O Efeito do Aconselhamento Linguageiro na Trajetória de Aprendizagem de uma Estudante de Inglês

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O EFEITO DO ACONSELHAMENTO LINGUAGEIRO NA TRAJETÓRIA DE APRENDIZAGEM DE UMA ESTUDANTE DE INGLÊS1

Eduardo Castro dos Santos Junior (UFPA) Walkyria Magno e Silva (UFPA)

1. Introdução Segundo Mercer (2015), a teoria da complexidade representa um importante marco na linguística aplicada por considerar os atributos pessoais e contextuais do aprendente como partes de um mesmo sistema dinâmico complexo (doravante SDC). Nessa direção, os estudos sobre aconselhamento em aprendizagem de línguas (AAL daqui em diante) beneficiam-se dos postulados da teoria da complexidade dado ao seu foco em trajetórias de aprendizagem individuais e complexas, levando em consideração os aspectos internos e externos do aconselhado para impulsionar sua aprendizagem. Deste modo, o conselheiro é mais um agente no sistema de aprendizagem do aconselhado, já que na interação que se estabelece entre eles, o primeiro influencia, dinamiza e perturba a aprendizagem do segundo. No contexto nacional, alguns estudos já vêm utilizando a teoria da complexidade para explicar a sua relação com o AAL. Magno e Silva, Matos e Rabelo (2015), por exemplo, identificaram atratores, pontos de bifurcação e emergência de novos comportamentos a partir da interação dos aconselhados com seus conselheiros e com os diversos outros contextos com os quais mantém contato. Os resultados mostraram a forte interconexão entre os elementos contextuais que dinamizam a aprendizagem desses indivíduos. Os autores concluem chamando atenção para o olhar holístico sobre o sistema de aprendizagem dos alunos que a teoria da complexidade permite. É nesse olhar holístico que se pode notar a interconexão entre os vários contextos (e identidades) nos quais o aconselhado se situa. Considerando o aconselhamento como mais um sistema no qual a aprendizagem de línguas acontece e sua interconexão com outros espaços de aprendizagem, este capítulo pretende verificar como o aproveitamento do AAL reflete em uma rede de contextos de aprendizagem, como sala de aula, oficinas e projetos. Mais especificamente, busca-se identificar os comportamentos que reflitam aprendizagem de uma participante; identificar como os agentes interagem na sua aprendizagem; e, por fim, verificar de que modo tais 1

Este trabalho é um recorte da pesquisa de Iniciação Científica conduzida em 2014-2015. Agradecemos o apoio da UFPA no financiamento da bolsa de PIBIC. Este estudo recebeu o prêmio de destaque científico na área de Ciências Humanas no XXVI Seminário de Iniciação Científica da UFPA.

agentes influenciam sua trajetória de aprendizagem. Os dados são provenientes de narrativa de aprendizagem, observação em espaços de aprendizagem, atas de reuniões, relatórios de participação em oficinas e entrevistas. Iniciaremos este capítulo discutindo brevemente algumas características dos SDC pertinentes. Em seguida, apresentaremos os atuais estudos de motivação na aprendizagem de línguas. Depois, apresentamos a metodologia de coleta e análise dos dados utilizados. A partir daí, apresentamos, analisamos e discutimos os dados coletados à luz da teoria da complexidade e dos aspectos motivacionais. Finalmente, traçamos as considerações finais.

2. Características dos sistemas dinâmicos complexos Segundo Larsen-Freeman e Cameron (2008), os sistemas dinâmicos complexos (SDC) podem ser definidos como aqueles que possuem elementos diferentes que interagem entre si de modo que podem – ou não – fazer emergir novos comportamentos, sendo caracterizados como sendo dinâmicos, complexos, não lineares, caóticos, imprevisíveis, sensíveis às condições iniciais, abertos, auto organizáveis, sensíveis a feedback e adaptativos. Dentre essas características, enfocaremos neste trabalho o dinamismo e a abertura. De Bot, Lowie e Verspoor (2007) e Larsen-Freeman (2015) consideram a dinamicidade como uma das principais características dos SDC. Para Larsen-Freeman e Cameron (2008), tudo é dinâmico nos sistemas, pois a maneira como os elementos agem (e interagem) muda ao longo do tempo. Na aprendizagem de línguas, os elementos que dela fazem parte (autonomia, motivação, interação, entre outros) são vistos como processos que mudam, discreta ou continuamente, ao longo de todo o seu desenvolvimento. Os SDC são abertos às influências externas, daí sua imprevisibilidade e dependência do contexto. No entanto, o sistema pode alcançar, em determinados momentos, estágios de estabilidade. Isto não significa que ele esteja estático, mas, na verdade, o que se tem é uma mudança contínua e pouco perceptível, como bem argumentam Larsen-Freeman e Cameron (ibid.). Além disso, não se separa o contexto do sistema porque os fatores contextuais influenciam a sua trajetória da mesma forma que são influenciados por ele. As mudanças sistêmicas levam a diferentes estados ou fases. Larsen-Freeman e Cameron (2008) definem tais estados como o comportamento atual do sistema. Para as autoras, quando um sistema muda de um estado para o outro, o que muda, na verdade, são os padrões de comportamento. Utilizando a metáfora da paisagem, as autoras defendem que a possibilidade de todos os estados ou fases do sistema ocorrerem em uma área chamada de

“paisagem de possibilidades”, onde há pontos altos e baixos. Nessa trajetória, há determinados estados, modos ou padrões de comportamentos preferidos dos sistemas, chamados de atratores ou estados atratores (LARSEN-FREEMAN; CAMERON, 2008). Nessa mesma linha de pensamento, Hiver (2015) ressalta que o termo atrator não exerce uma força de atração, como o nome pode sugerir, mas representa os comportamentos que se movem em direção a novos padrões na medida em que se afastam de outros padrões. Larsen-Freeman e Cameron (2008) asseveram que os possíveis estados ou comportamentos que um sistema pode assumir são regidos por alguns princípios ou regras, os quais são denominados parâmetros de controle. No entanto, nem todos os parâmetros afetam sua trajetória. Na aprendizagem de línguas, as autoras acreditam que a motivação é um parâmetro de controle, uma vez que ela mantém o sistema em movimento. A motivação pode ser entendida como um SDC aninhado no sistema de aprendizagem de línguas (LARSENFREEMAN; CAMERON, 2008; PAIVA, 2005), que, naturalmente, apresenta diferentes graus de intensidade ao longo de toda a trajetória de aprendizagem do indivíduo. Entendendo a motivação e a complexidade de fatores internos, situacionais e temporais que a regulam, Dörnyei e Ushioda (2011) chamam atenção para três novas abordagens para o entendimento da motivação para aprender LE: a) visão relacional da motivação, b) sistema identitário motivacional e c) motivação a partir dos SDC, conforme veremos a seguir.

3. Visão relacional da motivação, identidade e contexto De acordo com Sealey e Carter (2004)2, citados em Dörnyei e Ushioda (2011), a abordagem linear volta-se para a identificação de variáveis e relações de causa e efeito, enquanto a abordagem relacional foca na evolução sistêmica e dinâmica das características, fenômenos e processos relevantes da motivação. Essa evolução é complexa, imprevisível, não linear e única, no sentido de que cada aprendente e contexto apresentam uma relação singular. Deste modo, a partir de uma abordagem relacional, Ushioda (2009) entende a motivação como fenômeno que emerge a partir das relações entre o indivíduo, sua identidade social e o contexto cultural em que ele está inserido. Nessa perspectiva, a autora (2009; 2011a; 2011b) enfatiza as múltiplas identidades do indivíduo, isto é, ele, além de aprendente de língua, é também estudante de graduação, membro de uma comunidade religiosa, filho, jogador de futebol, entre outras, que influenciam o seu processo motivacional. 2

SEALEY, A.; CARTER, B. Applied Linguistics as Social Sciences. London: Continuum, 2004.

Além de dinâmica e emergente, a motivação para apender uma LE envolve também uma reconfiguração na autoimagem do indivíduo (DÖRNYEI, 2005, 2009). Williams (1994)3, citada em Dörnyei (2005, p. 68), afirma que aprender uma língua é muito mais do que adquirir um conjunto de vocabulário ou um instrumento de comunicação. Pelo contrário, envolve uma “modificação na autoimagem, a adoção de novos comportamentos sociais e culturais e modos de ser”. Diante disso, Dörnyei (2005) associa tal construto às visões que o aprendente projeta de si em um estado futuro. Essas visões modelam seu comportamento na medida em que envolvem imagens e sensações particulares de cada um, conforme veremos a seguir.

4. Sistema identitário motivacional Dörnyei (2005) afirma que a motivação integrativa, um dos aspectos presentes na teoria motivacional de Gardner e Lambert (1959), refere-se à disposição afetiva e interpessoal do aprendente em relação à comunidade falante da língua alvo e ao desejo de se filiar a essa comunidade. O autor chama atenção para o fato de que essa identidade é virtual e metafórica porque que não há uma comunidade geograficamente definida de falantes da língua inglesa, principalmente,

se

levarmos

em

consideração

a

globalização

dessa

língua

na

contemporaneidade. Nesse sentido, o autor lança mão da teoria dos eus possíveis4 proveniente da psicologia com o intuito de expandir essa identificação. De acordo com Markus e Nurius (1986), os eus possíveis representam as visões em um estado futuro daquilo que os indivíduos podem se tornar, gostariam de se tornar ou temem se tornar. Assim, esses estados representam uma dimensão futura do indivíduo ao invés do seu estado atual. Os “eus possíveis” atuam como uma força motivacional que move o indivíduo do seu estado presente para o futuro, integrando visão e ação. Dörnyei e Ushioda (2011) ressaltam que essas possibilidades do “eu” são imagens, pensamentos e sensações tangíveis e representam uma realidade para o indivíduo. Baseando-se nesses dois pilares – motivação integrativa e “eus” possíveis –, Dörnyei (2005; 2009) propôs o sistema identitário motivacional que é composto pelas seguintes dimensões: a) eu ideal em LE, que se refere àquilo que a pessoa idealmente deseja se tornar. Essa dimensão atua como um fator motivacional significativo porque ela é responsável por diminuir a diferença entre o “eu” atual e o “eu” futuro; b) eu que deve ser em LE, que se 3

WILLIAMS, M. Motivation in foreign and second language learning: an interactive perspective. Educational and Child Psychology, v. 11, n. 2, 1994. 4 Possible Selves Theory.

refere às características que uma pessoa acredita que a outra deva ter. Este aspecto envolve a pressão social (família, por exemplo), obrigações e responsabilidades; por fim, c) experiências na aprendizagem em LE, que se refere ao ambiente de aprendizagem imediato que o indivíduo está situado. Embora a dimensão futura das possibilidades do “eu” seja um fator motivador importante na trajetória de aprendizagem de LE, é no estado presente que o aluno enfrenta as mais diversas influências que mantém seu desejo de aprender LE ativo. Essas interferências podem movê-lo para mais próximo do seu “eu” ideal ou não. É com base na interferência de múltiplos fatores que direcionam a aprendizagem a caminhos não lineares, complexos e imprevisíveis que Dörnyei e Ushioda (2011) apresentam a motivação a partir dos SDC, conforme veremos a seguir.

5. A relação entre motivação e sistemas dinâmicos complexos A motivação para aprender LE integra múltiplos fatores relacionados à identidade do aprendente e ao contexto em que ele está inserido e, portanto, caracteriza-se como um sistema complexo. Dörnyei e Ushioda (2011) afirmam que a motivação, como uma característica mental individual, deve ser vista em relação às demais características do aprendente de língua de forma holística de modo que a sua motivação, cognição e afetividade sejam compreendidas interdependentemente. Alguns estudos descrevem a motivação a partir da perspectiva dos SDC, entre eles Pawlak (2012) e Waninge, de Bot e Dörnyei (2014). Pawlak (2012) pesquisou a dinamicidade da motivação de 28 estudantes de inglês durante o período de quatro semanas em uma escola de ensino médio situada na Polônia. O autor utilizou questionários (para os alunos e professores), entrevistas, planos de aula e grade motivacional5. A análise qualitativa e quantitativa evidenciou que a motivação não é estável e muda não somente ao longo das aulas, mas também, em uma escala micro, durante uma mesma atividade. Estudos como o citado acima evidenciam a importância de se focar na aprendizagem de LE de forma mais individualizada, já que cada trajetória se desenvolve de maneira singular. Deste modo, entendendo a motivação a partir de uma abordagem relacional, a qual envolve os múltiplos contextos, identidades e influências presentes na trajetória de aprendizagem de LE, que o aconselhamento linguageiro vem se estabelecendo como um suporte para os estudantes, sobretudo, no ensino superior. 5

É uma escala de 1 a 7 em que os alunos marcam seu nível de interesse em determinada aula e/ou atividade.

Essa prática objetiva oferecer apoio individual para os aprendentes de LE acerca de sua própria aprendizagem para que desenvolvam comportamentos mais autônomos (CARSON; MYNARD, 2012). Nesse contexto, a pessoa responsável em dar esse apoio é o conselheiro linguageiro. Na relação que se estabelece entre eles, o aconselhado estabelece objetivos, elabora planos de ação e verifica, por meio do diálogo e da reflexão, quais as melhores formas de alcançar os objetivos propostos. No aconselhamento, ele é observado de forma holística já que na interação com o seu conselheiro, outros contextos e identidades são explorados com o intuito de potencializar a sua aprendizagem. É dentro dessa visão relacional que o aconselhamento se beneficia dos postulados da teoria da complexidade para melhor compreender a trajetória de cada aluno.

6. Metodologia A inserção do aconselhado em múltiplos contextos implica, pois, na relação complexa que se estabelece entre esses espaços de modo que um influencia o outro. Assim, faz-se necessário um estudo que verifique in loco como se dá o aproveitamento do aconselhamento em outros espaços de aprendizagem que não aqueles dos encontros com o conselheiro. Este estudo de caso tem por objetivo verificar o aproveitamento do aconselhamento na aprendizagem de uma estudante de inglês. Para tal, nos colocamos as seguintes perguntas de pesquisa: a) quais os efeitos das sessões de aconselhamento na aprendizagem de inglês da participante? b) quais os comportamentos que refletem a conscientização de aprender? c) como se dá a trajetória motivacional da participante em questão? Para Lüdke e André (2013, p.20), o estudo de caso qualitativo é “o que se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”. Este estudo de caso, realizado na Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas (FALEM) do Instituto de Letras e Comunicação (ILC), localizado no campus de Belém da Universidade Federal do Pará (UFPA) no período de novembro de 2014 a maio de 2015, lança mão da abordagem qualitativa interpretativa. Dentre os estudantes de graduação envolvidos como aconselhados no projeto Aprendizagem de línguas estrangeiras como sistema adaptativo complexo: autonomia, motivação e aconselhamento linguageiro6, foi selecionada uma estudante. O critério de escolha utilizado foi por esta ter iniciado a graduação sem proficiência na língua estudada.

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Este projeto oferece aconselhamento linguageiro para estudantes de Letras com dificuldades em acompanhar suas turmas nas habilidades linguageiras.

Para preservar sua identidade, conforme acordado em termo de consentimento livre e esclarecido, a participante é identificada como AC1CL67. Além da informante, participaram também dois de seus professores e dois de seus colegas de sala. Eles foram entrevistados com o intuito de verificar se os comportamentos apresentados nas sessões de aconselhamento repercutiam naqueles demonstrados em sala de aula e nos demais contextos de aprendizagem, como oficinas, congressos, entre outros. O critério para seleção dos professores foi que eles ministrassem a disciplina em inglês em uma das turmas frequentadas por AC1CL6. Por outro lado, o critério para seleção dos seus colegas de sala foi a afinidade que ela possui com eles, percebida pelo primeiro autor. O estudo de caso faz uso de diversas fontes de informação (LÜDKE; ANDRÉ, 2013). Assim, esta pesquisa lança mão dos seguintes instrumentos: narrativa de aprendizagem, atas de reuniões do grupo de pesquisa, observação não-participante, relatórios de AC1CL6 oriundos de sua participação em oficinas e, por fim, entrevistas. Os dados são provenientes de várias fontes, conforme ilustra a figura 1 abaixo. Figura 1 - Fonte de dados

Fonte: Elaborado pelos autores

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Código de identificação utilizado no projeto supracitado.

A narrativa possibilita a compreensão do processo de aprendizagem de línguas, principalmente no que se refere à teoria da complexidade adotada na análise (PAIVA, 2007). Pavlenko (2001, p. 213) assevera que as narrativas são uma “fonte única de informações sobre motivações, experiências, lutas, perdas e ganhos”. Além disso, a narrativa ilustra, retrospectivamente, a rota percorrida pelo sistema em questão. Neste trabalho, buscou-se conhecer as primeiras experiências de aprendizagem de inglês da participante por meio de sua narrativa. Utilizamos as atas de reuniões do grupo de pesquisa e relatórios de AC1CL6 provenientes de sua participação em oficinas. Lüdke e André (2013, p. 45) argumentam que documentos como esses são de grande valia para a abordagem qualitativa porque “não são apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto”. A observação foi realizada sem interferência direta com a aluna, embora reconheçamos que a presença do pesquisador possa ter alterado o contexto. Por fim, foram realizadas entrevistas com a participante, seus professores e seus colegas de classe. As entrevistas foram semiestruturadas, com um roteiro básico, que não é aplicado rigidamente, permitindo, assim, adaptações quando necessárias (ibid.). As perguntas enfocaram o comportamento da aprendente em sala de aula, sua experiência de aprender inglês, a projeção do “eu” em estados futuros e atitudes diante da aprendizagem. Deste modo, conforme podemos perceber na figura 1, trazemos aqui sete olhares sobre o mesmo processo: o olhar da conselheira, dos professores, dos colegas, da própria aprendente e, por fim, do pesquisador. Feita a seleção da aconselhada, fizemos o levantamento das atas de reuniões do grupo de pesquisa nas quais constam o relato da sua conselheira. Foram coletados 12 relatos que abrangem o período de abril de 2014 a fevereiro de 2015, representando a trajetória de participação de AC1CL6 nas sessões de aconselhamento. Para observar a aluna, encaminhamo-nos para os espaços de aprendizagem frequentados por ela. A participante foi previamente informada do dia, local e hora da observação. O procedimento ocorreu entre os meses de novembro e dezembro de 2014. É sabido que a participante situa-se em diversos contextos de aprendizagem que vão além daquele universitário, no entanto, neste trabalho, focamos em três espaços: sala de aula, oficinas e aconselhamento linguageiro.

AC1CL6 foi observada em três aulas de língua inglesa e dois encontros em uma oficina de produção escrita. Na sala de aula, tomamos notas dos comportamentos da participante levando em consideração suas interferências, sua interação com os pares, manifestação de emoções e comentários feitos por ela. Na oficina, levamos em consideração a atividade desenvolvida, a interação com o seu ministrante e as sugestões feitas por ela. Feita a observação, solicitamos que AC1CL6 nos enviasse sua narrativa de aprendizagem atualizada uma vez que, nos primeiros encontros de AAL, a sua conselheira já havia pedido tal instrumento. No decorrer da coleta de dados, a informante participou de oficinas oferecidas pela universidade e, ao concluí-las, os seus ministrantes solicitaram relatórios, que nos foram disponibilizados por ela. Por fim, AC1CL6, dois professores e dois colegas foram entrevistados. As entrevistas ocorreram entre abril e maio de 2015 em horário previamente agendado em ambiente apropriado. Cada entrevista, com duração aproximada de 20 minutos, foi gravada em áudio e posteriormente transcrita. Começamos a análise dos dados verificando as primeiras experiências de AC1CL6 com a língua inglesa por meio de sua narrativa de aprendizagem, focando no seu conteúdo. Feito isto, depois de leituras sucessivas de todos os dados, organizamo-los em quatro grupos motivados pelas perguntas que guiam esta pesquisa. O quadro 1 mostra quais foram os instrumentos utilizados em cada categoria:

Quadro 1: Instrumentos utilizados em cada grupo

Grupos Primeiras experiências com a língua inglesa Efeito do aconselhamento em outros ambientes

Instrumentos

Origem

Narrativa

AC1CL6

Observação, entrevistas e atas de reuniões

Colega A, Colega B, Professor A, Professor B, Conselheira, Pesquisador

Comportamentos que refletem a Entrevista e relatórios conscientização de aprender Trajetória motivacional Entrevista e atas

AC1CL6 AC1CL6

Fonte: Elaborado pelos autores

Com o intuito de manter a representação fiel dos dados, o seu conteúdo foi mantido na sua forma original. É importante frisar que, por questões éticas, todos os nomes mencionados foram substituídos por XXX ou em caso de menção do nome da aconselhada, este, por sua vez foi substituído por AC1CL6.

Feito os esclarecimentos teóricos e metodológicos, a seguir apresentamos e discutimos os resultados da análise dos dados à luz da Teoria da Complexidade e dos estudos sobre motivação.

7. Análise e discussão dos dados Iniciamos esta seção apresentando as condições iniciais do sistema de aprendizagem de AC1CL6. Em seguida, discutimos os comportamentos provavelmente catalisados pelas sessões de aconselhamento em outros ambientes de aprendizagem. Depois, mostramos aqueles comportamentos que atestam a conscientização de aprender. Por fim, descrevemos a trajetória motivacional da informante durante sua participação no projeto em questão.

7.1 Condições iniciais As condições iniciais podem ser definidas como o estado que o sistema está no momento em que ele começa a ser investigado (VERSPOOR, 2015). Isto significa que devemos identificar o estado atrator que o sistema motivacional ocupa no momento em que AC1CL6 começou a estudar inglês. Como podemos perceber na sua narrativa, AC1CL6 criou grandes expectativas para estudar essa língua durante o seu primeiro ano no Ensino Médio quando exclama “Que legal, vou aprender inglês!”. No entanto, diversas influências atuaram para que essa experiência não fosse positiva, conforme mostra o trecho abaixo.

[1] infelizmente fui decepcionada, era preciso algo mais, algo que desse sentido àquela aprendizagem, que se resumia a repetições. Para piorar a situação, no segundo ano do ensino médio adoeci e já não era tão participante das aulas. No terceiro ano passei mais de um semestre sem professor de Inglês; enfim conclui o ensino médio com um insignificante conhecimento da Língua (Narrativa, abril/2014).

No excerto [1] acima, AC1CL6 critica claramente o modo como o inglês era ensinado em sua escola de Ensino Médio. Nas suas palavras, o ensino da língua “se resumia a repetições”. Tal relato evidencia que a metodologia utilizada pelo professor era recorrente e afetou diretamente a postura da aluna na sala de aula nos anos seguintes. Observamos, pois, um atrator nesse sistema de aprendizagem: a prática pedagógica que era ineficiente para a aluna, já que não oferecia sentido para ela (“era preciso algo mais, algo que desse sentido àquela aprendizagem”). O excerto acima revela também sua percepção do que é língua. Para

ela, a língua é instrumento para comunicação e, portanto, a aprendizagem deveria ser voltada para tal finalidade. Verspoor (2015) chama atenção para a natureza iterativa do sistema, afirmando que o próximo estado do seu desenvolvimento é resultado da interação que ocorre no seu estado anterior. Percebemos, no excerto [1], que a experiência na sala de aula durante o primeiro ano criou condições para que o segundo e terceiro anos de estudos da língua resultassem em uma aluna pouco participativa nas aulas. Ou seja, as práticas pedagógicas ineficientes, somando agora um estado de saúde da aluna e a falta de professor a época, afetaram diretamente AC1CL6 de modo que ela concluiu o Ensino Médio com conhecimento precário do idioma. No excerto [2] abaixo, percebemos claramente a imprevisibilidade do sistema, uma vez que a aluna decidiu “ironicamente” continuar estudando inglês.

[2] agora, no ensino superior, ironicamente, sou estudante de Língua Inglesa e apesar de ter entrado na graduação com um conhecimento básico sobre o idioma sempre busquei várias formas de favorecer minha aprendizagem (Narrativa, abril/2014).

Percebemos aquilo que Larsen-Freeman e Cameron (2008) chamam de mudança de fase na trajetória do sistema, ou seja, o sistema passa por uma fase, muda radicalmente e adota comportamentos diferentes. Apesar de ter tido uma experiência negativa no seu primeiro contato com a língua, AC1CL6 decide continuar estudando o idioma, desta vez, no ensino superior. Com relação à motivação que direcionou o sistema a este comportamento, AC1CL6 relata em entrevista que começou a estudar inglês na graduação porque, como ela não teve nenhuma oportunidade de estudar em um curso livre, gostaria de aprender uma língua estrangeira, mas não manifestou, naquela ocasião, interesse em se tornar professora, que é o objetivo do curso escolhido. O impacto das condições iniciais no desenvolvimento futuro do sistema dependerá do estado atrator em que o sistema se encontra (VERSPOOR, 2015). Se ele estiver em uma bacia atratora profunda, as condições iniciais terão um efeito duradouro no desenvolvimento subsequente do sistema (CHAN; DÖRNYEI; HENRY, 2015). No caso de AC1CL6, a partir do momento em que começa a estudar inglês na graduação, ela busca novas formas de obter uma aprendizagem mais significativa ao procurar novas oportunidades para utilizar a língua,

como as oficinas dos English Teaching Assistants (ETAs)8 e o AAL. Este engajamento tem um efeito determinante na sua trajetória de aprendizagem, conforme mostra seu relato abaixo:

[3] pensando em como entrei aqui, com quase zero de conhecimento no idioma reconheço que minha aprendizagem apresentou avanço, entretanto ainda há muito trabalho e estou disposta a fazê-lo (Narrativa, abril/2014).

Percebemos, então, que mesmo diante da baixa proficiência na língua, AC1CL6 mostra-se muito persistente nos estudos do idioma. Esses indícios permitem caracterizar esta estudante como motivada intrinsicamente, uma vez que ela se engaja em atividades que lhe causam certa satisfação e prazer em aprender algo novo (RYAN; DECI, 2000). Assim, as condições iniciais deste sistema de aprendizagem configuram-se como um conjunto de eventos (positivos e negativos) que direcionaram AC1CL6 a ser uma estudante participativa não somente na sala de aula, mas no contexto universitário como um todo ainda que não demonstre o desejo de se tornar professora.

7.2 Efeito do aconselhamento em outros ambientes Antes de participar do AAL, AC1CL6 já aproveitava as oportunidades que o contexto universitário oferecia. No seu primeiro encontro com a conselheira, ela relata que participava de todas as oficinas oferecidas pelos ETAs e, por conta da exposição à língua, não possuía tantas dificuldades de compreensão oral. Para ela, a produção oral era o seu ponto fraco, enquanto a escrita representava um “desafio” ainda maior. Além dessas dificuldades, AC1CL6 alegava também que o seu interesse em participar do aconselhamento era por precisar desenvolver melhores formas de gerenciar sua aprendizagem, demonstrando, assim, certo grau de conscientização. Um de seus colegas, que é também aconselhado, quando questionado sobre a percepção que ele tinha sobre a trajetória de aprendizagem de AC1CL6 antes e depois de participar do aconselhamento, relata que antes ela se sentia muito insegura para falar em diversos ambientes, entre eles a sala de aula, ao contrário do que ocorria agora. Essa mudança radical e a adoção de novos comportamentos pode ser entendida como uma mudança de fase, ilustrando os postulados de Larsen-Freeman e Cameron (2008), como mostra o excerto a seguir:

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ETAs são os assistentes de ensino de inglês do programa Capes-Fulbright, atuando na UFPA.

[4] principalmente no começo, ela tinha muito... eu acho que ela era pior do que eu assim na parte de falar, ela tinha muito medo de falar. Lembro que eu não falava nada, mas não tinha tanto medo e ela tinha muito muito medo assim. E ela ficava muito desmotivada no começo e agora a AC1CL6 é a faladora lá da sala. Eu acho que, além disso, ela também corre atrás, ela se expõe muito principalmente na língua inglesa mesmo tu vê assim ela falando devagar, mas ela tem essa coragem. E também de correr atrás dos objetivos dela, não só na parte da graduação, mas na parte da língua inglesa e outras coisas... Tipo oficinas, apresentar trabalhos, essas coisas... tudo que a universidade oferece ela participa. Ela corre atrás dessas coisas... (Entrevista com colega A, abril/2015).

Essa vontade de fazer uso da língua estudada é estendida para outros espaços, como os cursos livres e as demais disciplinas da graduação. Nos cursos livres, seu professor relata que ela se voluntariou para ser a primeira a fazer a prova oral e que seus textos escritos estão mais longos e com menos erros. Na graduação, professores A e B relatam em entrevista que a tomada de decisão e a participação em sala de aula são características marcantes de AC1CL6, conforme podemos perceber nos excertos [5] e [6] abaixo:

[5] O que sempre me chamou atenção da AC1CL6 é que ela sempre toma iniciativas, ela nunca se limita ao mando do professor, (…) ela sempre faz perguntas na sala de aula (Entrevista com professor A, abril/2015). [6] Eu percebi uma evolução importante do semestre passado para este ano. Ela tem se mostrado mais segura na fala dela (…). Ela é muito questionadora. (Entrevista com professor B, maio/2015).

Os excertos [4], [5] e [6] mostram que a adoção desse novo comportamento – ser participativa em LE – é manifestado em uma rede de espaços. Esse padrão de comportamento em que o sistema se estabiliza é um exemplo claro de atrator (HIVER, 2015). O estado atrator discutido até aqui mostra um nível de estabilidade significativo no sistema, pois quando AC1CL6 não tem a oportunidade de utilizar a língua em um contexto de aprendizagem específico, ela se sente frustrada, como podemos perceber no excerto [7] abaixo:

[7] [AC1CL6] tomou a iniciativa de ajudar outra aluna que estava com dificuldades para responder. O professor fez perguntas para alguns alunos e não para ela. Ela falou para seu colega “ele nem me chamou, fiquei triste”. O professor escutou, riu e deu a oportunidade para ela responder. Ela o fez corretamente (Observação em sala de aula, novembro/2014).

A disposição para falar em inglês dá-se não somente na sala de aula ou na oficina de escrita acadêmica, mas se estende também para outros contextos. Seus colegas mencionam que ela está tentando empregar a LE com eles em todos os lugares, inclusive em redes sociais, tais como o Facebook. Ambos mencionam na entrevista que a conversa entre eles com AC1CL6 ocorre em inglês quando ela inicia a interação em tal língua, como podemos perceber na fala a seguir:

[8] inclusive a gente até de vez em quando conversa em inglês, fala em inglês entre nós. Ela na verdade hoje em dia começa a falar em inglês normalmente na fila do RU e a gente vai praticando também e isso é bem interessante (…). Ela é uma das pessoas que mais começam a falar em inglês com a gente... começando uma conversa em inglês... (Entrevista com colega B, abril/2015).

MacIntyre, Bruns e Jessome (2011, p. 93) argumentam que “as situações nas quais os aprendentes estão mais dispostos a se comunicar não são radicalmente diferentes daquelas em que eles estão menos dispostos”. No caso da participante em questão, ela aproveita significativamente os propiciamentos que o contexto disponibiliza. Se a motivação é aquela que direciona alguém a uma ação, AC1CL6 está altamente motivada no sentido de que ela age no AAL, na sala de aula, na oficina e no cotidiano. Ela interage com o professor e os colegas. No entanto, é possível observar que ela mantém uma interação mais constante com um colega em especial, que participa também como aconselhado no projeto em questão. Esse colega foi um dos entrevistados neste trabalho. Ele relata que tanto a falta de conhecimento da língua inglesa bem como a participação de ambos no aconselhamento linguageiro contribuíram para o aumento de afinidade entre eles.

[9] Com certeza aumentou, tanto no aconselhamento quanto na sala de aula vai aumentando. Mas assim, logo no começo que começou as coisas básicas, a gente tinha muito dessa de motivação e tal, aí tinha dia que a gente chegava “ah eu tô desmotivado, vou falar com meu conselheiro, quero desistir” e a gente começava a falar sobre isso, sobre aconselhamento... (Entrevista com colega A, abril/2015).

Nesse excerto, percebemos claramente a coadaptação entre eles, uma vez que ambos buscam apoio entre si com o intuito de dinamizar os seus sistemas de aprendizagem. Percebemos também que a relação que se estabelece entre eles e os seus respectivos conselheiros se estende para além das sessões de aconselhamento, uma vez que, por meio do

diálogo, eles trocam novas informações para conseguirem enfrentar a pressão que o contexto universitário exerce, sobretudo naqueles que entram na faculdade com pouco conhecimento do idioma. Deste modo, o aconselhamento influencia não somente nos múltiplos espaços de aprendizagem de inserção da aconselhada, mas também na relação que ocorre entre ela com seus pares. Conforme asseveram Larsen-Freeman e Cameron (2008), o sistema está em constante mudança, o que é chamado pelas autoras de estabilidade dinâmica, que é o que ocorre com o estado da aprendizagem da aluna em questão até o momento. Contudo, sua professora relata em entrevista que AC1CL6 já não está tão participativa na sala de aula e vem também faltando algumas aulas. Ela nota uma “brutal diferença” no comportamento da aluna de um semestre para o outro. No excerto abaixo podemos verificar tal comportamento.

[10] eu estou como professora dela na disciplina de XXX que é em língua inglesa. Então, diferente do comportamento dela do semestre passado, esse semestre ela já tá com quatro faltas (…). Além das faltas, ela não participou como ela vinha participando no semestre passado quando [a disciplina] era em português (Entrevista com professor A, abril/2015).

O sistema de aprendizagem de AC1CL6 muda novamente de fase. Desta vez, ele exibe um comportamento inesperado para uma aluna como ela, como mostra o excerto [10]. Devido ao grande número de elementos e agentes que compõem os SDC, vai além da capacidade dos instrumentos adotados nesta pesquisa apontar com total precisão o que levou tal sistema a seguir esse comportamento. Sabe-se, entretanto, que o período mencionado acima corresponde àquele em que ela não mais estava participando do AAL devido à licença maternidade de sua conselheira. Dentre a constelação de fatores que podem ter motivado a emergência da baixa participação na sala de aula, a sua saída do aconselhamento é um dos elementos que mais perturbam a sua trajetória.

7.3 Comportamentos que refletem a conscientização de aprender Os dados discutidos até aqui mostram uma mudança significativa no comportamento de AC1CL6 que se estendeu para outros espaços de aprendizagem a partir de sua participação no AAL. Seus professores e colegas são unânimes ao afirmar que ela ficou mais confiante e participativa nesses ambientes. Nas sessões de aconselhamento, as atitudes da aconselhada são fortemente discutidas para que ela se torne mais consciente das suas ações. Por meio

dessa reflexão, a aluna pode pensar nos seus pontos fortes e nos pontos a melhorar. AC1CL6 relata abaixo sua experiência com o aconselhamento.

[11] Antes do aconselhamento com inglês, eu tava meio que sendo levada. Mas depois do aconselhamento eu tava levando, entendeu? Eu já entendia como fazer as coisas certinho, então era basicamente isso. Antes eu ia sendo levada, não refletia, principalmente, com o que eu tava fazendo (…). Toda a ação que eu fazia eu já imaginava aonde eu poderia chegar, já tinha um plano já (…) (Entrevista com AC1CL6, abril/2015).

É evidente no excerto [11] acima a mudança de atitude de AC1CL6 diante da própria aprendizagem. Como podemos perceber, ela não tinha se conscientizado acerca do seu processo de aprender antes do aconselhamento. Tal só foi possível depois dessa sua participação. AC1CL6 relata que se tornou mais responsável quando começou a conduzir seu próprio processo com base nos seus pontos fortes e nos pontos a melhorar. Podemos notar também que o “eu futuro” é um fator que contribui para o desenvolvimento da sua conscientização (“toda a ação que eu fazia eu já imaginava aonde eu poderia chegar”). É possível evidenciar a influência do aconselhamento no sistema afetivo de AC1CL6. Ela menciona que se sentia com medo ao encarar um novo desafio, como ler algum texto em LE, e, por causa deste sentimento, ela não avançava na sua aprendizagem. Com o aconselhamento, por outro lado, ela relata que começou a persistir nesses desafios afim de superar o medo que sentia. O excerto [12] abaixo explicita isso:

[12] principalmente assim não ter medo de me relacionar com alguma coisa em inglês. Por exemplo, quando eu tava no segundo semestre, eu já tava no aconselhamento, mas não tinha sido totalmente desenvolvido essa consciência, esse entusiasmo, essas coisas, eu ainda tava no início, aí quando eu pegava um texto, por exemplo, de uma disciplina pra ler, ele era todo em inglês, aí eu ficava ‘meu deus, será que eu vou conseguir? ’ Aí eu não ia por causa que eu ficava com medo e aí eu já achava que não ia conseguir. E agora não, quando eu pego um texto em inglês, eu já vou, mesmo que eu pense que não vou conseguir, mas eu vou aos poucos e consigo (Entrevista com AC1CL6, abril/2015).

Quando ela estava no segundo semestre, as atividades solicitadas pelo seu professor iam além daquilo que ela poderia fazer com seu nível de língua. Na época, sua conselheira relata que ela se desestabilizou emocionalmente por não saber lidar com a pressão que o contexto exercia. AC1CL6 decidiu, então, baixar o nível de expectativas com a disciplina ao tentar somente passar nela independente do resultado. Assim, conforme podemos perceber no

excerto [12], é por meio da reflexão sobre a aprendizagem durante o AAL que AC1CL6 começa a superar as dificuldades. Além da estratégia de baixar as expectativas, sua conselheira sugeriu também que ela planejasse as etapas que deveriam ser traçadas para alcançar seus objetivos, como podemos ver no excerto a seguir.

[13] principalmente no sentido de pensar que eu vou conseguir. Tipo assim, às vezes a coisa parecia muito grande e, era sempre o que a minha conselheira falava, a gente tinha que dividir em partes menores e ver os caminhos para chegar até lá. Então, foi uma coisa que eu aprendi muito com isso. E aí pensar em apresentar um trabalho em um congresso internacional, como ocorreu, parecia uma coisa muito grande. Mas aí colocando a cabeça no lugar e vendo todos os passos pra chegar até lá com muita calma sempre, que é necessário calma até com a gente mesmo quando o tá aprendendo uma língua porque às vezes a gente quer dar um salto e não é assim, é por partes (Entrevista com AC1CL6, abril/2015).

Podemos perceber nos excertos [12] e [13] que a conselheira atua como um agente que, além de promover a conscientização sobre a aprendizagem, auxilia a aconselhada a melhor lidar com o seu sistema afetivo, que é fundamental para o sucesso na aprendizagem. Esses excertos corroboram os resultados empíricos de Yamashita (2015) sobre a importância da afetividade no desenvolvimento da conscientização sobre a aprendizagem durante o AAL.

7.4 Trajetória motivacional Dörnyei e Ushioda (2011) asseveram que uma abordagem sistêmica da motivação envolve a identificação do conglomerado motivacional que mais se destaca. No caso do sistema de aprendizagem de AC1CL6, conforme já discutido, evidenciamos que há um interesse intrínseco em participar das atividades da universidade (oficinas dos ETAs, por exemplo). Hidi e Renninger (2006, p. 112) afirmam que o interesse é resultado da interação entre a pessoa e o conteúdo particular. Para as autoras, “o potencial para o interesse está na pessoa, mas o conteúdo e o ambiente definem a direção do interesse e contribuem para o seu desenvolvimento”. Assim, as primeiras experiências bem-sucedidas de uso da língua no contexto universitário contribuíram para o aumento do interesse de AC1CL6 em praticá-la mesmo quando ela se sentia nervosa, como mostra o excerto [13]. Outras oportunidades que surgiram nesse mesmo contexto foram também bem aproveitadas por ela, como a oficina de escrita acadêmica e o próprio aconselhamento.

[14] eu sempre me expus, XXX falou que é uma coisa que eu faço muito, às vezes meu coração pode tá saindo pela boca, mas eu sei que é bom (Entrevista com AC1CL6, abril/2015).

Alguns fatores estavam impedindo a participação de AC1CL6 em algumas atividades na universidade, que influenciaram negativamente seu desempenho (tirou regular em uma disciplina). Sua conselheira relata que “duas tardes e quatro noites” eram dedicadas para a igreja. Por conta disto, ela sugeriu que deveria haver um equilíbrio entre as atividades da igreja e da universidade. Esta influência vai ao encontro daquilo que postula Ushioda (2015) sobre a mudança da motivação de acordo com o contexto em que a pessoa está inserida. AC1CL6 decidiu, então, sair do curso de música e reduzir o número de idas à igreja para que conseguir lidar com a rede de espaços (e identidades) que frequenta. AC1CL6 não demonstrava interesse em se tornar professora quando começou tanto a graduação quanto o AAL. Naquele momento, a sua motivação para estudar inglês residia somente na vontade de morar em um país anglófono (Canadá). No entanto, ela recebeu uma proposta de dar aulas de inglês para crianças na sua comunidade que atuou como uma força motivadora, pois ela de fato quis “começar a dar aulas para crianças”. A vontade de se tornar professora veio durante sua participação nessa atividade. Como o sistema de aprendizagem é aberto às influências externas (LARSEN-FREEMAN; CAMERON, 2008), a oportunidade de dar aulas atuou imprevisivelmente e perturbou o seu sistema motivacional e identitário. Assim, conforme aponta Dörnyei (2009), as experiências de aprendizagem e de ensino positivas contribuem para a formulação do “eu futuro” de AC1CL6. AC1CL6 inscreveu-se para apresentar um trabalho em um congresso da área, o que fez com sucesso. Depois da apresentação deste trabalho, ela criou seu Currículo Lattes, começou a preenchê-lo e comprou uma pasta catálogo para guardar todos seus certificados. Sua conselheira notou que “ela está ansiosa por novas conquistas para enriquecer seu Lattes e está aproveitando ao máximo as oportunidades”. Ela decidiu, por exemplo, apresentar outro trabalho junto com o seu colega (colega A) em um congresso internacional, conforme ela menciona no excerto [16]. As apresentações de trabalho e o envolvimento com a prática docente refletem seu desejo de se tornar professora, diminuindo a diferença entre o seu “eu atual” e o “eu futuro”.

8. Conclusão

Este estudo de caso teve por objetivo evidenciar o aproveitamento do aconselhamento em outros espaços de aprendizagem, lançando mão de múltiplos olhares sobre o mesmo sistema. Em relação aos efeitos do aconselhamento, os resultados mostraram que a participante aproveita as estratégias sugeridas por sua conselheira nos outros ambientes e com seus pares, sobretudo no que diz respeito a sua participação. Ademais, a conselheira exerce influência determinante na construção da confiança ao falar em LE, uma vez que AC1CL6 se sentia com medo e desencorajada em correr riscos na língua alvo. Com o aconselhamento, ela se tornou mais participativa e autorreguladora da própria aprendizagem, não somente nas sessões, mas também nos locais em foi observada. No entanto, quando ela não estava participando do aconselhamento, ela voltou a demonstrar baixa participação na sala de aula. Com relação aos comportamentos que refletem a conscientização de aprender, os resultados evidenciaram que a participante tornou-se mais responsável pelo seu processo de aprendizagem. O AAL auxiliou a aprendente a melhor lidar com o seu sistema afetivo e a utilizar estratégias para manter a motivação ativa. Quanto à trajetória motivacional, os dados revelaram que a motivação é dinâmica e que o papel da conselheira é pertinente ao longo de todas as fases da motivação. Além disso, o AAL colabora para a emergência de novas identidades, como a de ser professora, bem como ajuda no estabelecimento e sustentação do “eu futuro”. Esta pesquisa possui suas limitações. Acreditamos que um período maior de tempo de observação, bem como um número maior de contextos observados (como por exemplo, as oficinas dos ETAs e a comunidade em que ela atuou como professora) ofereceriam esclarecimentos promissores acerca do sistema de aprendizagem em questão. Apesar disso, o estudo estimula a continuidade de pesquisas sobre aconselhamento, as quais podem se beneficiar dos processos etnográficos e/ou longitudinais para verificar a autorregulação da aprendizagem, assim como a dinamicidade do sistema identitário motivacional.

CASTRO, Eduardo; MAGNO E SILVA, Walkyria. O efeito do aconselhamento na trajetória de aprendizagem de uma estudante de inglês. In: MAGNO E SILVA, Walkyria; BORGES, Elaine. (Orgs.) Complexidade em ambientes de ensino e aprendizagem de línguas adicionais. Curitiba: CRV, 2016, p. 139-158.

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