ ]⌫é [ ]⌫⌫⌫⌫⌫qualquer coisa que[ ]⌫e [ ]'[ ] [ ] [ ].[ST ][ST ][ST ][ST ][ST ][ST ][ ST ][ST ][ST ][ST ][ST ] [ ]⌫ [ ]⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫ ⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫ ⌫⌫ [ ] ⌫⌫⌫⌫⌫⌫[ :01.01.01][ ]⌫[ ] estar [ ]⌫⌫⌫⌫⌫ivessem [ ]⌫ [ ]⌫⌫⌫⌫⌫⌫ ⌫deter [ ]⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫⌫aconteça[ ]t [ :52.16][ ]a [End]

As alterações realizadas por S04 no TC estão listadas na tabela16. Tabela 16: Alterações na fase de revisão de S04 Trecho do TC ao final da Fase de Redação 1- oa vítimas dos trabalhos forçados 2- Renata Stih e Frieder Schnock, que construíram um nome com "Arte em espaço público".

Trecho do TC ao final da Fase de Revisão as vítimas dos trabalhos forçados Renata Stih e Frieder Schnock, que são conhecidos por fazerem"Arte em espaço público".

3- Também dessa vez o "espaço da ato" foi escolhido com cuidado, 4- dispôs 5- empréstimo 6- ... enquanto os berlinenses parecem querer “agarrar o que brilha”, ... 7- Nova sociedade para as artes plásticas’ 8- ... o domicílio para o exterior 9- “O chanceler Schröder referiu-se a isso no j”Bild am Sontag”, como uma conduta... 10- ... ele poderia passar pela situação de passar ao lado ... 11- ... que embora sem terem sido convidadas para a abertura , mesmo assim tenham vindo. 12- prender 13- A fim de que isso não chegue a esse ponto, ...

O "espaço da ação" foi escolhido com cuidado, dispôs empréstimo ... enquanto os berlinenses parecem querer “agarrar qualquer coisa que brilhe”, ... ‘Nova sociedade para as artes plásticas’ ... o domicílio para o exterior. “O chanceler Schröder referiu-se a isso como uma conduta... ... ele poderia passar pela situação de estar ao lado ... ... que embora sem terem sido convidadas para a abertura , mesmo assim tivessem vindo. deter A fim de que isso não aconteça, ...

Durante a fase de revisão, S04 realiza algumas modificações relativas a correções ortográficas (exemplo 1), acentuação (exemplos 4 e 5), pontuação (exemplos 7 e 8), escolhas lexicais e de expressões específicas (exemplos 2, 3, 10, 12, 13), remoção de um termo (exempo 9), estrutura (exemplo 6) e tempo e modo verbais (exemplo 11). No exemplo 3, S04 opta por remover a Circunstância da posição

135 temática e deixar o Sujeito em primeira posição. Como veremos no capítulo 4, há uma tendência dos informantes em deslocar o Sujeito para a posição temática. A fase de revisão é uma fase de muita recursividade e pouca produção textual. Apesar de apresentar muita recursividade, nem sempre a fase de revisão resulta em muitas modificações no texto de chegada. Durante essa fase, a maioria dos informantes relê o texto traduzido, e realiza algumas modificações relativas, em grande parte, a correções ortográficas, pontuação e escolhas lexicais. São poucas as modificações que resultam em mudanças na estrutura temática e/ou coesiva do texto de chegada. Alves (2005a) aponta que tradutores expertos apresentam uma fase de revisão diferenciada da fase de redação, em que os tradutores apresentam um processo mais semelhante ao de produção textual na língua materna. Os informantes do presente trabalho não parecem ter uma fase de revisão muito dissociada da fase de redação, já que todos voltam ao TP para conferir aspectos relativos à tradução e, em alguns casos (S02 e S05), eles nem mesmo revisam o texto completo, mas apenas o trecho final, como se a fase de revisão fosse ainda uma espécie de revisão online - característica do perfil de tradutores novatos. Em termos de modificações no texto final, a fase de revisão não parece ser muito significativa, principalmente para os informantes S02 e S05. A maior parte das revisões e correções parece ser realizada durante a fase de redação, já que todos realizam bastante revisão online na tradução de T02. Mesmo os textos de chegada dos informantes S03 e S04, que apresentam uma fase de revisão maior e com mais alterações do que os outros informantes, apresentam algumas incorreções.

136 No próximo capítulo, os textos de partida e de chegada serão analisados em relação à organização temática e a aspectos coesivos, para que possam ser relacionados com as características processuais dos informantes e apontar dados que dizem respeito à durabilidade textual. As pausas são interessantes quando analisadas em relação aos problemas de tradução, e foram utilizadas para identificar os trechos do texto de partida que causaram problemas na retextualização para o português.

137 Capítulo 4: Apresentação e Análise dos Dados do Produto Final

O presente capítulo foi dividido em duas seções: seção 4.1, na qual é feita a análise dos dois textos de partida (T01 e T02) e seção 4.2, na qual os textos de chegada dos informantes são analisados e relacionados aos seus respectivos textos de partida. Primeiramente os textos são analisados com relação ao fluxo de informação a partir da progressão temática e o percurso do Sujeito Interpessoal. Em uma segunda etapa, são levados em consideração os tipos de Tema que ocorrem com mais freqüência em cada um dos textos.

4.1 Os Textos de Partida Progressão Temática Antes de procedermos à análise dos textos de chegada, é necessário analisarmos as características do texto de partida em relação à sua organização e progressão temática, foco da análise discursiva desta dissertação, para que possamos analisar as escolhas de retextualização feitas pelos informantes em relação ao texto de partida. Como vimos na metodologia (capítulo 2), os artigos jornalísticos utilizados como textos de partida para o experimento apresentam, ambos, um lead. Para analisar a progressão temática dos textos de partida, vou considerar apenas o título e o lead de cada um dos textos, já que o padrão que ocorre nesse trecho se repete no restante do texto. Analisando a progressão temática no título e no lead de cada um dos textos, podemos ter uma mostra de como a progressão temática se dá no texto completo.

138 No trecho do texto de partida T01 apresentado no exemplo 69, o Participante Flick aparece como Tema no título e na primeira oração. Na segunda oração, o Rema da oração anterior é retomado como Tema através do termo Projekt (coesão lexical), configurando uma progressão temática linear (KOCH, 2003) ou padrão zigue-zague, de acordo com a terminologia de Eggins (1994). Na terceira oração ocorre um Tema Oracional, estabelecendo um enquadre temporal para o trecho seguinte do texto. Nas quarta e quinta orações, o Participante Flick é novamente retomado como Tema, sendo que na última oração, ele pode ser recuperado através da Elipse. Exemplo 69: Texto de partida T01 Título: Flick verzichtet auf Teilnahme an Synagogenfeier

Lead:

Friedrich Christian Flick will demnächst in Berlin seine große Kunstausstellung eröffnen, doch das Projekt ist durch die NS-Vergangenheit der Familie stark umstritten. Als man den Sammler zur 100-Jahres-Feier einer Berliner Synagoge einlud, hagelte es Proteste. Flick reagierte - und ∅ sagte ab.

T01 tem como Tema principal o Participante/Sujeito Flick. Todo o texto gira em torno desse Participante: sua intenção de abrir uma exposição de arte em Berlim, o surgimento de protestos contra Flick devido a um convite para a festa de centenário de uma sinagoga, e a reação de Flick aos protestos, cancelando a participação na abertura da sinagoga. Observando todo o texto (anexo 4), podemos perceber que esse padrão se repete. Os Temas Circunstância e Oracional delimitam o enquadre temporal, espacial ou situacional em que o Participante Flick toma suas atitudes. Na maior parte dos casos em que uma Circunstância ocupa a posição temática, o Participante Flick ou algum elemento de Referência a ele ocorre como Sujeito em posição remática. Flick é retomado por coesão lexical por meio de termos como Enkel des Industriellen und NS-Kriegsverbrechers Friederich Flick (neto do industrial e criminoso de guerra

139 Friederich Flick), e Sammler (colecionador) e por coesão gramatical (Elipse). Vale ressaltar que, no alemão, como foi assinalado no capítulo 1, quando o Sujeito ocorre em posição remática, ele é sempre pós-posto ao Finito, já que apenas um termo da oração pode ocupar o Vorfeld (campo anterior) (WEINRICH, 1993). No total, metade dos Temas Participante é representada pelo Participante Flick, que exerce também a função de Sujeito da oração. Em grande parte das orações em que o Participante Flick não ocorre em posição temática, ele ainda assim exerce a função de Sujeito da oração no Rema. No geral, termos como Kontroverse (controvérsia) e Kritik (crítica) aparecem como Circunstância ou em posição remática em T01 como nos exemplos 70 e 71. Exemplo 70:

Nach heftigen Protesten aus der jüdischen Gemeinschaft verzichtet Friedrich Christian Flick am Sonntag auf eine Teilnahme an der Feier zum 100-jährigen Bestehen der Synagoge in der Berliner Rykestraße.

Exemplo 71: Aller Kontroversen zum Trotz soll die hochkarätige Sammlung zeitgenössischer Kunst am 22. September in einer umgebauten Speditionshalle neben dem Museum Hamburger Bahnhof in Berlin eröffnet werden.

No texto de partida T02, representado no trecho do exemplo 72, podemos perceber já pelo título que o Participante Flick não configura o ponto de partida da mensagem. Termos relacionados às controvérsias e aos protestos contra a mostra de arte de Flick são os elementos que ocorrem com mais freqüência em posição temática. No lead há dois Temas Participante/Sujeito bastante longos e com vários atributos. Os dois termos que configuram o núcleo dos sintagmas nominais que ocupam a posição temática, e exercem a função de Sujeito, concomitantemente, são Kontroverse (controvérsia) e Plakate (cartazes) e estão relacionados aos protestos contra a mostra de arte de Flick, configurando uma progressão temática com um tema constante (KOCH, 2003) ou reiteração (EGGINS, 1994). Apesar de o Participante Flick ser

140 mencionado no Tema, ele não configura o núcleo dos sintagmas nominais que ocorrem em posição temática. Exemplo 72 - Texto de Partida T02 Título: Die Kunst, der Kanzler und die Zwangsarbeiter

Lead: Die Kontroverse um die geplante Ausstellung der "Flick Collection" in Berlin lässt auch die Künstlerszene der Hauptstadt nicht kalt. Ironisch-provokante Plakate gegen die umstrittene Kunst-Schau des Millionenerben sorgen seit gestern für Irritationen.

Em T02, de um total de sete Temas Participante/Sujeito, três estão relacionados à manifestação contra a exposição de Flick, enquanto os outros quatro ocorrem em locuções verbais. O Participante Flick não ocorre em posição temática, como em T01. Em T01, termos como Kritik (crítica), Proteste (protestos) e Kontroverse (controvérsias) ocorrem como Circunstância ou em posição remática, enquanto em T02 esses termos ocorrem como Sujeito da oração em posição temática. Em T02, o autor também dá voz aos organizadores da manifestação contra a exposição de Flick, ao incluir vários atos de fala da artista Renata Stih. O Tema Interpessoal e o Tema Participante/Atributo (semelhante a um Tema Comentário) dos exemplos 73 e 74, que têm a função de formular um julgamento ou opinião do falante, ocorrem, ambos, em citações da fala de Stih. Exemplo 73: "Sogar Kanzler Schröder hat in der 'Bild am Sonntag' dazu aufgerufen, so ein Verhalten 'gesellschaftlich zu ächten'", klagt Stih.

Exemplo 74: "Besonders pikant wäre es", sagt Stih, "wenn die Polizei dem Kanzler den Weg frei machen und ein paar Zwangsarbeiter wegtragen müsste."

No meu corpus de pesquisa, ocorre apenas um único Tema Interpessoal. O Tema Interpessoal pode estar relacionado à formulação de opinião, como é o caso do exemplo 73. O Adjunto Modal de Comentário (avaliação), que ocorre em posição temática, está relacionado ao julgamento do falante e sua escolha de tematizar o seu

141 próprio comentário ou opinião sobre um assunto. Como o Tema Interpessoal em T02 ocorre na citação da fala de uma outra pessoa, isso significa que o autor do texto não tematiza o seu próprio comentário, mas o de outrem. No exemplo 74, o Atributo ocorre em posição temática. O Sujeito, que ocorre em posição remática, é representado pelo pronome vazio es. De acordo com Teich, esse pronome do alemão não é referencial e não tem conteúdo Ideacional, assim como algumas ocorrências do pronome it no inglês (conferir capítulo 1). A proeminência parece recair sobre o Tema nesse caso. Essa estrutura se assemelha a um Tema Comentário (THOMPSON, 2002), em que a ordem não marcada seria es wäre besonders pikant... . Parece ter havido uma inversão para destacar o comentário do falante. Dessa forma, o exemplo 74 parece estar relacionado ao Tema Interpessoal, em que ocorre um julgamento por parte do falante e sua escolha de tematizar o seu próprio comentário ou opinião sobre um assunto. Assim como o exemplo 73, o exemplo74 não exprime o comentário do próprio autor do texto, mas o da artista Stih, cuja fala é citada pelo autor. Mesmo em outras locuções, a artista emite algum julgamento de valor em suas falas, como nos exemplos 75 e 76, em que os Participantes Zürich (Zurique), Berlin (Berlim) e Die Schweizer (os suiços) ocupam a posição temática. Renata Sith compara a atitude da população de Zurique e a atitude da população de Berlim com relação à exposição das obras de Flick e demonstra sua insatisfação com os berlinenses em comparação com os suíços. Exemplo 75:

"Zürich wollte die Sammlung nicht mal geschenkt haben, Berlin gibt Millionen aus, um sie als Leihgabe zu bekommen", sagt Renata Stih.

Exemplo 76: "Die Schweizer scheinen höhere moralische Standards zu haben, während die Berliner nach allem greifen was glänzt, egal woher es kommt."

142 Outra diferença entre a organização temática de T01 e T02 está na presença de Temas Processo neste último. Como veremos mais adiante, os Temas Processo em T02 também estão relacionados ao discurso direto. O Tema configura o ponto de partida da mensagem, que vai ser desenvolvido no Rema da oração (HALLIDAY, 1994 e HALLIDAY & MATHIESSEN, 2004). Sendo assim, em T01, o principal ponto de partida é o Participante Flick e os projetos relacionados a ele, e as Circunstâncias (local, tempo, adversidades) nas quais ele toma suas atitudes, enquanto em T02, o ponto de partida das mensagens são os protestos contra a exposição da "Flick Collection" e a opinião dos artistas que organizaram as manifestações. Apesar de ambos os textos (T01 e T02) tratarem de um assunto semelhante, eles o fazem sob perspectivas diferentes. Enquanto T01 tem como Tema principal o Participante Flick e seus projetos, T02 tem como Tema principal manifestações de repúdio aos projetos de Flick. Essas diferenças entre os dois textos são percebidas pelo informante S01, que faz um comentário a respeito desses aspectos no relato 18. Relato 18 (S01/T02):

I. - É, isso mesmo. Na verdade, do primeiro texto [T01] ele não pareceu um vilão, e nesse mais. No primeiro texto eu falei, gente, coitado do Flick, ele está sendo... P. - injustiçado. Mas eu achei o primeiro texto menos agressivo, assim, menos, ele atacou menos o Flick mesmo, do que esse aí. Esse aí ele já fala mais de nazismo, de.. Acho que no alemão mesmo já tá mais desse jeito. I. - Sim. É, eu acho que é isso.

Os outros informantes, mesmo que tenham percebido essas diferenças, não fazem nenhum comentário a respeito delas nos relatos retrospectivos. Os Tipos de Tema Como foi discutido no capítulo 1, ao contrário do inglês e do português, no alemão, o Tema não inclui obrigatoriamente um elemento Ideacional (TEICH, 2003). Em cada um dos textos de partida houve um caso de Tema Textual Simples, que

143 contém apenas um elemento Textual em posição temática. Em T01 ocorreram quatro Temas Múltiplos, todos constituídos de um Tema Textual e um Tema Ideacional, enquanto em T02 ocorreram três Temas Múltiplos, dois deles constituídos de um Tema Textual e um Tema Ideacional e um deles constituído de um Tema Interpessoal e um Tema Ideacional (ver exemplo 73). Não houve nenhum caso de Tema Múltiplo Ideacional, possibilidade prevista para o alemão por Teich. A tabela 17 mostra a proporção de Temas Simples e Múltiplos nos textos de partida T01 e T02. Tabela 17: Temas Simples e Temas Múltiplos nos TPs Temas Temas Simples Múltiplos T01 T02

16 (80,0%) 14 (82,4%)

4 (20,0%) 3 (17,6%)

Conforme os dados da tabela 18, a proporção de Temas Ideacionais é semelhante nos dois TPs (em torno de 95%). O Tema Textual ocorre com freqüência em ambos os textos; já o Tema Interpessoal é pouco freqüente e ocorre apenas uma vez em T02 (exemplo 73). T01 não contém Tema Interpessoal. Tabela 18: Tipos de Tema segundo a Meta-Função nos TPs Tema Tema Tema Total Textual Interpessoal Ideacional T01 T02

5 (25,0%) 3 (17,6%)

0 (0,0%) 1 (5,9%)

19 (95,0%) 16 (94,1%)

20 (100%) 17 (100%)

Como já foi mencionado, no alemão é possível a ausência de um elemento Ideacional no Tema, como nos exemplos 77 e 78, em que a posição temática é ocupada apenas por um elemento Textual. Exemplo 77 (T01): So hatte aus Protest gegen die Einladung Flicks, der zunächst zugesagt hatte, die Witwe des 1992 verstorbenen Vorsitzenden des Zentralrats, Heinz Galinski, ihre Teilnahme ausgeschlossen, wie die Zeitung heute berichtet.

Exemplo 78 (T02): Dennoch wird Schröder die Ausstellung eröffnen.

144 Os Temas Textuais estabelecem relação lógica com a oração anterior construindo laços coesivos entre as partes do texto e contribuindo para a tessitura do mesmo. No exemplo 77, o elemento textual so estabelece uma relação de conclusão com a oração anterior, enquanto o elemento textual dennoch, no exemplo 78, estabelece uma relação adversativa com a oração anterior. No entanto, as relações lógicas entre as orações não são sempre evidenciadas por meio de marcas textuais, como podemos observar no exemplo 75, que já foi apresentado anteriormente. Exemplo 75 (T02): "Zürich wollte die Sammlung nicht mal geschenkt haben, Berlin gibt Millionen aus, um sie als Leihgabe zu bekommen", sagt Renata Stih.

No exemplo 75, há claramente uma relação de oposição entre as cidades de Zurique e Berlim - uma das cidades não aceitou expor as obras, enquanto a outra financiou a exposição - no entanto não há marcas textuais explícitas dessa relação de contraste entre as duas orações. Em muitos casos, os Temas Textuais configuram uma escolha do usuário da língua de reforçar os laços coesivos do texto por meio de marcas textuais explícitas. O exemplo 75 será retomado novamente mais adiante, na discussão dos textos de chegada, já que três informantes optaram por fazer uso de um elemento textual para estabelecer a relação de contraste nesse trecho em sua retextualização para o português. Nos exemplos 77 e 78, o Sujeito da oração teve que ser obrigatoriamente deslocado para a posição posterior ao Finito (Mittelfeld), devido à obrigatoriedade de o Finito ocupar a segunda posição nessas orações. Como foi discutido no capítulo 1, no alemão, em orações declarativas independentes, o Finito ocupa necessariamente a segunda posição (TEICH, 2003:118); no entanto, Teich aponta algumas exceções a essa regra. Há casos em que uma oração independente é iniciada por um elemento

145 Conjuntivo (Adjunto Conjuntivo ou Conjunção) e outro elemento funcional co-ocorre com o elemento textual no Vorfeld (campo anterior), como nos exemplos 79-81. Exemplo 79 (T01):

Friedrich Christian Flick will demnächst in Berlin seine große Kunstausstellung eröffnen, doch das Projekt ist durch die NS-Vergangenheit der Familie stark umstritten.

Exemplo 80 (T01): Flick senior war als einer der führenden NSRüstungsindustriellen ein Förderer und Profiteur Adolf Hitlers und ∅ beutete in seinen Firmen Zehntausende Zwangsarbeiter aus.

Exemplo 81 (T02): Auch diesmal ist der "Veranstaltungsraum" mit Bedacht gewählt, denn am 21. September wird im Hamburger Bahnhof die "Flick-Collection" eröffnet, die private Kunstsammlung des in der Schweiz lebenden deutschen Millionenerben Friedrich Carl Flick, um die es schon im Vorfeld zu heftigen Kontroversen gekommen ist.

Os elementos Conjuntivos und, sondern, aber, denn e oder ocupam a posição zero na oração (WEINRICH, 1993). Sendo assim, um outro elemento diferente do Finito deve ocupar a primeira posição e, por esse motivo, nos exemplos 79-81, além do elemento Textual, ocorre um elemento Ideacional no Vorfeld (campo anterior). Os Conjuntivos doch (exemplo 79) e auch (exemplo 81) exercem, nesse contexto, a mesma função de aber e und, respectivamente, e, portanto, também ocupam a posição zero. Em todos esses exemplos, a ocorrência de um segundo elemento no Vorfeld (campo anterior) é obrigatória. Casos como esses são previstos também por Teich (2003:119). No exemplo 80, a Elipse representa o elemento Ideacional do Tema. Exemplos como este, em que o Tema da oração está elidido, mas é claramente recuperado por meio de mecanismos coesivos, serão discutidos mais adiante. Os Temas Ideacionais que ocorrem nos TPs se dividem nas seguintes categorias: Tema Ideacional Participante, Tema Ideacional Processo, Tema Ideacional

146 Circunstância e Tema Ideacional Oracional. A proporção em que cada um ocorre nos textos de partida está listada na tabela 19.

T01 T02

Tabela 19: Escolha do Tema Ideacional nos TPs Participante Processo Circunstância Oracional Total 13 (68,4%) 0 (0,0%) 5 (26,3%) 1 (5,3%) 19 (100%) 8 (50,0%) 3 (18,8%) 4 (25,0%) 1 (6,2%) 16 (100%)

Em T01, o elemento que ocupa a posição temática com mais freqüência é o Participante, seguido do Tema Circunstância e, por último, o Tema Oracional. Não há ocorrência de Tema Processo em T01. O Tema Circunstância e o Tema Oracional exercem ambos a função de estabelecer um enquadre temporal, espacial ou situacional para o que vai ser dito logo em seguida. Esse enquadre se estende até o Tema Circunstância ou Oracional seguinte (DOWNING, 1991). Em T01, os Temas Circunstância e Oracional ocorrem com bastante freqüência e correspondem a mais de 30% dos Temas Ideacionais. Em T01, ocorrem quatro tipos de Tema Circunstância (localização, extensão, ângulo e contingência) e um Tema Oracional realizado por uma oração hipotática temporal. A seguir apresento alguns exemplos de Temas Circunstância e Oracional. Exemplo 82: Dazu war der in der Schweiz lebende Sammler bereits im Jahr 2001 aufgefordert worden.

Exemplo 83: Bis 23. Januar wird eine Auswahl von 400 Werken zu sehen sein.

Exemplo 84: Informationen der "Berliner Zeitung" zufolge hat der Enkel des Industriellen und NS-Kriegsverbrechers Friedrich Flick seine Entscheidung "aus Anstand" getroffen und um "Ärger von der Jüdischen Gemeinde abzuwenden".

Exemplo 85: Als man den Sammler zur 100-Jahres-Feier einer Berliner Synagoge einlud, hagelte es Proteste.

147 Os tipos de Circunstância que ocorrem em T01 são diversificados. No exemplo 83, o Tema estabelece um enquadre temporal para o restante da oração, enquanto no exemplo 84, uma Circunstância de ângulo ocupa a posição temática. O Tema Oracional (exemplo 85), por sua vez, também estabelece um enquadre temporal. No exemplo 82, dazu foi classificado como um Tema Ideacional Circunstância; no entanto, essa classificação se mostrou problemática. Na língua inglesa, há casos de advérbios de localização que se combinam com elementos de Referência constituindo um elemento Textual com função anafórica (p.e. after this). Por estabelecerem relação com a parte precedente do texto, esses termos são considerados Adjuntos Conjuntivos por Martin et al. (1997:130), ou seja, são considerados elementos Textuais e, portanto, quando ocupam a posição temática, são classificados como Tema Textual. Da mesma forma, no alemão, o advérbio de localização (Positions-Adverb) da pode fazer combinações com outras preposições, como zu, formando elementos de Referência que retomam todo um trecho anterior (WEINRICH, 1993:569). No entanto, esses elementos de Referência não são considerados Adjuntos Conjuntivos por Weinrich (1993) e Teich (1999), mas sim advérbios pronominais (PronominalAdverbien) que substituem sintagmas preposicionados nas orações subseqüentes. "Os advérbios pronominais são pro-formas que são utilizadas alternativamente a pronomes pessoais, demonstrativos, interrogativos ou relativos" (TEICH, 1999:151). Dessa forma, a língua alemã possibilita a pronominalização de uma Circunstância. Ao mesmo tempo em que estabelece relação com a parte precedente do texto, os advérbios de localização também exercem função Ideacional na oração em que

148 ocorrem e, portanto, serão considerados Temas Circunstância quando ocorrerem em posição temática, seguindo a perspectiva de Teich (1999). Esse trecho do texto de partida em que o advérbio pronominal dazu ocupa a posição temática se mostrou problemático também na retextualização para o português. Os informantes que traduziram esse trecho apresentaram dificuldades com a sua retextualização (conferir seção 4.2). O Tema Participante é o Tema Ideacional mais freqüente (68,4%) em T01. Com exceção de um único caso, todos os outros Temas Participante correspondem ao Sujeito Interpessoal da oração, sendo três deles elípticos, como mostram os exemplos 86-90. Todo Sujeito elíptico em T01 ocorre em um Tema Múltiplo e é precedido de um Tema Textual (und), ou seja, ocorre em orações coordenadas. Assim como no inglês (EGGINS, 1994; MARTIN et al., 1997), a Elipse do Sujeito no alemão só ocorre em orações coordenadas em que a segunda oração tem o mesmo Sujeito da primeira, conforme nos exemplos 86 e 88. Exemplo 86: Der Vorsitzende der Jüdischen Gemeinde zu Berlin, Albert Meyer, hatte den umstrittenen Kunstsammler zu der Feier eingeladen und ∅ war dafür von Gemeindemitgliedern und Vertretern des Zentralrats der Juden scharf kritisiert worden.

Exemplo 87: Flick ist der Erbe eines Millionenvermögens, das ihm sein Großvater Friedrich Flick vermacht hat.

Exemplo 88: Flick senior war als einer der führenden NSRüstungsindustriellen ein Förderer und Profiteur Adolf Hitlers und ∅ beutete in seinen Firmen Zehntausende Zwangsarbeiter aus.

Exemplo 89: Flick stellt für sieben Jahre mehr als 2000 Werke zur Verfügung, die Stiftung Preußischer Kulturbesitz steuerte den Ausstellungsort und kuratorisches Know-how bei.

Exemplo 90: Als zentraler Kritikpunkt gilt Flicks Weigerung, in den Entschädigungsfonds für Zwangsarbeiter einzuzahlen.

149 Como foi dito anteriormente, o coordenador und ocupa a posição zero em orações declarativas no alemão; portanto, um outro elemento deve ocupar a posição anterior ao Finito quando esse coordenador ocorrer em posição temática. Essa característica do alemão, juntamente com o fato de que o Sujeito não ocorre pós-posto ao Finito na segunda oração dos exemplos 86 e 88, nos leva a considerar a Elipse como o elemento Ideacional do Tema nesses casos. Sendo assim, em 86 e 88, ao invés de Temas Textuais Simples, temos a ocorrência de Temas Múltiplos constituídos por um elemento Textual (und) e um elemento Ideacional (Elipse). A classificação do exemplo 90 se mostrou problemática. Devido à conjunção de comparação als (Komparativ-Junktor), o sintagma als zentraler Kritikpunkt parece, a princípio, exercer a função de Circunstância de papel. No entanto, o Processo gilt estabelece uma relação de identificação entre als zentraler Kritikpunkt e o Participante Flicks Weigerung, in den Entschädigungsfonds für Zwangsarbeiter einzuzahlen, em que este último é o Identificador/Característica. Sendo assim, o primeiro termo deve exercer a função de um Participante com o qual se estabelece a identificação, o Identificado. O exemplo 90 é o único caso de Tema Participante em T01, em que o Sujeito não ocorre em posição temática. Como os informantes tiveram problemas com a retextualização desse trecho, ele será retomado na próxima seção (4.2). No texto de partida T02, o elemento que ocupa a posição temática com mais freqüência também é o Participante, seguido do Tema Circunstância, Tema Processo e, por último, o Tema Oracional. A proporção de Temas Circunstância e Oracional em T02 é semelhante à de T01 (em torno de 30%), conforme os dados da tabela 19. Já a proporção de Temas Participante diminui em T02, enquanto, ao contrário de T01, há ocorrência de Temas Processo.

150 Apesar de os Temas Circunstância e Oracional ocorrerem com a mesma freqüência em T02 e T01, o tipo de Circunstância que ocupa a posição temática em T02 é menos diversificado, como mostram os exemplos 91, 81 e 92. Exemplo 91:

Seit Freitagmittag hängen in der Berliner Invalidenstraße, gegenüber dem Hamburger Bahnhof, und am Lehrter Bahnhof Großplakate der Berliner Konzept-Künstler Renata Stih und Frieder Schnock, die sich einen Namen mit "Kunst im öffentlichen Raum" gemacht haben.

Exemplo 81: Auch diesmal ist der "Veranstaltungsraum" mit Bedacht gewählt, denn am 21. September wird im Hamburger Bahnhof die "Flick-Collection" eröffnet, die private Kunstsammlung des in der Schweiz lebenden deutschen Millionenerben Friedrich Carl Flick, um die es schon im Vorfeld zu heftigen Kontroversen gekommen ist.

Exemplo 92: Dabei wird er unter Umständen an ehemaligen Zwangsarbeitern vorbeigehen müssen, die zwar nicht zur Eröffnung eingeladen wurden, aber dennoch kommen könnten.

Exemplo 93: Damit es nicht so weit kommt, fordern Stih und Schnock "Freien Eintritt für alle ehemaligen ZwangsarbeiterInnen"

Há apenas ocorrência de Circunstâncias que estabelecem enquadre temporal (localização e extensão temporal), como nos exemplos 91, 81 e 92. Por outro lado, o Tema Oracional (exemplo 93) é realizado por uma oração hipotática de finalidade e estabelece um enquadre situacional, semelhante ao das orações reduzidas de infinitivo, mencionadas por Downing (1991); ele aponta um objetivo e levanta expectativas de como ele será alcançado. O exemplo 92 apresentou o mesmo problema de classificação do exemplo 82, que ocorre em T01. O advérbio de localização da, combinado com a preposição bei, forma um advérbio pronominal que retoma toda a oração anterior. Da mesma forma como o termo dazu, no exemplo 82, dabei foi classificado como um Tema Ideacional Circunstância (localização).

151 Alguns informantes tiveram dificuldade em retextualizar os trechos representados pelos exemplos 82 e 92 e, por isso, esses dois exemplos serão discutidos novamente na seção 4.2. Há três ocorrências de Tema Processo em T02. Os três casos ocorrem com um Processo Verbal em que a locução, que consiste em uma oração independente, precede o Processo, e o Sujeito Interpessoal do Processo Verbal inverte a posição com este último, deslocando-se para o Rema, como nos exemplos 73-75, que já foram apresentados anteriormente. Exemplo 73: "Sogar Kanzler Schröder hat in der 'Bild am Sonntag' dazu aufgerufen, so ein Verhalten 'gesellschaftlich zu ächten'", klagt Stih.

Exemplo 74: "Besonders pikant wäre es", sagt Stih, "wenn die Polizei dem Kanzler den Weg frei machen und ein paar Zwangsarbeiter wegtragen müsste."

Exemplo 75: "Zürich wollte die Sammlung nicht mal geschenkt haben, Berlin gibt Millionen aus, um sie als Leihgabe zu bekommen", sagt Renata Stih.

Também em T02 o Tema Participante é o Tema Ideacional que ocorre com mais freqüência (50%), apesar de ocorrer em menor proporção do que em T01. A maior parte dos Participantes que ocupam a posição temática corresponde ao Sujeito da oração, como nos exemplos 76 e 94. Exemplo 76:

"Die Schweizer scheinen höhere moralische Standards zu haben, während die Berliner nach allem greifen was glänzt, egal woher es kommt."

Exemplo 94: Die ironische Aktion der Künstler, die von der Neuen Gesellschaft für Bildende Kunst unterstützt werden, greift zwei Punkte der Debatte auf: Flicks Weigerung, sich mit einem Beitrag am Fond für die Zwangsarbeiter zu beteiligen, und die Tatsache, dass er zu den "Steuerflüchtlingen" gehört, die ihren Wohnsitz ins Ausland verlegt haben.

152 Há apenas um caso, em que o Participante que ocorre no Tema é um Atributo que não exerce a função de Sujeito (exemplo 74). Esse exemplo já foi discutido no início da seção. Ao contrário de T01, em T02 não há casos de Sujeito elíptico. Passo, a seguir, para a análise da progressão e organização temática dos textos de chegada.

4.2 Os Textos de Chegada Progressão Temática Os textos de chegada serão analisados a partir das escolhas temáticas dos informantes em comparação com o texto de partida. Primeiramente levarei em consideração a progressão temática nas traduções de T01 e, posteriormente, de T02. Como vimos na seção 4.1, em T01, o Participante Flick é o principal ponto de partida ao longo do texto e termos relacionados às controvérsias em torno de sua mostra de arte e sua participação na inauguração de uma sinagoga em Berlim ocorrem, principalmente, como Circunstâncias quando em posição temática. Na maioria dos textos de chegada (T01), a progressão temática se dá de forma semelhante à do texto de partida e o Participante Flick ou algum Referente a ele configura o Tema da oração na maioria das orações. Considerando-se apenas o título e o lead de cada texto, verificamos que a progressão temática se dá da mesma maneira como no texto de partida no caso dos textos de chegada de S01 e S02. O informante S03 faz algumas escolhas diferentes, como podemos observar no exemplo 95.

153 Exemplo 95 (S03/T01):

Flick não irá participar de festividades em sinagoga Friedrich Christian Flick deseja abrir uma grande exposição em Berlin, mas o projeto tem gerado polêmica, devido ao passado nazista de sua família. Ao ser convidado para as festividades do centenário de uma sinagoga em Berlin, o colecionador teve que cancelar sua presença, por causa de uma chuva de protestos.

No exemplo 95, podemos ver que S03 opta por transformar as três últimas orações do texto de partida em uma única oração no texto de chegada, em que uma oração hipotática é o Tema de todo o complexo oracional e o Participante Flick é retomado através de coesão lexical (o colecionador) no início do Rema. Apesar de fazer uma escolha diferente, a progressão temática do texto de chegada de S03 não fica comprometida, já que o Participante Flick, retomado através dos termos o colecionador, exerce a função de Sujeito da oração e configura o principal ponto de partida em todo o texto. Assim como S03, S05 também faz algumas escolhas diferentes das do texto de partida, que, no entanto, não comprometem a progressão temática de seu texto (conferir exemplo 96). Exemplo 96 – (S05/T01): Friedrich Christian Flick quer inaugurar sua grande exposição em Berlim dentro em breve. No entanto, devido ao passado nazista da família, o projeto é altamente controverso. O convite feito ao colecionador para que participasse da comemoração do centenário de uma sinagoga berlinense deu origem a protestos. A princípio, Flick se defendeu; por fim, Ø recusou o convite.

Apesar de utilizar alguns elementos textuais em posição temática que não estão presentes no texto de partida (A princípio,... por fim) e tematizar o motivo dos protestos contra o projeto de Flick através de uma Circunstância (devido ao passado nazista da família), o Participante Flick continua sendo o principal ponto de partida da mensagem ao longo do texto de chegada de S05.

154 Ao contrário de S03 e S05, o informante S04 fez escolhas que acarretaram em problemas na cadeia coesiva do texto de chegada, pois não houve manutenção da progressão temática, como podemos observar no exemplo 97. Exemplo 97 (S04/T01):

Friedrich Christian Flick quer abrir , brevemente,em Berlim sua brande exposição de arte, embora o projeto seja objeto de discussão por causa do passado nacional socialista de sua família. Quando os colecionadores foram convidados para os festejos de cem anos de uma sinagoga de Berlim choveram protestos. Flick reagiu e Ø recusou o convite.

No texto de partida, o Participante Flick é retomado por coesão lexical através do termo Sammler; no entanto, em sua tradução, S04 trata Flick e colecionador como duas entidades distintas e não estabelece relação entre os dois. Dessa forma, a progressão temática de seu texto fica comprometida, como mostra o exemplo 97. Como foi discutido no capítulo 3, os informantes despenderam mais tempo na tradução do lead do que no restante do texto e, portanto, o efeito da pressão de tempo fica mais visível na parte final dos textos de chegada T01. A seguir, mostro alguns exemplos de trechos que apresentaram problemas de tradução e, em alguns casos, resultaram em textos de chegada com problemas na cadeia coesiva devido às escolhas temáticas dos informantes. A tradução do trecho representado pelo exemplo 77 da seção 4.1 apresentou problemas para todos os informantes, como pode ser verificado pelos relatos retrospectivos e as pausas dos protocolos lineares do Translog (ver anexo 7). No texto de partida, esse trecho configura uma oração bastante longa, em que o Sujeito ocorre pós-posto ao verbo conjugado e relativamente afastado da posição temática. Além disso, há muitos atributivos relacionados ao Sujeito da oração. Como foi discutido no capítulo 1, interpolações de elementos atributivos são bastante comuns na língua alemã e costumam apresentar problemas para retextualizações em outras línguas (VENTOLA, 1995).

155 A maior parte dos informantes optou por eliminar o Tema Textual e colocar a Circunstância em posição temática no TC. Dessa forma, o Tema Textual Simples do TP foi retextualizado por um Tema Ideacional Simples (Circunstância). Conforme mostram os exemplos 98-101, o Sujeito da oração foi posicionado no início do Rema, antes do verbo conjugado. Exemplo 98 (S01/T01): Em protesto contra o convite a Flick, que, inicialmente, o havia aceito, a viúva do ex-presidente do Conselho central dos judeus, Heinz Galinski, falecido em 1992, decidiu não mais participar das comemorações, segundo relatou hoje o jornal.

Exemplo 99 (S03/T01): Como forma de protesto contra o convite, o qual Flick a princípio aceitou, Heinz Galinski, viúva do presidente do conselho central falçecido em 1992, cancelou sua participação, conforme noticiado hoje no jornal.

Exemplo 100 (S04/T01):

Como protesto contra o convite feito a Flick, a viúva do presidente do Conselho Central , falecido em 1992, Heinz Galinsky, cancelou sua participação , como noticiou o jornal da hoje.

Exemplo 101 (S05/T01): Diante dos protestos contra o convite a Flick, a viúva do Representante do Conselho Central, Heinz Galinski, falecido em 1992, desistiu de participar da cerimônia, como informa, hoje, o jornal.

Já o informante S02 preferiu colocar o Sujeito da oração em posição temática e manteve um elemento Textual no Tema, optando por um Tema Múltiplo (Textual + Ideacional Participante) no TC, conforme mostra o exemplo 102. Exemplo 102 (S02/T01): Assim, Heinz Galinski, a viúva, do presidente do conselho central, falecido em 1992, excluiu sua participação em protesto ao convite a Flick, como informou hoje o jornal.

No entanto, os informantes S02 e S03 tratam os Participantes a viúva e Heinz Galinski, que no texto de partida representam duas entidades diferentes, como um mesmo Participante. No texto de partida, o aposto Heinz Galinski se refere ao falecido presidente do Conselho Central. Esses dois informantes transformam o aposto em Sujeito da oração, por considerarem que Heinz Galinski fosse o nome da viúva, e não

156 de seu falecido marido (exemplos 99 e 102). Essa inadequação foi mantida no TC até ao final da tarefa de tradução e não foi percebida pelos informantes nem mesmo durante o relato retrospectivo. No TC de S04, fica ambíguo se Heinz Galinski se refere à viúva ou ao seu falecido marido (exemplo 100). Já no caso do informante S05, a Circunstância que ele opta por colocar em posição temática diverge daquela usada pelos outros informantes e também do TP. Enquanto no TP a Circunstância, que ocorre no Rema da oração, indica o propósito do cancelamento da participação da viúva, no TC de S05, a Circunstância indica a causa do cancelamento de sua participação (exemplo 101). Sendo assim, o que seria um ato de protesto se transforma em um ato de solidariedade a Flick no TC. Como podemos ver, apenas o informante S01 parece chegar a uma solução adequada para a tradução do trecho discutido (exemplo 98). Todas as outras soluções apresentam algum tipo de inadequação, resultante de mudanças nos padrões coesivos do texto. Outro caso que apresentou problemas na retextualização para o português foi o trecho de T01 representado no exemplo 90 da seção 4.1., único caso de Tema Ideacional Participante em T01 em que o Participante em posição temática não exercia a função de Sujeito da oração. A maioria dos informantes sentiu dificuldade na retextualização desse trecho. Os informantes S01 e S04 optaram por transformar o Participante/Identificado, que ocorre em posição temática no TP, em uma Circunstância no TC, enquanto os informantes S02, S03 e S05 optaram por colocar o Sujeito da oração em posição temática, conforme os exemplos 103-107. Exemplo 103 (S01/T01):

Como ponto central de crítica á recusa de Flick, pesa o pagamento ao fundo de indenização aos trabalhos forçados durante o regime nazista.

157 Exemplo 104 (S02/T01):

A recusa de Flick vale como ponto central para o fundo de indenização para trabalhadores forçados, pelo qual o colecionador que mora na Suiça já havia sido convidado no ano de 2001.

Exemplo 105 (S03/T01): O ponto central das críticas reside no fato de Flick recusar-se a pagar indenização a trabalhadores forçados.

Exemplo 106 (S04/T01): Como ponto central da crítica encontra-se a negação de Flick em pagar o fundo de reparação para as vítimas dos trabalhos forçados.

Exemplo 107 (S05/T01): Um ponto central das censuras a Flick incide sobre a recusa do mesmo em contribuir para o Fundo de Remuneração de Trabalhadores Forçados.

Os informantes S03 e S05 conseguem uma solução satisfatória, colocando o Sujeito da oração em posição temática, e estabelecendo uma relação de identificação entre os dois Participantes da oração, assim como no TP (exemplos 105 e 107). S04 também consegue chegar a uma solução adequada transformando o primeiro Participante da oração em uma Circunstância no TC (exemplo 106). Já os informantes S01 e S02 apresentaram soluções problemáticas para a o trecho representado no exemplo 90 do texto de partida. S01 opta por um Tema Circunstância no português, mas sua solução final apresenta problemas de coesão, já que o motivo de críticas a Flick consiste em sua recusa em contribuir com o Fundo de Indenização e não por ele ter contribuído com o Fundo, como o TC dá a entender (exemplo 103). Além disso, S01 muda o Participante que exerce a função de Sujeito nessa oração, o que acarretará em problemas de coesão também na oração seguinte (ver exemplo 108 mais adiante). Após a tradução do segundo texto (T02), o informante percebe que havia cometido essa falha em T01, que não foi corrigida por falta de tempo. S02, apesar de deslocar o Sujeito da oração para a posição temática, também apresenta uma tradução com problemas de coesão (exemplo 104). Ele não estabelece

158 relação entre as críticas feitas a Flick e sua a recusa em contribuir com o Fundo de Indenização, motivo pelo qual houve protestos da comunidade judaica (assunto tratado no trecho anterior ao trecho em questão). Como alguns dos exemplos acima demonstram, há uma tendência de deslocar o Sujeito para a posição inicial da oração na retextualização dos textos em alemão para textos em português. Quando o Sujeito não é posicionado em posição temática nos TCs, ele costuma ocorrer no início do Rema e sempre em posição pré-verbal. Alguns informantes comentam nos relatos retrospectivos essa preocupação em posicionar o Sujeito no início da oração no texto em português, principalmente quando, no TP, o Sujeito da oração ocorre em uma posição muito afastada da posição temática, ao final do Rema. Essa tendência será discutida novamente mais adiante. O trecho de T01 representado no exemplo 82 em que um advérbio pronominal (Pronominal-Adverb) ocupa a posição temática também apresentou problemas na retextualização para o português. Os exemplos 108, 104 e 109 apresentam três soluções diferentes para a tradução desse trecho. Exemplo 108 (S01/T01):

Para tal, o colecionador de arte, hoje residente na Suíça, já em 2001 foi convidado a colaborar.

Exemplo 104 (S02/T01): A recusa de Flick vale como ponto central para o fundo de indenização para trabalhadores forçados, pelo qual o colecionador que mora na Suiça já havia sido convidado no ano de 2001.

Exemplo 109 (S05/T01): A contribuição do colecionador, que mora na Suíça, fora requisitada já em 2001.

S05 foi o único informante que conseguiu produzir uma solução adequada para a tradução do trecho em questão (exemplo 109). Ao invés de usar uma forma pronominal, como no alemão, ele opta por retomar o trecho anterior através de coesão

159 lexical, colocando um Participante em posição temática que retoma o Rema da oração precedente. Os informantes S03 e S04 não traduziram esse trecho por falta de tempo. Os informantes S01 e S02 conseguiram traduzi-lo, mas não chegaram a soluções adequadas. Como esse trecho está intimamente ligado à oração anterior, o fato de não terem produzido uma tradução adequada para o trecho anterior (exemplos 103 e 104) acarretou em problemas de coesão também neste trecho. S02, inclusive, reúne as duas orações em uma única sentença no português e tenta fazer a referência ao pagamento ao Fundo de Indenizações através de um pronome relativo. Como a oração anterior apresenta problemas de coesão, a oração introduzida por um pronome relativo também fica sem sentido. Como pôde ser observado nos exemplos discutidos acima, os textos de todos os informantes apresentam casos de retextualizações problemáticas em que a escolha temática do informante resultou em mudanças na estrutura coesiva e na progressão temático do texto que acarretam, inclusive, em problemas de compreensão do TC. Na maior parte dos casos, os trechos problemáticos ocorrem mais para o final do texto, quando o efeito da pressão de tempo se tornou mais evidente. Como foi mencionado no capítulo 3, no geral, os relatos dos informantes não apresentam evidências de metalinguagem, indicando que não há um conhecimento teórico consolidado com o qual o informante fundamenta suas tomadas de decisão conscientemente. O relato 19, no qual o informante comenta sua tradução do trecho apresentado no exemplo 102, ilustra o que acabo de dizer. Relato 19 (S02/T01):

I. – (...) essa foi uma frase muito complicada para colocar no português. Aí fiquei lendo assim meia hora para tentar encontrar um jeito interessante para por no português.(...) Aí acabou que eu mudei tudo e ficou muito parecido com o original.

160 Ao contrário do que ocorre no texto de partida T01, em T02 o Participante Flick não configura o principal ponto de partida da mensagem, mas sim termos como Kontroverse (controvérsia), Kritik (crítica) e Proteste (protestos), que estão relacionados à insatisfação de um grupo de pessoas com a exposição de Flick. Além disso, o autor do texto dá voz aos artistas que organizaram uma manifestação contra a exposição de Flick. Nos textos de partida, os informantes fazem escolhas semelhantes às do texto de chegada T02 e posicionam termos relacionados à insatisfação com a exposição de Flick no Tema da oração. Considerando-se apenas o título e o lead de cada texto, podemos observar que os informantes S03 e S05 fazem algumas escolhas diferentes que, no entanto, não comprometem a progressão temática do texto de chegada (exemplos 110 e 111) Exemplo 110 (S03/T02):

O meio artístico de Berlin também não deixa a controvérsia acerca da "Flick Collection" passar em branco. Através de cartazes irônicos contra a polêmica mostra do herdeiro de milhões, artistas buscam, desde ontem, causar provocação.

Exemplo 111 (S05/T02): A controvérsia em torno da recém-inaugurada exposição da "Coleção Flick" em berlim esquenta a cena artística da capital. Desde ontem, posters irônicos e provocativos contra a polêmica mostra de arte do milionário têm causado irritação.

No exemplo 110, S03 coloca a controvérsia no Rema da oração e opta por colocar o grupo que demonstra sua insatisfação com a exposição de Flick em posição temática (o meio artístico de Berlin), trocando, dessa forma, o Sujeito da oração. Essa opção configura uma escolha consciente do informante, como mostra o relato 13 da seção 3.2.1, em que o informante faz uso de meta-linguagem para justificar a mudança que efetua no seu texto de chegada. Na segunda oração do lead, S03 converte o Participante Sujeito em uma Circunstância no TC e opta por acrescentar um Sujeito à oração (artistas). O Sujeito da primeira e da segunda oração estão

161 relacionados e, portanto, as escolhas do informante S03, apesar de serem diferentes das do TP, contribuem para a construção de um texto coeso e coerente. No exemplo 111, S05 faz escolhas bastante parecidas com as do texto de partida, mas opta por posicionar uma Circunstância no Tema da oração, deslocando o Sujeito para o início do Rema. Suas escolhas também não comprometem a progressão temática de seu texto de chegada. No texto de partida T02, o autor também dá voz aos artistas que se manifestam contra a exposição de Flick através de citações (exemplos 73-76). Nos trechos representados pelos exemplos 73 e 74, a opinião da artista Renata Sith é tematizada por meio de um Tema Interpessoal e pela anteposição do Atributo, respectivamente. O Tema Interpessoal foi retextualizado da mesma maneira pelos informantes S01, S02, S03 e S05. Todos fizeram uso do Adjunto Modal de Comentário até mesmo do português, como no exemplo 112. Exemplo 112 (S05/T02):

"Até mesmo o Cônsul Schröder condenou socialmente tal comportamento, no 'Bild am Sonntag'", reclama Stih.

Já o informante S04 não faz uso de nenhum elemento Interpessoal em posição temática na retextualização dessa oração, mas faz uso do Adjunto Modal de Comentário ainda assim na oração seguinte (exemplo 113), que, no texto de partida T02, é introduzida por um Tema Textual adversativo. Exemplo 113 (S04/T02): "O chanceler Schröder referiu-se a isso como uma conduta "social condenada", aponta Stih. Ainda assim Schröder vai abrir a exposição.

Enquanto no TP o Adjunto Modal de Comentário que ocorre no Tema aparece em uma citação, o que significa que a pessoa entrevistada (a artista Renata Stih) foi quem escolheu tematizar seu comentário sobre o assunto em questão, na retextualização, ao fazer uso do Adjunto Modal na oração seguinte, o informante S04

162 tematiza um julgamento do próprio autor do texto. Dessa forma, ao contrário do TP, em que o autor não tematiza sua opinião sobre o assunto em nenhum momento, dando a entender que todo julgamento de valor parte da pessoa entrevistada, na retextualização, o informante S04 opta por fazer uso de um Tema Interpessoal de avaliação na voz do próprio autor. Essa escolha de S04 pode ter acarretado na construção de um texto de chegada menos durável, já que compromete a fidedignidade do mesmo, característica importante de um artigo jornalístico. O Tema Ideacional Participante Atributo, que ocorre no texto de partida T02 (exemplo 74), foi retextualizado pela maioria dos informantes como um Tema Comentário (THOMPSON, 2002) no português. Com exceção de S03, todos os outros informantes fizeram uma escolha semelhante à apresentada no exemplo 114. Exemplo 114 (S04/T02):

" Seria especialmente interessante ", diz Stih," se a polícia, ao abrir caminho para o Chanceler, tivesse que deter alguns desses trabalhadores vítimas de trabalhos forçados ".

O Tema Comentário permite ao usuário da língua colocar o seu próprio comentário ou opinião na posição inicial da oração. Dessa forma, ele está relacionado ao Tema Interpessoal, que foi discutido acima. S03 faz uso de um outro tipo de expressão em que um Participante é colocado em posição temática, conforme mostra o exemplo 115. Exemplo 115 (S03/T02): "O negócio ia ficar quente, se a polícia tivesse que tirar os trabalhadores do caminho, para poder dar passagem ao chanceler", diz Stih.

Por outro lado, o informante S03 faz uso de um Tema Comentário em outra parte do texto (exemplo 116), correspondente ao trecho representado pelo exemplo 76 do texto de partida, que também ocorre em uma citação.

163 Exemplo 116 (S03/T02):

"Zurique não quis a coleção nem de presente. Já Berlin paga milhões para que ela seja emprestada", diz Renata Stih, "parece que os suíços têm padrões morais mais elevados, enquanto que para os berlinenses tudo o que reluz é ouro, não importa a procedência."

De acordo com os exemplos 114 e 116 apresentados acima, podemos perceber que o Tema Comentário ocorre sempre nas locuções verbais, ou seja, na fala da artista entrevistada, e, portanto, estão relacionados à tematização da opinião de uma dos artistas envolvidos nas manifestações contra a exposição de Flick. O autor do texto em si, não coloca sua própria opinião em posição temática. Analisando o Tema Comentário em relação ao Tema Interpessoal, podemos concluir que os informantes, em sua maioria, fizeram escolhas semelhantes às do texto de partida, com exceção de S04 (exemplo 113), que optou por tematizar um comentário da artista como se fosse do próprio autor do texto. O trecho de T02 representado pelo exemplo 75, em que uma opinião também é expressa na citação de Stih, foi retextualizado de formas diferentes pelos informantes. No texto de partida, a oposição entre Zurique e Berlim não é caracterizada por elementos Textuais. Os informantes S02 e S04 optaram por colocar os Participantes Zurique e Berlim em posição temática, e não fizeram uso de nenhum elemento Textual para estabelecer a relação de oposição entre as duas orações, como no exemplo 117. As escolhas de S02 e S04 se assemelham, portanto, à do TP. Exemplo 117 (S02/T02): "Zurique não quis a coleção nem mesmo como presente, Berlim gasta milhões para recebê-la como empréstimo", diz Renata Stih.

Nos exemplos 118 e 119, o Tema da primeira oração é um Tema Simples Ideacional Participante, assim como em TP. Já na segunda oração, os informantes incluem um elemento Textual no Tema (já) reforçando os laços coesivos entre as duas orações ao explicitar a relação de oposição entre Zurique e Berlim.

164 Exemplo 118 (S03/T02):

"Zurique não quis a coleção nem de presente. Já Berlin paga milhões para que ela seja emprestada", diz Renata Stih, "parece que os suíços têm padrões morais mais elevados, enquanto que para os berlinenses tudo o que reluz é ouro, não importa a procedência."

Exemplo 119 (S05/T02): "Zurique não aceitou a coleção nem sequer como presente; já Berlim dá milhões para recebê-la como empréstimo", diz Renata Stih.

O informante S01 faz uma opção diferente das apresentadas nos exemplos 117-119. Ele estabelece uma relação hierárquica entre as duas orações, transformando a primeira em uma oração hipotática. Assim como S03 e S05, o informante S01 também reforça os laços coesivos do TC, fazendo, no entanto, uso de um recurso diferente do que foi usado pelos outros dois informantes. Ao invés de fazer uso de um Tema Textual, ele transforma um Tema Simples Ideacional Participante em um Tema Simples Ideacional Oracional, conforme o exemplo 120. No relato 20, o informante fala de sua escolha de fazer uso de elementos textuais para “marcar” a oposição entre os dois termos. Exemplo 120 (S01/T02):

"Se por um lado Zurique recusou a doação da coleção de arte, por outro, Berlim gasta milhões para recebê-la sob a forma de empréstimo", diz Renata Stih.

Relato 20 (S01/T02): I. - Eu resolvi marcar aí a oposição, por enquanto, apesar de não ter no texto de partida.

Blum-Kulka (2000) afirma que os laços coesivos entre as partes de um texto estão relacionados com o sistema gramatical da língua e que, portanto, diferenças gramaticais relativas ao sistema lingüístico de duas línguas podem acarretar em mudanças no tipo de elementos coesivos que serão usados na tradução de um texto, podendo acarretar em um aumento ou diminuição do grau de explicitação. O trecho em questão (exemplo 75) pode ser retextualizado para o português sem ser necessário aumentar o grau de explicitação, como mostra o exemplo 117. Portanto, podemos

165 dizer que reforçar os laços coesivos, nesse trecho, foi uma escolha dos informantes S01, S03 e S05. Esses três informantes têm tendência a reforçar os laços coesivos do TC, em especial S01, enquanto S02 e S04 não apresentam essa característica. O informante S04, em especial, não faz muito uso de elementos Textuais em suas escolhas temáticas, principalmente na retextualização de T02. Algumas orações contendo Temas Textuais no TP foram retextualizadas em orações com Temas Simples. É possível que essa seja uma característica do informante S04 que, no entanto, não se manifestou da mesma forma em T01 como em T02, devido à pressão de tempo. Tendo menos tempo para trabalhar no TC, S04 se ateve às escolhas temáticas do TP na retextualização de T01. Vale ressaltar que S04 foi o único informante que se sentiu pressionado pelo limite de tempo desde o início da tarefa, ao contrário dos outros informantes, que só manifestaram preocupação com o limite de tempo a partir da segunda metade da tradução. Assim como em T01, O advérbio pronominal (Pronominal-Adverb) dabei, que ocupa a posição temática em T02 (exemplo 92) também apresentou dificuldades de retextualização para o português, mas nesse caso, a maioria dos informantes conseguiu chegar a uma solução de tradução adequada, como mostram os exemplos 121-125. Exemplo 121 (S01/T02):

Sob tais circunstâncias, o chanceler visitará outrora vítimas de trabalhos forçados no regime nazista, que, apesar de não terem sido convidadas para a abertura da exposição, o poderiam fazê-lo.

Exemplo 122 (S02/T02): Além disso, ele precisará passar de qualquer forma por antigos trabalhadores forçados que não foram convidados para a exposição, mas que, no entanto, poderão ir.

Exemplo 123 (S03/T02):

Porém, ele provavelmente terá que passar por extrabalhadores forçados, que de fato naõ foram convidados para a abertura, mas que apesar disso podem vir a aparecer.

166 Exemplo 124 (S04/T02):

Nesse caso ele poderia passar pela situação de estar ao lado de antigas vítimas de trabalhos forçados, que embora sem terem sido convidadas para a abertura , mesmo assim tivessem vindo.

Exemplo 125 (S05/T02): Ao fazê-lo, é possível que ele passe por antigos trabalhadores forçados, que não foram convidados para a inauguração, mas que, no entanto, poderiam muito bem comparecer.

No texto de partida T02, o advérbio pronominal dabei retoma o Rema da oração anterior e, ao mesmo tempo, exerce a função de uma Circunstância de localização. Cada um dos informantes chega a uma solução diferente no TC, em sua maioria, adequada. S01 e S04 retextualizam o advérbio pronominal por uma Circunstância de contingência e fazem uso de algum elemento anafórico no Tema (exemplos 121 e 124). Dessa forma, ao mesmo tempo em que optam por uma Circunstância em posição temática, fazem referência ao Rema da oração anterior, assim como no TP. S05 retoma o trecho anterior por meio de uma oração hipotática temporal (exemplo 125). Portanto, ao invés de um Tema Circunstância de localização temporal, ele opta por um Tema Oracional (temporal). S03 faz uma escolha diferente do TP e dos outros informantes mencionados acima. Ele opta por um Tema Múltiplo, constituído de um Tema Textual (adversativo) e um Tema Ideacional Participante (exemplo 123). Não há ocorrência de Circunstância na oração do TC e o Sujeito da oração é posicionado no Tema. S02 também opta por um Tema Múltiplo constituído de um Tema Textual (aditivo) e um Tema Ideacional Participante, posicionando o Sujeito no Tema (exemplo 122). No entanto, no TP, há uma relação adversativa entre esse trecho e o trecho precedente. Como o informante S02 não traduziu a oração anterior a esse trecho (exemplo 78 do TP), em nenhum momento ele estabelece a relação adversativa

167 presente no TP. A relação que se estabelece entre esse trecho do texto com o trecho precedente no TC é de adição, diferentemente do que ocorre no TP. Considerando-se os exemplos analisados na presente seção, as escolhas temáticas e as soluções de problemas de tradução em T02 parecem ter resultado em textos de chegada mais duráveis do que aquelas de T01. Apesar de, em alguns trechos, os textos de chegada T02 ainda apresentarem alguns problemas de adequação ao gênero textual, como o exemplo 113, do informante S04, os textos de chegada T01 apresentam mais problemas relativos à progressão temática e a aspectos coesivos que comprometem a compreensão do texto de chegada. Mesmo o informante S05, que a apresentou maior recursividade no processo de tradução de T01 do que de T02 (conferir seção 3.2.1), produziu um texto de chegada com menos problemas em sua estrutura coesiva na tradução sem pressão de tempo. Podemos dizer que há uma dificuldade maior em lidar com a retextualização de Temas problemáticos na tradução realizada sob pressão de tempo do que sem pressão de tempo. Os Tipos de Tema Em T01, a proporção do tipo de Tema segundo a Meta-função que ocupa a posição temática é, aproximadamente a mesma no texto de partida e nos textos de chegada, conforme mostram os dados da tabela 20. Tabela 20: Tipos de Tema segundo a Meta-Função em T01 Tema Tema Tema Textual Interpessoal Ideacional TP S01 S02 S03 S04 S05

5 (25,0%) 4 (28,6%) 4 (30,8%) 3 (30,0%) 2 (20,0%) 3 (27,2%)

0 (0,0%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 0 (0,0%)

19 (95,0%) 14 (100%) 13 (100%) 10 (100%) 10 (100%) 11 (100%)

168 Da mesma forma, a proporção do tipo de Tema segundo a Meta-função varia pouco entre o texto de partida e os textos de chegada. Os únicos informantes que destoam um pouco dos outros são S03 e S04, conforme os dados da tabela 21. Enquanto S03 faz mais uso de elementos textuais em posição temática do que o TP, o texto de chegada de S04 apresenta apenas dois Temas Textuais. Como já foi mencionado anteriormente, esse informante não faz muito uso de elementos Textuais em suas escolhas temáticas, tanto na retextualização de T01 quanto de T02. Tabela 21: Tipos de Tema segundo a Meta-Função em T02 Tema Tema Tema Textual Interpessoal Ideacional TP S01 S02 S03 S04 S05

3 (17,6%) 3 (18,8%) 3 (18,8%) 5 (29,4%) 2 (11,8%) 4 (22,2%)

1 (5,9%) 1 (6,2%) 1 (6,2%) 1 (5,9%) 1 (5,9%) 1 (5,6%)

16 (94,1%) 16 (100%) 16 (100%) 17 (100%) 17 (100%) 18 (100%)

No português, o Tema deve incluir, necessariamente, um e apenas um elemento Ideacional. Sendo assim, quando ocorre um elemento Textual e/ou Interpessoal em posição temática, o Tema será Múltiplo. Também é possível a ocorrência de mais de um elemento Textual e/ou Interpessoal em posição temática, desde que os mesmos ocorram antes do elemento Ideacional do Tema. Por outro lado, não há Temas Ideacionais Múltiplos no português. Os Temas Textuais Simples, que ocorrem no alemão (exemplos 77 e 78), foram retextualizados como Temas Múltiplos ou Tema Simples Ideacional Paticipante ou Circunstância, já que, no português, o Tema deve incluir necessariamente um elemento Ideacional, como mostram os exemplos 126 e 127 (conferir também exemplos 98-102 e 113 discutidos anteriormente).

169 Exemplo 126 (S01/T02):

Entretanto, Schröder abrirá a exposição.

Exemplo 127 (S03/T02): No entanto, Schröder é quem irá abrir a exposição.

Nos exemplos 126 e 127, o Sujeito da oração foi deslocado para a posição temática e o Tema Textual Simples foi retextualizado como um Tema Múltiplo, em que o Participante/Sujeito representa o elemento Ideacional do Tema em TC. Ao contrário do TP e das soluções apresentadas pelos outros informantes, S03 faz uso de uma estrutura de identificação entre o Participante que ocorre em posição temática e o restante da oração. Dessa forma, ele realiza a estrutura de um Tema Predicado através da construção "é que" do português (LONGHIN & ILARI, 2000), e trata o Participante Schröder como elemento Novo na oração, dando proeminência ao Tema da oração, provavelmente na tentativa de enfatizar a relação adversativa com a oração anterior. No que diz respeito à escolha do Tema Ideacional, assim como nos TPs, nos TCs, a categoria que ocorre com mais freqüência em posição temática é o Participante, seguido da Circunstância. Em T01 não há ocorrências de Tema Processo e apenas um Tema Ideacional Oracional, conforme os dados da tabela 22.

TP S01 S02 S03 S04 S05

Tabela 22: Escolha do Tema Ideacional em T01 Participante Processo Circunstância Oracional 13 (68,4%) 0 (0,0%) 5 (26,3%) 1 (5,3%) 9 (64,3%) 0 (0,0%) 4 (28,6%) 1 (7,1%) 9 (69,2%) 0 (0,0%) 3 (23,1%) 1 (7,7%) 6 (60,0%) 0 (0,0%) 3 (30,0%) 1 (10,0%) 5 (50,0%) 0 (0,0%) 4 (40,0%) 1 (10,0%) 7 (63,6%) 0 (0,0%) 4 (36,4%) 0 (0,0%)

Total 19 (100%) 14 (100%) 13 (100%) 10 (100%) 10 (100%) 11 (100%)

Em T02, os três casos de Tema Processo uma ocorrência de Estrutura Tematizante (Tema Comentário, que foi discutido nos exemplos 114 e 116) em cada

170 um dos TCs. A proporção de elementos que configuram o Tema Ideacional em T02 é mostrada na tabela 23.

TP S01 S02 S03 S04 S05

Participante 8 (50,0%) 6 (37,5%) 8 (50,0%) 8 (47,1%) 10 (58,8%) 8 (44,4%)

Tabela 23: Escolha do Tema Ideacional em T02 Processo Circunstância Oracional Outros 3 (18,8%) 4 (25,0%) 1 (6,2%) 0 (0%) 3 (18,7%) 4 (25,0%) 2 (12,5%) 1 (6,3%) 3 (18,7%) 3 (18,7%) 1 (6,3%) 1 (6,3%) 3 (17,6%) 4 (23,5%) 1 (5,9%) 1 (5,9%) 3 (17,6%) 2 (11,8%) 1 (5,9%) 1 (5,9%) 3 (16,7%) 4 (22,2%) 2 (11,1%) 1 (5,6%)

Total 16 (100%) 16 (100%) 16 (100%) 17 (100%) 17 (100%) 18 (100%)

No geral, a proporção do tipo de Tema segundo a Meta-função (Textual, Interpessoal e Ideacional) e os elementos Ideacionais (Participante, Circunstância, Processo, Oração) que ocupam a posição temática não sofreram variações consideráveis na retextualização do alemão para o português. Os três casos de Tema Ideacional Processo no texto de partida T02 foram retextualizados como Tema Ideacional Processo e nenhum informante apresentou dificuldades com essa retextualização. Assim como no alemão, o Processo Verbal ocupa a posição temática no português quando ele é precedido de uma locução, como nos exemplos 128 e 129. Exemplo 128 (S01/T02):

"Seria particularmente interessante ", diz Stih, "se a Polícia abrisse o caminho para o chanceler e tivesse que levar embora algumas vítimas de trabalhos forçados."

Exemplo 129 (S03/T02): "Até mesmo o chanceler proclamou, no jornal Bild de domingo, que tal atitude deve ser 'socilamente banida'", protesta Stih.

Em alguns trechos dos relatos retrospectivos, os informantes expressam sua tentativa, nem sempre bem-sucedida, de deslocar o Sujeito da oração para a posição temática na retextualização dos textos em alemão para o português. Mesmo quando o Sujeito não é posicionado no Tema da oração no TC, nos casos em que ele ocorre em posição pós-verbal (Mittelfeld) no alemão, devido ao fato de a primeira posição da oração ser ocupada por um outro elemento diferente do Sujeito, na retextualização

171 para o português, ele é automaticamente deslocado para a posição anterior ao verbo conjugado, independente de ser precedido por um outro elemento Ideacional, como, por exemplo, uma Circunstância. Conforme o relato 21, o informante S01 percebe que a sentença no texto de partida T02 (conferir exemplo 91) é muito longa, mas não opta por dividi-la no TC; no entanto, para tornar a oração mais adequada à língua de chegada, ele desloca o Sujeito da oração para o início do Rema, seguindo a tendência apresentada pelos informantes de colocar o Sujeito em posição pré-verbal, ou seja, antes do verbo conjugado, como no exemplo 130. Relato 21 (S01/T02):

I. - Aí eu inverti a ordem. P. - Do que, artistas conceituais? I. - Isso aí está no fim, né? No alemão ele começa, é lógico, né, o verbo com segunda posição, primeiro ele colocou um advérbio de tempo, né. E a explicação sobre os artistas vem no fim, eu coloquei isso, eu antecipei. (...) E na verdade, eu não sei, para mim isso é tranqüilo, mas eu acho que em português essa ordem não seria tão usual, ou seja, colocar tanto designativos e qualificativos antes, sabe?(...) Apesar de que a frase continua grande, né? Mas talvez, eu mudando a ordem eu tentei evitar isso um pouco, ou senão pelo menos facilitar a fluidez da leitura.

Exemplo 130 (S01/T02):

Berlim - Desde o meio-dia de sexta-feira, grandes cartazes dos artistas conceituais berlinenses Renata Stih e Frieder Schnock, que já têm tradição com "arte em espaços públicos", estão pendurados em Berlim, precisamente na rua Invalidenstraße, em frente à estação de trem Hamburger Bahnhof, e na também estação de trem Lehrter Bahnhof.

O informante S05 também demonstra ter tido problemas com a retextualização do trecho representado pelo exemplo 91 de T02, mas apresenta uma solução diferente daquela de S01, como mostra o exemplo 131. Exemplo 131 (S05/T02): Berlim - Desde o meio-dia de sexta-feira, grandes posters podem ser vistos em Berlim, na rua Invalidenstrasse, em frente à estação Hamburger Bahnhof e na estação Lehrter Bahnhof. Os autores dos posters são os artistas conceituais berlinenses Renata Stih e Frieder Schnock, os quais se celebrizaram através da "arte a céu aberto".

No relato 22, o informante S05 demonstra preocupação com a distribuição da informação, já que, no texto em alemão, há várias interpolações de elementos

172 atributivos formando uma sentença bastante complexa que, apesar de comum na língua alemã, é pouco usual no português. Relato 22 (S05/T02):

I. – Eu estava vendo como que eu organizaria a frase. Porque começa com o verbo aí, né? E em português, é claro que não poderia ser assim. Depois tem várias informações aí, (...) então eu estava pensando como que eu distribuiria essas informações ao longo da frase. (...) Mas isso aí, você pára para pensar, quer dizer, o português, em 90% dos casos o sujeito vai vir primeiro, né, então eu já podia ter colocado logo os posters de cara, só, fiz um pouco depois. (...) depois que eu vi que os artistas tinham que ficar por último, por causa do começo do outro parágrafo. (...) P. - E você dividiu em duas sentenças aí, né? I. - Ah é, dividi, dividi, porque isso estava muito grande. Ficava esquisito desse jeito. (...) No segundo parágrafo retoma o fato de que, a idéia de arte a céu aberto, então ela tinha que ficar por último no parágrafo.

Apesar de seu relato não mostrar evidências do uso de meta-linguagem, o informante S05 demonstra conhecimento implícito relativo à progressão temática do texto, ao se preocupar em colocar em posição remática o elemento que será retomado no Tema da oração seguinte. Ele opta por dividir a sentença em duas orações no TC, por considerá-la muito longa para a língua portuguesa. Na primeira oração, ele posiciona o Sujeito antes do verbo conjugado, assim como S01, e na segunda oração, o Sujeito os autores dos posters é colocado em posição temática e estabelece uma relação de identificação com o que seria parte do Rema da oração anterior no TP. O exemplo 131 também demonstra a tendência dos informantes em posicionar o Sujeito da oração em posição pré-verbal. No exemplo 132, o informante S04 opta por colocar o Sujeito da oração em posição temática. No TP, o Tema é ocupado por um elemento Textual e uma Circunstância, enquanto o Sujeito ocorre no Mittelfeld (campo interno), após o verbo conjugado. Na retextualização, S04 opta eliminar o elemento Textual e a Circunstância, e desloca o Sujeito para o Tema da oração.

173 Exemplo 132 (S04/T02):

O "espaço da ação" foi escolhido com cuidado, pois em 21 de setembro, na estação de Hamburgo, acontecerá a abertura da "Coleção Flick", a coleção de arte do herdeiro milionário Friederich Carl Flick, que vive na Suíça, sobre a qual já há forte controvérsia antes mesmo de sua abertura.

Como podemos observar, há uma tendência a deslocar o Sujeito da oração para a posição temática nos textos em português, como foi apontado nos exemplos 130-132 acima e também na discussão dos exemplos 102, 104, 105, 107, 126 e 127, anteriormente. Quando o Sujeito não é deslocado para posição temática, ainda assim ele ocupa a posição pré-verbal no português. Assim como os dados processuais, os dados do produto também apontam algumas diferenças individuais entre os informantes. O informante S01 apresenta tendência a reforçar os laços coesivos entre as partes do texto, principalmente em T02, que foi traduzido sem pressão de tempo. Em seus relatos retrospectivos, esse informante revela uma preocupação com o público-alvo e em facilitar a tarefa do leitor. Os exemplos 133 e 134 demonstram como S01 reforça os laços coesivos por meio de coesão lexical em seu texto. Os termos assinalados não estão presentes no TP. Exemplo 133 (S01/T01): Flick reagiu a eles - e declinou do convite.

Exemplo 134 (S01/T02): Sob tais circunstâncias, o chanceler visitará outrora vítimas de trabalhos forçados no regime nazista, que, apesar de não terem sido convidadas para a abertura da exposição, o poderiam fazê-lo.

No exemplo 134, o termo Schröder é retomado por um pronome pessoal em TP (er), mas o informante S01 prefere fazer uso do termo chanceler, reforçando os laços coesivos através de coesão lexical. No relato 23, S01 menciona sua escolha. Relato 23 (S01/T02):

I. – (...) o ele não foi um referente muito claro não, um referente anafórico muito claro não. Eu falei, gente, o ele, assim, eu escrevi direto ele, né, mas eu falei, o leitor vai saber quem é o ele? Ele pode talvez ter dúvida se é o Flick que vai visitar?

174 O informante S02 tem um processo de tradução bastante linear e não realiza alterações significativas na organização ou na progressão temática na tradução dos textos. As modificações que ele realiza, no geral, estão relacionadas a características sistêmicas da língua portuguesa. O informante S03 tem o costume de posicionar o núcleo do sintagma nominal antes dos elementos atributivos no português, enquanto no alemão os atributivos foram posicionados antes do termo ao qual eles se referem. S03 considera mais comum à língua portuguesa antecipar o núcleo do sintagma, conforme mostra o relato 24. Relato 24 (S03/T01):

I. - (...) É, na verdade, porque eu também pensei que no Brasil, é, nos jornais aqui, é mais comum aparecer primeiro o nome e depois a explicação de quem que é, enquanto no alemão primeiro aparece a explicação de quem que é, para depois aparecer o nome.

No exemplo 135 podemos observar a tendência de S03 a deslocar o núcleo do sintagma para a posição inicial. No entanto, houve casos em que, como no exemplo 99 apresentado anteriormente, essa escolha resultou em uma solução de tradução inadequada. Exemplo 135 (S03/T01): Albert Meyer, presidente da comunidade judaica em Berlin, havia convidado o polêmico colecionador de arte para as festividades, e por esta razão sofreu críticas ferrenhas por parte de membros da comunidade e representantes do conselho central.

O informante S04 tende a fazer pouco uso de elementos Textuais em posição temática na retextualização. A proporção de Temas Textuais nos seus TCs é menor do que nos TPs (ver tabelas 20 e 21). O informante S05 se mostra mais à vontade para alterar a ordem dos elementos no texto de chegada. Em alguns casos, o Sujeito da oração é deslocado para a posição temática e em outros, uma Circunstância assume a posição temática, originalmente ocupada por um Participante. S05 também opta por dividir sentenças

175 muito longas do alemão em sentenças menores na tradução para o português, como foi demonstrado no exemplo 131. De acordo com os resultados relativos ao produto final das traduções, podemos concluir que não houve um efeito significativo da pressão de tempo na realização da organização temática dos textos de chegada. A proporção do tipo de Tema segundo a Meta-função (Textual, Interpessoal e Ideacional) nas retextualizações de T01 e T02 não variou significativamente de um texto para o outro, assim como a proporção dos elementos Ideacionais (Participante, Circunstância, Processo e Oração) que ocupam a posição temática. Tanto em T01 quanto em T02 houve uma tendência em deslocar o Sujeito da oração para a posição anterior ao verbo conjugado devido a diferenças sistêmicas entre o alemão e o português, já que no alemão, quando o Sujeito não ocorre no Tema, ele é deslocado para a posição posterior ao verbo conjugado, pois em orações declarativas, o Finito deve, necessariamente, ocupar a segunda posição da oração. No português, não é comum que o Sujeito ocorra pós-posto ao verbo conjugado (PONTES, 1987). Houve também tentativa, por parte dos informantes, em posicionar o Sujeito em posição temática nos textos em português. Apesar de essa não ser uma posição obrigatória para o Sujeito da oração no português, a maioria dos informantes considera que é a posição mais comum. Portanto, por considerarem que o Sujeito da oração é o elemento que ocorre com mais freqüência em posição temática, em alguns casos ele foi colocado em posição temática por escolha do informante.

176 Podemos perceber que os informantes conseguiram solucionar os problemas de tradução de forma mais adequada durante a tarefa realizada sem pressão de tempo. Na tarefa realizada sob pressão de tempo, além de não conseguirem concluir a tradução, deixando alguns trechos sem traduzir, muitos TCs apresentaram problemas na progressão temática e também de aspectos relativos à coesão textual. No próximo capítulo, os dados do produto final, discutidos nesse capítulo, serão relacionados com os dados processuais discutidos anteriormente.

177 Capítulo 5: Cruzamento dos Dados Processuais com os Dados do Produto

Durabilidade Textual Como foi discutido no capítulo 1, a durabilidade textual parece estar relacionada ao nível de conhecimento experto do tradutor, ao ritmo cognitivo do processo de tradução, à capacidade de meta-reflexão e ao desenvolvimento da competência tradutória. Tradutores com uma competência tradutória consolidada tendem a produzir textos de chegada mais duráveis, ou seja, textos cuja construção, em seus aspectos processuais, se auto-sustenta em termos coesivos e passíveis de serem considerados adequados em termos contextuais, considerando-se o gênero textual ao qual pertence e a tarefa de tradução solicitada. A durabilidade pode ser pensada em função da quantidade de revisão substancial necessária para que o texto de chegada atinja um nível de adequação satisfatório. Em termos processuais, a revisão pode ser analisada a partir da recursividade do processo de tradução. Buchweitz e Alves (no prelo), relacionam recursividade e revisão à durabilidade textual. A recursividade está relacionada à preocupação do tradutor em ligar as diferentes partes do texto e produzir um texto de chegada cujas redes coesivas estejam devidamente interligadas. Portanto, quanto mais recursivo o processo de tradução, maior a possibilidade de o tradutor produzir um texto de chegada mais durável. Alves (2003) já havia constatado que um de seus informantes, que apresentou um processo de tradução mais recursivo, produziu textos de chegada mais coesos. No entanto, nem sempre um processo mais recursivo resulta em textos de chegada mais duráveis, como foi apontado no capítulo 4 pelo exemplo do informante S05, que, apesar de ter apresentado mais recursividade na tradução de T01, parece ter produzido um texto mais durável na tradução de T02.

178 A recursividade também está intimamente relacionada à revisão. Durante a fase de revisão do processo de tradução, a recursividade aumenta consideravelmente, e durante a fase de redação, a recursividade está relacionada à revisão online. Portanto, um processo mais recursivo também indica que o tradutor monitora e controla seu texto durante toda a tradução. De acordo com os resultados apresentados na seção 3.2.1, houve um aumento na recursividade do processo de tradução durante a fase de redação e, conseqüentemente, da revisão online, na tradução de T02, que foi efetuada sem pressão de tempo. Além disso, a tradução de T01 não foi sequer finalizada e, por isso, não apresentou fase de revisão separadamente. Esses resultados são indícios de que os textos de chegada produzidos na tradução de T01, ou seja, com pressão de tempo, são menos duráveis do que os textos de chegada produzidos na tradução de T02. Na tradução deste último, os informantes foram capazes de gerenciar e monitorar o processo mais adequadamente, revisando o texto durante e após sua redação. Já os textos de chegada de T01 carecem de mais revisão, conforme apontam os próprios informantes ao serem perguntados sobre como a pressão de tempo afetou seu processo de tradução nos relatos 25 e 26. Relato 25 (S01/T02):

I. - E mesmo, por exemplo, o que eu não entendi (em T01) ficou é.. por e.. algumas soluções que, na hora, me pareceram insatisfatórias, mas que eu resolvi deixar porque não tinha tempo. Se eu tivesse lido o texto todo no outro, talvez eu percebesse que não fazia muito sentido aquela fr.. o equívoco de compreensão. P. - Da recusa, por exemplo, em pagar, né, contribuir com o fundo. I. - É, isso mesmo.

Relato 26 (S03/T02): I. - (...) Igual, para a revisão mesmo, aqui (T02) eu tive mais tempo, né. Eu revisei duas vezes, ainda eu voltei, mexi em altas coisas. Então eu acho que especialmente para a revisão, né? É, deu para trabalhar melhor a revisão, porque eu tive mais tempo. Mesmo o fato de ter trabalhado mais aqui, né, na verdade mais o começo do texto, né, que sofreu mais modificação na fase de revisão.

179 Por outro lado, os dados sobre segmentação (seção 3.2.2) não indicaram nenhuma tendência relativa à pressão de tempo. Quando o texto é segmentado em unidades de tradução muito pequenas, no nível da palavra, a construção de um texto de chegada mais coeso se torna difícil, já que a atenção do tradutor está voltada para um aspecto pontual do texto. Sendo assim, segmentos longos são indícios de maior durabilidade. No entanto, Buchweitz & Alves apontam que esse foco em questões micro-linguísticas se torna, por vezes, necessário na tradução de um texto e, por outro lado, podem ser compensados por um aumento da recursividade. Como a segmentação não variou significativamente com a pressão de tempo, ou seja, esta não teve um efeito significativo na forma como os informantes segmentaram o texto ao traduzi-lo, podemos concluir que, a partir dos resultados apresentados nas seções 3.1 e 3.2, os informantes não desenvolveram nenhuma estratégia específica para lidar com a pressão de tempo, o que pode ser indício de uma competência em tradução ainda não consolidada. Buchweitz e Alves (no prelo) não levam em consideração o produto final das traduções em sua análise. No presente trabalho, as representações lineares do Translog e os dados dos TAPs foram complementados pela análise do produto final (capítulo 4), que também será considerada na análise da durabilidade textual. A análise dos textos de chegada indica que os textos T01, produzidos sob pressão de tempo, são menos duráveis do que os textos T02, produzidos sem pressão de tempo. Os exemplos analisados no capítulo 4 mostram que houve uma dificuldade maior dos informantes em solucionar problemas de tradução no caso de T01. Muitos trechos dos textos de chegada T01 apresentam problemas de progressão temática e coesão que comprometem sua compreensão. No entanto, os textos de chegada T02 também apresentam alguns problemas de adequação como foi discutido no capítulo 4

180 (conferir exemplo 113) e como mostram os exemplos 136-139, em que algumas incorreções ortográficas não foram identificadas pelos informantes mesmo após a fase de revisão. Exemplo 136 (S02/T02):

A arte, o primeiro-ministro e os grabalhadores-forçados

Exemplo 137 (S03/T02): A arte, o chanceler e os trabalhoadores forçados

Exemplo 138 (S03/T02): O meio artístico de Berlin também não deixa a controvérsia acerca da "Flick Collection" passar em branco.

Exemplo 139 (S05/T02): Desde o meio-dia de sexta-feira, grandes posters podem ser vistos em Berlim, na rua Invalidenstrasse, em frente à estação Hamburger Bahnhof e na estação Lehrter Bahnhof.

Nos exemplos 136-138, temos casos de incorreções ortográficas que não foram corrigidas após a fase de revisão e permaneceram no texto final. Já no exemplo 139, o informante S05 considera que Hamburger Bahnhof é uma estação, assim como Lehrter Bahnhof; no entanto, Hamburger Bahnhof é o nome de um grande museu de arte contemporânea em Berlim. Essa informação poderia ter sido obtida facilmente pela Internet, a qual os informantes tiveram acesso durante a tradução dos textos, porém todos eles consideraram que Hamburger Bahnhof fosse uma estação em suas traduções. No relato 27, o informante S01 admite que tenham permanecido algumas incorreções mesmo no texto que foi traduzido sem pressão de tempo. Relato 27 (S01/T02):

I. - Na verdade eu não sei, assim, é lógico que o tempo da outra vez foi importante, mas também não coloco nele a responsabilidade de tudo não, porque esse aí [T02] também pode ter, e tem algumas coisas que não são explica.. agora eu tinha quanto tempo eu quisesse, né, e mesmo assim eu sei que ficaram alguns problemas.

Apesar de T02 também apresentar alguns problemas de durabilidade textual, os textos de chegada de T01 apresentam problemas mais sérios de coesão e coerência

181 como foi demonstrado pelos exemplos 97, 99-104 e 108 no capítulo 4. O resultados mostram que, na tradução realizada sem pressão de tempo, os informantes conseguiram solucionar os problemas de tradução de maneira mais adequada (comparar exemplos 104 e 108 com os exemplos 121-125), enquanto na tradução realizada sob pressão de tempo, algumas soluções apresentam problemas sérios de coesão/coerência que chegam a afetar a progressão temática do texto (ver exemplo 97) e carecem de revisão substancial. Além disso, todos os T01 são incompletos, o que afeta significativamente a durabilidade textual do produto final. Nenhum informante demonstrou mudança nítida de estratégia para lidar com a pressão de tempo. A insuficiência de gerenciamento do tempo disponível para a realização da tradução de T01 teve como resultado a não conclusão da tarefa assim como a falta de uma fase de revisão na tradução desse texto. Essa falta de gerenciamento aponta para uma competência tradutória ainda não consolidada e parece ter acarretado em menor durabilidade textual. Apesar de não ter havido variação significativa na segmentação do texto com o efeito da pressão de tempo, houve menos recursividade e revisão online. Processos menos recursivos, em que houve menos revisão, parecem resultar na produção de textos finais com padrões de coesão inadequados, portanto, menos duráveis. Por outro lado, o informante S05 apresentou um processo mais recursivo na tradução com pressão de tempo e ainda assim seu texto de chegada T01 é menos durável do que seu texto de chegada T02. Portanto, a recursividade nem sempre pode ser considerada indício de durabilidade textual. Vimos também, na seção 3.2.1, que maior recursividade nem sempre acarreta em mais modificações no texto de chegada. Apesar de S05 ter apresentado um processo mais recursivo na tradução de T01, ele realizou mais modificações no texto T02 durante a fase de redação. Algumas

182 inadequações em T01 não foram percebidas por esse informante. Esses dados apontam que maior recursividade nem sempre acarreta em um monitoramento eficaz do texto de chegada o que, por sua vez, pode ter sido o motivo de o texto de chegada T01, do informante S05, ser menos durável do que o texto T02. Mais do que a recursividade, a falta de monitoramento e revisão eficazes parecem ter sido os principais motivos para que a tarefa realizada sob pressão de tempo tenha resultado em textos menos duráveis do que na tradução de T02. A ausência de meta-linguagem é uma característica dos relatos retrospectivos dos informantes e também pode ser um indício de menor durabilidade. A maioria das vezes, os informantes justificam suas escolhas de tradução assim como o informante S02, no relato 28, fazendo uso de expressões que evidenciam que suas escolhas não possuem (ou possuem pouco) embasamento teórico ou algum tipo de reflexão crítica. Relato 28 (S02/T02):

I. Aí eu inverti a ordem do adjetivo, eu acho que ficou melhor antes. (...) Eu tinha colocado exposição planejada da Flick Collection. Mas aí não ficou bom, eu coloquei: planejada exposição da Flick Collection. Acho que assim ficou melhor, de ouvir.

No relato 29, o informante faz uso de alguns conceitos teóricos para justificar suas escolhas de tradução; no entanto, exemplos como este não ocorreram com freqüência nos relatos dos informantes. Relato 29 (S03/T02): I. Então depois eu mudei e deixei controvérsia mesmo. Ah é, eu mudei também acho que a organização temática e remática, né, eu preferi colocar lá o meio artístico no começo. É... porque tem essa expressão aqui nicht kalt lassen, e no português não teria nenhum, pelo menos a minha opinião aqui, eu pensei que mexer aqui na minha lembrança, não vi nada semelhante, coloquei tipo passar em brancas nuvens, mas depois eu mudei e deixei só passar em branco.

Outra característica da meta-reflexão dos informantes está relacionada ao seu conhecimento de mundo, que, por sua vez, pode ser relacionado à idade dos mesmos. O título de T02 (Die Kunst, der Kanzler und die Zwangsarbeiter), por exemplo, remete a uma peça teatral de Fassbinder de 1975 (Der Mühl, die Stadt, der Tod), que

183 faz uma crítica ao nazismo. Nenhum dos informantes faz menção à peça de Fassbinder em seus relatos retrospectivos, provavelmente por desconhecerem tal peça, já que ela foi escrita em uma época em que os informantes eram ainda muito jovens e censurada pouco tempo depois de ter sido lançada (como vimos no capítulo 2, com exceção de S04, todos os informantes têm entre 25 e 30 anos). É provável que nenhum dos informantes tenha associado o título do artigo à peça teatral. O cruzamento dos dados do processo com os dados do produto no presente trabalho indicam que capacidade insuficiente de gerenciamento do processo de tradução e ausência de meta-reflexão e conhecimento teórico assim como aspectos relativos ao conhecimento de mundo dos informantes, evidenciados através da ausência de uso de meta-linguagem para justificar as escolhas de tradução, parecem estar relacionados a um monitoramento do processo e revisão pouco eficazes que resultam na produção de textos de chegada com baixa durabilidade textual. A durabilidade textual, portanto, parece estar relacionada à competência tradutória do tradutor e sua capacidade de gerenciar o processo de tradução de forma a traduzir com padrões de recursividade e revisão adequados às especificidades da tarefa.

184 Capítulo 6: Conclusão

Conforme apontam os dados dos capítulos 3 e 4 do presente trabalho, a pressão de tempo parece não ter tido um impacto significativo no processo de tradução de tradutores novatos. Corroborando o que já havia sido constatado por Jensen (2001) e Jakobsen (2002, 2003) para o par lingüístico dinamarquês-inglês, os tradutores novatos, trabalhando no par lingüístico alemão-português, alocaram mais tempo para a fase de redação do que para as fases de orientação e revisão. Na tradução de T01, realizada com pressão de tempo, nenhum dos informantes apresentou uma fase de revisão. O gerenciamento do processo de tradução foi insuficiente para lidar com a pressão de tempo. Esses dados corroboram também os dados de pesquisadores do Cordiall/Corprat (ALVES & MAGALHÃES, 2004; ALVES, 2005a), e apontaram que tradutores novatos apresentam ritmos cognitivos erráticos, o que resulta na produção de textos de chegada pouco duráveis. Como os informantes não tinham uma competência em tradução consolidada, não apresentaram estratégias específicas para lidar com uma condição de produção diferente (pressão de tempo), que, portanto, não teve efeito significativo no processo de tradução dos mesmos. A recursividade do processo de tradução foi maior na realização da tarefa sem pressão de tempo do que na tarefa realizada com pressão de tempo, enquanto a segmentação não variou significativamente. Buchweitz & Alves (no prelo) constataram que alguns de seus informantes - exatamente os que tinham uma competência em tradução um pouco mais desenvolvida - apresentaram um processo de tradução mais recursivo como estratégia para lidar com uma situação de dificuldade: a tradução de um texto para uma língua estrangeira. Ao mesmo tempo em

185 que passaram a segmentar o texto em UTs menores, em comparação com a tradução realizada para a língua materna, aumentaram a recursividade, o que os autores consideraram indício de maior durabilidade. No entanto, em seu trabalho, Buchweitz & Alves não analisaram os dados do produto final e, como foi discutido no capítulo 1, enfocaram uma outra variável independente, qual seja, a direção da tradução de e para uma língua estrangeira e trabalharam com problemas específicos a esta variável. De acordo com os dados desta dissertação, nem sempre a recursividade pode ser correlacionada à durabilidade, ela precisa ser estudada em função da revisão. Há casos em que, apesar de maior recursividade, o monitoramento do processo de tradução e do texto de chegada não é produtivo o suficiente para que a versão final do texto seja durável. A eficiência da revisão realizada e do gerenciamento do processo devem ser analisados juntamente com os padrões de recursividade para que esta última possa ser correlacionada à durabilidade. Os dados do produto final mostram que a configuração temática se deu de forma semelhante nos dois textos de chegada, tanto o que foi produzido sob pressão de tempo como o que foi produzido sem pressão de tempo. A distribuição dos Temas segundo a Meta-função e o tipo de elemento Ideacional (Participante, Circunstância, Processo, Oração) que ocupa a posição temática nos textos de chegada foram semelhantes aos dos respectivos textos de partida. Na tradução para o português, houve uma tendência em deslocar o Sujeito da oração, que, em alguns casos, ocorreu em posição pós-verbal no texto em alemão, para a posição temática ou para o início do Rema, em posição pré-verbal. Esse fenômeno está relacionado às características sistêmicas das línguas em questão. Apesar de ambas serem consideradas línguas de padrão SVO, o alemão permite maior mobilidade dos termos da oração, possibilitando o deslocamento do Sujeito para posições pós-verbais em orações declarativas,

186 contanto que o Predicador ocupe a segunda posição da oração (WEINRICH, 1994; TEICH, 2003). No entanto, apesar de os tradutores novatos terem mostrado sensibilidade a diferenças entre as línguas alemã e portuguesa, optando pelo padrão SVO na tradução dos textos T01 e T02, houve casos em que problemas de interpretação relacionados a características de tematização e Sujeitos diferentes nas duas línguas resultaram em textos de chegada com problemas de coesão. Com relação à progressão temática e a alguns aspectos coesivos dos textos de chegada, houve textos, principalmente entre os que foram traduzidos sob pressão de tempo, em que não houve uma manutenção da progressão temática e o elo coesivo se tornou mais fragmentado com problemas de mudanças nas cadeias coesivas, como, por exemplo, no caso do informante S04, apresentado no capítulo 4, em que um mesmo Participante é tratado como duas entidades distintas na tradução, resultando em textos de chegada pouco duráveis. Nesse aspecto, os textos de chegada produzidos sob pressão de tempo são menos duráveis do que os textos de chegada produzidos sem limite de tempo definido. A organização temática das orações encaixadas, no geral, não é considerada na análise de textos, pois, como foi dito no capítulo 1, alega-se que sua contribuição temática para o discurso é mínima, no sentido de que envolvem escolhas mais restritas por se tratar de unidades inferiores na hierarquia lingüística (HALLIDAY, 1994; VASCONCELLOS, 1997; RAVELLI, 2000; THOMPSON, 2002). No presente trabalho, por se tratar de um corpus de análise bilingüe envolvendo tradução, algumas escolhas de Temas em orações hipotáticas e encaixadas foram observadas. Ao contrário do que apontam os teóricos, os dados deste trabalho indicam que, na tradução dos textos em alemão para o português, as diferenças de organização temática ocorrem principalmente no nível das orações hipotáticas e encaixadas. Nas

187 orações paratáticas, os informantes costumam seguir o mesmo padrão de organização temática do texto de partida. Apesar de não ter computado, para efeitos de dados quantitativos, as orações hipotáticas e encaixadas na análise da organização temática no presente trabalho, a observação de alguns desses casos aponta para a relevância de se analisar essas orações que podem apresentar resultados interessantes e devem ser consideradas em pesquisas futuras sobre tradução. Os relatos retrospectivos dos informantes, com exceção de alguns poucos exemplos, não evidenciam meta-linguagem relativa a categorias de análise textual ou conceitos de tradução, corroborando Alves & Magalhães (2004) e Alves (2005a). Essa ausência de meta-linguagem indica que não há um conhecimento teórico consolidado com o qual o tradutor fundamenta suas tomadas de decisão conscientemente. A ausência de meta-linguagem no tradutor novato também é um indício de menor durabilidade. É, portanto, característico do perfil do tradutor novato a ausência de meta-linguagem e a produção de textos de chegada pouco duráveis, como já haviam apontado Alves & Magalhães (2004). É necessário confrontar os resultados relativos a tradutores novatos com dados de pesquisas com tradutores expertos que apresentem meta-linguagem para averiguar se a evidência de um conhecimento teórico consolidado com o qual o tradutor fundamenta suas tomadas de decisão conscientemente pode ser correlacionado à durabilidade. Fraser (1996a) fala da necessidade de realizar pesquisas processuais utilizando tradutores expertos como informantes para podermos identificar as características da prática de tradutores que possuem uma competência em tradução já consolidada, para que essa prática possa ser aplicada a treinamentos de tradutores. Sabendo como tradutores expertos se comportam na prática, atividades direcionadas podem ser

188 elaboradas para melhorar o desempenho de tradutores que ainda estão aprendendo a lidar com diferentes situações de produção. O cruzamento dos dados processuais com os dados do produto final aponta que, para tratarmos a durabilidade textual, parâmetros do processo e do produto precisam ser correlacionados, pois sua observação de forma separada pode não ser produtiva. O aumento da recursividade, por exemplo, nem sempre resulta na produção de textos de chegada mais duráveis, como no caso da tradução de T01 realizada pelo informante S05, em que houve mais recursividade do que na tradução de T02 e, ainda assim, não resultou em um texto de chegada mais durável. Por isso é importante levarmos em consideração o produto da tradução na análise e cruzarmos dados processuais com dados do produto para podermos estabelecer uma relação entre processo e produto e verificar quais as estratégias e características processuais que, de fato, resultam em um texto de chegada mais durável, tendo em vista que o produto configura a etapa final do processo de tradução. De acordo com Séguinot (2000), traduzir não é apenas uma seqüência de procedimentos, mas envolve o monitoramento de todo o processo tendo-se em vista o objetivo e as condições de produção da tradução. Portanto, a aquisição de competência em tradução envolve também o aprendizado de como lidar com esses aspectos macro-estratégicos de planejamento e gerenciamento do processo de tradução em condições diversas de produção, como, por exemplo, pressão de tempo. Sendo assim, faz-se necessário levar em consideração aspectos relativos à condição de produção da tradução, e, especificamente, à pressão de tempo, em cursos de formação de tradutores, para que os alunos aprendam a lidar com esse tipo de situação, que é recorrente no meio profissional dos tradutores (JENSEN, 2001). É importante que tradutores em formação aprendam a gerenciar seu próprio processo tradutório,

189 distribuindo o tempo disponível para a realização da tarefa de maneira adequada, com a finalidade de produzir textos de chegada mais duráveis. É preciso também que a formação de tradutores novatos contemple especificidades da produção textual nas línguas em pauta, tais como o fluxo de informação, padrões de organização temática e aspectos coesivos.

190 Referências Bibliográficas ALVES, Fábio. Zwischen Schweigen und Sprechen: Wie bildet sich eine transkulturelle Brücke?. Hamburgo: Dr Kovac, 1995. ________. A Formação de tradutores a partir de uma abordagem cognitiva: Reflexões de um Projeto de Ensino, TradTerm, v.4, n.2, 1997. p. 19-40. ________. Unidades de Tradução: o que são e como operá-las. In ALVES, Fábio; MAGALHÃES, Célia; PAGANO, Adriana. Traduzir com autonomia: estratégias para o tradutor em formação. São Paulo: Editora Contexto, 2000. p. 27-38. ________. A triangulação como opção metodológica em pesquisas empíricoexperimentais em tradução. In. PAGANO, Adriana S. (org.). Metodologias de pesquisa em tradução. Belo Horizonte: POSLIN/FALE/UFMG, 2001. p. 69-92. ________. Tradução, Cognição e Contextualização: Triangulando a Interface Processo-Produto no Desempenho de Tradutores Novatos, D.E.L.T.A., v.19: Especial, 2003. p. 71-108. ________. Ritmo cognitivo, Meta-reflexão e Experiência: parâmetros de análise processual no desempenho de tradutores novatos e experientes. In. PAGANO, Adriana; MAGALHÃES, Célia; ALVES, Fábio (orgs.). Competência em Tradução: cognição e discurso. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005a. p. 109-153. ________. Esforço cognitivo e efeito contextual em tradução: relevância no desempenho de tradutores novatos e expertos. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v.5, número especial, 2005b. p. 11-31. ALVES, Fábio; GONÇALVES, José Luiz V. Modelling translator's competence: relevance and expertise under scrutiny. In GAMBIER, Yves; SCHLESINGER, Miriam; STOLZE, Radegundis (eds.). Translation Studies: Doubts and Directions. Selected contributions from the EST Congress: Lisboa, 2004. (no prelo). ALVES, Fábio; MAGALHÃES, Célia. Using small corpora to tap and map the process-product interface in translation. TradTerm, v.10, São Paulo: USP, 2004. p. 179-211. ALVES, Fábio; MAGALHÃES, Célia; PAGANO, Adriana. Autonomy in Translation: approaching translators' education through awareness of discourse processing. Cadernos de Tradução, n10, Florianópolis: Núcleo de Tradução, 2002. p. 167-192. ASSIS, Roberto Carlos de. A transitividade na representação de Sethe no corpus paralelo Beloved-Amada. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG/Poslin, 2004. (Dissertação, Mestrado em Linguística Aplicada, inédita).

191 BAKER, Mona. Textual equivalence: thematic and information structure. London: Routledge, 1992. Cap. 5, p. 119-180: In other words. BARBARA, Leila; GOUVEIA, Carlos et al. Tradução dos termos da Gramática Sistêmico-Funcional para o português. FLUL e Projeto Direct da PUC-SP, 2000. BARBARA, Leila; GOUVEIA, Carlos A. M. It is not there, but [it] is cohesive: the case of pronominal ellipsis of subject in portuguese. Direct Paper 46, PUC-SP and University of Brest, 2001. BLUM-KULKA, Shoshana. Shifts of cohesion and coherence in translation. In. VENUTI, Lawrence (ed.). The Translation Studies Reader. London/New York: Routledge, 2000. p. 298-313. BUCHWEITZ, Augusto; ALVES, Fábio. Cognitive Adaptation in Translation: an interface between language direction, time, and recursiveness in target text production. (no prelo) BUENO, Letícia T. Transitividade, coesão e criatividade lexical no corpus paralelo Macunaíma, de Andrade e Macunaima, de Goodland. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG/Poslin, 2005. (Dissertação, Mestrado em Linguística Aplicada, inédita). CANÇADO, Tassiani. Transitividade e representação do discurso no corpus paralelo Interview with the vampire/Entrevista com o vampiro. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG/Poslin, 2005. (Dissertação, Mestrado em Linguística Aplicada, inédita). CRUZ, Osilene. Harry Potter and the Chamber of Secrets e sua tradução para o português do Brasil: uma análise dos verbos de elocução com base na Lingüística Sistêmica e nos Estudos de Corpora. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG/Poslin, 2003. (Dissertação, Mestrado em Linguística Aplicada, inédita). DAVIES, Florence. Reading between the lines: thematic choice as a device for presenting writer viewpoint in academic discourse. The ESP, São Paulo, v. 9, n.s1/2, 1998. p. 173-100. DOWNING, Angela. An alternative approach to theme: A systemic-functional perspective. Word, New York, v.42, n.2, 1991. p. 119-143. DRAGSTED, Barbara. Segmentation in translation and translation memory systems. (Unpublished PhD thesis). Copenhagen: Copenhagen Business School, 2004. (Tese de Doutorado, inédita). EGGINS, Suzanne. An introduction to Systemic Functional Linguistics. London/New York: Continuum, 1994.

192 ERICSSON, K. Anders. Expertise in interpreting: An expert-performance perspective. Interpreting, Amsterdam, v.5, n.2, 2002. p. 187-220. FEITOSA, Marcos P. Uma proposta de anotação de corpora paralelos com base na Linguística Sistêmico-Funcional. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG/Poslin, 2005. (Dissertação, Mestrado em Linguística Aplicada, inédita). FRASER, Janet. The Translator Investigated: Learning from translation Process Analysis. The Translator, Manchester, v.2, n.1, 1996a. p. 65-79. ________. Mapping the process of translation. Meta, Montréal, v.41, n.1, 1996b. p. 84-96. Disponível em: . Acesso em: 27 de abril de 2005. GERZYMISCH-ARBOGAST, Heidrun. Zur Relevanz der Thema-RhemaGliederung für den Übersetzungsprozess. In. SNELL-HORNBY, Mary (ed.). Übersetzungswissenschaft: Eine Neuorientierung. Tübingen/Basel: Francke Verlag, 1994. p. 160-183. GHADESSY, Mohsen; GAO, Yanjie. Small Corpora and Translation: comparing thematic organization in two languages. In GHADESSY, Mohsen; HENRY, Alex; ROSEBERRY, Robert L. (eds.?). Small Corpus Studies and ELT: theory and practice. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2001. p. 333-359. GILE, Daniel. Basic Concepts and Models for Interpreter and Traslation Training. Amsterdam: Benjamins, 1995. GONÇALVES, José Luiz V. R. O Desenvolvimento da Competência do Tradutor: investigando o processo através de um estudo exploratório-experimental. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG/Poslin, 2003. (Tese, Doutorado em Lingüística Aplicada, inédita). GOUVEIA, Carlos A. M.; BARBARA, Leila. Marked or unmarked that is not the question, the question is: where is the Theme?. Direct Paper 45, PUC-SP and University of Liverpool, 2001. ________. Tema e estrutura temática em PE e PB: um estudo contrastivo das traduções portuguesa e brasileira de um original inglês. Direct Papers 48, PUC-SP and University of Liverpool, 2003. HALLIDAY, Michael A. K. An introduction to functional grammar. 2nd ed. London: Edward Arnold, 1994. HALLIDAY, Michael A. K.; MATTHIESSEN, Christan M. I. M. An introduction to functional grammar. 3rd ed. London: Edward Arnold, 2004.

193 HANSEN, Gyde. Das kritische Bewusstsein beim Übersetzen: Eine Analyse des Übersetzungsprozess mit Hilfe von Translog und Retrospektion. In: HANSEN, Gyde (ed.). Probing the process in translation: methods and results. Copenhagen: Samfundslitteratur, 1999. p. 43-67. ________. Selbstaufmerksamkeit im Übersetzungsprozess. In. HANSEN, Gyde (ed.). Empirical translation studies: process and product. Copenhagen: Samfundslitteratur, 2002a. p. 9-27. ________. Zeit und Qualität im Übersetzungsprozess. In. HANSEN, Gyde (ed.). Empirical translation studies: process and product. Copenhagen: Samfundslitteratur, 2002b. p. 29-54. ________. Controlling the process: Theoretical and methodological reflections on research into translation process. In. ALVES, Fábio (ed.). Triangulating Translation: Perspectives in process oriented research. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2003. p. 25-42. ________. Experience and Emotion in Empirical Translation Research with ThinkAloud and Retrospection. Meta, Montréal, v.50, n.2, 2005. p. 511-521. HOUSE, Juliane. Conciousness and the Strategic Use of Aids in Translation. In. TIRKKONEN-CONDIT, Sonja; JÄÄSKELÄINEN, Riitta (eds.). Tapping and Mapping the processes of translation and interpreting: outlooks on empirical research. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2000. p. 149-162. JÄÄSKELÄINEN, Riitta. Hard Work Will Bear Beautiful Fruit. A Comparison of two Think-Aloud Protocol Studies. Meta, Montréal, v.41, n.1, 1996. p. 60-74. Disponível em: . Acesso em: 27 de abril de 2005. JAKOBSEN, Arnt L. Logging target text production with Translog. In: HANSEN, Gyde (ed.). Probing the process in translation: methods and results. Copenhagen: Samfundslitteratur, 1999. p. 9-20. ________. Translation drafting by professional translators and by translation students. In. HANSEN, Gyde (ed.). Empirical translation studies: process and product. Copenhagen: Samfundslitteratur, 2002. p. 191-204. ________. Effects of think aloud on translation speed, revision and segmentation. In. ALVES, Fábio (ed.). Triangulating Translation: Perspectives in process oriented research. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2003. p. 69-95. JENSEN, Astrid. Time pressure in translation. In: HANSEN, Gyde (ed.). Probing the process in translation: methods and results. Copenhagen: Samfundslitteratur, 1999. p. 103-119.

194 ________. The effects of time on cognitive processes and strategies in translation. Copenhagen: Working Papers in LSP, 2001/2. JESUS, Silvana Maria de. Representação do discurso e tradução: padrões de textualização em corpora paralelo e comparável. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG/Poslin, 2004. (Dissertação, Mestrado em Linguística Aplicada, inédita). KOCH, Ingedore G. V. Progressão Temática. São Paulo: Editora Contexto, 2003. p. 63-66: A Coesão Textual. KÖNIGS, Frank G. Was beim Übersetzen passiert: theoretische Aspekte, empirische Befunde und praktische Konsequenzen. Die Neueren Sprachen, v. 2, 1987. p. 162185. ________. Wie theoretisch muss die Übersetzungswissenschaft sein? Gedanken zum Theorie-Praxis-Problem. Taller de Letras, v.18, 1990. p. 103-120. KRINGS, Hans Peter. Wege ins Labyrinth - Fragestellungen und Methoden der Übersetzungsprozessforschung im Überblick. Meta, Montréal, v.50, n.2, 2005. p. 342-358. KRUIJFF et al.. Linear Order as higher-level decision: Information structure in strategic and tactical generation. Proceedings of the European Workshop on Natural Language Generation (in association with the Annual Meeting of the Association for Computational Linguistics (ACL)), Toulouse, 2001. KUSSMAUL, Paul. Translation through Visualization. Meta, Montréal, v.50, n.2, 2005. p. 378-391. LAVID, Julia. Generating thematic choices for multilingual text generation. In. LINDEBJERG, A.; ORE, E.; REIGEM, O. (orgs.). Book of the ALLC-ACH'96. Norwegian Computing Centre for the Humanities, 1996. p. 183-188. LONGHIN, Sanderléia R., ILARI, Rodolfo. Uma leitura hallidayiana das sentenças clivadas do português. Alfa, São Paulo, 44, 2000. p. 193-213. LORENZO, María Pilar. Apuntes para una discusión sobre métodos de estudio del proceso de traducción. In: HANSEN, Gyde (ed.). Probing the process in translation: methods and results. Copenhagen: Samfundslitteratur, 1999. p. 21-42. ________. Competencia revisora y traducción inversa. Cadernos de Tradução, n10, Florianópolis: Núcleo de Tradução, 2002. p. 133-166. LÖRSCHER, Wolfgang. A psycholinguistic analysis of translation processes. Meta, Montréal, v.41, n.1, 1996. p. 26-32. Disponível em: . Acesso em: 27 de abril de 2005.

195 MARTIN, James R. et al. Working with functional grammar. London: Edward Arnold, 1997. MARTIN, James R.; ROSE, David. Periodicity: information flow. London/New York: Continuum, 2003. Cap. 6, p. 175-205: Working with discourse: Meaning beyond the clause. MATEUS, Mira H. M. et al. Ordem de palavras no português. Coimbra: Livraria Almedina, 1983. Cap. 13, p. 497-505: Gramática da Língua Portuguesa. MATHIESSEN, Christian M. I. M. The Environments of Translation. In STEINER, Erich; YALLOP, Colin. Exploring Translation and Multilingual Text Production: Beyond Content. Berlim/Nova Iorque: Mouton de Gruyter, 2001. p. 41-124. MAURI, Cristina. Um estudo da tradução italiana de Laços de Família, de Clarice Lispector, a partir da abordagem em Corpora: a construção da introspecção feminina através dos verbos de elocução. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG/Poslin, 2003. (Dissertação, Mestrado em Linguística Aplicada, inédita). MUNDAY, Jeremy. Problems of applying thematic analysis to translation between Spanish and English. Cadernos de Tradução, Florianópolis, n.3, 1998. p. 184-214. NORD, Christiane. Text Analysis in Translation: Theory, Methodology, and Didactic Application of a Model for Translation oriented Text Analysis. Amsterdam/Atlanta: Editions Rodopi, 1991. PACTE group. Building a translation competence model. In. ALVES, Fábio (ed.). Triangulating Translation: Perspectives in process oriented research. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2003. p. 43-66. PAGANO, Adriana. Organização Temática e Tradução. In PAGANO, Adriana; MAGALHÃES, Célia; ALVES, Fábio (orgs.). Competência em Tradução: cognição e discurso. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005. p. 247-299. PONTES, Eunice. A Ordem VS em Português. Campinas: Pontes, 1987. p. 105-163: O tópico no português do Brasil. RAVELLI, Louise. Getting started with functional analysis of texts. In UNSWORTH, Len (ed.) Researching Language in Schools and Communities: Functional Linguistic Perspectives. London and Washington: Cassel, 2000. p. 27-64. RODRIGUES, Roberta R. A organização temática em A Hora da Estrela e The Hour of the Star. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG/Poslin, 2005. (Dissertação, Mestrado em Linguística Aplicada, inédita).

196 ROETHE-NEVES, R. The influence of working memory features on some formal aspects of translation performance. In. ALVES, Fábio (ed.). Triangulating Translation: Perspectives in process oriented research. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2003. p. 97-119. SÉGUINOT, Candace. Management Issues in the Translation Process. In. TIRKKONEN-CONDIT, Sonja; JÄÄSKELÄINEN, Riitta (eds.). Tapping and Mapping the processes of translation and interpreting: outlooks on empirical research. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2000. p. 143-148. SHREVE, Gregory; DANKS, Joseph H. Preface. In. DANKS, Joseph H. et al (eds.). Cognitive Processes in Translation and Interpreting. Thousand Oaks/London/New Delhi: Sage Publications, 1997. p. vii-ix. SHREVE, Gregory; KOBY, Geoffrey S. Introduction. In. DANKS, Joseph H. et al (eds.). Cognitive Processes in Translation and Interpreting. Thousand Oaks/London/New Delhi: Sage Publications, 1997. p. xi-xviii. TABOADA, Maité. Theme markedness in English and Spanish: A SistemicFunctional Approach. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 1995. TEICH, Elke. Systemic Functional Grammar in Natural Language Generation: Linguistic description and computational representation. London and New York: Cassel, 1999. ________. Towards a model for the description of cross-linguistic divergence and commonality in translation. In STEINER, Erich; YALLOP, Colin. Exploring Translation and Multilingual Text Production: Beyond Content. Berlim/Nova Iorque: Mouton de Gruyter, 2001. p. 191-227. ________. Cross-linguistic variation in system and text: A methodology for the investigation of translations and comparable texts. Berlin & New York: Mouton de Gruyter, 2003. TORSELLO, Carol T. How Woolf creates point of view in To the Lighthouse: an application of systemic-functional grammar to a literary text. OPSL, n.5, 1990. p. 159-174. THOMPSON, Geoff. Introducing functional grammar. London: Edward Arnold, 2002. VASCONCELLOS, Maria Lucia. Can the translator play with the system, too?: a study of thematic structure in some portuguese translations. Cadernos de Tradução, Florianópolis, n.2, 1997. p. 149-184. VASCONSCELLOS, Muriel. The Theme as message onset: its structure and characteristics. Linguistics, 30, 1992. p. 147-163.

197 VATER, Heinz. Textualität. Munique: Wilhelm Fink Verlag, 2001. Cap. 2, p. 28-85: Einführung in die Textlinguistik: Struktur und Verstehen von Texten, 3a ed. VENTOLA, Eija. Thematic development and translation. In. GHADESSY, Mohsen (ed.). Thematic Development in English Texts. London/New York: Pinter, 1995. p. 85-104. VENTURA, Carolina S. M.; LIMA-LOPES, Rodrigo E. de. O tema: caracterização e realização em português. Direct Papers 47, PUC-SP and University of Liverpool, 2002. WEINRICH, Harald. Textgrammatik der Mannheim/Leipzig/Wien/Zürich: Duden Verlag, 1993.

deutschen

Sprache.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.