\"O Elemento Humano\"

July 14, 2017 | Autor: Rogerio Akiti Dezem | Categoria: Photography Theory, History of photography, Street Photography, Walter Benjamín
Share Embed


Descrição do Produto

pROVOKE®

Por Rogério Akiti Dezem

O elemento

humano

http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/

80

EVF_MAR/ ABR

N

a minha primeira coluna, teci comentários sobre o espaço urbano, universo onde nós, fotógrafos de rua, gastamos nossas solas de calçados, perdemos nossa noção de tempo e disparamos – furtivamente, ou não – nossos shutters na busca de capturar aquilo que não nos pertence. Hoje gostaria de falar um pouco do elemento, que na minha opinião, é a raison d’étre da fotografia de rua e candid: o ser humano. No início da década de 1930, o filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) em um dos seus clássicos ensaios (“A Short History of Photography”), publicado originalmente em alemão (1931), discorria sobre o impacto de um dos principais instrumentos da modernidade, a Fotografia. Benjamin neste ensaio, apresenta a maneira pela qual muitos teóricos e críticos de arte na Alemanha, a época, consideravam o ato de fotografar – menos uma arte do que um ato mecânico – citando um interessante trecho do periódico Leipzig City Advertiser:

Arquivo Pessoal

Olá, meu nome é Rogerio Akiti Dezem, sou natural de Osasco (SP). Sou professor universitário, historiador e fotógrafo de rua diletante. Vivo no Japão desde 2010, onde comecei a fotografar “estranhos” nas ruas por hobby. No início, era muito mais “uma atividade física e uma distração”, mas nos últimos três anos, tornou-se um vício, uma necessidade quase diária de exercitar meu olhar através do viewfinder, registrando e desafiando o mundo ao meu redor. A ideia desta coluna Provoke® é uma homenagem a um pequeno grupo de fotógrafos e intelectuais japoneses que lançaram um curto, mas inovador movimento/manifesto fotográfico denominado Provoke no final dos anos 1960. A partir de um viés provocador, meu objetivo aqui é guiá-los em cada coluna pelos meandros da fotografia de rua feita na Ásia, principalmente no Japão. Apresentando fotógrafos (famosos ou não), imagens de rua e “candid” de minha autoria e de outros e, principalmente, analisar o palco onde a fotografia é produzida por aqui: as ruas japonesas. Meu site é

Macau, China. 2014.

Rogério Akiti Dezem

“(...) Man is created in the image of God and God’s image cannot be captured by any human machine. Only the divine artist, divinely inspired, may be allowed, in a moment of solemnity, at the higher call of this genius, to dare to reproduce the divine human features, but never by means of a mechanical aid!” “(...) O Homem é criado à imagem de Deus, e a imagem de Deus não pode ser capturada por uma máquina humana. Apenas o artista divino, divinamente inspirado, pode estar apto, em um momento de solenidade, no ponto alto de sua genialidade, a reproduzir as características humanas divinas, mas nunca por meio de um aparelho mecânico!”

Enquanto estas linhas ecoavam como um dogma ferido pela nascente arte da Fotografia, um jovem francês, ainda anônimo, cujas iniciais HCB se tornariam icônicas, desafiava (inconscientemente?) o trecho citado acima. Bresson ao se deparar com a imagem monocromática de adolescentes africanos nus, correndo em direção as ondas do lago Tanganica feita pelo experiente fotógrafo húngaro Martin Munkacsi (1896-1963), publicada em 1931 na revista Photographies, teve uma epifania: “De repente entendi que a fotografia podia fixar a eternidade no instante. Essa foi a única foto que me influenciou. Nessa imagem há uma intensidade, uma espontaneidade, uma alegria de viver, uma maravilha tão grande que me deslumbra até hoje. A perfeição da for- >> EVF_MAR/ ABR

81

Provoker®

ma, a percepção da vida, uma vibração sem igual...Pensei: bom Deus, podemos fazer isso com uma máquina...Senti como que um pontapé na bunda: vamos, vai!” Um ano depois, em 1932, HCB comprou sua primeira Leica e divinamente inspirado passou a buscar seus instantes decisivos. O resto é história... Ao iniciar a coluna associando dois importantes personagens de relevância ímpar para elevar a Fotografia à condição de ARTE moderna, gostaria de lançar a minha provocação: É possível fazer fotografia de rua sem o elemento humano? Ou seja, sem “a percepção da vida”, parafraseando Bresson? Serei direto na minha opinião: Penso que não. Sem o elemento humano, não há propriamente street photography (em inglês, é mais chique, né?!), mas qualquer outra modalidade fotográfica, como paisagem urbana ou arquitetura/urbanismo ou arte de rua, por exemplo. E já respondendo a pergunta da coluna anterior, sobre se todas as cidades seriam iguais para se praticar fotografia de rua, respondo: Não, não são. As cidades são diferentes, por que os elementos humanos presentes nelas são diferentes. A relação entre o espaço urbano e o elemento humano, produz uma complexa organicidade que alimenta a imaginação e desafia as habilidades dos fotógrafos de rua em todo o mundo. Citando o historiador francês Michel De Certeau: “As cidades são muito mais do que uma coleção de edifícios belamente fotografados. Elas são uma conjunção (network) de relações, sistemas e poder.” Na minha concepção, o ser humano no universo urbano é metaforicamente uma reserva de energia, difusa, caótica, orgânica e que ao ser “captada” em seu ato corriqueiro, banal de forma espontânea pelas lentes do fotógrafo, se transforma, passando a ter outro(s)

82

EVF_MAR/ ABR

Na minha concepção, o ser humano no universo urbano é metaforicamente uma reserva de energia, difusa, caótica, orgânica e que ao ser “captada” em seu ato corriqueiro, banal de forma espontânea pelas lentes do fotógrafo, se transforma, passando a ter outro(s) significado(s). A sedução do elemento humano visto através do viewfinder, produz uma sensação única, que pode ser triste, alegre, cativante, intrigante, mas nunca neutra ou estéril.

significado(s). A sedução do elemento humano visto através do viewfinder, produz uma sensação única, que pode ser triste, alegre, cativante, intrigante, mas nunca neutra ou estéril. Daí a mágica em se fotografar estranhos pelas ruas. Cabe ao fotógrafo de rua mostrar a relação entre o ser humano e a urbs, não

Provoker®

Rogério Akiti Dezem

Manila, Filipinas. 2013.

importa onde ou quando. Fotografar em cidades asiáticas, algumas extremamente populosas como Tóquio, Seoul, Manila ou Hong Kong, ou “nem tanto”, como Istambul ou Ho Chi Min é uma experiência intensa. É como se um universo de feições, línguas, cheiros (lembrei-me agora do

aforismo do fotógrafo de rua norte-americano norte-americano Bruce Gilden), costumes diferentes emoldurados por um espaço urbano ora decadente, ora vislumbrante se abrisse ao seu redor. Esse conjunto, a meu ver, se torna a essência da fotografia de rua e a Ásia nos brinda com o diferente, com suas sinfonias ur- >> EVF_MAR/ ABR

83

Provoker®

banas singulares. Por exemplo, cito a própria sensação de “insegurança” que se dilui ao fotografar por estas bandas, sensação deveras contrastante quando fotografo pelas ruas de Sampa, infelizmente. Resumindo: uma fotografia de rua deve ter uma história, uma narrativa (im)possível, às vezes lúdica, ela deve provocar nosso olhar... E as ruas da Ásia são extremamente provocativas!

84

EVF_MAR/ ABR

Rogério Akiti Dezem

Acima, Osaka, Japão, 2014. Ao lado, Tóqui, Japão, 2014.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.