O EMPREENDIMENTO LOCAL DO ARTESANATO EM FIBRAS VEGETAIS, AMAZÔNIA BRASILEIRA

June 30, 2017 | Autor: Erika Nakazono | Categoria: Etnoecologia
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO TRÓPICO ÚMIDO (PDTU)

Erika Matsuno Nakazono O EMPREENDIMENTO LOCAL DO ARTESANATO EM FIBRAS VEGETAIS, AMAZÔNIA BRASILEIRA

Belém 2007

O empreendimento local do artesanato em fibras vegetais, Amazônia Brasileira

Erika Matsuno Nakazono

Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Ciências: Desenvolvimento Sócio-Ambiental, do Curso de Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará

Orientador: Dr. David McGrath

Belém 2007 1

Nakazono, Erika Matsuno O empreendimento local do artesanato em fibras vegetais, Amazônia Brasileira / Erika Matsuno Nakazono; orientador, David McGrath. - 2007.

309 f. ; il. ; 30 cm. Inclui bibliografias

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido, Belém, 2007.

1. Artesanato – Aspectos econômicos - Amazônia. 2. Artesanato Amazônia. 3. Desenvolvimento sustentável - Amazônia. I. Título.

CDD 745.509811

Resumo O objetivo geral desse estudo é realizar uma análise integrada dos aspectos sociais, econômicos e ecológicos de dois empreendimentos amazônicos de artesanato para identificar fatores que influenciam no desempenho destas iniciativas e que contribuem para a sustentabilidade do pequeno empreendimento. As iniciativas estudadas, Associação dos Artesãos de Novo Airão (AANA) e grupo TucumArte da comunidade de Urucureá, situam-se nos municípios de Novo Airão - AM, baixo Rio Negro, e Santarém - PA, Rio Arapiuns, respectivamente. As informações de campo foram obtidas entre os anos de 2005 e 2007, com exceção para o caso do manejo de arumã da AANA, onde os dados foram obtidos entre os anos de 2000 e 2007. A análise do empreendimento AANA em contraste com observações levantadas a respeito do grupo TucumArte permitiu identificar os fatores de risco e fortalecimento dos empreendimentos, além de possibilitar também, a verificação das tendências, capacidades, discursos e expectativas. A existência de um capital social entre as artesãs parece ser fator primordial para uma boa organização social dos empreendimentos; também é fundamental o destaque de algumas lideranças na condução do processo administrativo. Essa constatação pôde ser verificada no grupo TucumArte, sendo um dos aspectos principais que lograram êxito ao empreendimento, embora se tenha estabelecido uma relação de dependência com liderança local. A carga burocrática para a gestão de uma associação é uma das dificuldades enfrentadas pelas artesãs da AANA, ao contrário das artesãs do TucumArte. Contudo, verifica-se que ambos os empreendimentos não possuem completa autonomia na gestão da atividade artesanal. O grau de dependência das ONGs parceiras varia, assim como, as formas das relações entre organizações. De qualquer forma, para ambos os grupos, a conquista de um mercado fora do estado, em regiões do sul e sudeste do país, por ex., decorreu da boa qualidade das peças artesanais e apoio das ONGs socioambientais Fundação Vitória Amazônica e Projeto Saúde e Alegria na comunicação e mediação da comercialização dos produtos, assim como na implantação de estratégias de manejo dos PFNMs utilizados. Além de outros fatores que contribuem ao desenvolvimento sustentável dos empreendimentos, como, apoio de instituições locais, grau de escolaridade das artesãs, distribuição da produção entre famílias, mudanças nas formas tradicionais de coleta da matéria-prima, o direito de uso dos territórios é aspecto imprescindível ao processo do manejo. Nesse sentido, o TucumArte se encontra em contexto socioambiental mais favorável que a AANA.

Abstract

The objective of this study is to carry out an integrated analysis of the social, economic and ecological aspects of two Amazonian handicraft enterprises to identify factors that influence in the performance of these initiatives and contribute to the sustainability of small businesses. The two studied initiatives, Associação dos Artesãos de Novo Airão (AANA) and the TucumArte group from the Urucureá community, are located in the municipality of Novo Airão - AM, Low Negro River, and in the municipality of Santarém - PA, Arapiuns River, respectively. Field information has been collected between 2005 and 2007, except for the arumã management case performed by AANA, in this case data has been collect between 2000 and 2007. The analysis of AANA’ enterprise in contrast with survey observations about TucumArte group allowed identification of risk and strengthening factors, making also possible to check trends, capacities, speeches and expectations. The existence of a social capital among craftswomen seems to be a primordial factor for the good social organization of both enterprises; the prominence of some leadership conducting administrative procedures is also important. This confirmation could be verified in the TucumArte group, and that is one of the main reasons for its success, even though a co-dependent relationship amid local leaders and the enterprises has been built. Bureaucracy regarding management of an association is one of the major difficulties faced by craftswomen of AANA, in contrast with TucumArte. It is possible, however, to verify that both enterprises do not retain complete autonomy over management production. The degree of dependency on the cooperation of NGO’s varies as well as relationship arrangements between organizations. For both enterprises the conquest of markets out of their state, for example in the South and Southeast regions of the country, are due to the good quality of their products and to support from the socio-environmental NGOs Vitória Amazônica Foundation and Saúde e Alegria Project, specially in the communication and mediation of the products commercialization, along with support in the implementation of management strategies for the PFNM’s used. Above other factors that contribute to the sustainable development of enterprises, such as local institutions support, craftswomen’s education level, production distribution between families, changes on traditional techniques of raw material collection, the land right of use is the most substantial aspect of the management process. For these reasons TucumArte finds itself in suitable socio-environmental context than AANA.

Associação dos Artesãos de Novo Airão – AANA, jan/2006

Grupo TucumArte, comunidade de Urucureá, abr/2007

Fotos tiradas durante oficinas de mapas do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (UFAM – AM)

Dedico esse estudo aos povos da floresta, em especial às artesãs (os) da AANA e TucumArte, e coletores de arumã da AANA.

AGRADECIMENTOS •

Agradeço a todos que de alguma forma contribuíram ao desenvolvimento desse trabalho. Em especial, ÀS ARTESÃS e familiares das iniciativas AANA e TucumArte, que me forneceram informações importantes para o desenvolvimento desse estudo, abrindo a porta de suas casas, com muita gentileza, para responder a variado leque de questões. A todo esse conhecimento e sabedoria tradicional que me proporcionaram o acesso, sem contar com os momentos privilegiados de poder participar de um preparo da farinha, de trabalhar, almoçar juntos, compartilhar suas amizades e boa convivência.



Ao Prof. David McGrath, por aceitar esse projeto sob sua orientação, auxílio no direcionamento da pesquisa e captação de recursos financeiros que custearam toda logística do trabalho de campo e pesquisa da tese. Às sugestões de leituras e acesso à bibliografias, revisões e discussões sobre os temas da tese. Sua amizade e compreensão à minha gravidez, momento um pouco delicado na vida de uma mulher, concluir um doutorado e ser mãe!



Querida e amiga do coração Andréa Martini, que contribuiu muito para a melhoria e finalização da tese, revisando parte do texto e aconselhando algumas leituras, sem contar com aquele estímulo de amiga que nos dá força para continuar...



Às boas conversas e trabalhos com o professor Alfredo Wagner B. de Almeida, que influenciaram muito as minhas condutas na pesquisa com esses povos, quanto ao respeito e modo de se ver através desses para compreender nossas ações.



Muriel Saragoussi, pela força e apoio ao início do trabalho de assessoria à elaboração de um plano de manejo de arumã junto com a AANA.



Ao pesquisador Dr. William Magnusson, pelo auxílio ao direcionamento estatístico do delineamento experimental e execução do plano de manejo implementado, avaliando os resultados e contribuindo com sugestões.



Toda equipe da Fundação Vitória Amazônica, ao longo dos anos, de 1998 à 2007, no auxílio em infra-estrutura, logística de campo, escritório e recursos financeiros, para o desenvolvimento da pesquisa com o manejo de arumã, contribuindo ao mesmo tempo, para o início dos estudos sobre a etnoecologia dessa espécie na região de Novo Airão - AM. Em especial à maninha Saúde, Ceiça, Rô, Kaká, Serginho, (Marcos), Toy, Osmar, Durigan.



À tantas amigas e amigos, pelo carinho e amizade compartilhados... Lale e Enano, Adri, Ceci, Vivi, Ane, Pati, Marcela, Bá, Roselis, Sana, Pimenta, Yarinha, Dani e Carlão, Maira e Fábio, Lu M., Sô e Marcos, Beto, Raca, Juanga, Flávia, Carlos “machu p.”, Dadão, Zé, Chicon, Nádia, Rê, Lua, Débora, Dieter e Anne ... à Thais e Caetano, pela hospedagem carinhosa em Santarém.



À minha turma de curso do doutorado do NAEA, pela grande amizade e carinho.



À Universidade Federal do Pará (UFPA) – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), professores (as), funcionários (as), pelo apoio institucional, em especial à Anaiza Portilho.



À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e “Overbrook Foundation - Center for Environmental Research and Conservation (CERC), Columbia University, New York”, pelas bolsas concedidas à esse trabalho.



Equipe do Projeto Saúde e Alegria, em especial, Marcio Halla, no apoio à mediação com o grupo TucumArte para apresentação de minhas intenções de pesquisa às artesãs e comunidade de Urucureá.



E, principalmente, aos meus PAIS e irmãos, que sempre me apoiaram com muito amor e respeito, fornecendo um forte suporte para chegar até aqui.



Por último, aos Deuses e Budas, pela minha filha linda ISIS!

SUMÁRIO

Sumário....................................................................................................................................... 1 Índice de Tabelas ........................................................................................................................ 3 Índice de Figuras e Fotos............................................................................................................ 4 Lista de Siglas............................................................................................................................. 6 APRESENTAÇÃO..................................................................................................................... 9 CAPÍTULO I. INTRODUÇÃO CONCEITUAL E BIBLIOGRÁFICA.................................. 14 Desenvolvimento sustentável na Amazônia e extrativismo de PFNMs ............................... 14 Empreendimentos locais e uso de PFNMs como proposta de conservação ......................... 24 Sistemas de manejo .............................................................................................................. 38 PFNMs estudados ................................................................................................................. 47 Fibras vegetais: a arte e o produto da floresta .................................................................. 47 Arumã ............................................................................................................................... 51 Tucumã ............................................................................................................................. 53 ESCOPO DA ANÁLISE .......................................................................................................... 56 Objetivos e Hipóteses ........................................................................................................... 57 METODOLOGIA..................................................................................................................... 61 Coleta de dados..................................................................................................................... 61 Na pesquisa de campo uma combinação de métodos........................................................... 62 Análise dos dados ................................................................................................................. 68 CAPÍTULO II. ESTUDO DE CASO NOVO AIRÃO – AANA ............................................. 71 1. Aspectos físicos e socioeconômicos................................................................................. 71 1.1 Contexto ambiental..................................................................................................... 71 1.2 Características socioeconomicas ................................................................................ 74 2. Parceria entre empreendimento local e ONG ................................................................... 82 2.1 Histórico de formação da AANA ............................................................................... 82 2.2 Atividade de manejo nos igarapés da Comunidade do Sobrado ................................ 91 2.2.1 Mudanças nas formas tradicionais da coleta de arumã........................................ 94 2.2.2 A formação do grupo de coletores da AANA ..................................................... 97 2.3 Breves conclusões sobre o histórico de formação da AANA................................... 101 3. O “novo momento” de gestão da AANA ....................................................................... 104 1

4. A organização social do empreendimento...................................................................... 108 5. Sistema produtivo do artesanato da AANA ................................................................... 114 5.1 O PFNM arumã ........................................................................................................ 115 5.1.1 A espécie de arumã estudada: Ischnosiphon polyphyllus ................................. 115 5.1.2 Gradiente de inundação ..................................................................................... 115 5.1.3 Estrutura das touceiras de arumã nos igarapés .................................................. 116 5.1.4 O sistema do manejo de arumã.......................................................................... 120 5.1.4.1 Etapas do sistema de manejo ...................................................................... 121 5.1.4.2 Distribuição de arumã nos igarapés............................................................ 121 5.1.4.3 Critérios de manejo e ciclo de corte ........................................................... 124 5.1.5 A sustentabilidade da atividade extrativa de arumã .......................................... 128 5.1.6 Situação fundiária e a viabilidade do artesanato de arumã................................ 134 5.2 A produção do artesanato da AANA........................................................................ 137 5.2.1 O tupé e outros produtos feitos com arumã....................................................... 138 5.2.2 O beneficiamento da matéria-prima .................................................................. 139 5.2.3 A coleta de artesanato da AANA ...................................................................... 145 5.2.4 Aspectos econômicos na renda familiar ............................................................ 146 5.3 A Comercialização dos produtos.............................................................................. 161 CAPÍTULO III. ESTUDO DE CASO URUCUREÁ – TUCUMARTE................................ 167 1. Aspectos físicos e socioeconômicos de Urucureá .......................................................... 167 1.1 Contexto ambiental................................................................................................... 167 1.2 Características socioeconomicas .............................................................................. 170 2. Histórico de formação do TucumArte e parceria com ONG.......................................... 178 3. Situação fundiária e áreas de extração de tucumã .......................................................... 184 4. A organização social do empreendimento...................................................................... 186 5. Sistema produtivo do artesanato do TucumArte ............................................................ 192 5.1 O PFNM tucumã....................................................................................................... 192 5.1.1 O sistema do manejo de tucumã ........................................................................ 193 5.1.2 A certificação florestal ...................................................................................... 195 5.1.3 A sustentabilidade da atividade extrativa .......................................................... 199 5.2 A produção do artesanato do grupo TucumArte ...................................................... 201 1

5.2.1 Os artesanatos de tucumã .................................................................................. 202 5.2.2 O beneficiamento da matéria-prima .................................................................. 203 5.2.3 A entrega do artesanato ..................................................................................... 209 5.2.4 Aspectos econômicos na renda familiar ............................................................ 210 5.3 A Comercialização ................................................................................................... 215 CAPÍTULO IV. ANÁLISE COMPARATIVA DOS ESTUDOS E CONCLUSÃO............. 221 Parte I.................................................................................................................................. 221 Análise de elementos contrastantes: AANA e TucumArte ................................................ 221 1. Organização social e arranjos institucionais............................................................... 222 1.1 Aspectos físicos e socioeconômicos..................................................................... 222 1.2 Histórico de formação do empreendimento e relação de parceria........................ 225 1.3 Desempenho social ............................................................................................... 227 2. Viabilidade ecológica dos sistemas de manejo dos PFNMs....................................... 231 2.1 Características biológicas e ecológicas das plantas.............................................. 231 2.2 Situação fundiária e sustentabilidade da atividade extrativa ................................ 232 3. Gestão dos empreendimentos ..................................................................................... 235 3.1 Mudanças nas formas tradicionais de coleta ........................................................ 235 3.2 A produção e economia familiar .......................................................................... 237 3.3 A comercialização dos produtos e gerenciamento do fundo rotativo................... 240 4. Aspectos conquistados pelos empreendimentos......................................................... 243 Parte II ................................................................................................................................ 245 Conclusão ........................................................................................................................... 245 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 254 ANEXOS................................................................................................................................268

2

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1. Mudanças na atividade extrativa de arumã

99

Tabela 2. Média de altura de inundação, igarapés do Dinheiro, Dinheirinho e Sucurijú 117 Tabela 3. Categorias dos talos das touceiras de Ischnosiphon polyphyllus

120

Tabela 4. Estrutura das touceiras de arumã antes da primeira extração

120

Tabela 5. Área média (m) compreendida pela floresta de igapó nos transectos amostrados nos igarapés do Dinheiro, Dinheirinho, Água Branca e Sucurijú

125

Tabela 6. Tempo necessário, em horas e dias, para a confecção de tupés

144

Tabela 7. Número de talos maduros utilizados para confecção de tupés

144

Tabela 8. Porcentagem da renda média das artesãs da AANA, anos 1997 a 2007

161

Tabela 9. Porcentagem da renda obtida com a venda dos produtos, anos 2001 a 2004

164

Tabela 10. Média de extração de guias por mês, efetuada por artesãs do grupo TucumArte, em palmeiras de tucumã, anos de 2005 e 2006

201

Tabela 11. Período de tempo médio utilizado para a confecção de produtos e quantidade média de palha utilizada - TucumArte, anos de 2005 e 2006

206

Tabela 12. Estimativas sobre a capacidade de produção média por mês - TucumArte

208

Tabela 13. Comprimentos (m) de guia e palha (feixe) e número de palhas por guia, verificados a partir de coleta realizada em palmeiras de tucumã

209

Tabela 14. Estimativa do total de palha de tucumã obtida por mês

209

3

ÍNDICE DE FIGURAS E FOTOS

Figura 1. Naturalidade das artesãs da AANA

76

Figura 2. Naturalidade dos maridos das artesãs da AANA

77

Figura 3. Grau de escolaridade das artesãs da AANA

78

Figura 4. Atividades principais exercidas pelas artesãs da AANA

78

Figura 5. Atividades principais exercidas pelos maridos das artesãs da AANA

79

Figura 6. Renda familiar mensal aproximada das associadas da AANA

80

Figura 7. Freqüência semanal da atividade pesqueira – AANA

81

Figura 8. Destino da pesca entre famílias de artesãs da AANA

82

Figura 9. Densidade média de talo maduro de arumã, igarapés do Dinheiro (ano 2000) e Dinheirinho (margem direita, ano 2000)

123

Figura 10. Densidade média de talo maduro de arumã, igarapés, do Dinheirinho – margem esquerda (ano 2002), da Água Branca (ano 2003) e do Sucurijú (ano 2001)

124

Figura 11. Recuperação da densidade média de talos maduros de arumã (%), igarapés do Dinheiro e Dinheirinho, comunidade do Sobrado, Novo Airão – AM

130

Figura 12. Recuperação da densidade média de talos maduros de arumã (%), igarapés do Sucurijú e Água Branca, comunidade do Sobrado, Novo Airão – AM

131

Figura 13. Renda (R$) bruta total dos grupos familiares AANA, ano / 1997

149

Figura 14. Renda (R$) bruta total dos grupos familiares AANA, ano / 1998

149

Figura 15. Renda (R$) bruta total dos grupos familiares AANA, ano / 1999

150

Figura 16. Renda (R$) bruta total dos grupos familiares AANA, ano / 2000

150

Figura 17. Renda (R$) bruta total dos grupos familiares AANA, ano / 2001

151

Figura 18. Renda (R$) bruta total dos grupos familiares AANA, ano / 2002

151

Figura 19. Renda (R$) bruta total dos grupos familiares AANA, ano / 2003

152

Figura 20. Renda (R$) bruta total dos grupos familiares AANA, ano / 2004

152

Figura 21. Renda (R$) bruta total dos grupos familiares AANA, ano / 2005

153

Figura 22. Renda (R$) bruta total dos grupos familiares AANA, ano / 2006

153

Figura 23. Renda (R$) bruta total das artesãs da AANA, anos 1997 a 2006

155

Figura 24. Estimativa de talos maduros coletados pela AANA, anos de 1997 a 1999, e anos de 2000 a 2005 nos igarapés da Comunidade do Sobrado

157 4

Figura 25. Estimativa de renda da AANA, anos de 1997 a 2005

159

Figura 26. Saldo médio de caixa da AANA nos meses de jan / 2002 a 2006

160

Figura 27. Naturalidade das artesãs do TucumArte

172

Figura 28. Naturalidade dos maridos das artesãs do TucumArte

172

Figura 29. Grau de escolaridade das artesãs do grupo TucumArte

173

Figura 30. Atividades principais das artesãs do grupo TucumArte

174

Figura 31. Atividades principais dos maridos das artesãs do grupo TucumArte

174

Figura 32. Renda familiar mensal aproximada das artesãs do TucumArte

176

Figura 33. Freqüência da atividade de pesca por semana, TucumArte

177

Figura 34. Destino da pesca pelas famílias das artesãs do grupo TucumArte

178

Figura 35. Renda (R$) bruta total dos grupos familiares do TucumArte, ano / 2005

213

Figura 36. Renda (R$) bruta total dos grupos familiares do TucumArte, ano / 2006

213

Figura 37. Renda (R$) bruta total das artesãs do TucumArte, anos 2005 e 2006

215

Figura 38. Renda (R$) bruta total da produção do TucumArte, ano / 2005

219

Figura 39. Renda (R$) bruta total da produção do TucumArte, ano / 2006

219

Figura 40. Faturamento anual do TucumArte nos anos de 1995 e 1996, e 2003 a 2006 220

Fotos 1. Touceiras de arumã

119

Fotos 2. Sistema de manejo de arumã

128

Fotos 3. Processo produtivo dos artesanatos de arumã da AANA

145

Fotos 4. Processo produtivo dos artesanatos de tucumã do TucumArte

205

5

LISTA DE SIGLAS

AANA – Associação dos Artesãos de Novo Airão AARTA - Associação das Artesãs do Rio Arapiuns ACIU - Associação dos Artesãos e Cultura Indígena de Umariaçu II AMARN - Associação das Mulheres Indígenas do Rio Negro AMIT - Associação das Mulheres Indígenas Ticuna AMOPE – Associação dos Moradores e Produtores de Energia Elétrica da Cachoeira do Aruã AMORU – Associação de Moradores do Rio Unini APA – Área de Proteção Ambiental APACS - Associação de Produtores e Agricultores da Comunidade do Sobrado APNA – Associação de Pescadores de Novo Airão APP – Área de Preservação Permanente ASAMAB – Associação de Brinquedos e Artesanatos de Miriti de Abaetetuba ASCOPER - Cooperativa dos Trabalhadores Agroextrativistas do Oeste do Pará ASIBA – Associação Indígena de Barcelos ASKARJ - Associação de Seringueiros Kaxinawa do Rio Jordão ASMOPREURA – Associação de Moradores, Produtores Rurais e Extrativistas da Comunidade de Urucureá BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CEAM - Companhia Energética do Amazonas CEAPS – Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental CEBs - Comunidades Eclesiais de Base CLIS – Comissão Integrada de Saúde (Santarém – PA) CMMAD – Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento CNS – Conselho Nacional de Seringueiros COIAB - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira COSANA - Companhia de Saneamento de Novo Airão CPI – Comissão Pró-Índio ESEC Anavilhanas - Estação Ecológica do Arquipélago Fluvial de Anavilhanas FAB – Forças Aéreas Brasileiras 6

FEAGLE - Federação das Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande FOIRN - Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro FSC - Forest Stewardship Council - Conselho de Manejo Florestal FUNAI – Fundação Nacional do Índio FVA – Fundação Vitória Amazônica IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDSM - Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá IMAFLORA – Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola IMAZON – Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IPAAM - Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ISA – Instituto Socioambiental ITEAM – Instituto de Terras do Amazonas MEBs – Movimentos Eclesiais de Base MFS – Manejo Florestal Sustentável LO – Licença de Operação OAB - Ordem dos Advogados do Brasil OIBI – Organização Indígena da Bacia do Rio Içana OIT – Organização Internacional do Trabalho ONGs – Organizações Não-Governamentais PDPI – Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas PFNMs – Produtos Florestais Não Madeireiros PNCSA – Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia PNJ – Parque Nacional do Jaú PNPCT – Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais PSA – Projeto Saúde e Alegria RDSM - Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá 7

SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEFAZ – Secretaria da Fazenda TucumArte – Grupo de Artesanato de Tucumã da ASMOPREURA UC - Unidade de Conservação Vitae Civilis – Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz. WWF – World Wildlife Foundation

8

APRESENTAÇÃO

Nas últimas décadas, alguns projetos de conservação do meio ambiente na Amazônia têm promovido a chamada sustentabilidade através do apoio a iniciativas de comercialização de Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNMs). Segundo Shanley et al. (2002, p. 366), PFNMs são recursos ou produtos biológicos, que podem ser extraídos das florestas para a subsistência e/ou comercialização. Inclui uma ampla gama de produtos, como plantas medicinais, fibras, óleos, resinas, látex, frutas, sementes, borracha, alimentos, especiarias, flores, artesanatos, tinturas, materiais de construção, bambu, peixe e caça. Para melhor compreendermos o êxito (ou não) destes empreendimentos locais como proposta de conservação faz-se necessário perceber os diferentes contextos em que estão inseridos e ainda, monitorar a capacidade de sustentação ecológica e socioeconômica das atividades ao longo do tempo. Aspectos como o acesso e direito de uso dos recursos naturais e territórios utilizados por povos tradicionais, indígenas ou não, esquemas e sistemas de manejo dos PFNMs que permitam um planejamento adequado de extração dos mesmos, capacidade organizativa do pequeno empreendimento para gerenciar o processo produtivo e a comercialização do artesanato com vistas a atender uma demanda do mercado, são alguns dos fatores principais que atuam diretamente na sustentação desse tipo de proposta socioambiental e conservacionista. Associado a isso, existe um quadro histórico de formação da Amazônia e colonização do Brasil, que deixa marcas consideráveis sobre esses povos, tanto pelas formas econômicas desiguais que foram estabelecidas entre patrão e empregado (sistema de aviamento), quanto na relação desses povos com a natureza, onde se dava uma exploração desenfreada e sem limites dos recursos naturais que eram voltados a interesses únicos de exportação. O tema central dessa tese é a viabilidade de um desenvolvimento comunitário baseado na produção e comercialização de artesanato utilizando PFNMs manejados de forma sustentável. A valorização desses povos e o incentivo ao empreendedorismo local, através da promoção do uso sustentável das florestas, é uma forma recente de pensar o desenvolvimento, que se contrapõe às formas convencionais do desenvolvimento capitalista. Para investigar como esses pequenos grupos têm se consolidado em grupos organizados para utilizar os PFNMs de modo viável, o objetivo geral desse estudo é realizar uma análise integrada dos 9

aspectos sociais, econômicos e ecológicos de dois empreendimentos amazônicos de artesanato, para identificar fatores que influenciam no desempenho destas iniciativas e que contribuem para a sustentabilidade do pequeno empreendimento. As iniciativas estudadas referem-se ao artesanato em fibras vegetais realizado por dois grupos de produtoras: Associação dos Artesãos de Novo Airão (AANA), região do baixo Rio Negro, AM e o grupo TucumArte, parte da Associação de Moradores, Produtores Rurais e Extrativistas da Comunidade de Urucureá (ASMOPREURA), Rio Arapiuns, Santarém, PA (Anexo 1). A comunidade de Urucureá foi formada a partir dos Movimentos Eclesiais de Base (MEBs), voltados à alfabetização de adultos e assessoria aos chamados movimentos populares, que se configuravam através de pequenas comunidades ligadas principalmente à Igreja Católica 1 . Mais recentemente, iniciou-se uma discussão entre diferentes comunidades e organizações comunitárias para realizar o ordenamento territorial dos territórios através da Federação das Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (FEAGLE). Nesse contexto, o conceito de comunidade adotado refere-se à denominação dada pelos habitantes de Urucureá para definir e estabelecer limites de território, uso comum dos recursos e organização. Do mesmo modo, o termo comunidade neste estudo, quando relacionado aos povos tradicionais, refere-se a determinado grupo que se auto-define como identidade coletiva orientada pelas formas de uso dos recursos naturais, hábitos e fatores étnicos que dão estrutura a sua forma organizacional; não se restringe apenas a uma limitação espacial e geográfica 2 . A principal fibra utilizada pela AANA é obtida da tala de arumã – Ischnosiphon polyphyllus, família Marantaceae. Essa espécie é usada na confecção do tupé 3 e de jogos de mesa; os produtos mais comercializados pela Associação. Destacam-se também paneiros, 1

As chamadas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) foram braços da Igreja Católica, incentivadas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), que se espalharam principalmente nos anos 70 e 80 no Brasil, durante a luta contra a ditadura militar, contribuindo conscientemente ou não para o processo de redemocratização do país. (Cf.:http://pt.wikipedia.org/wiki/Comunidades_Eclesiais_de_Base#Origens). A proporção de famílias evangélicas na comunidade sempre foi pequena em relação às católicas. Na última década, tem crescido a migração de famílias evangélicas para Urucureá. Atualmente existe uma igreja católica e uma igreja evangélica, recentemente construída. 2 Decreto n0 6.040 de 07/02/2007, institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), Art. 30 - I: “Povos e comunidades tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. 3 Tapete feito com tala de arumã trançada. Compõem diversas tramas; nome dado aos desenhos de ascendência indígena, principalmente de etnias do Alto Rio Negro, região de Santa Isabel e São Gabriel da Cachoeira.

10

cestos, balaios, bolsas, chapéus e luminárias feitos de cipó – ambé, Philodendron sp. (Araceae). E ainda, os cestos e abanos de tucumã. Já tipitis, para retirar a água da macaxeira e peneiras são confeccionados com outra espécie de arumã (Ischnosiphon sp.). No trabalho das mulheres do TucumArte, a fibra mais utilizada provém da palha de tucumã - Astrocaryum vulgare, família Arecaceae. O artesanato em tucumã resulta em variados e criativos cestos, suporte para plantas, mandala, porta lápis, descanso de panela, jogo amazônico, dentre outras utilidades. A escolha da AANA e TucumArte teve como base os seguintes critérios: (1) são associações que envolvem povos e comunidades locais auto-definidas, geralmente, como nãoindígenas 4 ; (2) constituem formas cooperativas de organização para a gestão de produção e comercialização do artesanato com fibras vegetais; (3) executam a extração de recursos naturais segundo sistemas de manejo. Ambos os grupos foram formados por volta de 1996, portanto, (4) possuem um tempo de experiência comum, sendo representados, em sua maioria, por mulheres (5). Outro aspecto similar entre os empreendimentos é a mediação por Organizações NãoGovernamentais (ONGs) socioambientais na interlocução por recursos financeiros, através de projetos de apoio ao desenvolvimento local, conservação dos ecossistemas florestais e sustentabilidade social e ambiental. Tais similaridades fornecem parâmetros para a análise das dificuldades e benefícios gerados por tais empreendimentos. E também a possibilidade de avaliar a (relativa) autonomia social e política dos grupos frente à gestão das iniciativas. Resumidamente, existem variáveis comuns em ambos os processos: organização familiar e associativa; capital social positivo como confiança entre os membros, união do grupo e regras sociais bem definidas; inserção de parceiros e instituições apoiadoras; mercado conquistado para os produtos; qualidade e aperfeiçoamento da produção; zelo pelo meio ambiente; reivindicações relativas aos direitos de propriedade e usufruto de recursos. Tais fatores, influenciam positiva ou negativamente, o desempenho destes empreendimentos. Como dito anteriormente, os dois grupos articularam os próprios empreendimentos a partir de 1996. Tanto a AANA de Novo Airão, como o “grupo de mulheres” de Urucureá,

4

Sobre o conceito de etnicidade, ver Poutignat, 1998. Acompanhe caso semelhante, numa região amazônica distinta, o Alto Rio Juruá, fronteira Acre-Peru. Nesta tese notam-se como as relações histórico-sociais interferem diretamente na noção de pertencimento a uma “identidade indígena” ou “não-indígena” (Martini, 2005).

11

organizadas num “Núcleo Mulher Cabocla” foram fundadas neste ano 5 . Ambas as iniciativas receberam capacitação de instituições mediadoras (Cf. “Estudos de Caso”, capítulo II e III), voltadas ao processo associativo e organizacional do grupo, intermediação e comercialização dos produtos em escala de mercado e regularização das formas de uso das plantas através dos sistemas de manejo incorporados e/ou locais. Existem, como procurei demonstrar, similaridades entre as duas iniciativas. Estas similaridades permitem identificar os fatores de risco e fortalecimento do empreendimento, favorecendo observar também as tendências, capacidades, discursos e expectativas. Possibilitando a checagem das metas sociais, ambientais e econômicas, além da validade das perspectivas referentes à produção e comercialização de PFNMs. Ao acompanhar tais processos por cerca de nove anos, principalmente através do trabalho com a AANA, fica evidente que algumas das fórmulas e estratégias6 adotadas para o incentivo de PFNMs nem sempre condizem com a realidade local. Projetos são elaborados por instituições externas aos povos e comunidades, e com pouca relação direta com as necessidades e capacidades destes. Isso gera, dentre outros efeitos negativos, uma relação de dependência entre povos e suas entidades mediadoras ou mesmo, representativas, além da inoperância de muitas propostas quando elaboradas sem a participação direta de seu públicoalvo. Muitas entidades são geradas com a finalidade única de garantir a aprovação de recursos para projetos que, ao serem implantados, exigem das comunidades a formalização de organismos como associações e cooperativas. Em nosso estudo, as duas iniciativas tiveram e tem, o acompanhamento constante de ONGs parceiras, como a Fundação Vitória Amazônica (FVA), no caso da AANA e o Projeto Saúde e Alegria (PSA) da ONG Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental (CEAPS), no caso do TucumArte, dentre outras instituições como o SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.

5

O nome TucumArte foi adotado recentemente, em 2005, como parte de uma estratégia para estimular a presença masculina e a consolidação de uma marca. 6 Existem vários setores dentro do Ministério do Meio Ambiente que incentivam alternativas econômicas para os povos da floresta, através do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PPG7 e seus componentes como Programa Projetos Demonstrativos – PDA, Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas – PDPI, Programa Comunidades Tradicionais, Projeto Negócios Sustentáveis, dentre outros. Cf. www.mma.gov.br.

12

Ambas as associações pesquisadas passaram por uma série de adaptações em seu sistema organizacional para se encaixarem aos critérios exigidos pelos projetos, seus financiadores, assessores e mercado consumidor. Como outros PFNMs, os óleos essenciais, por exemplo, as iniciativas enfrentam imensos desafios para comercializar seus produtos, como transporte, adaptação aos órgãos reguladores, controle de qualidade dos produtos, volume e capacidade de venda 7 . Com o aumento da produção para comercialização, surgem novos problemas. Exploração descontrolada das matérias-primas utilizadas; ausência de suporte legal para o uso de tecnologias, propriedades e recursos tradicionais; produtos de baixa qualidade ou inadequados ao padrão exigido pelo mercado; mudança nas atividades cotidianas, a partir do momento em que o artesanato se torna a principal fonte de renda familiar, e dificuldades dos grupos locais de manter organizações autônomas para interagir de forma efetiva com o mercado. A hipótese central investigada é de que o desempenho, econômico, social e ecológico das iniciativas estudadas em adentrar nichos de mercado irá depender diretamente, da organização social do grupo empreendedor, da capacidade de gestão e de negociação para lidar com o mercado, no que se refere às formas de comercialização. Ou seja, de um processo de inovação que requer aprendizado, conhecimentos, habilidades, confiança entre os agentes sociais, e ainda, estratégias participativas de estruturação dos planos de ação entre instituições. Sistemas de manejo e conservação dos recursos naturais é premissa indispensável para esse tipo de empreendimento. Esta tese se divide em cinco capítulos: Resumo e Apresentação; Introdução Conceitual e Metodológica (Capítulo I), onde são apresentados os aspectos históricos e teóricos da discussão, sua problemática, hipóteses, objetivos e metodologia; Estudo de Caso Novo Airão – AANA (Capítulo II); Estudo de Caso Urucureá – TucumArte (Capítulo III); e Análise de elementos contrastantes entre Estudos e Conclusão (Capítulo IV).

7

Acompanhe o caso da Associação Vida Verde na Amazônia (Avive), sua produção de óleos essenciais e cosméticos naturais (Schmal et al., 2006). A cartilha pode ser copiada em www.ibama.gov.br/provarzea/download.

13

CAPÍTULO I. INTRODUÇÃO CONCEITUAL E BIBLIOGRÁFICA

Desenvolvimento sustentável na Amazônia e extrativismo de PFNMs Durante as últimas décadas a preocupação mundial com a conservação do meio ambiente e qualidade de vida dos seres vivos tem impulsionado algumas agências de desenvolvimento a direcionar seus projetos para evitar as atividades de devastação das florestas tropicais, detentoras de enorme biodiversidade de espécies animais e vegetais. Sob a dimensão do discurso da sustentabilidade é que temas como conservação e manejo de produtos florestais ganham destaque nas propostas políticas de desenvolvimento por requerem um grau maior de interdisciplinaridade para abranger toda a problemática ambiental que envolve os diferentes contextos onde se inserem as formas de gestão e emergência de novos “modelos” de manejo dos recursos naturais diante do processo acelerado da globalização. Em referência à Amazônia, o debate ambiental repercute, geralmente, os altos índices de desmatamento na região (Alencar et al., 2004; Margulis, 2003) e algumas das iniciativas de manejo dos recursos naturais por povos e comunidades locais (Gibson et al., 2000; Anderson e Clay, 2002; Allegretti, 1996; Arnt, 1994; Posey, 1992). Para uma abordagem mais adequada sobre essas possibilidades de incentivo ao manejo de produtos da floresta é necessário descrever brevemente, características importantes sobre o histórico de formação socioeconomica na Amazônia. O processo histórico de colonização do Brasil acarretou na dizimação de vários povos e etnias indígenas, sob a forma autoritária do Estado Imperial para ocupar as vastas e extensas regiões de florestas que ocorriam na porção litorânea do país, e posteriormente adentrando nos interiores da Floresta Amazônica. A forma de colonização adotada pelos europeus, baseada na mão-de-obra escrava de negros e índios, acarretou na extração desenfreada e sem limites dos recursos naturais, com objetivo único de exportar os mesmos para a Europa 8 . Tais

8

De modo geral, quando se fala em “recurso natural” deduz-se que o recurso foi meramente retido do estado de natureza e não, pesquisado, manejado e transmitido entre gerações de pessoas. Trata-se de um “recurso sóciocultural” (Martini, 2002, op.cit., p. 8). Dentre os cultivares manejados podemos citar: macaxeira, milho, batatadoce, cará, favas, amendoim, gerimum, pimenta, caju, mamão, banana-da-terra, banana ouro, maracujá, ananás, buriti, guaraná, cuia, cabaça, taboca ou bambu, sementes variadas para arte, algodão, urucum, tucum. E ainda, fibras, óleos, madeiras, substâncias cosméticas, remédios, dentre outros produtos agroflorestais desconhecidos na Europa, até então.

14

recursos foram explorados por sucessivas levas de comerciantes, durante o que se convencionou chamar de “ciclos produtivos”: borracha, castanha, pau-mulato, pau-rosa, sorva, balata. Cada região amazônica já teve seu produto de exploração em ascensão e queda (Abreu, 1992; Batista, 1976) 9 . Muitos destes produtos tornaram-se importantes na pauta de exportação, como o quinino; medicamento extraído da árvore quina-quina para tratamento da malária, a borracha, o urucum. Inserida neste contexto, a história de colonização de ambas as localidades do estudados aqui, municípios de Manaus e Santarém e suas proximidades, inicia-se na segunda metade do século XVII com o objetivo principal de obter mão-de-obra indígena para suprir o trabalho nas roças e coleta das “drogas do sertão”, devido ao decréscimo dos povos indígenas no baixo Amazonas (epidemias de varíola e violências da escravização) e a impossibilidade de utilização de mão-de-obra com escravos africanos (Meira, 1994). Havia também a lenda do Manoa ou El Dorado, na busca dos metais preciosos, que atraía para as cabeceiras do rio e territórios próximos, várias expedições e intenções de ocupação do território (Neto, 1983). O início do século XVIII é marcado pela penetração intensiva de missionários e expedições de “resgate”, onde as missões carmelitas desempenham papel fundamental nas práticas de descimento de cativos indígenas do Rio Negro, formação de aldeias, e na negociação de “escravos” em que os frades participavam direta ou indiretamente 10 (Neto, 1983; Meira, 1994: op.cit.). Em 1755 foi criada por lei a Capitania de São José do Rio Negro, sendo implantada a sede em Barcelos no ano de 1758 (Neto, 1983). Um marco importante na história de colonização da Amazônia ocorreu durante o ministério de Pombal, que se caracterizava pela “política agrícola” da Metrópole (Freire, 1979). O Tratado de Tordesilhas assinado em Madri (1750), determinava a demarcação das possessões luso-espanholas na América; neste, Portugal conseguia mais ganhos territoriais em seus limites ao norte do que ao sul. Portanto, a Amazônia deveria sair de sua estagnação econômica a partir de três medidas a serem tomadas: formação da Companhia Geral de

9

Os recursos naturais explorados nas colônias e, em particular, na Amazônia e Brasil, serviram também ao desenvolvimento científico-tecnológico de novos produtos, como a borracha natural aplicada em pneus, acessórios para motores e ligas impermeáveis (Benchimol, 1999). 10 A ocupação colonial na região amazônica iniciou-se a partir de 1693, com a divisão do Maranhão e Grão-Pará em províncias missionárias entre as várias ordens religiosas; a área de atuação dos jesuítas se restringe à região ao sul do Amazonas, cabendo aos carmelitas a região das bacias do Rio Negro e Rio Solimões (Farage, 1991).

15

Comércio do Maranhão e Grão-Pará - implementação do projeto agrícola (comercialização e introdução de africanos); fim da escravidão indígena (1755); e retirada do poder temporal dos missionários sobre os aldeamentos indígenas, seguida da expulsão dos jesuítas. A ocupação efetiva da Amazônia envolvia, obviamente, a população indígena residente na região, ficando submetida à estratégia política do Estado; “o controle da população indígena após a formalização de sua liberdade” (Farage, 1991, p. 44). O período pombalino foi marcado pelo controle militar dos portugueses que ganharam o título de “diretores dos índios” no lugar dos missionários, e, pela transformação das aldeias em povoados ou vilas 11 . Para os povos indígenas esse período representou o “... devassamento quase completo de seu território pelos militares portugueses e o aumento da depopulação das aldeias em decorrência dos descimentos, uma forma de escravidão velada que levava os índios ao trabalho nas embarcações e na agricultura” (FOIRN / ISA; MEC/SEF, 2000). O processo de exploração dos povos indígenas não terminou tão cedo na região, o que gerou um quadro bastante grave com freqüentes revoltas indígenas durante o século XVIII. Em 1728, cerca de 20.000 índios Manáo foram exterminados da foz do Rio Negro (Jecupé, 1998). A partir daí, inicia-se um movimento agressivo das missões carmelitas para o interior do Rio Negro, que, juntamente com as tropas de resgate e a implantação da política pombalina em meados do século, acarreta na militarização do alto Rio Negro e intensificação dos descimentos de índios e fixação desses nas vilas e fortalezas militares de São José de Marabitanas e São Gabriel da Cachoeira (Meira, 1994) 12 .

11

O período pombalino e o seu instrumento político mais significativo, o Directorio, imprimiram traços coloniais que contribuíram para o agravamento dos processos de depopulação e desorganização social que afetavam os índios, passando estes, de um regime das missões para uma integração ao sistema colonial sem que houvesse intermediários para essa intervenção. Durante um longo período de tempo os jesuítas detiveram a posição privilegiada na formulação e execução da política indígena nos territórios portugueses, o que acabou acarretando em conflitos de poder com a colônia e conseqüente expulsão dos jesuítas no século XVII (Farage, 1991; Neto, 1988). O objetivo principal da política de Pombal era reforçar a “consolidação do domínio colonial português na Amazônia e, em particular, ao longo processo de demarcação de limites com os domínios coloniais limítrofes espanhóis, holandeses e franceses na Amazônia” (Neto, 1983). 12 No Estado do Pará, a Cabanagem, ao eclodir violenta ao longo dos anos de 1830, “...expressava antes um momento conjuntural da história paraense onde aquelas diferentes trajetórias de tensões, na base e na cúpula da sociedade local, fossem apenas latentes ou explicitadas, haviam ganhado expressão e densidade ao se entrecruzarem, produzindo um processo aberto de confrontações armadas que colocou por terra todo e qualquer vestígio de autoridade institucional, no momento em que a pluralidade de demandas do movimento, bem como seus aspectos conflitantes, inviabilizavam a emergência de um “projeto” de hegemonia entre os rebeldes” (Pinheiro, 2001, p. 119).

16

Os interesses em colonizar a Amazônia e explorar suas riquezas a partir da mão-deobra indígena, durante o período de cem anos que separam o início da política pombalina (1750) da criação da província do Amazonas, desmembrada do Grão-Pará (1850), culminaram com a dizimação de grandes populações e extinção de várias etnias indígenas nessa região 13 . A partir de meados do século XIX, quando se consolidava a ordem conservadora e latifundiária no Brasil, a Amazônia brasileira se transforma radicalmente pelo processo de depopulação dos grupos indígenas - dos graves efeitos cumulativos das perdas humanas por efeito das ações militares, da escravidão de indígenas, das epidemias e de outros processos biológicos e sociais de esvaziamento demográfico - e alterando drasticamente a composição étnica da sociedade regional amazônica (Neto, 1988). Em 1848, a partir da lei provincial de número 145, as vilas de Santarém 14 e Cametá passavam à condição de cidade, e a vila Barra do Rio Negro tornava-se a cidade de Manaus (Galvão, 1998, p.80). Através do estabelecimento de uma política chamada de civilizatória, os índios seriam mandados para Manaus para trabalhar sem pagamento na construção das casas da capital (FOIRN / ISA; MEC/SEF, 2000). Após a expansão agrícola propiciada pela política pombalina (1750-1850), a problemática da agricultura versus extrativismo é acentuada quando, em 1850, a borracha surge como um dos principais produtos na pauta de exportação das províncias do extremonorte (pirarucu, salsa parrilha, óleo de copaíba, castanha e goma elástica), ocasionando o abandono da lavoura, das oficinas e dos rebanhos, para os seringais (Oliveira Filho, 1979) 15 . O ciclo extrativista gomífero de curta duração se configurou em um quadro de profunda desigualdade social verificada nas relações de trabalho e com alta dependência do mercado externo, cujo excedente não foi internalizado regionalmente (Martinello, 1988). As formas de produção, comercialização dos produtos da floresta baseavam-se e, em muitas

13

Com a queda de Pombal em 1777 e a promulgação da Carta Régia de 12 de Maio de 1798, com a abolição e extinção dos dispositivos do Diretório Pombalino, os aldeamentos indígenas são condenados ao desaparecimento, distribuindo-se as povoações indígenas aos serviços da S. Majestade e a benefícios de particulares (Neto, 1988). 14 Em 1830, a vila era a mais populosa de todas as que existiam ao longo do vale do Rio Amazonas. Com cerca de 7.000 habitantes, a exportação local do cacau consistia na principal atividade econômica, além da castanha, salsaparrilha, farinha, peixe salgado, guaraná e cravo (Galvão, 1998; Wallace, 1979). 15 O termo extrativismo designa os sistemas de exploração de produtos florestais destinados ao comércio regional, nacional ou internacional (Emperaire e Lescure, 2000).

17

localidades amazônicas ainda se baseiam, no “aviamento” 16 . Nesse sistema se estabelecem condições desiguais de trabalho entre patrão - seringalista e seus empregados – aviados, como seringueiros/as, balateiros/as, castanheiros/as. Há também uma crescente exploração dos recursos e dependência econômica dos extrativistas, obrigados a atender a demanda de patrões, comerciantes 17 , mercado nacional e internacional. O período áureo da borracha veio acarretar em mudanças sociais significativas, a partir do processo de migrações nordestinas para a região. O aumento populacional durante esse período e a miscigenação entre povos indígenas e brancos, configurou-se em novas formas de organização social. No início do século XX, após o período de crise e declínio da produção da borracha na Amazônia brasileira, com as plantações malaias e o surgimento da borracha sintética, o sistema de aviamento se modifica. A floresta passou a ser o território dos seringueiros e não apenas o espaço de moradia dos mesmos, onde a formação do grupo familiar passa a ter uma função importante na articulação e diversificação das atividades de subsistência (Wolff, 1999, p. 118). Desde ano de 1972, quando foi realizada a Conferência de Estocolmo, reunião internacional sobre o meio ambiente, a discussão sobre o desenvolvimento sustentável ganhou maior destaque devido à necessidade de se incorporar uma nova concepção de valores como tentativa de construir novos paradigmas: “O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (Relatório de Brundtland, 1991, p. 46) 18 .

16

“Na Amazônia, o termo aviamento refere-se ao sistema econômico que dá base ao extrativismo e no qual cada elo da cadeia está ligado ao precedente por uma relação de dependência, que se dá por meio de um adiantamento em produtos manufaturados contra certa quantidade de produtos florestais (...). Esse sistema traduz-se pelo endividamento do cliente em relação ao patrão, pois este, a fim de maximizar seus lucros, mantém o controle tanto sobre os preços dos bens de consumo quanto sobre os dos produtos extrativistas. Ao lado dessa relação econômica, dá-se também uma relação social carregada de autoridade e de paternalismo” (Emperaire, 2000, p. 207). Nesse sistema, crédito e dívida adquirem uma função que estabelece o fluxo contínuo e dependente do ato da troca entre credor e endividado que, “... asseguram um ao outro o acesso a mercadorias e a produtos florestais” (McGrath, 1999, p. 61). Existem, como podemos supor, inúmeros graus de interdependência em jogo, pois, o patrão também depende do trabalhador extrativista. 17 Grandes casas de comércio localizadas nas capitais regionais, como Belém e Manaus adiantavam mercadorias para os patrões tendo como garantia a produção dos balatais, cauchais e, sobretudo, seringais, no auge da produção amazônica de borracha, entre 1870 e 1910. A “mediação” de comerciantes sobre a produção extrativista perdura, em muitos casos, até os dias de hoje. Para um estudo histórico sobre sistema de aviamento, comércio de borracha e outros produtos amazônicos, consultar Tocantins (2001). 18 “Relatório Brundtland”, também conhecido como “Nosso Futuro Comum”, foi elaborado pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) no ano de 1987 (Brundtland, 1991).

18

A proposta de uso dos PFNMs era visivelmente vantajosa, visto conciliar baixo impacto ambiental e conservação dos recursos naturais com melhoria na renda familiar das comunidades locais. Após um longo período de prática extrativista voltada ao mercado exterior, gerenciada pelos patrões dos seringais e outros intermediários no processo, como o papel do regatão 19 , a extração de produtos da floresta passa tomar outra dimensão. Essa nova perspectiva considera o conhecimento dinâmico dos povos e comunidades locais, associado ao reconhecimento dos serviços ambientais prestados por essas sociedades, na conservação dos ecossistemas florestais. Contudo, durante essa década, com o início da onda “verde” no mundo, concepções fragmentadas sobre as formas de preservação dos recursos naturais puderam ser percebidas em algumas diretrizes de desenvolvimento que foram implantadas em regiões florestais de países subdesenvolvidos. Houve uma série de equívocos quanto às medidas efetivas de conservação para os ecossistemas florestais tropicais, sendo que na região amazônica brasileira esse quadro não foi diferente. Embora não se constituísse como uma estratégia conservacionista, a contradição do discurso ecológico mundial pôde ser verificada no estímulo dado pelo Estado através de políticas e mecanismos de incentivos fiscais que colaboraram para a expansão agro-pecuária; esse quadro de expansão da agro-pecuária foi e é o principal motivo de desmatamento na região amazônica (Alencar et al., 2004; Margulis, 2003: op.cit; Lentini et al., 2003). Associado a essa expansão agropecuária configurava-se a segunda fase de decadência da produção de borracha e conseqüente quebra do monopólio comercial nos seringais, forçando os seringalistas a venderem suas terras para saldar dívidas bancárias. A partir desse momento, iniciou-se um movimento migratório de empresários e pecuaristas do centro-sul do país para as regiões de fronteiras na Amazônia; cerca de um terço do território do Estado do Acre (5 milhões de hectares) foi vendido para esses migrantes entre 1970 e 1974 (Sandri, 2003). Visando contrapor esse cenário “catastrófico” é que durante a década de 70 e 80 foram adotadas uma série de iniciativas conservacionistas através da implantação de Unidades de Conservação. A repercussão do movimento dos seringueiros no Estado do Acre exerceu forte 19

“O regatão é um comerciante ambulante que viaja entre centros regionais e comunidades rio acima, comercializando mercadorias para pequenos produtores caboclos e comerciantes do interior em troca de produtos regionais, agrícolas e extrativistas” (MacGrath, 1999, p. 57).

19

influencia sobre os critérios de financiamento internacional para demarcação das Reservas Extrativistas. O papel dos sindicatos rurais no Estado do Acre, esses, compostos por antigos seringueiros que iniciaram um forte protesto contra os “novos” proprietários de terras que derrubaram as florestas para implantação de sistemas de pastagens e para exploração madeireira, representou um movimento de reivindicação da posse da terra expressada pela bandeira da reforma agrária como estratégia de enfretamento à violência dos pistoleiros (Sandri, 2003, op.cit.). Os ideais do “movimento” e do “projeto”, encabeçados pelo líder e seringueiro Chico Mendes, compreendiam uma complexidade e amplitude de conjuntos de iniciativas e mobilizações da sociedade que incluíam “... não apenas a defesa do meio ambiente, mas a economia, a política, a ética e a cultura nas formas mais variadas como são vividas pelos povos da floresta, o movimento-projeto dos acreanos ultrapassou fronteiras e influenciou o pensamento de muita gente mundo afora” (Caderno Povos da Floresta, 2003, p. 7). O declínio de “patrões” e “seringalistas” não significa o fim do extrativismo na Amazônia, mas uma nova determinação de cada posição social frente à crise econômica do sistema extrativo-exportador; a organização do processo produtivo sob formas de cooperação entre grupos familiares redefine o seringal, e o advento de categorias como “artesão” e “índio” e a própria atividade extrativa (Almeida, 2001, p. 4). Apenas em meados da década de 1980, com a conquista de terra pelos povos indígenas e extrativistas, torna-se possível alterar parte desse esquema. (Almeida, 1992; Almeida e Menezes, 1994). Nesta década, organizam-se inúmeras entidades em defesa das florestas e dos direitos humanos como o Conselho Nacional de Seringueiros (CNS), Aliança dos Povos da Floresta, Comissão Pró-Índio (CPI), Associação de Seringueiros Kaxinawa do Rio Jordão (ASKARJ), Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) 20 , dentre outros. Isso com intensa colaboração entre comissões e organismos nacionais e internacionais; Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), universidades, sindicatos, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ministério Público e alguns meios de comunicação, sobretudo internacionais e locais.

20

Fundada, juridicamente, no dia 19 de abril de 1989, é a instância máxima de articulação dos povos e organizações indígenas da Amazônia Brasileira, reunindo na sua base política 75 organizações e 165 povos indígenas. Ver: www.coiab.com.br/historia.php.

20

Em decorrência das ações de mobilização e reivindicações desses movimentos sociais e suas repercussões mundiais, é que em junho de 2002 o governo brasileiro ratifica, por meio do Decreto Legislativo n0 143, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); essa, de junho de 1989, “(...) reconhece como critério fundamental os elementos de auto-identificação, e reforça, em certa medida, a lógica de atuação dos movimentos sociais orientados principalmente por fatores étnicos e pelo advento de novas identidades coletivas” (Almeida, 2007, p. 9-10). A essa convenção se implementa outro dispositivo transnacional, a Convenção sobre Diversidade Biológica, cujo texto foi firmado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 5 a 14 de junho de 1992), através do Decreto legislativo n0 2, de 1994 (Almeida, 2007, p. 10). O incentivo ao uso de PFNMs inicia-se na década de 1990, como causa ou efeito do discurso emergente da sustentabilidade e a recente criação das primeiras Reservas Extrativistas no Brasil, como a do Alto Juruá, em 1991 (Almeida e Menezes, 1994; Almeida, 1992: op.cit.). A partir dessa década, sob um referencial ambientalista, a Amazônia passa a ser incorporada dentro de um discurso científico, ao lado de questões globais como a perda da diversidade biológica, o efeito estufa e o buraco da camada de ozônio. A sociedade ocidental adotou um novo referencial científico - o conceito de sustentabilidade ecológica – “a capacidade de uma dada população de ocupar uma determinada área e explorar seus recursos naturais sem ameaçar, ao longo do tempo, a integridade do meio ambiente” (Lima e Pozzobon, 2001, p. 196). A questão da sustentabilidade e/ou do desenvolvimento sustentável tem sido um dos temas mais enfatizados atualmente como solução para o dilema amazônico e a tragédia global do superaquecimento, ambos, fruto da ação antrópica. Tais problemas nos conduzem, talvez, a um cenário desagradável e indesejável em termos de qualidade de vida humana, conseqüência do uso inadequado e desequilibrado dos ambientes e da falta de bom senso político que excedem a capacidade de recuperação da natureza, em não se falando do caos nos grandes centros urbanos, da pobreza e miséria de inúmeras populações humanas. As críticas ao discurso da sustentabilidade recaem sobre o contexto frágil da proposta, da pluralidade de leituras definidas no Relatório Brundtland; das contradições e ambigüidades que se interpõem diante de uma sociedade capitalista orientada pelo mercado. Em eventos internacionais da ONU, constata-se, por exemplo, uma dificuldade para definir compromissos 21

e metas ambientais que representem algum tipo de restrição econômica, resistência essa, na maioria das vezes, por parte dos países mais ricos, como o caso dos Estados Unidos (Lima, 2003). Apesar de todas as contradições e fragilidades que são identificadas no discurso, os interesses internacionais relativos à conservação do meio ambiente no mundo e, principalmente, nos países em desenvolvimento que detém elevado nível de riqueza em se tratando de biodiversidade natural 21 , têm levado os países ditos desenvolvidos a promover ações que estimulem a sustentabilidade através de recursos financeiros doados às regiões florestais com alto índice de biodiversidade. Segundo Brüseke (1993), a teoria do desenvolvimento sustentável apresenta uma perspectiva multidimensional e necessária à humanidade que envolve economia, ecologia e política ao mesmo tempo, uma visão mais holística para entender as diversas relações socioambientais de uso dos recursos na natureza. Conforme destaca Lima (2003, op.cit.), sobre as virtudes do discurso: “... pode-se dizer que ele inova: ao propor uma estratégia multidimensional de desenvolvimento, que tenta superar os reducionismos dos modelos anteriores; ao incorporar uma visão de longo prazo sintonizada com os ciclos biofísicos e com o futuro; ao considerar a dimensão política dos problemas ambientais, comumente abordados de uma perspectiva meramente técnica; ao discutir as relações norte-sul e ao recomendar o uso de teorias e métodos multidisciplinares de análise, aproximando as ciências naturais e sociais na abordagem da relação sociedade-ambiente” (Lima, 2003, p. 104).

A discussão do que deve ser conservado e como isso pode ser viabilizado economicamente tem sido um dos maiores desafios para se efetivar na prática a teoria da sustentabilidade, como é o caso da exploração de madeira e a implantação de sistemas agropecuários, que permanecem sendo atividades incentivadas pela demanda mundial de uma economia ainda presa a modelos econômicos predominantes.

21

Biodiversidade - o número de abundância de espécies (Kormondy e Brown, 2002, p. 436). Quantidade de espécies que habitam e interagem em um determinado sistema, considerando os processos e as formas de relações que os organismos mantêm ao longo das gerações. Critérios de biodiversidade: quantidade – número total de espécies e qualidade – distinção de espécies (Terborgh,1999. p. 93-101). Pode ser entendida como a soma de todos os produtos da evolução biológica, variação genética riqueza de espécies e/ou, diversidade de sistemas naturais (Wilson, 1997).

22

Para Alencar et al. (2004, op.cit.), desde 1990 existe uma forte interação entre a agroeconomia, aumento do nível de exportações e o avanço da fronteira na região amazônica, representada pela relação positiva entre as taxas de desmatamento e a riqueza nacional medida através do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo esses autores, dentre as três principais atividades responsáveis pelo desmatamento na Amazônia – pecuária, agricultura familiar e agricultura mecanizada – a pecuária tem sido a atividade campeã em desmatamento na região, responsável por aproximadamente 75% das florestas desmatadas. Somado a esse contexto e também decorrente do aumento de exportações, como no caso da madeira e carne bovina, o monocultivo da soja tem avançado na Amazônia, especialmente no Mato Grosso, impulsionado pelo aumento da demanda externa. Entre 2001 e 2003, por exemplo, a área agrícola restrita ao plantio de soja no Estado do Mato Grosso aumenta em 11.000 km2 com cifras de 13 milhões de toneladas. Segundo dados oficiais de exploração madeireira (sem considerar as atividades de desmatamento ilegal), cerca de 86% dessa produção destina-se ao mercado nacional, enquanto que 14% são exportados; entretanto, durante os últimos anos, de 1998 a 2002, somente no Estado do Pará, responsável por 61% do valor das exportações da Amazônia, os produtos beneficiados de madeira representaram 21% do valor das exportações (Lentini et al., 2003, op.cit.). No caso do Brasil, além das áreas delimitadas por Unidades de Conservação e Terras Indígenas, cerca de 47% da Amazônia Legal é composta de áreas devolutas e terras em disputa ou sob litígio (Lentini et al., 2003, op.cit.). As formas e estratégias de manejo e uso dos recursos naturais, nessas localidades, irão depender de mudanças sobre a concepção da conservação da biodiversidade e desenvolvimento econômico. Becker (1994), ressalta a questão de vivermos em uma fase de transição paradigmática, que confere uma série de incertezas sobre as estratégias mais viáveis de desenvolvimento das sociedades; as incertezas, as imprevisibilidades de novos modelos de organização social sob uma perspectiva de esgotamento dos recursos e alterações dos sistemas ecológicos. Diante dessa nova abordagem e contexto, os projetos ambientais passam a incorporar o manejo dos recursos naturais, certas reivindicações e práticas locais, como ponto fundamental para a sustentabilidade em ações de conservação (Almeida e Menezes, 1994, op.cit.).

23

Em decorrência da Convenção 169 e Convenção sobre Diversidade Biológica, a noção de termos como, “comunidades locais”, “primitivo” e “natureza”, que antes denotavam “isolamento cultural”, e sujeitos biologizados, deslocam-se para sujeitos coletivos, organizados em movimentos sociais; “O termo natureza tornou-se parte tanto do discurso, quanto dos atos desses sujeitos sociais (...) passou a ser recolocada por meio de um intenso processo de mobilização, compreendendo diversas práticas de preservação dos recursos naturais apoiadas em uma consciência ambiental aguda, e pela oposição manifesta dos movimentos sociais a interesses de empreendimentos econômicos predatórios” (Almeida, 2007, op.cit., p. 11-12). A promoção de PFNMs na Amazônia se estrutura a partir de uma concepção de desenvolvimento que visa integrar de forma harmônica as relações entre ser humano e as outras espécies que constituem a flora e a fauna do meio biótico, além do meio abiótico em que se inserem os seres vivos. Decorrente, dessa nova abordagem do desenvolvimento sustentável, várias iniciativas emergiram na Amazônia com o objetivo de conciliar conservação dos ecossistemas naturais com utilização dos produtos florestais através da implementação de projetos de apoio e capacitação às comunidades locais para empreenderem negócios sustentáveis. Contudo, existe uma série de obstáculos que impedem o sucesso de tais iniciativas como alternativa viável para geração de renda local e manutenção de sistemas de manejos dos recursos explorados. De acordo com o contexto apresentado e de onde se sobressai o incentivo ao uso dos PFNMs, pretendo analisar a gestão de pequenos empreendimentos de artesanato em fibras vegetais considerando variáveis socioeconomicas e ambientais que estão integradas nessa proposta de desenvolvimento local. Veremos agora, parte desse cenário emergente na Amazônia e algumas implicações sobre sua sustentabilidade.

Empreendimentos locais e uso de PFNMs como proposta de conservação O discurso da conservação que é proposto em conceitos apresentados por pesquisadores de diferentes áreas, já constitui, por muitos séculos, expressão e parte da vida de várias comunidades indígenas que, durante as últimas décadas, lutam contra interesses comerciais de madeireiros, contra programas de implantação de sistemas de plantação de 24

monoculturas, contra caçadores externos, garimpeiros, entre outros, uma vez que compreendem como conservação: a preservação da biodiversidade contra grandes escalas de destruição; a manutenção de locais da floresta que não são explorados; a noção da natureza como parte de uma relação entre seres humanos e natureza ao longo de gerações (Alcorn, 1993). Historicamente, os povos da Amazônia não só resguardaram os recursos naturais como estimularam as diversidades biológicas existente, através do que consideramos, atualmente, um “uso sustentável”. A existência de populações humanas na Amazônia, muito antes da chegada dos colonizadores europeus exerceu papel preponderante na composição e estrutura das espécies vegetais nas florestas e, conseqüentemente, influenciou a diversidade dos ecossistemas florestais existentes (Balée, 1989; Anderson e Posey, 1989), além dos fatores biofísicos diversos de solos e bacias hidrográficas que também contribuem para a microdiversidade dos ecossistemas amazônicos (Junk, 1997). O sucesso para a promoção de PFNMs se relaciona com o reconhecimento dos saberes e práticas locais. Com base nesses, a elaboração de instrumentos adequados à conservação dos ecossistemas florestais e ambientes associados se constitui em uma nova concepção sobre a questão da sustentabilidade do extrativismo. Após um longo período de prática extrativista voltada ao mercado exterior, gerenciada pelos patrões dos seringais e outros intermediários no processo, a extração de produtos da floresta passa tomar outra dimensão. Sob o suporte e apoio técnico de instituições, governamentais e não governamentais, e de movimentos da sociedade civil, as iniciativas locais têm se desenvolvido com o objetivo de conciliar qualidade de vida social com meio ambiente conservado. A utilização de produtos florestais passa a ser valorizada sob uma perspectiva mais ampla, considerando-se a diversidade e complexidade de atividades econômicas que estão associadas às formas de subsistência dos povos da floresta. Segundo Richards (1993), o conhecimento tradicional dos povos da floresta pode ser elemento chave para empreender sistemas extrativos sustentáveis, uma vez que a maioria das técnicas de extração empregada não conduz à degradação dos recursos naturais; arranjos institucionais direcionados para o direito de uso da propriedade em reservas extrativistas podem promover uma base socioeconomica mais viável quanto às formas de manejo dos recursos utilizadas. Sob essa perspectiva, cuja estratégia é a conservação dos ecossistemas 25

florestais, um conjunto de políticas públicas e de ações não-governamentais tem estimulado o surgimento de pequenos empreendimentos locais na Amazônia, tendo como atividades compatíveis, o manejo florestal de baixo impacto e extrativismo sustentável, o beneficiamento dos produtos da floresta e o ecoturismo (Becker e Léna, 2003). Contudo, apesar de se apresentar como uma possibilidade viável no uso dos recursos naturais, a dificuldade de gerenciamento desses empreendimentos locais consiste, em muitos casos, na incompatibilidade entre aspectos culturais de economias tradicionais e a economia de mercado (Ribeiro, 2004, p. 40-42). Além do beneficiamento da matéria-prima bruta para ser transformada em produtos que são comercializados diretamente pelo produtor, sem a presença de um intermediário ou do patrão no controle da produção, o uso dos PFNMs precisa estar associado a métodos e critérios de manejo que devem ser incorporados diante de uma preocupação ecológica. Todo esse processo requer desses empreendedores uma nova capacidade sobre o controle e uso dos produtos da floresta, que esteja equilibrada para atender a demanda do mercado e a demanda ambiental. Essas situações configuram um novo cenário de desenvolvimento na Amazônia, diferente de algumas décadas passadas, onde o que prevalecia era a exploração dos produtos para atender a demanda do patrão - a essa subordinação se observa a formação de relações sociais desiguais, favorecendo a freqüente desconfiança entre os membros de extratores, produtores e trabalhadores. Considerando tais aspectos ao longo do processo histórico de formação socioeconomica na Amazônia, os povos tradicionais e indígenas não desenvolveram uma cultura cooperativa para a organização da gestão desse tipo de empreendimento, que envolve a organização social em coletivo para manter o controle de todo o processo produtivo, desde o manejo dos recursos naturais extraídos e ou cultivados, passando por critérios de qualidade e padrões de produção até os trâmites burocráticos e estratégias de comercialização, que requer dos agentes sociais a capacidade de negociação para lidar com o mercado consumidor. Conforme Anderson e Clay (2002), a maior parte desses empreendimentos baseiam-se na comercialização de PFNMs, tendo como principais obstáculos socioeconomicos e ambientais fatores como: ausência de transporte e infra-estrutura adequada em regiões remotas e isolada da Amazônia, pequena produção, sistema de crédito inapropriado, baixa capacidade administrativa e dependência de subsídios e interlocutores na gestão dos empreendimentos, ausência de subsídios e de políticas de desenvolvimento apropriadas aos produtos florestais da 26

Amazônia. Esses últimos parecem constituir fatores determinantes ao sucesso dos empreendimentos; qual o grau de emancipação social que é necessário para se conseguir manter o funcionamento do pequeno negócio e quais são as políticas de desenvolvimento que apóiam essas novas conformações sociais? O sentido de conservação em nível local ainda apresenta uma grande dificuldade no que concerne ao envolvimento com comunidades locais na participação de projetos que, ainda, são elaborados de “cima para baixo”, ou na dificuldade de se ajustar os planos de ação em diferentes esferas para conseguir recursos externos e/ou obter capacidade técnica necessária (Cunha e Almeida, 2001, p. 192). Tais ações com vistas ao desenvolvimento sustentável dependem de uma enorme burocracia para a administração dos projetos. E as entidades, como associações e cooperativas de produtores extrativistas, muitas vezes, não dispõem de pessoas que dominem essa linguagem. Entram em cena as chamadas instituições mediadoras, no apoio à gestão desses processos 22 . A essa noção de conservação recém incentivada por instituições externas, muitas vezes, desvinculadas dos movimentos sociais locais, remete-se às formas de colonização e relações clientelísticas na Amazônia. Segundo Smith (2002), as doações de recursos financeiros por agências públicas e privadas às sociedades indígenas na Amazônia, podem ser interpretadas como relações de troca e, portanto, de reciprocidade. Porém, as doações por parte de projetos de desenvolvimento para a América Latina sempre ocorrem sem a expectativa de retorno ou “a fundo perdido”. Assemelha-se a “presentes”, pois, as entidades receptoras de financiamentos se limitam a receber os recursos e não, a propor as ações e seus gastos. Muitas experiências demonstram que a forma como a doação é efetuada prejudica, em lugar de estimular (Smith, 2002). De forma bastante similar às relações mantidas com povos indígenas, o apoio aos grupos não-indígenas se caracteriza por relações de cunho paternalista. Conseqüentemente, a parca participação dos atores sociais na elaboração e acompanhamento dos projetos resulta em escassos (ou, mais apropriadamente, mal aproveitados) recursos humanos locais. Anderson e Clay (2002, op.cit.), ressaltam que os obstáculos enfrentados e o grau de isolamento que se encontram as comunidades, não inviabiliza o interesse dos agentes sociais, 22

Mediador – “Concerne basicamente às relações sociais entre representantes e ao ato de delegação pelo qual um grupo transmite a uma entidade voluntária da sociedade civil o poder de agir a seu favor, consoante seus interesses elementares” (Almeida, 2001, op.cit., p. 1).

27

conhecimentos e capacidades, mas ao contrário, uma cooperação efetiva entre empreendimentos e financiadores é primordialmente necessária. Conforme os autores, a forma como é exercida a parceria ao apoio para o desenvolvimento desse tipo de empreendimento na Amazônia acarreta no sucesso ou o fracasso das iniciativas e ainda, pode conduzir a uma forte relação de dependência, insustentável em longo prazo. Assim, vão sendo financiados projetos aparentemente orientados pela noção de desenvolvimento sustentável. Porém, nem sempre levam em consideração, no momento da implantação e no decurso dos projetos, a multiplicidade e diversidade de aspectos socioeconômicos envolvidos, as formas de produção familiar, questões fundiárias e de uso dos recursos. A construção desigual de interesses conduz ao fracasso das iniciativas findo o período das chamadas “assessorias externas”. Muitos projetos de conservação implantados junto aos povos indígenas tendem ao fracasso, exatamente por não serem “desenhados” e executados pelas próprias comunidades (Chapin, 2004, p.21) 23 . As formas de mediação adotadas por essas instituições, nem sempre respeitam o “tempo” de cada comunidade, seu modo de vida, relações políticas e de parentesco, no que se refere à condução de atividades de capacitação, organização e gerenciamento das atividades. A falta de compreensão por parte dos técnicos, profissionais, entre outros, sobre como os agentes sociais se autodefinem, em termos coletivos e, aos critérios político-organizativos que passam a acatar para disciplinar suas iniciativas de mobilização, conduz a uma classificação externa dos agentes sociais, causando sérios problemas no processo de intervenção. Conforme destaca Almeida (2001, op.cit.): “(...) está posta em questão uma “área de ensombramento”, opaca, que marca as ações de muitas ONGs de pretensão mediadora, que persistem atuando como numa brincadeira de “cabra cega”, ou seja, impedidas de enxergar os obstáculos mais simples que se interpõem à sua ação rotineira. A sucessão de tropeços não causa, pois, espanto. Estas ONGs funcionam pendularmente entre uma “delegação autoconferida”, em que falam pelos agentes sociais que imaginam representar – correndo sempre um risco de absoluta usurpação da delegação – e um “populismo irrefreável” em que imaginam que a fala e a ação dos agentes sociais, em si mesmas, já são um fim” (Almeida, 2001, p. 7). 23

Na realidade, as comunidades indígenas e os conservacionistas possuem agendas distintas: a) reivindicações indígenas – preocupação em legalizar o direito de uso de suas terras, dando ênfase à proteção dos recursos naturais, documentação histórica e social de seu povo, cultura e identidade; b) conservacionistas – preocupação em estabelecer áreas protegidas sem a presença humana e desenvolver planos de manejo (Chapin, 2004, p. 21).

28

As iniciativas de artesanato estudadas espelham esse cenário. Geralmente, os projetos financiados pelos países mais ricos para a promoção destes pequenos empreendimentos sustentáveis na Amazônia brasileira, continuam sendo implementados por ONGs. Certas organizações não-governamentais chegam a procurar potenciais grupos para atender aos requisitos demandados pelos editais dos financiadores e não atuam a partir dos grupos locais e suas reivindicações. Com propostas de cunho socioambiental para a promoção do desenvolvimento sustentável e capacitação de comunidades locais, os projetos geralmente acabam sendo desenhados e executados para atender os prazos para implementação e obtenção de metas e resultados a serem alcançados, mesmo que esses não considerem, efetivamente, o processo de participação dos agentes sociais para consolidar o desenvolvimento local. Neste cenário de desencontro é que a prática extrativista de PFNMs tem sido promovida como uma possível alternativa econômica e um mecanismo de conciliação das diversas atividades exercidas nas florestas tropicais, mantendo a floresta estrutural e funcionalmente conservada (Shanley et al. 2002, op.cit.; Emperaire e Lescure, 2000, op.cit.; Padoch, 1988; Nepstad, 1997; Peters, 1996; Richards 1993, op.cit.). Diante dos sistemas agropecuários implantados até então, essa alternativa se torna bastante vantajosa e ideal, em termos socioeconomicos para os as comunidades que vivem na floresta. Porém, esse incentivo parece depender de uma rede de arranjos institucionais que possa dar base a um processo de capacitação efetiva dos agentes sociais locais com vistas a potencializar seus conhecimentos inatos, assim como, a diversidade de cada ambiente. Quanto a sua sustentabilidade econômica, alguns autores criticam a sustentabilidade de atividades extrativistas argumentando que estas, necessariamente conduzem a super exploração e ao esgotamento de recursos, visto a inadequação destes produtos e suas formas de produção e comercialização frente às demandas do mercado. Para Browder (1992), a degradação do recurso ocorre exatamente quando o extrator é forçado a retirá-lo acima da capacidade de sustentação, com vistas a garantir sua condição de vida. Diante da capacidade limitada de extração dos recursos e para que não haja danos à natureza, os produtos da floresta só atingem, de forma efêmera e temporária, o mercado, gerando lucros também efêmeros; um indicativo importante para seu planejamento.

29

Homma (1993) argumenta que ocorre uma expansão da atividade extrativa seguida da estagnação e declínio, sendo que essa, pode ser classificada em dois tipos: 1) extrativismo por aniquilamento ou depredação e 2) extrativismo de coleta. O primeiro tipo implica na extinção da fonte, quando a velocidade de recuperação for inferior a velocidade de exploração extrativa (ex. madeira, palmito, caça e pesca indiscriminada). O segundo tipo ocorre quando a exploração é fundamentada na coleta de produtos extrativos, sem que haja total aniquilação dos mesmos. Caso a velocidade de extração seja igual à velocidade de recuperação, a atividade permanecerá em equilíbrio. Em ambos os casos, para o autor, o extrativismo tende ao esgotamento dos recursos naturais ou à rigidez da oferta. Tendo como principais fatores que contribuem para seu previsível declínio: 1) oferta inelástica dos produtos florestais, 2) níveis de coleta que extrapolam taxas de regeneração natural, 3) domesticação do produto florestal e 4) a substituição do produto florestal por similar industrial (Homma, 1993). Ainda segundo o autor, o esgotamento dos recursos extraídos da floresta é inevitável, fato que acarreta a diminuição sazonal ou periódica da oferta desses produtos e a perda da capacidade de competição frente aos produtos sintéticos e/ou cultivados, uma vez que, os produtos extrativos estão sempre sujeitos aos ciclos de crescimento-colapso 24 . Podemos observar, novamente, a pujança conceitual contrária a sustentabilidade dos PFNMs baseada num cenário de poucas alterações quanto à dinâmica conhecida de lucros, competitividade e produtividade do mercado capitalista 25 . De toda a forma, esse debate reflete que a promoção dos PFNMs na Amazônia e questiona o desenvolvimentismo em voga e a economia de mercado, sem perder de vista a diversidade de situações socioambientais locais. A questão delineia complexas interações entre organização civil, administração e políticas públicas, terceiro setor e mercado dito globalizado. Assim como a maioria dos PFNMs, o artesanato tradicional, tema estudado nessa pesquisa, visa outro nicho de mercado, onde as características artesanais e culturais são valorizadas, além de considerar também a conservação e formas sustentáveis de uso dos recursos naturais, o chamado mercado justo ou verde. Esse tipo de consumidor preocupado com as causas sociais e ambientais considera, ou ao menos, caberia compreender, a ampla 24

Vendedores atacadistas de Belém relatam que ocorreu um grande declínio na demanda para PFNMs nas últimas cinco décadas. Inicialmente, suas famílias exportavam látex, óleos, fibras e sementes para a Europa e Estados Unidos (Shanley et al. 2002, op.cit., p.16). 25 Sobre a relação entre o mercado capitalista stricto sensu e as atividades extrativistas, ver Ribeiro 2004, op.cit., p. 31.

30

diversidade étnica e ambiental que orienta as formas de uso dos recursos por esses povos. A proposta de uso dos PFNMs se baseia no extrativismo comunitário e/ou familiar, cujo sistema de produção reúne atividades agrosilvipastoris, pesca, caça, coleta de frutas, fibras e palhas 26 , num equilibrado aproveitamento dos recursos humanos e ambientais disponíveis. Nesta configuração, a diversificação dos modos de utilização do meio ambiente (Kvist e Nebel, 2001; Bahri, 2000; Castro 2000) é que garante a viabilidade do sistema, onde “... os recursos naturais são vistos como recursos produtivos, ou seja, como capital” (Allegretti, 1996, op.cit., p.19). Os grupos estudados neste trabalho podem ser caracterizados como comunidades ribeirinhas agro-extrativistas, que mais recentemente, vêm incorporando também a autodesignação como artesãos. Por estarem situados próximos dos rios, a pesca se apresenta como uma das principais atividades de subsistência, ao lado do plantio da mandioca e produção de farinha. Tais características também poderiam designá-los como caboclos, localmente e pela literatura científica. A complexidade de significados que o termo caboclo adquire incluindo sua acepção pejorativa está intimamente ligada ao histórico de ocupação da região da bacia do Amazonas-Solimões, mas, dilui as diferentes identidades subjacentes (Lima, 1999, pág.29). Geralmente, o caboclo tem ascendência indígena, mas, não se considera índio 27 , ou é de origem africana, conforme a região. O jogo das identidades revela-se mais complexo do que a carga genética. Tendo em vista as formas escravocratas de trabalho em que foram sujeitos esses povos, não fica difícil entender o processo através do qual, o ribeirinho prefere não considerar-se indígena, mesmo tendo antepassados indígenas ou “avó índia”, como muitos afirmam. Nas cabeceiras dos rios acreanos, como Juruá e Purus, o termo caboclo designa, também com conotação pejorativa, somente os povos indígenas. Caboclo manso ou brabo é o indígena que aceita-convive, ou não, com a “civilidade” do ocupador não-indígena (Martini, 26

Como entre os Jaminawa do Alto Rio Acre, o uso que as povos indígenas, ribeirinhas e extrativistas fazem dos recursos florestais, geralmente considera, a capacidade de suporte de suas atividades extrativas e/ou agrícolas. Para garantir um uso adequado, combinam-se necessidades e disponibilidades. Avaliam-se coletivamente os recursos disponíveis, a demanda pelos recursos, o calendário de uso propício, o número de pessoas envolvidas na extração, necessidades internas aos grupos e pessoas e suas expectativas (Martini, 2002). 27 Lima (2001, p. 204) apresenta nove categorias sociais para representar a diversidade identitária amazônica e a complexidade dos comportamentos ecológicos associados: 1) povos indígenas de comércio esporádico; 2) povos indígenas de comércio recorrente; 3) povos indígenas dependentes da produção mercantil; 4) pequenos produtores “tradicionais”; 5) latifúndios “tradicionais”; 6) latifúndios recentes; 7) migrantes/fronteira; 8) grandes projetos; e 9) exploradores itinerantes.

31

2005, op.cit.). Toda essa diversidade identitária deriva da interação política, social e afetiva entre moradores - ocupantes e o “pessoal de fora” - ocupadores. Entretanto, essas formas de reconhecimento estão se transformando. Os ribeirinhos amazônicos, assim como, os povos indígenas, são aqui considerados “povos tradicionais28 ”. A noção de tradicional, segundo Almeida (2006), não se relaciona a uma linearidade histórica, ou mesmo, a uma idéia de repetição do tempo pretérito. As comunidades tradicionais, num eterno e sempre atual processo de transformação, redefinem permanentemente suas relações com a natureza e, não apenas, repetem tradições fixas. A própria construção da noção de tradicional “... incorpora as identidades coletivas redefinidas situacionalmente numa mobilização continuada, assinalando que as unidades sociais em jogo podem ser interpretadas como unidades de mobilização” (Almeida, 2006, op.cit., p. 25) 29 . Para Cunha e Almeida (2001, op.cit, p. 192) os povos tradicionais “... conquistaram ou estão lutando para conquistar (por meio de meios práticos e simbólicos) uma identidade pública que inclui algumas e não necessariamente todas as seguintes características: o uso de técnicas ambientais de baixo impacto, formas eqüitativas de organização social, a presença de instituições com legitimidade para fazer cumprir suas leis, liderança local e, por fim, traços culturais que são seletivamente reafirmados e reelaborados”. A principal característica desses povos é, portanto, a capacidade político-organizativa combinada ao uso estratégico da “política de identidades”; tais formas organizacionais e a autodefinição como coletividade servem à reivindicação de direitos legítimos de uso e propriedade/posse sobre a terra e os recursos naturais (Almeida, 2006, op.cit.). Portanto, o conceito “tradicional” adotado, considera tanto os traços culturais herdados, como os fatos incorporados ao longo da história que alteram significativamente, os termos de identificação e as relações de poder 30 . O incentivo ao uso dos PFNMs como forma de desenvolvimento local se configura em um cenário relativamente novo, emergiu há cerca de duas décadas e, portanto, esses povos estão em fase de construção desses novos saberes. As formas de intervenção das instituições e

28

Através do Decreto nº. 6.040, de 07/02/2007, institui-se a PNPCT. “...unidades de mobilização refere-se a aglutinação de interesses específicos de grupos sociais não necessariamente homogêneos, que são aproximados circunstancialmente pelo poder nivelador da intervenção do Estado – através de políticas desenvolvimentista, ambientais e agrárias...” (Almeida, 2006, p. 25). 30 Dentre outros princípios incorporados ao Decreto 6.040, conforme, Art. 10 – II: “a visibilidade dos povos e comunidades tradicionais deve se expressar por meio do pleno e efetivo exercício da cidadania”. 29

32

ONGs parceiras, e o apoio governamental à formulação de políticas públicas, tornam-se fundamentais para favorecer esse processo de fortalecimento e emancipação da gestão local. Conforme Smith (2002, op.cit.), em relação aos povos indígenas, as sociedades tradicionais encontram-se num impasse: como conciliam valores tradicionais baseados em necessidades de subsistência, como generosidade, acesso eqüitativo aos recursos e redistribuição do excedente, com valores de acumulação de riqueza pessoal. Ainda conforme o autor, as unidades domésticas das sociedades indígenas na Amazônia apresentam um grau apreciável de igualdade e complementaridade nas relações de gênero, perpetuando no interior da aldeia, igual acesso aos recursos produtivos e ao conhecimento para manejá-los. A matriz de parentesco regula as relações sociais a partir de um comportamento que esteja de acordo com normas estabelecidas por regras de parentesco; e, é nesse sentido que a reciprocidade se mantém baseada em uma ordem moral que regula os aspectos da vida econômica. Note-se que resultados favoráveis em projetos locais resultam diretamente da participação social 31 , para que se efetue na prática a construção conjunta dos saberes e habilidades. Com a participação de todos os interessados superam-se as dificuldades e realizam-se os ajustes necessários, quando e se possível. Mas, as regras de cooperação devem ser claras. Ao longo do processo, confiança, compromisso e valores compartilhados são fundamentais. E o aprendizado deve incluir a todos, sem exceção, visando o intercâmbio de conhecimentos e habilidades e a construção do chamado capital social, a saber, “características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” (Putnam, 1996, p. 177). Em sua análise sobre a organização de sociedades das regiões do Norte e Sul da Itália, Putnam (1996) ressalta também ser necessário possibilitar instrumentos que executem a punição e a fiscalização das ações individuais, para que possa haver credibilidade à informação precisa e a execução de ações conjuntas. Em sociedades mais modernas e complexas, a confiança social pode se originar de regras de reciprocidade e de sistemas de participação cívica 32 que diz respeito a um amplo sistema de intercâmbio social e implica na

31

A participação faz parte do moderno conceito de gestão dos recursos naturais (Milani, 1998; Coelho, 2000; Carvalho, 2000). É definida como parte de um “processo de conquista e construção organizada da emancipação social” (Demo, 1986, p. 133). 32 Os sistemas de participação cívica são sistemas de interações horizontais, que congrega agentes com o mesmo status e poder, e possibilita abranger amplos segmentos da sociedade, fortalecendo assim a colaboração no plano comunitário. Em uma comunidade, quanto mais desenvolvidos forem esses sistemas, maior será a probabilidade

33

”contínua relação de troca que não tem benefício em curto prazo, porém, supõe expectativas mútuas de que um favor concedido hoje venha a ser retribuído no futuro” (Putnam, 1996, p.181). Esses sistemas servem para conciliar interesse próprio com solidariedade e representa um componente altamente produtivo do capital social, uma vez que favorece melhores soluções aos problemas de ação coletiva, através de um amplo sistema de intercâmbio social, e evita o oportunismo de atuação de terceiros em relações verticais e assimétricas de hierarquia e dependência (Putnam, 1996, p. 181-183). Os povos tradicionais na Amazônia se caracterizam mais às condições verificadas por Putnam (1996) na região Sul da Itália. A organização social ainda ocorre em uma escala familiar e algumas dificuldades encontradas para organização coletiva dos empreendimentos correspondem à falta de confiança entre os membros do grupo. Neste cenário, a noção de reciprocidade 33

torna-se

essencial

ao

desenvolvimento

positivo

destes

pequenos

empreendimentos amazônicos, e é fundamental nos arranjos produtivos locais 34 . Tais arranjos se constituem a partir da estrutura produtiva disponível e da realidade sociocultural vinculada ao território (Albagli e Maciel, 2003, p. 436). Com base em tais considerações vistas até aqui, um reconhecimento prévio sobre a estrutura do grupo local que se pretende apoiar o desenvolvimento do empreendimento parece ser fator primordial. Para esses povos, as formas dos arranjos institucionais e parcerias estabelecidas para a capacitação técnica e organização social serão determinantes para conduzir processos efetivamente construídos da base e que garantam a emancipação dos

de que seus cidadãos sejam capazes de cooperar em benefício mútuo. Isto porque: 1) aumentam os custos potenciais para o transgressor individual; 2) promovem sólidas regras de reciprocidade; 3) facilitam a comunicação e melhoram o fluxo de informações sobre a confiabilidade dos indivíduos; 4) corporificam o êxito alcançado em colaborações anteriores, criando assim um modelo culturalmente definido para futuras colaborações (Putnam, 1996, p. 181-183). Sociedades não cívicas são aquelas onde predominam relações paternalistas e a organização é familiar porque só pode confiar em família, como ocorre na região do Sul da Itália. 33 A noção de reciprocidade é fundamental nos estudos antropológicos. Nela fundamenta-se parte das regras de conduta, organização e interação social, política e afetiva entre grupos, pares ou mesmo, inimigos. Base da noção de aliança e afinidade trata-se do poder de conferir e retribuir uma ação ou uma dádiva-presente. Muitos teóricos questionaram a noção, mas, o artigo clássico sobre o assunto é o “Ensaio sobre a Dádiva”, em que o antropólogo Marcel Mauss, emite a seguinte e paradigmática questão: “O que existe na coisa dada para que ela seja, necessariamente, retribuída?” (Mauss, 1974). 34 “Para o SEBRAE, o Arranjo Produtivo Local compreende um “recorte do espaço geográfico (parte de um município, conjunto de municípios, bacias hidrográficas, vales, serras) que possua sinais de identidade coletiva (sociais, culturais, econômicos, políticos, ambientais ou históricos)”. O território para a atuação destes arranjos não se resume à dimensão física: “Território é um campo de forças, uma teia ou rede de relações sociais que se projetam em um determinado espaço.”. Ver. www.SEBRAE.org.br.

34

grupos e sucesso dos empreendimentos ao longo do tempo. Isto é, a total autonomia dos grupos é um processo que depende das formas como são estabelecidas as parcerias e do aproveitamento das capacidades inatas do grupo para desenvolver e criar um capital social entre os membros, que se caracterize em relações sociais horizontais e que resulte em benefícios justos e igualitários para todos os agentes sociais envolvidos através do desenvolvimento coletivo na gestão do empreendimento. Certos padrões podem ser retidos deste tipo de projetos e propostas, cujo público-alvo são povos tradicionais: 1) desenvolvimento de uma “cultura de projeto” – criação de associações registradas para obter apoio de agentes diversos como ONGs, igrejas, programas de cooperação internacional, poder público, em uma orientação claramente econômica dos projetos e dimensão técnico – científica experimental; 2) dependem de modelos econômicos alternativos – baseados em valores como autonomia, democracia participativa, igualdade, eqüidade, solidariedade e respeito ao meio ambiente; 3) dentre os benefícios esperados, encontram-se auto-estima, cidadania, educação, saúde, emancipação social, afirmação cultural, além da participação em novas atividades lúdicas e culturais (Cf. Becker e Léna 2003, p. 407) 35 . Nessa perspectiva, empreendimentos locais na Amazônia podem se configurar em redes de empreendimentos alternativos adaptados a realidades específicas que caracterizam um sistema de inovação, “um conjunto de instituições distintas que conjuntamente e individualmente contribuem para o desenvolvimento e difusão de tecnologias” (Cassiolato e Lastres, 2003, p. 24). A inovação é tida como expressão da mudança e reflete a capacidade criativa - adaptativa, dos elementos do sistema e até mesmo do meio, em superar adversidades (Bresciani Filho, 1999; Senge, 2001). A inovação do artesanato em fibras vegetais, atrelado ao conceito de sustentabilidade, baseia-se na permanência dos povos em ecossistemas florestais e na regularização do direito à propriedade e uso dos recursos naturais como fundamento para a conservação da diversidade biológica e cultural, através do fortalecimento

35

Entretanto, segundo Chapin (2004, op.cit., p. 30), as formas de cooperação e mediação entre ONGs e, entre essas e grupos indígenas e povos tradicionais, têm sido substituídas por relações de competição por grandes fundos de apoio a projetos de conservação. Por isso, é preciso que haja avaliações e estudos sobre os programas de conservação para saber mais profundamente o que realmente está acontecendo nas áreas “alvos”, e compreender como estão sendo estabelecidas as relações entre diferentes setores como, povos indígenas, comunidades locais, ONGs nacionais, agências governamentais e doadores, tanto os bilaterais como os multilaterais.

35

socioeconômico do empreendimento. Nos grupos sociais acompanhados, os agentes sociais se identificam como artesãs, artesãos 36 , coletores e se organizam em associações, de forma a atender interesses da comunidade como comercialização de produtos florestais e direitos de uso sobre seus territórios e tecnologias. A proposta de conservação dos ecossistemas naturais com a presença de populações humanas na Amazônia se realiza, pois, a partir da combinação de conhecimentos tradicionais e acadêmicos que tem resultado em estratégias políticas de interesse internacional, como a criação de Unidades de Conservação (UCs) de uso direto 37 . Os problemas fundiários de direito de uso das propriedades são vários, podendo abarcar desde, conflitos agrários entre latifundiários e comunidades rurais, exemplos como o uso da palmeira babaçu (Orbignya phalerata) utilizada na atividade econômica de subsistência no Estado do Maranhão (Almeida, 1995) e o avanço da agroindústria na Amazônia (soja e gado), até conflitos gerados pela implantação de áreas de Unidades de Conservação, mais especificamente às de uso indireto e de cunho estritamente preservacionista (Benatti, 1999; Fundação Vitória Amazônica, 1998; Diegues, 1996). Esse último, pode ser aplicado ao estudo de caso da AANA, onde se localiza a Estação Ecológica de Anavilhanas 38 . Contudo, mesmo em relação às categorias de uso direto, a criação dessas unidades tem sido questionada pelos próprios movimentos sociais devido a uma série de problemas que foram gerados a essas comunidades, que se traduzem em empecilhos à reprodução física e cultural dos povos e comunidades tradicionais (Neto, 2007, p. 30). A padronização de um 36

Artesãos – portadores de conhecimentos práticos capazes de identificar ocorrências de recursos naturais, e capaz de extraí-los adequadamente e de transformá-los em artefatos passíveis de comercialização; a afirmação cultural vem junto com a capacidade de gerar produtos, com devidos correspondentes monetários, que concorrem para consolidar a vida em grupo e seus fundamentos intrínsecos (Almeida, 2001, op.cit., p. 2). 37 As unidades federais de conservação, administradas pelo IBAMA, somam aproximadamente 45 milhões de hectares, sendo 201 unidades de conservação de uso indireto e direto. Podem ser a) Unidades de Proteção Integral: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural, Refúgio de Vida Silvestre; b) Unidades de Uso Sustentável: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável, Reserva Particular do Patrimônio Natural (Diegues 2002, p.54). 38 Várias situações na Amazônia constatam conflitos entre povos tradicionais e implantação de Unidades de Conservação de uso indireto, onde é retirado desses povos, o direito de uso dos territórios e recursos naturais. O Caso do Parque Nacional do Jaú e Estação Ecológica de Anavilhanas são exemplos na região do baixo Rio Negro. Mais recentemente, na região do Jalapão - TO (principais municípios: Ponte Alta do Tocantins, Mateiros, São Félix e Novo Acordo), a crescente demanda por artesanatos de capim dourado, extraído na região, tem gerado conflitos entre comunidades e instituições governamentais ambientais. Quase 159 mil hectares restringem-se a área do Parque Estadual do Jalapão, criado em jan/2001. A área de entorno do Parque, corresponde a 461 mil hectares de Área de Proteção Ambiental Estadual, desde o ano 2000. Ver: http://www.herbario.com.br/dataherb50all_2_4/parquejalapao.htm.

36

modelo de Reserva Extrativista, a ser seguido por diferentes segmentos sociais dificulta a expressão do modo de vida cultural e ambiental de cada povo, onde questões sobre as formas de uso dos recursos são desconsideradas, tais como, para os seringueiros o uso do recurso é privado e, para as quebradeiras de côco babaçu, o uso é comum: “Partindo do pressuposto de que os direitos devem ser plenos, é imprescindível garantir aos povos e comunidades tradicionais a sua reprodução física e social, consubstanciada numa “prática social”, que se relaciona a um modo de “criar”, de “fazer” e de “viver”. O direito de viver a vida de acordo com suas especificidades se encontra disposto no inciso II do art. 216 da Constituição Federal de 1988, bem como do que pode ser extraído da Convenção de n0 169 da OIT, que trata dos povos indígenas e tribais” (Neto, 2007, p. 3031).

O não reconhecimento dos direitos de propriedade por povos indígenas e tradicionais associado à propriedade intelectual desses povos impede que haja uma parceria efetiva entre, Estado, conservacionistas e comunidades locais, inviabilizando o papel participativo dessas últimas, em mudanças na legislação, nas políticas e nas inter-relações institucionais que atuam nos processos de tomadas de decisão (Alcorn, 1993, op.cit.). Com exceção de algumas Reservas Extrativistas e UCs de uso direto, essas parcerias ainda são muito pouco evidenciadas na região Amazônica Brasileira. Sem garantia de acesso e direito de uso dos recursos às comunidades, ou pelo menos uma porcentagem de uso das florestas às mesmas, não é possível obter êxito com a conservação dos ecossistemas naturais (Banana e GombyaSsembajjwe, 2000, p. 93). Conforme Gibson et al. (2000, op.cit.), o direito de propriedade por esses povos é essencial para a inclusão de estratégias de manejo, conceitos e práticas ditas tradicionais, em projetos de desenvolvimento sustentável e também na formulação de políticas públicas, principalmente, em ecossistemas de florestas tropicais. Ainda segundo esses autores, a atenção voltada para uma análise excessivamente macro política dos problemas ambientais gera distanciamento entre as políticas públicas e o contexto social em que estas se inserem, além da inadequação das leis e regras de uso dos recursos naturais em relação às reais necessidades socioeconômicas das comunidades. Na presente pesquisa, a análise específica de dois pequenos empreendimentos conduz a resultados importantes no que se refere ao conceito de sustentabilidade para sistemas 37

socioeconomicos que envolvem povos tradicionais. A questão complexa que envolve a emergência de empreendimentos locais e o uso desses produtos, segundo critérios de sustentabilidade é tema de grande debate. Faltam muitas informações sobre como essas novas formas têm se estruturado e enfrentado os inúmeros obstáculos para manterem suas atividades em desenvolvimento. Inserido nesse contexto, o uso de PFNMs se apresenta como alternativa principal para o manejo sustentável dos recursos naturais, tema abordado a seguir.

Sistemas de manejo Ainda que alguns estudos documentem os benefícios sociais e econômicos dos PFNMs, pouco se conhece sobre as conseqüências biológicas da extração e capacidade regenerativa desses produtos (Plowden, C. 2002; Lescure, 2000; Macía e Balslev, 2000; Hegde et al., 1996; Murali et al., 1996; Uma Shankar et al., 1996) ou mesmo, sobre seu impacto no funcionamento dos ecossistemas, como nas chamadas “florestas vazias” ou “florestas mortas-vivas” (Redford, 1997). Atualmente, a exploração comercial na Amazônia se concentra na extração intensiva, por vezes, comunitária, de madeira e pesca (Kvist e Nebel, 2001, op.cit.). Sabe-se que a intensificação de certas atividades extrativas, em decorrência das necessidades populacionais e suas demandas, pode acarretar um processo de extinção de certas plantas e animais (Kvist et al. 2001). A ausência de sistemas de manejo controlados é grande. Segundo Rice et al. (2001), alguns motivos podem explicar o fato do Manejo Florestal Sustentável (MFS) não ser uma opção atrativa de uso da terra, como: o lento crescimento das árvores, valorização modesta dos preços, altas taxas de juros, e o fato do MFS poder causar maiores danos do que outras formas de uso. Os autores concluem que as áreas preservadas devem, ainda, continuar sendo a base de qualquer estratégia sensata de conservação. Apesar do manejo de madeira também apresentar problemas quanto às formas empregadas e sua viabilidade econômica, ainda assim, essa atividade parece ser mais adequada quando comparada à expansão de sistemas agropecuários na Amazônia, na substituição de grandes áreas florestais em áreas de pastagens e cultivos de monoculturas, como o caso da soja (Alencar et al., 2004; Margulis, 2003: op.cit.). Na grande maioria dos casos, essas atividades, geralmente demandam por grandes propriedades de terra e são 38

implantadas por empresários “estrangeiros”, que vêm de outras regiões e, portanto não se correspondem ao uso por povos e comunidades tradicionais. A proposta de manejo florestal tem sido pensada como estratégia de uso múltiplo da floresta, a partir do uso dos PFNMs. O estímulo à implementação do MFS se deve principalmente para impedir a conversão da floresta em produção agrícola e para reduzir a exploração convencional de madeira. Os resultados apresentados por Peters et al. (1989), em um levantamento realizado ao longo do Rio Nanay, perto da vila de Mishana, Peru, demonstraram que os benefícios econômicos gerados pelo manejo sustentado das florestas tendem a exceder aqueles que resultam da conversão de florestas e, que os PFNMs além de produzirem um ganho líquido por hectare maior que a madeira, proporcionam também menores danos à floresta. Quando observado em escalas ecológicas globais, poucas informações têm sido obtidas sobre a extração intensiva de PFNMs. Informações mais recentes têm alertado algumas dificuldades à promoção da conservação através do uso desses recursos. O incentivo aos PFNMs tem sido questionado em estudos realizados, quanto à sua viabilidade econômica e capacidade estratégica para manutenção dos ecossistemas florestais (Gould e Merino, 2005; Ruiz-Pérez, et al., 2004; Shanley et. al., 2002, op.cit.; Godoy e Bawa, 1993; Homma, 1993, op.cit.). Uma análise efetuada a partir de 61 estudos de casos com uso de PFNMs distribuídos entre África, Ásia e América Latina, identifica três estratégias econômicas dos grupos familiares: 1) estratégias de subsistência - extração baseada na regeneração natural; 2) estratégias diversificadas – subsistência, sistemas de manejo, e agricultura ou gado; 3) estratégia especializada – cultivo. O estudo mostra que os PFNMs são importantes como fonte renda complementar, embora, não sejam suficientes para retirar as comunidades locais das situações de pobreza. As melhores oportunidades para o aumento de renda estariam em sistemas intensivos que combinam sistemas de manejo e cultivo. Estes superam o problema da escassez dos recursos (Ruiz-Pérez, et al. 2004, op.cit.). O impacto do uso dos PFNMs sobre as populações 39 naturais de plantas varia conforme a diversidade das formas empregadas na extração, a saber, coleta de raízes, caules,

39

Na esfera biológica, o conceito de população é definido como qualquer conjunto de organismos da mesma espécie (onde os indivíduos podem intercambiar informação genética) que coexistem em um espaço determinado (Caughley e Sinclair, 1994; Odum, 1988). Uma população possui várias características que são propriedades exclusivas do grupo, como: a densidade, a natalidade, a mortalidade, a distribuição etária, o potencial biótico, a

39

folhas, frutos, sementes, fibras, galhos, dentre outros. Essa diversidade de formas de uso, complica a interação e padronização dos dados e dificulta a comparação. Neste percurso, os autores Gould e Merino (2005, op.cit.), realizaram uma análise estatística baseada nos parâmetros ecológicos utilizados em doze estudos sobre PFNMs. Verificaram que sua extração, em curto ou longo prazo, afeta negativamente as populações de plantas utilizadas. Torna-se importante aferir, então, qual o ponto de equilíbrio entre a intensificação no uso dos recursos (em concordância com demandas de mercado) e a melhoria da qualidade de vida local. Nem sempre, em se tratando de comunidades amazônidas, aumento na produção significa melhor capacidade de gerar renda e muito menos, melhor qualidade de vida, conforme histórico da região. A implantação de sistemas de manejo, necessária em qualquer iniciativa com os PFNMs, observa tais fatores ao longo do tempo, de forma a garantir a regeneração das plantas úteis e a estabelecer o “ponto de equilíbrio”. Conforme Gibson e Becker (2000, p. 135), para o sucesso do desenvolvimento de pequenos sistemas de manejo dos recursos naturais por comunidades locais, é necessário considerar alguns requisitos, como: 1) as comunidades devem valorizar o recurso natural para obter o incentivo ao manejo sustentável; 2) o direito de uso dos territórios deve ser devolvido aos povos que usam o recurso segundo benefícios e incentivos ao manejo; 3) os indivíduos devem ter habilidades para criar micro-instituições que sejam capazes de regular o uso do recurso. Ainda segundo esses autores, políticas governamentais geralmente dão poucos direitos de uso dos recursos naturais a essas comunidades; sem direito legal de uso e com poucos benefícios sobre os mesmos, esses povos pouco têm a ganhar com a proteção dos recursos e ambientes, ou ainda, com o uso sustentável dos mesmos (p. 138 – 139). A interação adequada entre conhecimentos e práticas, locais e científicas, garante, ainda que em termos, a viabilidade ecológica e social destas políticas. Um dos fatores indispensáveis para a viabilidade do manejo florestal é o reconhecimento de um status fundiário estabilizado, com uma apropriação definida dos recursos como acontece no âmbito jurídico das Reservas Extrativistas e, potencialmente, nas Áreas Indígenas (Emperaire e Lescure, 2000, op.cit.). Os direitos de propriedade, como são reconhecidos, é um importante fator no manejo de recursos naturais. Os sistemas de manejo dispersão, a forma de crescimento e, características genéticas como, a adaptatividade, o fitness reprodutivo e a persistência - probabilidade de deixar descendentes ao longo do tempo (Odum, 1988, p. 187-232). Quando me refiro à espécie humana desloco o termo população para povos e comunidades.

40

proporcionam a base para a gestão de práticas extrativistas em propriedades comunitárias de floresta. A concepção sobre a capacidade de sustentação desses sistemas deve ocorrer através de regimes de propriedade comunal 40 , de diversos contextos e instituições sociais organizadas (Diegues, 2001; Feeny et al., 2001; McKean e Ostrom, 2001). Convém enfatizar, as dificuldades que algumas Reservas Extrativistas têm enfrentado decorrente de um modelo uniformizado e que não considera a diversidade étnica-ambiental por direito conquistada pelos povos e comunidades tradicionais, conforme já mencionado (Neto, 2007, op.cit.). Aqui nos retratamos novamente à importância dos arranjos institucionais que viabilizem o direito de propriedade e, assim, se consiga alcançar resultados efetivos de conservação. Ambos os estudos de caso corroboram essas situações. No caso de Urucureá, a permissão de uso das palmeiras de tucumã é fator primordial ao sucesso do empreendimento. Já no caso da AANA, o contexto da região de Novo Airão é bastante complexo, principalmente em relação ao impedimento de uso dos territórios, o que inviabiliza que as artesãs consigam traçar estratégias distintas no manejo de arumã, conforme veremos nos capítulos posteriores. Outro aspecto que parece influenciar ao incentivo desses arranjos é o tamanho das empreitas. Quando não caracterizadas como grandes sistemas de monoculturas ou madeireiros, exclusivamente, pequenos e diversos tipos de sistemas podem resultar em arranjos mais sustentáveis ecologicamente. Ou seja, áreas mais restritas para o manejo dos recursos e um número relativamente pequeno de usuários; esses, caracterizados por viverem perto dos recursos, por não estarem fortemente divididos por culturas e etnias distintas, e por compreenderem que os direitos sobre o sistema sejam relativamente regulados (Gibson e Becker, 2000, op.cit., p. 139-140). Ao contrário, quando se impede o acesso aos territórios tradicionalmente ocupados, há muitos anos, por povos tradicionais, dificulta-se à implantação de sistemas inovadores de manejo que se integrem a estratégias mais concretas de conservação. Para algumas etnias 40

Feeny et al. (2001), emprega o termo “propriedade comum” para certos tipos de recursos de uso comum ou coletivo, como pesca, caça, madeira, entre outros, e o termo “propriedade comunal” em referência a quatro regimes distintos de direito sobre os recursos comuns: 1) livre acesso – ausência de direitos de propriedade bem definidos; 2) propriedade privada – direito de exclusão de terceiros, na exploração e na regulação da exploração de recursos delegado a indivíduos – geralmente reconhecidos e impostos pelo Estado; 3) propriedade comunal – os recursos são manejados por uma comunidade identificável de usuários interdependentes; 4) propriedade estatal – os direitos aos recursos são alocados exclusivamente no governo que, toma decisões em relação ao acesso aos recursos e ao nível e natureza da exploração (Feeny et al. 2001, op.cit., p.20-22).

41

indígenas, com territórios legalmente demarcados e reconhecidos, sistemas de manejo podem ser empregados e testados. É o caso, por exemplo, dos índios Baniwa, na bacia do Rio Içana. Com base em algumas pesquisas realizadas a partir do uso do recurso arumã (Ischnosiphon spp) para produção artesanal de cestarias, os Baniwa pretendem conciliar práticas tradicionais de uso às estratégias inovadoras de manejo. Conforme Silva (2004), a prática secular dos índios Baniwa, na agricultura de corte e queima, produz efeito positivo sobre as populações da planta e a disponibilidade desse recurso para uso no artesanato 41 . O conhecimento de povos indígenas parece estar mais associado aos processos naturais que determinam as etapas de sucessão ecológica dos ecossistemas e composição natural de regeneração das espécies, do que num determinado recurso em si; esse conhecimento se aplica na preocupação de manejar os processos ecológicos e as espécies que mediam esses processos de acordo com as condições favoráveis do ambiente, em uma relação adaptativa de uso e manutenção dos sistemas naturais (Alcorn, 1989). A sustentabilidade dos sistemas de manejo de ecossistemas florestais está associada a um conjunto de técnicas que assegurem, a manutenção dos serviços ambientais oferecidos pela floresta, a capacidade de regeneração natural e a garantia de conservação da biodiversidade. Sistemas de manejo em regime de rendimento sustentável que priorizam obter benefícios econômicos, sociais e ecológicos, necessitam de uma base consolidada de gestão, no planejamento, controle e ordenamento do uso dos recursos florestais disponíveis. Isto é, a concepção do manejo, sob uma perspectiva conservacionista, se baseia na utilização do recurso natural de modo que essa não comprometa com a reposição natural desse recurso e com sua disponibilidade para futuras gerações. Para Freese (1998, p. 12) a sustentabilidade dos PFNMs pode ocorrer em três situações/níveis: 1) A utilização dos recursos é conduzida em proporções e formas que a garantem indefinidamente. Isso inclui a extração de partes ou produtos de organismos, tais como seivas de árvores e folhas; 2) A extração e as práticas de manejo associadas não conduzem a mudanças notáveis, como a degradação da biodiversidade natural ou alterações nos processos e funcionamento do ecossistema (ciclos biogeoquímicos, como o ciclo do carbono, da água, dentre outros); 3) A recompensa socioeconômica obtida com o uso e 41

O Projeto Arte Baniwa tem sido uma iniciativa promissora para a geração de renda das famílias indígenas (FOIRN/ISA, 2000). Através deste projeto, os Baniwa objetivam acumular experiências comerciais que poderão servir como referência para as outras 21 etnias que ocupam a vasta Terra Indígena do Alto Rio Negro.

42

comercialização dos produtos naturais incentiva a prática da coleta sustentável e, conseqüentemente, a sustentabilidade ecológica das espécies e do ecossistema. Com relação à formulação de políticas públicas a determinação dos critérios de conservação vai depender dos aspectos sociais, culturais, econômicos e ambientais de cada contexto. “O manejo é uma ferramenta, e ferramentas devem ser usadas somente quando nós sabemos com o que queremos trabalhar: O Brasil, país que possui uma biodiversidade maior do que qualquer outro país, não apresenta uma tradição de manejo dos recursos, sendo que as decisões a nível nacional sobre a vida silvestre geralmente são tomadas por pessoas que freqüentemente nunca tenham visto as espécies e as áreas sobre as quais elas legislam” (Magnusson, 1994, p. 209).

Nos últimos dez anos, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) tenta descentralizar a gestão dos recursos naturais através da institucionalização de iniciativas locais de manejo. Destacam-se, neste sentido, dois programas: Pró-Várzea e Pró-Manejo. As dificuldades nesse novo sistema de gestão são: a fraca organização comunitária, a necessidade de mudanças profundas na legislação e a criação de novas instituições para sua implantação (Benatti et al., 2003, p. 138; www.ibama.gov.br). Tais aspectos reforçam mais uma vez a necessidade de entidades parceiras atuarem mais efetivamente na capacitação à organização social dos agentes sociais para a gestão dos sistemas integrados de conservação e uso dos recursos naturais. Já em termos estritamente ecológicos, o manejo de vida silvestre manipula populações e comunidades 42 , de organismos animais e vegetais, para obter um desejado efeito, sendo que seu objetivo central é a conservação (Magnusson, 1994, op.cit.). Mais especificamente, o manejo de população silvestre é a intervenção na população-alvo, visando propósitos definidos (Mourão e Magnusson, 1997), podendo-se basear prioritariamente em quatro possibilidades: incremento, decréscimo, exploração em contínua produção e preservaçãomonitoramento (Caughley e Sinclair, 1994). O estudo ecológico de populações investiga as relações espaciais e temporais relativas à forma de crescimento e variação da capacidade de

42

Nesse caso, comunidade biótica é definida como um conjunto de populações que funcionam como uma unidade integradora, através de transformações metabólicas co-evoluídas numa dada área de habitat físico (Odum, 1998, p. 187).

43

suporte 43 , considerando características fundamentais: densidade, natalidade e mortalidade (Odum, 1998, op.cit., p. 187-232). No caso do manejo de arumã da AANA, por exemplo, consideramos a densidade 44 relativa da planta nos anos posteriores à extração, tendo como principal fator (dependente) da densidade, o corte dos talos de arumã; conseqüência direta da ação antrópica dos coletores. Já no estudo do grupo TucumArte, consultores externos avaliaram as estratégias do manejo de tucumã a partir da relação: estimativa de densidade das palmeiras e demanda de mercado. As duas iniciativas estudadas nesta tese utilizam estratégias de manejo que retiram, apenas e parcialmente, partes da planta, como: folhas das palmeiras de tucumã, no caso do TucumArte; e talos (caules aéreos) das touceiras de arumã, no caso da AANA. Na concepção corrente de manejo e para avaliação da capacidade de suporte45 dos PFNMs, devemos considerar tanto as dinâmicas e estratégias adaptativas biológicas, como o contexto socioeconômico da empreita 46 , sua capacidade de organização para a gestão do manejo, da produção e comercialização dos produtos, além dos aspectos que se relacionam à reivindicação de uso dos territórios, conforme já mencionados. O incentivo ao artesanato, como uma possibilidade de renda, constitui-se numa ferramenta de consolidação das características culturais herdadas. Ou transforma algo de valor cultural em um bem consumível, vendido para obtenção de lucro. A integração entre o manejo sustentável dos recursos e o fortalecimento da cultura (ou não) de cada grupo estimula a preservação do patrimônio territorial e cultural e ainda, fortalece os laços e características de união e reciprocidade existentes entre os membros. Esse valor agregado diferencia tais

43

Na concepção da análise sistêmica, a capacidade suporte de um sistema está associada ao seu tamanho e complexidade, sendo que, com o aumento de ambos os fatores, deve haver um aumento maior na quantidade de energia necessária para diminuir a entropia (desordem associada com a degradação da energia) associada à manutenção da maior complexidade estrutural e funcional. No momento do equilíbrio entre essas entradas e saídas de energia, o tamanho não pode aumentar mais. A quantidade de biomassa que pode ser sustentada sob estas condições denomina-se a capacidade máxima de suporte (Odum 1988, op.cit., p. 99-101). 44 “Densidade populacional é o tamanho da população em relação a alguma unidade de espaço. Geralmente é avaliada e expressa como o número de indivíduos ou a biomassa da população, por unidade de área ou volume” (Odum, 1988, p. 187-188). 45 A capacidade de suporte do empreendimento do artesanato vai depender da interação entre os fatores socioeconômicos e ambientais, como se relacionam para dar manutenção ao empreendimento local. 46 Segundo Benatti et al. (2003, op.cit, p. 147), o sucesso em processos de manejo sustentável depende da diversidade de ambientes disponíveis e da diversificação de seu uso, assim como, do respeito às estratégias e regras locais de apossamento e estímulo à capacidade organizacional dos grupos envolvidos. A regularização fundiária e a revisão da legislação ambiental também são peças fundamentais.

44

produtos. Outro diferencial é o processo conhecido como “certificação florestal”; atualmente parte das estratégias de comercialização e divulgação de PFNMs. Na certificação florestal consideram-se os limites sustentáveis para a produção e comercialização dos PFNMs atendendo critérios socioambientais e econômicos. A certificação procura garantir que os produtos sejam extraídos de forma sustentável (Shanley et al. 2002, op.cit.). Também auxilia ao estabelecimento de parâmetros de qualidade, quantidade, metas e previsões para a produção. Muitos empreendimentos com PFNMs tem passado pelo trabalhoso processo de certificação, como o TucumArte, um de nossos casos estudados, que recém recebeu o certificado do artesanato de tucumã pelo “Forest Stewardship Council 47 ” (FSC) ou, em português, Conselho de Manejo Florestal. O FSC é uma entidade internacional que credencia organizações certificadoras de modo a garantir a autenticidade de suas declarações. O processo de certificação começa por iniciativa voluntária dos proprietários de operações florestais e responsáveis pelo manejo florestal. São eles que solicitam os serviços de uma organização certificadora. Há também outros produtos florestais já certificados ou em processo, como os óleos essenciais da Cooperativa de Produtos Naturais (Coopronat), braço comercial da Associação Vida Verde na Amazônia (Avive) 48 . Contudo, os altos custos gerados com o processo de certificação podem ser aspectos desfavoráveis ao incentivo de pequenos empreendimentos comunitários. O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), credenciado pelo FSC para supervisionar os processos de certificação florestal no Brasil, criou o “Fundo Social de Certificação” para arrecadar 5 % da receita da certificação de empreendimentos empresariais. Além do uso do Fundo, há também a captação de recursos de projetos e doadores institucionais para subsidiar processos de certificação comunitária, sempre se limitando a 40% do total. A criação do fundo é uma das estratégias iniciais para viabilizar e incentivar a certificação de PFNMs de pequenas comunidades. Inovações como o mercado verde e a idéia de comércio justo também auxiliam na manutenção econômica dessas iniciativas e em sua inserção gradual no mercado de bens e serviços. Para que o grupo não dependa exclusivamente do artesanato, o custo de produção 47

O objetivo institucional do FSC é promover o manejo das florestas do mundo de forma ambientalmente adequada, socialmente justa e economicamente viável. Isso é feito através do estabelecimento de um padrão mundial de Princípios de Manejo Florestal amplamente reconhecido e respeitado. São algumas das informações repassadas no endereço www.fsc.org.br . 48 Conforme cartilha citada anteriormente (Schmal et al., 2006).

45

deve ser suprido com a venda dos produtos, considerados os custos de manejo e comercialização 49 . Entretanto, o ingresso desses produtos no mercado requer a adequação aos chamados critérios de qualidade que variam conforme o produto oferecido e dependem da habilidade do grupo em adequar-se às exigências e normas de padronização e aos nichos de comercialização 50 . Segundo McGrath et al. (2004), em algumas regiões da Amazônia, essa estratégia de desenvolvimento tem estimulado a pequena produção familiar e consolidado um mercado ecológico que valora as práticas e conhecimentos culturais por detrás do produto; isto é, uma combinação entre capacitação da organização social e pequena produção de produtos com alta qualidade 51 . Quando não atrelado a esse tipo de proposta, o preço do artesanato em fibras vegetais costuma ser baixo no mercado e feiras locais. Agregando ao produto a “etiqueta” dos povos tradicionais, o apelo da sustentabilidade e da certificação florestal, esses produtos superam valores de mercado, nacional e internacionalmente. A avaliação da sustentabilidade dessas práticas implica numa visão abrangente das fases e atividades de produção e comercialização do artesanato. Esta visão inclui aspectos ecológicos, biológicos e também socioeconômicos, como já foi dito. O que inclui o contexto histórico-cultural e a organização social de trabalhadores e trabalhadoras envolvidos nos empreendimentos.

49

Segundo a Associação Mundaréu, “O movimento do comércio justo propõe ampliar o acesso de pequenos produtores, economicamente em desvantagem, ao mercado. O conceito se baseia na importância de o consumidor adquirir produtos comercializados de maneira responsável, que possibilite remuneração justa e condições de trabalho favoráveis, incluindo o uso sustentável dos recursos naturais”. (Cf. http://www.mundareu.org.br/).Supõe-se que valores culturais e ambientais estão inseridos no preço dos produtos. 50 Ambos os estudos de caso possuem alto padrão de qualidade dos produtos. Os artesanatos do grupo TucumArte podem ser encomendados através do site do Projeto Saúde e Alegria: http://www.saudeealegria.org.br/produtos/catalogo.htm. Já a AANA revendia, eletronicamente, seus produtos através da Fundação Vitória Amazônica. Mas, atualmente, esse serviço não está mais disponível, apesar da FVA, ainda, mediar parte da comercialização dos produtos. Os índios Baniwa do Rio Içana, Alto Rio Negro, comercializam seus belos produtos através do projeto ARTE BANIWA, numa parceria entre a OIBI Organização Indígena da Bacia do Rio Içana, a FOIRN - Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro e o ISA - Instituto Sócioambiental. Várias comunidades indígenas trabalham atualmente na produção de cestaria. Essa produção atende a um mercado em fase de consolidação, cujo eficiente sistema de encomendas, se realiza por meio eletrônico, através do domicílio http://www.artebaniwa.org.br/abre.htm, com contratos de vendas definidos, a exemplo da loja Tok & Stok – São Paulo. Os Baniwa organizam oficinas freqüentes com mestres de ofício para realizar o repasse da arte da cestaria e manter a excelente qualidade de seus produtos. 51 É o caso do projeto “Oficinas Caboclas”, Flona Tapajós-Arapiuns, no município de Santarém - PA, que utiliza troncos de madeiras caídas na floresta para a construção de móveis, baseado no manejo da floresta. O projeto contribui para o desenvolvimento da comunidade através da promoção de emprego local e captação de fontes de recursos financeiros que são aplicados à melhoria dos serviços e infra-estrutura da comunidade.

46

PFNMs estudados

Fibras vegetais: a arte e o produto da floresta Muitos dos recursos naturais explorados comercialmente na Amazônia, como nos casos aqui estudados, de arumã e tucumã, são espécies cultivadas, pesquisadas e manejadas pelas sociedades indígenas sul-americanas, bem antes de 1500 (cf. Ribeiro, 2000: 92-95). Na última década, diversas espécies de plantas utilizadas por povos tradicionais para a confecção de artesanato em fibras vegetais têm servido para complementar a renda econômica familiar de inúmeros grupos sociais 52 (Nakazono, 2004; Silva, 2004, op.cit.; Athayde, 2003; Davy, 2002; Hoffman, 2001; Kvist et al.; 2001; Shepard et al., 2001; FOIRN/ISA, 2000; Macia e Balslev, 2000; Nakazono, 2000; Borgtoft Pedersen, 1994; Milliken et al., 1992; Grupo TucumArte, www.projetosaudeealegria.org.br; Projeto Plantas do Futuro, www.museugoeldi.br). Historicamente, o incentivo para a revenda comercial de arte/artesanato parte de ONGs, instituições religiosas, programas governamentais e entidades de cunho filantrópico. O significado atual do termo artesanato 53 para povos indígenas abarca , além do tirocínio e arte do artesão, aspectos socioculturais e ambientais. A cultura manifestada como forma de valorização e preservação da tradição indígena auxilia a promoção de melhores condições de vida através do uso adequado dos produtos florestais. Nesse contexto, o valor monetário obtido com a venda do artesanato se constitui como complementação de renda dentre as atividades indígenas e serve como instrumento de valorização e resgate cultural dos significados simbólicos implícitos em cada produto. A qualidade das peças está diretamente relacionada com esses aspectos em conjunto, que caracterizam a atividade tradicional e diferenciam-na de outra mercadoria que é vendida em larga escala. Contudo, a arte se dinamiza e permite inovações sobre as formas e matérias-primas utilizadas como estratégias de adequação a demandas de mercado.

52

No que se refere ao artesanato em fibras vegetais realizado por indígenas, pode-se verificar no mercado público de Manaus, AM, uma infinidade de produtos e variada cestaria. Os diversos tipos de cestos de arumã encontrados no comércio regional são, geralmente, provenientes das etnias Ticuna, Yanomami, Baniwa, Waimiri-Atroari. O tucumã é mais encontrado em bolsas, chapéu e outros tipos de cestos. 53 A referência ao termo artesanato é mais comum que o termo arte, mas, poderiam ser utilizados, neste caso, como sinônimos.

47

“Artesanato é uma palavra inventada. Para o índio, na realidade, é arte, faz parte da nossa vivência, da nossa vida e cultura. Esses materiais eram trabalhados com os velhos. Através desse trabalho podemos identificar os povos. Aqueles artesanatos que são feitos a partir dos produtos dos brancos é que são os artesanatos” (Bonifácio, 2002, p. 19). O termo fibra 54 , empregado na presente pesquisa, se refere à matéria-prima usada para tecer os produtos e designa tanto o artesanato em palha, como o artesanato em tala. Ribeiro (1987; 1985) caracteriza o trançado indígena do Brasil em dois macroestilos: palha e tala, conforme a matéria-prima empregada e seu processo de confecção. Palha: é extraída da folha jovem, ou “olho”, ou grelo, antes de abrir-se. Tala: é obtida a partir do processo chamado pelas artesãs de “destalagem”, ou seja, a retirada da camada superficial do talo, sobrando o miolo poroso - bucho, que é jogado fora. A autora utiliza o termo “trançado” para se referir a cestaria – basketry que, em suas palavras, é a “... manufatura strictu sensu em que se utilizam literalmente as mãos, a coordenação motora e a imaginação criativa do artífice, fato este derivado pela natureza mais rígida do material predominante em sua confecção, e em função disso, prescindir de moldura ou tear” (Ribeiro, 1985, p. 41). Ainda segundo Ribeiro (1987, p. 283-284), das artes em palha resulta o estilo de trançado monocrômico 55 . Já das artes em tala, como o arumã, resulta o bicromo que permite padrões marchetados em claro/escuro. Esses estilos são os mais difundidos entre as diferentes etnias indígenas e também entre os ribeirinhos, porém, existem outros estilos de trançados feitos, por exemplo, com a fasquia de cipó, as “talas” de cipós. Tais artes representam aspectos simbólicos, concepções, modo de vida e interação com a natureza; atributo que transcende a vocação comercial de meros produtos. Cada grupo

54

Fibra – “Célula muito mais comprida do que larga, de paredes reforçadas, geralmente com lignina, que funciona como elemento de sustentação, podendo armazenar reservas. Há, entre outras, fibras lenhosas, liberianas e pericíclicas”. Comercialmente, o termo se refere a todas e quaisquer partes vegetais utilizadas na confecção de tecidos, cordas, barbantes, vassouras e artesanatos (Ferri et al., 1981, p. 58). Para os povos indígenas Ticuna, o termo fibra significa um tipo de “fio” obtido através do beneficiamento da matéria-prima bruta, como por exemplo, a fibra do tucum. Já a palmeira de tucumã fornece a palha e o arumã fornece a tala (Nakazono, 2004, op.cit.). 55 Atualmente já se encontram peças confeccionadas com a palha de tucumã pintada. A palha pode ser tingida com tinturas naturais ou artificiais, como veremos mais adiante.

48

imprime em seus produtos, traços culturais representados pelas tramas dos trançados, conhecimento herdado, aprimorado e repassado ao longo dos anos. No caso das artes em fibra, como em outros tantos recursos extrativos, são práticas costumeiras e partem do cotidiano dos grupos domésticos 56 . Alguns exemplos de iniciativas de artesanatos em fibras vegetais, organizadas comercialmente, merecem destaque. No alto Rio Negro existem várias etnias indígenas que comercializam artesanatos de arumã na FOIRN - Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro-FOIRN, em São Gabriel da Cachoeira. Nessa mesma região, o projeto ARTE BANIWA, da OIBI – Organização Indígena da Bacia do Rio Içana tem como base a comercialização de cestos de arumã, vendidos para a cidade de São Paulo e outros grandes centros (FOIRN/ISA, 2000, op.cit.) 57 . Duas espécies de arumã são mais utilizadas pelo ARTE BANIWA, I. arouma - Póapoa kantsa e I. oblíquos - Halépana (Silva, 2004; Hoffman, 2001; Shepard et al. 2001: op.cit.). Já na região de Barcelos, no médio Rio Negro, o artesanato de arumã é comercializado através da ASIBA - Associação Indígena de Barcelos. Os povos indígenas Waimiri-Atroari que se encontram na região do baixo Rio Negro, norte do Estado do Amazonas e sul de Roraima, comercializam artesanatos de arumã em Manaus na sede do Programa Waimiri-Atroari 58 . As espécies de arumã mais usadas por esses povos são, I. polyphyllus e I. arouma, sendo esta última também usada para fins medicinais (Milliken et al., 1992, op.cit.). Os índios Ticuna da comunidade de Umariaçu II, alto Rio Solimões, reconhecem e utilizam cerca de cinco tipos de arumã, destacando-se as espécies De'pé (provável I. arouma) e Pátiü (provável I. oblíquos) (Nakazono, 2004, op.cit). No Parque Indígena do Xingu os índios Kaiabi utilizam a fibra de arumã, I. gracilis, para a comercialização de cestarias (Athayde, 2003, op.cit.).

56

Para Steward (1973, p. 40-41), a interação entre ambiente, recursos, tecnologia e organização social caracteriza os modos de produção numa economia de subsistência. As culturas ditas tradicionais relacionam-se intimamente com o ambiente, através de suas artes e tecnologias. Tais relações configuram-se distintamente conforme o contexto sócioambiental dos produtores. 57 Apesar de existirem artesãos mais velhos, exímios mestres do ofício entre os Baniwa, o projeto recebeu apoio de instituições parceiras, como o Instituto Socioambiental (ISA) para a adequação dos produtos à demanda do mercado e organização social do empreendimento. 58 O Programa Waimiri Atroari foi elaborado por uma equipe multidisciplinar e inter-institucional de técnicos, representando a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a Secretaria de Educação do Estado do Amazonas, o Instituto de Medicina Tropical de Manaus (IMTM), a Universidade do Amazonas e a Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A), que, além de alocar técnicos financiou todos os estudos e ações do Programa. Ver: www.waimiriatroari.org.br.

49

No caso dos trançados em palha de tucumã, também existem várias etnias indígenas que comercializam esses produtos no mercado. Os mais encontrados são: cestos variados, chapéus, bolsas, redes, e até mesmo de tapetes, similares ao tupé de arumã. Três grupos se destacam no artesanato de tucumã: os dois primeiros localizam-se na região do alto Rio Solimões – AM, 1) Associação dos Artesãos e Cultura Indígena de Umariaçu II (ACIU), Comunidade de Umariaçu II, Tabatinga, e 2) Associação das Mulheres Indígenas Ticuna (AMIT), sede em Benjamin Constant – comercialização de artesanatos feitos com tucum, tucumã, arumã e tururi, apoio Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI); e o terceiro grupo, 3) Associação das Mulheres Indígenas do Rio Negro (AMARN), sede em Manaus – comercialização de vários tipos de artesanatos, dentre os quais, de tucumã, tucum e arumã. Com exceção dos recursos arumã e tucumã, existe uma grande diversidade de tipos de artesanatos e PFNMs utilizados. Podemos citar aqui também, os artesanatos em palha de buriti no município de Barreirinhas, MA, localizado na entrada para os Lençóis Maranhenses, área de enorme potencial turístico na região. Da palha obtida da palmeira de buriti (Mauritia sp., Arecaceae), são confeccionados bolsas, chapéus, caminhos de mesas, toalhas entre outros (http://negocios.amazonia.org.br/?fuseaction=noticiaImprimir&id=116430) 59 . Ainda, relacionado à mesma palmeira, o artesanato de miriti (Mauritia flexuosa, Arecaceae), como é chamado na região de Belém, PA, se destaca entre diferentes tipos de brinquedos – os “brinquedos de miriti”. A partir do pecíolo da planta, popularmente conhecido como “braço ou talo”, obtém-se a matéria-prima utilizada para a fabricação de grande variedade de brinquedos 60 (www.museu-goeldi.br). O capim dourado (Singhnantus sp.) é utilizado para a confecção de bolsas, portapratos e panelas, cestas, brincos, colares, entre outros. Critérios de qualidade foram elaborados junto com apoio de iniciativas governamentais e SEBRAE, através de consultorias 59

Com o apoio do SEBRAE do Maranhão, cerca de 160 mulheres de 12 comunidades estão envolvidas na produção de artesanatos que são comercializados diretamente pelas artesãs, sem ação de intermediários. Estratégias tradicionais de manejo também são empregadas na extração das folhas, com objetivo de preservar as palmeiras na região (http://negocios.amazonia.org.br/?fuseaction=noticiaImprimir&id=116430). 60 Segundo Amadeo Sarges, presidente da Associação dos Artesãos de Brinquedos e Artesanatos de Miriti de Abaetetuba, PA (ASAMAB), só na época do Círio de Nazaré, festa religiosa mais importante do norte do país devem ser comercializados três mil itens entre animais, quadros, elementos da cultura popular, santos, miniaturas e réplicas de barcos, além das conhecidas peças “animadas” que se movimentam, como ratinhos, aves e bonecos. São 50 diferentes tipos de itens artesanais que mobilizam 150 associados e suas respectivas famílias. Ver: www.museu-goeldi.br.

50

de designers para o aperfeiçoamento da produção. Desde o ano de 2000, o artesanato de capim dourado tem sido comercializado para grandes centros urbanos. Hoje, a prática tradicional desse tipo de artesanato já proporciona renda para cerca de 165 moradores de Mumbuca, principal município de onde se expandiu o ofício para regiões vizinhas 61 (http://www.herbario.com.br/dataherb50all_2_4/ourojalapao.htm). Dentre outras iniciativas de artesanatos similares não citadas aqui, um conjunto complementar a esses grupos se compõe de artesãos independentes, sem estarem organizados em formas cooperativas e que, geralmente, estão sujeitos ainda ao papel intermediário do regatão e/ou marreteiros para a venda dos produtos em feiras e mercados regionais. A diversidade de fibras vegetais também é grande, como a piaçava, tururi, cipó-titica, cipóambé 62 , entre outras. De modo geral, os grupos organizados citados anteriormente, recebem apoio de diferentes instituições e ONGs socioambientais para a capacitação de estratégias de produção, comercialização e, por vezes, de manejo dos recursos. A forma coletiva organizada para atender a demanda do mercado em potencial em consonância aos critérios ecológicos, é o fator diferencial na estrutura e cadeia produtiva do artesanato em fibras vegetais dos grupos aqui estudados.

Arumã O arumã se destaca dentre as fibras vegetais por sua qualidade e resistência e a variabilidade de seus usos, empregado por diversos grupos ao longo da bacia do AmazonasSolimões. Entre os Wayana, do estado do Pará, os objetos de arumã são muito valorizados. O arumã é designado de “wama” e se destaca por sua durabilidade, resultado estético e pelo complexo simbolismo que lhe é atribuído, em relação às outras fibras utilizadas (Velthem, 1998).

61

Os habitantes de Mumbuca são descendentes de escravos que saíram da Bahia, em 1909, em busca de melhores condições de vida. A extração do capim nos ambientes alagados das veredas é realizada uma vez ao ano, durante os meses de agosto a setembro. Essa atividade é mais exclusiva aos homens. A fibra do buriti também é utilizada para costurar o capim dourado e na confecção de móveis (http://www.herbario.com.br/dataherb50all_2_4/ourojalapao.htm). 62 Na Floresta Atlântica, município de Garuva – SC, o cipó-imbé (Philodendron corcovadense, Araceae) é utilizado pelos chamados Cipozeiros para a confecção de cestos. Ver em: Projeto Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil. Cipozeiros de Garuva, Santa Catarina. Fascículo 9. Florianópolis SC, 2007).

51

Entre os povos indígenas do Rio Negro existem especialidades artesanais e técnicas próprias a cada etnia. Nesta região, com tradição e boa disponibilidade de matéria-prima, a cestaria de arumã assume importância crescente como artigo de comércio entre 1978 e 1985, antes da descoberta de ouro na região (Ribeiro, 1995), juntamente com outros produtos locais, como farinha de mandioca, sorva e cipó titica. Sua distribuição era feita pela Missão Salesiana com apoio da Forças Aéreas Brasileiras (FAB) e subsídio governamental. Os recursos eram administrados pela Missão e garantiam seu funcionamento nas regiões dos Rios Içana e Uaupés (FOIRN / ISA; MEC/SEF, 2000, op.cit.) 63 . O comércio destas especialidades e, mais propriamente, a troca destas entre as etnias era característico destes povos. No caso dos Baniwa, a cestaria de arumã é uma arte milenar ensinada aos homens (FOIRN / ISA; MEC/SEF, 2000, op.cit.). Os Kubewa e os Wanano produzem a tinta vermelha, carajuru, caraiuru ou crajiru em nheengatu, usada em pinturas corporais e para o tingimento das talas de arumã com que são feitos os trançados. Nos trançados indígenas da região destaca-se a cor preta, obtida através da fixação de fuligem, o vermelho - vivo (urucum), o vermelho-ocre (carajuru), o caramelo brilhante; obtido pela secagem das talas brutas ou não - destaladas e o marrom claro; obtido pela diluição de fuligem. Os pigmentos, como urucum e carajuru, passam a ser utilizados na cestaria apenas por volta de 1972, como resultado dos primeiros contatos externos de comercialização. Também por influência de compradores e intermediários, como padres e missionários, introduziu-se o desenho nas duas faces das apás ou balaios que, originalmente, era feita apenas na face interna com realce do claro/escuro das talas. (Ribeiro, 1995, op.cit.). Os desenhos e padrões dos trançados, assim como, alguns tipos de cesto também foram, em tempos passados, especialidades de certas etnias64 . Deixaram de sê-lo devido à valorização comercial de cestos com fartura de desenhos. Atualmente, todas as etnias rionegrinas fazem cestos e copiam os desenhos umas das outras.

63

O surgimento de várias organizações indígenas locais e da criação da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN, representa uma ação política que pretende recuperar velhos ensinamentos de suas culturas, da reconstrução da identidade (Meira, 1994, op.cit.). 64 Os padrões dos trançados são múltiplos e representam temas mitológicos, rituais específicos, animais, desenhos ou sinais característicos de certas espécies como escamas, rajas e pintas, padrões geométricos derivados de experiências com bebidas cerimoniais como a derivada do cipó Banisteriopsis caapi. Há padrões específicos para cada tipo de objeto-instrumento, como esteiras, cestos, peneiras, balaios, além de tipos específicos de arumã para cada tipo de arte/artesanato (Ribeiro, 1995, op.cit.).

52

As artesãs da AANA demonstram essa herança nos padrões dos trançados de tupé de arumã, como veremos no próximo capítulo.

Tucumã Informações bibliográficas sobre a arte em palha de tucumã (Astrocarium sp., família Arecaceae) são raras. Alguns estudos descrevem o uso de tucumã na confecção de uma ampla gama de variadas cestarias (Runk, 2001; Borgtoft Pedersen, 1994, op.cit.). Os artesanatos em palha de tucumã também são encontrados em comunidades indígenas do alto Rio Negro e do alto Rio Solimões - AM. Nesta última, em Tabatinga – AM, os índios Ticuna da comunidade de Umariaçu II, diferenciam a matéria-prima extraída das folhas jovens (olho) de tucum e de tucumã, de mesmo gênero Astrocarium sp., conforme o beneficiamento da matéria-prima (Nakazono, 2004, op.cit.) 65 . Para a obtenção da “fibra” do tucum - â’wü é preciso que se enrole a palha - itcha, seca e já tratada, em movimentos repetitivos das mãos sobre a coxa; movimentos que causam certo desconforto para as artesãs, por machucarem a coxa. Para a confecção de redes de tucum, as índias fazem o rolo de fio de tucum para tecer, mas para a confecção de bolsas e outros artigos, enrolam o fio e tecem concomitantemente. A palha, pode se referir tanto ao recurso de tucum como de tucumã, o que caracteriza apenas a retirada dos espinhos, processo de cozimento das folhas e posterior secagem ao sol. A diferenciação para a fibra de tucum é apenas no beneficiamento para fazer o fio. Segundo os Ticuna, da palmeira de tucumã só se obtém a palha 66 (Nakazono, 2004, op.cit.). A variedade de tinturas naturais utilizadas pelos indígenas é também bastante variada, conseguindo diferentes tons a partir das misturas entre as mesmas. A maior parte da produção de artesanatos da comunidade indígena Ticuna de Umariaçu II é dependente de encomendas esporádicas que são realizadas por militares que vivem e passam por Tabatinga, instalando-se na base militar do exército que faz limite com a

65

Em outubro de 2004, participei de uma atividade de consultoria do “Projeto Centro Turístico Éware-ACIU: Casa de Festa de Moça Nova”, financiado pelo Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI). 66 Os Ticuna também usam diversas espécies de cipó, como t'uu – cipó titica - Heteropsis sp., Araceae, tcha'pure, ãmatchi'i, nge'tchacü, e duas espécies de tururi - nho'ê / ô'necü e nho'ê / tchu'na – provável família Moraceae, de onde se extrai a entre casca da árvore para a obtenção de fibras marrons e brancas, respectivamente, muito usadas para confeccionar telas pintadas com desenhos da natureza e dos contos Ticuna, assim como, de máscaras e roupas que são vestidas em rituais indígenas da etnia.

53

comunidade. Alguns indígenas vendem seus artesanatos nas lojas em Letícia, porém, a maioria não gosta de vender nessas lojas devido ao baixo preço que é pago pelos comerciantes aos seus produtos (Nakazono, 2004, op.cit.). A comunidade de Umariaçu II tem solicitado o apoio externo para a realização de projetos de cunho socioambiental que visem ampliar o mercado consumidor para seus produtos. Na região de Santarém, PA, área de abrangência de um dos estudos de caso, expressão marcante desta arte está nas mãos de povos não indígenas, localizadas no Rio Arapiuns e Rio Tapajós. A prática de tecer com a palha de tucumã é preferencialmente exercida por mulheres - repassada de mãe para filha. Provavelmente, essa herança artesanal provém de descendentes indígenas na região, principalmente dos mundurucus, que viviam às margens do Rio Tapajós (entre os Rios Tapajós e Xingú) e que supriam o mercado regional com artigos manufaturados, seringa, entre outros; relatos dessa época (por volta de 1849), já indicam também a comercialização e exportação de cuias para outras localidades da Amazônia, com bom acabamento e pintadas de preto, tintura natural utilizada (Wallace, 1979, op.cit.). O projeto Trançado do Arapiuns 67 , iniciado no ano de 2002, foi uma tentativa de resgatar a cultura do artesanato de tucumã nessa região. O projeto apoiou a produção e comercialização do artesanato de 100 famílias que vivem nas comunidades de São Miguel, Nova Sociedade e Tucumã – na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, margem direita – e na comunidade de Vila Coroca - situada na margem esquerda do rio Arapiuns (Carvalho, 2004). Contudo, no ano de 2005, período do trabalho de campo, o projeto já havia findado, e apenas a comunidade de Coroca mantinha continuidade do trabalho produtivo em coletivo voltado para a comercialização. A cestaria de tucumã comercializada por essas comunidades pode ser encontrada nos mercados regionais de Santarém e proximidades. Geralmente, as pinturas dos produtos são realizadas a partir de tinturas artificiais, principalmente as colorações em tons azulados e esverdeados (anilina). No caso estudado, o grupo TucumArte da comunidade de Urucureá, a excelente qualidade dos produtos e técnicas de tinturas naturais resulta em peças bem acabadas e de colorido marcante; o que diferencia bastante esses produtos de artesanatos 67

Em parceria com SEBRAE – PA e Projeto Puxirum/Conselho Nacional dos Seringueiros, financiado pelo Governo da Finlândia por intermédio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD/Brasil) foi desenvolvido pela Associação Cultural de Amigos do Museu do Folclore Edison Carneiro por meio do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular e patrocinado pela Eletrobrás.

54

feitos com a fibra de arumã, em que a coloração não varia muito: preto, vermelho e tom natural da fibra – bege. Nesse caso, como veremos adiante, no capítulo III, as artesãs da comunidade receberam apoio do PSA para potencializar a produção e comercialização dos produtos. O incentivo à utilização de pigmentos naturais fez parte desse processo no trabalho de assessoria. A diferenciação dos produtos em relação ao restante encontrado na região é claramente notada a olho nu. O mesmo se aplica à diversificação de produtos encontrados na comunidade. Este panorama inicial procura demonstrar a importância de uma análise integrada e interdisciplinar do chamado “dilema amazônico”, ou seja, da possibilidade de integrar desenvolvimento econômico-social e sustentabilidade ambiental neste complexo e biodiverso ecossistema. Um uso combinado e adequado dos recursos naturais, somado ao capital cultural e social de seus povos é uma das soluções encontradas; tema desta tese e parte de suas hipóteses e objetivos descritos a seguir.

55

ESCOPO DA ANÁLISE

A presente pesquisa procura ampliar o escopo da análise deste tipo de empreendimento, de forma a contribuir para uma reflexão sobre projetos semelhantes; projetos fundamentados no discurso conservacionista aliado à tentativa de melhor qualidade de vida para os povos direta ou indiretamente envolvidos. Esse estudo parte das minhas indagações pessoais, como bióloga e assessora da AANA, em nove anos de acompanhamento. Dessa experiência surgiram perguntas e questões sobre a capacidade do grupo em gerir a atividade artesanal para fins de comercialização. Dúvidas que evidenciam a dificuldade em tratarmos da arte em fibra, através de uma área específica de conhecimento, no caso, das ciências biológicas. As dificuldades identificadas ao longo de minhas atividades como assessora 68 me sugere pensar de forma integrada, a questão da sustentabilidade dos PFNMs. A obtenção de informações a respeito da pesquisa sobre o manejo, em conjunto com o histórico de formação do grupo e o andamento das atividades possibilitam uma visão mais abrangente. Tenho então, como foco central da pesquisa, a experiência no manejo de arumã que se complementa com uma análise ampliada das iniciativas e suas expectativas, abordando aspectos distintos. Parece-me, de suma importância, agregar outras disciplinas e suas metodologias nesta análise, para avaliarmos com justeza a sustentabilidade social, econômica e ecológica destes empreendimentos. Além das informações sobre a viabilidade da extração dos recursos, o presente estudo alinha informações sobre a articulação e o preparo dos agentes sociais na incorporação de exigências externas e na lida com questões complexas como gestão e demanda de mercado. Invariavelmente, os processos sociais relativos ao desenvolvimento destas iniciativas passam pelo ajuste a condições externas pouco negociáveis, como preços e valores de mercado e ampliação da capacidade de oferta. Há também a necessidade de ajustes relacionados à manutenção das condições básicas de subsistência 69 , assim como, de novas formas de inserção em relações comerciais 68

A assessoria para a AANA teve duração de sete anos, contratada pela FVA. Primeiramente, por um período de três anos e, posteriormente, em consultorias pontuais, durante quatro anos. Acompanhei o TucumArte apenas como bióloga / pesquisadora, nunca como técnica ou assessora. 69 As atividades de subsistência referem-se ao consumo da família, podendo o excedente ser comercializado. Geralmente, são sistemas produtivos bem adaptados à realidade das comunidades e a disponibilidade de recursos

56

complexas e apreensão de uma nova linguagem técnica referente à informatização dentre outros procedimentos. As formas de aprendizagem e valores de reciprocidade, como união e confiança entre os agentes sociais, se tornam elementos fundamentais no desenvolvimento dessas iniciativas. Essa tese basear-se-á, portanto, em estudos de caso com metodologia e interesses interdisciplinares, tendo como perspectiva uma análise mais ampla das experiências de Novo Airão - AM e Urucureá – PA. Considerando um maior esforço no trabalho de campo, tanto na pesquisa, como na assessoria, ao grupo de Novo Airão, utilizo o caso da AANA como fonte principal da minha análise realizando um contraste desse contexto com a experiência descrita do grupo TucumArte. As análises posteriormente apresentadas não se tratam pois, de uma restrita comparação, mas apenas um exercício de elementos contrastantes, uma vez que não há exatamente uma homologia de elementos e estruturas, de tempo de observação e do próprio tempo de duração das experiências de manejo. O tema central se relaciona aos aspectos contrastantes que favorecem ou não, o desenvolvimento sustentável de empreendimentos comunitários com base no artesanato em fibras vegetais nestas localidades, de forma a contribuir com experiências similares e perspectivas inovadoras. Cabe notar ainda, que a principal motivação para desenvolver essa pesquisa é a ampliação do foco da análise, inicialmente centrado em questões estritamente ambientais e/ou ecológicas. Percebo que um foco limitado aos parâmetros das ciências biológicas, gera impactos parciais no processo, e talvez desconsidere aspectos sociais e culturais importantes para a condução do empreendimento e a aplicabilidade da análise.

Objetivos e Hipóteses O objetivo geral desse estudo é realizar uma análise integrada dos aspectos sociais, econômicos e ecológicos de dois empreendimentos amazônicos de artesanato, para identificar fatores que influenciam no desempenho destas iniciativas e que contribuem para a sustentabilidade do pequeno empreendimento. Os objetivos específicos da pesquisa são: (1) Avaliar a viabilidade ecológica da atividade extrativa das plantas utilizadas no artesanato,

e mão-de-obra. Assim, garantem-se condições regulares de alimentação, trabalho e, através de trocas ou comercialização, acesso restrito a bens de consumo.

57

práticas de extração, sistemas de manejo, formas de acesso e direito de uso dos recursos naturais e possíveis impactos; (2) Documentar a organização social dos grupos, os arranjos institucionais e a gestão da produção e comercialização, identificando fatores atuantes nos processos de inovação ou de manutenção do empreendimento, para (3) Avaliar o desempenho econômico e social dos empreendimentos. Visto os aspectos históricos de controle político na Amazônia, baseados em formas econômicas desiguais através do controle do crédito e a imobilização pela dívida da clientela, é fato observar uma série de dificuldades enfrentadas pelos grupos quanto à capacidade organizativa e gestão dos empreendimentos locais. Somado a isso, verifica-se que muitos dos projetos implantados sob o discurso do desenvolvimento sustentável, por diferentes instituições mediadoras e financeiras, acabam por reproduzir, porém com novos contextos, alguns padrões paternalistas nas formas de intervenção. Contudo, considerando que os povos tradicionais encontram-se num processo dinâmico e atual de auto-identificação coletiva, representada nas instâncias locais que reivindicam politicamente direitos de uso de propriedade e uso dos PFNMs, a rede de relações que compõe a estrutura organizacional de um grupo se torna um dos aspectos mais importantes que influenciam no direcionamento e objetivos do empreendimento. Os arranjos produtivos locais constituem-se fundamentais nesse processo. A estrutura das relações sociais dos integrantes, histórico de formação do grupo e as estratégias participativas de intervenção tornam-se requisitos básicos para um arranjo equilibrado entre as partes envolvidas, isto é, da construção participativa de agendas, ações e resultados e da valorização do chamado “conhecimento tradicional”. A harmonia entre essas características parece ser premissa para se efetivar as mudanças e adaptações necessárias, como a criação e inovação de habilidades de gerenciamento em todas as etapas do processo produtivo, desde a extração das matérias-primas até a comercialização dos produtos. No entanto, grande parte das estratégias de intervenção das instituições financiadoras e de apoio à capacitação e mediação dos projetos quase sempre não primam pela autonomia do grupo e fortalecimento interno para criação de instrumentos que garantam uma adequada organização social, o que ocasiona o insucesso de muitas iniciativas. Muitas vezes o tempo e demandas dessas instituições é diferente do tempo de amadurecimento social do grupo para dar conta do gerenciamento do projeto proposto. A participação dos agentes sociais e a capacidade desses à 58

inovação e formação do empreendimento depende, em parte, da estrutura estabelecida nas formas de parcerias com instituições de apoio. Isso significa ainda, considerar que, com o fortalecimento do arranjo entre instituições e entre distintos empreendimentos similares, se possam inovar os critérios de produção do artesanato diante da demanda do mercado 70 . Esses, associam-se ao respeito das formas produtivas tradicionais e aspectos etnoecológicos dos sistemas de manejo empregados, tais como: as demandas de mercado devem respeitar o limite de produção de cada grupo (dentre outras atividades econômicas tradicionais), formas de manejo e extração dos recursos (períodos de maior extração, estoque e quantidades viáveis), e ainda, os serviços ambientais prestados (subjetivos) por esses povos à conservação das florestas e ecossistemas naturais. A hipótese central investigada é de que o desempenho, econômico, social e ecológico das iniciativas estudadas em adentrar nichos de mercado 71 , irá depender diretamente, da organização social do grupo empreendedor, da capacidade de gestão e de negociação para lidar com o mercado, no que se refere às formas de comercialização. Ou seja, de um processo de inovação que requer aprendizado, conhecimentos, habilidades, confiança entre os agentes sociais, e ainda, estratégias participativas de estruturação dos planos de ação entre instituições. Sistemas de manejo e conservação dos recursos naturais é premissa indispensável para esse tipo de empreendimento. As hipóteses específicas são: (1) A implantação de sistemas de manejo da extração de folhas e caules para obtenção da fibra ou palha usada no artesanato garante a ausência de impactos negativos sobre o ecossistema, uma vez que não ocorre o aniquilamento das plantas utilizadas; porém aumenta os custos socioeconomicos da atividade extrativa; (2) A gestão dos empreendimentos ocorre através da relação criada com a ONG de apoio; o grau de autonomia do grupo depende da estrutura de parceria estabelecida e o papel de lideranças entre integrantes do grupo que atuem mais diretamente na administração da empreita, principalmente com relação à comercialização; (3) O empreendimento local do artesanato constitui-se numa potencial alternativa de renda econômica, desde que se baseie em sistemas de manejo eficazes que possam dar sustentação à produção do empreendimento; também

70

Há possibilidades de um mercado adequado para empreendimentos com PFNMs chamado mercado verde ou justo (fair trade em inglês). 71 Penso que estes empreendimentos locais, buscam nichos de mercado de outros estados, principalmente das regiões sudeste e sul do país, de onde demanda a maior parte das grandes encomendas.

59

parece se relacionar com a realização de outras atividades de subsistência familiares das artesãs (os), como o cultivo da mandioca e a pesca; (4) E, ainda, a seleção de um nicho de mercado, verde ou justo, garante maior possibilidade de êxito ao empreendimento do artesanato, uma vez que respeita critérios socioambientais, como: pequena produção e maior período de tempo para entrega de encomendas demandadas; compra realizada diretamente com os produtores, sem ação de intermediários; preços mais altos dos produtos que são confeccionados com matérias-primas que são extraídas a partir de sistemas de manejo que primam a sua conservação e do meio ambiente; e reconhecimento das formas sociais coletivas que contextualizam a diversidade de ambientes florestais na Amazônia, a cultura de cada povo. A partir destas hipóteses e objetivos, avaliaremos o tipo do recurso biológico em questão para cada grupo, as formas tradicionais de extração e manejo e as formas implantadas de manejo após o contato com a ONG de apoio. No caso da AANA teremos resultados mais consistentes em relação ao manejo iniciado, há cerca de seis anos. No caso de Urucureá, como o sistema de manejo foi implantado há menos de dois anos, a análise baseia-se na avaliação do Plano de Manejo elaborado e planejamento previsto pelo Plano de Negócios 72 do TucumArte. Neste estudo, consideramos que, dentre as dificuldades encontradas para o estabelecimento de usos diferenciados dos recursos amazônicos, encontre-se a diminuta autonomia decisória 73 nas formas de contrato desses projetos junto às comunidades tradicionais, visto a escassez de recursos financeiros e oportunidades para desenvolver formas alternativas de geração de renda local. Cabe averiguar, como o requisito ambiental está sendo considerado pelos movimentos sociais emergentes, nesse caso, “artesãos/coletores”, e como esses estão se adequando às exigências gerenciais da pequena empreita e demandas de mercado, a fim de promover o desenvolvimento sustentável dos empreendimentos.

72

O plano de negócios se constitui de um adequado planejamento, sob a perspectiva e realidade do empreendimento, sobre as atividades que contribuem ao desenvolvimento do negócio proposto ao longo do tempo. O plano de negócios é ajustado constantemente, conforme as necessidades do grupo empreendedor. 73 Autonomia – Idéia de liberdade, faculdade de se governar por si mesmo. A associação cooperativa se esforça para conquistar ou manter sua identidade como organização autônoma e independente (Bogardus, 1984 apud, Ribeiro, 2004, p. 32).

60

METODOLOGIA

Coleta de dados A metodologia ora empregada, consiste numa combinação de métodos das ciências biológicas e humanas contando com uma revisão bibliográfica interdisciplinar. Utilizo entrevistas abertas e orientadas, dois estudos de caso, levantamento de informações socioeconômicas e ambientais, além de intensos períodos de trabalho de campo, em que técnicas, como a observação participante (ver adiante, item “pesquisa de campo”), foram de fundamental importância. Essa combinação decorre também da variedade e quantidade de informações obtidas ao longo de nove anos. No caso da AANA existe uma gama de informações decorrentes da pesquisa para minha dissertação de mestrado e doutorado e também, de serviços de assessoria anteriores ao doutorado 74 . Para a pesquisa de doutoramento, entre 2003 e 2007, realizo quatro viagens de campo para obtenção de dados complementares, como a relação de densidade das plantas, antes e após a atividade extrativa dos coletores e também dados referentes às relações socioeconômicas. O período médio de cada viagem foi igual a um mês, variando entre 20 e 50 dias e, ocorreram preferencialmente no mês de janeiro. Informações relativas ao manejo de arumã nos locais de extração, em igapós de igarapés de terra firme 75 , referem-se, portanto, ao período de 2000 a 2007. O trabalho de campo nos igapós dos igarapés não se configura como atividade prazerosa. Passam-se vários dias em acampamentos no meio da floresta. É necessário dormir em redes atadas debaixo de uma lona, sujeitando-se a tempestades noturnas e diárias, possibilidade de pegar irritações dérmicas como o cauxi e coceiras várias. O cauxi é uma microespícula de sílica, proveniente de espongiário, fixado nas folhas das plantas, e

74

Minha dissertação de mestrado foi realizada com a pesquisa de arumã, Nakazono (2000, op.cit.). Após essa pesquisa, trabalho para a ONG Fundação Vitória Amazônica em Manaus – AM, entre fevereiro de 2000 à fevereiro de 2003, contratada para assessorar a AANA na implementação de manejo de arumã. Posteriormente ao período contratual, mantenho um calendário de visitas para realizar o monitoramento dos locais de manejo, durante os meses de janeiro e fevereiro, entre os anos de 2004 e 2006. A última visita se deu em novembro de 2006. 75 Igapó – geralmente refere-se à floresta inundável que sofre alagações periódicas, uma vez ao ano; associa-se aos rios de água clara e aos de água preta; Igarapé - são os pequenos cursos d’água ou afluentes de rios; Terra firme - é o local onde a água das cheias e enchentes não entra.

61

principalmente nas touceiras de arumã. A sensação do cauxi na pele é como uma queimadura que arde e coça, podendo ocasionar reações alérgicas. Há também o mucuim, um micro carrapato. Além disso, a contagem de arumã, em locais alagados, esconde perigos como as picadas de cobras. Presenciamos, durante todos esses anos, relatos de artesãs e coletores que não se dispunham a realizar essas atividades por tais motivos. Durante a pesquisa com o grupo TucumArte, iniciada em junho de 2005, fiz três viagens de campo, sendo que em apenas uma delas, o período de permanência foi superior a um mês. No caso do TucumArte, tive condições de verificar as formas atuais de manejo e os objetivos do grupo com relação às estratégias de extração, uma vez que o grupo já realizara um estudo prévio sobre o estoque do recurso nas áreas de coleta e elaborado o plano de manejo de tucumã. Praticamente, o grupo representa todos os membros da comunidade, uma vez que a maioria das residentes se dedica, pelo menos em parte, à arte de tecer com a palha de tucumã. Ao longo das atividades de pesquisa de campo, além dos dados sobre produção e comercialização e informações socioeconômicas foram avaliadas as formas e estratégias de manejo das plantas e ainda os dados de arquivo disponibilizados pelos grupos envolvidos e ONG assessoras, como a FVA e o PSA.

Na pesquisa de campo uma combinação de métodos A proposta principal de minha pesquisa, metodologias oriundas das ciências sociais combinadas às metodologias disciplinares das ciências biológicas, em especial, da ecologia, são de fundamental importância. O presente trabalho se alimenta de uma convivência aprofundada com os colaboradores, artesãs e coletores. Trata-se de um método de pesquisa e aproximação comumente associada à Antropologia Social, mas, que serve a inúmeras disciplinas como Lingüística, Psicologia, Ecologia, Geologia, denominada de “observação participante”. A observação participante consiste em conviver com comunidades ou pessoas que pretendemos compreender, estudar. A convivência estabelece laços entre pesquisadorcolaborador, cria relações e entendimentos. Esse processo não acontece sem conflitos, pois, faz parte do jogo avaliar nossas próprias condutas e valores através deste encontro, e também,

62

reafirmá-los. Relatar a experiência faz parte do processo, numa atividade conhecida nos círculos acadêmicos por etnografia 76 . Como assessora do trabalho de manejo da AANA e, através da convivência, participo de inúmeras atividades relacionadas ao artesanato como o reconhecimento das áreas de coleta e as formas de extração das plantas, técnicas e etapas da produção, reuniões, visitas domiciliares e em comunidades vizinhas, além de atividades de capacitação 77 . Procuro esclarecer, desde o início, minhas intenções e objetivos de pesquisadora e saliento que os resultados da pesquisa podem ser relevantes para o fortalecimento das atividades. Em duas visitas distintas realizo entrevistas semi-estruturadas e um levantamento socioeconômico sobre a atividade do artesanato, durantes os meses, de julho de 2005 em Novo Airão – AM e em setembro de 2005 em Urucureá – PA. Utilizo entrevistas semiestruturadas para obter informações mais detalhadas sobre a organização social, formas de comercialização e de produção e práticas de coleta, seguindo roteiro baseado em questões interdisciplinares 78 . Os temas principais das entrevistas versavam sobre: histórico da artesã na arte do tecer e procedência; histórico de formação da iniciativa do artesanato; formas de organização interna das artesãs; participação política no grupo e em outras instituições; relação com ONG apoiadora; dificuldades enfrentadas e importância do grupo; gestão do empreendimento e formas de produção e comercialização (atendem aos objetivos 2 e 3); formas de uso das plantas e aspectos fundiários das áreas de coleta; conhecimento das formas de manejo implantadas e influências dessas na organização interna do grupo (obj. 1). Informações complementares auxiliaram na análise desses relatos, tais como, fontes de dados de arquivos de produção e comercialização dos grupos (obj. 3). No caso do TucumArte, realizei uma análise do plano de manejo de tucumã comparando com resultados obtidos através de fichas de acompanhamento preenchidas pelo grupo, ver mais adiante (obj. 1). No

76

A bibliografia antropológica é farta em questionamentos referentes a tais métodos. Merece distinção a obra de Bronislaw Malinowski, um dos primeiros teóricos a formular teorias sobre a pesquisa de campo, durante sua longa permanência nas ilhas Trobriand (Cf. Malinowski, 1990, p. 39-61). 77 No caso da AANA, além de ter assessorado os coletores, geralmente homens, e algumas artesãs na implantação do sistema e monitoramento anual do manejo de arumã, realizei dois cursos de Ecologia com ênfase no manejo. Os cursos abrangem aspectos teóricos e práticos. 78 Apesar de não me aprofundar na questão de gênero, cabe ressaltar que a composição dos grupos (AANA e TucumArte) é de maioria feminina. No caso da AANA (arumã), os coletores são geralmente homens e as responsáveis pela confecção do artesanato, mulheres.

63

caso da AANA, decorrente de minha atuação como assessora ao manejo de arumã, para a análise da densidade relativa de arumã após a extração, segundo critérios de manejo implementados pela Associação, utilizei metodologia de levantamento de densidade dos talos de arumã através da implantação de transectos sistemáticos 79 ao longo do local que era determinado como área de extração dentro do arumanzal 80 (obj.1 / ver mais informações no Capítulo II, item 5.1.4). Muitas metodologias foram testadas, ao longo dos monitoramentos dos sistemas de manejo, para demarcar os locais de coleta de arumã, adotando-se, finalmente, como “áreas amostrais” da pesquisa, as áreas de extração utilizadas em um período de seca, o que será mais bem detalhado adiante. Em cada igarapé utilizado para extração de arumã, os coletores da AANA determinaram limites espaciais para a atividade do manejo nos arumanzais. Mediu-se, inicialmente, a extensão do arumanzal nos igarapés, andando-se pela beira do canal. A partir dessa medida 81 , foram utilizados como amostras transectos sistemáticos no local previamente delimitado, antes da extração e durante os monitoramentos anuais realizados posteriormente: geralmente um ano após a extração e entre os meses de dezembro e fevereiro, ao longo dos anos de 2000 a 2007. Os transectos foram dispostos perpendicularmente, em relação ao canal do igarapé. Eles cruzam a área alagada dos igapós e alcançam a área de transição com a terra firme. Cada transecto foi balizado em 52 metros de comprimento com 2 metros de largura. Nestes contam-se as touceiras e talos de arumã, através do seguinte método: uma pessoa anda no meio da trilha (com um metro para cada lado), e anota a contagem de arumã realizada pelos coletores 82 . Nos transectos amostrados em outubro de 2000, no momento da implantação do sistema de manejo, não foi feita uma contagem de plantas em toda a área, mas, somente em subáreas dispostas ao longo do transecto (ver situação abaixo, Método A). Isso se deveu à

79

Transectos são áreas estreitas e compridas demarcadas para a realização de pesquisas, como por exemplo, a contagem de plantas num determinado meio. “Transectos sistemáticos” são aqueles demarcados em espaços regulares e não de forma aleatória. 80 Arumanzal – nome dado ao local de maior concentração de arumã nos igarapés. 81 A medida total, em metros, foi dividida entre 10 e 15 transectos, cf. configurações naturais das localidades. 82 A trilha do transecto foi marcada a cada 5 metros de distância com corda (de nylon) amarela e fitas plásticas coloridas, colocadas em árvores finas ou em estacas fincadas ao a solo no meio da trilha. Somente na beira do canal marca-se o transecto à dois metros de distância. Além disso, duas placas de alumínio são colocadas para sinalizar o transecto; a primeira à dois metros de distância da beira do canal e a outra a sete metros da beira.

64

necessidade de realizar um levantamento rápido da demarcação dos locais de extração, com vistas à obtenção da autorização provisória de exploração junto ao IBAMA, sem comprometer a produção do artesanato da AANA durante o período. Nos anos posteriores, com o monitoramento das áreas, levantamento de novos igarapés para extração e qualificação técnica dos coletores da AANA, a área total do transecto passa a ser utilizada para a contagem de arumã. As duas situações são descritas da seguinte forma: Método A 83 Área do transecto: 156 m2 (3 m x 52 m); Distância perpendicular ao canal e área de amostragem da densidade de arumã no transecto: 0 m a 2 m (6 m2); >2 m a 12 m (30 m2); 20 m a 22 m (6 m2); 30 m a 32 m (6 m2); 40 m a 42 m (6 m2); 50 m a 52 m (6 m2).

Método B Área do transecto: 104 m2 (2 m x 52 m); Distância perpendicular ao canal e área de amostragem da densidade de arumã no transecto: 0 m a 2 m (4 m2); > 2 m a 7 m (10 m2); > 7 m a 12 m (10 m2); > 12 m a 17 m (10 m2); > 17 m a 22 m (10 m2); > 22 m a 27 m (10 m2); > 27 m a 32 m (10 m2); > 32 m a 37 m (10 m2); > 37 m a 42 m (10 m2); > 42 m a 47 m (10 m2); > 47 m a 52 m (10 m2). A área de extração de arumã utilizada em um período de seca do igapó 84 foi demarcada como uma quadra de coleta. Quadra é o nome dado pelos coletores para as áreas delimitadas de roçados tendo como medida padrão, um hectare. A quadra demarcada depende da necessidade de matéria-prima demandada pelas artesãs e também das condições físicas dos ambientes utilizados. Deste modo, as quadras variam de tamanho, em conformidade à área utilizada para realizar a coleta durante o período seco.

83

A situação do “método A” só ocorreu para o levantamento inicial, antes da primeira extração em outubro de 2000, no igarapé Dinheiro e na margem direita do igarapé Dinheirinho. 84 O período de seca do igapó corresponde à fase terrestre desse sistema. Esse período varia conforme o tamanho e a localização do igarapé. Geralmente inicia-se em agosto e se estende até abril do ano seguinte. Se a seca for forte, o que acontece entre os meses de novembro e dezembro, não é possível fazer a coleta de arumã. Isto porque o canal do igarapé fica raso e a navegação aos locais de coleta é prejudicada.

65

As medidas das quadras de coleta e os transectos amostrados diferenciam-se em cada igarapé, pois, ao longo do monitoramento, passados três anos (primeiro ciclo), foram demarcados novos transectos para o levantamento de densidade (Anexos 2 e 3). A quadra de coleta passa a ser considerada, a unidade amostral de nossa pesquisa; unidade que serve ao controle do período e da quantidade de coletas realizadas (Anexo 4). Devido a pouca quantidade de dados disponíveis para análise, referentes ao segundo ciclo de corte, as informações não serão contempladas na presente pesquisa (ver Capítulo II, item 5.1.4). Em relação às informações socioeconomicas, o objetivo do levantamento socioeconômico é identificar a composição familiar e atividades econômicas principais, além de entrevistas com coordenadores de projetos (ONGs), responsáveis pela assessoria e técnicos. Tais entrevistas versavam sobre os objetivos da ONG com a parceria. Neste período, foram visitados 20 grupos domésticos 85 de sócias da AANA, sendo entrevistadas 18 mulheres e 2 homens no município de Novo Airão. Já em Urucureá foram entrevistados 26 grupos domésticos de membros do TucumArte (32 mulheres e 1 homem). Neste momento, a AANA e TucumArte representavam 30 e 38 sócias, respectivamente, o que torna o índice de entrevistas concedidas correspondentes a 67 % e 87 % das sócias participantes. Em cada visita a Novo Airão, nos momentos de monitoramento do manejo de arumã, pude ir recolhendo, concomitantemente, informações sobre produção e comercialização do empreendimento ao longo de sete anos de trabalho conjunto. Com as artesãs da AANA, devido ao longo período de trabalho conjunto, tive melhor compreensão das situações habituais observadas e dos dados obtidos. Minha atuação como assessora na implantação do manejo de arumã através da pesquisa-ação 86 (Thiollent, 1986) possibilita uma integração

85

Utilizo o termo “grupo doméstico” para destacar a composição da força de trabalho local. Um grupo doméstico refere-se a um grupo de parentes, afins e agregados que vivem sob um mesmo teto (casa/domicílio), geralmente com uma liderança masculina e/ou feminina tida como “chefe-de-casa” ou “chefe-de-família”. Grupo doméstico é termo corrente na demografia e estudos estatísticos aplicados às populações humanas, conforme podemos observar em www.ibge.gov.br. Para Wilk e Netting (1984), podem ser distinguidos por partilharem atividades comuns à sua manutenção enquanto/como grupo. 86 A pesquisa-ação se constrói através da troca entre os conhecimentos ditos tradicionais e acadêmicos. A base para essa relação se dá em práticas educacionais conjuntas, no exercício da atividade e no encaminhamento das tomadas de decisão sobre determinado sistema a ser implementado. Cf. Thiollent (1986, p. 46), “A função política da pesquisa-ação é frenquentemente pensada como colocação de um instrumento de investigação e ação à disposição dos grupos e classe sociais populares”. Ainda cf. o autor (p. 15), “...é preciso que a ação seja uma ação não-trivial, o que quer dizer uma ação problemática merecendo investigação para ser elaborada e conduzida”.

66

diferenciada com esta comunidade, ao longo do processo de pesquisa, o que engrandece e amplia uma visão meramente contextual. Assim, pude acompanhar vários momentos e configurações distintas no gerenciamento da AANA na vigência de cerca de sete diretorias. No entanto, e apesar da proximidade com as artesãs, meu trabalho esteve diretamente relacionado com as atividades masculinas, dos maridos das artesãs, responsáveis pela coleta de arumã. Cerca de seis coletores participaram do processo de manejo junto a AANA 87 . No caso do TucumArte, a experiência é mais recente, porém intensa. Realizo uma primeira viagem à comunidade em junho de 2005 para apresentar minha proposta de pesquisa e obter junto ao grupo, a autorização necessária para realizá-la. Nessa viagem, fiquei hospedada na casa da gerente comercial do grupo, Rosângela Castro Tapajós que articula uma reunião com as artesãs para minha apresentação. A mediação inicial do PSA com Rosângela facilita a aceitação pelo grupo. Dois meses após essa visita inicial retorno à comunidade para realizar o primeiro período de campo de 30 dias. Durante o trabalho de campo em Urucureá realizo visitas às comunidades de Vila Coroca, São Miguel e Tucumã 88 para conversar com lideranças que participaram do projeto Trançados dos Arapiuns. Foram feitas quatro entrevistas em Coroca, uma em São Miguel e cinco em Tucumã. Esta viagem serviu como introdução ao contexto local. Naquele momento, a organização passava por dificuldades administrativas decorrentes da falta de apoio financeiro regular. Atualmente, como veremos no capítulo referente ao estudo de caso de Urucureá, apenas em Coroca as atividades perduraram, com apoio do SEBRAE e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Em Urucureá, pude participar de inúmeras reuniões das mulheres, mas, o tempo de convivência foi mais restrito. Para suprir a carência de informações, proponho e elaboro, com a colaboração das artesãs, fichas de acompanhamento da extração, produção e comercialização, úteis para contrastar os empreendimentos. De acordo com o interesse das artesãs em participar desse acompanhamento, deixei fichas a serem preenchidas pelas artesãs na comunidade (Anexos 5 a 7).

87

Dentre estes, trabalhei de forma intensiva, em estreita colaboração, com o senhor Carlito F. dos Santos; bem habilitado em técnicas de manejo, além de profundo conhecedor das áreas e sistemas de extração, e ainda, com a artesã Elsilene B. da Silva, ex-coordenadora de manejo da AANA. 88 Eu e mais cinco artesãs de Urucureá fizemos uma viagem de dois dias em visita às comunidades para verificar o andamento da produção. Dentre as três comunidades visitadas, São Miguel é a maior, totalizando 73 famílias. Tucumã tem 42 famílias e Vila Coroca tem 17 famílias.

67

Resumidamente, destaco alguns parâmetros quantitativos e qualitativos utilizados para a análise das variáveis ecológicas, sociais e econômicas: 1) Avaliar a viabilidade dos sistemas de manejo: forma de acesso ao recurso – direito de uso dos territórios; práticas e hábitos de extração; densidades relativas das plantas (arumã); estimativas dos estoques naturais (tucumã; Cf. Plano de Manejo de Tucumã, 2003 e dados de extração); custos do manejo; 2) Avaliar o desempenho social: formação do grupo – intervenção da ONG; estrutura da forma cooperativa; grau de instrução; aprendizado na arte; capital social - regras, confiança entre membros, ações coletivas; relação com ONG e parceiros; 3) Avaliar o desempenho econômico: atividades econômicas familiares; produtividade global do artesanato; produtividade média familiar; conquista de mercado (padrão de qualidade). Vale ressaltar que as metodologias acima descritas afinam-se perfeitamente e complementam as informações obtidas e averiguadas através das metodologias ecológicas. A interdisciplinaridade conceitual e metodológica aponta para percursos teóricos ricos que ampliam o foco da análise e sua pretensa capacidade de averiguação da realidade.

Análise dos dados Como dito anteriormente, o presente estudo se concentra em integrar as esferas do conhecimento envolvidas na atividade do artesanato em fibras, através de uma análise interdisciplinar e contextual sobre a sustentabilidade dos empreendimentos acompanhados. Nesta análise será considerada, dentre outros aspectos já citados, a viabilidade da atividade extrativa das plantas, a contribuição do artesanato na economia familiar e o grau de autonomia dos grupos na gestão e administração do empreendimento 89 . Ainda, em relação à análise ecológica dos sistemas de manejo dos PFNMs estudados, para o caso do manejo de arumã da AANA consideramos a densidade relativa da planta nos anos posteriores à extração, tendo como principal fator (dependente) da densidade, o corte dos talos de arumã; conseqüência direta da ação antrópica dos coletores. Devido à eficácia do delineamento experimental, grande esforço de campo e longo período de tempo, não foi necessário realizar análises

89

Ou seja, as relações de trabalho e parceria entre grupos de produtores, entidades representativas e ONGs de apoio e aspectos como participação e processos de aprendizagem e qualificação profissional em todas as etapas do processo produtivo, desde a extração dos recursos até a comercialização dos produtos.

68

estatísticas para descrever e interpretar o comportamento e tendência dos dados projetados nos gráficos. Estes, se mostram simples e claros. Tais análises podem ser incorporadas para futuras publicações da tese (ver Cap. II, item 5.1.5). Já no estudo do grupo TucumArte, consultores externos avaliaram as estratégias do manejo de tucumã a partir da relação: estimativa de densidade das palmeiras e demanda de mercado. Na análise dos resultados combinam-se a bibliografia de referência, dados primários e secundários ecológicos, econômicos e sociais e a observação participante 90 que permite a conferência de tendências e indicadores demonstrados pelas informações quantitativas e qualitativas obtidas. Desse modo, os resultados obtidos a partir das entrevistas, dados de produção e comercialização dos empreendimentos, dados ecológicos e aspectos socioeconômicos, serão apresentados e abordados em momentos distintos (conforme variáveis sociais, econômicas e ecológicas), mas combinados ao final, para realizar uma análise global das empreitas e responder às minhas hipóteses e objetivos do estudo. A possibilidade de acompanhar produtores e entidades em seu local de trabalho e vivência, sugere perspectivas e implicações inovadoras que, possivelmente, não seriam detectadas em um trabalho estritamente quantitativo, ou simplesmente teórico. Estas implicações podem ser aprofundadas e revistas também em pesquisas vindouras. Dentre os resultados esperados, pretendo contribuir para o fortalecimento institucional e social dos grupos e entidades envolvidas, através da reflexão sobre os possíveis fatores que favorecem, ou não, o desenvolvimento desses empreendimentos locais e formulação de subsídios técnicos. Detalhados alguns pormenores da metodologia, iniciamos um encontro com as localidades amazônicas estudadas. Neste primeiro capítulo, procurei delinear o referencial teórico e metodológico de referência para nosso estudo. A combinação de conceitos e técnicas de pesquisa oriundas das ciências ecológicas e sociais tem como objetivo central, redimensionar a escala e o foco da análise sobre os empreendimentos de comercialização de PFNMs. Visto aspectos gerais sobre o histórico das localidades na Amazônia e os PFNMs de estudos, nos capítulos II e III, introduzirei imediatamente com a apresentação das informações socioeconomicas, seguidas pela relação de parceria com ONG de apoio e histórico de 90

Minha atuação anterior junto a AANA, numa pesquisa-ação sobre o manejo de arumã, também possibilita uma análise pessoal aprofundada sobre o processo, tanto nas questões diretamente relacionadas a organização da AANA, como nas reflexões sobre o papel da assessoria técnica.

69

formação do empreendimento, organização social e sistema produtivo: manejo, produção e comercialização. No capítulo IV, analiso os resultados obtidos de cada empreendimento e finalizo com a conclusão. Neste sentido, destacamos a seguir algumas características socioculturais das comunidades ribeirinhas agroextrativistas / artesãs; objeto desta tese.

70

CAPÍTULO II. ESTUDO DE CASO NOVO AIRÃO – AANA

No presente capítulo apresento os resultados sobre o caso da Associação dos Artesãos de Novo Airão – AANA. Apesar de separar os tópicos pelas variáveis social, econômica e ecológica, realizo uma análise conjunta desses elementos para destacar os principais fatores que influenciam o desenvolvimento do empreendimento.

1. Aspectos físicos e socioeconômicos 1.1 Contexto ambiental Na Amazônia Central o ciclo hidrológico dos grandes rios implica em grandes flutuações no nível de água, cuja amplitude média anual é de 10 metros (Schmidt, 1973), sendo que seus níveis máximos são atingidos entre junho/julho e os mínimos, entre outubro/novembro (Schmidt, 1972). A alternância entre as fases terrestre e aquática, ao longo do ano, leva à inundação periódica das áreas marginais florestadas através do transbordamento das águas de rios e lagos (Junk et al., 1989). Esse transbordamento sazonal das águas forma a várzea, floresta inundável pelos rios de água branca com grande fertilidade e também o igapó, floresta inundável associada aos rios de água clara, por exemplo, Rio Tapajós, como aos de água preta 91 , como o Rio Negro, de pH baixo e pobre em nutrientes (Prance, 1980). Já as terras firmes, são locais, onde geralmente, não alaga. Mudanças recorrentes, como as citadas acima, no ambiente físico, promovem modificações físico-químicas às quais responde a biota por meio de adaptações morfológicas, anatômicas, fisiológicas, etológicas ou ainda, pela mudança na estrutura da comunidade biótica (Junk, 1997, op.cit.). Tais mudanças são observadas pelo sistema classificatório local, tanto quanto, pelo sistema classificatório dito científico, referente aos tipos de água, solos e florestas (Roig e Martini, 2002) 92 . Para a ciência formal, os rios da Amazônia variam em

91

Água clara e água preta são usadas localmente como sinônimo. A cor da água ao longe é preta, mas, nas mãos, é transparente. 92 O sistema classificatório dos moradores da Reserva Extrativista do Alto Juruá permite observar as paisagens florestais em contínua transformação. Cada unidade de paisagem, como, por exemplo, várzea, baixo, igapó, terra

71

acidez e produtividade (Sioli, 1991) sendo principalmente classificados através de critérios geomorfológicos (formas de relevo terrestre) e pedológicos (estrutura e composição dos solos). Os rios de águas brancas, como o Rio Solimões/Amazonas, originam-se nos Andes cuja formação geológica é recente. Suas águas estão carregadas de sedimentos e materiais em suspensão que caracterizam solos férteis, porém, suscetíveis aos processos de erosão (Sioli, 1991). Isso favorece tais ambientes de várzea que são os mais ricos e produtivos da Amazônia. Os rios de águas pretas da Amazônia Central, como o Rio Negro, têm sua origem no platô das Guianas, cuja formação geológica é muito antiga e erodida (Sioli, 1991, op.cit.). A coloração escura da água e seu elevado grau de acidez (entre 3,8 e 4,9) resulta da presença de substâncias húmicas dissolvidas 93 . Tanto os rios de águas claras como os de águas pretas, são rios pobres em nutrientes. Possuem, portanto, menos recursos naturais disponíveis para a sobrevivência dos povos tradicionais em seus ambientes associados. O município de Novo Airão (2o37’10’’ S, 60o57’6’’ W) localiza-se na sub-bacia do Rio Grande, na margem direita do Rio Negro, praticamente na porção mediana da Estação Ecológica de Anavilhanas - ESEC Anavilhanas94 (Anexos 8 e 9). Com uma área da unidade territorial de 37.771 km2 e população de 7.002 pessoas (IBGE, 2005), a cidade possui acesso fácil, tanto por rio, como por terra, através de uma estrada que a liga à cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas (cerca de 180 km de Manaus). A pluviosidade anual na região varia de 1.750 a 2.500 mm, dividindo-se em duas estações ao longo do ano: o verão, estação pouco chuvosa, entre abril e setembro e inverno, estação chuvosa entre outubro e maio. A umidade relativa média anual oscila entre 85% e 95%. As temperaturas médias anuais também são bastante elevadas na região, ficando entre as isotermas 24 oC e 26 oC (Plano de Manejo da Estação Ecológica de Anavilhanas, 1999).

firme são parte de um complexo sistema em interação contínua. Sistema no qual, águas, solos, formações geológicas, de relevo e vegetação são critérios para distinção classificatória. Cf. Roig e Martini (2002, op.cit.) 93 Substâncias húmicas são substâncias orgânicas ácidas e coloridas, provenientes da decomposição de matéria orgânica que são drenadas pelos solos arenosos cobertos de vegetação conhecida como campina, campinarana ou caatinga amazônica. Solos do tipo podsols (Zeidemann, 2001) 94 A ESEC Anavilhanas foi criada em 1981 através do Decreto 86.061 de 02/06/81; Municípios de Manaus e Novo Airão (Rylands e Pinto, 1998). Com uma superfície de 350.000 ha, localiza-se no Rio Negro a cerca de 40 km ao norte de Manaus. Compreende um dos maiores arquipélagos fluviais do mundo, com aproximadamente 400 ilhas, possuindo também, área de terra firme além de inúmeros igarapés, paranás e vários canais entre as ilhas (Plano de Manejo da Estação Ecológica de Anavilhanas, 1999). Essas ilhas são alongadas, de formato relativamente triangular, com uma região litoral de deposição de material e uma região de barranco, sistematicamente escavada pelas águas do Rio Negro (Leenheer e Santos, 1980).

72

Novo Airão está praticamente cercada por Unidades de Conservação: ESEC Anavilhanas, Parque Nacional do Jaú, APA direita do Rio Negro e a Reserva Indígena Waimiri-Atroari (PMESEC Anavilhanas, 1999, op.cit.), impedindo os moradores de usarem os recursos naturais existentes nessas áreas florestais de forma legalizada, como veremos adiante. Em Novo Airão, há poucas possibilidades de trabalho. Estas se restringem, como na maioria dos municípios amazônicos, aos cargos administrativos e/ou técnicos nos serviços públicos (Prefeitura, Hospital e três escolas Municipais), Companhia de Saneamento de Novo Airão (COSANA) e Companhia Energética do Amazonas (CEAM). Novo Airão possui ainda quatro estaleiros, duas madeireiras/serrarias, seis hotéis e pousadas, dentre outros serviços temporários (auxiliares domésticos, pedreiros, marceneiros costureiras, lavadeiras e pequenos comércios para alimentação e vendas). Distribuem-se na cidade, cerca de três igrejas católicas e 15 igrejas evangélicas. Em outubro de 2005, a conclusão do asfaltamento da estrada entre Manaus a Novo Airão, acelera o crescimento da cidade, como decorrência da expansão do município de Manaus. Esse crescimento populacional e de extensão espacial associado às belezas naturais das Anavilhanas e Rio Negro, tem incentivado as atividades turísticas na cidade de Novo Airão e gera renda, através de novos empreendimentos como hotéis e pousadas, restaurantes e comércio. Atividades agroextrativistas como a pesca, agricultura e extração de produtos florestais madeireiros ou não, mantêm a sua importância. No entanto, são cada vez menos praticadas pelas famílias que se ocupam, atualmente, de outras atividades, como as comerciais e turísticas. O artesanato em fibras vegetais, por exemplo, significa para alguns grupos domésticos, fonte de renda alternativa, por vezes preferencial, na economia familiar. A AANA localiza-se na sede do município de Novo Airão, região central da cidade. A principal fibra utilizada pela AANA é obtida da tala de arumã – Ischnosiphon polyphyllus, família Marantaceae. Essa espécie é usada na confecção do tupé 95 e de jogos de mesa; os produtos mais comercializados pela Associação. Destacam-se também paneiros, cestos, balaios, bolsas, chapéus e luminárias feitos de cipó – ambé. E ainda, os cestos e abanos de tucumã. Já tipitis,

95

Tapete feito com tala de arumã trançada. Compõem diversas tramas; nome dado aos desenhos de ascendência indígena, principalmente de etnias do Alto Rio Negro, região de Santa Isabel e São Gabriel da Cachoeira.

73

para retirar a água da macaxeira cevada e peneiras são confeccionados com outra espécie de arumã que ocorre na terra firme (Ischnosiphon sp.). A espécie de arumã I. polyphyllus, é encontrada nas florestas inundáveis do entorno da cidade, incluindo as ilhas da ESEC Anavilhanas (Nakazono e Piedade, 2004; Nakazono, 2000, op.cit.). Nas áreas de igarapés, a espécie de arumã ocorre em abundância, ao longo de seus canais. Para a realização do trabalho do manejo de arumã em igarapés, conforme veremos posteriormente no item 5.1.4, foram identificados os locais que apresentavam grandes concentrações de touceiras de arumã no entorno de Novo Airão, destacando-se esses igarapés como potenciais locais para a implantação do sistema de manejo; quando verificada pouca concentração de arumã ao longo da beira do canal do igarapé, considerou-se “igarapés sem ocorrência de arumã” (Anexo 10) 96 . De acordo com esse levantamento observam-se a escassez de locais com alta concentração da planta, prejudicando a implantação do trabalho do manejo. Com poucos igarapés potenciais, diminui-se a disponibilidade de áreas para a realização de rodízios mais adequados na extração dos talos da planta (ver item 5.1).

1.2 Características socioeconomicas Novo Airão abriga muitos imigrantes dos rios Jaú e Unini, situados no Parque Nacional do Jaú (PNJ). Segundo dados censitários, analisados por Pinheiro e Macedo (2004), registra-se um intenso movimento migratório para o município de Novo Airão. Cerca de 90 % destas pessoas provêm do Rio Jaú e 47% do Rio Unini, em números recolhidos entre os anos de 1992 a 2001. Em relação à composição das artesãs da AANA 97 , com exceção do município de Manaus, 72 % das artesãs da AANA possuem procedência de localidades e municípios ao longo do Rio Negro (n = 18), como Novo Airão, Santa Izabel e São Gabriel da Cachoeira e também comunidades dos Rios Unini e Jauperi (Figura 1). Nessa região existem diferentes etnias indígenas e, provavelmente, a prática artesanal seja oriundo das heranças indígenas locais. Já a procedência dos maridos das artesãs (n = 14) é diversificada, como podemos 96

Ver também, mapa no Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA). “Mulheres do arumã do baixo Rio Negro”. Fascículo 12. Série: Movimentos Sociais, Identidade Coletiva e Conflitos, 2006. 97 Neste período, foram visitados 20 grupos domésticos de sócias da AANA, sendo entrevistados 18 mulheres e 2 homens no município de Novo Airão. O número de respostas obtidas é indicado entre parênteses (n = x).

74

observar nas figuras a seguir (Figura 2). Isto se deve, provavelmente, ao fluxo sazonal das atividades masculinas na Amazônica ou mesmo, variações históricas no comércio e produção dos produtos florestais que geram renda monetária, o que se convenciona chamar de “ciclos produtivos” (borracha, balata, castanha, etc.). Este fluxo das forças produtivas masculina é recorrente na Amazônia, tendo em vista que as atividades de geração de renda até recentes anos era exclusividade dos homens. Com o assalariamento de aposentados e de funções tidas como “femininas” como o professorado e serviços em saúde (enfermagem, por exemplo), modificam-se as rotas migratórias regionais. A isto se soma a decadência processual dos produtos agroextrativistas como fonte geradora de renda. É a avaliação que faço de tais números. Naturalidade Artesãs AANA

6%

Novo Airão (AM) Rio Unini (AM)

6%

Santa Izabel (AM)

6% 22% 11%

Manaus (AM) Rio Jauperi (AM)

22%

11% 17%

Outras localidades Rio Purus (AM) São Gabriel da Cachoeira (AM)

Figura 1. Naturalidade das artesãs da AANA (n = 18).

75

Naturalidade Maridos Artesãs AANA Manaus (AM) Novo Airão (AM) 7%

Outras localidades

7%

Rio Aturiá (AM)

15% 7%

Barcelos (AM) 15%

7% 14%

7% 14% 7%

Manacapuru (AM) Rio Jaú, PNJ (AM) Rio Quari (AM) Rio Unini (AM) Tefé (AM)

Figura 2. Naturalidade dos maridos das artesãs da AANA (n = 14).

A maior parte das artesãs, cerca de 90 %, é casada ou amigada, o que regionalmente é considerado um casamento formal (Martini, 1994) 98 . Entre os entrevistados há ainda uma viúva e um viúvo (10 %) e uma mulher solteira (5 % das entrevistas). Em média, os grupos domésticos, ou seja, o conjunto de pessoas, com ou sem laços de parentesco e aliança (casamento) que vive numa mesma casa ou domicílio, são compostos por sete pessoas, dentre parentes consangüíneos, afins e agregados. O número máximo encontrado de pessoas vivendo num mesmo grupo doméstico é de treze pessoas. O menor é uma casa com um único morador viúvo. Em geral, os casais têm em média cinco filhos (n = 19; min: 1 e máx.:14). No ano de 2005, a idade média das artesãs é de 39 anos, sendo que as idades variam entre 32 e 19 anos (n = 20). Entre as entrevistadas, 71 % das artesãs são católicas e 29 % são evangélicas (n = 17). Em termos de escolaridade, 70 % das artesãs da AANA possuem baixo grau de escolaridade, tendo completado apenas a quinta séria primária ou são analfabetas que apenas “assinam o nome” (n = 20), conforme a figura subseqüente (Figura 3).

98

Neste artigo, a autora demonstra que o casamento por ajuntamento configura uma estratégia específica do casal com finalidades inúmeras como: retirar-se de um núcleo doméstico numeroso, iniciar “nova vida” com mais autonomia para o jovem casal e chefe-de-família, ou mesmo evitar os altos custos regionais de um casamento formal, no juiz (casamento civil). Pelo atual Código Civil, o casamento “informal”, corresponde aos mesmos direitos e deveres de um casamento “formal”.

76

Escolaridade Artesãs AANA 5% 10%

Analfabeto/Assina Nome

35% 15%

Até 5a Série do Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Fundamental

35%

Superior

Figura 3. Grau de escolaridade das artesãs da AANA (n = 20).

Considerando que as artesãs são também responsáveis pelos afazeres domésticos, o artesanato foi citado como atividade principal para obtenção de renda monetária, por 88 % das pessoas entrevistadas (n = 18), combinado à atividade agrícola (Figura 4). De maneira similar, cerca de 40 % dos maridos das artesãs (n = 17), citaram a agricultura como atividade principal combinada à pesca. Apenas 6 % dos entrevistados consideram a pesca, o artesanato e a prestação de serviços (moto-taxista) como atividade rentável principal. Os restantes dividemse em diaristas (12 %) e assalariados (29 %) (Figura 5). Atividades Principais Artesãs AANA

6%

6%

Artesã

33%

55%

Artesã/Agricultora Artesã/Agricultora/Pescadora Artesã/Professora

Figura 4. Atividades principais exercidas pelas artesãs da AANA (n = 18).

77

Atividades Principais Maridos AANA

Pescador/Agricultor Agricultor

6%

6%

Agente de Saúde FUNASA Ajudante/Diarista

6% 28%

6%

Artesão Autônomo - Moto-Táxi Carpinteiro

6% 12%

6%

Funcionário da CEVIS Funcionário SUCAM

6% 6%

6%

6%

Motorista de Ônibus Pescador Vigia Hospital/Agricultor

Figura 5. Atividades principais exercidas pelos maridos das artesãs da AANA (n = 17). Com relação a outras fontes de renda 99 , com exceção do artesanato, a produção de farinha de mandioca é considerada produto alimentício. Apenas 20 % das entrevistadas destacam seu uso como produto para a venda. A comercialização de farinha é feita em pequena quantidade, parte do excedente produzido para o consumo familiar. Com exceção do recurso arumã, apenas 11 % das entrevistadas declararam obter sua fonte de renda principal a partir de produtos extrativistas. Esses casos referem-se às artesãs que possuem sítio com espécies frutíferas e vendem, eventualmente, frutos e outros produtos. A comercialização do cipó titica foi citada em uma entrevista pelo marido de artesã que revende tal produto extrativo para regatão, barco comercial de Manaus. Em relação aos recursos pesqueiros, 40 % dos entrevistados obtêm renda monetária com seu comércio. Este recurso é também um excedente do consumo familiar. Outros 40 % de famílias de artesãs obtém sua principal fonte de renda através dos serviços temporários, pagos em diárias (ao redor de R$ 25,00). Em termos de ganhos salariais, cerca de 35 % dessas famílias possuem renda provinda de salários fixos, 25 % possuem renda de aposentadoria, 45 % possuem renda de programas de governos para distribuição de renda, como “Bolsa-Escola” e l5 % de atividades comerciais.

99

Os dados sobre renda referem-se aos grupos domésticos e não às produtoras individuais.

78

Segundo informaram as artesãs, 52 % delas, obtém uma renda familiar mensal superior ao salário mínimo nacional 100 (n = 20), segundo a Figura 6. As unidades produtivas para o plantio da mandioca em roças familiares de Novo Airão são denominadas “quadras” que correspondem a um hectare (100 metros x 100 metros). As famílias que sabiam o tamanho exato de suas roças, um número de sete em vinte entrevistas, registram uma área média reservada para o plantio de mandioca de um hectare (com variações de até dois hectares).

Renda Familiar Mensal Artesãs AANA 5% 11%

Menor Metade Igual

52% 32%

Maior

Figura 6. Renda familiar mensal aproximada das associadas da AANA, em relação ao salário mínimo: menor metade, igual e maior que o salário mínimo (n = 20).

Metade das famílias entrevistadas (n = 20) possui roças de mandioca, sendo que 60% das famílias possuem também uma casa de farinha; construção regional onde se produz a farinha de maneira dita tradicional. Oito destas famílias produzem 153 litros 101 de farinha por mês e cinco delas, vendem parte dessa produção (90 litros).

100

Valor oficial do salário mínimo no mês de dezembro de 2005, igual a R$ 300,00 reais (R$ 2,34 / Dólar, dezembro de 2005). 101 As famílias amazônicas e nordestinas utilizam o “litro” de farinha como medida. O litro corresponde, aproximadamente, a um quilo de farinha. Sua medida equivale também à quantidade de farinha que cabe em uma lata ou “litro” de óleo de cozinha (900 mililitros). Já um saco de farinha corresponde a 60 litros, geralmente, um pouco menos do que 60 quilos.

79

Além da mandioca os moradores cultivam cará, cana-de-açúcar, abacaxi e banana nas áreas de roçado e também grande variedade de espécies frutíferas 102 nos quintais, roças e proximidades das casas-de-farinha. A caça é eventual, tendo em vista a diminuição da presença de animais, leis ambientais rígidas e pressão populacional crescente. Já a pesca é considerada a fonte protéica mais importante, pois, ocorre o ano todo, sem diferenças sazonais relativas às estações de chuva ou seca (inverno e verão) (Figura 7). Cerca de metade dos peixes obtidos pelos entrevistados destinam-se ao consumo familiar (Figura 8). Nas casas, os homens são considerados os chefes-de-família. No entanto, a maioria das suas decisões baseia-se em conselhos e conversas com suas esposas. Isto se altera em casa de mulheres viúvas ou separadas, onde a mulher ou o filho mais velho assume a chefia. As casas têm geralmente, dois ou três quartos. São feitas de madeira com telhado de alumínio, possuem água encanada e energia elétrica. Os banheiros são construídos fora da casa e com sistema de “fossa aberta”, ou seja, o esgoto é despejado diretamente em pequenos igarapés ou corre pelo terreno até desaparecer na terra.

Frequência Pesca / Semana Famílias AANA

eventualmente

13% 13%

37%

13%

duas a três vezes quatro vezes ou mais

24%

uma vez nunca

Figura 7. Freqüência semanal da atividade pesqueira entre famílias de artesãs da AANA (n = 16).

102

Tais como: caju, ingá, manga, mari, abacate, cacau, cupuaçu, laranja, coco, pupunha, açaí, banana, goiaba, acerola, mamão, graviola, jambo, biribá, abim, entre outras.

80

Pesca Famílias AANA

consumo

29% 50% 21%

venda e consumo mais da metade para venda

Figura 8. Destino da pesca entre famílias de artesãs da AANA (n = 14).

Uma parte do lixo doméstico, geralmente o não orgânico, é queimada, o restante é coletado pela prefeitura. Não existe coleta de lixo reciclável, mas, muitos aproveitam a sucata para elaborar artesanato e pequenos objetos. Praticamente todas as casas possuem fogão, geladeira ou freezer, televisão, ventilador, e por vezes, máquina de lavar e liquidificador. Cerca de 30 % das famílias possuem canoa, mas, apenas três famílias possuem motor de “rabeta” de quatro ou sete cavalos-de-potência (HP). Com estes dados pretendo apresentar um breve perfil socioeconômico dos moradores. Noto que sua renda monetária mensal ampliou-se após as iniciativas governamentais de distribuição de renda e benefícios, como aposentadorias e pequenos salários. Para as artesãs da AANA, cerca de 80 % das famílias possuem renda acima ou igual ao salário mínimo. O artesanato em arumã demonstra ser uma importante fonte complementar e, por vezes, principal, de renda financeira para a família, o que provavelmente tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida entre as famílias artesãs de Novo Airão. Vamos detalhar agora, aspectos importantes no histórico de formação da AANA e relação com ONG parceira.

81

2. Parceria entre empreendimento local e ONG 2.1 Histórico de formação da AANA A AANA, criada em 1996, recebe apoio da Fundação Vitória Amazônica (FVA) 103 , ONG conservacionista sediada em Manaus-AM, desde 1994 quando se inicia a parceria entre as instituições, através do Projeto Fibrarte. A FVA, fundada em 1990, teve papel preponderante na formação da AANA em Novo Airão, sendo que sua atuação mais incisiva na região da bacia do Rio Negro se deu através da elaboração do Plano de Manejo do Parque Nacional do Jaú (Fundação Vitória Amazônica, 1998a, op.cit.; Borges et al., 2004), inserindose nesse, o reconhecimento e importância de moradores dentro da área do Parque. Em 1994, o Projeto Fibrarte inicia suas atividades de promoção do artesanato local e transfere sua área de atuação para a cidade de Novo Airão, no baixo Rio Negro 104 . O Projeto Fibrarte se baseava em três linhas de ação: 1) produção e comercialização, 2) organização social e 3) ecologia e manejo. No princípio, a equipe do projeto tinha condições técnicas de execução para os dois primeiros itens. O terceiro item passa a ser contemplado com a minha inserção no projeto e na FVA (início do ano 2000). No âmbito deste primeiro projeto foram realizadas as seguintes atividades: cadastramento de artesãos, incentivo à produção, noções de cidadania e associativismo, além da identificação de possíveis canais de comercialização. Após dois anos de trabalho forma-se a AANA. A formação da AANA ocorreu mais por uma questão burocrática. Nesse período, por volta de 1995, a FVA buscava recursos para a construção da Central de Artesanato da Associação. Junto ao financiador havia prazos para que os recursos obtidos fossem utilizados. Para obtê-los, as artesãs precisavam estar organizadas numa associação formal 105 . A representação jurídica também era necessária para a doação de um terreno, cedido pela Prefeitura de Novo Airão, para construção da Central, segundo a ata de Fundação da AANA 103

A FVA assessora nos processos sociais de outros grupos em Novo Airão, como a Associação de Pescadores de Novo Airão (APNA), o Sindicato de Trabalhadores Rurais e a Associação de ex-moradores do Parque Nacional do Jaú. A FVA apoiou a fundação da Associação de Moradores do rio Unini (Amoru), em agosto de 2002. A sede provisória da Associação fica na localidade conhecida como Floresta II, Rio Unini, Barcelos – AM. 104 O Projeto Fibrarte, sediado na sede da FVA, inicia suas atividades em 1992, na cidade de Santa Isabel do Rio Negro. Teve como objetivo central, desenvolver alternativas de geração de renda para as populações da bacia do Rio Negro, através da atividade tradicional de produção de artesanato em fibras vegetais (Histórico do Projeto Fibrarte, 2000). 105 A AANA é organizada através de Assembléia Geral, contando com uma diretoria, o corpo de sócios e um conselho fiscal. A diretoria é composta por presidente e vice-presidente, secretário e segundo secretário, tesoureiro e segundo tesoureiro. O Conselho Fiscal é formado por três membros titulares e três suplentes.

82

de 1996 106 . Ao longo dos anos, através de diversos financiadores 107 , a FVA realizou inúmeros trabalhos de capacitação e fomento da organização social, produção e comercialização de artesanato. Também participaram dessas capacitações, entidades como o SEBRAE e designers autônomos, culminando num alto padrão de qualidade dos produtos. Apoiou também na publicação do catálogo de produtos da AANA. Naquele momento, foi dado maior ênfase para o aprimoramento do produto tupé. A capacitação sobre esse produto foi intensa, através de oficinas realizadas para ensinar outras artesãs. A FVA potencializou a produção de um tipo de artesanato raramente encontrado no mercado regional e conquistou bons consumidores de outros estados. Além disso, a FVA propiciou a participação das artesãs em várias feiras realizadas em outros estados e até mesmo em outros países (como França e Espanha), estimulando, ao mesmo tempo, a participação política das artesãs e o contato com grupos semelhantes. Em função dessa interação entre FVA e AANA, iniciou-se em 2000, o manejo de arumã, com o objetivo de viabilizar legalmente as áreas de extração da planta para as artesãs da AANA 108 . A criação da AANA ocorre, numa certa medida, como resultado de exigências externas, para atender normas de projetos e seus financiadores. Fontes de financiamento, como as citadas anteriormente, têm demandas e exigências várias que inviabilizam ou dificultam a execução dos projetos por associações “jovens”. Dentre estas se destacam o exíguo tempo de execução e apresentação de resultados concretos109 . Para iniciar o repasse de recursos faz-se necessário que o grupo local tenha representação jurídica; motivo principal do 106

A criação e registro da AANA foram assessorados diretamente pelo corpo técnico da FVA, junto à Secretaria da Fazenda – SEFAZ do município de Manacapuru, AM. 107 Governo da Áustria, Fundação W. Alton Jones, World Wildlife Foundation/Brasil (WWF), Parceria FundaçãoFord/Funbio e Projetos Demonstrativos da Amazônia-PDA. 108 São tantas e complexas as questões sobre o trabalho de intervenção junto à AANA que seria necessário um estudo particular sobre o assunto. De modo geral, não existem materiais sistematizados e suficientes. Por ter participado do corpo técnico da FVA e também de extensas conversas sobre os fatos levantados, procuro ressaltar as preocupações avaliadas internamente pela instituição. Destaco alguns documentos elaborados por consultores externos, como fontes importantes de dados sobre essa relação por mim brevemente estudada: Socióloga Carmem Marques, 2000; Antropólogo Alfredo Wagner B. de Almeida, 2001; Economistas, Cecília Martín e Paolo Lunardon, 2002; Socióloga Maria do Perpétuo S. R. Chaves, 2003; este último documento, apesar de seu caráter “participativo” não apresenta o número de artesãs entrevistadas, ou mesmo, o número de participantes nas atividades em grupo que geraram os dados. Tais fontes de dados, bibliografia técnica e relatórios internos da equipe do Projeto Fibrarte, somados às minhas observações como técnica da FVA e percepções obtidas em campo, através da convivência e trabalho com as artesãs e coletores da AANA são a base desta pesquisa. 109 A WWF, após cerca de três anos de apoio ao Projeto Fibrarte, pressionava por resultados de produção da AANA que desse conta de atender uma demanda de mercado muito ampla, que estava fora do alcance e realidade de produção das artesãs.

83

apoio inicial da FVA para a formação da Associação. Os recursos disponíveis, sempre tão escassos, não deveriam ser desperdiçados. A AANA foi formada, portanto, com vistas à obtenção de recursos para melhoria do processo de comercialização e não partiu da organização interna das artesãs, respeitando o tempo adequado de amadurecimento do grupo recém aglutinado 110 . Assim, técnicos (as) da FVA eram vistos como os “donos” ou “chefes” da Central e conseqüentemente da AANA. Ou seja, os associados não viam a associação como fruto de seu próprio trabalho. O projeto de construção da Central de Artesanato foi idealizado por um dos membros do Conselho Curador da FVA e não uma demanda das artesãs, segundo técnicos da Fundação. As artesãs de Novo Airão, como em Santa Isabel do Rio Negro, não costumam produzir em conjunto. Tal atividade é exercida nos intervalos das atividades rotineiras familiares ou nos raros momentos em que as artesãs não estão cozinhando, limpando a casa, cuidando de filhos, trabalhando na roça, pescando. Esses curtos intervalos são momentos preciosos para as artesãs, pois, garantem a produção do artesanato (maiores informações, ver Martín e Lunardon, 2002). Neste contexto, o resultado do projeto da Central de Artesanato não atendia a realidade das artesãs, nem condizia com o momento do grupo recém-formado. Tal projeto, uma casa projetada para abrigar, um grande número de artesãs, não se relacionava intimamente, portanto, com a realidade local. Ao todo, foram quatro anos para finalizar a construção da Central de Artesanato Dias Figueira 111 , fundada no ano de 2000. Contudo, a construção em si da sede não é o principal problema. Na realidade, depois de inaugurada a central, as artesãs se sentem orgulhosas com o patrimônio. Representa um marco importante para elas enquanto aspecto concreto que legitima a identidade “artesã”. Dentro da cidade de Novo Airão, sente-se o preconceito dos moradores locais, um tanto descaracterizado em relação aos modos tradicionais de vida. Novo Airão tem se caracterizado como uma cidade em expansão, sofre forte pressão dos migrantes de outras localidades, como

110

Cf. Chaves (2003), a relação de dependência entre AANA e FVA, dificulta a capacidade da AANA em assumir suas reais funções. Além disso, as formas de gestão financeiras adotadas, seguem parâmetros e cálculos econômicos que, a maioria das artesãs não conseguia acompanhar, visto possuírem baixo nível de escolaridade e/ou pouca informação relativa às formas de prestação de contas. 111 O nome da Central foi dado pelas artesãs, em homenagem ao técnico da FVA, José Max Dias Figueira. O espaço físico da Central abriga um setor de produção, loja para comercialização local, depósito para matériasprimas e artesanatos, dois banheiros, uma cozinha, duas salas para reuniões e um escritório, além de um grande quintal onde estão plantadas árvores frutíferas e espécies utilizadas para as tinturas das fibras.

84

Manaus e Manacapuru, e também da ação de madeireiros ao longo da estrada asfaltada, em direção a essas cidades. “(...) As pessoas daqui nos ignoram, não dão valor, tem preconceito. Carregar feixe de arumã, é motivo de crítica para os outros. Nós não ligamos mais, mas muitos se escondem e não assumem que são artesãos. Mas quando viajamos somos muito elogiadas” (artesãs da AANA em depoimento durante oficina de mapa do PNCSA realizada em março de 2006).

“(...) Eu tecia há muito tempo mas só descobri que era artesã quando entrei na associação” (Suzana Anhape Bezerra, março de 2006).

Muitas passaram a tecer na central para demonstrar que ali era, também, uma extensão de suas casas. Mas essa situação não perdura por muito tempo. Futuramente, conflitos internos e problemas de infra-estrutura começam a aparecer, afastando algumas artesãs que teciam na sede. Além disso, com a construção da Central, as artesãs assumem diretamente o processo de comercialização local dos produtos, como também, passam a assumir mais diretamente contatos com consumidores de outros estados. Apesar da FVA ainda intermediar parte do processo de comercialização, como o despacho dos produtos até Manaus e daí para outros estados do Brasil, nesse período inicia-se uma nova fase para a AANA. Estes pormenores, sem ainda considerarmos, os impactos socioculturais gerados, tomaram uma dimensão conflituosa dentro da Associação: as artesãs não se sentiam participantes de ações criadas sem sua intervenção direta ou mesmo, que respeitasse o tempo de amadurecimento do grupo. Vale ressaltar que o papel de técnicos como José Max Dias Figueira e Gessemir de Souza Dantas 112 , tanto na área de comercialização, como na organização social, respectivamente, a partir de 1996, momento de formação da Associação, eram dificultados diante desses obstáculos iniciais gerados. José Max foi o técnico que por mais tempo permaneceu no trabalho, deixando a FVA no ano de 2003. Gessemir manteve-se em suas funções até o ano 2000 113 .

112

José M. D. Figueira é geógrafo e Gessemir de Souza Dantas é psicóloga. Os técnicos do Fibrarte participavam das reuniões mensais da AANA, assessoravam a elaboração de prestação de contas e mediavam a comercialização dos produtos. 113 Em seu lugar entra a engenheira agrônoma Valéria M. F. Vieira, que permanece por apenas seis meses.

85

Quando ingresso na equipe da FVA, em março de 2000, já existia uma avaliação crítica na entidade sobre a relação dependente que se configurava entre AANA e FVA. Sendo assim, o objetivo principal do Projeto Fibrarte era fortalecer as artesãs para que as mesmas pudessem “caminhar com suas próprias pernas”, segundo interpretações constantes nas reuniões internas da FVA. No período em que assessorei a AANA, entre 2000 e 2003, houve duas trocas de técnicos na área da organização social no âmbito do Projeto Fibrarte, o que dificulta ainda mais a realização deste objetivo. Todas as atividades realizadas junto a AANA pela FVA eram interrompidas, o que inviabiliza o fluxo harmônico de um processo coletivo de parceria. Ainda, como demanda da FVA, com base no “tripé” social, econômico e ecológico do Projeto Fibrarte, é que foi elaborado o um projeto de cunho ambiental chamado “Projeto Sinergia” 114 . Tratava-se de um consórcio entre quatro ONGs - FVA, Imaflora, Imazon e Vitae Civilis 115 . Em outubro de 2000, ano de meu ingresso na FVA, paradoxalmente, uma circunstância negativa favorece a implantação do Projeto Sinergia: a família de uma artesã é autuada pelo IBAMA coletando arumã nas ilhas da ESEC Anavilhanas. Tal autuação gera sérios conflitos na AANA que, sob orientação do IBAMA e assessorada pela FVA, encaminha um plano preliminar de manejo de arumã, em áreas delimitadas, fora dos limites da ESEC Anavilhanas 116 . Naquele momento, a AANA sentia-se fortemente ameaçada por possíveis punições vindas do IBAMA, caso continuassem a coletar os talos de arumã nas Anavilhanas. Elaborado as pressas, para atender a demanda por matéria-prima da Associação, o plano de manejo em

114

O Projeto Sinergia – Fundo de Parceria Fundação Ford / FUNBIO, visava a troca de talentos e recursos complementares para implantação do desenvolvimento sustentável na região e tinha como objetivo “consolidar uma alternativa econômica sustentável para a Associação dos Artesãos de Novo Airão – AANA baseada no manejo e transformação de fibras vegetais”, com foco no recurso arumã, o mais utilizado na confecção de tupés. Minha participação no desenvolvimento do plano de trabalho, meses antes do ingresso na ONG, contribui para o direcionamento da pesquisa nos temas ecologia e manejo de arumã. 115 IMAZON – Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia; IMAFLORA – Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola; Vitae Civilis – Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz. 116 Após esse período, em 2001, a equipe do Fibrarte foi assessorada, durante seis meses, pelo antropólogo Alfredo Wagner B. de Almeida. A assessoria tem como intuito instrumentalizar as artesãs, para a gestão autônoma da Associação. Seu foco principal era instruir os técnicos no conceito de mediação e formas salutares de intervenção para realizar um processo de transição entre as relações estabelecidas e resultar em maior autonomia das artesãs em relação aos técnicos da FVA. Porém, com a saída do técnico Franklin Plessmann de Carvalho, engenheiro agrônomo, no final de 2001, da área de organização social do Fibrarte, o trabalho de assessoria do antropólogo não pôde ser concluído. Segundo, Alfredo Wagner, a FVA não dispunha, naquele momento, de uma equipe técnica consolidada para realizar o processo de transição.

86

áreas de igarapés permitidas pelo IBAMA, acabou favorecendo alguns coletores experientes na coleta de arumã, maridos de artesãs. Esses foram os responsáveis por decidir os locais mais viáveis à implantação do manejo, naquelas circunstâncias. Tais aspectos geraram mudanças significativas nas formas tradicionais de coleta de arumã, conforme abordarei mais detalhadamente adiante 117 . As dificuldades eram percebidas pela equipe do Fibrarte que tentavam amenizar tais impactos. Mas com a interrupção dos trabalhos, devido à troca de técnicos na área social, parte desses impactos eram administrados na medida do possível. De acordo com a própria avaliação do técnico Franklin P. de Carvalho, que saiu da FVA em dezembro de 2001, a pouca interação e a dificuldade de comunicação entre a equipe técnica do Projeto Fibrarte 118 e a AANA se agrava com a alta rotatividade de técnicos responsáveis pelo tema “organização social” (Carvalho, 2002). Alguns meses antes da saída de Franklin, as artesãs passaram por novas dificuldades. Durante uma prestação de contas foi constatado o desvio de recursos financeiros. Tal fato agrava, ainda mais, as relações internas, já conturbadas, da Associação. Solucionado o problema e descoberto o infrator, as artesãs demonstraram maturidade, na lida com o problema e na tomada de decisões. Após a composição da diretoria eleita pela AANA, em dezembro de 2001, as artesãs continuaram demonstrando insatisfação com o trabalho, seja por conflitos internos, seja pela rotatividade de técnicos na FVA. A insatisfação se agrava com uma atuação inexpressiva do presidente, recém-eleito, no gerenciamento das atividades da Associação. O discurso das sócias reiterava que a AANA estava por acabar 119 . Já para o presidente, sua presença evitaria que a AANA se acabasse 120 . Entretanto, em meio a tantos conflitos e problemas, no ano seguinte, em 2002, se tornava perceptível o profundo desânimo das artesãs com o trabalho do

117

Como aspecto positivo deste processo, ressalto o questionamento individual e coletivo das ações por parte de alguns técnicos. Para mim, tais questionamentos serviram para avaliar e construir os critérios de manejo em conjunto com as artesãs e coletores. Infelizmente, não foi possível exercer ao longo do Projeto Fibrarte, um de seus objetivos específicos: o trabalho interdisciplinar. 118 Conforme a avaliação de Chaves (2003, op.cit.) percebeu-se, através dos relatos de certas artesãs que, em grande parte do tempo, os técnicos da FVA trabalhavam isoladamente sem interesses nos processos integrados e/ou participativos. 119 O comentário era geral, no entanto, a argumentação de algumas artesãs se destacava, como nos casos de Cezarina F. Ribeiro, Suzana A Bezerra, Maria Clemente, dentre outras. 120 Manoel M. de Oliveira, 72 anos, tece com cipó-ambé e é o único homem que trabalha na Associação, desde 1994, momento em que a FVA começa a atuar em Novo Airão. Seu Manoel assumiu o cargo por pressão das artesãs para formalizar a diretoria e impedir que a Associação acabasse, já que nenhuma delas queria assumir a presidência naquele momento.

87

grupo e a falta de interesse pela produção. A ausência de suporte técnico para a assessoria de organização social também contribui para o agravo das relações 121 . Apesar dos variados esforços para integrar a equipe dita interdisciplinar, os técnicos do Fibrarte enfrentaram a situação de maneira brusca. No ano de 2002, além das atividades específicas de cada técnico, o trabalho concentra-se em alertar as sócias para a importância de assumirem suas funções, pois a FVA estava em fase de “cortar o cordão umbilical” 122 . Neste momento, a FVA apresenta à AANA uma nova forma de trabalho referenciado como um “processo de transição”. Através de visitas domiciliares às artesãs, os técnicos tentavam explicar, com base num documento elaborado pela FVA e entregue às sócias, a avaliação desta relação de dependência gerada entre as organizações 123 . Realizadas as visitas, seguiramse várias reuniões para discutir o documento e estabelecer uma nova relação com papéis definidos para cada instituição, além de atribuições, funções e deveres respectivos. O objetivo final desse processo se estabeleceria com assinatura de um contrato elaborado em conjunto; porém, as artesãs tiveram dificuldades em continuar seus trabalhos. Isso se depreende de comentários e fofocas internas e também no desaparecimento das sócias em atividades relacionadas à Associação. Em setembro de 2002, a FVA desiste de assinar o contrato, após uma avaliação interna dos técnicos. Conclui-se que não adiantaria estabelecer um acordo nestes termos e em meio a tantas dificuldades. As artesãs, logicamente, não se sentiam capazes e seguras para assumirem funções que nunca haviam considerado como sendo suas. Contudo, apesar de não ter sido concluído um contrato assinado entre as instituições, os técnicos da FVA assumem suas

121

Restaram no Fibrarte, o técnico José Max. D. Figueira e eu, Erika M. Nakazono, nas áreas de comercialização e ecologia de arumã, respectivamente. Outra técnica da FVA, Aurelina Viana dos Santos, Assistente de Projetos em Educação Ambiental, auxiliou, em parte, o trabalho da organização social. 122 A FVA não atende a sugestão de Alfredo Wagner para estabelecer um convênio entre AANA e FVA, alegando que tal acordo seria institucionalmente inviável para a ONG, principalmente, nos termos burocráticos do repasse de recursos financeiros. O convênio se baseava na prestação de serviços técnicos específicos, realizado por apenas um profissional. A proposta de redução do quadro técnico decorreu do fato de que o mesmo não logrou funcionar efetivamente como “equipe”. 123 O objetivo das visitas domiciliares era esclarecer melhor o documento entregue sobre o Processo de Transição, visando favorecer as primeiras discussões com as artesãs sobre a proposta de trabalho da FVA a partir do ano de 2002. O conteúdo do documento se baseava em uma análise sobre o histórico de formação da AANA e atuação da FVA junto com as artesãs ao longo dos anos, nas áreas de organização social, comercialização dos produtos e manejo dos recursos, visando esclarecer os pontos de desenvolvimento e amadurecimento de ambas instituições para definir novas formas de trabalho em conjunto. O objetivo principal era fornecer subsídios para o processo de autonomia das artesãs. Ao todo, 17 famílias foram visitadas, sendo que a média do tempo de duração dessas visitas foi igual a duas horas.

88

atividades planejadas em conjunto com as sócias, havendo dessa forma, um maior distanciamento das atividades e atendendo somente a demandas específicas solicitadas pelas artesãs, que se davam através de documentos enviados via fax para a FVA, devidamente assinado pelo presidente da Associação. Apesar de tantos contratempos, após três anos de trabalho, coletores e artesãs estavam bem capacitados no manejo, fazendo, por exemplo, o levantamento da densidade de arumã, sem a presença de técnicos (ver item 2.2) 124 . Contudo, o ano de 2003 foi constrangedor para a AANA. Com a saída dos dois últimos técnicos do projeto Fibrarte 125 , no início desse ano, as artesãs se sentiram “abandonadas” e não sem motivo. Era comum ouvir frases como: “... a FVA nos abandonou...” ou “... a AANA vai acabar...”; “... sem a FVA não vai para a frente”, segundo o artesão Manoel M. de Oliveira; “... acho que a AANA não tá crescida para andar sozinha”, argumenta Sebastiana F. de Souza; “... o pessoal aí da Associação não entende essas coisas” para Percília C. Martins. O único trabalho que teve certo andamento, neste ano, em 2003, foi minha assessoria ao manejo de arumã, com o monitoramento anual realizado, uma vez que a AANA havia conseguido, não sem dificuldades, a Licença de Operação 126 por parte do IPAAM. Nos anos posteriores, retorno anualmente para realizar o monitoramento dos locais de coleta, além de ministrar cursos e capacitações em manejo para artesãs e coletores. Com a saída de José Max D. Figueira, na área de comercialização, muitas encomendas vindas de consumidores de outros Estados são perdidas 127 . As artesãs comentam que o responsável pela loja é que deve se responsabilizar por tal encargo. Porém, a troca dessa pessoa é bastante constante na Associação, e não há nenhum tipo de capacitação, pelas artesãs, à outra pessoa que assume a função de ficar na loja 128 .

124

Em janeiro de 2002, numa reunião de planejamento da FVA, anuncio meu último ano de assessoria à instituição, pois, pretendia iniciar meu doutorado em 2003. Nesse mesmo período e com um ano de antecedência, deixo claro para a AANA, os motivos de minha saída no ano posterior, por questões tanto pessoais, como profissionais, uma vez que se finalizaria o Projeto Sinergia. 125 Eu saio em fevereiro de 2003, como já anunciado um ano antes. José Max D. Figueia anuncia sua saída em novembro de 2002. 126 Diário Oficial 02 de setembro, Licença de Operação N0 226/03 do IPAAM / Of. N0 1013/2002DIEF/IBAMA/AM. 127 Uma colega de Belém, encomendou tupés com a AANA por telefone. Um mês após, quando retorna a ligação à AANA, as artesãs nem sabiam identificar quem ficou responsável por tal encomenda. 128 A falta de participação de artesãs, no contato mais direto com a comercialização, acarretou dificuldades para assumir tais funções. A maior parte das encomendas e contatos com consumidores, eram intermediados pelo técnico da FVA, que se responsabilizava por todo o contato com mercado, repasse de encomendas para artesãs,

89

No ano de 2005 abrem-se novas perspectivas no trabalho entre FVA e AANA. Após uma reestruturação interna da equipe da ONG, a mesma contrata um técnico para coordenar o “Programa de Alternativas Econômicas”, financiado por Programas do Ministério do Meio Ambiente, sendo o caso da AANA tratado como experiência promissora a ser repassada para outras comunidades. A FVA procura estreitar a relação com as artesãs. O novo técnico, Fabiano Lopez da Silva, realiza algumas reuniões com a Associação a fim de repassar as novas intenções da FVA em trabalhos conjuntos com a AANA. Grande parte dessas atividades se concentra no manejo de arumã, tendo o técnico Ignácio Oliete Josa, contratado em 2006, a responsabilidade por tais atividades 129 . Concomitantemente à contratação desse técnico, a artesã Elzilene Barbosa da Silva, ex-coordenadora do manejo de arumã da AANA no ano de 2006, passa a integrar a equipe de assessoria. Elzilene, fora qualificada para o manejo, juntamente com Carlito F. dos Santos, o coletor principal da AANA 130 . Nas áreas de organização social e comercialização, mantém-se o auxílio na prestação de contas, apoio para a participação em algumas reuniões, venda de artesanato na sede da FVA em Manaus e comunicação com mercado externo 131 , além de atividades pontuais da FVA que são realizadas em conjunto com outros grupos organizados de Novo Airão, como a Associação de Pescadores, antigos moradores do Parque Nacional do Jaú e Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Grande parte do trabalho da FVA, inicialmente, se concentrava no entorno do Parque Nacional do Jaú. Atualmente, a FVA tem intenção de expandir os trabalhos para comunidades transporte do artesanato até Manaus e despacho dos produtos para outros estados. Também mantinha o controle informatizado dos dados. Conforme Figueira (2002), em 2001 inicia-se uma capacitação intensiva com duas artesãs da AANA sobre o processo produtivo. Porém, durante a crise entre as instituições, o trabalho foi interrompido. Conforme Chaves (cf. 2003, op.cit.), havia naquele período, grande dificuldade por parte das artesãs em adotar critérios para conferir preço aos produtos, conseqüência da restrita qualificação na área de comercialização e gestão dos recursos patrimoniais e financeiros. 129 Já em 2007, segundo resultados desta pesquisa, há falta de matéria-prima para a produção. As artesãs passam a implantar novas estratégias de manejo em outras comunidades, como no Rio Puduari, junto com o técnico Ignácio. 130 Elzilene foi coordenadora do manejo de arumã entre os anos de 2002 e 2006. Em novembro de 2006, em viagem de monitoramento do manejo aos igarapés, a artesã capacita sua sucessora ao cargo na AANA, Nelizângela de Senta Teixeira, esposa de Antônio Clemente. Antes de ser contratada oficialmente pela FVA, Elzilene havia participado de atividades como palestras sobre manejo, em outras comunidades do Rio Negro. A contratação gera conflitos internos entre sócias, uma vez que Elzilene se beneficia com a capacitação. Desconsiderando tais sentimentos, Elzilene atua com Ignácio Josa; como técnica da FVA e não como artesã da AANA. E no ano de 2007, deixa de ser sócia da AANA. 131 A venda de artesanatos da AANA pela FVA se dá através, do Programa “Alternativas Econômicas” responsável pela venda de produtos encomendados e também, do Programa de “Desenvolvimento Institucional” que fornece apoio a venda na sede da FVA, sob responsabilidade da secretária Maria da Saúde Barbosa da Silva.

90

do médio Rio Negro, como Barcelos e Santa Isabel (conforme Carlos C. Durigan – coordenador geral da FVA, comunicação pessoal em fevereiro de 2006). Segundo o planejamento, de longo prazo, do Programa de Alternativas Econômicas da FVA, o Projeto Fibrarte, temporariamente extinto, se expandiria para outras comunidades com vistas à aglutinação da produção de artesanato no Rio Negro, através de uma sede de comercialização em Manaus, sob supervisão da FVA. A experiência com a AANA torna-se fundamental neste processo de repasse de conhecimentos adquiridos e lições apreendidas 132 .

2.2 Atividade de manejo nos igarapés da Comunidade do Sobrado Ainda com intenção de realizar um perfil histórico de intervenção da FVA no trabalho de assessoria técnica para a AANA, e assim, descrever parte do próprio desenvolvimento interno do grupo, é fundamental destacar também o processo de implementação do manejo de arumã, desde o ano 2000 até o presente momento. Em relação ao direito de uso sobre os recursos naturais por povos e comunidades locais, a situação de Novo Airão é crítica. As famílias das artesãs da AANA costumavam coletar arumã nas ilhas da ESEC Anavilhanas, localizada em frente a sede do município. Nessas ilhas não é permitido o acesso ao uso de recursos naturais na localidade. Várias famílias foram transferidas para Novo Airão, uma vez que não poderiam permanecer nas áreas delimitadas como Estação Ecológica; uma das categorias de Unidades de Conservação mais restritivas. Após vários conflitos com o IBAMA, o trabalho de manejo, realizado por mim, como técnica da FVA, juntamente com a AANA, se inicia em setembro de 2000 133 . O primeiro resultado desta negociação foi a elaboração de versões preliminares do Plano de Manejo de Arumã, da espécie Ischnosiphon polyphyllus 134 , em áreas situadas fora do limite de abrangência da ESEC Anavilhanas. Os locais de manejo localizam-se numa Área de Proteção Ambiental (APA) da margem direita do Rio Negro (Anexo 11), nos arredores da Comunidade do Sobrado, a 19 km de Novo Airão ou quatro horas em motor de rabeta. Os igarapés selecionados foram, 132

Esse projeto está em expansão, iniciando pequenas atividades, segundo Fabiano Lopez da Silva em novembro de 2006. 133 O trabalho de assessoria técnica da FVA ao projeto de implementação do manejo de arumã teve o apoio financeiro do “Projeto Sinergia”, entre setembro de 2000 e julho de 2003. 134 Processo n0 0 2005.003570/00-38 MMA/IBAMA – SUPES/AM, 13/NOV/2000; Processo n0 0 2005.002322/01-41 MMA/IBAMA – SUPES/AM, 01/JUN/2001.

91

Dinheiro, Sucurijú, Dinheirinho e Água Branca; os dois primeiros são afluentes do igarapé do Sobrado e os dois últimos subafluentes do igarapé Dinheiro 135 . As áreas dos arumanzais nos igarapés distanciam-se, de 3 a 5 quilômetros, do igarapé Sobrado. O igarapé Água Branca não estava, inicialmente, no planejamento enviado ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) em junho de 2001. Portanto, os igarapés licenciados oficialmente para manejo, no ano de 2002 foram: Dinheiro, Dinheirinho e Sucurijú 136.. Com base nas informações sobre a ecologia de arumã somado aos conhecimentos de coletores e artesãs experientes foram mapeados os sítios de ocorrência nos igarapés do entorno de Novo Airão (Anexo 10). E também determinados os critérios iniciais para a extração de talos. No entanto, somente alguns igarapés foram identificados como possíveis áreas de manejo, pois, dispunham de fartura de arumã. Os coletores selecionaram os igarapés da comunidade do Sobrado para iniciar o trabalho, pela sua localização, próxima a Novo Airão e por conhecerem melhor tais arumanzais (Nakazono, 2000, op cit.). Após uma reunião entre a diretoria da AANA e a comunidade do Sobrado, as primeiras atividades extrativas se iniciam em outubro de 2000, nos igarapés Dinheiro e Dinheirinho. Como vemos vários fatores são considerados para avaliarmos a capacidade de manejo numa região: distâncias da comunidade produtora, o tamanho e a profundidade do canal do igarapé para transporte e coleta, além da quantidade de arumã disponível efetivamente. Uma pequena quantidade de touceiras não compensa o alto custo de implantação do sistema de manejo. A permissão de uso dos locais selecionados para manejo em APA, pelos órgãos ambientais responsáveis, e também em Área de Preservação Permanente (APP), como é o caso dos igapós, se deve ao fato desta atividade ser realizada em pequena escala, como atividade de cunho socioeconômico não-predatório. Porém, decorridos quatro anos do vencimento da Licença de Operação para o manejo local de arumã, a AANA não tem conseguido renová-la por motivos burocráticos 137 .

135

As áreas delimitadas para o manejo compreendem as seguintes áreas: Dinheiro – 15,87 hectares; Dinheirinho – 12,62 hectares; Sucurijú – 6,4 hectares; Água Branca – 6,4 hectares. 136 Diário Oficial 02 de Setembro de 2002. Licença de Operação N 226/03 - IPAAM; Of. N0 1013/2002DIEF/IBAMA/AM. 137 Em 2006, na última viagem de técnicos do IPAAM para vistoriar os locais do manejo, surge uma nova demanda para a AANA. Para a autorização, a AANA deve garantir que a área utilizada não é propriedade privada. Este documento deve ser obtido junto ao Instituto de Terras do Amazonas – ITEAM, em Manaus. Há

92

Além disso, a relação entre AANA e a comunidade do Sobrado tem ocorrido com certa tensão nas negociações de uso dos igarapés. No início da atividade, apenas um morador se posicionara contra a extração de arumã 138 . Posteriormente, forma-se a Associação de Produtores e Agricultores da Comunidade do Sobrado – APACS. De início, pouco organizada 139 . Dentre outros conflitos, o presidente à época, favorável ao manejo da AANA, deixa o cargo. Com uma nova diretoria, apoiada pelo então Prefeito de Novo Airão 140 , as coisas se complicam. Para encaminhar tais demandas, várias reuniões e acordos, entre a comunidade local e as associações foram realizadas. Nesses acordos estabeleceu-se que um membro da comunidade ou mais teriam que participar das atividades de monitoramento anuais e também da coleta de arumã, sob responsabilidade dos coletores da AANA, o que se iniciou por volta de 2003. Em parte, tal iniciativa ameniza os conflitos que, geralmente provinham de brigas internas da comunidade. Outro fator que parece ter influenciado, positivamente, nas negociações foi o fato de Carlito F. dos Santos e outros membros de sua família, como a família de seu irmão e de seu sobrinho, abrirem áreas de roçados na comunidade do Sobrado para o plantio de mandioca. Conseqüentemente, se tornaram sócios da Associação da comunidade. Mesmo com todos esses arranjos, cuja intenção era garantir a coleta sustentável pela AANA, a comunidade passa a criar sucessivos obstáculos ao uso de arumã local. Nos últimos acordos estabelecidos em reuniões, em 2006, a comunidade do Sobrado passa a cobrar uma porcentagem sobre a coleta de arumã. Do valor total de feixes coletados para as artesãs da AANA, metade fica com o coletor da comunidade do Sobrado que participou da coleta.

meu ver, uma exigência burocrática e descontextualizada, no que se refere às formas coletivas e associativas de uso em questão. 138 Esse morador possui área de roçado no igarapé Dinheiro. Por essa razão, dentro dos limites das áreas de extração determinadas pelos coletores, deixou-se uma margem entre as áreas de extração e as áreas de roçado do morador para garantir o acesso do mesmo sem afetar as áreas manejadas. 139 A Associação foi formada com apoio irrestrito do prefeito Luis Carlos de Matos Areosa (PL). Este, também incentiva a comunidade do Sobrado a estabelecer-se na beira do Rio Negro, motivando o deslocamento de moradores dos igarapés centrais para a margem. Talvez pela pouca legitimidade, desde sua criação, a Associação tem tido sérios conflitos que refletem divergências políticas entre os sócios. 140 O prefeito Areosa, quando assume a prefeitura em 2000, tenta se apossar do terreno onde está situada a sede e Central de Artesanato da AANA, em Novo Airão. No período, as artesãs receberam “recados”, como o relatado: “ameaçaram entrar com trator caso a gente não quisesse sair”. Em parceria com os técnicos da FVA, a AANA solicita uma reunião com o prefeito para esclarecer o episódio. A reunião não acontece, mas, ameaças cessam. O terreno fora doado pelo prefeito anterior, Wilton Pereira dos Santos (PSDB) para a construção da Central de Artesanato da AANA.

93

Conforme informação obtida com Elzilene B. da Silva, em fevereiro de 2007, as artesãs da AANA desistem de garantir seu acesso às áreas da comunidade do Sobrado, devido aos impedimentos criados pelos moradores 141 . Isto decorre, possivelmente, do interesse da comunidade em cobrar taxas altas da AANA pela atividade de manejo nos igarapés.

2.2.1 Mudanças nas formas tradicionais da coleta de arumã Como vimos, a AANA inicia o manejo de arumã na tentativa de conciliar conservação e uso continuado deste recurso com autorização legal de acesso aos locais de extração e a partir de uma demanda de produção e comercialização do artesanato de tupé e jogos de mesa 142 . Os critérios de extração de arumã foram formulados segundo dados científicos preliminares somados às informações técnico-empíricas dos coletores e artesãs. Neste contexto, o manejo visava à conservação dos recursos disponíveis e criação de elementos para a avaliação da capacidade de suporte do empreendimento, uma vez que não havia resultados disponíveis na bibliografia sobre a ecologia da espécie. Entre os anos de 2000 a 2007 o manejo foi conduzido por coletores e artesãs da AANA com vistas à exploração do recurso e manutenção contínua da produção. Como parte da atividade de monitoramento anual foram realizados os estudos de acompanhamento, como os da presente pesquisa, para analisar a viabilidade do sistema adotado 143 . As primeiras coletas foram animadoras, quando foram extraídos cerca de 23.000 talos de arumã, nos dois primeiros anos (Anexo 4). Na implantação das atividades de manejo de arumã, dois objetivos estavam em pauta. O objetivo da AANA era garantir a obtenção de matéria-prima, sem repreensões por parte do IBAMA. Para a FVA, o objetivo era propiciar para a AANA uma estratégia adequada de sustentabilidade para a produção do artesanato de tupé, sem afetar, o ecossistema manejado. Sendo assim, a FVA mostrava maior interesse nos resultados da pesquisa, do que a AANA. Nesse sentido, a FVA, sempre arcou com os custos dos procedimentos relativos à pesquisa,

141

Nesse mesmo período, eu havia enviado um relatório preliminar para FVA e AANA, sobre os resultados do manejo de arumã a partir de 2000; resultados ora apresentados nesta tese. Com o apoio técnico de Ignacio Oliete Josa, recém-contratado pela FVA, artesãs e coletores buscam novas áreas para coleta na comunidade do Rio Puduari, distante cerca de oito horas, em motor de rabeta, de Novo Airão. Essa grande distância aumenta os custos da atividade de coleta nos igarapés. 142 Duas artesãs e um artesão produzem exclusivamente com fios de cipó-ambé, Philodendron sp., Araceae. Disso surgiram os primeiros conflitos, devido à ênfase dada ao arumã, em reuniões e planejamentos da AANA. 143 Nos primeiros anos de trabalho houve várias correções sobre a metodologia de demarcação das áreas. Também foram efetuados os ajustes necessários, identificados durante as coletas de arumã.

94

como o levantamento de densidade de arumã nos locais selecionados, viagens de demarcação inicial e de monitoramento anual 144 . Em atividades de monitoramento, a AANA cede, como contrapartida, o barco da Associação. Tais atividades serviam também como capacitação para coletores e artesãs 145 . Ao longo dos anos, a permanência e a capacidade de Carlito F. dos Santos (46 anos), o torna coletor responsável pelas atividades 146 . Da mesma forma, Elzilene Barbosa da Silva, responsável pelo manejo na AANA, cumpre a função de registrar os dados em campo, fato que a capacita para ensinar outras artesãs. Em todas as atividades de monitoramento, a presença de ambos Carlito e Elzilene se torna imprescindível, pois, eles detêm um conhecimento aplicado que serve agora, ao aprendizado de novos coletores e artesãs. Durante as coletas de arumã e atividades de monitoramento, as artesãs não se dispunham a participar e acompanhar as viagens (Cf. Anexo 4). Já entre os homens, havia a participação de outros coletores interessados, assim como, de dois membros da comunidade do Sobrado, segundo acordo firmado entre AANA e comunidade 147 . As relações internas entre famílias podem ter influenciado a permanência de Carlito nesta atividade, somado ao seu interesse pessoal, observado desde as coletas iniciais em Anavilhanas, realizadas à época pelas famílias (Nakazono, 2000, op.cit.). Carlito é marido de Maria Derli Clemente dos Santos, oriunda do grupo familiar “Clemente”, historicamente interessado nas ações, como veremos nos itens 4 e 5. Nos anos posteriores, entre 2005 e 2006, Rubem F. dos Santos e Francisco Alberto A. da Silva participam, mais efetivamente, deste trabalho, como coletores da AANA e parceiros de Carlito. Os dois coletores novatos também 144

Dentre os custos estavam previstas diárias de campo para coletores e artesãs envolvidos. As diárias, principalmente, para os coletores homens e chefes-de-família, serviam para garantir alguma renda, na ausência dos serviços cotidianos, visto que as viagens demandavam uma ausência de até 10 dias, nos quatro igarapés selecionados para o manejo. 145 Referente ao processo de capacitação de artesãs e coletores da AANA, elaborei dois cursos etnoecológicos com ênfase ao manejo de arumã. Os cursos se baseavam em duas etapas teóricas: a primeira em agosto de 2002, envolve 10 sócias e coletores. A segunda, em janeiro de 2005, envolve 15 sócias e coletores, além de nove membros da comunidade do Sobrado. Houve também uma etapa prática de campo, em janeiro de 2003 que reúne 10 artesãs e coletores. Todas essas atividades foram financiadas pela FVA, não tendo as artesãs e coletores nenhum tipo de custo com as mesmas. 146 Ao longo desse período, dois maridos de artesãs provindos de outros grupos familiares, Valdecir Mores do Nascimento (45 anos) e Moisés de Jesus Barbosa (42 anos) também coletaram arumã para a AANA. Valdecir participou como coletor entre outubro de 2000 e janeiro de 2001 e entre fevereiro de 2003 a abril de 2004. Valdecir saiu do trabalho em 2004 porque foi trabalhar como fiscal em empresa que presta serviço terceirizado ao IBAMA. Moisés participou de setembro de 2001 a fevereiro de 2002. 147 Até o ano de 2006,uma pessoa da comunidade do Sobrado, Eugênio Saraiva de Almeida, já era capaz de atuar como coletor. Porém, por conflitos internos na comunidade, tal pessoa abandonou o trabalho.

95

têm relação com os “Clemente”. Rubem é irmão de Carlito, casado com Sônia Clemente Martins, sobrinha da esposa de Carlito. Sônia também é responsável pelo manejo na AANA nas duas últimas gestões. Francisco é sobrinho de Carlito. Em relação às formas anteriores de coleta, o manejo afeta diretamente os hábitos familiares de organização para a obtenção de arumã. Antes, as coletas ocorriam nas ilhas da ESEC Anavilhanas e estavam conjugadas às outras atividades familiares como a pesca. As famílias viajavam para pescar e coletar arumã, em horários planejados para driblar as autoridades fiscais. Com o início do manejo, a coleta passa a ser realizada por coletores individuais e vendida para os produtores, o que possivelmente, contribuiu para agravamento de tensões internas na AANA. As novas formas de coleta de arumã, provavelmente, substituíram, não sem contratempos e “perdas simbólicas”, os costumes e tradições familiares relacionados à produção extrativista local. No entanto, antes de outubro de 2000, a atividade estava praticamente proibida pelo IBAMA, visto que a ESEC Anavilhanas é uma das categorias mais restritivas, entre as unidades de conservação de proteção integral. “(...) a coleta de arumã era escondida e dificultosa devido à preocupação com o IBAMA, pois a gente sabia que era uma área preservada” (Artesã da AANA – Cezarina Ribeiro Fragoso, 2004).

No que concerne às políticas públicas do município, pouco tem sido o apoio local às atividades da AANA. Além disso, existem rivalidades locais entre famílias tradicionais na região que disputam o poder no município. O prefeito Wilton Pereira dos Santos, família que permaneceu no poder das prefeituras por mais de 10 anos, foi quem cedeu o terreno para a construção da AANA. O prefeito Luis Carlos Areosa, que permaneceu na prefeitura de 2000 a 2005, rivalizou diretamente com a AANA, tentando até, tomar posse do terreno da Central de Artesanato 148 . Diante disso, percebemos que existem várias instâncias nas relações de poder local que atuam no favorecimento ou criando obstáculos ao desenvolvimento do artesanato das artesãs. A FVA também toma posturas contrárias a essas elites, uma vez que incentiva a

148

O Prefeito Wilton Pereira dos Santos (PSDB) retorna ao poder na eleição de 2004, na qual foi reeleito. No entanto, sua gestão anterior estava envolta em problemas burocráticos e processos jurídicos que deveriam ser julgados para sua nova posse em 2005. Após uma série de brigas, verbais ou mesmo com confrontos armados entre moradores de Novo Airão pela disputa de poder entre os dois prefeitos, o antecessor Luis Carlos de Matos Areosa (PL) e o atual eleito, Wilton finalmente toma posse em meados de 2005.

96

formação política desses agentes sociais, apoiando também, o direito de permanecerem residentes dentro do Parque Nacional do Jaú. A Associação tem mostrado sua inserção e capacidade em lidar com a execução de uma atividade extrativista independente das formas dominantes de poder locais, respaldada, atualmente, pela legislação ambiental em vigor e autorizações necessárias. A partir desta base de ação, a AANA passa a negociar novas áreas para estoque natural de arumã com comunidades mais distantes de Novo Airão. Desse modo, transmite e expande o conhecimento adquirido junto aos novos atores sociais e beneficia as comunidades locais através destes saberes e práticas. “A proibição do IBAMA de coletarem nas Anavilhanas, impôs a procura de outras ocorrências de arumã. Em decorrência os agentes sociais estão ampliando a duras penas seus conhecimentos sobre os recursos naturais e sobre a região. Isto ocorre num instante em que estão consolidando seu modus vivendi em múltiplos planos de afirmação: na produção, na comercialização, nas formas de organização, na vida política da cidade e no âmbito das competências e dos saberes práticos” (Almeida 2001; pág. 3).

2.2.2 A formação do grupo de coletores da AANA Com a recente disposição de papéis dentro da AANA, onde coletores, geralmente, maridos das artesãs, passam a coletar o arumã para outros núcleos familiares, inicia-se um novo modo de organização entre artesãs e coletores. Esse, caracteriza-se pelo controle e domínio recente, a cargo da AANA, sobre a atividade extrativa, formas de coleta e quantidade de arumã demandada. Trata-se de um trabalho coletivo que ocasiona mudanças, tanto nas relações sociais entre as sócias, como nas formas produtivas já estabelecidas (Tabela 1). Atualmente, a obtenção da matéria-prima adota critérios de manejo formais em consonância com a legislação em vigor e órgãos responsáveis.

97

Tabela 1. Mudanças na atividade extrativa de arumã: implicações sobre a organização social e econômica da AANA e na qualidade de matéria-prima. MANEJO ARUMÃ Forma de coleta Deslocamento: tempo e dificuldades

ANTES Familiar Um dia; algumas ilhas são mais próximas de Novo Airão.

Critérios de extração "antes era rápido, agora tem que prestar e manejo de arumã atenção, na quadra que tem que entrar" (Carlito F. dos Santos, 2003).

Corte dos talos

DEPOIS Individual por coletores Geralmente de três a quatro dias; “tem que limpar o igarapé,(...) no igarapé é mais perigoso, subir e descer o igarapé é mais difícil devido à correnteza” (Moisés de Jesus Barbosa, 2002). Corte de 50 % dos talos maduros da touceira e coleta de um "olho" por touceira; "tira a metade da touceira, não tira tudo, para garantir o futuro" (Rubem F.dos Santos Filho, 2003).

Corte baixo: "quando corta rente ao chão, Corte alto, a 30 cm do solo: "se deixa 30 cm de mete a ponta do terçado e ofende os outros, é arumã só seca isso e não ofende os outros" a mesma coisa que a maniva (rama da (Carlito F. dos Santos, 2002). macaxeira), se corta a batata, matou a maniva, se corta baixinho morre tudo" (Carlito F. dos Santos, 2002).

Período de extração Eventualmente, também ocorria na cheia: "se As coletas só acontecem no período de seca dos corta o arumã dentro da água o toco rios, por volta dos meses de setembro a maio. apodrece e a touceira morre” (Carlito F. dos Santos, 2002). Disponibilidade do recurso

Mais disperso: "a dificuldade nas ilhas é que Concentrado: a área do arumanzal é facilmente tem que procurar mais, é uma touceira aqui, definida. outra lá..." (Valdecir Moris do Nascimento, 2001).

Quantidade de arumã

Média de 300 talos maduros por pessoa, Média de 1500 talos maduros por viagem de variando de 200 até 1.000 talos coletados em coleta (n = 32; min.: 700 e max.: 11.000); um dia (Nakazono, 2000, op.cit.). olho: média de 147 (min.: 0 e max.: 705).

“O arumã das ilhas é mais grosso, mais flexível, com a cor mais bonita (...) o queimado é igual, tem tanto nas ilhas como Qualidade de arumã no igarapé” (Valdecir Moris do Nascimento, 2001).

Ocorrência de muito talo maduro fino: artesãs reclamam muito desses talos, que conseqüentemente interferem na qualidade da produção. Esses também são mais curtos em comprimento.

"Antes era arriscado ser pego, pegava escondido..." (Moisés J. Barbosa, 2002). “Antes não tinha controle, agora tem... antes eu tirava nas ilhas, aqui, lá... Porque antes não tinha o manejo, tinha o manejo de acabar e não de preservar. Se não tivesse a pesquisa, a gente ia acabar com tudo; não tinha o manejo, chegava e tirava o abraço, Controle do processo trazendo tudo” (Carlito F. dos Santos, 2002). extrativo de arumã

Licença de Operação concedida pelo IPAAM; Reuniões e acordos com comunitários locais. “O trabalho do manejo de arumã é manejar o arumã para não acabar, tem o grupo de coletor certo para tirar o arumã, tira a metade... se for outro grupo não vai saber como é o manejo” (Carlito F. dos Santos, 2002); “Preenchimento de ficha – após a coleta é feito um preenchimento de fichas para melhor controle do manejo”; “Monitoramento – trabalho acompanhado pelo especialista onde é feito o levantamento de talos maduros, olhos, brotos, enfim, o desenvolvimento da touceira de arumã” (Depoimentos obtidos no curso de manejo:

Uso e direito de propriedade

98

artesãs e coletores, 2005).

Consciência ecológica

“Antes não havia a preocupação com a conservação, agora tem essa preocupação, que é bom deixar, para que os nossos filhos saibam que o nosso trabalho é esse” (Depoimento obtido no curso de manejo: artesãs e coletores, 2005).

“Assim como tem o manejo da farinha, tem o manejo de arumã; a gente faz o manejo de arumã para que ele não se acabe”; “O igarapé é como um terreno nosso, para que a gente zele e cuide para a gente mesmo” (Depoimentos obtidos no curso de manejo: artesãs e coletores, 2005).

Formação política e Havia muito medo do IBAMA. relação com Instituições locais

“As pessoas percebem agora que o manejo serve muito, há muita diferença entre hoje e antes, está crescendo o contato com o IBAMA” (Depoimento obtido no curso de manejo: artesãs e coletores, 2005).

Trabalho do grupo Apesar da coleta de arumã ser uma atividade coletor - Questão de predominantemente masculina, tal atividade não era reconhecida no âmbito geral da gênero AANA.

Divisão do trabalho por gênero e reconhecimento do papel masculino na atividade: “O manejo foi muito bom para os esposos, que tiveram a oportunidade de trabalhar dignamente no arumã” (Depoimento obtido no curso de manejo: artesãs e coletores, 2005).

O grupo de coletores está organizado com a coordenação de um coletor responsável e um ou dois ajudantes para recolher os talos de arumã cortados. O coletor detém o conhecimento técnico sobre as formas de coleta e áreas disponíveis para a extração. O ajudante pode ser uma pessoa contratada pelo coletor. Geralmente, uma viagem para coleta de arumã dura, em média, quatro dias para os igarapés da comunidade do Sobrado. Dois dias para a viagem e montagem do acampamento e dois dias para a extração dos talos. Dois coletores assumem a atividade de coleta dos talos, acompanhados de seus auxiliares. Os custos da “nova forma” consistem nos seguintes itens para os coletores: utilização de uma canoa grande ou duas canoas menores, óleo diesel para o motor da canoa, alimentação, terçado ou facão, bota de borracha, fitas e cordas coloridas para demarcação das quadras coletadas (Anexo 12). Há também riscos consideráveis com possíveis picadas de cobras e outros acidentes e doenças, já mencionados no Capítulo I. A princípio, não houve resistência quanto às formas “conservacionistas” de extração do recurso, como a possibilidade de corte de apenas metade de arumã disponível, nos locais de coleta. A resistência, por parte das artesãs, deu-se em relação à nova taxa a ser paga para obter a matéria-prima e à qualidade inferior do talo de arumã nos igarapés. 99

Após varias reuniões com os coletores, ficou estabelecido o seguinte acordo. Os coletores devem ser sócios da AANA 149 ; são responsáveis pelos custos da viagem de coleta, inclusive pelo pagamento de diárias para os ajudantes; são responsáveis também pelo trabalho nas áreas de manejo, além de manter o devido controle sobre os locais que já foram utilizados. Quanto às artesãs, estas devem pagar pelo feixe de arumã, composto por cem talos maduros 150 . A AANA paga o montante total de arumã demandado por cada artesã aos coletores e as artesãs, por sua vez, ressarciam a AANA na entrega de seus produtos. As implicações do manejo sobre a atividade da AANA são várias. Em termos da produção e comercialização do artesanato, tem se tornado importante manter o padrão de qualidade e atender a demanda. Com o manejo de arumã fatores qualitativos que orientam a escolha da matéria-prima foram alterados, o que resulta em mudanças nas formas de produção e comercialização, como a coleta de talos maduros mais finos. Segundo artesãs, se os talos forem finos, para a confecção das medidas padronizadas do tupé, é necessário aumentar cerca de cinco talos. Isso decorre porque as talas tornam-se mais finas. Outra dificuldade é que esses talos também são mais curtos em comprimento, inviabilizando a maximização na produção; com talos maiores e grossos é possível confeccionar tupés com tamanho superior a um metro quadrado. A forma de maximizar os talos finos foi o maior aproveitamento das pontas para fazer jogo de mesa. Em relação ao reconhecimento do papel dos maridos na atividade extrativa, o manejo favorece esse aspecto e torna o marido membro do grupo. As relações com o IBAMA também são harmonizadas, e o produto da AANA é amplamente reconhecido pelo mercado. Conforme as artesãs, tanto em feiras e eventos quanto na visita de estrangeiros e turistas de outros estados que visitam a Central, as perguntas mais freqüentes são relacionadas a sustentabilidade extrativa das plantas.

“(...) eles (consumidores) não se importam em pagar mais caro pelo artesanato se falamos do trabalho do manejo” (Rock Elania, setembro de 2003).

149

Em fins de 2001, a AANA adota como regra que os coletores devem ser associados. Quatro “maridoscoletores” já se associaram ao grupo. 150 Em janeiro de 2004, um feixe custava R$ 12,00 reais. A partir do ano de 2006, o feixe passa a valer R$ 15,00 reais.

100

2.3 Breves conclusões sobre o histórico de formação da AANA Com base nesses fatos, tentei introduzir parte do histórico de formação da AANA e sua relação com a FVA ao longo dos anos. A partir dessa primeira abordagem é possível avaliar algumas implicações sobre as formas de intervenção. Desde a formação desta Associação, as artesãs têm obtido resultados importantes, em relação à capacidade de articulação como entidade autônoma, na gestão de seu empreendimento, embora sempre assessorada pela FVA. Cabe ressaltar que algumas intervenções ocorreram sem levar em consideração a temporalidade das artesãs na formação do grupo. Parte do problema se reflete na forma de criação da Associação, cujo intuito inicial era o de regularizar os trâmites burocráticos de repasse dos recursos financeiros e não representar, de fato, as artesãs locais. As ações iniciais dificultaram ainda mais o trabalho posterior dos técnicos da FVA, que sob a perspectiva interdisciplinar, precisavam dar conta dos equívocos causados. Também pôde ser verificado, pela equipe do projeto Fibrarte, durante a assessoria do antropólogo Alfredo Wagner B. de Almeida, pontos conflituosos neste processo da mediação. Dentre estes, destaco: 1) a formação da AANA em dissonância com os interesses das artesãs, não respeitando o tempo de formação do grupo recém-formado para administrar os cargos burocráticos de uma associação; 2) a ausência de um foco central no trabalho de intervenção da FVA junto à Associação 151 , 3) a ONG não considera, em suas ações, o contexto político da região, o que inviabiliza a identificação de possíveis agentes sociais interessados, a avaliação de instituições competidoras e das elites dirigentes 152 , 4) carência de instrumentos para caracterização dos agentes sociais da AANA. De qualquer modo, apesar dos obstáculos enfrentados por ambas as instituições, em toda a atuação da FVA junto a AANA e, com o aprendizado gerado pela relação, bons

151

O histórico do sistema de aviamento que se configurou por muitos anos na Amazônia, a partir do controle político do patrão através do endividamento da clientela, “aponta riscos de uma ONG que se implanta numa área através da concessão de crédito e que passa a rivalizar com os poderes locais ou a disputar com eles o acesso a recursos financeiros; capital é sempre uma relação social e não deve ser confundido com o montante de recursos monetários” (Almeida, 2001, op.cit., p. 19). Segundo Chaves (2003, op.cit.) há pouca relação entre AANA, Prefeitura local e outras instituições estaduais de financiamento. 152 Técnicos mais antigos da FVA ressaltam que os enfrentamentos locais, ocorriam de forma velada, sutil, entre as duas entidades e representantes ou familiares do prefeito à época (que permaneceu no cargo por dez anos até 2000). Conforme Almeida (2001, op.cit. p. 27), a ação mediadora pressupõe antagonismos e pode reunir uma multiplicidade de posições e distintos critérios de agrupamento. Cabe, portanto, aos envolvidos, identificar as influências externas. No caso da AANA, por exemplo, esta representa um forte contraponto ao clientelismo reinante na política partidária regional, muitas vezes paternalista, pois não depende de recursos municipais.

101

resultados deram-se na organização social do grupo, como a conquista de um patrimônio associativo. Representados em coletivo, a autodefinição como artesãos, propicia uma identidade legítima, publicamente reconhecida e respeitada, que se equipara às demais e as confronta, ao contrário da classificação no estado individual “artesão”, de conotação “menor” (Almeida, 2001, p. 3). “A intervenção da FVA, em certa medida, reconheceu implicitamente este potencial de existência coletiva e tenta formalizá-lo na implementação da associação. Através da construção da sede e da comercialização e da feira tem-se manifestações desta formalização. Em suma o trabalho reconhece um processo de emergência de novos sujeitos sociais em curso e que não é específico desta região do Rio Negro, já que desde 1985, com o advento do Conselho Nacional dos Seringueiros, vem sendo disseminado por toda a região amazônica” (Almeida, 2001, p. 3).

Em termos de mercado, a FVA teve papel fundamental para tornar o artesanato da AANA reconhecido e valorizado, um produto de alta qualidade e de caráter socioambiental; autorização legal para uso de arumã em condições inovadoras e experimentais de manejo. Ao mesmo tempo, trouxe ganhos significativos na renda familiar das artesãs, possibilitando às mesmas, autonomia e capacidade de decisão nos grupos domésticos. Porém, apesar dos locais de manejo estarem delimitados na APA da margem direita do Rio Negro, os igarapés estão localizados dentro da área da comunidade do Sobrado, acarretando em conflitos de uso dos locais. Mesmo não utilizando o recurso arumã, os moradores da comunidade sentem-se prejudicados com a atividade de extração desse recurso em “suas terras”. Em contraposição, exigem retornos financeiros através da cobrança de uma porcentagem sobre o total arrecadado pelo grupo de coletores em cada coleta. Também exigem, que um coletor dessa atividade seja da comunidade 153 .

153

Essa situação retoma a discussão do dilema dos bens comuns, e sua repartição. Sem respaldo legal para coletarem em outros locais, como por exemplo, em Anavilhanas, e sem apoio das entidades públicas de Novo Airão, como da prefeitura, a situação da AANA fica sem reconhecimento e base de ação mais consolidada. Com apoio político para basear os acordos de uso, poderia se minimizar os conflitos. Ao contrário, com a proibição de uso em UCs de uso indireto, percebe-se o aumento de atividades clandestinas que não possuem bases exploratórias apropriadas, com vistas a sustentabilidade, como a pesca predatória, atividade madeireira, retirada de cipó titica, caça de animais silvestres, entre outras. Essas formas, geralmente, não trazem retornos econômicos justos aos moradores da comunidade, uma vez que são meros extratores que repassam a mercadoria para comerciantes locais ou dos grandes centros urbanos.

102

As formas tradicionais extrativistas de arumã se configuravam em viagens familiares, conjugadas a outras atividades econômicas, como a pesca e coletas de outros PFNMs para consumo familiar. Com o manejo é necessário pagar pela matéria-prima, além de depender do grupo de coletores para a extração de arumã. Esses coletores correspondem a alguns maridos de artesãs, preferencialmente, da família Clemente, onde Carlito F. dos Santos, marido de Maria D. Clemente, assume total responsabilidade pela atividade do manejo e coletas de arumã. Tal configuração torna o papel do marido não mais restrito às atividades econômicas domésticas de seus parentes, mas estende-se a outros grupos familiares. A relação perpassa então, por outras formas de poder dentro da Associação, onde as artesãs representantes do grupo familiar dos coletores, podem se beneficiar, primeiramente, com a obtenção da matériaprima, em termos de quantidade e qualidade 154 . Se essas formas de obtenção do recurso não estiverem reguladas por normas internas bem definidas, corre-se o risco de criar relações desiguais na produção do artesanato da AANA, isto é, se interesses individuais transporem os interesses coletivos. Isso implica em aumentar os conflitos internos entre membros do grupo, uma vez que se coloca em xeque o capital social existente entre as artesãs e familiares, no que se relaciona a valores de reciprocidade, igualdade e confiança, que são necessários à noção do cooperativismo local 155 . As novas formas econômicas que surgem, a partir da venda de arumã, cria uma base econômica heterogênea entre associados da AANA. Esses aspectos, em conjunto com os obstáculos legais de uso dos recursos no município de Novo Airão e seu entorno, somam-se às dificuldades enfrentadas pelo grupo na busca de autonomia e desenvolvimento do empreendimento artesanal. Por outro lado, antes do manejo, a atividade extrativa era bastante dificultosa, pois sempre se corria o risco de ser autuado pelo IBAMA, além da conotação pejorativa de “ladrão” de arumã, conforme relatado várias vezes pelas artesãs, ...“quando a gente roubava em Anavilhanas...”. 154

A maior participação dos homens na diretoria da AANA se dá através de mais uma autodefinição no trabalho do artesanato, o trabalho do coletor. Uma vez assumido em coletivo, se reconhece publicamente o papel da família no processo produtivo, que estava configurado nas coletas familiares realizadas antes da formação do grupo de coletores. Contudo, atenção deve ser dada a essas novas formas econômicas que se estruturam internamente. Cf. Almeida (2001, p. 4), em relação ao manejo de arumã: ...“Compreende um trabalho socialmente determinado no âmbito da AANA e enquanto tal é cercado de dubiedades e de oscilações, pois a lógica da produção familiar não consegue ser deslocada essencialmente pelo aspecto comunitário ou cooperativo da atividade. Uma tensão constante marca as relações entre os coletores e entre estes e a AANA”. 155 O “tradicional” que se manifesta em coletivo e se fortalece enquanto grupo, uma vez que anseia por objetivos comuns; conforme caracterizadas as populações tradicionais na atualidade.

103

Após a saída dos técnicos da FVA, no trabalho do Projeto Fibrarte, a partir de 2003, a relação entre FVA e AANA, alcança certo equilíbrio, apesar das rupturas e desavenças. Restam ainda alguns conflitos e questões a serem resolvidos quanto à gestão do empreendimento. Sem a presença ostensiva dos técnicos, as artesãs descobrem formas próprias para gerir o empreendimento. Fica claro também porque determinadas famílias se sobressaem, de maneira diferenciada, com a produção do artesanato. Tais aspectos serão abordados no próximo item, onde as dificuldades de autonomia das artesãs na gestão da Associação começam a ser explicitadas a partir de um maior distanciamento dos técnicos da FVA.

3. O “novo momento” de gestão da AANA Tendo como pano de fundo o histórico de formação da AANA, descrito anteriormente, destaco agora, alguns aspectos marcantes da atuação desta Associação, após os novos acordos de parceria com a FVA. Entre os anos de 2003 e 2007, a Associação passa por diversos conflitos e tensões que deixam a AANA fragilizada e prestes a se desconstituir. Apesar da brusca separação com a FVA decorrente dos contextos mencionados, pudemos perceber, pela primeira vez, um rearranjo nas ações e papéis, além de uma definição mais clara sobre as formas predominantes de organização 156 . Ao final do ano de 2003, se estabelece uma nova diretoria composta pelas artesãs (o) e coletores: 10 Presidente – Manoel Marcelino Oliveira, 20 Presidente – Antônia Batista; 10 Tesoureiro - Rock Elania Chaves da Silva, 20 Tesoureiro – Elzilene B. da Silva; 10 Secretário Alcione Freitas dos Santos, 20 Secretário – Sônia Clemente; Conselho Fiscal - Carlito Freitas dos Santos, Maria Erinildes S. de Oliveira e Valdecir M. do Nascimento. A artesã Rock Elania esteve afastada por dois anos da AANA, retornando em 2002 e assumindo o cargo de tesoureiro em 2003.

156

Nesse mesmo período, ao final de 2003, cerca de oito artesãos de Barcelos saíram da AANA. Houve novos conflitos causados pelo sumiço de produtos de Barcelos, enviados para a Associação, em barco de linha regional. Associado a isso, as artesãs da AANA questionavam o envolvimento dos sócios de Barcelos, uma vez que moravam em outro município. Com a saída desses, a AANA perde boa parte de produção de tupé e de outros artesanatos de primeira qualidade.

104

Nessa configuração, vale destacar quem são essas pessoas, a fim de facilitar as análises posteriores. Alcione é irmão mais novo de Carlito, o coletor principal da AANA; Sônia é sobrinha de Maria Derli que é esposa de Carlito; e Valdecir, marido de Cezarina F. Ribeiro. Nesse momento, Valdecir estava trabalhando como coletor junto de Carlito. Com exceção de Alcione, Carlito e Valdecir, todos são artesãos da Associação desde sua fundação. Cabe ressaltar também, que Manoel mais uma vez é “colocado” na função que nenhuma das artesãs querem assumir. Mas Manoel é condescendente com a maioria, o que facilita a sua administração. E nesse momento, está bastante próximo de Rock Elania, que retorna à Associação cheia de disposição 157 . Devido a sua formação como professora, as artesãs sentiam-se mais confiantes com o serviço da Associação após o retorno de Rock Elania, uma vez que estavam sem o apoio direto dos técnicos da FVA 158 . A maior parte das artesãs receava assumir funções na diretoria por não se sentirem capazes, talvez por seu baixo nível de escolaridade 159 . A princípio, a AANA parece ter se reanimado com a nova conjuntura, quando Rock assumiu a presidência já no ano seguinte, em 2004. Porém, com o passar do tempo e, principalmente, na véspera de uma nova eleição municipal ao final do mesmo ano, começaram a surgir novamente conflitos entre as artesãs, insatisfeitas com certas posturas adotadas por Rock que deixavam claras suas intenções políticas no exercício da gestão 160 .

157

Rock Elania C. da Silva inicia o magistério em Novo Airão, no ano de 1999. Entra para a Associação em 1997, assumindo o cargo de tesoureiro por volta de 2000. Fatores implícitos no retorno de Rock podem se relacionar as influências externas no jogo da mediação. Rock Elania possuía uma relação próxima de trabalho com o Prefeito Wilton Pereira dos Santos, quem cedeu o terreno às artesãs para a construção da Central. 158 No ano de 2003, surge um novo técnico da FVA, Delmo R. Vilela como coordenador do Programa de Alternativas Econômicas, para assessorar o trabalho das artesãs. Sua permanência deu-se entre maio de 2003 à julho de 2005. Em meados de 2005, outro técnico passa a acompanhar o trabalho junto a AANA: o coordenador do Programa, Fabiano Lopez da Silva. 159 O processo de liderança formal da AANA parece estar relacionado ao grau de escolaridade. Entretanto, quando se viram sem pessoas voluntárias para candidatarem-se à diretoria da Associação, as artesãs, mesmo analfabetas, assumiram tais funções. Alguns filhos ajudaram as mães para a realização da prestação de contas e preenchimento de cheques. Porém, nessa gestão houve desfalque de recursos (2001). Ao longo dos anos, cerca de cinco artesãs, exímias produtoras, começaram a estudar durante a noite para se alfabetizarem. 160 Mesmo não estando ainda no poder, como Prefeito da cidade, Wilton P. dos Santos repassou à Rock Elania um valor aproximado de R$ 1.000,00 reais para ser depositado na conta da AANA sem consultar antecipadamente as sócias sobre do que se tratava tal montante. Naquele momento, Elzilene Barbosa da Silva, que ocupava o cargo de tesoureiro, solicitou uma reunião com a Presidente Rock para esclarecer tal depósito. As sócias decidiram que o Prefeito deveria enviar um documento escrito e assinado pelo mesmo justificando os objetivos da doação do dinheiro. Como esse documento não foi enviado, as artesãs retiraram o dinheiro do banco e devolveram para a Presidente Rock Elania. Tal fato contrariou a Presidente, que logo depois do ocorrido largou o cargo e se afastou da AANA, não comparecendo mais na Central desde então. Porém, a artesã não se desligou oficialmente da Associação.

105

Somado a essas dificuldades, ainda em 2003, surgiram as primeiras dificuldades de infra-estrutura na central de artesanato. O telhado da central, feito de palha, começou a ter infiltração de água da chuva. Devido ao tamanho da sede, os custos para reparo do telhado eram altos, dificultando sua manutenção. Somente no ano de 2005, com 50% de recursos doados pela FVA e obtidos através do Prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente 161 , em novembro de 2005, a AANA consegue arrumar parte do telhado. No final de 2005, após a saída de Rock Elania da presidência, se compõe uma nova diretoria: Maria Erinildes Silva Oliveira162 toma posse como presidente, uma vez que Antônio Clemente Martins não poderia se candidatar, por estar há mais de cinco anos afastado da Associação. Antônio volta a residir em Novo Airão, após alguns anos morando na região de São Gabriel da Cachoeira e decide retornar para a Associação. Esse artesão fora o primeiro Presidente da AANA e esteve bastante envolvido com a construção da Central de Artesanato. Antônio possui escolaridade básica e sabe estabelecer parcerias políticas. Essa característica auxiliou no processo de doação do terreno pela Prefeitura (Wilton P. dos Santos) para a construção da sede da AANA em 1996, quando foi presidente da Associação. Contudo, Antônio saiu da AANA em 2000 com dívidas de mensalidades e empréstimos altas; fato freqüentemente relatado pelas artesãs nos anos posteriores à sua saída. Outros fatores estão implícitos, na decisão das artesãs em acatarem o retorno de Antônio como presidente da AANA em março de 2006, três meses após a eleição da diretoria 163 . Um desses fatores é a capacidade produtiva do núcleo familiar de Antônio, a “família Clemente”. Esta família se destaca na produção de artesanato de tupé, desde o início da Associação e têm demonstrado bastante interesse na gestão da Associação após o afastamento de técnicos da FVA.

161

A FVA foi premiada em primeiro lugar na categoria organização não-governamental e foi a única entidade amazonense nessa categoria reconhecida também por desenvolver projetos há anos ao longo do Rio Negro. Ver: www.fva.org.br. 162 Maria Erinildes é artesã da AANA desde o ano de 1998. Só havia assumido cargo na diretoria da AANA como membro do conselho fiscal. 163 A posse de Antônio, em março de 2006, foi decidida na ausência da Presidente eleita Maria Erinildes, em viagem para participar de uma feira na região sul do Brasil. Em seu retorno, Maria Erinildes leva um susto com a tomada de decisão das sócias, pois, praticamente, segundo a mesma, foi “expulsa” de seu cargo. As artesãs e coletores da AANA alegaram que a presidente era uma pessoa de difícil diálogo e que muitas sócias estavam insatisfeitas. Antônio aguarda o período necessário para assumir o cargo, cerca de seis meses, uma vez que retorna para Novo Airão apenas em fins de 2005. Em termos de gestão, não houve, aparentemente, reclamações por parte das artesãs sobre essa decisão, há meu ver, antidemocrática.

106

A diretoria atual da AANA segue composta pelas seguintes pessoas e cargos: 10 Presidente - Antônio Clemente Martins, 20 Presidente – Maria Derli Clemente dos Santos; 10 Tesoureiro - Sônia Clemente Martins 164 , 20 Tesoureiro – Sebastiana Fragoso de Souza 165 ; 10 Secretário - Nelizângela de Sena Teixeira (esposa de Antônio), 20 Secretário – Antônia Batista; Conselho Fiscal: Carlito Freitas dos Santos, Alberta Clemente de Souza, Sebastião Cavalcante, segundo informações de março de 2007. Podemos perceber a predominância do núcleo familiar “Clemente” na composição da diretoria e associados e, consequentemente, na responsabilidade pela tomada de decisões na AANA. Conforme comunicação pessoal com secretária da AANA, em 15 de março de 2007, mais seis mulheres e três homens iriam se associar na AANA, na reunião de 31 de março de 2007, o que eleva o número total de artesãs para trinta e sete 166 . Na atual composição da AANA, entre 28 artesãs, os membros da família Clemente representam 32 % dos sócios (Anexo 13). Em média, o número de associados da AANA oscila em torno de 25 membros167 . A secretária da AANA destaca que 21 % de sócias e sócios não participam, efetivamente, das atividades da AANA e cerca de 18% participam raramente. Os representantes do núcleo familiar Clemente participam de todas as atividades da Associação, como reuniões, cargos administrativos, entrega de produtos e extração de arumã. A falta de clareza sobre as atribuições de uma associação marca quase todos os episódios citados. A composição da diretoria baseou-se, por vezes, apenas numa necessidade burocrática. Fato constatado no ano de 2002, quando seu Manoel Marcelino foi presidente para que a AANA não acabasse. É evidente para as sócias que assumem hoje a gestão do grupo, que muitas artesãs só aparecem na AANA no dia de coleta do artesanato, para receber o dinheiro relativo à entrega de seus produtos. Cf, a fala da artesã, “no dia da entrega de artesanato todo mundo tá lá no horário...” (Edinéia Clemente Martins, 2005).

164

Sônia assume o cargo com entusiasmo após Rubem F. dos Santos, seu marido, assumir a atividade de manejo de arumã junto com Carlito F. dos Santos, seu irmão. Pela primeira vez, desde 1996, verifica-se uma atuação de Sônia como liderança dentro da AANA. Sua capacidade parece mais efetiva do que a atuação de Antônio na presidência, seu irmão. 165 Sebastiana é uma artesã antiga e com forte capacidade de liderança. Ao longo dos anos participou de várias feiras e eventos e foi presidente da AANA no mandato de 2001, quando ocorre o roubo dentro da Associação. 166 Entre esses, quatro são representantes do grupo familiar de Carlito, “dos Santos”. 167 Até março de 2007, a AANA estava composta por 20 sócias e oito sócios, o que corresponde a uma predominância de mulheres em torno de 71 %. Entre os homens, três são coletores da AANA. O número de associados em abril de 2003 era igual a 25. Oito desses correspondiam a artesãos de Barcelos, que saíram todos da AANA cerca de alguns meses após abril. Em julho de 2005, haviam cerca de 28 associados.

107

Desse modo, o núcleo familiar Clemente se encarrega de conduzir a gestão, uma vez que é o mais interessado na produção do artesanato. Tal fato também identifica que a atividade de produção se consolida na esfera familiar, uma vez que o marido de Maria Derli Clemente, Carlito F. dos Santos, assume também a função da extração da matéria-prima. Isso se confirma, talvez, com a saída da exímia artesã Cezarina F. Ribeiro da AANA em 2005. Valdecir, seu marido, deixava o cargo de coletor para ir trabalhar no IBAMA168 . Sendo assim, a família Clemente se sobressai em todas as esferas da Associação, seja na extração da matéria-prima, na produção, comercialização e gestão da AANA.

4. A organização social do empreendimento Apesar da rotatividade e instabilidade de sócias (os) na AANA, percebe-se, no entanto, que um pequeno grupo se mantém desde a sua fundação 169 . A composição no ano de 2005 era de 67 % de sócias antigas, ou seja, que ingressaram na Associação entre 1994 e 2000 (n=18). Dessas, 65 % já participaram da diretoria da AANA e três delas relataram ter se afastado do grupo, por conta dos conflitos internos, sendo que apenas uma, se desliga completamente. A estrutura gerencial da AANA deve seguir os atributos de uma associação, onde os membros da diretoria do grupo não podem ser remunerados, uma vez que se trata de uma organização civil sem fins lucrativos (Estatuto da AANA, nov/2003). Para a realização da declaração anual do imposto de renda, a AANA contrata o serviço de uma contadora. Desde sua fundação em 1996, a FVA providenciava a negociação dos documentos a serem entregues

168

Mas nesse motivo vários outros fatores atuam em conjunto. Conforme Cezarina, o principal motivo de sua saída foi uma coleta realizada, não por coletores da AANA, nas ilhas das Anavilhanas no ano de 2005, presidência de Maria Erinildes. Devido a uma grande encomenda de tupés realizada pelo Governo do Estado do Amazonas, a demanda por matéria-prima rápida era necessária. Cezarina se chateou pela forma como a decisão foi tomada, sem uma reunião e consentimento de todas para que essa coleta ocorresse nas ilhas. Talvez, pelo fato do marido Valdecir estar recém trabalhando para o IBAMA, tenha sido o principal motivo de não ter concordado com uma extração “ilegal”. Logo após a coleta, por denúncia anônima, o gerente do IBAMA foi até a AANA alertá-las de multas caso o fato se repetisse. 169 Alberta Clemente de Souza, Amélia Neris Alves, Antônia Batista Morais, Edinéia Clemente Martins, Franscisca Viana de Almeida, Manoel Marcelino, Maria Derli Clemente, Rock Elânia Chaves da Silva (esteve afastada de 2000 a 2002 e não tem freqüentado a AANA desde final de 2005 até março de 2007), Sebastiana Fragoso de Souza, Sônia Clemente Martins, Suzana Anhape Bezerra. Sem contar com a atuação fundamental de artesãs que não se encontram atualmente mais na AANA, como: Cezarina Fragoso Ribeiro, Esteva Vicente da Costa e Percília Clemente Martins.

108

à contadora, principalmente das prestações de contas da AANA 170 . Nos anos de 2002 e 2003, as sócias não declararam imposto de renda, período que coincide com o afastamento da FVA. A Associação toma conhecimento das multas referentes aos atrasos, apenas em 2005. Em 2006, além das multas, somam-se dívidas para pagar o salário da contadora 171 . Também em 2006 descobriu-se existirem duas inscrições estaduais da Associação na SEFAZ de Manacapuru 172 . Essas, estão enquadradas em categorias que não condizem com as atividades da AANA, o que obriga a Associação a pagar impostos altos para retirada de nota fiscal (cerca de 17 % pelo valor total da nota). Atualmente, quando necessário, tiram-se notas fiscais em nome das artesãs, como autônomas, sendo cobrada uma taxa fixa de R$ 2,50 reais, independentemente do valor total da nota. A fonte principal de receita da AANA advém das mensalidades cobradas, no valor atual de R$ 5,00 reais. Soma-se a esta receita, os recursos provenientes da venda de artesanato e doações eventuais como projetos e premiações. O fundo rotativo da AANA é gerado pelo excedente da venda de artesanato, mais os valores relativos às mensalidades e consiste num fundo financeiro para pagamento das artesãs. Independente do tempo relativo às vendas do produto entregue, a artesã recebe, imediatamente, pelo mesmo. Se os produtos não são comercializados e as artesãs não pagam as mensalidades, a Associação fica com o caixa negativo. Essa facilidade acaba sendo uma “faca de dois gumes”. Ao mesmo tempo em que a artesã possui a vantagem de receber na hora da entrega, sem haver necessidade da venda imediata do seu produto, as artesãs acabam enxergando na AANA, um “bom patrão” que tem obrigação de pagá-las sempre. Quando a AANA fica com caixa negativo, as queixas são grandes porque ficam sem receber. No entanto, a maioria das artesãs não contribui com a organização social interna do grupo e apenas se preocupa com o pagamento do artesanato.

170

A contadora, irmã do ex-técnico José Max Figueira, mora em Manaus. Cobra meio salário mínimo por mês para fazer o balancete anual relativo às prestações de contas da AANA e realizar a declaração do imposto de renda. 171 Segundo a tesoureira da AANA, Sônia Clemente Martins, em comunicação pessoal, de março de 2007, a dívida com a contadora, em dois anos de trabalho, remonta R$ 1.700,00 reais. Além disso, a contadora está realizando a declaração anual de 2006 que ainda não foi paga. Cerca de R$ 2.100,00 reais ou R$ 175,00 reais por mês (com a cotação de dólar em março de 2007 a R$ 2,05 reais). Para as artesãs, a contadora é uma “mãe” para a AANA, pois aceita que o pagamento de seu trabalho seja feito aos poucos, na medida em que a Associação acumula um excedente de caixa extra, além do necessário para o pagamento das artesãs. 172 Segundo as artesãs, quem está verificando esse processo na SEFAZ é o atual técnico da FVA, responsável pela coordenação do Programa de Alternativas Econômicas.

109

Permanecem com altas dívidas e não compreendem que o dinheiro faz parte do funcionamento da AANA, através do fundo rotativo. Os custos para funcionamento da Associação são, basicamente, despesas bancárias e administrativas (contadora, telefone, luz, água), materiais utilizados na comercialização, material de escritório, gastos com a infra-estrutura da sede e manutenção de outros bens da Associação, como canoa e motor. Também é retirado desta receita, o pagamento de dez por cento para o encarregado, sobre o valor total de vendas da Central de Artesanato, além dos custos de transporte, alimentação e hospedagem para a pessoa responsável pela venda em feiras e outros locais fora do município de Novo Airão. Outros gastos freqüentes referem-se ao pagamento do grupo de coletores de arumã, reembolsado posteriormente pelas artesãs e empréstimos feitos para as sócias. As artesãs que exercem funções na diretoria da Associação reclamam das grandes responsabilidades advindas dos cargos, das críticas que recebem das outras colegas, da falta de entendimento entre os membros da diretoria e da “perda de tempo” disponível para a produção do artesanato como fatores que diminuem seu interesse em atuar diretamente na gestão. Como em muitas outras entidades semelhantes, as decisões nem sempre estão de acordo com as instâncias adequadas relacionadas no Estatuto, como a necessidade de manter assembléias e participação efetiva de artesãs sócias. O caso da tomada do cargo de presidente por Antônio Clemente, na ausência de uma assembléia geral com as sócias é exemplo disso 173 . Na ausência de um regimento interno para as artesãs, uma das maiores queixas é a inexistência de regras claras a serem cumpridas e respeitadas. Durante minhas entrevistas, apenas três artesãs afirmaram existirem regras claras na AANA, outras duas disseram que as regras existem, mas ninguém as cumpre. Uma das entrevistadas disse desconhecê-las (e o restante não soube responder). O regimento interno da Associação até hoje não foi acordado e escrito adequadamente. Em anos anteriores, havia um regimento que não correspondia à realidade das artesãs, elaborado possivelmente, por uma demanda dos técnicos da FVA. As artesãs não têm interesse, sequer para se reunirem com a missão de definir regras de conduta,

173

Com exceção desse fato, a realização de assembléia geral para mudança na diretoria da AANA parece ser uma das poucas regras que estão sendo cumpridas pelas artesãs, aspecto positivo que fora sempre assessorado pela ação da FVA ao exercício da troca de diretorias, findo o período de mandato das mesmas.

110

obrigações e direitos. Existe, portanto, certa resistência, em assumir a gestão da Associação, decorrente do histórico da entidade e suas parcerias. Da mesma forma, há inúmeras dificuldades em relação ao pagamento de dívidas e mensalidades por parte das sócias que se transforma em nova fonte de conflitos. Cobrar da artesã significa incitar uma crise. Muitas delas passam meses sem pagar a mensalidade, no valor atual de R$ 5 reais, e também o serviço de coleta de arumã que encomendam. Não há também qualquer instância interna que fiscalize o cumprimento das obrigações por parte das sócias. O Conselho Fiscal se mostra inoperante nesse aspecto. Tais dívidas contribuem para que a AANA não tenha recursos (fundo de caixa) para pagar a produção. O combinado era que cada artesã pagasse à Associação, o valor correspondente ao arumã solicitado aos coletores, no momento de entrega da produção, após descontarem-se as dívidas e a mensalidade. Muitas vezes, passam-se vários meses até que tais dívidas sejam pagas. A insatisfação das artesãs que tecem com o cipó-ambé se intensifica com tais atrasos, uma vez que na coleta de cipó não se despende dinheiro da Associação. Na última composição da diretora vista até aqui, as negociações sobre dívidas estabelecidas entre as artesãs e a Associação, referentes à mensalidade e feixes de arumã, por exemplo, estão sendo negociadas com Sônia Clemente Martins, no atual cargo de tesoureiro. Nessa gestão, Sônia negocia com as sócias tais pagamentos na entrega do artesanato, descontando parte ou o valor total da dívida da artesã, dos recursos advindos da sua produção 174 . Com base nesses fatos, vimos que os conflitos recorrentes na AANA são gerados pela falta de regras claras para sua administração, além da ausência de instrumentos que executem a punição e instâncias de fiscalização. Essas últimas auxiliam a solução de problemas de ação coletiva e evita o oportunismo de atuação de terceiros em relações verticais e assimétricas de hierarquia e dependência (Putnam, 1996, op.cit., p. 181 - 183). O capital social do grupo depende da confiança mútua que é gerada pela reciprocidade nas ações entre membros. As regras estabelecidas e devidamente cumpridas, conjuntamente, favorecem a união e fortalecimento entre integrantes na condução de suas atividades coletivas.

174

A ausência de regras claras reflete esse contexto. Assim, as artesãs não pagam a mensalidade da Associação, acumulando, para algumas, dívidas de vários meses referentes às mensalidades. Sônia tem assumido essa função de maneira efetiva. Não deixa de descontar uma pequena porção desses valores e mensalidade das artesãs, no momento de entrega dos artesanatos à Associação.

111

As reuniões mensais acontecem sempre no terceiro domingo do mês, no período da manhã, seguida da coleta de artesanato logo após cada reunião 175 . Conforme o relato de 81 % das artesãs, num universo de 20 entrevistadas, as reuniões não resolvem os problemas do coletivo, pois, a presença é restrita, além do fato de que a maioria dos presentes se mantém calados. Para 60 % das artesãs, poucas decisões importantes são tomadas nas reuniões. Isto deriva, segundo as mesmas, da parca qualidade das discussões, da incapacidade de cumprir-se o decidido, além do fato de que a diretoria toma decisões sem consultar as sócias e de que a pauta quase nunca é concluída. Para 33 % das entrevistadas, as reuniões são importantes para a tomada de decisões e para 7 % delas, nada do que foi acordado em reunião, realmente acontece (n = 15). De modo geral, os conflitos gerados raramente são resolvidos, uma vez que durante a reunião “cria tumulto e não tem quem coordene a reunião”(...) “um briga de cá, outro briga de lá, mas nunca se resolve... resolve com o tempo, passa”, “ninguém chama as sócias para conversar, não sabe o que está acontecendo”. Algumas respostas relacionam-se diretamente ao contexto da diretoria no ano de 2004, como: “a presidente foge do problema e não tem ninguém que assume o problema, todos tem que aceitar” (...) “tenta resolver em reunião, mas a presidente acaba com a reunião na hora”. Em relação à realização do planejamento anual, 75 % das entrevistadas responderam que não existe tal planejamento. Os motivos citados foram os seguintes: as artesãs não sabem fazer o planejamento, não têm capacidade de organização, não são unidas, não acham importante sua realização, há falta de interesse ou ainda, que a diretoria assume sozinha tal função, sem opinião das sócias 176 . As outras entrevistadas, cerca de 25 % afirmaram que o planejamento ocorre, embora, seja feito exclusivamente pela diretoria. No entanto, o secretário não repassa para as sócias as informações. Muitas ainda afirmaram que o planejamento é feito, mas, não funciona ou mesmo que não participa destas atividades (n = 16). O mesmo se repete em relação à reunião anual de avaliação da AANA. Apenas uma artesã diz que tal reunião acontece. O restante afirma que não existe avaliação, pois, as artesãs não sabem fazê-la, não se organizam, há falta de interesse e ainda, que existem

175

Quando sob intervenção de técnicos da FVA, a reunião da Associação ocorria aos sábados, no período da tarde. A diretoria realizava uma reunião prévia com os técnicos pela manhã para verificar os encaminhamentos e assuntos a serem discutidos. Atualmente, em função da ausência das artesãs, decidiu-se que a reunião e a coleta de artesanato seriam realizadas em conjunto, “forçando” a presença das artesãs nas reuniões, visto que, no momento da coleta de artesanato muitas sócias apresentam-se. 176 Essas atividades ocorriam quando havia a assessoria técnica da FVA na área de organização social.

112

desentendimentos na própria diretoria e, portanto, as sócias não falam nada durante os encontros. Segundo uma artesã, as sócias não acreditam em sua própria capacidade (n = 15). Com relação à importância da prestação de contas, foram unânimes em ressaltar sua validade, pois, através desta verificam o “funcionamento da casa”, avaliam-se receitas, despesas e a administração financeira em si e também diminui a desconfiança interna. As prestações de contas aconteciam a cada três meses. Depois se tornaram semestrais e, mais recentemente, as artesãs afirmam que se tornaram anuais, embora, segundo as mesmas, essa não seja a melhor solução. Quanto ao interesse em participar de cargos da diretoria, metade das entrevistadas não se interessa em participar (n = 14). Os motivos alegados foram a baixa alfabetização, falta de motivação, insatisfação pessoal, o pouco tempo disponível, além de queixas referentes à diretoria da qual participou. Outras alegaram que se trata de uma atividade com “muita responsabilidade” e que sofre muitas críticas. Entre as entrevistadas, 29 % responderam que têm interesse em participar, ainda de maneira restrita, sendo que o principal entrave citado foi a necessidade de se organizar pessoalmente para ter condições de assumir um cargo. E por fim, 21 % das entrevistadas que responderam sim, justificaram-se ressaltando a importância dos cargos e funções administrativos ou, interesse pessoal no aprendizado derivado da atividade. Além das reuniões e oficinas eventuais, as sócias não têm realizado atividades em coletivo. Antes havia mutirões para limpar o terreno da Central que motivava seu encontro. Porém, com as dificuldades enfrentadas para reunir as sócias, as artesãs passaram a contratar uma pessoa para limpar o terreno, em intervalos de três meses177 . Apesar das críticas, em relação à gestão e a organização das artesãs, a importância do artesanato para suas vidas e famílias é unânime: “ajuda muito, tem o dinheiro sempre”, “(é uma maneira de) comprar e vender o produto da gente”,

“ajuda várias famílias e o

município”, “pra quem não tem emprego é uma renda boa”, “além de gerar renda, a gente adquire conhecimento com outras entidades”, “troca de opinião entre várias pessoas, com diferentes culturas”,

“ganha reconhecimento pelas pessoas de fora”,

“tá ajudando a

177

Para a limpeza do terreno são descontados R$ 5,00 reais de cada sócia. Quando sobra algum recurso do total arrecadado, o restante fica para o fundo da AANA.

113

construir o meu futuro, me ensinando muito, como trabalhar com a organização, administração, manejo e usar os produtos da floresta de modo sustentável”. Os problemas citados pelas artesãs em relação à Associação são vários, como procuro destacar. Em resumo referem-se à falta de organização social e planejamento do trabalho, desunião e falta de interesse por parte dos sócios, pouca autonomia na gestão, parco entendimento sobre as funções de uma Associação, diálogo e comunicação restrita entre as artesãs, assim como excesso de “fuxicos” e ausência de transparência e regra por parte da diretoria. Ou seja, a incapacidade de conduzir a Associação de forma sistemática. Em relação às conseqüências decorrentes do afastamento da FVA, as artesãs enfatizam: “a AANA caiu, mas está tentando resolver as coisas sem procurar a FVA” (...) “a comercialização diminuiu, pois com Max se tinha encomenda todos os meses”, “era mais organizado, a FVA sempre procurava venda”, “agora não tem direção pra nada”, “ficou difícil para a AANA comprar artesanato”, “com a FVA era animado, tinha reunião e todo mundo falava, eles diziam o que tinha que fazer”, “a FVA era o Max, a venda diminuiu muito, as pessoas não querem assumir a responsabilidade”, “a gente sabia o que fazer, tinha muita renda, hoje só tem conta pra pagar”, “pouca gente na reunião, ninguém faz o que precisa fazer”, “não tem reunião de diretoria e vende o produto por fora da associação”, “quando a FVA saiu, olha a cara engatinhando bateu com a cara no chão...ninguém aprendia porque esperava a FVA fazer”. Vimos, portanto que parte das dificuldades enfrentadas derivam da incapacidade local em gerir o empreendimento com autonomia. A partir de agora, veremos como se estrutura o sistema produtivo do artesanato da AANA em cada uma de suas etapas: extração dos recursos, produção e comercialização.

5. Sistema produtivo do artesanato da AANA As etapas do processo produtivo envolvem a coleta da matéria-prima, produção e comercialização. Uma administração em harmonia entre as mesmas requer das artesãs organização e controle sobre cada atividade desenvolvida. Reuniões e assembléias gerais se fazem necessárias para que as tomadas de decisão sobre o desenvolvimento do empreendimento cooperativo representem o anseio do coletivo. De toda forma, demandas 114

externas freqüentemente influenciam a estrutura de organização interna, como o aumento de consumidores, encomendas muito grandes, requisitos de qualidade, ou ainda, exigências ambientais sobre as formas de extração dos recursos, forçando à implementação de sistemas de manejo devidamente controlados. A planta mais utilizada pela Associação é a espécie de arumã membeca, a única que possui plano de manejo e sobre o qual iremos detalhar agora.

5.1 O PFNM arumã 5.1.1 A espécie de arumã estudada: Ischnosiphon polyphyllus A espécie de arumã estudada na presente pesquisa é Ischnosiphon polyphyllus (Poeppig & Endl) Koern, Família Marantaceae. Esse arumã é utilizado para a confecção de jogo de mesa e tupé de arumã. Anderson (1977) reconheceu 31 espécies do gênero Ischnosiphon, descrevendo a espécie Ischnosiphon polyphyllus, como tendo as seguintes características: monocotiledônea, erva perene, rizomatosa caulescente, de tamanho médio a grande, cujos talos aéreos podem alcançar vários metros de altura 178 . Essa espécie cresce em locais alagados, tais como em baixios, várzeas, igapós e beira de rios, em habitat aberto ou de sombra, numa altitude de até 150 metros acima do nível do mar. Sua distribuição vai desde o Alto Rio Orinoco, toda a bacia do Rio Negro e ao longo do Rio Amazonas desde Tefé até a desembocadura do mesmo no oceano, no estado do Pará, Brasil. Na região de Novo Airão, a espécie ocorre com maior freqüência nas florestas de igapós das ilhas de Anavilhanas, em gradientes de dois a quatro metros de altura de inundação.

5.1.2 Gradiente de inundação O gradiente de altura de inundação no arumanzal, ao longo da área demarcada para o manejo nos igarapés do Dinheiro, Dinheirinho e Sucurijú, varia de um metro a quatro metros

178

Monocotiledônea significa planta, ou grupo de plantas, que produzem flores – Angiospermas e, são plantas cujas sementes possuem um só cotilédone. Perene diz-se do vegetal que vive três ou mais anos. Rizomatosa caulescente é a planta que possui o caule freqüentemente subterrâneo, horizontal, rico em reservas; distingue-se da raiz pela presença de nós, gemas e escamas (Ferri et al., 1981). Em Anavilhanas foi verificada uma média de 4,17 m de altura total na touceira. Os caules aéreos podem alcançar até 7,0 metros de altura (min: 1,19 e max: 7, 27; com desvio de: 0,93; n = 1.207 plantas estudadas; cf. Nakazono, 2000, op.cit.).

115

(1,1 a 4,2 metros de altura, cf. Tabela 2) 179 . A área selecionada pelos coletores para manejo corresponde ao local com maior ocorrência de arumã no igarapé. Sendo assim, o trecho demarcado corresponde às áreas com maior densidade de arumã, “medida” pelos olhos de coletores experientes.

Tabela 2. Média de altura da inundação encontrada nos transectos amostrados dos igarapés do Dinheiro, Dinheirinho e Sucurijú. Igarapé (data)

Altura de inundação (m) Média ± SD (n; min - max)

Dinheiro (out/2000)

2,5 ± 0,559 (20; 1,7 - 4,2)

Dinheirinho (out/2000)

2,3 ± 0,367 (18; 1,7 - 3,0)

Sucurijú (dez/2001)

1,7 ± 0,296 (27; 1,1 - 2,6)

Resultados similares foram encontrados por Nakazono e Piedade (2004, op.cit.) para as touceiras de arumã nas ilhas de Anavilhanas. A maior freqüência dessas plantas ocorre entre 2,0 e 4,0 metros de altura, em comparação com outros gradientes de inundação amostrados. Em 1999, a média anual de dias de inundação foi de 155 dias. Outro fator importante relacionado à inundação periódica dos igapós em igarapés ocorre durante as enchentes, no período das chuvas. Com a ocorrência de chuvas fortes, as águas, provenientes da cabeceira do igarapé, provocam acréscimos no nível de água do canal. Tal inundação deriva de uma grande quantidade de água drenada para o canal, através do escoamento sub-superficial dos solos (Sarmiento, 1984). Esse fenômeno não é verificado nas ilhas de Anavilhanas, o que acentua o período de seca nesses locais.

5.1.3 Estrutura das touceiras de arumã nos igarapés O rizoma de arumã se desenvolve a 0,10 e 0,50 m abaixo da terra; raramente tem mais do que 0,10 ou 0,20 m de comprimento horizontal (Anderson, 1977, op.cit). A espécie se apresenta sob a forma de touceira, como chamam as artesãs e coletores. Uma touceira é

179

O gradiente de inundação foi determinado a partir das marcas nas árvores, indicativas da altura máxima que o nível da água atinge na fase aquática. Esse dado permite calcular a profundidade máxima do local e, conseqüentemente, o período de inundação, em número de dias/ano, em cada faixa de relevo, num dado ano.

116

composta por vários talos ou caules aéreos, em diferentes estágios de desenvolvimento, classificados pelas artesãs como: broto, olho e maduro. Broto é o estágio inicial de desenvolvimento do talo quando este ainda não apresenta folhas. Olho é o talo que se encontra no estágio de transição entre broto e talo maduro, podendo apresentar até quatro folhas 180 . E talo maduro, é o talo que já apresenta ramificação foliar, atingindo o último estágio de vida antes de fenecer (Fotos 1). Com base nesta caracterização local e a verificação, durante a pesquisa de campo de outros estágios, foram distinguidas as categorias relativas às diferentes etapas de desenvolvimento dos talos. Tais categorias são utilizadas na implantação do manejo de arumã como veremos na tabela a seguir (Tabela 3) 181 . Nos ambientes de igarapé a ocorrência de talos maduros finos é mais alta. As mudanças freqüentes de coletores nas atividades de monitoramento e a variação na espessura dos talos de arumã tornam duvidosa a categoria “maduro” e “maduro fino”. Embora tal variação seja verificável em pesquisa de campo, os coletores têm extraído talos maduros finos para uso no artesanato 182 .

180

O olho é distinguido pelas artesãs e coletores, também, por sua base fixada no rizoma. Essa possui cor avermelhada e o talo é mais flexível. A fibra do olho é utilizada para fazer o arremate do tupé. 181 Ao longo de seis anos de atividade de manejo, cinco coletores participaram da coleta de arumã, sendo que o único que se mantém neste trabalho é Carlito Freitas dos Santos. Por esse motivo, Carlito detém grande conhecimento relativo aos locais de coleta e formas de extração. Mesmo assim, algumas categorias determinadas, usadas no manejo, podem ser questionadas. 182 A categoria “maduro fino” foi estabelecida segundo informações dos coletores. Refere-se aos talos que não são extraídos e usados no artesanato. Porém, diante de novas situações ambientais e grande demanda por matéria-prima, os coletores passam também a extrair esses talos, apesar das artesãs reclamarem da dificuldade para destalar os mesmos.

117

Fotos 1. Arumã, Ischnosiphon polyphyllus: (A) e (B) Concentração de arumã na beira do igarapé do Dinheiro; (C) Francisco A. A. da Silva no arumanzal, próximo a uma clareira; (D) Talos maduros; (E) Comparação entre um talo maduro grosso e dois maduros finos, Moisés J. Barbosa; (F) Início de inundação no igapó; (G) e (H) Flor de arumã; (I) Talo broto de arumã.

118

Tabela 3. Categorias dos talos das touceiras de Ischnosiphon polyphyllus. O termo técnico DAB, refere-se ao Diâmetro Altura da Base, medido a 15 centímetros de altura do solo. O termo touceira refere-se à distância entre os talos no solo, igual ou inferior a vinte centímetros. Categoria dos

DAB

Comprimento do

Ramificação

Número de

talo

foliar

folhas

talos Broto

----

1m

Não

1m

Sim

>4

Maduro

> 1.5 cm

>1m

Sim

>4

< 1.5 cm

4

Ramo fino

1

1. A categoria ramo fino não é utilizada no artesanato. As touceiras de ramo fino são geralmente compostas por poucos talos. Para facilitar o trabalho de levantamento de densidade de arumã essas touceiras não foram contadas.

Por tais motivos, considero a quantidade total de “talos maduros”, na análise do efeito da extração sobre a densidade inicial; amostra anterior ao corte. Para efeito de comparação entre a quantidade e variância dos talos, observações complementares, mas, significativas, auxiliam a interpretação dos resultados (Tabela 4).

Tabela 4. Estrutura das touceiras de arumã antes da primeira extração (ano 0), segundo a categoria de talos determinada para o manejo pela AANA, nos igarapés do Dinheiro, Dinheirinho, Sucurijú e Água Branca. Broto

Olho

Maduro

Broto

Olho

Maduro

Média ± SD N (min-max)

Média ± SD N (min-max)

Média ± SD N (min-max)

% Média

% Média

% Média

Dinheiro (ano 0)

0,05 ± 0,23 1188 (0-2)

0,33 ± 0,66 1188 (0-7)

3,70 ± 4,19 1188 (0-55)

1,2

8,1

90,7

Dinheirinho (ano 0)

0,08 ± 0,34 1135 (0-4)

0,25 ± 0,53 1135 (0-5)

3,60 ± 3,85 1135 (0-35)

2,0

6,4

91,6

Sucurijú (ano 0)

0,15 ± 0,44 754 (0-5)

0,23 ± 0,53 754 (0-5)

2,93 ± 3,87 754 (0-50)

4,5

6,9

88,5

Água Branca (ano 0)

0,04 ± 0,20 447 (0-1)

0,17 ± 0,43 447 (0-3)

3,62 ± 6,44 447 (0-97)

1,0

4,4

94,5

Igarapé

119

Similar aos dados encontrados por Nakazono e Piedade (2004, op.cit.), a composição das touceiras de arumã, nos quatro igarapés, representam uma média de 92 % de talos maduros, seguidos de 6% de jovens e 2% de brotos. Porém, existe outra variante relacionada à definição da categoria “touceira” no que se refere ao “indivíduo” (planta). Os coletores identificam visualmente uma touceira, caracterizando-a como um indivíduo. Em situações de alta densidade de talos, como por exemplo, na beira do canal, complica-se tal identificação. Conforme citado anteriormente, adotamos, então, a categoria “touceira” somente quando à distância entre os talos no solo é igual ou inferior a vinte centímetros 183 . Como estamos interessados em estudar a dinâmica da densidade média de talos maduros, extraídos por área, a variância entre tais categorias não afeta o resultado final da análise. No entanto, devo ressaltar que, procuro analisar a densidade de talos e não, a densidade de indivíduos de arumã por área. As implicações genéticas não estão sendo consideradas na análise dos dados. Portanto, não podemos inferir desta análise, possíveis impactos genéticos nos indivíduos de arumã. Estes podem estar sofrendo alterações, como resultado dos critérios de manejo, visto que se retira a metade dos talos por touceira. Em decorrência do meu papel como assessora da AANA, contratada pela FVA para realizar a implementação do manejo de arumã em conjunto com artesãs e coletores, a quantidade das informações sobre essa atividade é mais aprofundada que no caso do grupo TucumArte. Isso se deve a uma abordagem mais detalhada dos métodos empregados e dos resultados obtidos, o que não implica em perda de qualidade sobre os resultados do TucumArte, uma vez que o grupo já apresentava um plano de manejo detalhado sobre a planta.

5.1.4 O sistema do manejo de arumã “Eu me preocupo com isso, pois se a gente coleta levando tudo vai acabar. E o importante é a gente deixar um pouco lá para que nossos filhos possam fazer igual e lembrar a forma que os pais faziam...” (Carlito F. dos Santos, 2005)

183

As populações de arumã possuem predominância de reprodução assexuada, clonal.

120

“Tirar metade da touceira, não tudo, para garantir o futuro” (Rubem F. dos Santos Filho, 2003)

5.1.4.1 Etapas do sistema de manejo

O sistema do manejo de arumã adotado e executado pelo grupo de coletores pode ser descrito através das seguintes etapas: 1) Seleção e mapeamento dos igarapés com área de ocorrência de arumã; 2) Negociação para o uso de arumã junto às comunidades locais e órgãos ambientais responsáveis; 3) Limpeza do canal, permitindo sua navegação 184 ; 4) Levantamento da densidade de arumã: quantidade disponível antes da extração (ver metodologia de monitoramento do manejo de arumã no Capítulo I) ; 5) Extração de arumã segundo critérios de manejo e ciclo de corte; 6) Transporte e entrega da matéria-prima em Novo Airão; 7) Preenchimento das fichas de controle da coleta e croqui, mapa desenhado, dos igarapés; 8) Monitoramento das áreas do manejo. A implantação das etapas de manejo depende das condições físico-ambientais das áreas de extração, ou seja, da disponibilidade do recurso, condições dos terrenos, navegabilidade dos canais, assim como, das relações sociais estabelecidas junto às comunidades próximas aos locais de ocorrência 185 . 5.1.4.2 Distribuição de arumã nos igarapés

A distribuição de arumã, ao longo dos igapós, se concentra ao redor do canal do igarapé. A amostragem inicial, nos igarapés do Dinheiro e Dinheirinho (margem direita) ocorreu apenas em subáreas, distribuídas ao longo dos transectos, segundo o “método A”, descrito no Capítulo I (Figura 9). Já o levantamento de densidade de arumã, na margem esquerda do igarapé Dinheirinho e igarapés do Sucurijú e Água Branca, ocorre em toda a área dos transectos amostrados, segundo o “método B” (Figura 10).

184

Retirada de troncos e galhos de árvores que caem ao longo do canal. Muitas vezes é preciso utilizar motoserra para cortar troncos mais grossos. 185 As informações foram sistematizadas para a população local em: “Manejo do Arumã no baixo Rio Negro: uso tradicional de um produto florestal não madeireiro no artesanato de fibras vegetais”. Nakazono et al. (2006) Associação dos Artesãos de Novo Airão, Comunidade do Sobrado. Fundação Vitória Amazônica, Manaus. 25 p.

121

100

80

60

Densidade média de talo maduro

40

20

0 A

B

C

D

E

F

E

F

Igarapé do Dinheiro

100

80

60

40

20

0 A

B

C

D

Igarapé do Dinheirinho

Faixas de distância do canal (m)

Figura 9. Densidade média de talo maduro de arumã encontrada em sub-áreas de 6m2 distribuídas ao longo dos transectos (3 m x 52 m), amostrados nos igapós dos igarapés do Dinheiro (ano 2000) e Dinheirinho (margem direita, ano 2000), conforme distância perpendicular ao canal do igarapé em direção à área de terra-firme. Faixas de distância: A = 0-2 m; B = >2-12 m (foi calculada a estimativa de arumã para 6m2); C = 12-22 m; D = 22-32 m; E = 32-42 m; F = 42-52m.

122

40

30

20

10

0 2

7

12 17 22 27 32 37 42 47 52

Densidade média de talo maduro

Igarapé do Dinheirinho 30

20

10

0 2

7

12 17 22 27 32 37 42 47 52

Igarapé da Água Branca 30

20

10

0 2

7

12 17 22 27 32 37 42 47 52

Igarapé do Sucurijú

Distância do canal do igarapé (m)

Figura 10. Densidade média de talo maduro de arumã encontrada ao longo dos transectos (2 x 52 m) amostrados nos igapós dos igarapés, do Dinheirinho – margem esquerda (ano 2002), da Água Branca (ano 2003) e do Sucurijú (ano 2001), conforme a distância perpendicular ao canal do igarapé em direção à ocorrência da área de terra-firme.

123

A extensão da área do igapó variou entre os igarapés, conforme medida obtida nos transectos de 52 metros de comprimento. Nesses transectos, foi possível determinar, a partir da beira do igarapé, a extensão média em metros (perpendicular ao canal), do início da área de transição entre igapó e terra firme. Isto é, a área compreendida por floresta de igapó em cada igarapé (Tabela 5).

Tabela 5. Área média (m) compreendida pela floresta de igapó nos transectos amostrados nos igarapés do Dinheiro, Dinheirinho, Água Branca e Sucurijú. Margem Direita (MD) e Margem Esquerda (ME). Área média da extensão da floresta de igapó (m) Igarapé

MD

ME

Dinheiro

49 m (n = 19)

37 m (n = 43)

Dinheirinho

33 m (n = 52)

34 m (n = 19)

Sucurijú

30 m (n = 15)

23 m (n = 17)

Água Branca

19 m (n = 10)

19 m (n = 15)

Nestes casos, a maior densidade de arumã, ocorre nas áreas que se aproximam do canal do igarapé, destacando-se a área mais próxima do canal com até dois metros de distância. Maiores concentrações podem ser constatadas nos igarapés maiores como Dinheiro e Dinheirinho, que apresentam em média, uma área de extensão entre 23 e 49 metros. Para os igarapés menores, como o igarapé Água Branca, com extensão média da área do igapó igual a 19 metros, a diferença na concentração e distribuição de arumã é menos percebida quando relacionada ao distanciamento do canal. 5.1.4.3 Critérios de manejo e ciclo de corte

Como já mencionado no capítulo anterior, a coleta de arumã ocorre durante a fase terrestre dos igapós, ou seja, no período de seca, quando os locais não estão alagados. Cada sócio faz uma encomenda da quantidade de arumã necessária para suas atividades e o grupo

124

de coletores coleta e vende os feixes de arumã compostos por 100 talos maduros 186 . As viagens de coleta duram, em média, três a quatro dias, o que varia conforme as condições ambientais e possíveis imprevistos. Os coletores envolvidos na extração dos locais manejados devem ser sócios da AANA. O critério de extração baseia-se nas categorias dos talos na touceira. De cada touceira retira-se metade dos talos maduros, cerca de cinqüenta por cento dos talos maduros e apenas um olho ou talo jovem; utilizado no arremate ou acabamento do tupé. Em caso desta soma ser ímpar arredonda-se o número para cima. Pelo menos dois talos devem permanecer na touceira. Caso a touceira tenha três talos só se pode coletar um deles. A altura do corte dos talos é de aproximadamente 30 centímetros do solo. Segundo as informações obtidas com os coletores, no início da atividade de manejo em outubro de 2000, adotou-se a hipótese de pesquisa que após três anos seria possível uma segunda extração, segundo os critérios do manejo. Em alguns locais dos igarapés maiores, o Dinheiro e Dinheirinho, houve uma segunda retirada de talos de arumã após o ciclo de três anos. Conforme Figura 24, p. 143, verifica-se que a maior quantidade de arumã é retirada nos dois primeiros anos, em 2000 e 2001, diminuindo nos anos posteriores. Tal fato se deve as primeiras coletas ter sido realizada nos igarapés maiores, os mesmos reutilizados posteriormente (Anexo 4). A partir dos dados de coleta da AANA nos quatro igarapés, percebe-se uma média de 14.797 talos maduros extraídos em um período de seca do igapó (min: 5.400; max: 25.320). Apenas os igarapés menores, como o Sucurijú e Água Branca, não apresentaram coletas que alcançassem esses valores médios, sendo coletado nesses igarapés um total de 8.330 e 8.200, respectivamente. Já os igarapés maiores Dinheiro e Dinheirinho, apresentaram coletas de talos maduros nos valores totais de 47.865 e 24.385, o que corresponde à possibilidade de realização de coletas em três períodos de seca no igarapé do Dinheiro e dois períodos de seca no igarapé do Dinheirinho. Ou seja, os dois igarapés maiores supriram cerca de cinco anos de demanda de arumã para produção da AANA.

186

Geralmente, as artesãs encomendam arumã quando não possuem seu estoque de matéria-prima finda. Essa demanda por arumã varia muito, principalmente, quando possuem encomendas grandes. Ultimamente, em decorrência da situação, das exigências ambientais e também por dependerem do grupo de coletores, critérios de manejo e acordos comunitários, as viagens de coleta demoram um pouco mais para serem planejadas.

125

Contudo, é evidente que o número de talos coletados tenha diminuído nesses locais, o que evidencia a baixa taxa de reposição natural ao longo de três anos. Os talos coletados no segundo ciclo poderiam ser aqueles remanescentes de touceiras extraídas durante o primeiro ciclo de corte. Outra constatação a este respeito é a insatisfação de várias artesãs da AANA nos últimos anos sobre a dificuldade de coleta de arumã nos igarapés, uma vez que houve a necessidade de coletar os talos maduros mais finos em decorrência da diminuição dos estoques naturais de talos mais grossos 187 . Ver detalhes à frente no item “Sustentabilidade da atividade extrativa”. Tais aspectos auxiliam ainda no planejamento futuro da atividade, no que se refere ao ciclo de corte em diferentes locais. É importante considerar que igarapés que apresentem características similares aos do Dinheiro e Dinheirinho, em tamanho e densidade das plantas, principalmente, são favoráveis à implantação do sistema. Na atual composição e estrutura da AANA, podemos dizer que esses igarapés comportam práticas de extração de talos de arumã ao redor de dois a três períodos de seca dos igapós, com um total médio de 14.797 talos maduros coletados para cada período. Somente o igarapé do Dinheiro foi capaz de atender a demanda da AANA por cerca de três anos. Se houver muitos igarapés disponíveis, talvez seja possível realizar uma rotatividade com maior espaço de tempo entre coletas; levando em consideração, a importância de manipular o meio para favorecer o adensamento das plantas (ver próximo item). Essa, deve ser realizada com cautela e apoio dos órgãos ambientais competentes, para que haja um compromisso de fato com a conservação dessas áreas. Resumidamente, apresentei alguns resultados sobre estrutura, distribuição de arumã nos igarapés, critérios de extração e ciclos de corte (Fotos 2). A partir de agora, irei abordar a questão principal da pesquisa, a sustentabilidade da atividade extrativa.

187

Em paralelo ao efeito da extração sobre a reposição de novos talos, ocorre a mortalidade natural dos talos remanescentes na touceira (Cf. Nakazono, observação pessoal, 1999 – 2006).

126

Fotos 2. Manejo de arumã, Ischnosiphon polyphyllus, nos igarapés da comunidade do Sobrado. (A) Carlito F. Santos coletando talos de arumã; (B) Maria D. Clemente com feixe de arumã; (C) Touceira de arumã extraída; (D) e (E) Talos e feixes de arumã coletados; Atividade de levantamento de densidade durante monitoramentos anuais: (F) Elzilene B. da Silva e Francisco A. A. da Silva, (G) e (H) Francimara Ribeiro; (I) Medida de grossura dos talos; (J) Acampamento em área de roçado no igarapé do Dinheiro; (L) O almoço da equipe de trabalho (artesãs e coletores da AANA e comunitários da comunidade do Sobrado).

127

5.1.5 A sustentabilidade da atividade extrativa de arumã A análise da sustentabilidade de arumã foi baseada na densidade média de talos maduros nas áreas de extração. Na hipótese inicial de meus estudos, após três anos de descanso do arumanzal, os produtores poderiam cortá-lo novamente. Os resultados dos estudos do manejo de arumã, Ischnosiphon polyphyllus, realizados entre 2000 e 2007 demonstram que, em termos socioeconômicos, o manejo de arumã nos quatro igarapés estudados, Dinheiro, Dinheirinho, Água Branca e Sucurijú, não pode ser considerado sustentável, pois, num período de três anos após a primeira extração, as áreas de coleta não permitiram novo corte. Ou seja, a porcentagem de recuperação dos talos maduros foi baixa em relação ao necessário para a produção de artesanatos da AANA 188 . Entre todos os igarapés, a recuperação na densidade média de talos maduros parece não sofrer grandes mudanças, ao longo dos anos posteriores à extração (Figura 11: a, b e Figura 12: c, d). Observa-se uma grande variação e a inexistência de um padrão na recuperação, sendo que, na maior parte dos casos, a planta não recupera sua densidade inicial. Contudo, em alguns igarapés, como no Sucurijú e Água Branca, nota-se a presença de uma área com alta recuperação ou ausência de impacto da ação extrativa. Com exceção do igarapé Água Branca, as áreas com recuperação acima de 100 % ou próximas disso, podem podem estar relacionadas à abertura de clareiras ou ainda, a locais com baixa taxa de extração. Isto é, quando o pessoal corta pouco, as condições de maior luminosidade favorece a recuperação das plantas, o que resulta num “impacto nulo”. Impacto nulo é o mesmo impacto de uma área sem corte em que se registra o crescimento natural de arumã, ou ainda, de uma área que teve um corte tão pequeno que o crescimento supera o corte. Pode ainda, terem ocorrido outros fatores ainda desconhecidos que ocasionaram esse comportamento.

188

Quanto à questão ecológica, em relação ao perigo de extinção da espécie, a experiência piloto nos igarapés da comunidade do Sobrado não apresentou maiores riscos. Isso porque restaram indivíduos das plantas nas áreas, uma vez que foram efetuados cortes de apenas 50% dos talos maduros. Há ainda, outros tipos de touceiras compostas por talos finos, não utilizadas para extração.

128

Recuperação do estágio anterior a extração (%)

a)

120

Dinheiro Dinheiro

100 80 60 40 20 0 1

2

3

Recuperação do estágio anterior a extração (%)

Ano

b)

120

Dinheirinho Dinheirinho

100

Dinheirinho

80 60 40 20 0 1

2

3

4

5

Ano

Figura 11. Recuperação da densidade média de talos maduros de arumã (%) em relação à densidade média inicial antes da extração, nas áreas de manejo da Associação dos Artesãos de Novo Airão, localizadas nos igarapés do Dinheiro (a) e Dinheirinho (b), comunidade do Sobrado, Novo Airão – AM.

129

Recuperação do estágio anterior a extração (%)

140

c)

120

Sucuriju Sucuriju

100

Sucuriju

80 60 40 20 0 1

2

3

4

5

Ano

Recuperação do estágio anterior a extração (%)

d) 120 100

AguaB

80 60 40 20 0 1

2

3

Ano

Figura 12. Recuperação da densidade média de talos maduros de arumã (%) em relação à densidade média inicial antes da extração, nas áreas de manejo da Associação dos Artesãos de Novo Airão, localizadas nos igarapés do Sucurijú (c) e Água Branca (d), comunidade do Sobrado, Novo Airão – AM.

130

Em relação ao igarapé Água Branca, houve um episódio particular no período da coleta de arumã que pode ter ocasionado essa ausência de impacto. O levantamento de densidade desse igarapé foi realizado, pela primeira vez, somente pelo grupo de coletores e a responsável pelo manejo da AANA, que se encarregava também de realizar o levantamento, anotar os dados e coordenar as atividades. A minha ausência talvez, tenha acarretado em escolhas distintas. O grupo de coletores realizou nessa viagem, primeiro, a coleta de arumã da AANA e, segundo, o levantamento de densidade. Neste caso, tiveram que contar os tocos cortados no solo para quantificar os talos iniciais, antes do corte. Outro dado relevante é que a maior quantidade de arumã coletada proveio do canal do igarapé. Essa área não é contabilizada nos levantamentos, uma vez que a metodologia de contagem dos talos leva em consideração, apenas, a beira do canal em direção perpendicular à terra firme, de forma a cruzar o igapó 189 . A partir desses fatos, podemos concluir que nesse igarapé não foi registrada a diferença entre a densidade inicial e final de arumã coletado. Porém, para o mesmo igarapé podemos observar, ao longo dos anos, uma tendência negativa de incremento (Cf. Figura 12, d). O que fica evidente e confirma a tendência geral observada nos igarapés é que não existe uma taxa de recuperação efetiva que possa dar suporte às coletas de arumã sucessivas, mesmo cinco anos após a primeira extração. Para os igarapés da terra firme amostrados, dentro da comunidade do Sobrado, o manejo da extração de arumã não pode ser considerado sustentável em longo prazo sob condições ambientais naturais. Isto é, sem grandes perturbações antrópicas no ecossistema local que possam acelerar a abertura no dossel da floresta. Nesse sentindo, a maior concentração de touceiras de arumã encontradas na beira do canal dos igarapés maiores, explica a influência exercida pelo “fator luz” para o adensamento dessa plantas. Independente da atividade extrativa, o mais importante para o crescimento das touceiras de arumã são as condições ambientais nos locais de ocorrência das touceiras. A maior densidade de arumã, como as “reboladas de arumã” 190 que ocorrem em Anavilhanas, dependem da maior luminosidade propiciada pela abertura de clareiras (Nakazono et al., 189

O igarapé Água Branca é o menor igarapé utilizado para o manejo de arumã. A quantidade de arumã se adensa dentro do canal devido o mesmo ser bastante estreito e com pouca quantidade de água, mas ideal para manutenção do arumanzal por suas condições de maior luminosidade. 190 Denominação dada pelos coletores às grandes aglomerações de touceiras de arumã distribuídas nas ilhas de Anavilhanas.

131

2004; Nakazono, 2000, op.cit.). O papel das clareiras no interior das florestas tropicais faz parte do ciclo de regeneração e dinâmica da sucessão das espécies vegetais florestais 191 . Nesse cenário, as espécies herbáceas se destacam, na ocupação de novas condições microclimáticas geradas pelo beneficiamento ocasionado por maior intensidade de luz (Mulkey, 1986; Pfitsch e Smith, 1988; Mulkey et al., 1991). As espécies de arumã, Ischnosiphon spp., são monocotiledôneas herbáceas, plantas clonais, que se propagam de forma vegetativa através de rizomas , e por vezes, de estolões 192 (Nakazono, 2000 op.cit). Essa estratégia de reprodução pode auxiliar essas plantas, na distribuição e capacidade de colonização dos ambientes perturbados. A plasticidade morfológica de algumas espécies clonais, propicia certa capacidade de responder imediatamente às modificações do meio, sendo considerada como fator importante na conquista de ambientes heterogêneos (Dong e Pierdomicini, 1995). Para algumas espécies de arumã verificou-se uma maior abundância de touceiras em ambientes de estágio inicial de sucessão secundária provenientes da abertura de clareiras dentro da floresta (Nakazono et al., 2004; Silva, 2004; Costa et al. 2002; Hoffman, 2001: op.cit.), formando pequenos mosaicos e manchas na distribuição 193 . Em locais com subbosque fechado a freqüência e abundância de arumã é menor. Isto se deve a estabilidade da planta em ambientes sombreados, à espera de um novo espaço propiciado por uma clareira na floresta para se adensar 194 . A água é fator predominante na distribuição da espécie I. polyphyllus (Nakazono e Piedade, 2004, op.cit.). Em habitat de igarapés, a maior densidade de arumã também pode

191

Capoeira é um nome popular dado para florestas em estágio de sucessão ecológica. Segundo Odum, “sucessão ecológica envolve mudanças na estrutura de espécies e processos da comunidade ao longo do tempo. Quando não é interrompida por forças externas, a sucessão é bastante direcional e, portanto, previsível”. Denomina-se por sucessão secundária.“(...) aquela que começa num local anteriormente ocupado por uma comunidade, por exemplo,uma floresta derrubada ou um campo agrícola abandonado” (Odum 1988, op.cit., p. 283). 192 A propagação por estolão ocorre através dos caules aéreos, os talos. Na extremidade destes, onde se encontra o primeiro nó e de onde se ramificam os galhos e folhas, se desenvolvem raízes adventícias que em contato com o solo podem se estabelecer e formar uma nova planta. 193 Para duas espécies de arumã utilizadas pelos Baniwas, I. arouma e I. obliquus, os ambientes de capoeira, proporcionados pelo uso dos roçados indígenas, afetam positivamente a proporção de indivíduos adultos e de talos em reprodução sexuada, indicando que esses locais favorecem o crescimento e a maturação das touceiras (Silva, 2004). 194 “A redução nas disponibilidades de luz, umidade e nutrientes que o avanço do processo sucessional implica para as populações de ervas que ocupam o sub-bosque são os motivos mais prováveis operando sobre as taxas de crescimento e transformações na estrutura dessas populações” (Silva, 2004, p. 59).

132

estar relacionada com a presença de ambientes mais úmidos, como a beira do canal e locais de charco; neste último, como conseqüência da ocorrência de igarapés menores que cruzam o igapó. Em períodos chuvosos, durante os meses de dezembro a março, esse locais encontramse alagados num período aproximado de três dias após o término das chuvas (Nakazono, observação pessoal entre 2000 e 2007). Em ambientes de várzea, observa-se a mesma tendência para as touceiras de açaí, Euterpe oleracea, Arecaceae, onde a maior intensidade de luz associada à fertilidade e umidade do solo, aumenta a taxa de crescimento da palmeira, o perfilhamento, e a produção de palmito (Bovi, 2004). A interferência antrópica parece ter favorecido a permanência e abundância dessas plantas em certos ambientes, uma vez que tais fatores estão diretamente relacionados às condições físicas e ambientais que viabilizam uma maior entrada de luz. Os igarapés da comunidade do Sobrado são utilizados há muitas gerações. Além disso, por estarem situados nas proximidades de Novo Airão, tais igarapés são comumente freqüentados para pesca, abertura de roçados e retirada de madeira ilegal, em baixa escala e de modo artesanal / familiar. Essas atividades configuram situações semelhantes às propiciadas pela dinâmica de abertura de clareiras dentro da floresta, favorecendo, como dito anteriormente, a manutenção e abundância das touceiras de arumã. Outro fator de adensamento das touceiras é a largura do canal do igarapé, proporcionalmente relacionada com a incidência da luz. A maior freqüência na passagem de pessoas com canoas pelos igarapés auxiliam a manutenção dessa “abertura de clareira”, uma vez que, são cortados troncos, galhos e árvores vivas que cruzam ou caem atravessadas sobre o canal. Possivelmente, se a freqüência de canoas é grande nesses ambientes há provável concentração de atividades extrativas de recursos naturais (pesca, retirada de madeira, cipós, dentre outros PFNMs). No caso da extração de arumã, canoas grandes precisam entrar no igarapé para maximizar a quantidade de talos a serem carregados, numa viagem de coleta. O banzeiro das canoas, o movimento das ondas gerado pela passagem da canoa, também caracteriza um tipo de impacto sobre as beiradas do canal que desbarrancam e se alargam pela influência física da canoa. Outros igarapés, identificados como potenciais locais de ocorrência de arumã, sempre estão associados a locais próximos de comunidades residentes e áreas de antigas ocupações, principalmente, em ocupações decorrentes dos chamados “ciclos econômicos” amazônicos, 133

como os ciclos da seringa, castanha, ervas medicinais, óleos 195 . Algumas espécies de arumã da terra firme, utilizadas pelos índios Baniwa ocorrem de forma bastante densa em locais de antigos roçados. A presença humana e a abertura contínua das florestas, em função do sistema agroecológico Baniwa, tornam abundante a ocorrência de arumã nas florestas pertencentes a esta comunidade indígena (Hoffman, 2001, op. cit.). O conhecimento científico sobre a etnoecologia da espécie de arumã, I. polyphyllus, ainda é preliminar, uma vez que esse estudo é praticamente, um estudo piloto para a espécie (Nakazono e Piedade, 2004; Nakazono et al., 2004; Nakazono, 2000: op.cit.). Contudo, somando-se às outras informações e pesquisas sobre as variadas espécies do gênero, o “Projeto Arte Baniwa” no Rio Içana, região do alto Rio Negro e as atividades dos povos Ticuna no alto Rio Solimões e Kaiabi do Parque Nacional do Xingu, por exemplo, podemos dizer que o conhecimento sobre o uso desses recursos tem-se ampliado. E ainda que existem perspectivas inovadoras, nestes exemplos, no que se refere às formas de manejo empregadas e ao incentivo de pequenos empreendimentos.

5.1.6 Situação fundiária e a viabilidade do artesanato de arumã Como já mencionado anteriormente, a permissão legal para o uso de arumã na região de Novo Airão, depende de Planos de Manejo autorizados pelo IPAAM e IBAMA, em áreas de igarapés que se localizam fora do limite de abrangência da ESEC Anavilhanas. Os resultados encontrados na presente pesquisa, corroboram com a existência de uma relação estreita entre intensidade de luz e a abundância de arumã, como demonstrado. Verificada essa tendência, temos condições para sugerir e encaminhar novas pesquisas, estratégias de uso e manejo da atividade extrativa. Contudo, a espécie de arumã estudada ocorre somente nos locais caracterizados como APP. Nesses ambientes, não é permitido o uso e a extração de recursos naturais, uma vez que os mesmos se destinam à conservação das margens de rios e igarapés. Conforme a Medida Provisória n0 1.956-50 de 26 de maio de 2000, existe uma abertura para utilização dos recursos nesses locais 196 , o que pode explicar a compreensão do

195

Os igarapés do Rio Unini, na região de delimitação do Parque Nacional do Jaú, Barcelos – AM, são locais com grande abundância de arumã, segundo os moradores. O Rio Unini é um dos locais mais ocupados do Parque Nacional do Jaú e de seu entorno. 196 Art. 4° A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse sócio-econômico, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto; §3° O

134

IPAAM quando concedeu a Licença de Operação (LO) para a AANA fazer o manejo de arumã neste tipo de área de preservação. Mesmo havendo flexibilidade na lei para o uso desses locais, a sugestão para manipulação dos ambientes se torna complicada e burocrática para se testar novos sistemas de manejo. O ideal para o adensamento dessa espécie, antes de intensificar a extração é propiciar uma maior intensidade de luz. Podas de árvores e cortes de alguns tipos de plantas poderiam ser eficientes nos ambientes manejados de igarapés 197 . As condições naturais de abertura de clareiras não são suficientes para a manutenção de adensamentos dos talos, em caso de ciclos sucessivos de extração em uma mesma área. As indagações e hipóteses são várias. No entanto, para obtermos respostas adequadas e eficientes, novas pesquisas devem ser realizadas para avaliar o impacto de um novo sistema de extração de talos de arumã sobre o ambiente, considerando a manipulação para dar maior entrada de luz, e tendo em vista, as interações ecológicas do ecossistema local. Conclui-se então, que a extração de arumã, Ischnosiphon polyphyllus, nos igarapés da comunidade do Sobrado e em condições naturais de ocorrência da planta, se torna inviável para o manejo em curso na AANA. A sustentabilidade socioeconômica do artesanato fica prejudicada com o atual quadro de possibilidades da atividade extrativa. Incluo, nesta avaliação as dificuldades oriundas da legislação ambiental, principalmente, em relação a ESEC Anavilhanas; uma grande área de ocorrência de arumã próxima a Novo Airão. Contudo, para confirmar tais conclusões, seria apreciável aprofundar as pesquisas realizadas até o momento em concordância com as novas estratégias de manejo da AANA, possibilitando ampliar a discussão sobre a questão do uso de arumã pelo grupo local 198 . Até

órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação, em área de preservação permanente. 197 Práticas semelhantes sendo realizadas em ambientes de várzea, que também são florestas alagadas, têm demonstrado resultados significativos no manejo de açaí. Apesar de ser uma palmeira, o açaí, E. oleracea, também se apresenta sob forma de touceira. Sistemas tradicionais de manejo com os açaizeiros, praticados por ribeirinhos moradores da ilha das Onças, município de Barcarena – Pará, são empregados para aumentar a produção de frutos. Essas práticas consistem em realizar desbaste seletivo nas touças de açaizeiro associado ao raleamento seletivo de espécies arbóreas de pouco valor econômico (Jardim, 2004). 198 Em março de 2007 os coletores de arumã, Carlito F. dos Santos e Rubem F. dos Santos Filho, acompanhados pela ex-responsável pelo manejo da AANA, Elsilene B. da Silva e o técnico da FVA, Ignácio O. Josa, iniciaram uma nova estratégia de manejo em viagem ao igarapé do Cabeçudo, comunidade do Rio Puduari. Esse local já havia sido levantado pela AANA como área potencial para extração de arumã no ano de 2002. A idéia é conseguir estabelecer novos acordos com comunidades locais e áreas de uso para extração de arumã, vistos os resultados gerados nos igarapés da comunidade do Sobrado. Um fator favorável para negociação junto à comunidade do Rio Puduari, foi a presença de dois coletores dessa comunidade, já capacitados pela AANA, num último monitoramento realizado no igarapé do Sobrado, em novembro de 2006. O acordo estabelecido foi de que

135

tal momento, em termos técnicos, a AANA conseguiu êxito em sua gestão, uma vez que os coletores conseguem, sozinhos, manter o controle da prática efetuada em campo. É o que tem ocorrido, por exemplo, com o uso de arumã para confecção de cestaria na região do Alto Rio Negro. Na Bacia do Rio Içana, local onde há maior concentração de produção de cestos do projeto ARTE BANIWA, estão sendo desenvolvidos várias pesquisas sobre o uso e extração das espécies de arumã de terra firme. Além de experimentos sobre as formas extrativas dos talos para implantação de critérios de manejo, os índios Baniwa iniciaram plantios de arumã. Ambos os sistemas são complementares e auxiliam a manutenção de touceiras e estoques da matéria-prima utilizada. A demarcação do território indígena permite a esses povos, o direito de manejar os ambientes naturais de forma sustentável baseando-se em critérios que somam conhecimentos técnicos e etnocientíficos locais. Neste sentido, as decisões políticas que influenciam, regionalmente, os processos de tomada de decisão são fundamentais para o direcionamento da conservação dos ambientes amazônicos. Fato este, verificado na criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá (RDSM) 199 . Teoricamente e tecnicamente, a RDSM representa uma grande APP, pois se constitui praticamente, de florestas de várzea. Por outro lado é coerente e positivo aceitar que os povos e comunidades, residentes no local há anos, possam fazer o bom uso dos ambientes e também o manejo dos recursos naturais, desde que se mantenha um trabalho conjunto entre entidades parceiras, como órgãos governamentais, universidades, ONGs e representações da sociedade civil. A RDSM é a maior unidade de conservação brasileira formada por florestas inundáveis. A Reserva foi implementada visando proteger o ecossistema de várzea amazônica e conciliar a conservação da biodiversidade com o desenvolvimento sustentável das populações humanas residentes, cerca de 60 comunidades ribeirinhas 200 (www.mamiraua.org.br).

os coletores da comunidade iriam realizar as atividades juntamente com os coletores da AANA, dividindo os custos e ganhos. 199 A RDSM está enquadrada na categoria VI do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, criada em 2000. O Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá (IDSM), qualificado como organização social pelo decreto presidencial de julho de 1999, em convênio com o IPAAM, tem como responsabilidade a gestão de duas reservas estaduais: RDSM e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Amaná. Ambas as Reservas são vizinhas do Parque Nacional do Jaú. 200 A gestão da RDSM reflete um esforço conjunto de órgãos governamentais e parceiros diversos do terceiro setor e sociedade civil que apóiam iniciativas socioambientais e conservacionistas, Cf. www.mamiraua.org.br.

136

A ESEC Anavilhanas é o “cartão postal” da cidade de Novo Airão, devido à beleza de suas ilhas fluviais e fartura do recurso pesqueiro que atrai turistas praticantes de pesca esportiva. Além disso, a rota fluvial de barcos “de linha” que seguem para a região do médio e alto Rio Negro, cruza as ilhas de Anavilhanas. Pode-se dizer que a categoria de unidade de conservação, Estação Ecológica, desta área não está de acordo com a prática do ecoturismo ou mesmo, com o uso dito tradicional destes ambientes. Diversas influências externas afetam a preservação destes delicados ecossistemas. Por exemplo, pela legislação não poderia haver tráfego de barcos dentro dos limites territoriais da Estação Ecológica 201 . Para viabilizar as atividades extrativas na região de Novo Airão, o arquipélago de Anavilhanas deveria ser enquadrado numa categoria de RDS como a RDSM. Um conjunto de pequenos grupos, como Associação de Pescadores, AANA, entre outros, poderiam se configurar em esferas produtivas sustentáveis, com benefícios voltados ao desenvolvimento local e em concordância com a conservação dos ecossistemas naturais. A questão da sustentabilidade socioeconômica do artesanato de tupé não depende apenas de resultados de pesquisa, mas também do direito de acesso e uso de territórios localizados no entorno do município. Torna-se fundamental, o envolvimento do governo público local, estadual e federal para promover o desenvolvimento de pequenos empreendimentos de forma sustentável, incentivando assim, os arranjos institucionais que favorecem o sucesso desses empreendimentos.

5.2 A produção do artesanato da AANA Num universo de dezesseis entrevistadas, cerca de 56 % das artesãs, aprenderam a tecer e fazer tupés no período de formação do grupo, entre 1996 e 2005. O restante aprendeu desde criança, geralmente com a mãe. Dona Percília Clemente Martins, de 63 anos, mãe de Antônio Clemente Martins é exemplo disso. Com seu vasto conhecimento na arte do trançado,

201

Caso similar ocorre no Parque Nacional do Jaú, com 2.200.000 ha. As poucas famílias que residem dentro do Parque são impedidas de utilizarem e manejarem os recursos naturais da floresta. Conseqüência disso é o aumento da ação clandestina e predatória de uso dos recursos, como a pesca realizada por grandes barcos pesqueiros, pesca de tartarugas, tracajás, caça ilegal de animais silvestres para abastecer o mercado de Manaus e outros centros. O mesmo se aplica a enormes quantidades de cipó titica que é vendido para regatões de Manaus, a preços baixíssimos, pelos moradores do Parque (Durigan e Castilho, 2004).

137

saber herdado de sua ascendência indígena, Dona Percília 202 ensina e auxilia na capacitação das artesãs, desde o início dos trabalhos em grupo. Ela, juntamente com Suzana Anhape Bezerra de 63 anos e Esteva Vicente da Costa de 72 anos, afastada há cinco anos, foram artesãs que lideraram o aprimoramento da produção da AANA. Dentre essas artesãs mais antigas, apenas Dona Suzana continua como sócia e tecendo artesanatos. Dona Percília se afastou em 2002 da Associação por motivos de viagens a São Gabriel da Cachoeira, e retornando a Novo Airão não volta a se integrar na AANA. Mesmo assim, continua tecendo em casa e ajudando as filhas, Sônia e Edinéia, sócias da AANA. Provenientes de regiões do alto e médio Rio Negro, o grupo familiar Clemente se destaca na produção de artesanatos e, principalmente de tupés e jogos de mesa, como veremos mais adiante. “(...) O artesanato é uma arte, um aprendizado, uma forma de renda, de vida, e também uma forma de passar a arte indígena para outras pessoas” (artesãs da AANA em depoimento durante oficina de mapa do PNCSA, março de 2006).

5.2.1 O tupé e outros produtos feitos com arumã Os principais produtos confeccionados pela AANA são: luminária, chapéu, abano, bolsa, cestaria e fruteira de cipó-ambé (Philodendron sp. – Araceae); abano de tucumã (Astrocarium sp. – Arecaceae); balaio e peneira de arumã de terra firme (Ischnosiphon sp.); jogo de mesa e tupé de arumã (Ischnosiphon polyphyllus). O presente estudo se concentra na fibra de arumã usada para a confecção de tupé e jogo de mesa, produtos mais rentáveis para a AANA 203 . Esse tipo de artesanato não é comum no mercado regional. E, quando encontrado, se caracteriza pela má qualidade no acabamento 204 . Um dos fatores para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da confecção regional dos tupés é a ocorrência natural da espécie de arumã I.

202

Entre as artesãs entrevistadas, as sócias representantes do núcleo familiar Clemente correspondem a 37 % das entrevistadas (n = 19). Dentre a família Clemente, apenas uma artesã, sua sobrinha, não aprendeu a tecer diretamente com Percília, mas, sim com sua mãe. Percília e outra artesã da família têm ensinado várias sócias que pertencem a outros núcleos familiares. 203 Informações detalhadas sobre o beneficiamento dos outros produtos, assim como das tinturas utilizadas, podem ser obtidas em Martín e Lunardon (2002, op.cit.) e em Santos e Figueira (2002): Fibras Vegetais para o Artesanato: Técnicas de produção de fibras de arumã, cipó-ambé e tucumã. Cartilha produzida pela FVA e AANA. Financiamento: PDA. 204 Cf. Martín e Lunardon (2002, p. 73), os fatores que favorecem altos índices de saída para o produto tupé, (quase 100 %), se relacionam à qualidade dos produtos e ao efeito conjunto de uma alta demanda de mercado e da falta de concorrência.

138

polyphyllus, popularmente chamada de arumã membeca, ou simplesmente, arumã, encontrada com relativa fartura no entorno de Novo Airão. Conforme visto anteriormente, a ocorrência dessa espécie é comum nos igapós distribuídos ao longo do Rio Negro e seus afluentes. Sabe-se, por exemplo, que no rio Unini, área pertencente ao Parque Nacional do Jaú, existem igarapés “fechados” pela grande ocorrência de touceiras de arumã. Em Barcelos há também muitos artesãos e artesãs que produzem tupé devido à ocorrência da planta nos igapós das florestas alagadas do arquipélago fluvial situado em frente do município, somada à intensa presença indígena na região. Segundo relatos, o tupé era confeccionado para servir de divisória entre os cômodos de domicílios, antes de ser utilizado como tapete. O incentivo à produção e aprimoramento desses artefatos na forma de tapetes provém da ação dos técnicos da FVA, aspecto ressaltado como potencial negócio. Outro recurso que tem se destacado com um dos mais importantes para a AANA é o cipó-ambé. Atualmente, existem apenas cerca de dois a três artesãs (um homem) que tecem com essa fibra. As coletas dos fios de cipó são realizadas em florestas ao longo da estrada que liga à Manaus e em igarapés da região. O olho de tucumã também é usado para a confecção de alguns cestos e chapéus, mas, geralmente, somente uma artesã tem costume de entregar produtos com essa fibra.

5.2.2 O beneficiamento da matéria-prima As ferramentas utilizadas no processo de confecção do tupé e jogos de mesa são facas, fitas métricas e um instrumento para padronização do fio de cipó-ambé, utilizado para o arremate do tupé e jogos de mesa 205 . Tendo o arumã como matéria-prima principal, para a confecção do tupé e jogos de mesa, também é necessária, uma pequena quantia de fios de cipó para arrematar as bordas 206 . A principal matéria-prima utilizada na pintura do tupé provém da goiaba-de-anta, Bellucia dichotoma, Família Melastomataceae. Do tronco desta árvore, principalmente da parte inferior do caule, são extraídas lascas de madeira, de onde se retira uma resina

205

Utensílio desenvolvido pelas artesãs para padronizar a grossura do fio de cipó-ambé. Consiste numa tampa de lata furada com um prego. 206 Tupé (1 x 1m): 4m de arremate = 1,5m de cipó-ambé; Tupé (2 x 1)m: 6m de arremate = 2,0m de cipó-ambé; Tupé (2 x 2)m: 8m de arremate = 2,5m de cipó-ambé (ver Martín e Lunardon, 2002, op.cit., p. 63).

139

avermelhada. A quantidade de casca de goiaba-de-anta utilizada varia conforme o tamanho do tupé 207 . O estudo de Martín e Lunardon (2002, op.cit.) aponta três situações para a extração de arumã: 1) coleta familiar - artesãs que coletam o arumã nas ilhas e em igarapés; 2) coleta por terceiros, ou seja, não-sócios que vendem o arumã para as artesãs e 3) coleta pelo grupo de coletores da AANA – que nesse caso teria “custo zero” para a artesã. No momento do estudo citado, estava em discussão a forma de manejo empregado pela AANA. Os coletores, maridos das artesãs, se dispunham a coletar o arumã sem cobrar, desde que a AANA pagasse as despesas de viagem do grupo aos igarapés. Essa forma não se sustentou por muito tempo, tendo sido estabelecido um novo acordo, através de contratos formalizados entre a AANA e o grupo de coletores. Segundo esse contrato, os custos corriam por conta do grupo, que cobra um preço pelo feixe de arumã -100 talos de arumã, conforme já visto anteriormente. Sendo assim, a análise realizada sobre tal situação não se aplica, atualmente, a AANA. As coletas familiares de arumã têm se tornado raras, sendo mais comum, neste sistema, a coleta de cipó-ambé. Porém para as artesãs que usam mais comumente o cipó-ambé, grande parte deste produto provém de compras e encomendas a terceiros; o mesmo se aplica à segunda situação citada. Nessa pesquisa, considera-se apenas, a situação do grupo coletor da AANA que vende os feixes para as artesãs. Descrevo a seguir, resumidamente, o processo produtivo relacionado ao recurso arumã. Tal processo inicia-se com a chegada de arumã na beira do igarapé central de Novo Airão; o igarapé Freguesia, próximo às casas de farinha de algumas artesãs. Esse processo pode ser resumido em dez etapas descritas a seguir 208 .

Etapa 1: Deslocamento ao igarapé de Novo Airão Trata-se de uma pequena viagem para receber o arumã coletado, no mesmo dia em que o grupo de coletores chega do “campo”. O coletor entrega o arumã em feixes compostos por cem talos maduros e alguns “olhos”. Parte do arumã é levado pela artesã e parte é “afogado”

207

Tupé (1 x 1m): 1,0 kg; Tupé (2 x 1m): 2,0 kg; Tupé (2 x 2m): 4,0 kg (ver Martín e Lunardon, 2002, p. 62). Para informações detalhadas sobre os custos e a renda em cada etapa do processo, consultar Martín e Lunardon (2002).

208

140

no local, sendo mantido dentro d’água, com um peso em cima 209 . Posteriormente, a artesã volta ao igarapé para pegar o arumã armazenado.

Etapa 2: Desafogo e lavagem de arumã Após desafogar o arumã, as artesãs lavam os talos no próprio local. Com o auxílio de um pedaço de palha de aço ou bucha, os talos são lavados para retirar o excesso de cauxi e outros materiais orgânicos que possam estar grudados aos talos.

Etapa 3: Transporte de arumã As artesãs transportam o arumã até suas casas ou para a Central. Na maior parte das vezes, o arumã é transportado a pé, carregado pela artesã e seus familiares.

Etapa 4: Corte das pontas e padronização dos talos Com um corte na extremidade dos talos, as artesãs padronizam o comprimento das unidades em função do tamanho desejado. São variados tamanhos de tupés e jogo de mesa.

Etapa 5 Raspagem A casca dos talos é raspada para retirar a superfície verde do talo, o que favorece a pintura, resultando num talo esbranquiçado. Em média, pinta-se a metade do número total de talos maduros obtidos (Martín e Lunardon, 2002, op.cit.).

Etapa 6: Pintura A tinta da goiaba-de-anta é de cor avermelhada. Trata-se da planta predominantemente utilizada na pintura dos talos. Eventualmente, as artesãs também utilizam urucu (Bixa orellana), carajurú, ingá, paxiúba, dentre outras. A tinta de cor preta é obtida com a mistura de tisna ou tirna da lamparina aos outros componentes de tintura, como óleos e resinas.

209

Para a conservação dos talos de arumã é necessário mantê-los encharcados; para que o talo não resseque, o que ocasiona a perda da matéria-prima. Segundo as artesãs, o arumã pode ficar submerso até três meses. No entanto, o arumã perde em qualidade quando permanece por muito tempo afogado.

141

Etapa 7: Destalagem Partem-se os talos em quatro partes para obtenção das chamadas talas. A quantidade de talas depende da espessura do talo. De cada tala é retirado o bucho com auxílio de uma faca pequena, em movimentos repetidos para puxar o bucho da tala 210 . Com a retirada total do bucho, se obtém a fibra de arumã.

Etapa 8: Tecelagem Com as talas limpas sem resquícios de bucho, ambas as talas, pintadas ou não, são tecidas em diferentes tramas e padrões.

Etapa 9: Padronização do tamanho Pronto o tupé, antes de arrematar, as artesãs medem, repetidas vezes, todos os lados do tupé para assegurar-se do tamanho obtido. Geralmente é preciso acrescentar algumas talas ou fazer pequenos ajustes para finalizar o produto.

Etapa 10: Preparação do cipó-ambé e arremate A maioria das artesãs padroniza a espessura do fio do cipó-ambé, ao passar o fio por três vezes pela tampa de uma lata furada. Com o cipó pronto, inicia-se a fase final do arremate, ou seja, dobrar e prender as pontas das talas que sobraram nas extremidades. Para isto usam-se fibras de arumã (talo jovem), o chamado olho (para costurar sobre o fio de cipóambé). Como todo acabamento, essa fase requer cuidado e atenção, sendo uma atividade demorada, como a tecelagem do tupé. Todas essas etapas acontecem ao longo de vários dias. Sua periodicidade depende do tempo disponível da artesã. Martín e Lunardon (2002, op.cit.) sistematizaram tais etapas, para identificar o tempo total gasto de produção do tupé (Tabela 6) (Fotos 3).

210

Em alguns casos, conforme a espessura do talo maduro fino (aqueles que ocorrem nos igarapés) é possível cortar o talo apenas em duas partes. O bucho é uma matéria orgânica esponjosa similar à textura do isopor que constitui o talo de arumã.

142

Tabela 6. Tempo necessário, em horas e dias, para a confecção de tupés Tamanho do tupé

Tempo gasto (h)

Dias

Tupé (1 x 1) m

18:50

2

Tupé (2 x 1) m

33:35

4

Tupé (2 x 2) m

61:10

8

Dados adaptados de Cecília e Lunardon (2002). O tempo total foi dividido por 8 horas de trabalho diário.

Segundo artesãs da AANA, para a produção de tupé utilizam-se as seguintes quantidades de talos de arumã maduros grossos e inteiros, conforme Tabela 7. Inteiro significa o talo no seu comprimento original, onde é cortada somente a ponta. Com a extração nos igarapés e a maior quantidade de talos maduros finos tem-se utilizado um maior número desses talos para a produção do metro quadrado. Para confecção de jogos de mesa, as artesãs utilizam as pontas que sobram dos talos maiores cortados para a padronizar o tamanho do tupé ou utilizam os talos maduros mais finos.

Tabela 7. Número de talos maduros utilizados para a confecção de tupés. Tamanho Tupé

Número de talos maduros

1 m2 (1 x 1 m)

20 pedaços de talos medindo 1 m de comprimento. Cf. o tamanho do talo, corta-se pela metade ou divide este em até três pedaços de 1 m 211 . Pode-se dizer que são usados 10 talos maduros inteiros (se for talo fino, usa-se 15);

2 m2 (2 x 1 m)

20 talos maduros inteiros (se for fino 25);

4 m2 (2 x 2 m)

80 talos maduros inteiros (se for fino, cerca de 85 ou mais). Com um feixe de 100 talos maduros grossos, as artesãs conseguem produzir um tupé de 4 m2 mais dois tupés de 1 m2.

211

Cf. Nakazono (2000, op.cit.), em Anavilhanas verificou-se em 120 touceiras amostradas, segundo categorias de coleta utilizadas pelos coletores, seleção de touceiras com talos mais grossos e bons para uso no artesanato, uma média de 2,90 metros de altura do talo maduro; isto sem considerar a ramificação foliar na extremidade do talo.

143

Fotos 3. Etapas de produção do tupé: (A) Artesãs buscando feixes de arumã no igarapé; (B) Maria Erinildes S. de Oliveira raspando talos de arumã; (C) Crianças pintando arumã com urucum; (D) Artesãs destalando talos de arumã na Central de Artesanato, Cezarina, Alberta, Antônia e Tiana; (E) Maria Derli Clemente destalando arumã; (F) Artesãs e (G) Suzana A. Bezerra tecendo tupé na Central.

144

Com base em tais informações, estimadas em dias, a renda diária líquida obtida pela artesã para a confecção de um tupé de 4 m2 mais dois tupés de 1 m2 , equivale a R$ 8,00 reais 212 . Ou melhor, um feixe de arumã, que corresponde a 100 talos maduros, rende para a artesã cerca de R$ 100,00 reais em 12 dias. Ao final do mês, se a artesã produzir durante o mês todo, ininterruptamente, ela poderá obter uma renda ao redor de R$ 240,00 reais com a produção de tupés, sem contar as sobras dos talos que são aproveitadas para confecção de jogos de mesa, saindo a custo zero para a artesã em termos de matéria-prima. Porém, o cálculo estimado, em número de dias, para a produção de um tupé, considera que a artesã passa todo seu tempo disponível tecendo (8 horas por dia). Isso não ocorre na realidade, pois, o tempo gasto com o artesanato depende de outras tantas atividades econômicas e domésticas rotineiras. Estima-se, a partir de conversas com as artesãs que, considerando todas as etapas da produção citadas acima, se gasta, em média, duas semanas para produzir um tupé de quatro metros quadrados, e uma semana para produzir tupés de um e dois metros quadrados. O tempo total de produção varia entre famílias, conforme necessidades econômicas e capacidade de produção da artesã. Geralmente, esse tempo também é dependente dos pedidos de encomendas demandados pelo mercado. Segundo essas encomendas, a artesã prepara toda a tala necessária a ser utilizada, para depois iniciar a tecelagem dos tupés. Nesse caso, com as talas prontas em casa, a artesã consegue produzir cerca de dois tupés por semana (de 1 m2 e 2 m2) (Comunicação pessoal com artesã Cezarina F. Ribeiro).

5.2.3 A coleta de artesanato da AANA Os produtos das artesãs são entregues à Associação, no dia da “coleta de artesanato”, no terceiro domingo do mês, logo após uma reunião mensal. Em determinados períodos havia responsáveis para classificar e avaliar a qualidade. Depois de vários conflitos, a diretoria da AANA passa a executar o controle de qualidade, nem sempre, de forma eficiente. Tal avaliação é um pouco confusa, sendo que às vezes é exercida pela presidente, às vezes pelos membros do conselho fiscal, mas não existe uma norma certa para todas as coletas.

212

Cálculos baseados em: 1) custos para a artesã: valor do feixe de arumã (100 talos maduros) – R$ 15,00 reais, mais valor da mensalidade da AANA – R$ 5,00 reais; 2) Valor ganho pela artesã por metro quadrado de tupé – R$ 20,00 reais / m2. Total de 6 m2 – R$ 120,00 reais. Renda total para artesã – R$ 100,00 reais. Tempo total para produção – 12 dias.

145

Entretanto, manter o padrão de qualidade parece ser opinião quase unânime entre as artesãs e coletores, uma vez que a conquista da qualidade adquirida não pode ser perdida. Quantidades e outras informações sobre o artesanato são anotadas durante o controle da coleta sob responsabilidade do tesoureiro. O pagamento da artesã é feito com cheque, descontado, geralmente, na segunda-feira seguinte. Quando não há dinheiro suficiente em caixa, as artesãs não recebem no dia da entrega. A AANA posteriormente procura saldar suas dívidas com as sócias. Isso tem ocorrido com freqüência após a saída dos técnicos da FVA em 2003 e, parece ser decorrente do decréscimo nas vendas, principalmente das encomendas.

5.2.4 Aspectos econômicos na renda familiar A produção está diretamente relacionada com a disponibilidade de matéria-prima e fatores familiares, como o tempo gasto em atividades agrícolas e domésticas. Somente no caso de encomendas é que as artesãs têm prazo para a entrega dos produtos. As relações de parentesco são comuns entre as artesãs e orientam o sistema produtivo. Os grupos familiaresartesãs que mais se destacaram, principalmente de tupé, são: Clemente: Alberta Clemente de Souza, Antônio Clemente Martins, Edinéia Clemente Martins, Ivete Clemente Martins e Sônia Clemente Martins - todos filhos de Percília Clemente Martins e Valdivino da Silva. Nelizângela de Sena Teixeira é esposa de Antônio, Maria Derli Clemente dos Santos é irmã de Percília e Eliane Clemente dos Santos, filha de Maria Derli. Souza: Amadeu Carvalho de Souza, Janete Costa de Souza e Sebastiana Fragoso de Souza, filha de Esteva Vicente da Costa. Freitas dos Santos: Alcione Freitas dos Santos, Amélia Augusto Freitas dos Santos, Carlito Freitas dos Santos (coletor e marido de Maria Derli), Maria do Carmo Freitas dos Santos, Valci Freitas dos Santos e Rubem Freitas dos Santos Filho (coletor e marido de Sônia C. Martins). Todos são irmãos.

Cito também os artesãos e artesãs que participam da AANA desde o início do trabalho: Amélia Neres Alves, Antônia Batista, Cezarina Fragoso Ribeiro, Francisca Viana de Almeida (cipó-ambé), Lucimar Gomes Pereira, Manoel Marcelino Oliveira (cipó-ambé), Maria Erinildes Silva de Oliveira, Ozete Ramos Mota (cipó-ambé), Raimunda do Livramento 146

Pereira de Castro (cipó-ambé), Rock Elania Chaves da Silva, Suzana Anhape Bezerra e, “artesãos de Barcelos” 213 . A análise da produção das famílias da AANA baseia-se em dados fornecidos pela AANA e arquivos da FVA sobre dados de coleta de artesanato. Muitas dessas informações estavam incompletas, o que gera resultados parciais. As informações sobre quantidade de produtos e medidas de tupés e jogos de mesa, muitas vezes, estavam “em branco”, assim como para os valores de venda dos produtos. O dado mais confiável se refere aos valores de renda total por artesã, que raramente não é anotado. Por esse motivo, detive a análise somente para a renda bruta obtida pela artesã. No ano de 2004 somente três meses foram relatados ou perderam-se os documentos. O número de meses (n) verificados ao longo dos anos foi: 1997 (n = 6), 1998 (n = 9), 1999 (n = 12), 2000 (n = 10), 2001 (n = 9), 2002 (n = 11), 2003 (n = 10), 2004 (n = 3), 2005 (n = 7) e 2006 (n = 12) 214 . Grande parte da produção resulta do trabalho da família Clemente, desde o início da organização formal do grupo. Atualmente, vários sócios citados anteriormente, não estão mais na AANA (Anexo 13). Como a família Clemente produz preferencialmente artesanatos com arumã membeca, como tupés e jogos de mesa, o tupé representa a maior produção dos anos analisados. Para averiguar tais resultados a situação é descrita a seguir (Figuras de 13 a 22).

213

Os nomes são citados para realizar uma avaliação da produção familiar. Para facilitar a análise e apresentação dos resultados, agrupei as artesãs (os) e coletores em grupos familiares e mantive aquelas (os) que se apresentam de forma individualizada. Nos gráficos, as informações são apresentadas segundo essas descrições. 214 A ausência desses meses são conseqüências de perdas de dados pelas artesãs, seja por falta de registro, ou seja por perda das fichas e arquivos dos referidos meses.

147

Renda Grupo Familiar AANA (R$) Ano 1997 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00

te en C le m

O

ar

in

So

ut

ra s

uz a

F. a

V. C es

na

sc a ci Fr an

Su

za

Lu ci m

ar G .

B.

0,00

Figura 13. Renda (R$) total obtida pelos grupos familiares e artesãs da AANA no ano de 1997 (renda ≥ R$ 150,00 reais). Fonte de dados: fichas de coleta de artesanato da AANA e documentos de arquivos da FVA (6 meses).

Renda Grupo Familiar AANA (R$) Ano 1998 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00

te en C le m

uz a So

ra s ut O

ar C es

Su

za

in

na

a

F.

B.

0,00

Figura 14. Renda (R$) total obtida pelos grupos familiares e artesãs da AANA no ano de 1998 (renda ≥ R$ 150,00 reais). Fonte de dados: fichas de coleta de artesanato da AANA e documentos de arquivos da FVA (9 meses).

148

Renda Grupo Familiar AANA (R$) Ano 1999 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00

O ze te C R es . ar i n Fr a an F. ci sc a V Su za . na B. So uz a O ut ra C s le m en te

S.

.

ta s

lM oe

Fr ei

M an

Lu ci m

ar G .

0,00

Figura 15. Renda (R$) total obtida pelos grupos familiares e artesãs da AANA no ano de 1999 (renda ≥ R$ 150,00 reais). Fonte de dados: fichas de coleta de artesanato da AANA e documentos de arquivos da FVA (12 meses).

Renda Grupo Familiar AANA (R$) Ano 2000 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00

el M . nc is ca V. Fr ei ta s S. O ut ra s C le m en te

a uz

Fr a

So

za

an o M

B. na

G . Su

ci m

ar

E. Lu

ar ia M

C es

ar

in a

F.

0,00

Figura 16. Renda (R$) total obtida pelos grupos familiares e artesãs da AANA no ano de 2000 (renda ≥ R$ 150,00 reais). Fonte de dados: fichas de coleta de artesanato da AANA e documentos de arquivos da FVA (10 meses).

149

Renda Grupo Familiar AANA (R$) Ano 2001 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00

Su

za

na

B.

M an oe lM C es . ar in a Lu F. ci m ar G . So Fr uz an a ci sc a V. Fr ei ta s S. Ba rc el os O ut ra C s le m en te

0,00

Figura 17. Renda (R$) total obtida pelos grupos familiares e artesãs da AANA no ano de 2001 (renda ≥ R$ 150,00 reais). Fonte de dados: fichas de coleta de artesanato da AANA e documentos de arquivos da FVA (9 meses).

Renda Grupo Familiar AANA (R$) Ano 2002 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00

a F. M an oe lM . Su za na B. Fr an ci sc a V. O ut ra s C le m en te

a uz

es ar in C

So

os el rc

Ba

M ar ia

E.

0,00

Figura 18. Renda (R$) total obtida pelos grupos familiares e artesãs da AANA no ano de 2002 (renda ≥ R$ 150,00 reais). Fonte de dados: fichas de coleta de artesanato da AANA e documentos de arquivos da FVA (11 meses).

150

Renda Grupo Familiar AANA (R$) Ano 2003 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00

Fr ei ta s

S So . uz O a ut O ras ze te R .

R o Su c k E za . n C es a B ar . Lu ina F ci m . ar M G. Fr ari an a E ci s . M ca V an oe . C lM le m . en te

0,00

Figura 19. Renda (R$) total obtida pelos grupos familiares e artesãs da AANA no ano de 2003 (renda ≥ R$ 150,00 reais). Fonte de dados: fichas de coleta de artesanato da AANA e documentos de arquivos da FVA (10 meses).

Renda Grupo Familiar AANA (R$) Ano 2004 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00

M an oe lM . C le m en te

ut ra s O

a uz

a sc ci an

Fr

So

V.

F. a in ar

es

C

M ar ia

E.

0,00

Figura 20. Renda (R$) total obtida pelos grupos familiares e artesãs da AANA no ano de 2004 (renda ≥ R$ 150,00 reais). Fonte de dados: fichas de coleta de artesanato da AANA e documentos de arquivos da FVA (3 meses).

151

Renda Grupo Familiar AANA (R$) Ano 2005 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00

So uz a ai m un da L. O ut ra s C le m en te R

oc k Fr E. an ci sc a V. C es ar in a F.

R

Su za na

B.

0,00

Figura 21. Renda (R$) total obtida pelos grupos familiares e artesãs da AANA no ano de 2005 (renda ≥ R$ 150,00 reais). Fonte de dados: fichas de coleta de artesanato da AANA e documentos de arquivos da FVA (7 meses).

Renda Grupo Familiar AANA (R$) Ano 2006 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00

s

le m en te C

ut ra O

B.

Su za na

So uz a

Fr ei ta s

S. Fr an ci sc a V. M an oe lM .

0,00

Figura 22. Renda (R$) total obtida pelos grupos familiares e artesãs da AANA no ano de 2006 (renda ≥ R$ 150,00 reais). Fonte de dados: fichas de coleta de artesanato da AANA e documentos de arquivos da FVA (12 meses).

152

A maior parte da produção da AANA sempre esteve associada à produção de tupés, cerca de 80 % da produção global da Associação (Nakazono, 2000, op.cit.). Considerando as conseqüências relativas à formação da Associação, o grupo familiar Clemente demonstra interesse e capacidade para assumir a gestão atual do empreendimento, atualmente sem a intervenção direta da FVA. Esse interesse familiar também pode derivar de fatores culturais, como a prática artesanal herdada dos antepassados indígenas, uma vez que, tecnicamente, dominam o processo produtivo. É comum, em empreendimentos semelhantes que uma família se sobressaia mais na produção de artesanato, conforme também verificado no caso do TucumArte (capítulo III). Contudo, o favorecimento de um grupo familiar na gestão do empreendimento pode comprometer o desenvolvimento da empreita, que depende da confiança mútua entre os membros e não do privilégio de alguns. As regras devem ser claras, visando manter igualdades nas relações entre associadas. Devido à falta de dados sobre renda total da produção dos artesanatos, conforme já mencionado anteriormente, não foi possível realizar uma análise mais efetiva sobre a mesma. Para tentar avaliar a evolução da produção da empreita ao longo dos anos, utilizei então, a soma dos dados de renda bruta das artesãs. Como a porcentagem de venda sobre os produtos é variada, os dados apresentados representam valores aproximados da arrecadação da AANA com a venda de artesanatos 215 (Figura 23). A produção global da Associação apresenta períodos de ascendência e declínios, o que reflete os “altos e baixos” e conflitos internos na Associação. Apesar da grande variação ao longo dos anos, parece haver uma estabilidade da produção do empreendimento entre os anos de 1999 e 2003. No entanto, não estamos considerando nessa análise a grande rotatividade de sócias na Associação ao longo desses anos. Importante notar que mesmo após a saída de técnicos da FVA, no início de 2003, a AANA não perde sua capacidade produtiva, período que coincide com a entrada de Rock Elania na tesouraria.

215

Em média cerca de 50% do preço de venda dos produtos fica para o fundo rotativo da AANA, cf. veremos adiante no item 5.3.

153

Renda Artesãs (R$) 14.000,00 12.000,00 10.000,00 8.000,00 6.000,00 4.000,00 2.000,00 0,00 1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Figura 23. Renda (R$) bruta total das artesãs da AANA entre os anos de 1997 e 2006.

Mas os conflitos se agravam durante a época de eleição no ano de 2004, onde as artesãs enfrentam sérias dificuldades internas com a presidente. Nesse ano, ocorre uma queda na produção. Os conflitos entre artesãs são vários e se deve principalmente pela quase total ausência de membros da diretoria na Central, como da própria presidente e tesoureiro, já no início do segundo semestre, meses antes da eleição. As artesãs disseram haver um certo abandono de sócias na Central, e que presidente e tesoureiro rivalizavam entre si por questões políticas partidárias, já que o tesoureiro era aliado do Partido dos Trabalhadores (PT). Vale destacar também, que para o ano de 2004 existem problemas de amostra, com apenas três meses de dados registrados. Mesmo assim, a queda na produção após 2003 é bastante acentuada. Com mudanças na diretoria em 2005 e retorno de Antônio Clemente à presidência em 2006, a capacidade produtiva da AANA parece ascender novamente, com a entrada de nove sócios novos no ano de 2007. Ainda com relação a essa produção, utilizei dados totais de produção de tupés, entre os anos de 1997 e 1999, para estimar o número de talos maduros de arumã extraídos 216 . Entre os anos de 2000 e 2005, utilizei o número total de talos coletados nos igarapés da comunidade do Sobrado, segundo os critérios de manejo adotados (Figura 24). Com exceção do ano de 2002, a quantidade de talos coletados aumentou bastante nos dois primeiros anos da implementação 216

Cf. já mencionado, para um metro quadrado de tupé utiliza-se, aproximadamente, 10 talos maduros grossos inteiros de arumã.

154

do manejo, nos anos de 2000 e 2001, diminuindo gradualmente nos anos posteriores. Esses resultados demonstram o potencial de extração de arumã nos ambientes de igarapés, uma vez que nesses, a planta ocorre de forma mais concentrada que nas ilhas, onde as touceiras encontram-se mais dispersas. Antes do manejo de arumã, entre os anos de 1997 e 1999, as coletas ocorriam na ilhas de Anavilhanas e arredores de Novo Airão e durante esse período, a venda de tupés representava cerca de 80 % da produção total da AANA. Para esses anos, verifica-se uma média de 7.644 talos maduros extraídos. Para os igarapés, verifica-se uma média de 14.797 talos maduros extraídos nos igarapés entre 2000 e 2005. Tais resultados também podem evidenciar uma melhoria na capacidade de produção de tupés da AANA após a formação do grupo de coletores. A partir da organização da atividade extrativa em coletivo foi possível realizar coletas maiores e planejadas pela Associação através de encomendas dos feixes de arumã solicitadas pelas artesãs, potencializando a atividade produtiva na confecção de tupé e jogo de mesa. Associado a isso, a Central de Artesanato acabava de ser inaugurada (maio/2000), momento de bastante entusiasmo pelas sócias. Nesse período, verificou-se a maior freqüência de artesãs produzindo na Central.

155

Total Talos Arumã AANA 30000 25000 20000 15000 10000 5000 0 Ano 1997

Ano 1998

Ano 1999

Seca 2000

Seca 2001

Seca 2002

Seca 2003

Seca 2004

Seca 2005

Figura 24. Estimativa do número de talos maduros coletados pela AANA nos anos de 1997 a 1999, conforme dados de metro quadrado de tupé e jogo de mesa, produzidos nesses anos. Número de meses analisados: 1997 (n = 6), 1998 (n = 9), 1999 (n = 12). E número total de talos maduros coletados nos igarapés da comunidade do Sobrado, durante o período de seca dos igapós (entre os meses de agosto e abril). Fonte de dados: fichas de coleta de artesanato da AANA, documentos de arquivos da FVA e, fichas de coleta de arumã da AANA nos igarapés entre os anos de 2000 e 2005 (período de seca das coletas).

A queda na extração de talos após 2001 pode ser explicada pelos conflitos internos da AANA, que começavam a se intensificar em decorrência de um maior distanciamento da FVA. A queda mais acentuada no ano de 2002, também pode se justificar pelos fatores sociais citados anteriormente. Ao final do segundo semestre do ano de 2001, houve um roubo dentro da Associação. Após o ocorrido, as artesãs se encontravam muito desestimuladas pelo trabalho da Associação. Concomitantemente, o técnico da área de organização social da FVA deixa o trabalho com as artesãs, em dezembro de 2001. Neste período a sede da AANA fica quase abandonada pelas sócias, o que se reflete posteriormente no ano de 2002. O gráfico apresentado na Figura 25 parece corroborar essa tendência. A partir do número total de talos maduros coletados é possível estimar a produção do metro quadrado de tupé. Tendo essa medida e preço 217 , calcula-se a renda obtida pela AANA com a produção de

217

Valores do metro quadrado de tupé para a venda: 1997 a 1999: R$ 12,00 reais; 2000 a 2002: R$ 15,00 reais; 2003 e 2004: R$ 30,00 reais; 2005: R$ 35,00 reais.

156

tupés nos anos analisados 218 (Figura 25). A renda total obtida pela AANA com a produção de tupé aumentou consideravelmente após a implementação do manejo de arumã, do ano de 2000 em diante. A média de renda anual para esses anos foi de R$ 29.245,00 reais, enquanto que para os anos de 1997 a 1999, a renda média anual são de R$ 9.173,00 reais. Um fator que também contribuiu para essas diferenças foram os aumentos realizados nos valores do metro quadrado do tupé, após o ano de 1999 até o ano 2005; cerca de 192 % de aumento. Parte desse aumento nos preços parece explicar também o aumento na renda proporcionada pela venda de tupés, nos anos de 2003 a 2005, já que a coleta de arumã nesses anos foi menor. A partir do ano de 2003, observa-se um aumento no preço do metro quadrado do tupé ao redor de 50 %. As dificuldades e maiores custos às artesãs com a implementação do manejo foram os motivos principais para esse aumento. Assim, verifica-se um reajuste dos preços de tupé em decorrência dos custos acarretados à produção a partir do início da atividade de manejo.

218

Para os anos de 2000 a 2005, do valor total calculado, considerou-se 90 % deste, visando descontar 10 % como parte resultante de erros, perda de matéria-prima, produto não vendido e etc.

157

Estimativa Renda (R$) Produção Tupés AANA 50.000,00 40.000,00 30.000,00 20.000,00 10.000,00 0,00

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Figura 25. Estimativa da renda (R$) bruta da AANA a partir da produção de metro quadrado de tupés entre os anos de 1997 e 2005. Fonte de dados: fichas de coleta de artesanato da AANA e documentos de arquivos da FVA: Número de meses analisados: 1997 (n = 6), 1998 (n = 9), 1999 (n = 12). E, fichas de coleta de arumã da AANA nos igarapés entre os anos de 2000 e 2005 (período de seca das coletas), para realizar estimativa do total de metro quadrado produzido de tupés.

Apesar dos conflitos internos relativos à gestão do empreendimento, a diretoria da AANA tem conseguido manter um saldo de caixa positivo ao longo dos meses, graças ao mercado conquistado. Com reservas financeiras, em média, acima de R$ 2.000,00 entre os anos de 2002 a 2006, a Associação garante um fundo rotativo suficiente para pagamento adiantado dos artesanatos entregue pelas artesãs (Figura 26). O alto valor para 2006 é interessante; o valor evidenciado é praticamente o dobro dos anteriores. Porém a análise se restringiu aos meses de janeiro a agosto. Alguns fatores podem explicar essa diferença. Sônia Clemente Martins tem sido bastante rígida na cobrança às sócias para pagamentos de dívidas, desde o final do ano de 2005, quando assume o cargo de tesoureiro. No momento do pagamento do artesanato à artesã, ela desconta parte desses valores, “um pouco a cada mês”. Essas dívidas referem-se a mensalidades bastante atrasadas, feixes de arumã, contas de telefone da Associação 219 , limpeza de terreno, empréstimos, entre outros. O objetivo principal dessa atitude tomada por Sônia é conseguir arrecadar recursos financeiros para quitar as dívidas atrasadas da AANA com a contadora, que em fevereiro de 219

As sócias utilizam o telefone da Central de Artesanato para realizar ligações particulares.

158

2006, somavam cerca R$ 3.800,00 reais; esses valores não estão inseridos nos dados do gráfico, o que diminuiria bastante o saldo médio de caixa da AANA.

Saldo médio de caixa da AANA (R$) 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00 0,00 2002

2003

2004

2005

2006

Figura 26. Saldo médio de caixa da Associação dos Artesãos de Novo Airão - AANA nos anos de 2002 a 2006. Somente para os dados de 2006 foram analisados os meses de janeiro a agosto; o restante dos anos foram de janeiro a dezembro (Fonte: prestações de contas da AANA). A renda bruta média das artesãs 220 , em relação ao salário mínimo oficial do Brasil221 , diminui nos últimos anos, entre 2005 e 2006 (Tabela 8). Contudo, a produção da família Clemente no ano de 2006, aumentou em relação ao ano anterior, indicando, uma maior concentração de renda nesta família (conforme Figuras 21 e 22). O cálculo para averiguar a renda média das artesãs, nos meses analisados, recobre a variação que existe na produção de cada família, ao longo do ano. Com tais dados, estamos interessados apenas, em avaliar o percentual de renda média das artesãs ao longo dos anos. Considerando os percentuais médios analisados, de 1997 a 2006, a renda bruta média anual das famílias foi igual a 42 % do salário mínimo oficial do Brasil (min.:29 %; max.: 63 %), que para o ano de 2006, corresponde a um valor de R$ 158,00 reais.

220

Somente as artesãs presentes há mais de três anos nos dados das planilhas foram consideradas. Valores do salário mínimo oficial do Brasil (em Real), no mês de dezembro dos anos: 1997: R$120,00; 1998: R$130,00; 1999: R$136,00; 2000: R$151,00; 2001: R$180,00; 2002: R$200,00; 2003: R$240,00; 2004: R$260,00; 2005: R$300,00; 2006: R$350,00.

221

159

Tabela 8. Porcentagem da renda bruta média das artesãs da AANA em relação ao valor do salário mínimo oficial no Brasil, entre os anos 1997 e 2006 (n = número de artesãs). Ano (n meses)

Renda média das artesãs da AANA em relação ao salário mínimo oficial do Brasil (%)

1997 (6)

63 % (min:6 %; max: 167 %; n=22)

1998 (9)

39 % (min:5 %; max: 97 %; n=21)

1999 (12)

43 % (min:5 %; max: 95 %; n=30)

2000 (10)

43 % (min:5 %; max: 115 %; n=26)

2001 (9)

26 % (min:3 %; max: 65 %; n=29)

2002 (11)

49 % (min:7 %; max: 119 %; n=24)

2003 (10)

58 % (min:29 %; max: 112 %; n=17)

2004 (3)

37 % (min:12 %; max: 92 %; n=16)

2005 (7)

32 % (min:13 %; max: 69 %; n=17)

2006 (12)

29 % (min:11 %; max: 64 %; n=15)

De acordo com a estimativa do potencial de produção de tupé por mês, ao redor de R$ 240,00 reais, considerando oito horas diárias de trabalho (ver página 140), o valor de R$ 158,00 reais equivale a 66 % dessa capacidade de produção. Tal fato corrobora a hipótese de que a artesã não se dedica exclusivamente ao artesanato. Porém, a renda média proporcionada para as famílias das artesãs através da venda desses produtos é significativa dentre as atividades econômicas familiares e corresponde à cerca de metade do salário mínimo oficial do Brasil no ano de 2006. Ou, poderíamos dizer que a artesã utiliza em média, um feixe de arumã por mês e arrecada um valor ao redor de 50 % do salário mínimo, considerando que utilizam ainda as pontas dos talos para fazer jogo americano. A partir dos gráficos apresentados, nota-se que as artesãs, atualmente, têm conseguido conquistar sua autonomia e maior capacidade de gerenciamento, que garante em parte, a estabilidade econômica da empreita. Percebe-se que mesmo com uma grande instabilidade entre as artesãs, existe um pequeno grupo composto por dez mulheres e um homem, com trabalho consolidado e que mantém a AANA desde a fundação da Associação em 1996. As dificuldades enfrentadas podem ter assegurado conhecimentos e habilidades que crescem e amadurecem em seu enfrentamento, em meio às dificuldades e adversidades. Essas 160

habilidades e saberes adquiridos decorreram, em parte, de várias capacitações proporcionadas pela FVA ao longo dos anos, aspecto positivo da relação entre as organizações. Associados à geração de renda constituem os principais suportes para a ação da AANA e permitem seu empoderamento e independência. Em paralelo, a FVA também amadurece. Percebendo as pressões externas de financiadores e avaliando as formas de intervenção inicial, soube tomar iniciativas para mudar positivamente sua forma de ação, mesmo que tais alterações sejam percebidas, em médio prazo. Neste sentido, o distanciamento da FVA no ano de 2003 foi imprescindível 222 .

5.3 A Comercialização dos produtos O processo de comercialização gira em torno da entrada e saída de dinheiro na AANA: a compra dos produtos das artesãs e a venda desses produtos para os consumidores. Os artesanatos que são comprados pela Associação ficam estocados no depósito da Central. Parte desses são colocados na loja para atender a venda local, e outra parte, é armazenada no depósito para futuro despacho de encomendas e utilização na loja ou em feiras. Ou seja, a comercialização dos artesanatos ocorre através da loja da AANA localizada na Central de Artesanato em Novo Airão, pela FVA na sede em Manaus, através de encomendas solicitadas de outros Estados e através da participação das artesãs em feiras e encontros. Os custos da comercialização abarcam: 1) comissão para responsável em loja e depósito (10 % da venda na loja), 2) descontos dos produtos, 3) transporte, 4) embalagem: barbante, fita adesiva, fita gomada, sacola de plástico, lona de plástico preta, caixa de papelão; 5) telefone: serviço mensal, ligações sem atribuição, ligações para encomendas, juros e multas, 6) custos administrativos: cadernos e notas fiscais, materiais diversos, 7) custos de marketing: informações ao cliente, etiquetas, 8) luz. No caso de encomendas, o custo de transporte é do comprador. Através do fundo de caixa rotativo a AANA supri todos os custos citados e compra o artesanato das sócias (os).

222

O antropólogo Alfredo Wagner B. de Almeida foi enfático neste aspecto, tanto em sua avaliação, como nas recomendações finais de seu trabalho junto aos técnicos.

161

O fundo rotativo da AANA 223 foi criado em 1997 com o intuito de gerar recurso financeiro de caixa para pagar a artesã no momento da entrega do produto pela mesma à Associação. Esse fundo se constitui da soma de dois valores: um real que é descontado por metro quadrado de tupé da artesã (cerca de 5 % do valor pago à artesã fica para o fundo), e a diferença entre o valor que é pago para a artesã e o valor de venda (cerca de 43 % do valor da venda do tupé fica para o fundo). Um total de 48 % da venda de um metro quadrado de tupé fica no fundo rotativo da Associação. A forma como foi criado o fundo gera uma série de confusões para as artesãs, pois para o imaginário delas, o que fica para o fundo é somente o valor de um real que é descontado por seus produtos. Porém, a diferença que sobra do valor de venda é também depositada na conta da AANA para auxiliar o pagamento dos artesanatos e para custear os outros gastos da Associação. Tal confusão gerada não ajuda as artesãs entenderem a gestão dos recursos financeiros, no seu conjunto integrado. Simplesmente, só existe a diferença entre o que é pago para a artesã e o valor vendido no mercado 224 . De todos os produtos comercializados pela Associação (Anexo 14), em média, o valor de venda corresponde a 55 % do valor pago à artesã 225 . A maior porcentagem de renda obtida pela AANA é proveniente da venda de tupés e jogo de mesa, corroborando com os dados de produção vistos anteriormente (predominância da família Clemente). Dentre os produtos principais da AANA e juntando os outros produtos restantes na categoria "outros", o tupé continua a predominar na venda, com exceção do ano

223

Segundo Figueira (2002, op.cit), o fundo foi criado em função da produção de tupé. Desde o início do trabalho a FVA comprava os produtos das artesãs em suas casas. Em 1997, a FVA não tinha mais recurso para efetuar o pagamento. A princípio a FVA emprestou dinheiro para a AANA pagar as sócias. Para encerrar a dívida com a FVA, era descontado dos produtos das artesãs o valor de um real por metro quadrado de tupé. Depois de quitada a dívida com a mesma, as artesãs decidiram manter esse critério para gerar um fundo de caixa. Para o restante dos produtos não existe uma lógica para desconto desse valor. De modo geral, é descontado da artesã um real de cada produto. Quando esse é muito pequeno, como no caso de algumas peneiras, desconta-se R$ 0,50 reais. 224 No segundo semestre de 2005, atendendo uma demanda da tesoureira, auxiliei a mesma na prestação de contas da AANA. Nesse momento pude verificar a confusão que se tinha sobre o fundo da AANA, e em reunião com a tesoureira e conselho fiscal, esclarecemos as fontes desses montantes que permanecem como excedentes e depositados na conta da AANA. Após essa, tesoureira e conselho fiscal, realizaram uma reunião com as sócias para esclarecer o deslocamento desses recursos dentro da Associação, em relação as receitas e custos da AANA. 225 Cf. Martín e Lunardon (2002, op.cit.), a estrutura dos preços não prevê uma diferenciação em função dos diferentes métodos produtivos e dos diferentes métodos de provisão da matéria-prima. Maiores detalhes consultar Martín e Lunardon (2002).

162

de 2004 226 . Essa predominância observada em 80 % da produção total (Nakazono, 2000, op.cit.), conforme já mencionado, parece diminuir nos últimos anos, onde se observa uma média aproximada de 50 % de predominância na venda de tupé e jogo de mesa, em relação a todos os outros produtos (Tabela 9). Destaque considerável na conquista de mercado pela AANA nos últimos anos são os produtos feitos com cipó-ambé, como por exemplo, as luminárias. Ainda são poucas as produtoras que utilizam esse recurso, mas com a possível escassez de arumã, as artesãs começam a diversificar a produção da Associação. Em novembro de 2006, a loja da Central estava cheia de brincos, pulseiras e colares diversos, utilizando sementes e fibra de tucum.

Tabela 9. Porcentagem da renda obtida com a venda dos produtos nos anos de 2001 a 2004. Fonte: Blocos de notas fiscais da AANA (n = número de meses que havia blocos de notas fiscais). Venda de Artesanatos (%) Produto AANA

2001 (n = 11) 2002 (n = 12) 2003 (n = 10) 2004 (n = 3)

Tupé

43

36

27

23

Jogo de mesa

15

14

13

23

Luminária cipó

7

7

9

6

Luminária arumã

0

0

2

2

Bandeja arumã

0

1

0

0

Chapéu cipó

2

4

2

3

Bolsa mercado cipó

3

5

3

5

Outros

30

34

20

38

Todos produtos*

23

* “Todos produtos” correspondem ao valor total de uma venda com vários produtos realizada para Itália.

A grande diferença nos valores dos produtos deixados na AANA garante a manutenção de um fundo de caixa razoável para viabilizar os pagamentos das artesãs. Além disso, diferente de muitas iniciativas locais na Amazônia e constituindo um ponto positivo da AANA, a conquista de mercado para seus produtos de alta qualidade é o saldo da eficácia do empreendimento, principalmente da produção de tupés, que é maximizada pela baixa e quase 226

Mas nesse ano, a análise se restringiu a apenas três meses do ano. Desde o mês de março de 2004 a AANA ficou sem blocos de notas fiscais, pois estão se organizando na prestação de contas com a contadora para acertar as dívidas com a mesma (mar/2007).

163

ausente concorrência de mercado 227 . Também bastante considerável é o destaque obtido pelo tupé como produto diferenciado, através da promoção do manejo de arumã aliado à conservação do meio ambiente 228 (Nakazono et al., 2006, op.cit.). A sustentabilidade do trabalho coletivo depende do gerenciamento em todas as esferas administrativas da Associação, na coleta da matéria-prima, produção e comercialização dos produtos. Conforme visto, a boa demanda de mercado garante a AANA saldos positivos, através da qualidade de seus produtos e reconhecimento de uma identificação coletiva. Em meio a tantas adversidades, o processo produtivo se mantém. A falta de matéria-prima, principalmente de arumã, e os obstáculos de uso dos recursos naturais na região de Novo Airão, tornam-se, atualmente, o ponto de estrangulamento no empreendimento, após os problemas sociais observados. Contudo, vale ressaltar que alguns aspectos decorrentes da predominância da família Clemente pode vir tornar-se um fator de risco que ameaça o desenvolvimento e conquistas obtidas pelas artesãs, conforme vimos até o momento. Alguns comportamentos assumidos pelo atual presidente, um pouco autoritários, como o ocorrido na sua tomada de posse da presidência no início de 2006, ressaltam problemas sérios e aponta dificuldades ao exercício cooperativo. A ausência da FVA pode estar facilitando à perda de um processo mais democrático dentro da Associação, embora esse estivesse embasado numa relação de dependência. Mesmo não sendo objeto de minha pesquisa de campo, recentes informações obtidas (agosto de 2007), indicam essa tendência. Antônio parece estreitar relações com o atual prefeito, Wilton P. dos Santos, e desconsidera os membros do grupo nas suas tomadas de decisões; tais como, conceder o uso da Central para realização de cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) 229 , promovidos pela prefeitura, sem consultar os associados. Decorrente desse estreitamento nas relações, o prefeito ajudou a cobrir o pedaço do telhado da Central que faltava arrumar. 227

Tal fato pode explicar a ocorrência eventual, da venda particular ou individual por sócias da AANA. Atualmente não se tem mais verificado esse tipo de ação. Em apenas um caso notificado, as artesãs repreenderam duramente a sócia que vendia por fora da AANA, afastando-a da Associação por cerca de um ano. 228 A AANA produziu, em parceria com a FVA, uma etiqueta contendo informações sobre a organização das artesãs, o valor cultural e ecológico do produto tupé. 229 O SENAI é hoje um dos mais importantes pólos nacionais de geração e difusão de conhecimento aplicado ao desenvolvimento industrial (Ver: http://www.senai.br/br/home/index.aspx). Em Novo Airão, os cursos foram realizados para formação de encanadores, pedreiros, eletricistas e etc.

164

Porém, os conflitos na AANA se agravam após uma viagem de Antônio a uma feira internacional realizada em Recife – PE, em julho de 2007. Com grande êxito, Antônio consegue vender praticamente todos os produtos que leva, mas na ausência de recibos das vendas, não presta contas desses valores aos associados. Sem recibos, não consegue explicar a falta de dinheiro referente a comercialização do artesanato, justificando essa ser decorrente de descontos efetuados aos consumidores 230 . O alto valor do montante para descontos, obviamente, levanta dúvidas entre sócias e sócios. Artesãs mais antigas e que correspondiam ao pequeno grupo que ainda se mantinha desde a fundação da AANA não estão mais comparecendo nas reuniões da Associação, que por vezes nem têm ocorrido. Até a FVA tem tido dificuldades para marcar reuniões com a AANA. Logicamente, tal comportamento se dá como resposta do profundo desgosto das artesãs com a atual gestão. As atitudes de Antônio também não são muito aceitas por artesãs da família Clemente, no caso por exemplo, de Sônia (irmã) e Maria Derli (tia). Com a última troca de diretoria, realizada no mês de outubro de 2007, se mantém o predomínio da família Clemente na gestão através da presença de maridos dessas artesãs na presidência da AANA. A concentração da família Clemente se torna evidente e parece confirmar essa tendência, ao contrário do que aparentemente é definido como trabalho coletivo 231 . O reconhecimento do grupo conquistado se enfraquece com a emergência de novos artesãos na cidade e pouca procura por artesanatos da Central, uma vez que a loja quase sempre se encontra fechada e praticamente está sem produtos 232 . Em relação ao manejo de arumã, a FVA também deixa de realizar atividades que estavam previstas 233 . Nesse sentido, é fundamental que as associadas consigam solucionar os vários problemas na organização social citados. A falta de união e confiança mútua, ausência de 230

O total do valor de produtos levados para a feira foi em torno de R$ 5.000,00 reais e o total de “descontos” foi igual a R$ 2.000,00 reais. Para essa feira, foram levados os últimos tupés produzidos. O arumã utilizado para a confecção desses foram extraídos do igarapé do Cabeçudo, Rio Puduari, em atividade assessorada pela FVA. Essa foi a última atividade em relação ao manejo. 231 Atual gestão da AANA (out/2007): Presidente – Carlito F. dos Santos (marido de Maria Derli Clemente) e Vice-presidente – Rubens F. dos Santos (marido de Sônia e irmão de Carlito); Tesoureiro – Sônia Clemente Martins e Vice-tesoureiro – Edinéia Clemente Martins; Secretário – Francisca Edini e Vice-secretário – Alberta Clemente de Souza; Conselho Fiscal – Antônio Clemente Martins, Suzana A. Bezerra e Manoel M. Oliveira. 232 Grande parte dos produtos da Associação tem sido comprada de artesãos parentes da família Clemente, da região de Santa Izabel e São Gabriel da Cachoeira. 233 Segundo Elzilene B. da Silva, a maior parte do trabalho tem se concentrado em comunidades do município de Barcelos, como no Rio Unini e Acará, atuando em assessorias ao plano de uso dessas áreas. A FVA pretende realizar atividades futuras que contribuam às negociações com as comunidades do Rio Unini – Parque do Jaú, para implementação do manejo de arumã.

165

regimento interno, regras, punições e instâncias de resolução de conflitos, planejamento e avaliação das atividades, entre outros, impossibilita a reciprocidade nas ações entre membros, prejudicando o desempenho social e a sustentabilidade do empreendimento. Ainda há também, certa relação de dependência com a FVA, principalmente nas questões ambientais de manejo e na intermediação da comercialização dos produtos. Todos esses aspectos em conjunto configuram uma situação em que o grupo não se encontra totalmente autônomo e capaz de conduzir o próprio desenvolvimento. O futuro da nova configuração social e desenvolvimento da AANA pode ser um bom tema de pesquisa vindoura, avaliando os desdobramentos sociais e a sustentabilidade do empreendimento a partir de então. Depois de abordarmos as implicações socioeconômicas de gestão na AANA, veremos agora, as condições do empreendimento para o grupo TucumArte, comunidade de Urucureá, Pará.

166

CAPÍTULO III. ESTUDO DE CASO URUCUREÁ – TUCUMARTE

Neste capítulo estão apresentados os resultados sobre o caso do TucumArte, seguindo a estrutura utilizada no capítulo anterior. Como já mencionado na metodologia, obtive informações menos detalhadas para esse estudo, uma vez que o trabalho de campo se deu apenas durante a pesquisa de tese. Contudo, as características levantadas sobre o empreendimento TucumArte permitiram destacar fatores relevantes que influenciam o desenvolvimento da empreita e que contribuem para o exercício de elementos contrastantes entre os estudos de caso.

1. Aspectos físicos e socioeconômicos de Urucureá 1.1 Contexto ambiental Os rios de águas claras ou pretas, como o rio Tapajós, originam-se de formações geológicas antigas, como o Platô do Brasil Central e das Guianas. Por possuírem relevo regular oferecem poucas possibilidades de erosão (Sioli, 1991, op.cit.) e sendo assim, suas águas possuem aspecto cristalino, variando de ácidas a levemente alcalinas, com pH entre 4,5 e 7,8 (Zeidemann, 2001, op.cit.). A comunidade de Urucureá está localizada na margem esquerda do Rio Arapiuns, no município de Santarém 234 - PA e ocupa uma área de 250 hectares (02º15´877´´ S e 55º02´797´´ W). A sede municipal localiza-se na confluência com o Rio Tapajós e sua porção Norte se limita com o Rio Amazonas, nos municípios de Óbidos, Alenquer e Monte Alegre. A comunidade abriga cerca de 55 famílias e 275 habitantes 235 . A pluviosidade média anual é de 1920 mm, com maior intensidade de chuvas entre os meses de dezembro a maio. A temperatura média anual varia de 25º a 28º C, com umidade relativa média do ar de 86 % (Cf. Plano de Manejo de Tucumã, 2003) 236 .

234

O município de Santarém, PA, possui população de 274.012 habitantes em unidade territorial de 22.887 km2 (IBGE, censo 2005). 235 Segundo dados do PSA sobre o microsistema de abastecimento de água. 236 Plano de Manejo Florestal Sustentável de Guia de Tucumã (Astrocaryum vulgare). Associação de Moradores, Produtores Rurais e Extrativistas da Comunidade de Urucureá – Rio Arapiuns (ASMOPREURA). Comunidade de Urucureá, Santarém-PA, Novembro/2003.

167

Assim como em outras comunidades do Rio Arapiuns, Urucureá distancia-se, em média, quatro horas de viagem por via fluvial em embarcação regional. A economia de subsistência das famílias compreende atividades de cultivo de produtos agrícolas como mandioca, macaxeira, cará, batata, milho, maxixe, frutas e algumas verduras usadas para tempero, além da pesca e caça. A mandioca é o cultivo mais importante, sendo a farinha, a base da alimentação diária das famílias, acompanhada de peixe. No período de inverno, período de chuva e cheias dos rios, a condição para pesca é precária. Já no verão a pesca é facilitada pela formação dos lagos e aprisionamento dos peixes. Contudo, a localização geográfica privilegiada de Urucureá, na confluência entre os Rios Tapajós e Arapiuns facilita a vida da comunidade quanto à disponibilidade do recurso pesqueiro, principalmente pela proximidade ao Rio Amazonas. Durante o período de cheia dos rios, a pesca ocorre nas águas do Rio Amazonas; rico em diversidade e com maior densidade de peixes. Muitas são as vantagens da comunidade de Urucureá, em termos de acesso aos serviços de saúde, educação 237 com ensino médio modular, saneamento e telefonia, bastante precários nas outras comunidades. O trabalho de parceria com o PSA auxiliou o processo sendo que, no ano de 2004, o projeto capta recursos para implantar o sistema de água encanada na comunidade 238 . A prática artesanal com a palha de tucumã - Astrocaryum vulgare, família Arecaceae, nas comunidades situadas ao longo do Rio Arapiuns é tradicionalmente exercida por mulheres e repassada entre gerações de avós, mães e filhas 239 . O artesanato em tucumã resulta em variados e criativos cestos, suporte para plantas, mandala, porta lápis, descanso de panela, jogo amazônico, dentre outras utilidades. A maior parte desses produtos são vendidos para 237

Segundo a professora Zulmira Tapajós Conceição, 49 anos de idade, residente na comunidade-sede da Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio Dom Pedro I, a comunidade cresceu muito desde a década de 80. Um fator preponderante desse crescimento, segundo Zulmira é a implantação da escola com cursos de segundo grau, de 5a a 8a séries, em 1985. Isso motiva a atração de inúmeras famílias de comunidades vizinhas. O ensino médio modular existe desde o ano de 2001, segundo comunicação pessoal da professora em setembro de 2005. 238 Projeto financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A implantação do micro-sistema de abastecimento de água deriva do Projeto “Saúde na Floresta”, tendo como executora, o PSA. O Projeto também fomenta a formação dos agentes de saúde através da Comissão Integrada de Saúde (CLIS); apóia trabalhos de comunicação junto aos jovens através de uma rádio comunitária (rádio corneta – alto falante) e rádio amador atividades de formatação de jornal, além de incentivar a educação em trabalhos com os professores e monitores mirins. 239 Na comunidade de Umariaçu II, Tabatinga – AM, também foi observada a preferência e cultura artesanal entre as mulheres. A partir das palmeiras de tucum e tucumã são confeccionados redes, bolsas, tapetes, cestos, entre outros. (Nakazono, 2004, op.cit.).

168

comerciantes do mercado municipal de Santarém ou negociados com marreteiros que visitam essas comunidades. Em ambas as situações os comerciantes compram os produtos a preços muito baixos. Com o desenvolvimento da atividade e sua caracterização como pequeno empreendimento sustentável, onde a gestão de todo o processo produtivo é controlada pela comunidade local até o contato com o mercado, o artesanato ganha outro reconhecimento. A prática artesanal se torna uma oportunidade mais justa de geração de renda. Com o intuito de atender a demanda dessa atividade em outras comunidades, o grupo TucumArte de Urucureá tem se destacado como uma “iniciativa modelo” no aprimoramento da produção de artesanato e no conhecimento de técnicas de tingimento e pigmentação natural de matéria-prima. Com isso, tem crescido o interesse, por pessoas do sexo masculino, pela confecção dos produtos. Além disso, o TucumArte foi reconhecido internacionalmente a partir da certificação florestal concedida pelo FSC à atividade extrativa de folhas de tucumã. A obtenção do selo verde valoriza o artesanato do grupo e atinge um mercado voltado às questões socioambientais, permitindo que as formas de produção e extração dos recursos possam ocorrer de acordo com a gestão e realidade do grupo local, respeitando sua cultura e meio ambiente. As palmeiras de tucumã ocorrem em grande abundância em ambientes que foram perturbados, como em florestas de capoeira, em estágio de sucessão secundária. Geralmente associam-se ao cultivo da mandioca nessas comunidades, conforme veremos adiante. Contudo, observa-se em Urucureá a manutenção de locais reservados exclusivamente para a extração de tucumã. Esses locais foram antigos roçados cultivados pelos moradores. A perpetuação desses ambientes permitiu à comunidade uma área razoável de estoque da matéria-prima, pelo menos, até os índices atuais de produção de artesanato confeccionados pelo grupo. Tais características diferenciam Urucureá das outras comunidades dispersas ao longo do Rio Arapiuns, onde em alguns casos, a obtenção da palha de tucumã é bastante escassa 240 . A utilização de florestas de capoeira parece ser favorável para o cultivo e manejo desse recurso (ver item 5.1).

240

Na comunidade de Vila Coroca tem-se dificuldade de obtenção da palha de tucumã, uma vez que possuem poucas palmeiras disponíveis na comunidade. Segundo artesãs de Coroca, é necessário comprar a palha de pessoas que extraem em outras localidades.

169

1.2 Características socioeconomicas A maior parte das artesãs e seus maridos são provenientes de comunidades do Rio Arapiuns (Figuras 27 e 28) 241 . Entre as artesãs, 55 % nasceram em Urucureá, totalizando 73 % para toda a região do Rio Arapiuns que compreende outras localidades como Vila Anã , Vila Franca, Vila Socorro e Marituba; parte da Resex Arapiuns (n = 33). O mesmo se verifica entre os maridos das artesãs, onde cerca de 58 % dos entrevistados nasceram na comunidade de Urucureá, totalizando 79 % de nascidos na região do Rio Arapiuns (n = 14). As outras localidades são próximas da comunidade de Urucureá e região do município de Santarém. A grande proporção de pessoas residentes na própria comunidade ou de comunidades vizinhas evidencia o caráter aglutinador da atividade tradicional do artesanato de palha de tucumã na região. O fluxo migratório para Urucureá se explica devidos às facilidades citadinas, mencionadas anteriormente. Além disso, o desenvolvimento do artesanato como empreendimento positivo, torna-se mais um atrativo da comunidade.

241

Neste período, foram visitados 26 grupos domésticos de artesãs do TucumArte, sendo entrevistadas 32 mulheres e um homem na comunidade de Urucureá. O número de respostas obtidas é indicado entre parênteses (n = x).

170

Naturalidade Artesãs TucumArte 3%

Urucureá, Rio Arapiuns (PA)

3% Comunidades Rio Arapins (PA)

3%

Comunidades Lago Grande (PA)

9%

Alenquer, Rio Amazonas (PA) 12%

55% Itaituba, Rio Tapajós (PA)

15%

Marituba, Resex Arapiuns (PA) Patavá, Rio Inambu (PA)

Figura 27. Naturalidade das artesãs do TucumArte (n = 33).

Naturalidade Maridos Artesãs TucumArte

7% 7%

Urucureá, Rio Arapiuns (PA)

7%

Comunidades Rio Arapiuns (PA)

21%

58%

Alenquer, Rio Amazonas (PA) Comunidade Lago Grande (PA) Santarém (PA)

Figura 28. Naturalidade dos maridos das artesãs do TucumArte (n = 14).

O TucumArte é composto por 48 % de artesãs solteiras, 30 % de artesãs casadas, 12 % amigadas e 9 % viúvas (n = 33) 242 . Entre as artesãs solteiras existem quatro jovens entre 15 e 18 anos de idade, ainda estudantes. Do restante, onze solteiras, soma-se também um artesão homem solteiro. A maior parte dessas artesãs são também mães solteiras, ou seja, sem companheiro para obtenção de renda e apoio familiar, o que corresponde a 36 % das artesãs 242

Casada ou amigada - regionalmente considerado um casamento formal (ver Martini, 1994, op.cit.).

171

entrevistadas, número bastante próximo ao das consideradas “casadas” (42 %). Apesar de não termos dados referentes a todas as famílias da comunidade, a atividade artesanal passa a ter papel fundamental na renda familiar dessas artesãs, uma vez que não possuem maridos para ajudá-las no sustento da economia doméstica. Em média, os grupos domésticos são compostos por sete pessoas, dentre parentes consangüíneos, afins e agregados. O número máximo de pessoas compartilhando um mesmo grupo doméstico é de dezesseis pessoas. O menor é uma casa com um único morador solteiro (n = 19). Em geral, as mulheres 243 têm em média seis filhos (n = 25; min: 0 e máx.:16). No ano de 2005, a idade média das artesãs era de 35 anos, com idade máxima de 77 e mínima de 15 anos (n = 33), o que demonstra que tais atividades são exercidas pelas mulheres mais velhas. Entre as entrevistadas, 88 % das artesãs são católicas e 12 % são evangélicas (n = 33). Em termos de escolaridade, a maior parte das artesãs são alfabetizadas com cerca de 31 % das entrevistadas possuindo ensino fundamental completo. Apenas 9 % das artesãs são analfabetas que apenas sabem “assinar o nome” (Figura 29). Considerando que as artesãs são também responsáveis pelos afazeres domésticos, o artesanato foi citado como atividade principal para obtenção de renda monetária por 73 % das pessoas entrevistadas, combinado à atividade agrícola (n = 33). Entre as artesãs mais jovens, o estudo é ainda mais importante do que a prática de artesanato (Figura 30). Escolaridade Artesãs TucumArte 6% 3% Ensino Fundamental 9%

31%

Até 5a Série do Ensino Fundamental Até 7a Série do Ensino Fundamental

9%

Analfabeto/Assina Nome 15% 27%

Ensino Médio 2 Ensino Médio Completo Ensino Médio 1

Figura 29. Grau de escolaridade das artesãs do grupo TucumArte (n = 33)

243

Com exceção do único homem artesão que também não tem filhos.

172

Atividades Principais Artesãs TucumArte

3% 3%

Artesã

3%

Artesã/Agricultora

3%

Estudante/Artesã

6% 37%

9%

Artesã/Parteira Artesã/Agricultora/Seringueira Artesã/Agricultora/Aposentada

36%

Gerente Vendas/Artesã Agente Saúde/artesão

Figura 30. Atividades principais das artesãs do grupo TucumArte (n = 33)

De maneira similar, cerca de 65 % dos maridos das artesãs (n = 14), citaram a agricultura como atividade principal combinada à pesca (Figura 31). Os restantes (7 %), dividem-se entre professores, carpinteiros, pedreiro e oleiro de tijolos numa comunidade vizinha.

Atividades Principais Maridos TucumArte

Agricultor/Pescador 7% 7%

7%

Professor 37%

Pescador Agricultor

7%

Professor/Carpinteiro

7% 14%

14%

Carpinteiro Pescador/Olaria Tijolos Agricultor/Pescador/Pedreiro

Figura 31. Atividades principais dos maridos das artesãs do grupo TucumArte (n = 14)

173

Com relação às outras fontes de renda 244 , a produção de farinha de mandioca é considerada um produto alimentício feito também para comercialização. Cerca de 40 % das entrevistadas destacam seu uso como produto para a venda (n = 25). Com exceção do artesanato em tucumã, 40 % das entrevistadas declararam obter renda a partir de produtos extrativistas (n = 25). Isso se refere à venda da seringa (látex) extraída de antigas seringueiras na comunidade e revendida para a cooperativa local 245 . Em relação aos recursos pesqueiros, 52 % dos entrevistados obtém renda com a venda do peixe (n = 25). Este recurso é também um excedente do consumo familiar como a farinha. Outros 56 % de famílias de artesãs obtém sua principal fonte de renda através dos serviços temporários, pagos em diárias (R$ 25,00 reais em média). Em termos de ganhos salariais, cerca de 23 % dessas famílias possuem renda provinda de salários fixos (n = 25), 27 % possuem renda de aposentadoria (n = 26), 50 % possuem renda de programas de governos para distribuição de renda, como “Bolsa-Escola”, e 8 % dos recursos fixos provém de atividades comerciais (n = 24). Segundo informaram as artesãs, 38% das entrevistadas, obtém renda familiar mensal superior ao salário mínimo nacional 246 (n = 26) , cf. Figura 32. O crescimento progressivo da comunidade de Urucureá tem acarretado a diminuição das áreas de florestas e capoeiras e influencia nos ciclos de uso e na rotatividade das áreas de roçados. Muitas pessoas observaram que a “terra está cansada”, pois, a capoeira é derrubada ainda nova com cerca de dois anos; sem descansar o suficiente para a implantação de um novo roçado. A terra cansada produz uma mandioca pequena, acarretando baixa produtividade e má qualidade na produção de farinha. A baixa disponibilidade de áreas para roçado acarreta a variabilidade das medidas para divisão das mesmas, não havendo uma medida padrão como no município de Novo Airão, AM (cerca de um hectare).

244

Os dados sobre renda referem-se aos grupos domésticos e não às produtoras individuais. Cooperativa dos Trabalhadores Agroextrativistas do Oeste do Pará (ASCOPER). 246 Valor oficial do salário mínimo no mês de dezembro de 2005, igual a R$ 300,00 reais (R$ 2,34 / Dólar, dezembro de 2005). 245

174

Renda Familiar Mensal Artesãs TucumArte

8% 15%

Menor 39%

Maior Igual

38%

Metade

Figura 32. Renda familiar mensal aproximada das artesãs do TucumArte, em relação ao salário mínimo: menor metade, igual e maior que o salário mínimo (n = 26).

As unidades produtivas para o plantio da mandioca em roças de famílias de Urucureá são denominadas tarefas. Uma tarefa corresponde a aproximadamente 0,06 hectares (25 x 25 m). Nem todas as famílias souberam responder o tamanho correspondente às suas áreas de roça. Dentre as que sabiam (n = 6), encontrou-se uma área média de 0,19 hectares, variando de 0,03 hectares a um hectare de área total. Geralmente, os roçados são pequenos. Cerca de 81% das famílias possuem roças para o plantio da mandioca; dessas, 54 % dos entrevistados possuem casa de farinha (n = 26). O cultivo da mandioca e preparo da farinha é feito por todo o grupo doméstico, muitas vezes, em conjunto com outros grupos aparentados ou bons vizinhos. Assim, somam-se esforços e ajuda mútua em mutirões para a produção de farinha. Na maior parte das vezes, dois grupos domésticos ou mais, participam da produção de farinha. Em média, produzem aproximadamente, 75 quilos 247 de farinha por mês (n = 20). Sua comercialização é feita em pequena quantidade, como parte do excedente produzido para o consumo familiar. Em média são comercializados cerca de cinco quilos de farinha mês (n = 6) 248 .

247

As famílias de Urucureá utilizam o quilo como medida. Um saco de farinha corresponde a 50 quilos. Devido à dificuldade de manter uma roça, com as pequenas áreas e a re-utilização da mesma terra, a venda e a troca fazem parte de um sistema de reciprocidade para a provisão familiar de farinha.

248

175

Além da mandioca os moradores cultivam macaxeira, cará, milho, jerimum, maxixe, batata doce, melancia e banana, nas áreas de roçado, além de grande variedade de espécies frutíferas 249 nos quintais, roças e proximidade das casas-de-farinha. A caça é eventual, tendo em vista a diminuição da presença de animais, as leis ambientais rígidas e a pressão populacional crescente. Assim, quando esta ocorre é dividida entre vizinhos e parentes. Já a pesca é considerada a fonte protéica mais importante, ocorrendo com maior freqüência durante o período da seca ou verão, cf. Figura 33. Cerca de metade dos peixes obtidos pelos entrevistados destinam-se ao consumo familiar (Figura 34).

Frequência pesca / semana Famílias TucumArte

4% 4% quatro vezes ou mais 8% 12%

todos os dias 44%

duas a três vezes nunca

28%

ganham dos parentes eventualmente

Figura 33. Freqüência da atividade de pesca por semana das famílias das artesãs do grupo TucumArte (n = 25).

249

Algumas das espécies: caju, ingá, manga, araçá, pitomba, mari, muruci, laranja, tangerina, limão, maracujá, azeitona, peroba, taperebá, jaca, sapotilha, tamarindo, abacate, cacau, cupuaçu, laranja, coco, pupunha, açaí, banana, goiaba, acerola, mamão, graviola, jambo, biribá, carambola.

176

Pesca Famílias TucumArte 5% consumo 9% 36% 18%

mais da metade para consumo venda e consumo eventualmente

32% mais da metade para venda

Figura 34. Destino da pesca pelas famílias das artesãs do grupo TucumArte (n = 22).

Nas casas, os representantes das casas ou chefes-de-família variam. A composição familiar se altera, de acordo com a situação conjugal dos agregados. Há mães solteiras que moram sozinhas com seus filhos, junto com avós, pais ou tios. Entre as famílias entrevistadas, 54 % das casas são chefiadas por homens, 19 % por mães solteiras, 8 % por mães viúvas, 8 % por avós viúvas e 4 % por homens solteiros, separados ou viúvos como pais e tios (n = 26). As casas têm geralmente de dois a três quartos. São feitas de palha ou madeira, com piso de terra batida ou cimento e telhado de palha. Os banheiros são construídos fora da casa, com sanitários de fossa rústica vedada com pedras de cimento 250 . A maior parte das famílias possuem água encanada. As que não possuem são famílias que moram afastadas do centro da comunidade, onde o sistema de encanamento de água ainda não chegou. A comunidade não possui energia elétrica, mas, há um gerador de luz que pertence à comunidade sendo utilizado em reuniões, assembléias, festas e outras atividades coletivas. O lixo doméstico é queimado e enterrado. Sem energia elétrica, praticamente todas as casas possuem fogão à lenha ou gás, rádio de pilha, relógio e filtro de água. Cerca de 77 % das famílias possuem canoa, mas, apenas uma família possui barco com motor (n = 26).

250

Os sanitários vedados com pedra de cimento foi uma iniciativa apoiada pelo PSA.

177

Noto que as atividades de subsistência, como a agricultura e a pesca, ainda são principais fonte de renda para as famílias. Aquelas que não executam estas atividades, geralmente, são famílias que possuem atividades comerciais como barco de linha, mercearia ou trabalham em serviços públicos, como agentes de saúde e professores da escola. O artesanato em tucumã demonstra ser uma importante fonte de renda complementar. No entanto, ao longo dos anos, tem se tornado uma fonte principal de renda financeira para a família, o que contribui para a melhoria da qualidade de vida entre as famílias artesãs de Urucureá. Vamos detalhar agora, alguns aspectos da gestão do artesanato pelo TucumArte que influenciam no desempenho da iniciativa.

2. Histórico de formação do TucumArte e parceria com ONG TucumArte é a denominação recente, adotada pelo grupo a partir de 2005. Antes havia um “Grupo de Mulheres”, o “Grupo de Mães” que se responsabilizava pela organização da comunidade, em atividades como plantio de canteiros de ervas medicinais e plantas comestíveis, além de atuarem nas questões referentes à melhoria na qualidade de vida da comunidade, como saúde, educação e outros 251 . “(...) Não foi agora que começou, pegamos um gancho adiantado. Era antes Clube de Mães; era só senhora, idosa. Depois, o Grupo de Mulheres e agora tem jovem, tem moça... os rapazes não se sentiam muito bem e (agora) eles tão tecendo... Aí trocamos o nome e a gente colocou o nome mais lindo que tem, que é o TucumArte! Depois que a gente se organizou, teve uma produção melhor. O valor é se organizar e conseguir cada vez mais trabalho. Crescendo, desenvolvendo e agora é que a gente está com a bola toda e não estamos prosa!” (Izabel Cardoso Pinto – coordenadora geral do grupo TucumArte em depoimento durante oficina de mapa do PNCSA realizada em abril de 2007).

“(...) Hoje tem muito homem que tece, que ajuda a mulher em casa, ajuda a tirar a palha. Qualquer coisa da palha todo mundo em casa ajuda” (Emanuel Pereira Tapajós – presidente da ASMOPREURA, abril de 2007).

251

Segundo a artesã Iracy S. Costa, o Grupo de Mães se formou há aproximadamente 36 anos.

178

O artesanato em palha de tucumã já praticado pelas mulheres, fruto da herança cultural na região, era comercializado nas feiras e mercado municipal de Santarém a preços muito baixos. Ou então, vendidos para marreteiros que visitavam a comunidade esporadicamente.

“(...) Aprendi com minha mãe desde pequenininha e hoje passo para minhas filhas, ensinei minhas filhas, é uma alegria” (Odenilda Gama Silva, abril de 2007).

“(...) É uma cultura que já faz parte das artesãs. É difícil aprender, mas quando aprende é difícil esquecer” (Daniele Castro de Oliveira, abril de 2007).

O PSA, sediado em Santarém – PA, possui uma linha de trabalho cuja proposta é atuar de forma interdisciplinar252 . Desde 1987, o Projeto trabalha com cerca de 140 comunidades, onde vivem aproximadamente 29.000 ribeirinhos extrativistas nos Rios Tapajós, Amazonas e Arapiuns, na área rural dos municípios de Santarém, Belterra e Aveiro, no médio Amazonas paraense, incluindo localidades da Floresta Nacional do Tapajós (Flona) e da Reserva Extrativista Tapajós/Arapiuns (Plano de Negócios do Tucumarte, 2005) 253 . As visitas nas comunidades da região ocorrem periodicamente para realizar trabalhos preventivos voltados a saúde, educação, saneamento e outros. Por volta do ano de 1995, durante visitas na comunidade de Urucureá, o PSA identificou como potencialidade comunitária o trabalho do artesanato produzido pelas mulheres. Por uma demanda do Grupo de Mães é que se iniciou uma aproximação entre o trabalho do artesanato do grupo e as atividades do PSA na comunidade. Os técnicos do Projeto assessoraram as artesãs para a organização e comercialização do artesanato, criando o “Núcleo Mulher Cabocla” 254 . Como parte dos acordos de parceria, o

252

O PSA pertence ao Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental (CEAPS) e está estruturado através de programas integrados, tais como: Organização e Gestão Comunitária, Saúde Comunitária, Educação, Comunicação, Cultura e Economia da Floresta. Seu objetivo é apoiar processos participativos e integrados de Desenvolvimento Comunitário Global e Sustentado, geridos pela própria comunidade, contribuindo para a constituição de políticas sociais e ambientais na Amazônia. A arte, o lúdico e a comunicação são os principais instrumentos de educação, participação e mobilização, tais como o Circo e a Rede Mocoronga (o termo "mocorongo" é utilizado na região para designar quem nasce em Santarém-PA) Ver: www.saudeealegria.org.br. 253 “Plano de Negócios TucumArte: Cestaria Artesanal Cabocla de Palha de Tucumã”. Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental – Projeto Saúde e Alegria. Santarém, PA. 2005. 254 O Núcleo Mulher Cabocla do PSA ganhou o primeiro lugar no prêmio Banco Mundial de Cidadania no ano de 2004, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) e Comunidade Solidária do Governo Federal. O

179

PSA canalizou a comunicação entre artesãs e mercado, através do repasse de encomendas de artesanatos feitas ao grupo, principalmente dos estados do sul e sudeste do Brasil. A freqüência de visitas de técnicos 255 na comunidade ocorria bimestralmente, para a realização de reuniões e capacitações na área de produção e comercialização: resgate de técnicas artesanais, diversificação dos produtos, controle de qualidade e fortalecimento da organização e autogestão comunitária. Houve ainda, o incentivo ao uso de tinturas naturais para pintar a cestaria. Aos poucos, essa produção foi ganhando força e incorporando novos produtos que foram sendo padronizados para atender a demanda do mercado. Grande parte do artesanato em palha de tucumã encontrado no mercado de Santarém, provindos de outras comunidades do Rio Arapiuns e Tapajós é pintado com tintas artificiais. A diferença é perceptível a olho nu. Além do apoio na comercialização, o PSA também media contatos e visitas por turistas estrangeiros que, uma vez por ano, conhecem a localidade e compram artesanato 256 .

“(...) Se não fosse o grupo que se juntou, nós não teríamos a oportunidade de vender para fora. Nós, juntas, somos conhecidas e a comunidade é conhecida lá fora” (Dinomar Castro Cardoso, setembro de 2005).

Com a organização social pré-existente do Grupo de Mães, o apoio do PSA apenas potencializou a capacidade e vontade das mulheres para a comercialização e expansão do mercado do artesanato. O papel da gerente de comercialização, Rosângela C. Tapajós, foi fundamental para o desenvolvimento do grupo, uma vez que ela gerencia todas as etapas de comercialização do artesanato. Desde 1997, quando assume o cargo, Rosângela tem se firmado como uma liderança fundamental no grupo TucumArte. A atuação dessa artesã é fortalecida e valorizada nas relações de parceria com os técnicos do PSA, através de capacitação e o envolvimento da mesma, na divulgação dos produtos em feiras externas e dinheiro recebido, no valor de R$ 66 mil reais, foi revertido em projetos na comunidade de Urucureá e em outras comunidades com potencial para o artesanato em palha de tucumã (http://dapororocaaotejo.weblog.com.pt/arquivo/2005/07/as_mulheres_de.html). 255 Dois técnicos são importantes nesse processo: Valcléia do Santos Lima e Valdemar Guimarães Paes. Valcléia saiu do PSA no ano de 2004, entrando no seu lugar Marcio Halla. Valdemar saiu do PSA no ano de 2007. 256 Exemplo disso é o Projeto Bagagem; uma ONG que visa a criação de uma rede de economia solidária de turismo comunitário no Brasil. Sua principal estratégia é apoiar a criação de roteiros turísticos que beneficiem, prioritariamente, as comunidades visitadas através da geração de renda e participação direta da comunidade local. Cf. www.projetobagagem.org.br.

180

reuniões realizadas para o desenvolvimento do empreendimento. Assim como Rosângela, outras artesãs que compõe a diretoria do TucumArte têm se destacado no gerenciamento da atividade. Outros membros da comunidade e da diretoria da Associação de Moradores, Produtores Rurais e Extrativistas da Comunidade de Urucureá (ASMOPREURA) também são apoiados pelo PSA em suas funções gerenciais. A própria formalização da ASMOPREURA, no ano de 2001, foi assessorada por técnicos do Projeto, e seu deu muito em função da organização e desenvolvimento do grupo TucumArte, que demandava por um maior envolvimento da comunidade. Aproveitando o potencial de desenvolvimento do grupo, o PSA tomou a iniciativa de promover a implantação do processo para a obtenção da Certificação Florestal concedida pelo FSC para PFNMs. O contrato relativo à certificação florestal da extração de tucumã e do artesanato em palha foi assinado pelo presidente da ASMOPREURA e pela diretoria do TucumArte, no mês de abril de 2007. O “selo verde” obtido garante que os produtos do TucumArte possuem o caráter de sustentabilidade e conservação socioambiental. Parte do incentivo à certificação foi potencializada com a entrada do técnico Marcio Halla, no “Núcleo Economia da Floresta” do PSA, em junho de 2004. Percebendo sinais positivos da organização sócio-política do grupo 257 , associado a sua formação de agrônomo e uma experiência anterior em trabalhos com o Imaflora 258 , Márcio não se conteve em fomentar a certificação florestal ao grupo. Contudo o processo de certificação florestal se apresenta bastante caro para pequenos empreendimentos com raros recursos financeiros disponíveis 259 . O Imaflora reconhece que os custos de um processo de certificação são freqüentemente limitantes para associações comunitárias e pequenos produtores. Para isso, criou o “Fundo Social de Certificação” que é formado a partir da arrecadação de 5% da receita da certificação de empreendimentos empresariais. Além do uso do Fundo, há também a captação de recursos de projetos e doadores institucionais para subsidiar processos de certificação comunitária, sempre se

257

O Plano de Manejo de Tucumã acabava de ser elaborado na entrada de Marcio Halla no PSA. Decorrente do trabalho deixado por Valcléia dos Santos Lima, um dos objetivos para a elaboração do plano era dar encaminhamento ao processo de certificação. 258 Imaflora - Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola. O Imaflora é credenciado pelo FSC para supervisionar os processos de certificação florestal no Brasil. 259 Para o processo de certificação florestal, o PSA arcou com todos os custos da certificação. Ao todo, foram R$ 21.000,00 reais já pagos no início do processo e mais R$ 2.700,00 reais, que ainda serão pagos pelo PSA.

181

limitando a 40% do total. Com objetivos de longo prazo, o Imaflora acredita que as comunidades consigam arcar com todos os custos, uma vez que a certificação deve ser utilizada para agregar valor ao produto comunitário de modo que os rendimentos oriundos da comercialização de produtos certificados sejam suficientes para cobrir os custos da certificação, proporcionando independência da comunidade em relação a outros atores (Ver: www.imaflora.org) 260 . Sob as mesmas condições e oportunidades que se criaram naquele momento 261 , Marcio Halla incentiva a elaboração do Plano de Negócios do TucumArte 262 que culmina com a premiação em segundo lugar do Prêmio Empreendedor Social Ashoka – Mckinsey 263 , no ano de 2005. A partir desse plano, o grupo procura alcançar um mercado mais amplo envolvendo produtoras de artesanato de outras comunidades. Uma comunidade em potencial para dar início a esse processo é a comunidade de Vila Coroca. Após o término do Projeto Trançado do Arapiuns, Vila Coroca foi a única comunidade que deu continuidade à produção e comercialização de artesanatos de tucumã para outros estados. Em parceria com o SEBRAE do Pará e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a comunidade forma a Associação das Artesãs do Rio Arapiuns (AARTA) em 2006. Parte do estímulo à formação da AARTA decorreu do planejamento e das atividades previstas no Plano de Negócios do TucumArte (2005, op.cit.). Uma das estratégias centrais do Plano é expandir o empreendimento do artesanato para mais cinco comunidades vizinhas através da criação de uma cooperativa artesanal 264 . A formação da cooperativa se constitui em uma estratégia do PSA para possibilitar maior autonomia ao grupo do TucumArte na gestão do empreendimento, principalmente em relação à comercialização dos produtos.

260

Segundo Marcio Halla, se a certificação ocorresse hoje, em 2007, os custos para Urucureá ficariam por volta de R$ 13.000,00 reais, em decorrência do fundo criado pelo Imaflora para subsidiar em até 40 % o custo dos projetos comunitários. 261 Concomitantemente, à entrada de Marcio Halla no PSA, foi divulgado o Prêmio Empreendedor Social da Ashoka, o que estimulou ainda mais o início do trabalho junto à comunidade. 262 A elaboração do Planto de Negócios foi realizada pelo técnico recém- contratado pelo PSA, portanto sem custos adicionais para elaboração do mesmo. 263 Valor total do Prêmio - R$ 30.000,00 reais. O PSA destinou metade do montante para os seguintes objetivos com a comunidade de Urucureá: 1) finalização da casa do artesanato e centro cultural, 2) divulgação da cestaria e 3) apoio à implementação do Plano de Negócios. 264 Segundo o Plano de Negócios, “A Cooperativa Artesanal é a legítima instância de organização dos artesãos, que representa uma concreta oportunidade de ser fortalecida a mais importante alternativa local de geração de renda” (Plano de Negócios Tucumarte, op.cit., p. 22).

182

A maturidade do grupo TucumArte para assumir tais processos, a certificação florestal e a expansão do pequeno negócio, faz parte de um trabalho em conjunto que se desenvolve numa base sólida formada pelo grupo das artesãs. Essas características espelham a relação de parceria com o PSA, gerando novas expectativas e demandas para outras comunidades vizinhas. Conversando com as artesãs entrevistadas é evidente a clareza que possuem sobre o trabalho do PSA. Identificam as atividades principais de assessoria do Projeto, na capacitação da organização social e principalmente, no apoio à comercialização, distinguindo os papéis do grupo e da ONG exercidos no desenvolvimento do empreendimento. Confiam plenamente no trabalho da gerente de comercialização do grupo e responsabilizam-se pelo trabalho coletivo. Mais recentemente, com a certificação florestal da palha de tucumã, as artesãs têm recebido assessoria do PSA para a organização dos critérios e regras de manejo implantados que visam atender às exigências da certificação. O TucumArte participa de oficinas de capacitação para outras artesãs, repassando os conhecimentos adquiridos e necessários para o aprimoramento da produção e para implantação de técnicas de manejo e extração de tucumã. O PSA, em conjunto com o Sebrae, assessora as comunidades para o desenvolvimento de um processo de integração e incentivo a esse tipo de empreendimento como alternativa promissora de renda para as famílias. Urucureá desponta como iniciativa modelo, no que se refere ao gerenciamento de atividades extrativistas sustentáveis, qualidade do artesanato e conquista do mercado fora da região Norte. A relação entre técnicos do PSA e a comunidade parece ser proveitosa enquanto entidades parceiras. Contudo, Marcio Halla relatou que a demanda por apoios e projetos é muito maior do que a capacidade da ONG para atender as mesmas. No próprio trabalho com Urucureá e TucumArte, Marcio observa a incapacidade institucional de acompanhar, com qualidade, tantas propostas. Acredita que sua atuação poderia ser mais efetiva se houvesse uma equipe maior do PSA no trabalho com as comunidades. Na medida do possível, os técnicos priorizam as necessidades e demandas mais urgentes.

“(...) O Grupo Tucumarte está de braços abertos para aceitar muitos e muitos desafios, e com certeza estamos juntos pra batalhar, e contando com pessoas que também querem nos ajudar. Isso é uma coisa importante... a vontade do nosso grupo agora é crescer... posso dizer que tenho que agradecer muito o PSA também, desse apoio, estamos lado a lado, de parceria, trabalhando” (Izabel Cardoso Pinto, abril de 2007).

183

3. Situação fundiária e áreas de extração de tucumã A comunidade de Urucureá localiza-se no território onde foi criado o Projeto de Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande. Decretado em 2005, publicada no diário oficial em 30/11/2005, o planejamento da área tem sido amplamente discutido em diversas comunidades. No dia 25 de novembro de 2006 houve uma grande reunião na comunidade de Urucureá, contando com a participação de 3.000 pessoas para a realização da Assembléia para aprovação do Plano de Utilização Territorial 265 . Com um território restrito de ocupação com aproximadamente 250 hectares, as áreas das roças são pequenas e geralmente, compartilhadas por várias famílias. Florestas em estágio de sucessão avançado são raras na comunidade, tendo como predominância as florestas de capoeira, também chamada Floresta Aberta de Palmeiras. As unidades do manejo de tucumã 266 foram delimitadas para uso no artesanato com o consenso de toda a comunidade (Anexo 15) 267 . As áreas denominadas reservas de tucumã, autorizadas pela certificação são:

1) Terra Preta: área de 3,14 hectares de capoeira com idade aproximada de 10 anos; área anteriormente utilizada para roças. Possui vegetação baixa, sem formação de dossel. Contém grande concentração de tucumãs de baixo porte e grande quantidade de perfilhos; 2) Boa Vista: área de 1,07 hectares, distante aproximadamente dois quilômetros da região central da comunidade. Possui uma vegetação em estágio de sucessão secundária mais avançado, com um dossel fechado e presença de palmeiras de tucumã com boa altura e menor quantidade de perfilhos (ver detalhes adiante).

Ambas as reservas de tucumã somam um total de 4,21 hectares. Além dessas reservas, na terceira unidade de manejo existem palmeiras de tucumã que ocorrem nos arredores de

265

A FEAGLE congrega 130 comunidades e organizações comunitárias. Tem conduzido as discussões sobre o ordenamento territorial junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). A FEAGLE está encarregada de formalizar os planos de utilização nas áreas das comunidades. 266 Essas unidades de manejo foram determinadas a partir do inventário de touceiras de tucumã realizado para a elaboração do Plano de Manejo de Tucumã (2003). 267 Ver também, Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia. “Grupo TucumArte: Artesanatos em palha de Tucumã, Santarém - PA”. Fascículo 13. Série: Movimentos Sociais, Identidade Coletiva e Conflitos, 2007.

184

casas, nos “quintais”, ou ainda dispersas ao longo da comunidade, totalizando 294 touceiras de tucumã (Cf. Plano de Manejo de Tucumã, 2003, op.cit.). Para fins de certificação são consideradas somente as palmeiras de tucumã que estão dentro das reservas supracitadas. As formas tradicionais de manejo e extração de folhas jovens de tucumã tem sido modificadas em função das estratégias de conservação e certificação implantadas (ver item 5.1). A mudanças se relacionam a critérios que estabeleçam o controle dos locais de extração pelo grupo. A atividade extrativa assume uma função em coletivo e não mais individualizada restrita ao grupo doméstico. A exigência desses critérios parte das normas e regras estabelecidas no processo de certificação, o que implica em perda do selo caso os mesmos não forem devidamente cumpridos pelo grupo. As artesãs esforçam-se então, para implementar as novas práticas de coleta. Aparentemente, não existem grandes conflitos em relação ao uso da terra na comunidade de Urucureá. Porém, mais recentemente, a comunidade vem se defrontando com duas pessoas, residentes em Santarém que se dizem proprietários de duas grandes áreas na comunidade, designada como área de “reserva florestal”. Essa área mais conservada, com presença de espécies arbóreas em estágio de sucessão avançado, tem sido reivindicada pela comunidade junto ao INCRA. A idéia é cessar com as ameaças à reserva florestal, de forma a enquadrá-la nos critérios do assentamento agroextrativista que está sendo elaborado pelas comunidades. Atualmente, o que tem representado uma ameaça consistente a essas comunidades é a crescente expansão da monocultura de soja. O município de Santarém tem atingido os maiores índices de desmatamento devido à forte pressão da soja. Conforme Marcio Halla (Coordenador do Núcleo de Economia da Floresta do PSA, em março de 2007), algumas comunidades localizadas no entorno da Gleba do Lago Grande, têm sofrido forte pressão. É o caso da Cachoeira do Aruã, localizada no limite com a Gleba Nova Olinda, onde atuam madeireiros clandestinos e outras madeireiras com Planos de Manejo aprovados pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, por meio de processos questionáveis. A estratégia destas “madeireiras” é, na verdade, viabilizar caminhos e áreas para os chamados sojeiros. O plano destes grupos contempla ainda, a construção de uma central hidrelétrica. Por meio de amplas relações de parcerias coordenadas pelo PSA foi viabilizada a implantação de uma Micro Central Hidroelétrica sem construção de barragem. Hoje a 185

comunidade faz a gestão da geração e distribuição de energia com a atuação da Associação dos Moradores e Produtores de Energia Elétrica da Cachoeira do Aruã (AMOPE). Com a energia gerada tem se promovido, a produção de móveis regionais, a partir do manejo florestal sustentável em pequena escala, conforme comunicação pessoal de Marcio Halla (Coordenador do Núcleo de Economia da Floresta do PSA, em março de 2007).

4. A organização social do empreendimento “(...) Sem o grupo, o artesanato não teria o valor que tem hoje” (Nadir Oliveira, setembro de 2005).

“(...) TucumArte não é mais um grupo em si na comunidade, já é uma coisa nossa. Quer dizer que todas as famílias estão envolvidas, todo mundo já fala do TucumArte agora, já não é simplesmente aquele grupinho de mulheres, já é um grupo da comunidade, todas as famílias já estão inseridas. Isso pra nós é gratificante” (Emanuel Pereira Tapajós, abril de 2007).

A organização coletiva das artesãs, mais formalizada para gerenciar a produção do artesanato iniciou-se por volta do ano de 1996. Posteriormente, no ano de 2001, a ASMOPREURA foi criada com o intuito de fornecer suporte jurídico à produção e comercialização dos artesanatos. No momento da pesquisa de campo, em setembro de 2005, o TucumArte estava composto por 38 integrantes (37 mulheres e um homem). Em janeiro de 2007, o TucumArte estava composto por 46 mulheres e dois homens. Já em agosto de 2007, o número retorna para 38, tendo como representantes, três homens. A composição do TucumArte é de maioria feminina, corresponde a 92 % do grupo e a 72 % dos membros da ASMOPREURA (n = 50, jan/2007). Embora o grupo TucumArte não esteja formalizado legalmente, todas as artesãs do grupo ou familiares dos sócios, devem também se associar a ASMOPREURA 268 ; segundo regra estabelecida no regimento interno. Nesse sentido, qualquer processo de tomada de 268

A ASMOPREURA é uma associação familiar. Basta que um membro da família seja sócio para que todos possam usufruir os mesmos direitos. A taxa de mensalidade é de R$ 2,00 reais.

186

decisão que necessite de formalização passa necessariamente pela autorização prévia da Associação. Para a comercialização dos produtos e para retirada de nota fiscal na Secretaria da Fazenda no município de Santarém, o TucumArte usa o CNPJ da ASMOPREURA ou do PSA. Inserida na categoria de artesanato, a taxa para a retirada da nota fiscal é fixa, correspondendo ao valor de R$ 15, 95 reais 269 . Mesmo sendo uma marca da Associação, as artesãs criaram cargos bem definidos para a gestão do artesanato: 1) Coordenadora Geral – Responsável para articular as artesãs nas atividades do grupo, convocar reuniões e mutirões e representar o grupo politicamente em atividades fora da comunidade; 2) Tesoureiro – Prestar contas da receita do grupo. Essas se referem ao recurso financeiro arrecadado pelo fundo gerado com a venda de artesanatos e outros gastos associados. Também se responsabiliza com o dinheiro que entra na loja da comunidade; 3) Secretária – Realizar as ATAS das reuniões, elaborar documentos e ficar responsável pelo material de escritório do grupo; 4) Gerente Comercial – Responsável por todo o processo de comercialização dos produtos: repasse de encomendas às artesãs, envio dos produtos para outros Estados, venda dos artesanatos na comunidade e em Santarém, e realização de prestações de contas das vendas dos produtos. Sem contar com os membros da atual diretoria, das 33 sócias entrevistadas, apenas sete assumiram algum tipo de função na diretoria do TucumArte ou da ASMOPREURA. Rosângela C. Tapajós, inicia suas atividades de comercialização com o grupo a partir do ano de 1997 270 . O restante dos membros da diretoria está na gestão há cerca de quatro anos 271 . O cargo da gerente comercial é o que demanda maior período de tempo e controle. A grande maioria das entrevistadas se mostraram satisfeitas com o desempenho de Rosângela. Porém, existem algumas ressalvas em relação às formas de repasse das encomendas que nem sempre acontecem de forma totalmente democrática. Geralmente, as encomendas grandes são repassadas em reunião com as sócias, dividindo os produtos entre diferentes artesãs, conforme 269

Conforme a gerente comercial Rosângela Tapajós, devido a taxa fixa sobre a nota fiscal, independe qual entidade emite a nota, ASMOPREURA ou PSA, uma vez que a mesma não se constitui, formalmente, como uma Associação de Artesãs. 270 Em 2001, Rosângela se afastou da gerência para dar oportunidade à outra artesã assumir o cargo. Após um ano, as artesãs pediram para Rosângela retornar ao cargo, onde se mantém até hoje (abril de 2007). 271 Antes da atual diretoria houve apenas uma outra gestão. Conforme Rosângela Tapajós, a regra é que se troque de diretoria a cada dois anos. Porém, as artesãs, geralmente, recusam a assumir tais funções no momento da troca, permanecendo a mesma diretoria por vários anos.

187

suas habilidades e vontade para tecer os produtos encomendados. Mas em alguns casos, quando a encomenda não é muito grande, Rosângela vai diretamente na casa da artesã que sabe e imagina que a mesma pode dar conta da referida produção. Tal fato foi ressaltado por Da. Iracy S. Costa, artesã antiga da comunidade, que se sente um pouco incomodada com essas formas de seleção das artesãs. Além disso, a artesã também reclamou que seus produtos sempre eram desclassificados, em termos de qualidade, por Rosângela, quem assume o papel de fiscalizar a qualidade dos produtos. Como foi apenas uma artesã quem se queixou por tais comportamentos, e como minha aproximação com o grupo aqui seja menor, em relação ao caso da AANA, não posso tirar conclusões mais concretas. O que parece evidente, é que existe um conflito entre ambas, e isso fica muito explícito para todas as artesãs do grupo. Essas divergências, talvez, estejam relacionadas, em parte, com posturas políticas e religiosas entre os grupos familiares da comunidade. Da. Iracy 272 representa as famílias dos evangélicos, minoria na comunidade. Segundo informações mais recentes (Cf. Marcio Halla, abril de 2007), a concentração de evangélicos tem crescido em Urucureá, a partir de migrações de famílias de comunidades vizinhas, além de visitas cada vez mais freqüentes de Pastores na comunidade. Vale ressaltar que o grupo familiar de Rosângela C. Tapajós possui características de lideranças na comunidade. O marido de Rosângela, Zimar S. Tapajós é professor na escola da comunidade, no ensino de primeiro grau e é coordenador da equipe de catequese. Zimar é uma pessoa bastante envolvida com as atividades da comunidade, sempre prestando serviços como voluntário e muito prestativo com os visitantes da comunidade. As festas religiosas católicas são organizadas, principalmente, pela família Tapajós, como a festa de São Miguel Arcanjo, o padroeiro da comunidade, que ocorre todo o ano no dia santo, 29 de setembro 273 . As irmãs de Zimar também são professoras da escola, Goreth Zulair Tapajós e Zulmira Tapajós; ambas participaram da diretoria anterior da ASMOPREURA, como presidente e vice-secretária,

respectivamente.

Rosângela

também

foi

gerente

comercial

da

272

Da Iracy é, atualmente, a única parteira da comunidade. Trabalha diretamente com o PSA em capacitações que são proporcionadas pela ONG à parteiras de várias comunidades da região. No ano de 2006, Da. Iracy sai do grupo TucumArte. 273 O santo sai de Urucureá dois dias antes da festa para outra comunidade vizinha, geralmente para Nova Sociedade, para realização do círio no dia da festa. O santo padroeiro é trazido de barco para Urucureá, acompanhado de representantes da comunidade vizinha. A festa encerra após a missa do padre.

188

ASMOPREURA 274 , além de Romário Tapajós, filho da mesma com Zimar, como um dos membros do conselho fiscal. Porém, com a atual gestão da ASMOPREURA, o grupo familiar Tapajós, sai da diretoria 275 . Emanuel P. Tapajós 276 , marido de uma artesã do grupo e genro de Da. Iracy S. Costa, assume a presidência. Mas não permanece por muito tempo, saindo em meados de 2007 277 . O vice assume o cargo desde então. Atualmente, o grupo TucumArte depende tanto da ASMOPREURA, quanto do PSA, para efetuar alguns trâmites burocráticos, como: retirada de nota fiscal para a comercialização dos produtos, representação jurídica da ASMOPREURA para legalizar a certificação florestal pelo FSC, dar suporte para a elaboração do plano de negócios, entre outros aspectos, como captação de recursos financeiros em projetos, etc. As artesãs, apesar de não serem obrigadas a se responsabilizar com aspectos burocráticos da Associação, devem manter relações políticas harmônicas com o restante dos membros da comunidade, e portanto, da ASMOPREURA. Fato este verificado com o atual cargo de Rosângela, que se mantém por cerca de 10 anos como gerente comercial do TucumArte. Com a recente configuração da diretoria da Associação, a secretária do grupo, Maria Eunice de Oliveira, assume o cargo de gerente comercial da ASMOPREURA. Rosângela repassa parte das informações necessárias para Eunice, que já sabe como funciona o processo da produção e comercialização do artesanato. Atualmente, o artesanato em palha se constitui o único produto comercializado pela comunidade.

274

Rosângela C. Tapajós assumiu o cargo de gerente comercial de vendas da ASMOPREURA entre os anos de 2004 e 2006. 275 Com a diretoria da ASMOPREURA, eleita em novembro de 2006, Rosângela é afastada de seu cargo na Associação. Surge uma nova configuração na ASMOPREURA, onde a família de Rosângela se torna minoria na gestão, anteriormente maioria. Nessa diretoria não há pessoas do núcleo familiar de Rosângela, estando essa composta por: presidente – Emanuel P. Tapajós; vice-presidente – Domingo C. Pereira; tesoureiro – Valdemar F. Rodrigues; vice-tesoureiro – Raimundo L. R. Costa; secretário – Raimundo Rodrigues; vice-secretária – Izabel C. Pinto (coordenadora geral do TucumArte); conselho fiscal – Maria Elza Rodrigues, Pedro Edilberto, Antônio Cardoso, Antônio Machado e Dorival Mota; gerente comercial de vendas – Antônio Ferreira Rodrigues. 276 Apesar de sobrenome Tapajós, Emanuel não representa o grupo familiar de Zimar. Emanuel está na comunidade há cerca de oito anos e se mudou para a comunidade por motivo de casamento. 277 A saída de Emanuel se deu por votação da maioria dos associados em Assembléia Geral realizada pela ASMOPREURA. Os comunitários se mostraram insatisfeitos com a atuação do presidente, sendo alegado que o mesmo não conseguira dar conta de seus encargos. Com isso alguns cargos mudam: presidente - Domingos C. Pereira; vice-presidente: Antônio F. Rodrigues e gerente comercial de venda: Maria Eunice de Oliveira (secretária do TucumArte).

189

Todo o processo de organização social se mantém a partir da construção de regras claras que são definidas em conjunto e incorporadas ao regimento interno do grupo, que também possui instrumentos de punição às infrações dos acordos firmados (Cf. Anexo 16). A partir dessas, conseguem estabelecer uma relação transparente ao longo do desenvolvimento do empreendimento. Das artesãs que souberam responder sobre o regimento interno, 73 % disseram conhecer as regras, 7 % disseram conhecer mais ou menos e 20 % disse que não conhecem as regras do regimento interno (n = 33 entrevistadas). Desse modo, mesmo havendo certos conflitos que não foram identificados com maior clareza, percebe-se que a maioria das artesãs está de acordo com a organização geral do coletivo; as que descordam, tomam a iniciativa de sair do grupo, como no caso de Da. Iracy. Caso esteja havendo certa injustiça nas formas de repasse das encomendas entre artesãs, pela gerente comercial, provavelmente haverá meios de se detectar tais conflitos, uma vez que a família de Rosângela não se encontra mais em posição privilegiada e de maioria no poder da gestão da Associação, o que acarreta também, em menor força dentro do grupo. Ainda com relação ao regimento, algumas destacaram o não-cumprimento de regras de coleta coletiva de tucumã, determinadas como um dos critérios de manejo acordados para a certificação florestal (Cf. ATAS, jan e jun / 2005). Tal fato pode se explicar pelo caráter recente dessas regras, ainda não incorporadas aos hábitos de coleta na extração de guias de tucumã (período do trabalho de campo, set/2005). Essas regras foram discutidas em várias reuniões e durante minhas entrevistas, as artesãs demonstraram clareza em relação aos objetivos e metas. Segundo as mesmas faltava colocar em prática aquilo que se discutira em teoria, não havendo a necessidade de se realizar nenhum tipo de capacitação para adequar as novas formas de coleta, no que se refere aos métodos de controle e monitoramento. Isso porque, a mudança se relaciona à coleta em coletivo das artesãs, ou seja, é preciso que as mesmas planejem o dia em que todas irão juntas para as reservas extrair as guias. Com isso, irão anotar a data, as palmeiras e quantidade de guias coletadas (ver item 5.1). Apenas quando recebem a aprovação da certificação (abr/2007), é que se inicia a implementação das formas de manejo determinadas nas áreas das reservas (Cf. informações obtidas com Izabel C. Pinto, Rosângela C. Tapajós e Marcio Halla do PSA, em abril de 2007 na comunidade de Urucureá).

190

Em termos gerais, o grupo parece lidar bem com os conflitos internos que surgem entre as artesãs, resolvendo os mesmos em reunião278 . A realização de atividades em conjunto, citadas à frente, fortalece a união do grupo, assim como, as reuniões anuais de avaliação e planejamento. As mulheres realizam um planejamento das atividades no início de cada ano e uma avaliação do trabalho no final do mesmo ano. As reuniões do grupo são mensais, porém, os sócios acabam se reunindo mais de uma vez por mês para tratarem de outros assuntos, como encomendas de produtos, trabalhos de parceria, pagamento de artesãs e prestação de contas. Demanda para reunião é que não falta. Para 94 % das artesãs, as reuniões do grupo TucumArte são momentos importantes para as tomadas de decisão referente aos trabalhos (n = 31). O mesmo se repete em relação à prestação de contas, sendo uma afirmação unânime entre as artesãs, a importância da mesma: “ Importante porque sabe o que está acontecendo”, “Para as pessoas saberem o que tem, o que gasta, quanto tem do fundo rotativo”, “Sabe o que está ocorrendo com o dinheiro para comunidade e para o grupo”, “A gente fica sabendo onde está sendo empregado a renda, saída e entrada”, “A gente fica sabendo o que acontece, o quanto tem para organizar”... Em relação às reuniões da ASMOPREURA, que ocorrem a cada dois meses, cerca de 76 % disseram participar sempre, 21 % às vezes e 3 % não participam (n = 29). Ao longo do ano, vários mutirões são realizados na comunidade e entre as artesãs. Como parte dos mutirões são citadas as seguintes atividades (n = 29): 1) limpeza da praça, das estradas, das reservas de tucumã – ordenamento das trilhas e da loja em Urucureá; 2) implantação de roçado; 3) organização de festas comunitárias; 4) realização de oficinas para ensinar a tecer segundo padrões de qualidade adotados pelo TucumArte; 5) coleta das guias de tucumã (a ser implantada). A vontade de participar e se envolver com a política representativa da entidade, em cargos da diretoria do grupo, por exemplo, é objetivo de 55 % das artesãs entrevistadas (n = 31). Entre as que disseram não se interessar, cinco entrevistadas justificaram a preocupação, responsabilidade e tempo gasto com essas funções como pontos negativos destas e quatro, justificaram seu desinteresse por não saberem ler, não quererem lidar com conflitos, não se sentirem capazes ou ainda, porque ainda estudam.

278

Entre as mulheres entrevistadas, cerca de quatro artesãs já se afastaram do grupo devido a desentendimentos internos (n=33).

191

A atual estrutura do grupo e a informalidade em relação às exigências burocráticas facilitam a administração pelas artesãs. Com exceção da gerente comercial, Rosângela C. Tapajós, que dedica todo o seu tempo com a comercialização dos produtos, as outras artesãs da diretoria do TucumArte possuem tempo para produzir artesanatos. Embora as artesãs representem cerca de 72 % dos membros da ASMOPREURA, apenas três artesãs fizeram e fazem parte da diretoria da Associação, o que pode evidenciar falta de tempo ou interesse exclusivo na produção do artesanato.

5. Sistema produtivo do artesanato do TucumArte De acordo com o que foi visto para o empreendimento TucumArte, o grupo parece lidar bem com todas as etapas que envolvem o processo produtivo do artesanato. Com exceção de alguns aspectos que apresentam riscos ao desenvolvimento do empreendimento, como o longo período de tempo exercido por Rosângela no cargo de gerente comercial, o TucumArte tem conseguido atender uma demanda de mercado que cresce a cada ano. No presente caso, somente o recurso tucumã é utilizado na confecção de artesanatos, sendo o manejo dessa planta certificada pelo FSC, como veremos a seguir.

5.1 O PFNM tucumã A espécie de tucumã (tucumã do Pará, tucum bravo) utilizada pelo GMU é Astrocaryum vulgare Martius, Família Arecaceae (Plano de Manejo de Tucumã, 2003, op.cit.). As palmeiras são uma das maiores famílias de plantas do mundo, com um importante centro de distribuição nas regiões tropicais. Apresentam diferentes formas de crescimento e ocorrem em todos os extratos da floresta (Ribeiro et al., 1999, p. 653). A espécie Astrocaryum vulgare é uma palmeira multicaule com até 20 metros de altura e caule com espinhos medindo de 15 a 20 centímetros de diâmetro. Possui folhas do tipo bipinadas 279 , bastante espinhosas, de 4 a 5 metros de comprimento. Planta perenifólia, heliófita, característica da floresta pluvial amazônica de terra firme, ocorrendo no Suriname, Guiana Francesa e Brasil (nos estados do Maranhão, Pará e Tocantins). Preferencialmente, no 279

Folha bipinada diz respeito da folha duas vezes pinada. Pinada é a mesma coisa que o folíolo de uma folha composta.

192

interior da floresta, em terras baixas de solos arenosos, áreas degradadas e pastagens. Apresenta-se em agrupamentos mais ou menos homogêneos, tanto em formações primárias como secundárias. Assim como outras espécies de palmeiras (Bovi, 2004; Jardim, 2004: op.cit.), essa espécie regenera-se em grande quantidade em áreas degradadas e após as queimadas (Plano de Manejo de Tucumã, 2003, op.cit.). A espécie de Euterpe edulis, o palmiteiro que ocorre na Floresta Atlântica, se beneficia em seu crescimento inicial com a abertura de pequenas clareiras (Nakazono et al., 2001). A espécie da palmeira de tucumã, A. vulgare, floresce, frutifica e produz novas folhas durante quase todo o ano. O período de maior floração ocorre entre os meses de março a julho e o da frutificação, entre os meses de dezembro a março, ambos durante a estação das chuvas (Oliveira et al., 2003). Rico em vitamina A, o fruto de tucumã é bastante apreciado como fonte alimentícia. A espécie de mesmo gênero, A. aculeatum, se destaca nesse sentindo, atingindo um mercado amplo no Estado do Amazonas e principalmente, na cidade de Manaus. Além disso, os frutos desse gênero também são ricos em ácidos graxos saturados e glicerídeos trissaturados. Para a espécie A. vulgare, verificou-se um alto potencial para a indústria de biodiesel (Lima et al., 2001).

5.1.1 O sistema do manejo de tucumã As formas tradicionais de manejo e extração de folhas jovens de tucumã não se modificaram muito com o desenvolvimento do empreendimento. As mudanças se deram em função do ordenamento dos locais de extração visando controlar o trabalho coletivo da atividade extrativa. Principalmente para os produtos certificados, que exigem do empreendimento manter o controle da cadeia de custódia do produto como garantia para demonstrar ao consumidor de onde foi extraído o recurso natural, as condições de manejo que garantem a conservação, os modos de produção socialmente justos e economicamente viáveis; tudo sob a perspectiva da sustentabilidade do empreendimento local. A parte extraída do tucumã para fins artesanais é a guia, uma folha jovem de tucumã apical, de perfilhos 280 que ainda não abriram. Para os produtos certificados, as artesãs terão que utilizar as palmeiras de tucumã das unidades reservas Terra Preta e Boa Vista, conforme

280

Perfilhar significa emitir rebento, brotos. Perfilhos aqui, correspondem ao indivíduo da planta, à touceira de tucumã.

193

vistas no item 3. Nas reservas de manejo, as artesãs devem coletar guias em coletivo para controlar o período e a quantidade de folhas extraídas. Essas guias serão utilizadas para confeccionar os produtos que terão o selo do FSC. A avaliação da guia para ser utilizada no artesanato é feita pela artesã (o) ou coletora (o) que conhece as características ideais de desenvolvimento da mesma. Passado o período apropriado de maturação da guia, em fase para o estágio de abrir a folha, a guia não deve mais ser coletada. Segundo as artesãs, a coleta consecutiva de várias guias, em uma mesma planta pode prejudicar o crescimento da palmeira. Geralmente, toma-se o cuidado de intercalar a coleta das guias realizando a extração em palmeiras distintas. Com o auxílio de um terçado (facão) ou foice, o olho é retirado da palmeira, sem impactar outras partes da planta. Nos ambientes de capoeira a coleta das guias é também mais fácil, uma vez que as palmeiras apresentam pouca altura. Porém, de igual importância é a extração de guias em palmeiras altas, uma vez que as artesãs as utilizam na confecção de peças grandes. A coleta dessas guias é feita com um terçado ou foice pequena acoplados na extremidade de uma vara. A princípio, tal atividade não tem causado danos maiores às palmeiras. O que pode se tornar um problema futuro é a formação da floresta madura, atingindo estratos arbóreos altos. Com um dossel de floresta fechado e menor perfilhamento das touceiras, o tucumã produz menos guias quando comparado às touceiras em floresta de capoeira. Na reserva Terra Preta, floresta de capoeira nova, o número de perfilhos e guias por touceira de tucumã é praticamente 50% maior que na reserva Boa Vista, uma floresta com dossel mais fechado 281 . Nas palmeiras dos quintais das casas, observou-se um total de 1.784 perfilhos e 546 guias, cerca de 350% a mais do que na reserva Terra Preta (Plano de Manejo de Tucumã, 2003, op.cit.). Tal fato demonstra a influência da intensidade de luz no crescimento da palmeira de tucumã. As florestas de palmeiras na Amazônia podem ser caracterizadas como “matas culturais”, isto é, florestas que representam os efeitos da interferência humana em tempos

281

Número médio de perfilhos e guias amostradas nas reservas: 1) Terra Preta: 445 e 155; 2) Boa Vista: 247 e 67 (Plano de Manejo de Tucumã, 2003, op.cit.).

194

remotos (Balée, 1989, op.cit.). Outro exemplo são as florestas de babaçu 282 - Orbignya phalerata que ocupam perto de 14,5 milhões de hectares nos Estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Goiás e Mato Grosso, com maior concentração no Maranhão, com 10,3 milhões de hectares (Almeida, 1995, op.cit.). Segundo Balée (1989), a palmeira de babaçu, Orbignya phalerata, sobrevive às queimadas por apresentar germinação criptogeal, ou seja, “crescimento para baixo”. Mesmo ocorrendo em solos aparentemente pobre em nutrientes, a dificuldade na germinação das sementes de Astrocaryum aculeatum em condições naturais é apontada como um dos fatores que desestimula seu cultivo (Sá, 1984, apud Ferreira e Gentil, 2006). Conforme Ferreira e Gentil (2006), a remoção do endocarpo e a embebição 283 das sementes acelera e aumenta a germinação de tucumã. O manejo dessas espécies, geralmente associadas ao plantio de roças, em ciclos consecutivos de derrubada e queima da floresta, possivelmente favorece a germinação das palmeiras de tucumã através do manuseio humano no cultivo da mandioca. Nos roçados de uma aldeia indígena Ticuna, o tucumã é plantado para uso em artesanato. Depois de abandonado o roçado, o tucumã cresce e adensa sua distribuição. Quando se reutilizam as áreas novamente para o plantio da mandioca, alguns indivíduos de tucumã são mantidos e não morrem durante a queimada. Segundo indígenas Ticuna, após três anos de plantio de tucumã já é possível coletar o olho 284 (Nakazono, 2004, op.cit.).

5.1.2 A certificação florestal “(...) Agora o TucumArte tem privilégios dentro do âmbito nacional (certificação florestal) é um grupo forte dentro da comunidade. É de tirar o chapéu para a organização do TucumArte” (Antônio Ferreira Rodrigues).

282

Cf.Balée 1989, op.cit., a ocorrência de babaçu, em algumas regiões da Amazônia brasileira, pode representar áreas indicadoras de perturbações ambientais e interferências humanas no meio original (Anderson 1985; May et al. 1985a apud Balée, 1989). 283 Após a retirada do endocarpo, a semente foi imersa em água por nove dias (com embebição). 284 Na aldeia Umariaçu II, Tabatinga, AM, foi verificada a relação entre florestas de capoeira e maior densidade de palmeiras de tucumã e tucum.

195

A partir dos critérios de manejo internacionalmente reconhecidos do FSC ou Conselho de Manejo Florestal, para a certificação da atividade, as reservas de manejo devem ser mantidas em processo de conservação e com baixo impacto ambiental, o que impossibilita sua manipulação. Conforme visto no item anterior, maiores concentrações da palmeira de tucumã podem estar relacionadas às perturbações nos habitats 285 dessas plantas, causadas pela ação antrópica - humana. A certificação florestal da atividade extrativa de tucumã pode alterar esse tipo de interação. Com o passar dos anos e, considerando que a atividade cresça e se desenvolva, a comunidade de Urucureá terá que providenciar novas áreas de reserva de tucumã. Para isso, precisará interferir no ecossistema florestal. Os critérios de conservação exigidos pelo FSC foram construídos, principalmente, com base nas atividades de manejo florestal da madeira. A variação entre as formas de manejo dos PFNMs é muito grande, sendo necessário considerar a característica de cada produto para elaborar critérios de uso adequados à conservação dos recursos. Considerando a dinâmica e os ajustes que devem ocorrer em sistemas manejados, técnicos de certificação procuram integrar os aspectos socioeconômicos durante as avaliações e monitoramentos do manejo florestal. A questão do maior crescimento de tucumã em ambientes de capoeira, necessita de um olhar comparativo em relação às outras espécies arbóreas madeireiras 286 . Observa-se certa similaridade no uso tradicional de recursos vegetais utilizados no artesanato. Como no caso dos índios Baniwa (arumã) e índios Ticuna (tucumã), verifica-se uma maior densidade de plantas conjugada ao plantio da roça de mandioca. Além disso, a ocorrência e manutenção das palmeiras dependem do manejo da terra. Até os utensílios confeccionados constituem ferramentas usadas na produção da farinha, como tipiti, peneira, cestas, conforme mencionado no Capítulo I. A discussão sobre os fatores naturais e antrópicos de uso da guia de tucumã merece destaque e prioridade na condução de novas estratégias de manejo. Dito de outra maneira é preciso encontrar uma forma adequada de uso que reflita o manejo tradicional de tucumã. Integrado à conservação do meio ambiente e formas de adensamento das palmeiras.

285

Lugar onde vive um organismo (Odum, 1988, op.cit.). Para o Imaflora, a (...) “sustentabilidade em projetos de manejo florestal comunitário é um modelo que deve ser buscado como parte de um processo de aprendizado constante para todos os atores envolvidos com esta questão; (...) avaliando os erros e acertos cometidos nestes anos de trabalho, de forma a formular lições que possam ser utilizadas em atividades futuras” (Cf. www.imaflora.org).

286

196

Conforme mencionado, a atividade extrativa com vistas à certificação, assume aspecto coletivo e não mais individualizado, enquanto unidade familiar. A extração das guias de tucumã ocorrerá somente nas duas reservas de manejo da localidade 287 . As coletas devem ocorrer em grupo para controlar o período e a quantidades de plantas extraídas. Assim, terão que anotar a data, número de coletoras, quantidade de palmeiras e guias extraídas, e também, características qualitativas como, palmeiras com comprimento alto ou baixo. Além dessas informações, as artesãs também terão que registrar dados de produção dos produtos, como: quantidade de palhas utilizadas na confecção de cada produto e o total de peças produzidas com a coleta efetuada em grupo. O controle da cadeia de custódia que garante o processo de certificação florestal impele a mudanças na forma produtiva. Em coletivo, as artesãs produzirão as peças na loja do TucumArte, ou mais especificamente, no galpão construído ao lado da loja. Quanto ao uso de tucumã de quintais e arredores da comunidade, fora das áreas de Reserva, o artesanato produzido não receberá o selo do FSC. Portanto, para a coleta dessas guias, as artesãs não precisarão estar organizadas em grupo, nem na produção. Esses produtos serão vendidos, principalmente, na loja do TucumArte em Urucureá. Já os produtos certificados atenderão a demanda de encomendas feitas por outros estados do Brasil, de modo a atingir o consumidor preocupado com causas sociais e ambientais. Uma pequena parte também será comercializada na loja da comunidade, com o diferencial que terão o selo do FSC.

“(...) Na certificação do selo, o trabalho é o seguinte: a gente usa as palhas dos quintais pra fazer os produtos aqui pra loja e as palhas da reserva para o pedido das encomendas, com selo, etiqueta. E aqui na lojinha ficam os produtos feitos com as palhas dos quintais” (Izabel Cardoso Pinto, abril de 2007).

“(...) Mas os produtos certificados também irão ficar na loja. Só que a gente vai ter uma diferença: vai ter um local para os produtos certificados, e outro para os produtos dos “quintais”. Quando o comprador vir na comunidade, a gente tá aqui para poder explicar como é o processo. É diferente de quando a gente manda os produtos para fora e as pessoas não sabem como é o processo. Os produtos certificados vão ter outro preço...” (Rosângela Castro Tapajós, abril de 2007). 287

O grupo também já planeja realizar plantios de tucumã para aumentar as áreas de reserva.

197

Ainda como exigência do FSC, o TucumArte terá que incluir nas estratégias de manejo, critérios de recuperação, mitigação e compensação pelo uso das palmeiras. Dentre estas, destacam-se: o plantio de tucumã e árvores de madeira-de-lei; a definição de trilhas prioritárias para organizar e demarcar o acesso nas reservas de tucumã - esta estratégia procura diminuir o trânsito nessas áreas, propiciando a regeneração natural; e a recuperação da área de igapó próxima à comunidade. Apesar destas implicações que podem transformar as formas tradicionais de manejo das artesãs, o produto do TucumArte com o selo verde valoriza esse tipo de empreendimento. Creio que tal processo favorece o desenvolvimento do grupo e o reconhecimento da atividade na região, além de outros Estados. Para a comunidade, o selo verde é tido como uma grande conquista que valoriza a atividade tradicional de artesanato em palha de tucumã. Contudo, o início desse processo tem sido completamente apoiado pelo PSA, que arcou com todos os custos da certificação (conforme vimos no item 2). Resta verificar como o empreendimento TucumArte conseguirá arrecadar recursos financeiros para a realização de futuras atividades de monitoramento dos técnicos do Imaflora, a partir de agora, com a venda de produtos que possuem o selo verde.

“(...) Mulheres vocês estão de parabéns, são as peças fundamentais desse processo. Daqui prá frente vamos trabalhar muito mais do que agora, pois temos uma série de compromissos, de regras. Vamos cumprir para não perder (o selo), porque foi muito importante a luta. Agradeço o esforço de todo mundo, já é uma lida que vem de longo tempo. Com critérios de qualidade tem-se uma garantia no produto, melhora a venda. A nossa resposta é a nossa melhoria de vida, de nossos filhos, dos comunitários. Fazemos as coisas para nós mesmos e não para o Imaflora. As crianças não precisam trabalhar e têm o direito de ir para a escola” (Rosângela Castro Tapajós, abril de 2007).

“Acompanho esse grupo à poucos anos, sete anos, mas o grupo já vem batalhando há tempos. Espero que essa mulherada, junto com a comunidade, possa zelar por esse processo” (Emanuel Pereira Tapajós, abril de 2007).

198

5.1.3 A sustentabilidade da atividade extrativa Com base na produção das mulheres, estimou-se no Plano de Manejo de Tucumã (2003, op.cit.), uma quantidade de 1.200 guias por ano para atender a demanda do TucumArte. Adotou-se para o devido documento, um total de 1.500 guias considerado 15 % de perdas e 20 % de aumento nas vendas. Ainda segundo o Plano de Manejo e conforme informações das artesãs, o período de produção de uma guia por perfilho gira em torno de 35 dias; período mais curto durante o inverno, na estação chuvosa. Sob critérios mais cautelosos, considerando-se as variações naturais das plantas e dos ambientes, subestimou-se essa ocorrência em 3 guias/perfilho/ano. Somando as estimativas de produção de perfilhos, nas três unidades de produção, duas reservas de tucumã e quintais, calcula-se um potencial de produção de 10.836 guias por ano. Informações sobre quantidade de guias extraídas, em palmeiras altas e baixas, foram obtidas através de fichas de coleta, durante os anos de 2005 e 2006. Algumas informações não foram preenchidas pelas artesãs, sendo que os dados sobre número de guias são os únicos que podem ser aproveitados (Anexo 7)

288

. Segundo esses dados registrados, observou-se uma

média de 18 guias coletadas por mês. A diferença entre o tamanho das palmeiras utilizadas para a extração, tucumãs baixos e altos, não foi grande, verificando-se médias de 11 e 7 guias coletadas por mês, respectivamente (n = 14), cf. Tabela 10. A partir da média de coleta de guias por mês (18) é possível estimar um total de 216 guias extraídas, por cada artesã, em um ano. Considerando o número atual de artesãs no TucumArte igual a 38, poderíamos estimar um total de 8.204 guias extraídas anualmente. Esse número está próximo do valor máximo estimado sustentável para a extração de guias nas unidades de manejo, segundo Plano de Manejo (2003, op.cit.).

288

Fichas da minha pesquisa deixadas com o grupo TucumArte durante o trabalho de campo, em setembro de 2005. As respectivas fichas preenchidas por 14 artesãs foram entregues à mim em fevereiro de 2007.

199

Tabela 10. Média de extração de guias por mês, efetuada por artesãs (n = 14) do grupo TucumArte, em palmeiras de tucumã com alturas, baixa e alta, nos anos de 2005 e 2006. N

Artesã

Meses

Guias Baixa

Guias Alta

Guias Total

(N)

Média / Mês

Média / Mês

Média / Mês

1 2

Daniele de Oliveira Dulciete Rodrigues Oliveira

5

6

6

12

7

8

6

14

3

Maria Elza Rodrigues

11

13

3

17

4

Maria Eunice de Oliveira

6

17

15

32

5

Maria Francilene dos Santos Tapajós

9

10

6

15

6

Maria Ivaneide Oliveira

14

17

6

24

7

Maria Zeneide de Sousa Tapajós

11

9

3

13

8

Maria Zita Ferreira da Silva Neuzenira Silva Cardoso

20 6

15 8

35

9

5 9

10

Odenilda Gama Silva

19

12

11

23

11

Paula Silvana Costa Tapajós

7

2

5

8

12

Raimunda Imbiriba Rodrigues Socorro Vieira Cardoso

13 5

1 7

15

13

8 11

11

14

Zilda Ferreira Rodrigues

5

4

6

10

13

Média Global 11 7 18 Obs. A análise considerou os dados que continham, pelo menos, cinco meses de preenchimento das fichas por cada artesã.

Entretanto, o número amostrado de artesãs para esse cálculo representa apenas 37 % do grupo TucumArte, prejudicando essa estimativa. Na amostragem descrita acima, existem artesãs que não preencheram as fichas devidamente, por mais de cinco meses. Isso pode significar, uma baixa produção ou apenas, a ausência de informações decorrente do não preenchimento adequado das fichas. Considerando apenas, as 14 artesãs que informaram adequadamente o estudo (e não as 38 artesãs do grupo), temos uma estimativa anual média de guias extraídas igual a 3.023. Esse valor 289 está próximo das estimativas sobre a quantidade de guias utilizadas durante os anos de 2005 e 2006, segundo informações de produção e comercialização do TucumArte, de acordo com a quantidade de artesanato produzido e a quantidade de guias que são necessárias na confecção desses produtos (Anexo 17). Para o ano de 2005 (n = 8 meses), estimou-se um total de 1.742 guias utilizadas. Para o ano de 2006 (n = 9) estimou-se um total 289

As artesãs que preencheram as fichas correspondem a porção mais significativa da produção do TucumArte.

200

de 3.560 guias utilizadas. Alguns produtos, menos comercializados, não foram considerados nessas estimativas, devido à falta de informação precisa sobre o número de guias utilizadas. Esses produtos representaram apenas cerca de 19 % e 9 % da quantidade total dos artesanatos produzidos nos anos de 2005 (n = 795) e 2006 (n = 1.790), respectivamente (Cf. Anexo 18) 290

. Parece interessante realizar um novo estudo para averiguar, junto a um maior número

de artesãs, a extração média de guias por mês 291 . Apesar destas informações coletadas, representarem dados significativos sobre a atividade extrativa das guias de tucumã, as estimativas de produção do TucumArte estão mais próximas da realidade do grupo. A estimativa de 3.560 guias utilizadas no ano de 2006 corresponde a 33% do valor considerado sustentável para a atividade extrativa de tucumã, diagnosticado com a elaboração do Plano de Manejo (10.836 guias / ano). Nesse sentido, a sustentabilidade do empreendimento do artesanato em fibra de tucumã do grupo TucumArte se mantém garantida. O crescimento do número de artesãs (os) e novas estratégias de manejo para a atividade extrativa terão que ser constantemente monitoradas, para que os ajustes necessários possam ser previstos, atendendo aos critérios de sustentabilidade socioambiental do empreendimento.

5.2 A produção do artesanato do grupo TucumArte A arte de tecer é aprendida desde criança, geralmente, por volta dos 10 anos de idade (n= 31). É uma atividade desenvolvida pelas mulheres, porém, os meninos também ajudam em certas etapas do processo produtivo, como na preparação da palha a ser tecida. A arte é apreendida através da observação das mulheres mais velhas no cotidiano das atividades familiares, sendo que de 33 artesãs entrevistadas, 88 % aprenderam a tecer o artesanato de tucumã com a mãe e/ou parentes; avós e irmãs mais velhas.

290

O cálculo foi realizado com base em oito meses de observação e dados preenchidos em 2005, e nove meses em 2006. Estimou-se o total de guias utilizadas, ao longo do ano, a partir da quantidade média mensal. 291 Segundo Rosângela C. Tapajós, com a certificação aprovada (abril / 2007), as artesãs aproveitarão essas fichas para registro e controle, que serão apresentadas para o Imaflora durante auditorias futuras realizadas por seus técnicos.

201

“(...) Deve continuar porque foi uma cultura passada por nossos antepassados. Além da arte é uma fonte de renda para a família” (Abraão Rodrigues Tapajós, abril de 2007).

“(...) Por que vamos buscar lá fora o nosso trabalho? Posso trabalhar aqui, com o que é nosso. Nossa palha, nosso produto, todos os pigmentos, tudo aqui. Tá aí, quem sabe usar que faça bom proveito!” (Paula Silvana Costa Tapajós, abril de 2007).

“(...) Tem tudo aqui na comunidade, é só isso que eu desejo” (Dinomar Castro Cardoso, abril de 2007).

5.2.1 Os artesanatos de tucumã Diversos tipos de cestos são confeccionados com a palha de tucumã, sendo denominados por cestão, cesto-costura, cesta quadrada e cesta redonda. Outros produtos também são confeccionados como: cachepó (suporte para plantas), mandalas, porta CD, porta lápis, descanso de panela, chopó (porta revista), jogo americano, bolsa comprida, bolsa envelope, bolsa executiva, ventarola (leque), pote, barca, bandeja e uru (uma bolsa retangular com alça), cf. Anexo 19. Alguns desses produtos, como os variados tipos de cesta, pote, barca, bandeja, uru, ventarola são os mais encontrados no mercado regional de Santarém. O cachepó, chopó, jogo americano, bolsa executiva, mandala e porta CD, são produtos mais exclusivos do TucumArte, provenientes de um trabalho de capacitação e diversificação da produção realizadas com o apoio do PSA. Da mesma forma, houve um trabalho de resgate de tinturas naturais e melhoria na qualidade dos produtos, o que diferencia os produtos de Urucureá das outras comunidades. Todos os produtos artesanais são tingidos com pigmentos naturais obtidos de plantas cultivadas nos quintais ou dispersas naturalmente pelos terrenos da comunidade: 1) nos quintais - urucum (vermelho), mangarataia (amarelo), anil (azul) e crajirú (marrom); 2) na floresta - capiranga (violeta), jenipapo (preto azulado). As artesãs realizam misturas entre os pigmentos para obtenção de uma gama ampla de coloração. A necessidade de cultivar algumas plantas que ocorrem na floresta foi ressaltado por algumas artesãs do TucumArte, para que se armazene um estoque maior das matérias-primas usadas nas tinturas. Atualmente, não tem havido custos adicionais para as artesãs quanto ao preparo dos pigmentos naturais. 202

5.2.2 O beneficiamento da matéria-prima Informações sobre o tempo gasto de produção por peça e quantidade de palhas utilizadas, naturais e tingidas foram preenchidas pelas artesãs ao longo dos anos de 2005, durante oito meses e em 2006, durante nove meses (Cf. ficha Anexo 5). Houve variação de dados entre os meses computados, porém, essa variabilidade é indicada ao longo do texto durante a análise dos resultados. As ferramentas utilizadas no processo produtivo de confecção dos artesanatos de tucumã são: terçado, faca, fita métrica, vasilhas e panelas para o preparo das tinturas. As artesãs se responsabilizam por todas as etapas do beneficiamento da matéria-prima até a confecção do produto. Algumas vezes, a coleta da guia é realizada com outra colega ou com parente. O marido e filhos (as) auxiliam em algumas etapas do processo; as funções variam conforme o interesse e a composição de cada grupo doméstico. O processo produtivo inicia-se após a coleta das guias. Para o preparo da palha, antes mesmo de retornar para casa, ainda no local de coleta, são retirados os espinhos das folhas e estas são amarradas em feixes para realizar o transporte. Se ainda for dia, as artesãs tiram a beira das folhas e as colocam espalhadas pelo chão para secar; essa etapa pode durar de 2 a 3 dias, dependendo das condições ambientais para secagem da palha. Depois de seca, a palha é amarrada em feixes para ser armazenada. Uma parte é separada para receber pigmentação e a outra é deixada na cor natural. A pintura ocorre conforme a necessidade da artesã, mas é comum pintar toda a palha selecionada para este fim, visando o aproveitamento integral do preparo de pigmentos naturais. Para a obtenção de outras cores, as artesãs misturam os pigmentos e dosam suas quantidades, conforme o tom desejado. Após a secagem das palhas tingidas, inicia-se o processo de tecelagem dos produtos. Essa etapa final de tecelagem e acabamento, geralmente é realização exclusiva da artesã. A tala de curuá, palha de palmeira utilizada para fazer os telhados das casas, é usada para suporte de algumas cestas, onde o tucumã é trançado (Fotos 4). Em média, utiliza-se até 100 palhas; palhas brancas ou sem tingimento e palhas coloridas ou tingidas. Grande quantidade de palha é utilizada para confecção dos produtos como: bolsa envelope, mochila, bolsa comprida, cestão, cesta redonda e pote (de 100 a 200 palhas); mandala, porta CD, bolsa executiva (de 200 a 300 palhas); cesta quadrada e porta DVD (acima de 300 palhas), como vemos na Tabela 11. 203

Fotos 4. (A) Coleta de guia de tucumã na Reserva Terra Preta, Maria R. Castro de Oliveira; (B) Guia em palmeira de altura alta; (C) Palmeiras altas de tucumã na Reserva de Boa Vista; (D) Guias coletadas; (E) Retirada de espinhos; (F) Secagem ao sol da palha de tucumã; (G) Palha de tucumã tingida, Alvina dos Santos Ferreira; (H) Tecendo com tucumã, Adrivania S. Souza; (I) Tecendo com tucumã, Nadir de Oliveira.

204

Tabela 11. Período de tempo médio utilizado por 22 artesãs do TucumArte 292 , ao longo do ano de 2005 (8 meses) e 2006 (9 meses), para a confecção de variados produtos artesanais (quantidade da amostra = N produto) e a quantidade média de palha utilizada para confecção desses produtos: palha branca (sem tingimento), palha colorida (tingida) e palha total (branca mais colorida). Produto

N Produto

Dias Produção

Palha Branca

Palha Colorida

Palha Total

Descanso copo (b)

11

1

11

4

16

Bolsa envelope (b)

3

2

80

24

104

Uru (b)

15

2

23

15

66

Vaso (b)

8

2

26

10

35

Bandeja (b)

9

3

56

20

82

Porta pão (b)

3

3

33

15

18

Ventarola (b)

17

3

37

20

57

Descanso panela (i)

41

4

27

16

48

Bolsa comprida (i)

3

4

67

59

125

Cesta quadrada (i)

27

4

196

94

344

Cesta redonda (i)

12

4

121

63

153

Cesto costura (i)

5

4

30

13

43

Porta DVD (i)

1

4

-----

-----

497

Porta CD (i)

22

4

248

39

295

Barca (i)

10

4

53

17

69

Chopó (i)

27

4

44

24

64

Porta lápis (i)

33

4

29

19

43

Jogo amazônico (i)

38

4

51

28

77

Bolsa executiva (c)

8

5

-----

-----

302

Mochila (c)

2

5,5

98

20

119

Mandala (c)

29

6

138

93

229

Pote (c)

2

6,5

110

63

173

Cachepó (c)

14

7

53

25

78

Cestão (c)

2

16,5

117

33

150

Obs. O tamanho dos produtos não foram levados em consideração nessa análise pelo fato da maior parte das artesãs não terem preenchido esse dado. Categorias utilizadas de acordo com os preços dos produtos: barato (b), intermediário (i) e caro (c). 292

Com exceção da atividade de coleta que dura duas horas ou mais e a secagem da palha que pode durar dois dias, dependendo das condições ambientais.

205

Quanto ao tempo gasto na produção, observa-se que a maioria dos produtos leva de um a quatro dias para serem confeccionados. Os produtos que demandam mais tempo são: bolsa executiva, mochila, mandala, pote, cachepó e cestão (Cf. Tabela 11). Com exceção deste último, as artesãs podem produzir, em média, um produto por semana, podendo alcançar até três ou mais conforme o tipo de produto. Com base nessas informações estimadas em dias de produção é possível realizar algumas relações quanto à variação dos preços desses produtos. Verifica-se um valor médio de R$ 22,00 reais, com valores máximo de R$ 45,00 reais e mínimo de R$ 2,00 reais (n = 38). Entre os mais baratos, com média de R$ 15,00 reais (n = 10; min.: R$ 2,00 reais; max..: R$ 22,50 reais), encontram-se produtos realizados numa média de dois dias (n = 66; variando de 1 a 3 dias). Os produtos com valores intermediários, com preços médios de R$ 20,00 reais (n = 19; min.: R$ 6,00 reais; max.: R$ 35,00 reais), são aqueles que são realizados numa média de quatro dias de produção (n = 219, sem variação de dias). E os produtos mais caros, com média de R$ 34,00 reais (n = 8; min.: R$ 16,00 reais; max.: R$ 45,00 reais), apresentam uma média de oito dias de produção (n = 57), variando de cinco a dezesseis dias e meio, Cf. Tabela11 e Anexo 19. Com base nesses valores médios estimados e na categorização dos preços dos artesanatos, em barato, intermediário e caro e se considerarmos que a artesã só confecciona os produtos mais baratos, em um mês ela tem capacidade de produzir cerca de 14 peças, totalizando R$ 210,00 reais. Se ela confeccionar somente produtos intermediários, em um mês poderá produzir sete peças, totalizando um valor de R$ 140,00 reais. E, por último, se a produção for de produtos caros, a capacidade de produção é de quatro peças, totalizando um valor total de R$ 119,00 mensais (Tabela 12). A partir dessas categorias podem-se realizar diversas combinações possíveis de produção por mês.

206

Tabela 12. Estimativas sobre a capacidade de produção média por mês de produtos do TucumArte, caracterizados como barato, intermediário e caro, de acordo com os valores médios (em real) categorizados para esses produtos. Produto

Dias Produção

Produtos Semana

Produtos Mês

Valor Total Mês (R$)

Barato

2

4

14

210,00

Intermediário

4

2

7

140,00

Caro

8

1

4

119,00

Fonte: Dados coletados por 22 artesãs ao longo dos anos de 2005 e 2006, e preços dos produtos TucumArte em agosto de 2006.

Mesmo considerando que o processo produtivo das artesãs não ocorra sob essa lógica “linear e cartesiana”, tais dados ajudam a perceber a relação de custo e benefício da produção. A Tabela 12 mostra uma relação inversa de custo dos produtos e seus valores. Quanto mais longo o processo produtivo de um produto, menos rentável para a artesã, em relação aos produtos que demandam menor período de tempo; porém é mais caro para o consumidor. Talvez, seja necessário reavaliar os atuais preços dos artesanatos, para realizar uma devida atualização nos valores de cada produto, considerando a relação custo-benefício para a confecção dos mesmos. O potencial de palhas conseguidas por guia é uma das vantagens da atividade e sustentabilidade do empreendimento artesanal. A partir da coleta realizada por duas artesãs do TucumArte, o número médio de palhas obtidas (por guia) de duas palmeiras de tucumãs com alturas baixas foi igual a 83 (n = 12 guias). Em apenas uma guia, coletada em palmeira com altura mais alta, foram verificadas 150 palhas (Tabela 13). O número médio de guias coletadas por mês, obtidos a partir de coletas realizadas por 14 artesãs do TucumArte, entre os anos de 2005 e 2006 (ver Tabela 10, item 5.1.3), foi igual a onze e sete, em palmeiras de tucumã com alturas baixas e altas, somando uma média de 18 guias coletadas por mês por artesã. Integrando esses dados, verifica-se um número médio total de 1.963 palhas, com tamanhos pequenos e grandes, obtidas por mês por cada artesã (Tabela 14).

207

Tabela 13. Medidas aproximadas de comprimentos (m) de guia e palha (feixe) e número de palhas por guia, verificados a partir de coleta realizada em uma palmeira de tucumã com altura mais alta e, duas palmeiras de tucumã com alturas mais baixas: 1) coletado sete guias e 2) coletado cinco guias. Tucumã Alta (n = 1)

Tucumã Baixa 1 Média (n)

Tucumã Baixa 2 Média (n)

Tamanho guia (m)

2,3

1,80 (7)

1,0 (5)

Tamanho palha (m)

1,0

0,90 (7)

0,50 (5)

Número de palhas por guia

150

96 (669)

65 (327)

Fonte: Dados obtidos a partir do acompanhamento de uma atividade extrativa de guias de tucumã realizada por duas jovens irmãs artesãs do grupo TucumArte, Maria Rosane C. Oliveira (16 anos) e Maria Daniele C. Oliveira (12 anos), no mês de setembro de 2005.

Tabela 14. Estimativa do total de palha de tucumã obtida por mês, a partir de valores médios de número de palhas por guia e número de guias coletadas por mês em palmeiras de tucumã com alturas baixa (n = 2) e alta (n = 1). Altura Palmeira Tucumã

Palha / Guia

Guia / Mês

Estimativa Palha / Mês

Baixa

83

11

913

Alta

150

7

1050

Total

------

------

1963

Fonte: Dados integrados das Tabelas 10 e Tabela 13

Importante enfatizar que esses dados, talvez, superestimados, são valores aproximados e que não representam a realidade do cotidiano das artesãs, uma vez que as mesmas não possuem uma forma de produção regular ao longo do ano. Ou seja, a prática artesanal não se constitui em moldes de produção empresarial. Conforme as estações do ano e outras atividades familiares tradicionais, como a roça e a pesca, a produção de artesanato oscila em número e valores por cada família ao longo dos meses. Também importante lembrar que apenas 14 artesãs participaram do estudo, dentre as 38 artesãs, e parecem representar as que

208

mais produzem no grupo. Contudo, identificar um potencial aproximado para essa produção é válido na gestão da atividade. A atividade extrativa de tucumã, a partir das guias ou folhas jovens da palmeira é potencializada pela estrutura anatômica dessas plantas. A folha da palmeira de tucumã, do tipo bipinada, confere uma grande quantidade de palhas necessárias ao artesanato. O potencial de uma guia para disponibilizar palhas úteis no artesanato é grande, isto ainda sem considerar a rapidez de reposição de uma nova folha (cerca de 3 meses), diferindo esse tipo de coleta das praticadas em outros PFNMs.

5.2.3 A entrega do artesanato Os produtos das artesãs são entregues diretamente à gerente comercial do TucumArte, Rosângela C. Tapajós, em qualquer dia da semana. Rosângela anota o nome da artesã, data de entrega, quantidades dos produtos e tamanhos respectivos em uma ficha de controle da produção (Anexo 6) 293 . O pagamento da artesã só ocorre após a venda dos seus respectivos produtos, onde Rosângela dá baixa na ficha a partir da data de venda. Geralmente, Rosângela realiza o pagamento das artesãs logo após a venda dos produtos, indo em suas casas ou efetuando o pagamento em reuniões realizadas pelo grupo. No momento do pagamento em reuniões, Rosângela realiza também a prestação de contas sobre a venda desses produtos. Mas a prestação de contas geral da comercialização é realizada pela secretária do grupo durante as reuniões mensais, o que pode atrasar em até três meses. Rosângela também é responsável pelo controle da qualidade dos produtos e chama a atenção da artesã quando estes se apresentam com baixa qualidade ou fora do padrão de tamanho estabelecido pelo grupo, apesar de certas artesãs não gostarem muito de receber advertências. Se o produto está mal feito, o mesmo é devolvido para a artesã. Em alguns momentos, Rosângela seleciona artesãs mais experientes para confecção de produtos que se destinam às encomendas para outros estados do Brasil.

293

A ficha elaborada para preencher os dados de produção das artesãs do TucumArte foi construída em conjunto com Rosângela. A gerente comercial anotava esses dados em um caderno comum, sem sistematizar as informações. Durante o trabalho de campo, pudemos desenvolver juntas, uma estrutura de ficha, a fim de auxiliar em seu trabalho de prestação de contas e ter um registro controlado da produção. Desde então, Rosângela utiliza a ficha como forma de controle da produção e comercialização.

209

5.2.4 Aspectos econômicos na renda familiar “(...) Dá um rendimento para gente se manter” (Maria Zeneide de Souza Tapajós, 72 anos, set/2005).

A análise da produção das famílias das artesãs do TucumArte baseia-se em dados fornecidos pela gerente comercial sobre a produção do grupo nos anos de 2005 e 2006, com oito e nove meses de informações, respectivamente, conforme mencionado anteriormente. Apresento os valores referentes ao fundo social comunitário, arrecadado através da venda de produtos do TucumArte, junto com os valores referentes à produção familiar, como forma de comparação e para verificação da contribuição deste à comunidade de Urucureá. Do mesmo modo, com valor percentual idêntico, apresento o montante financeiro que fica para Rosângela C. Tapajós pela função exercida como gerente comercial (ver próximo item). A produção do TucumArte tem sido definida, geralmente, pela demanda de encomendas externas. Contudo, parte da produção excedente permanece na loja da comunidade para atender a demanda local de turistas que visitam a comunidade. A organização do processo produtivo, possivelmente, deve-se à capacidade local de relacionamento entre os grupos familiares que predominam na articulação interna da comunidade e do núcleo das artesãs 294 . São eles: Cardoso: Dinomar Castro Cardoso, Neuzanira Silva Cardoso, Socorro Vieira Cardoso. Costa: Iracy de Souza Costa, Paula Silvana Costa Tapajós, e Jandira Batista Costa (sogra, filha e nora de Iracy), Iranilse Costa. Ferreira: Alvina dos Santos Ferreira, Maria Assumpção Ferreira. Ferreira Silva: Maria Zita Ferreira da Silva, Raimunda Ferreira da Silva. Oliveira: Anadir de Oliveira, Dulcenira Oliveira e Dulcieti Oliveira (irmãs), Euzanildes Oliveira e Euzanira Oliveira (irmãs), Manoel Edinaldo R. Oliveira, Maria Amélia de Oliveira e Maria Eunice de Oliveira (mãe e filha), Maria Decenildes R. de Oliveira, Maria Ivaneide de Oliveira, Maria Rosane C. Oliveira e Maria Daniele C. Oliveira (irmãs), Maria Lúcia de Oliveira.

294

Conforme dados do PSA cerca de 55 famílias residem na comunidade de Urucureá. Na presente pesquisa, foram entrevistadas 26 famílias de artesãs, o que corresponde a 47 % das famílias da comunidade.

210

Pinto: Suzana Cardoso Pinto, Izabel Cardoso Pinto e Edinéia Cardoso Pinto (mãe, filha e neta). Rodrigues: Maria Elza Rodrigues, Raimunda Imbiriba Rodrigues, Ana Lídia I. Rodrigues e Maria Elísia I. Rodrigues (mãe e filhas), Zilda Ferreira Rodrigues. Silva Souza: Odenilda Gama Silva, Adrivania Gama Sousa, Andressa Silva Souza (mãe e filhas). Tapajós: Abraão Rodrigues Tapajós, Emanuel Pereira Tapajós, Laiza Patricia Tapajós, Maria Francilene dos Santos Tapajós, Maria Lima Tapajós, Maria Zeneide de Sousa Tapajós, Rosângela Castro Tapajós (sogra e nora).

Cito também outras artesãs pertencentes a grupos familiares menos representativos, como: Deliane Castro, Maria Graciete dos Santos Guimarães, Marta Oliveira dos Santos, Nazi Fernandes Aires, Sabrina Brito Assunção, Zeliane Fernanda T. Fonseca. Grande parte da produção nos anos de 2005 e 2006, resulta do trabalho do grupo familiar Oliveira, que compõem a maior proporção no número de artesãs do TucumArte, conforme verificado anteriormente 295 . No ano de 2005, por exemplo, com renda total de R$ 2.800,00 reais, o grupo familiar Oliveira se destaca na produção, em relação aos outros grupos e artesãs que apresentam renda média entre R$ 500,00 e R$ 900,00 reais. As artesãs que mais contribuíram a esse alto valor foram Maria Eunice de Oliveira e Maria Ivaneide de Oliveira (Figura 35). A predominância na produção de artesanato pelo grupo familiar Oliveira é evidente também no ano de 2006, com renda média de R$ 5.000,00 reais. Destaque também para o grupo familiar Rodrigues, com renda média de R$ 2.500,00 reais (Figura 36). Nesse ano, as artesãs que mais contribuíram na produção de artesanato foram Dinomar Castro Cardoso, Izabel Cardoso Pinto, Maria Eunice de Oliveira, Maria Zeneide de Sousa Tapajós, Suzana Cardoso Pinto, Zilda Ferreira Rodrigues, Odenilda Gama Silva, Maria Zita Ferreira da Silva e Raimundo Nonato.

295

As figuras 35 e 36 correspondem aos grupos familiares que apresentaram renda acima de R$ 100,00 reais. A produção de outras artesãs é indicada pelo somatório das rendas abaixo de R$ 100,00 reais.

211

Renda Grupo Familiar TucumArte (R$) Ano 2005 3.000,00 2.500,00 2.000,00 1.500,00 1.000,00 500,00

ei ra liv O

Pi nt o

C os ta R od rig ue s

Fe rre Si ira lv a So Fe uz rre a ira Si lv a C ar do so ou tra s

0,00

Figura 35. Renda (R$) total obtida pelos grupos familiares e artesãs do TucumArte no ano de 2005 (renda > R$ 100,00 reais). Destaque para Fundo Comunitário e Rosângela C. Tapajós.

Renda Grupo Familiar TucumArte (R$) Ano 2006 6.000,00 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00

R od rig ue s O liv ei ra

Pi nt o

C os ta Fe Si rrei ra lv a Fe Sou za rre ira Si lv a ou tra s C ar do so

So uz a

0,00

Figura 36. Renda (R$) total obtida pelos grupos familiares e artesãs do TucumArte no ano de 2006 (renda > R$ 100,00 reais). Destaque para Fundo Comunitário e Rosângela C. Tapajós.

212

No ano de 2005, a renda média de Maria Eunice de Oliveira e Maria Ivaneide de Oliveira, em oito meses de produção foi de R$ 107,00 reais e R$ 101,00 reais, respectivamente. A renda média de Rosângela foi a mais alta entre todas as artesãs, cerca de R$ 276,00 reais. Em relação ao salário mínimo oficial do Brasil 296 , a renda média de todas as artesãs corresponde a 14 % desse valor (n = 46; SD = 15; min.: 1 %; max.: 92 %) (Anexo 19). Já para o ano de 2006 (nove meses), esse percentual aumenta um pouco, verificando-se uma renda média de 18 % em relação ao salário (n = 52; SD = 18; min.: 3 %; max.: 119 %) 297 . As artesãs que apresentaram valores acima de 25 % do salário mínimo oficial foram Zilda Ferreira Rodrigues, Suzana Cardoso Pinto, Euzanira Oliveira, Maria F. dos Santos Tapajós, Maria Ivaneide de Oliveira, Odenilda Gama Silva, Dinomar Castro Cardoso, Izabel Cardoso Pinto, Maria Z. de Souza Tapajós, Raimundo Nonato, Maria Eunice de Oliveira e Rosângela C. Tapajós. Como em 2005, Rosângela apresenta a maior renda média de 2006 entre todas as artesãs, R$ 418,00 reais, seguida de Maria Eunice com R$ 220,00 reais (Anexo 20). Com exceção da família Oliveira, a maior parte da produção de artesanato fica a cargo das famílias Rodrigues, Tapajós, Pinto e Cardoso, além de outras pequenas famílias. Noto que algumas artesãs se destacam, como é o caso de Maria Eunice de Oliveira (29 anos, set/2005). A renda média anual de Rosângela praticamente, representa o dobro da renda média das artesãs que mais produzem no grupo. Observando a produção total do TucumArte obtida pelas artesãs, verifica-se que houve um aumento de 40 % na produção total de artesanatos de 2005 para 2006: de R$ 7.405,00 reais para R$ 17.866,00 reais (Figura 37).

296

Valores do salário mínimo oficial do Brasil, em reais, no mês de dezembro. Ano 2005, R$300,00 reais e ano de 2006, R$350,00 reais. 297 Porém, de 2005 para 2006 aumentou o número de artesãs. De 38, no momento da pesquisa de campo, para 48 em março de 2007.

213

Renda Total das Artesãs TucumArte (R$) 18.000,00 15.000,00 12.000,00 9.000,00 6.000,00 3.000,00 0,00

2005

2006

Figura 37. Renda (R$) bruta total das artesãs do grupo TucumArte obtida com a produção de artesanatos nos anos de 2005 e 2006.

Esse incremento pode ser explicado, talvez, pelo aumento no número de produtoras de 2005 a março de 2006: de 38 a 48 artesãs (os). Veremos agora os aspectos da comercialização dos produtos e rendimento global do empreendimento.

214

5.3 A Comercialização

“(...) Antes o atravessador é quem dava o preço. Não é a gente que dá o preço, são eles. Ainda hoje tem gente que não se conscientizou e fica dando preço baixo. Agora valorizou e a vontade é crescer mais..” (Izabel Cardoso Pinto, abril de 2007).

“(...) O marreteiro só quer para ele... quando começou a venda quem cuidava era o marreteiro em Santarém. A gente não vendia, a gente dava. Depois as amigas foram se juntando e aí melhorou o jeito de vender” (Maria Zeneide de Souza Tapajós, abril de 2007).

“(...) Se não fosse o grupo o artesanato não tinha valor, era vendido em Santarém por preços baixíssimos, o dinheiro ficava para o atravessador” (Maria Eunice de Oliveira, setembro de 2005).

Há algumas décadas o artesanato de tucumã produzido era vendido no mercado de Santarém e para marreteiros da região que pagavam pouco pelo artesanato 298 . Juntamente com outros produtos extrativistas comercializados pelas comunidades, como látex, madeira, e juta, o artesanato representava apenas, uma contribuição complementar à renda familiar. Organizadas no “Grupo de Mulheres” da comunidade identificam na ação dos técnicos do PSA potenciais parceiros para a comercialização de seus produtos, ficando livres da ação de intermediários e da restrita possibilidade de venda nos mercados regionais. Atualmente, em parceria com o PSA, as mulheres de Urucureá têm conquistado mercados em outros estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. A alta qualidade dos produtos e a forte organização dessas mulheres, na gestão do empreendimento local tornam sua produção artesanal cada vez mais conhecida, tanto pelo mercado quanto por outras instituições. Rosângela C. Tapajós, gerente comercial do TucumArte e antiga gerente comercial de vendas da ASMOPREURA, praticamente lidera o trabalho das artesãs, uma vez que gerencia todas as etapas da comercialização e parte da produção. Dentre suas atividades destacam-se, repasse de encomendas, coleta de artesanato, controle de qualidade, pagamento, venda do 298

Marreteiro é o comerciante local que troca produto por mercadoria ou paga preços muito baixos às produtoras; é o atravessador que se beneficia com a comercialização dos artesanatos.

215

artesanato localmente e para outras regiões do país, e realização de prestações de contas das vendas dos produtos. O cargo da gerente comercial depende de várias viagens que são realizadas à Santarém para resolver os trâmites burocráticos da comercialização, como contatar com consumidores, tirar nota fiscal, embalar os produtos e despachar pelo correio. Além disso, a gerente deve saber exatamente o produto que foi vendido para pagamento posterior da artesã, indo, muitas vezes, pessoalmente em sua casa para deixar o dinheiro. Rosângela não tem tempo para produzir artesanato, assumindo, exclusivamente, as funções gerenciais do grupo. Cerca de 30 % do valor sobre a venda dos produtos é dividido em duas metades que servem para as seguintes finalidades: 1) depósito para o fundo social comunitário: cobre gastos com as demandas da comunidade, em ações que favorecem o combate à desnutrição e à saúde materno-infantil e também aos gastos gerenciais do TucumArte (pagamentos de encargos de comercialização, materiais de embrulho, custos de transporte de Rosângela, como passagens de barco, custos de correio e telefonemas). Porém, o fundo tem exercido função mais significante para realização de empréstimos às artesãs do grupo 299 ; 2) pagamento da gerente de comercialização. Caso o TucumArte se constituísse numa Associação, o pagamento da gerente comercial não seria possível, uma vez que os membros da diretoria de uma Associação devem assumir os cargos sem remuneração. Mais recentemente, com a inauguração da loja de artesanato na comunidade, em maio de 2006, o grupo passa a ter outros custos fixos de manutenção do local de vendas. Antes da inauguração da loja, os produtos eram vendidos por Rosângela na mercearia de sua família, ao lado de sua residência. A maior parte do artesanato é comercializado para São Paulo e outras localidades do sudeste e sul do país através de encomendas. O turismo ecológico na região também tem contribuído significativamente para a venda local de artesanato. Conforme Rosângela, as artesãs se preparam para receber determinados grupos de turismo ecológico que possuem agendas fixas de visita a Urucureá ao longo do ano. O caso do Projeto Bagagem é um exemplo. Tal projeto fomenta a realização de duas viagens por ano à localidade e os turistas compram valores significativos de artesanato, geralmente, compras acima de R$ 1.000,00 reais por grupo de turistas, em apenas uma visita.

299

A administração e prestação de contas do fundo é função do cargo do tesoureiro do grupo TucumArte. Porém, a conta do banco onde é depositado o dinheiro do fundo está em nome de Rosângela.

216

Já em 2006, foi inaugurada, na sede do PSA em Santarém, uma loja de artesanato provindo de comunidades da região; local em que o grupo TucumArte também deixa amostras de peças para venda. Além disso, no site do PSA há uma sessão somente para o artesanato do grupo, onde é possível acessar um catálogo de produtos e realizar encomendas eletrônicas. Com base nessa estrutura gerencial, Rosângela apenas presta contas sobre a comercialização dos artesanatos e organiza com o tesoureiro a parte que é depositada no fundo para prestação de contas internas do grupo. As artesãs não precisam fazer balancetes anuais e prestar contas à Secretaria da Fazenda, assim como, não pagam impostos relativos à manutenção de uma Associação; o que, possivelmente, acarretaria em gastos mais altos que os atuais. Os produtos mais vendidos nos anos de 2005 e 2006 foram o jogo amazônico, chopó, cestas (quadradas e redondas), mandala, descanso de panela, porta CD, bandeja e ventarola (Cf. Figuras 38 e 39). Foram destacados nas figuras, os produtos que apresentaram renda total superior a R$ 200,00 reais no ano de 2005 e acima de R$ 450,00 reais no ano de 2006. Os produtos com renda abaixo desses valores são apresentados como outros (Ver Anexo 21). De acordo com dados da Tabela 11, os produtos mais comercializados são aqueles categorizados como intermediários. E, conforme a renda média das artesãs, durante os anos de 2005 e 2006 300 (Anexo 20) verifica-se que a confecção de artesanatos está abaixo do potencial de produção estimado para os produtos (Tabela 12). É importante enfatizar o caráter cultural e artístico desse tipo de empreendimento que ainda se mantém distante dos moldes de comercialização e produção dos mercados globais. A produção em grande escala e com vistas somente à geração de lucro excedente não condiz com o empreendimento do artesanato em fibras vegetais que se caracteriza e se valoriza por suas características de sustentabilidade social, cultural e ambiental; contrários à produção em massa.

300

Cerca de 91 % das artesãs apresentaram uma renda média abaixo de R$ 80,00 reais no ano de 2005. Outros 7 % apresentaram renda média entre R$ 100,00 e R$ 135,00 reais; os 2 % restantes corresponde a renda média da gerente comercial. No ano de 2006, 87 % apresentaram renda média abaixo de R$ 100,00 reais e 12 % ficaram entre R$ 100,00 e R$ 220,00 reais; 1 % restante corresponde à gerente comercial.

217

Renda Produtos (R$) Ano 2005 1.400,00 1.200,00 1.000,00 800,00 600,00 400,00 200,00

C D bo ls a ex ec bo ut ls iv a a en ve lo pe

po rta

ej a ba nd

ce s

ta s ou tro s m de a sc nd an al a so pa ne la

0,00

Figura 38. Renda (R$) total obtida pela produção de artesanatos das famílias e artesãs do TucumArte no ano de 2005 (renda ≥ R$ 200,00 reais).

Renda Produtos (R$) Ano 2006 3.000,00 2.500,00 2.000,00 1.500,00 1.000,00 500,00

po te ba rc a

m

an da de la sc c a n es t so as pa ne p o la rta C D ou tro ba s nd ve eja nt ar ol a bo ls a ex ec ut iv a

0,00

Figura 39. Renda (R$) total obtida pela produção de artesanatos das famílias e artesãs do TucumArte no ano de 2006 (renda ≥ R$ 450,00 reais).

218

Não há dúvidas que o TucumArte tem conquistado reconhecimento e mercado consolidado em outros estados, principalmente de um mercado com perfil socioambiental, mercado justo 301 . Parte desse sucesso se deve ao gerenciamento de comercialização realizado por Rosângela Tapajós. Vimos no item anterior que a renda média obtida por Rosângela com a venda dos artesanatos é das mais altas entre as artesãs do grupo. A valorização do papel de Rosângela, devido às suas responsabilidades e ética na administração da comercialização é peça fundamental na gestão do TucumArte. Não é à toa que grande parte das artesãs não quer que Rosângela deixe seu cargo. Por tais motivos, a produção e a comercialização do TucumArte, desde o início de sua organização no artesanato em 1996, tem apresentado um crescimento significativo ao longo dos últimos quatro anos (Figura 40).

R$ 35.000,00 R$ 30.000,00 R$ 25.000,00 R$ 20.000,00 R$ 15.000,00 R$ 10.000,00 R$ 5.000,00 R$ 0,00 1995

1996

2003

2004

2005

2006

Figura 40. Faturamento anual do grupo TucumArte nos anos de 1995 e 1996, e 2003 a 2006. Fonte de dados: Plano de Negócios TucumArte: Cestaria Artesanal Cabocla de Palha de Tucumã. Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental – Projeto Saúde e Alegria. Santarém, PA. 2005. E comunicação pessoal com Marcio Halla - PSA, setembro / 2005.

A partir desse cenário nota-se que o grupo vem se desenvolvendo, pouco a pouco. No gráfico anterior há uma linha ascendente de crescimento que se acentua com o aprimoramento da produção, gestão organizacional e conquista de novos mercados. De 2005 a 2006, essa produção praticamente dobrou, conforme visto anteriormente em relação à renda total obtida pelas artesãs do TucumArte (Figura 37). Segundo o coordenador do Programa de Alternativas Econômicas do PSA, Marcio Halla, o crescimento da produção deve estar de acordo com a 301

Tais como Mundaréu: Cf. http://www.mundareu.org.br/; Loja Tekoha: Cf. www.tehoha.org/urucurea.asp.

219

capacidade de produzir das artesãs e também de acordo com os critérios de manejo adotados para obter a certificação florestal pelo FSC. “(...) O TucumArte tem importância significante. Antes e depois do TucumArte era muito diferente. Antes a venda era individual, agora é coletiva. Antes nessas famílias as crianças adoeciam mais, teve até morte de criança de diarréia. Agora com essa geração de renda, as famílias têm dinheiro para dar alimentação para a criança, remédio, calçado, mais cuidado, a criança vai para a escola, está estudando. No ano passado vendeu R$ 21.00,00 reais, esse ano R$ 33.000,00 reais. Isso tudo vai para mão das artesãs e ajuda muito: 70% vamos direto para as artesãs, 15% vai para o fundo rotativo e 15% é a gratificação do meu trabalho” (Rosângela Castro Tapajós, abril de 2007).

Contudo, para que o TucumArte não se torne vulnerável, com a dominância de uma pessoa sobre a gestão de comercialização é necessário que as artesãs reflitam sobre novas formas de repasse de funções e também sobre a capacitação de outros interessados na gestão do empreendimento, visto que Rosângela já está no cargo há 10 anos. Apesar do longo período de tempo no cargo, o que parece ter propiciado ao sucesso administrativo do empreendimento, o interesse de outras artesãs em assumir cargos do TucumArte deveria ser visto com maior cuidado e atenção. A boa relação entre as famílias produtoras é aspecto que favorece essa expansão do conhecimento. Há também aspectos que acabam dependendo de Rosângela, como a permanência do dinheiro do fundo do grupo em conta particular de Rosângela e não do coletivo. Nesse sentido, a falta de representação jurídica própria pode atrapalhar a gestão interna do grupo. O mesmo se verifica em relação ao PSA, no que se trata de depender do mesmo em aspectos comerciais e, mais recentemente, nos aspectos ambientais, quanto aos custos gerados pela certificação florestal de tucumã. Mesmo constatando-se uma relação positiva entre organizações, após cerca de 10 anos de trabalho, o TucumArte não se encontra em condições totalmente autônomas. Do mesmo modo que a AANA, depende ainda da ONG parceira para dar continuidade à gestão do pequeno negócio. Vimos neste capítulo, os aspectos socioeconomicos do empreendimento conhecido como TucumArte. No próximo capítulo, finalizaremos essa pesquisa a partir de uma abordagem geral de ambos os estudos, realizando uma análise de elementos contrastantes entre os empreendimentos AANA e TucumArte, seguida da conclusão da tese. 220

CAPÍTULO IV. ANÁLISE COMPARATIVA DOS ESTUDOS E CONCLUSÃO

Parte I Análise de elementos contrastantes: AANA e TucumArte O objetivo geral desse estudo é realizar uma análise integrada dos aspectos sociais, econômicos e ecológicos de dois empreendimentos amazônicos de artesanato, para identificar fatores que influenciam no desempenho destas iniciativas e que contribuem para a sustentabilidade do pequeno empreendimento. Os objetivos específicos da pesquisa são: (1) Avaliar a viabilidade ecológica da atividade extrativa das plantas utilizadas no artesanato, práticas de extração, sistemas de manejo, formas de acesso e direito de uso dos recursos naturais e possíveis impactos; (2) Documentar a organização social dos grupos, os arranjos institucionais e a gestão da produção e comercialização, identificando fatores atuantes nos processos de inovação ou de manutenção do empreendimento, para (3) Avaliar o desempenho econômico e social dos empreendimentos. Nos capítulos anteriores, procurei também demonstrar a complexidade de fatores sociais, econômicos e ecológicos que atuam em conjunto na gestão destes empreendimentos. Os resultados da pesquisa de campo associados à minha experiência de trabalho junto aos grupos auxiliaram-me na compreensão de fatores integrados confirmando a hipótese central formulada nessa pesquisa. A hipótese central investigada é de que o desempenho, econômico, social e ecológico das iniciativas estudadas em adentrar nichos de mercado 302 , irá depender diretamente, da organização social do grupo empreendedor, da capacidade de gestão e de negociação para lidar com o mercado, no que se refere às formas de comercialização. Ou seja, de um processo de inovação que requer aprendizado, conhecimentos, habilidades, confiança entre os agentes sociais, e ainda, estratégias participativas de estruturação dos planos de ação entre instituições. Sistemas de manejo e conservação dos recursos naturais é premissa indispensável para esse tipo de empreendimento. 302

Penso que estes empreendimentos locais, buscam nichos de mercado de outros estados, principalmente das regiões sudeste e sul do país, de onde demanda a maior parte das grandes encomendas.

221

Para confirmar a hipótese levantada, analiso e comparo as principais características encontradas e que identificam dificuldades, sucessos e desafios a serem enfrentados pelos empreendimentos. Finda a pesquisa é possível destacar que, tanto o TucumArte quanto a AANA, não possuem autonomia completa na gestão da atividade artesanal. O grau de dependência das ONGs parceiras varia, assim como, as formas das relações entre organizações. No caso da AANA, as dificuldades decorrem principalmente pelo baixo desempenho na organização social. A comercialização e manejo do recurso arumã são aspectos que contribuem ao desenvolvimento do empreendimento, apesar de haver vários obstáculos legais em relação à extração das matérias-primas. Já o TucumArte, apresenta certo equilíbrio em todas as esferas que compõem a atividade, tendo como base uma boa relação e organização social entre artesãs . Embora dependentes ainda de entidades de apoio, ambos os empreendimentos conquistaram mercado e mantém-se sob a perspectiva do desenvolvimento socioambiental, que gera renda para povos da floresta em concordância com estratégias de manejo que visem à utilização dos recursos naturais de forma sustentável.

1. Organização social e arranjos institucionais

1.1 Aspectos físicos e socioeconômicos Para ambos os estudos, as principais atividades econômicas de subsistência das famílias constituem-se da agricultura e pesca, tendo o artesanato, como atividade principal para obtenção de renda monetária. Conforme autores, a diversificação dos modos de subsistência que se baseia no extrativismo comunitário e/ou familiar, cujo sistema de produção reúne atividades agrosilvipastoris, pesca, caça, coleta de frutas, fibras, palhas e etc, é que garante a viabilidade do sistema (Martini, 2002; Kvist e Nebel, 2001; Bahri, 2000; Castro 2000; Wolff, 1999; Allegretti, 1996: op.cit.). A produção de farinha de mandioca é considerada produto alimentício acompanhado do recurso pesqueiro. A parte excedente do consumo familiar de ambos os recursos é comercializada. No entanto, a pesca se destaca mais que a farinha, como recurso de fonte de renda. Outras rendas, em menores proporções, são obtidas com aposentadorias, programas governamentais e atividades comerciais.

222

Contudo, Novo Airão é um município com características bastante diferenciadas de uma pequena comunidade. Com alguns aspectos socioeconomicos diversos do modo de vida dos povos tradicionais, as artesãs sentem o preconceito dos moradores do município pelo fato de serem “artesãs”. Em uma cidade que cresce em decorrência da expansão da cidade de Manaus, ter o artesanato como forma de trabalho é, para muitos, um meio “vergonhoso” de ganhar a vida. Diante do histórico de ocupação local, atividades que mantém e resgatam características culturais indígenas, ainda são vistas de forma pejorativa. Tanto a conotação cabocla como a indígena carrega essa acepção depreciativa (Martini, 2005; Lima, 1999: op.cit.). As características culturais do artesanato em fibras vegetais são mais valorizadas na comunidade de Urucureá do que na cidade de Novo Airão. Cerca de 50 % das artesãs da AANA aprenderam a tecer após a formação do empreendimento, e portanto, mais por necessidade de incremento na renda. Os outros 50 % das artesãs aprenderam “de criança” com a mãe. Já no caso do grupo TucumArte, a arte de tecer em palha de tucumã é uma prática tradicional na região de Santarém, principalmente nos Rios Tapajós e Arapiuns. Estas não são alvos de preconceito social pela execução destas atividades, mas pelo contrário, se fortalecem ainda mais com o desenvolvimento do empreendimento. Para cerca de 90 % das artesãs do TucumArte, a arte de tecer é aprendida desde criança, com a mãe ou parentes, sendo uma atividade exercida preferencialmente pelas mulheres. Sendo assim, as características culturais auxiliam na manutenção de costumes, hábitos e formas de integração social, como a reciprocidade entre artesãs que se organizam em torno do empreendimento, características essas que contribuem à união do grupo. Não é apenas a questão monetária que está implícita como aspecto motivador para o desenvolvimento da atividade, como parece ocorrer mais entre artesãs da AANA. A concepção de povos tradicionais e indígenas, se dinamiza frente às mudanças socioeconomicas verificadas na Amazônia. Findo o domínio dos “patrões” e “seringalistas”, a atividade extrativa se redefine através da organização do processo produtivo sob formas de cooperação entre grupos familiares, assim como no advento de categorias como “artesão” e “índio” (Almeida, 2001, op.cit). Esses povos estão lutando por conquistar uma identidade pública, que serve, enquanto coletividade, à reivindicação de direitos legítimos de uso e propriedade/posse sobre a terra e os recursos naturais (Almeida, 2006; Cunha e Almeida, 223

2001: op.cit.). A representação em coletivo das artesãs da AANA reconheceu essas atividades inatas, anteriormente mais discriminadas. Em ambos os empreendimentos a predominância das mulheres na atividade do artesanato é marcante. Entre os anos de 2003 e 2007, a AANA manteve uma média de 25 associados sempre com maioria de mulheres. Em 2007, as mulheres correspondem cerca de 71 % de predominância. Já o grupo TucumArte manteve cerca de 38 componentes, com 92 % de predominância das mulheres. A diminuição dessa porcentagem na AANA se refere, principalmente, a presença dos maridos das artesãs que assumem a atividade de coleta de arumã da AANA. Atualmente, verifica-se um aumento de interesse pelos homens na atividade do artesanato em Urucureá. A similaridade entre o modo de vida dos grupos estudados, não deixa dúvidas sobre a importância do artesanato em fibras vegetais como fonte de renda complementar na economia familiar. Para as artesãs da AANA, cerca de 80 % das famílias possuem renda acima ou igual ao salário mínimo. Já para as famílias do TucumArte, cerca de 50 % possuem renda acima ou igual ao salário mínimo oficial do Brasil 303 . Essa diferença pode decorrer da diversificação verificada em termos de serviços prestados e ganhos salariais entre os maridos das artesãs da AANA, fato pouco comum entre os maridos das artesãs do TucumArte, o que estaria contribuindo para complementar a renda obtida com o artesanato e aumentar o rendimento bruto familiar. A composição dos grupos domésticos também varia entre as localidades estudadas. Entre as famílias da AANA, 90 % das artesãs são casadas ou amigadas e apenas 5 % são solteiras. Já para o TucumArte, 48 % das artesãs são solteiras e 42 % são casadas ou amigadas. O artesanato se constitui numa fonte de renda importante para as artesãs do TucumArte que têm que manter a economia familiar sozinhas, visto que as mulheres, geralmente, garantem a educação dos filhos. Outro aspecto que parece auxiliar ao desenvolvimento de pequenos empreendimentos é o grau de instrução dos envolvidos. Como vimos, entre as artesãs da AANA, 70 % possuem baixo grau de escolaridade, compreendendo 35 % de artesãs que completaram apenas a quinta séria primária e 35 % de analfabetas que assinam o nome. Para cerca de 50 % das artesãs da

303

Conforme informações obtidas com as artesãs sobre atividades principais familiares e renda aproximada do grupo doméstico.

224

AANA, esse fato foi dos mais citados como justificativa para a recusa em participar da administração da Associação. Já no grupo TucumArte, a maior parte das artesãs são alfabetizadas, apenas 9 % são analfabetas, com cerca de 31 % possuindo ensino fundamental completo. Podemos dizer que o grau de escolaridade e instrução dos atores sociais envolvidos pode ser um facilitador, mas não um impedimento, ao empoderamento dos grupos. Tais características constituem aspectos fundamentais que influenciam no processo de intervenção das entidades parceiras. O período para o desenvolvimento e amadurecimento do grupo pode depender das formas participativas que foram estabelecidas inicialmente. Nesses casos, diferentes critérios de integração e capacitação dos agentes sociais parecem se tornar prioritários na estrutura que se cria à promoção do pequeno negócio, conforme veremos a seguir.

1.2 Histórico de formação do empreendimento e relação de parceria Em relação ao histórico de formação de ambos os grupos, podemos relacionar alguns elementos. A trajetória de desenvolvimento da AANA, desde sua criação em 1996, evidencia que sua formação se deu por demandas externas, com vistas a atender os projetos de ONGs e instituições financiadoras. A iniciativa de desenvolvimento do empreendimento não advém da formação do grupo. A falta de maturação organizativa acarreta na dependência da AANA às ações da FVA, que se traduz em cargos e aspectos burocráticos. Contudo, para além da relação FVA e AANA existem outras influências que exercem efeitos sobre o trabalho do grupo, como a ausência de apoio do poder público municipal. Conforme autores, as ações com vistas ao desenvolvimento sustentável dependem de uma enorme burocracia para a administração dos projetos, o que impele à demanda por assessorias das instituições mediadoras. Em alguns casos, a parca participação dos atores sociais na elaboração e acompanhamento dos projetos, associado a uma ausência de subsídios e de políticas de desenvolvimento apropriadas aos produtos florestais da Amazônia, pode acarretar no fracasso das iniciativas. E ainda, conduzir a uma forte relação de dependência, exatamente por não serem “desenhados” e executados pelas próprias comunidades (Chapin, 2004; Anderson e Clay, 2002; Smith, 2002; Cunha e Almeida, 2001: op.cit.).

225

Já no grupo TucumArte, a existência de uma forma coletiva é anterior à presença da ONG. Vindo de um grupo pré-existente na comunidade, o Grupo de Mães ou Grupo de mulheres, o Núcleo Mulher Cabocla nasceu por um processo de amadurecimento interno entre as mulheres, que veio a se transformar em TucumArte no ano de 2005. A relação com a ONG parceira, o PSA, ocorre de forma mais integrada, cuja demanda para o apoio à comercialização parte das próprias artesãs, uma vez que estas vendiam seus artesanatos a preços baixos no mercado em Santarém e para marreteiros. Avaliando os equívocos no processo de intervenção, a FVA se distancia da AANA no ano de 2003. Porém mantém assessorias pontuais com as artesãs como, ao auxílio nas prestações de contas e, principalmente, nas atividades de pesquisa do manejo de arumã, visando buscar alternativas de uso dos recursos diante da legislação ambiental vigente na região. Ainda apóia também, a comunicação com o mercado através de encomendas e participações da AANA em feiras. Em relação ao TucumArte, a relação de parceria com o PSA se mostra mais consolidada. Mas isso não significa que o TucumArte esteja completamente autônomo em sua gestão, uma vez que depende também do apoio do PSA para a realização de serviços como: uso do CNPJ para a retirada de nota fiscal dos produtos comercializados, repasse de encomendas através da loja do PSA em Santarém, apoio no processo de certificação florestal auxiliando também no pagamento de todos os custos referentes às visitas dos técnicos na comunidade (até o presente momento), captação de recursos para expansão do empreendimento em projetos com outras comunidades. O grupo depende também da ASMOPREURA para regularizar projetos financiados e todos os aspectos burocráticos que demandam a formalização de pessoa jurídica, como também para retirada de nota fiscal dos artesanatos. Com base no bom relacionamento estabelecido entre artesãs e ganhos positivos no desenvolvimento do TucumArte, o PSA tem como estratégia a implantação de um novo momento de intervenção. Essa se baseia na criação de uma cooperativa artesanal entre comunidades do Rio Arapiuns. Aproveitando a experiência do TucumArte como modelo, tem como meta consolidar a gestão comercial e ambiental do empreendimento artesanal liderada pelos próprios agentes sociais locais, que tem como instância principal o desenvolvimento da cooperativa. Essa iniciativa parece se constituir em um processo adequado de transição das 226

funções exercidas pela ONG até o presente momento, visando a uma maior autonomia das artesãs. Concluiu-se então, que ambas as organizações necessitam, em certa parte, do apoio das ONGs para implementação de sistemas de manejo e conquista de mercado, conforme veremos adiante. A total autonomia e independência, nesses casos, não é observada. Porém, se essas relações ocorrerem com transparência e clareza sobre os papéis exercidos pelos agentes sociais, a possibilidade de sucesso do empreendimento é mais garantida, mesmo que esse não esteja totalmente emancipado, como se observa com o grupo TucumArte. Paradoxalmente, para a AANA, a vantagem é observada pela maior autonomia do empreendimento adquirida nos últimos anos, com menor relação de dependência com a FVA. Contudo, evidenciam-se sérios problemas sociais na organização entre artesãs para gerenciamento das atividades. A ausência de instrumentos que facilitem a administração, como a falta de um regimento interno, acarreta em diferentes entraves e colisões internas entre os membros, dificultando que o desenvolvimento do grupo represente os anseios coletivos e objetivos do empreendimento artesanal, cf. veremos a seguir.

1.3 Desempenho social O reconhecimento do grupo e valorização do artesanato como atividade empreendedora potencializa a emergência do coletivo e suas capacidades inatas. De acordo com o histórico de formação da AANA, o fator aglutinador das artesãs se deu pela questão financeira e sob ações de parceria com a FVA, originando-se uma relação dependente com a ONG. As artesãs se sentem incapazes em assumir suas funções associativas e também o empreendimento comercial, com seus aspectos burocráticos. Contudo, a conquista de um patrimônio associativo, que se materializa com a construção da central, as artesãs são reconhecidas enquanto identidade legítima, ganho bastante significativo diante do preconceito local com a atividade do artesanato, além da valorização de seus produtos pelo mercado de outros estados do Brasil. A organização coletiva proporciona às artesãs a legitimidade em grupo para desenvolverem sua atividade, antes submetida a comerciantes locais como regatões ou compradores eventuais que assim, obtinham bons lucros.

227

O mesmo ocorre com o TucumArte, que toma a liderança na articulação política do empreendimento local diante a formação de um arranjo comercial com outras comunidades, visando à formação de uma cooperativa. O artesanato como atividade tradicional na região se fortalece e se consolida ainda mais com o desenvolvimento do grupo, uma vez que se mantém através de regras sociais que são acordadas, tanto entre artesãs como entre famílias da comunidade e de comunidades vizinhas. A grande rotatividade e instabilidade de artesãs na diretoria da AANA, assim como de sócias (os), dificulta a organização e confiança mútua entre as mesmas 304 . A forma organizativa da AANA sucede à intervenção da ONG. Já a forma organizativa do TucumArte precede à intervenção da ONG, sendo que a demanda pela organização parte de um anseio coletivo e, portanto, aberto às novidades e disposto ao aprendizado. Tais aspectos favorecem a criação de regras claras e condutas internas que estabelecem as relações sociais entre os membros da comunidade de Urucureá, uma vez que são constantemente discutidas e elaboradas, através de assembléias realizadas na ASMOPREURA. O regimento interno do grupo TucumArte é criterioso, sendo cumprido, geralmente, em sua integralidade. No caso da AANA, grande parte dos conflitos atuais da Associação deve-se a falta de um regimento interno com regras claras e instâncias de punição. Características como confiança, normas, e instrumentos que executem a punição e a fiscalização das ações individuais, para que possa haver credibilidade à informação precisa e a execução de ações conjuntas; tais aspectos são necessários para aumentar a eficiência do grupo e facilitar as ações coordenadas (Putnam, 1996, op.cit). A ausência desses instrumentos pode colocar em risco o sucesso do empreendimento. Com o afastamento da FVA, a AANA é gerenciada pelo grupo familiar Clemente, que sempre se destacou pela boa produção de tupés e interesse em relação à iniciativa. É positivo que exista, de fato, um grupo assumindo o empreendimento. No entanto, a forte presença desse grupo pode vir a monopolizar a produção em desvantagem a outros grupos familiares ou mesmo, às produtoras de artesanato com cipó-ambé, por exemplo. Até o presente momento, essa situação

304

Os problemas citados pelas artesãs em relação à Associação são vários. Em resumo referem-se à falta de organização social e planejamento, desunião, falta de interesse por parte dos sócios, pouca autonomia na gestão, parco entendimento sobre as funções de uma Associação, diálogo e comunicação restritos entre as artesãs, assim como, excesso de “fuxicos” e ausência de transparência e regra por parte da diretoria.

228

parece ter afastado as artesãs da Associação 305 . A existência de um faccionalismo divide as artesãs e acarreta em prejuízos ao desenvolvimento cooperativo do grupo. Além disso, estruturadas através de uma associação as artesãs da AANA precisam compor, constantemente, grupos de artesãs voluntárias para o trabalho da diretoria, principalmente, no trabalho de tesouraria, responsável pela receita do empreendimento. Em decorrência dos fatos vistos, os deveres da administração como prestação de contas, declaração de imposto de renda, dentre outras responsabilidades, sempre estiveram associados à presença dos técnicos da FVA. A partir de 2003, a AANA atrasa a entrega dos documentos necessários à contadora e acumula dívidas com a Receita Federal. Já as artesãs do grupo TucumArte não se preocupam com os encargos administrativos da ASMOPREURA, tendo como obrigação serem sócias da Associação. Possuem, ainda, uma pessoa responsável diretamente pela comercialização de seus produtos. Além da capacidade organizacional, a presença de lideranças que assumem de forma ética o trabalho de um grupo também é fator fundamental para o fortalecimento do trabalho em coletivo. É o que podemos verificar com o longo período da gerência de comercialização do TucumArte realizada por Rosângela C. Tapajós, há cerca de dez anos. Apesar de espelhar o bom desempenho do empreendimento, a longa permanência dessa na gestão pode comprometer a sustentabilidade do empreendimento, uma vez que cria uma relação de dependência com as funções estabelecidas pela mesma. No caso da AANA, houve, em alguns momentos, lideranças na gestão do artesanato, como Antônio Clemente, no início da formação da Associação e também Rock Elania da Silva, mais recentemente (em 2003). Contudo, a postura assumida por ambos não parece representar os interesses coletivos dos associados, mas ao contrário, parecem atender às influências externas políticas e anseios econômicos individuais. O papel das lideranças precisa verdadeiramente representar os objetivos do grupo. Também é fundamental realizar o repasse dessas funções através de capacitações de outras artesãs (os) interessadas, visando aumentar o leque de possibilidades à troca desses cargos. Ambos os empreendimentos se caracterizam como pequenos grupos, embora a estrutura gerencial entre os mesmos varie em grau de complexidade. A AANA, constituída 305

De acordo com o último episódio relacionado às ações do atual presidente Antônio Clemente, parece haver um total abandono da sede, que se configura como abandonada, sem ocorrências de reuniões e com a loja quase sempre fechada.

229

legalmente como Associação deve realizar a troca constante de sua diretoria interna a cada, pelo menos, dois anos. Interessante observar, que dentre todos os conflitos e problemas internos, essa é uma das poucas regras que se mantém, em parte, cumprida e de comum acordo entre associados, uma vez que dependem dessa para manter em funcionamento legal o trabalho da Associação; a mesma está descrita no Estatuto da AANA. Apesar de haver resistências entre artesãs para assumirem cargos na Associação, visto que se perde tempo na produção de artesanatos 306 , a troca da diretoria representa, mesmo que simbolicamente, um momento do exercer democraticamente os direitos entre sócias, tanto em relação ao voto, como em relação ao exercício de tomada de poder no grupo. Essa dinâmica não permite a monopolização de apenas um grupo ou membro na condução das atividades do empreendimento, embora se verifica uma predominância do grupo familiar Clemente no desenvolvimento do empreendimento. A troca de cargos requer uma capacitação das artesãs para atuarem nessas funções, principalmente na tesouraria 307 . O caso do TucumArte se estrutura de forma mais simples. Sem a configuração de uma Associação, as artesãs não precisam se ocupar com tantos aspectos burocráticos. A estrutura informal da diretoria não exige muitos esforços de seus membros, sendo que a principal função do grupo se concentra na comercialização dos produtos. A capacitação e o conhecimento acumulado pela gerente comercial, ao longo dos anos, pode até intimidar o desejo de outra artesã para exercer tal função; também, pode reforçar uma relação paternalista junto às artesãs, associado ao comodismo de ter uma pessoa responsável para exercer essa função. De qualquer forma, essa situação dificulta a participação mais efetiva de outras artesãs interessadas em assumir parte da gestão do empreendimento. Confirmando os fatos já observados até então, verifica-se que: a AANA se encontra mais independente da FVA porém com maiores dificuldades na gestão do empreendimento, e o TucumArte, embora apresente um bom desempenho ao desenvolvimento do pequeno negócio, encontra-se mais dependente tanto do PSA, quanto da gerente comercial nas funções principais que garantem esse sucesso.

306

A baixa escolaridade das artesãs também é fator que desfavorece o interesse em atuar na diretoria. Na última assembléia geral, em out/2007, havia a opção de duas chapas para escolha da diretoria. A diferença entre essas se dava apenas ao cargo da presidência. O presidente eleito, Carlito F. dos Santos, principal coletor da AANA, é marido de Maria Derli Clemente; e o cargo de tesoureiro continua sob responsabilidade de Sônia Clemente Martins.

307

230

2. Viabilidade ecológica dos sistemas de manejo dos PFNMs

2.1 Características biológicas e ecológicas das plantas Em ecossistemas florestais distintos, os recursos arumã e tucumã apresentam diferenças biológicas e ecológicas, apesar de possuírem comportamentos de dispersão similares, principalmente, no que se refere ao adensamento das plantas em ambientes de capoeira ou próximos de clareiras. A importância de ambientes perturbados, decorrentes da ação antrópica é fundamental no desenvolvimento e adensamento das plantas estudadas (arumã e tucumã). A característica do uso tradicional dessas espécies, no artesanato em fibras vegetais, parece confirmar essa relação entre a presença humana e uma maior ocorrência dessas plantas. Tal constatação é decorrente da ação de populações humanas na Amazônia, que influenciaram na composição, estrutura e diversidade das espécies vegetais dos ecossistemas florestais existentes (Balée, 1989; Anderson e Posey, 1989: op.cit.). A espécie de arumã, I. polyphyllus, é uma planta herbácea que ocorre sob a forma de touceira, composta por vários talos em estágios distintos de vida que a caracteriza como uma planta clonal e com ciclos de vida relativamente rápidos. O talo maduro utilizado no artesanato, corresponde ao caule aéreo que provém do rizoma, principalmente, através de reprodução assexuada, compondo cerca de 90 % da estrutura da touceira. Assim, se houverem condições favoráveis como água e boa intensidade de luz, o potencial de adensamento dos talos em apenas uma touceira se amplia. Da mesma forma, a maior produtividade de folhasguia em palmeiras de tucumã também está associada à ambientes com maior luminosidade. O potencial de uma guia para disponibilizar palhas é grande, sem considerarmos a rapidez de reposição de uma nova folha-guia, em intervalos de, aproximadamente, três meses. As formas extrativas observadas constituem-se da coleta de partes da planta, como folhas e talos, o que contribui em estratégias mais efetivas de conservação, uma vez que não conduzem a mudanças notáveis, como a degradação da biodiversidade natural ou alterações nos processos e funcionamento do ecossistema (Freese, 1998, op.cit.), e ainda constituem em alternativas mais sustentáveis quando comparadas aos sistemas agropecuários e madeireiros (Alencar et al., 2004; Margulis, 2003; Peters et al., 1989: op.cit.). Para favorecer o adensamento das plantas, com vistas ao manejo sustentável é necessário considerar tais aspectos para a manipulação dos ambientes. Também é favorável 231

realizar plantios complementares às condições naturais encontradas na floresta, como já tem sido levantado pelas artesãs do TucumArte. Porém, para a espécie de arumã estudada, que ocorre exclusivamente em ambientes alagados, a implantação de sistemas de plantio é dificultada. Estudos demonstram que a eficácia do uso de PFNMs é potencializada em sistemas que combinam manejo e cultivo, uma vez que esses superam o problema da escassez dos recursos (Ruiz-Pérez, et al. 2004, op.cit.), assim como, podem ser mais viáveis quando configurados em pequenos grupos caracterizados por comunidades tradicionais que utilizam espaços delimitados para a implantação de sistemas de manejo, mais acessíveis à compreensão das formas de regulação dos direitos de uso sobre o sistema (Gibson e Becker, 2000, op.cit.).

2.2 Situação fundiária e sustentabilidade da atividade extrativa Tais características mencionadas anteriormente são favoráveis ao manejo e atendem a produção de artesanato em pequenos empreendimentos. Porém, a questão do direito de uso dos territórios, na região de Novo Airão, atravanca os experimentos de formas inovadoras e eficientes para o uso de arumã. Em termos de gestão fundiária, o município de Novo Airão, totalmente cercado por áreas de UCs, dificulta a ação responsável por povos tradicionais no uso dos recursos naturais disponíveis, acarretando, muitas vezes, à exploração clandestina dos produtos florestais e aquáticos (caça de animas silvestres, ação de madeireiros, tráfego de plantas medicinais e material genético). Vários conflitos fundiários de direito de uso dos recursos florestais decorrem desse tipo de situação (Benatti, 1999; Fundação Vitória Amazônica, 1998; Diegues, 1996: op.cit.). No caso da AANA, a recuperação da densidade inicial de arumã, para índices idênticos ao do primeiro corte é baixa e requer um tempo prolongado. Contrariamente à minha hipótese de estudo, a AANA não conseguiu estabelecer, até o presente momento, um plano de manejo adequado. Há dificuldades para o uso regular do território e poucas possibilidades de manipulação das áreas para aumentar o estoque natural deste recurso nas áreas de extração. Os indicadores iniciais de produtividade e capacidade de suporte terão de ser revistos 308 . Grandes extensões de áreas de ocorrência da planta estão delimitadas pela

308

A recomendação é que sejam realizadas novas investigações neste suposto ambiente manipulado para ampliar o foco de análise sobre as possibilidades de uso desse recurso.

232

ESEC Anavilhanas e, os locais naturais de distribuição dessa espécie de arumã são em APP. Além disso, igarapés que possuem grandes concentrações de arumã estão distantes da cidade de Novo Airão. Esse cenário poderia ser modificado caso houvesse um incentivo em conjunto, entre instituições governamentais e não governamentais, para ordenar o uso das áreas, conciliando o conhecimento local e científico para proposição de estratégias inovadoras de conservação. A ausência de políticas governamentais que garantam os direitos de uso dos recursos naturais aos povos da floresta não proporciona benefícios aos mesmos, que pouco têm a ganhar com a proteção dos recursos e ambientes, ou ainda, com ou uso sustentável desses recursos (Gibson e Becker, 2000, op.cit.). Nesse sentido é importante ressaltar as implicações políticas e sociais de se manter áreas de UCs de uso indireto em uma região de intensa influência antrópica: a presença da cidade; proximidade de Manaus; via fluvial de barcos de linha, de turismo e particulares; entre outros. Se não houver um trabalho de integração do desenvolvimento econômico e ecológico juntamente com os agentes sociais locais, os riscos de degradação e exploração aumentam, sem que haja qualquer benefício para as comunidades. É necessário e estratégico, alterar a categoria de UC para o arquipélago de Anavilhanas, de forma a garantir um planejamento adequado para o uso dos recursos naturais e sociais regionais 309 . Contudo, é preciso que haja de fato instâncias de controle sobre essa conformação. O papel do Estado é imprescindível no que se refere à formulação de políticas públicas que instituam meios de regulação do sistema. Esses, poderiam se configurar em um arranjo entre diferentes instituições, como ocorre no caso da RDS de Mamirauá. O apoio e maior envolvimento das instituições governamentais e ambientais na definição do uso dos territórios, como por ex., no caso da APA da margem direita do Rio Negro, poderia facilitar as discussões entre a comunidade do Sobrado e AANA. Sem esse respaldo, os acordos são fixados sobre normas que os agentes sociais locais acham mais adequadas, pois se sentem “donos dos igarapés”, mesmo que esses nem estejam usando o recurso arumã dessas áreas, como é verificado na comunidade do Sobrado. Em paralelo, a AANA poderia diminuir a produção atual de tupé e jogo de mesa, e/ou aumentar ainda mais o preço desses produtos, visando suprir com os custos acarretados pelo

309

A área de abrangência da Estação Ecológica de Anavilhanas compreende uma superfície de 350.000 ha com aproximadamente 400 ilhas (Plano de Manejo da Estação Ecológica de Anavilhanas, 1999, op.cit.).

233

manejo e sua conservação. Enquanto o produto tupé não possuir concorrentes no mercado, aumentar o preço do tupé não parece representar uma ameaça ao empreendimento, já que as artesãs nem têm conseguido atender a demanda por esse produto atualmente. Já as produtoras do grupo TucumArte não têm problemas fundiários relacionados ao uso de tucumã, diferentemente da AANA. No ano de 2005, o território onde se localiza a comunidade de Urucureá tornou-se parte do Projeto de Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande. O que tem sido discutido, atualmente, são os Planos de Utilização Territorial entre as várias comunidades. As duas reservas de tucumã delimitadas em Urucureá são áreas devidamente autorizadas pelas famílias residentes. Essas áreas também são certificadas pelo FSC. Em termos mais gerais, o que tem se tornado uma ameaça para a região de Santarém, é a crescente expansão de monoculturas da soja, o que põe em risco a qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais, uma vez que se expandem as extensões de áreas devastadas e não proporciona renda econômica para esses agentes sociais. Diante desse cenário, o fortalecimento do artesanato de tucumã pode representar para as comunidades do Rio Arapiuns, um forte instrumento de reconhecimento da cultura tradicional e dos direitos de uso sobre propriedades e recursos naturais, bem como sua conservação ambiental. O inventário realizado sobre os estoques naturais de tucumã, fornece indicativos de sustentabilidade com possibilidade de sucesso. Na medida em que, possui uma margem considerável de estoques naturais previstos nas atuais áreas de manejo que atendem a expansão do empreendimento. A certificação florestal concedida ao grupo deve garantir uma forma de controle sobre esses sistemas, oferecendo os ajustes necessários, ao longo dos anos. Contudo, os critérios da certificação não permitem a manipulação dos ambientes manejados, ao contrário, visam estimular a sua conservação, uma vez que se aplicam mais aos sistemas florestais madeireiros. Para o uso do PFNM tucumã, tais considerações merecem ajustes e reparos, uma vez que as mesmas podem se tornar contrárias, por exemplo, às estratégias tradicionais de manejo que garantem a perpetuação e maior densidade das palmeiras nos locais utilizados. Essas correspondem à implantação de roçados e formação de florestas secundárias, as capoeiras, que favorecem a maiores adensamentos das plantas após o abandono dos plantios. Considerando as formas tradicionais de uso da terra, é possível traçar novos planos de uso e manejo das palmeiras de tucumã que respeite também os critérios etnoecológicos da região. 234

A viabilidade dos sistemas extrativos de PFNMs é a base para o desenvolvimento sustentável do empreendimento, e portanto, o direito de propriedade para a realização do manejo do recurso é fundamental. Sem esse, a organização interna voltada à produção do artesanato fica altamente prejudicada. O caso da AANA está inserido nessa problemática. A AANA terá que obter variadas áreas de extração, em igarapés distintos para atender a produção. Os locais de coleta estão cada vez mais distantes de Novo Airão, aumentando os custos de implantação de tais sistemas. Já o grupo TucumArte tem garantido o direito de uso das propriedades e realização do manejo de tucumã na comunidade de Urucureá. O atual quadro da atividade extrativa de arumã compromete a produção de produtos confeccionados com esse recurso. Ao contrário, de acordo com a produção anual de artesanatos do TucumArte, os estoques naturais de tucumã indicam uma reserva considerável do recurso que atende a demanda do grupo, com possibilidade de dobrar a atual produção. Uma alternativa para a AANA poderia ser o estabelecimento de acordos firmados com comunidades distintas para a compra da matéria-prima bruta, desde que a comunidade assuma a atividade do manejo. A contrapartida da AANA ao processo caberia em capacitar os povos ribeirinhos, agroextrativistas, pescadores, ao sistema de manejo, contribuindo para que a expansão do conhecimento adquirido possa ser estendido e adaptado a diferentes contextos. Mais uma vez, a conformação de tais arranjos produtivos que cooperem entre si, demanda de apoio político e legislação ambiental adequada ao direito de uso dos territórios tradicionais. O reconhecimento de um status fundiário estabilizado é indispensável para a viabilidade de sistemas de manejo (Banana e Gombya-Ssembajjwe, 2000; Emperaire e Lescure, 2000; Gibson et al., 2000; Alcorn, 1993: op.cit.), assim como, requer para a implantação dos mesmos, mudanças profundas na legislação e criação de novas instituições (Benatti et al., 2003, op.cit.).

3. Gestão dos empreendimentos

3.1 Mudanças nas formas tradicionais de coleta As mudanças nas formas tradicionais de coleta se alteram com a implementação de sistemas de manejo que visam à obtenção do recurso para o desenvolvimento do 235

empreendimento. Não se configurando mais como uma atividade exclusiva da família mas que se compõe na estrutura coletiva da empreita, alguns ajustes tornam-se necessários para adequar a atividade extrativa dos PFNMs. A situação no caso da AANA é mais complexa, como pudemos observar nos itens anteriores. Além da pouca possibilidade de uso dos territórios para a implantação do experimento e tentativas de manejo, houve a necessidade de criar um grupo de coletores para atender a demanda por matéria-prima das artesãs, visando potencializar as viagens de coletas aos ambientes de igarapés e realizar os acordos e critérios de extração, previstos no Plano de Manejo enviado ao IPAAM. Por outro lado, os conflitos com o IBAMA cessam e adquiri-se certa tranqüilidade pelas artesãs e coletores com a autorização de uso dos igarapés, a partir da LO concedida pelo IPAAM. E, mais importante ainda, se estabelece o controle efetivo da atividade extrativa pelo empreendimento a partir de uma conscientização ecológica por parte dos coletores e artesãs da Associação 310 . A nova forma extrativa implica em pagamento do trabalho do grupo coletor. Com isso, os custos aumentam para as artesãs, que precisam pagar pelos feixes de arumã extraídos. O fato do grupo de coletores ser composto por maridos das artesãs, pode ocasionar situações desiguais na produção do artesanato, caso interesses individuais transporem os interesses coletivos. Antes do manejo as coletas eram realizadas nas ilhas e se configurava como uma atividade familiar, onde os custos dessa eram administrados pelo grupo doméstico. Geralmente, se relacionava a atividade da pesca. Com a organização do grupo coletor se “reconhece” o papel do homem, marido, na atividade de produção, que fora, em parte excluída no momento de formação da Associação, que só considerava a artesã como membro efetivo no processo de decisão interna 311 .

310

Nas áreas experimentais do manejo, os critérios adotados para extração dos talos foram devidamente respeitados pelo grupo de coletores e artesãs. A partir de croquis desenhados das áreas, pelos mesmos, e fichas de coleta preenchidas, o grupo consultava a artesã responsável pelo manejo antes de cada atividade de coleta de arumã para a Associação. Do mesmo modo, as artesãs passam a explicar o trabalho do manejo para consumidores e turistas que visitam a Central de Artesanatos, enfatizando a preocupação ambiental de uso do recurso. Também salientavam os aspectos negativos dessa nova forma sobre a produção, como a utilização de talos maduros mais finos. 311 Isto pode ser demonstrado através da decisão de que os maridos das artesãs deveriam se associar à AANA para atuarem nas atividades do manejo de arumã. Uma vez que, ser marido de artesã não dá direitos de sócio, como por exemplo, o direito ao voto. Sendo sócio, o marido também deve pagar mensalidade. A ASMOPREURA em Urucureá é caracterizada como uma associação familiar, sendo necessário que apenas um membro da família pague a mensalidade.

236

Já a comunidade de Urucureá possui duas reservas de tucumã delimitadas exclusivamente para a atividade extrativa certificada pelo FSC, além de palmeiras dispersas nos quintais das casas. Em termos financeiros, o custo para a obtenção da matéria-prima é praticamente zero, uma vez que a própria artesã realiza a extração.A mudança ocasionada se relaciona à reunião em grupo das artesãs para realizarem a coleta das guias de tucumã nas reservas de manejo. Isso garante o controle pelo grupo sobre a atividade extrativa que mantém os acordos da certificação. O futuro dessa atividade dependerá também da avaliação dos técnicos do Imaflora sobre o monitoramento da prática de manejo. Diferentemente da situação encontrada na AANA, onde as artesãs pagam pelo recurso arumã e encontram dificuldades para regularizarem sua coleta ou mesmo, para obterem novas áreas disponíveis. Contudo, em decorrência de estratégias de manejo acordadas para legitimar a atividade artesanal, verificou-se, para ambos os empreendimentos, a demanda de altos custos adicionais no processo de ordenação e sistematização sobre as formas de extração dos PFNMs. No caso do grupo TucumArte, os custos da certificação foram financiados pelo PSA, uma vez que esse incentivo partiu mais de uma demanda da ONG parceira do que do próprio grupo. Do mesmo modo, a FVA também incentivou a implementação do sistema de manejo de arumã arcando com os custos gerados por essa atividade. Tanto a certificação de tucumã concedida ao TucumArte, quanto a Licença de Operação 312 para a extração de arumã pela AANA dada pelos Institutos Ambientais legais, são resultados que comprovam o potencial de sustentabilidade ecológica de ambas as atividades extrativas e seu baixo impacto nos ambientes manejados. Entretanto, o papel das ONGs parceiras ao estímulo e investigação de alternativas sustentáveis ao artesanato em fibras vegetais foi imprescindível nesses processos.

3.2 A produção e economia familiar O uso de diferentes PFNMs pelo grupo parece se constituir mais adequado ao desenvolvimento do empreendimento. No caso da AANA, a maior diversificação no uso de matérias-primas para a confecção dos produtos pode ser uma vantagem às dificuldades enfrentadas pelas artesãs com o uso de arumã. Já a produção de artesanatos do TucumArte é exclusivamente feita com a palha de tucumã. Mesmo tendo apresentado bastante êxito,

312

Embora a LO ao manejo de arumã da AANA concedida pelo IPAAM não ter sido renovada devido à exigência de novos documentos burocráticos demandados à Associação.

237

qualquer fenômeno que venha afetar a qualidade e quantidade das guias utilizadas no artesanato, poderá acarretar em conseqüências bastante ruins para o empreendimento. A falta de diversificação dos produtos feitos com outras matérias-primas pode ser aspecto negativo, caso haja problemas com o recurso tucumã utilizado. A economia do empreendimento precisa estar embasada na previsibilidade de possíveis imprevistos e demandas ambientais geradas pela implementação do manejo dos recursos, conforme já vistos anteriormente. No caso da AANA, com a atividade do manejo, a artesã passa a comprar o feixe de arumã composto por 100 talos, do grupo coletor. Com essa quantia, a artesã consegue arrecadar, por mês, um valor médio de renda bruta ao redor de 50% do salário mínimo oficial do Brasil, para o ano de 2006. Percebe-se que, com a implementação do manejo e ajustes nos preços do tupé, a renda da AANA aumenta consideravelmente, a partir do ano de 2003, dobrando ou até triplicando de valor, visando cobrir os custos demandados com a atividade. Contudo, essa produção não pode ser mantida por muito tempo, de acordo com os estoques disponíveis de matéria-prima estudados e dificuldades de uso dos territórios no entorno de Novo Airão 313 . As artesãs do TucumArte realizam todas as etapas de beneficiamento da matériaprima, incluindo a atividade extrativa. O período de tempo médio gasto com a produção é de um a quatro dias, sendo que peças maiores, naturalmente, levam mais tempo. Cerca de 18 guias são coletadas por mês por artesã, o que resulta em aproximadamente um total de 1963 palhas por ano. A quantidade de palhas utilizadas varia conforme o tamanho das peças e pode chegar a 300 palhas ou mais por produto. Verificou-se que a duração do processo produtivo não está diretamente relacionada aos valores e à rentabilidade do produto confeccionado. Peças que demandam maior período de tempo para produção são menos rentáveis às artesãs em relação a peças que são confeccionadas mais rapidamente. A renda média das artesãs para os anos de 2005 e 2006, foi de 15 % a 20 % do salário mínimo oficial do Brasil. Cerca de cinco grupos familiares garantem as maiores produções do grupo TucumArte. Na AANA, a predominância de apenas um grupo familiar na produção dos artesanatos, mais especificamente de tupés, pode comprometer os objetivos cooperativistas da empreita. A produção de tupé e jogo de mesa, rendem valores mais altos para as artesãs da

313

Desde o ano de 2006, a produção de tupé da AANA diminuiu consideravelmente, em função da falta de novos locais de extração.

238

AANA em relação às artesãs do TucumArte, no que se refere aos percentuais relativos do salário mínimo. Parte desse resultado é proveniente dos valores obtidos com o metro quadrado do tupé (R$ 20,00 reais no ano de 2005, ano analisado) 314 . Verifica-se para a renda bruta da produção total das artesãs da AANA, nos anos de 2005 e 2006 (os mesmos anos observados para o TucumArte), valor similar e abaixo, respectivamente, dos observados para a produção total das artesãs do TucumArte (Figuras 23 e 37). Também foi observado que o percentual da renda, em relação ao salário mínimo, diminuiu nesses dois anos para as artesãs da AANA. Mesmo assim, as artesãs continuam mantendo renda em torno de 50 % do salário mínimo oficial do Brasil, o que parece confirmar que os preços dos produtos estejam compensando a falta e dificuldades de obtenção da matéria-prima. Outra constatação que pode contribuir para a diferença entre os empreendimentos, é o maior tamanho do grupo TucumArte. A produção de artesanatos se divide entre um número maior de pessoas. O número constatado de sócias da AANA, durante a pesquisa de campo foi igual a 28 e para o TucumArte, 38 artesãs. Os valores globais de produção nos dois últimos anos de análise são similares entre os empreendimentos (Figuras 25 e 39). Para o TucumArte, verifica-se uma média de R$ 26.800,00 reais e para a AANA, uma média de R$ 34.065,00 reais. O número de sócias na AANA é menor, assim como a porcentagem de renda obtida pelas artesãs com a venda de tupés, por volta de 50 % do preço de venda. O TucumArte possui mais artesãs e maior porcentagem de renda para as artesãs, 70 % do preço de venda dos artesanatos. Mesmo assim, segundo esses valores, a produção parece render mais para as artesãs da AANA, o que pode explicar as maiores porcentagens de renda para artesãs da AANA em relação ao salário mínimo. Também, podem evidenciar uma maior valoração dos produtos tupé e jogo de mesa em relação aos produtos do TucumArte. Parece que a valoração atual dos artesanatos do TucumArte, não atende uma relação de custo benefício da produção com os preços dos produtos. Independente disso, o crescimento do empreendimento TucumArte tem tido um comportamento ascendente, com maiores índices nos dois últimos anos. Diferente do desenvolvimento da AANA que oscila bastante seu crescimento e cria uma

314

Além disso, os produtos de cipó-ambé que estão entre os mais vendidos, também possuem preços mais caros, como no caso das luminárias, com valores de R$ 20,00 e R$ 30,00 reais para os tamanhos pequeno e grande.

239

certa instabilidade na produção global e inviabiliza um planejamento mais adequado à demanda de mercado. Apesar dos vários problemas sociais enfrentados pela AANA, a produção de artesanatos se constitui o principal motivo do trabalho coletivo, visto os retornos econômicos para as famílias. Porém, com a atual situação da atividade extrativa, as artesãs terão que enfrentar mais esse desafio para buscar soluções à produção que mais sustentava a Associação, de tupé e jogo de mesa. É necessário que nas futuras áreas de interesse para coleta de arumã, tais fatores sejam repensados. A demanda do mercado e a realidade de produção do artesanato devem estar em harmonia. Aspecto favorável para a AANA é sua maior diversificação em produtos e matériasprimas, embora o recurso arumã seja predominante na comercialização dos artesanatos. A produção de peças feitas com cipó-ambé e até mesmo com tucumã, pode ser ampliada e incentivada entre as artesãs, além de produtos feitos com espécies de arumã de terra firme, como é o caso de peneiras. Contudo, da mesma forma que o arumã membeca, o uso desses recursos necessitarão de locais autorizados e planos de manejo para a realização da atividade extrativa mais intensa. Com exceção do cipó-ambé, existe potencial para o cultivo desses recursos, utilizando-se ambientes perturbados com incidência de clareiras, por exemplo, ou re-aproveitando áreas de antigos roçados (Silva, 2004; Hoffman, 2001; Shepard et al., 2001: op.cit.).

3.3 A comercialização dos produtos e gerenciamento do fundo rotativo Dentre uma ampla diversidade de artesanatos em fibra vegetal que são encontrados nos mercados regionais e lojas especializadas de artigos artesanais e amazônicos, os produtos de ambos os empreendimentos AANA e TucumArte se destacam quanto aos critérios de qualidade e não possuem dificuldades com concorrentes de mercado. E ainda, no caso do TucumArte, ganha maior reconhecimento no mercado socioambiental, uma vez que consegue a certificação pelo FSC e alcança nichos mais específicos de mercado, como mercado justo e o ecoturismo. O padrão de qualidade dos produtos alcançado pelos empreendimentos possibilitou a conquista de mercados em outros estados do Brasil e o reconhecimento da arte e modo de vida desses povos. Parte desse sucesso decorre do apoio das ONGs parceiras e identifica 240

como fundamental o papel dessas organizações para implementar estratégias de expansão da comercialização. Para a manutenção dos critérios de qualidade é necessário haver instâncias constantes de fiscalização interna dos grupos. As artesãs da AANA não possuem regras claras sobre quem assume o papel de avaliar a produção. Nos últimos anos, a diretoria tem assumido essa função. No TucumArte, a gerente comercial do grupo é quem avalia o padrão de qualidade. Dentre as várias dificuldades em “arrumar” a casa, a AANA tem conseguido manter um saldo médio de caixa mensal que garante, em termos, o pagamento das artesãs que entregam seus produtos. O alto valor descontado pela venda de alguns produtos, cerca de 55% do valor total sobre a venda, mais os gastos com a taxa de mensalidade da sócia (R$ 5,00 reais), permite ganhos consideráveis para o fundo da AANA que serve, como vimos, ao pagamento dos produtos das artesãs, na entrega do artesanato, mesmo que o produto nunca seja vendido. Porém, as altas mensalidades na AANA criam grandes dívidas para as sócias, uma vez que não são realizados pagamentos mensais. Nos últimos anos, tem aumentado também o acúmulo de dívidas pela Associação que precisam ser quitadas, como por exemplo à contadora. Tal fato parece não ter contribuído diretamente para o desenvolvimento e união do grupo. Ao contrário, a maioria das sócias só aparece na Associação no dia da entrega dos produtos, interessadas apenas em receber pelos mesmos. A estratégia de pagamento no momento da entrega do produto parece eficiente, mas, acarreta pesadas dívidas para as sócias e para AANA. Em decorrência do que foi visto anteriormente, um dos motivos para esse comportamento se deve à falta de clareza interna entre artesãs sobre o funcionamento de uma associação e à presença de um faccionalismo entre artesãs, ao contrário aos objetivos cooperativistas. O processo de intervenção da FVA junto às artesãs, antes da formação da AANA, se dava através da compra dos produtos das artesãs para posterior revenda aos consumidores com vistas a conquistar um mercado para os produtos. Com isso criou-se o fundo da AANA, e as diferenças nos valores de venda são decorrentes da ação de técnicos da ONG. Sob essas condições de formação da empreita, as artesãs sentiam-se seguras com a associação, uma vez que a mesma garantia a compra de toda a sua produção. Em Urucureá, a taxa da mensalidade da ASMOPREURA (R$ 2,00 reais) é menor para as artesãs do TucumArte e a proporção do valor de venda de seus produtos é maior, do que no 241

caso da AANA, cerca de 70 % do valor total de venda de seus produtos, o que amplia a capacidade de renda destas. Apenas 15 % são destinados ao Fundo Social Comunitário e os outros 15 % são para pagamento da gerente comercial. As artesãs do TucumArte recebem o valor do artesanato somente após a venda do respectivo produto. Este aspecto, em um primeiro momento, negativo para a sócia, garante um controle de caixa eficiente e obriga as artesãs a manterem o padrão de qualidade dos produtos, uma vez que sua venda está diretamente relacionada à qualidade dos mesmos. A única forma de produção que garante o ganho continuado para a produtora são as vendas por encomenda. Conforme Estatuto da AANA, as artesãs da diretoria não podem receber salários ou gratificações para exercerem os devidos cargos. No TucumArte, a função da gerente comercial, Rosângela C. Tapajós, desde 1997, contribui para que a comercialização esteja desenvolvida e organizada. Observando os dois casos é evidente que estar livre dos encargos burocráticos de uma Associação contribui para que a artesã tenha mais tempo livre para dedicar-se à produção de artesanatos. A remuneração pelo trabalho da gerente de comercialização no TucumArte não deixa de ser um fator positivo, pois, apesar da responsabilidade, a artesã-gerente é recompensada pela porcentagem sobre a revenda de artesanato. Quanto maior o ganho total do grupo com a venda de artesanatos, maior a renda da gerente comercial, que se beneficia com o desempenho global da produção. Apesar do ganho econômico de Rosângela ser bem maior que o das artesãs, a gerente tem-se mostrado bastante eficiente em sua função 315 . A comercialização do TucumArte alcançou um grau de eficiência que pôde dar sustentação para o crescimento gradual da gestão do artesanato. Em compensação, se estabelece uma relação dependente com a gerente. Apesar de Rosângela sempre enfatizar, durante as reuniões, a importância de repassar seu cargo para outra pessoa interessada, nada tem sido feito até o presente momento para que isso aconteça de fato. Também existem outras lideranças no TucumArte que poderiam assumir o cargo de gerente, como a atual presidente e tesoureiro, sem contar que a maioria das artesãs entrevistadas durante a presente pesquisa, se mostraram interessadas em exercer tais funções. Enfim, para o sucesso de ambos os empreendimentos, AANA e TucumArte, seria ideal que as artesãs ganhassem mais e produzissem menos, visto agregar valor socioambiental

315

A prestação de contas é bem organizada e embasada em planilhas de venda e pagamento de artesãs devidamente preenchidas.

242

aos produtos. Os custos de manejo dos PFNMs devem estar inseridos no preço de venda dos artesanatos. A AANA parece ter ajustado esses novos gastos a partir do aumento do preço de tupé e jogo de mesa, embora grande parte desses tenham sido financiados pela FVA, como nas atividades de pesquisa e monitoramento das áreas de extração. Considerar novos aumentos aos preços desses produtos, diante das dificuldades enfrentadas pela AANA com a extração de arumã, deve ser visto com mais atenção. O mais adequado para esse tipo de proposta é que o consumidor arque com o custo da conservação das florestas, a partir do incentivo ao uso sustentável dos PFNMs. A certificação florestal considera tais critérios e os “vende” ao consumidor através de um nicho de mercado ecológico e justo. No caso do TucumArte, os custos adicionais do manejo parecem se relacionar apenas ao processo de certificação florestal. Entretanto, os altos custos gerados por essa aos pequenos empreendimentos comunitários, se tornam contraditórios a sua própria proposta de sustentabilidade. Além dos custos de manejo que, geralmente, já são altos, (cf. visto para a AANA), a certificação deveria auxiliar a relação custo benefício de produção do artesanato. Mesmo tendo o produto que possui o selo verde, preço mais alto, esse excedente deveria suprir os custos da atividade extrativa e conservação dos ecossistemas manejados, através do desenvolvimento adequado da empreita e melhor geração de renda para as produtoras. A ONG de apoio, o PSA tem arcado com as despesas da certificação, e portanto, não foi possível avaliar como o grupo administrará a manutenção desse processo. Outro risco decorrente da obtenção do selo verde é a perda do mesmo, caso o empreendimento não cumpra os critérios exigidos pela certificadora. A possibilidade de perda do selo verde, após ter conquistado esse reconhecimento no mercado, pode ser aspecto bastante constrangedor para o grupo.

4. Aspectos conquistados pelos empreendimentos Visto vários fatores que favoreceram ou dificultaram o desempenho socioeconômico e ecológico dos grupos para o desenvolvimento do empreendimento artesanal, percebo que, no caso da AANA, existem várias influências externas, como por ex., questão fundiária e apoio do governo público local, que agravam ainda mais o contexto interno da empreita vivenciado entre familiares das artesãs. A predominância de um grupo familiar na gestão da Associação e 243

formação de facções internas, não são favoráveis ao processo democrático que atenda aos anseios do coletivo, o que pode ser um fator de risco para a sustentabilidade da empreita. Esses fatores, atuando em conjunto, geram conflitos e intrigas entre os membros nas relações e disputas pelo poder. Os fatores que favoreceram a organização social da AANA podem ser resumidos em:1) Emancipação das artesãs e melhoria na renda familiar adquiridos através da identidade coletiva do artesanato com a formação da AANA; 2) Construção da sede de artesanato e loja para comercialização em Novo Airão; 3) Conquista de mercado para os produtos, principalmente de tupé e jogo de mesa; 4) Diversificação dos produtos e matérias-primas utilizadas - alternativas para a comercialização dos produtos feitos com arumã membeca; 5) Obtenção de resultados sobre o manejo de arumã e autorização legal para realizar a atividade extrativa segundo critérios de conservação; 6) Parcerias consolidadas em Novo Airão com outras entidades sociais locais: como o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Novo Airão e Associação de Pescadores de Novo Airão (APNA); 7) Maior distanciamento da FVA através de uma relação de parceria melhor definida. Atualmente, a ONG enfatiza o apoio na questão do manejo dos recursos naturais, visando fortalecer os movimentos sociais locais diante dos entraves ambientais vigentes na região. Também mantém apoio à comercialização dos produtos. Em relação ao grupo TucumArte, algumas dificuldades poderão ser enfrentadas pelas artesãs caso não haja um planejamento adequado sobre o uso do recurso tucumã. Tais como, aumento da produção e número de artesãs, acarretando em maiores taxas de exploração e possibilidade de escassez do recurso nas áreas reservadas. A função exercida por Rosângela na comercialização também poder gerar conflitos devido ao longo período de tempo desta no cargo, o que torna o empreendimento um pouco “frágil”, caso ocorra a saída repentina da mesma nessa função. Os fatores positivos que auxiliaram a organização social do empreendimento, são: 1) Direito de uso do território; 2) Grandes estoques naturais de palmeiras de tucumã e potencial das folhas guias para produção de palhas; 3) Certificação da atividade extrativa – maior controle e monitoramento das estratégias de manejo / reconhecimento pelo mercado consumidor; 4) Educação, saneamento bons; 5) Índice de analfabetismo baixo; 6) Boa organização social – capital social pré-existente; 7) Artesãs com tempo disponível para dedicação na produção dos artesanatos, ausência de aspectos 244

administrativos e burocráticos; 8) Complemento econômico na renda familiar; 9) Produção artesanal não exclusiva apenas um grupo familiar; 10) Conquista de mercado – perfil de mercado justo em SP; 11) Turismo ecológico – apoio na venda local; 12) Gestão da comercialização consolidada; 13) Construção da loja do TucumArte na comunidade de Urucureá e espaço garantido para venda dos produtos na loja do PSA em Santarém; 14) Relação de parceria bem sucedida com a ONG de apoio (embora se caracterize, em parte, em uma relação dependente). O PSA mantém o apoio ao grupo, principalmente na questão socioambiental de uso dos recursos, auxiliando no processo da certificação florestal do empreendimento, comercialização dos produtos, e articulação de um arranjo produtivo local, entre comunidades e outras instituições, a partir do uso da palha de tucumã. Os resumos dos aspectos positivos vistos para ambos estudos de caso nos auxiliam também a visualização de dificuldades, conforme mencionadas ao longo dos capítulos. Com base na integração desses fatores realizo a conclusão da pesquisa, descrita a seguir.

Parte II Conclusão Ao longo de cerca de dez anos de trabalho em conjunto, entre os empreendimentos estudados e ONGs parceiras, não se verifica a sustentabilidade dos empreendimentos enquanto sistemas autônomos gerenciados pelos agentes sociais locais. Considerando todos os aspectos observados em cada caso, suas dificuldades e conquistas, percebe-se ainda certa dependência de apoios externos, tanto nos aspectos comerciais quanto aos requerimentos ambientais que necessitam de investigações científicas apuradas para garantir a viabilidade da conservação dos recursos naturais utilizados 316 . Ao meu ver, estamos passando por uma fase de amadurecimento sobre essas novas propostas de desenvolvimento, e no atual momento, a total autonomia desejada como sustentável está em processo de desenvolvimento. A sustentabilidade desses parece depender de um conjunto de ações cooperativas entre

316

É o que podemos constatar em várias outras iniciativas citadas nesse trabalho, por exemplo no caso do projeto Arte Baniwa. As pesquisas realizadas na área indígena e incentivo as estratégias de comercialização, constituemse de um conjunto de ações entre parcerias, como do apoio do ISA.

245

instituições, partindo principalmente de apoios financeiros globais, de países que não possuem mais ecossistemas naturais conservados. Cabe lembrar que esse incentivo iniciou-se por volta da década de 1990, quando projetos de apoio ao desenvolvimento local e meio ambiente eram facilmente financiados, desde que apoiados no discurso do desenvolvimento sustentável e usos alternativos da floresta através dos PFNMs. Becker e Léna (2003, op.cit.), descreve esses pequenos empreendimentos na Amazônia como sendo parte de uma “cultura de projeto”, que se caracteriza por apresentar como atividades compatíveis, o manejo florestal de baixo impacto e extrativismo sustentável, o beneficiamento dos produtos da floresta e o ecoturismo. Esses possuem uma orientação econômica e dimensão técnico – científica experimental, que se dá através da criação de associações registradas para obter apoio de agentes diversos como ONGs, igrejas, programas de cooperação internacional e poder público. Nos estudos de caso, o apoio das ONGs parece ser primordial na conquista de mercados e na assessoria em sistemas de manejo, arcando com os altos custos necessários para a implantação desses sistemas através da captação de fontes financeiras. As variadas demandas para se alcançar o “ideal”, em termos de independência dos grupos, que se tem proposto para os povos tradicionais na Amazônia, ainda depende de um arranjo conjunto entre instituições. A conformação de um arranjo produtivo local, que se constitui a partir da estrutura produtiva disponível e da realidade sociocultural vinculada ao território (Albagli e Maciel, 2003, op.cit.), parece ser mais adequada como estratégia de desenvolvimento a esse tipo de proposta socioambiental. Ou seja de um sistema de inovação que considere “um conjunto de instituições distintas que conjuntamente e individualmente contribuem para o desenvolvimento e difusão de tecnologias” (Cassiolato e Lastres, 2003, op.cit., p. 24). O aspecto inovador do empreendimento do artesanato em fibras vegetais se depreende do incentivo à permanência dos povos e comunidades tradicionais em ecossistemas florestais e sua regularização para obtenção do direito à propriedade e uso dos recursos naturais, como fundamento para a conservação da diversidade biológica e cultural que ocorre através do fortalecimento socioeconômico do empreendimento. Conforme os objetivos específicos da PNPCT, Decreto 6.040, Art.30, destacam-se: “I) garantir aos povos e comunidades tradicionais seu territórios, e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica; II) solucionar e/ou minimizar os conflitos 246

gerados pela implantação de Unidades de Conservação de Proteção Integral em territórios tradicionais e estimular a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável”. Contudo, a gestão desses pequenos empreendimentos depende de um arranjo positivo e, não da ingerência, entre instituições de apoio financeiro, executores, proponentes e mediadores. O problema não são as parcerias, mas as formas como se estruturam essas relações. É importante que todo o processo seja verdadeiramente participativo, através da construção conjunta de agendas, ações, resultados e da valorização do chamado “conhecimento tradicional”, para resultar em mudanças sensíveis e adaptações necessárias, ou mesmo, para que os empreendimentos tenham alguma possibilidade de sucesso. Ao contrário, da participação comunitária restrita, seja na elaboração ou execução de projetos, deriva o insucesso findo o recurso ou o período de mediação das ONGs (Chapin, 2004, op.cit.). Numa rede intricada de relações entre doador, mediador e comunidade local, os programas de desenvolvimento são implantados com o mote da participação social, mas, isso acontece em termos. É comum, por exemplo, que recursos financeiros precedam a reivindicação pelos grupos locais. Isso faz com que muitas ONGs e instituições governamentais acabem atendendo à demanda de mega programas, geralmente destinados à região Amazônica, que são financiados por agências ambientais estrangeiras. Devido aos escassos recursos para esse tipo de empreendimento no Brasil, rejeitar o apoio financeiro, neste caso, é também delicado, visto as inúmeras dificuldades impostas a tais comunidades ao longo do tempo; há certa pressa em captar tais fontes de recursos. Muitas vezes, durante o processo de intervenção e em decorrência de demandas geradas por esses programas, a entidade de apoio desconsidera a identificação das formas de representação dos agentes sociais, correndo o risco de atuar como uma “delegação autoconferida” ou usurpação da delegação, em que falam pelos agentes sociais que imaginam representar, cf. destacou Almeida (2001, op.cit.). Isso cria uma relação de dependência que tende a rupturas do grupo ao final do processo de assessoria. As formas tradicionais em jogo, não se referem apenas a uma revivescência ou de antigas identidades ao se autodenominarem “artesãos”, mas muito mais inovador, de variadas relações sociais e estruturas de poder político, que se emancipam em coletivo para reivindicarem por interesses em comum, dentre as quais cabe destacar: reconhecimento do artesanato enquanto identidade legítima, profissão e arte; busca por melhoria na qualidade de vida e renda econômica 247

familiar; acesso aos territórios tradicionalmente ocupados e uso sustentável dos recursos naturais utilizados. Contrapondo às relações desiguais que foram estabelecidas durante o sistema do aviamento na Amazônia, estruturado através do endividamento do cliente e de uma dependência econômica contínua entre ambos, as estratégias de intervenção entre diferentes instituições devem se basear em interações horizontais, visando favorecer a cooperação em benefício mútuo e assegurar a confiança entre as mesmas. Conforme Putnam (1996, op.cit.), características como normas, regras, punições e instâncias de fiscalização das ações individuais são fundamentais para fortalecer a organização social de um grupo. Ou seja, para o desenvolvimento de um pequeno empreendimento local na Amazônia, torna-se fundamental a presença de um capital social que balize as formas de organização social e fortalecimento do pequeno negócio. Caso contrário, poderão ser reforçadas relações dependentes entre entidade de apoio e grupo local. Para isso, as formas de participação precisam ser claras e conter uma estratégia de capacitação organizacional que possibilite a criação de uma entidade autônoma de fato. O caso do TucumArte ilustra, em parte, essa situação. A existência de um grupo formado anteriormente a ação de parceria e uma sólida cultura tradicional do artesanato em palha entre as mulheres, potencializam as capacidades inatas locais à gestão do pequeno negócio. A partir do crescimento gradual da empreita, o aumento na complexidade gerencial é mais facilmente assimilado em conjunto, o que favorece a transparência nas ações dos dirigentes, a confiança e benefícios mútuos. Contudo, o sucesso do empreendimento se baseia, ainda, em relações de dependência com lideranças do grupo e ONG parceira. Já na AANA, grande parte das dificuldades enfrentadas deriva da incapacidade local em gerir o empreendimento em conjunto com as ações de parcerias, uma vez que tal empreita não foi construída com base num capital social pré-existente, como podemos constatar no grupo TucumArte. Sendo criada por uma demanda externa e sob perspectivas, um tanto quanto paternalistas, as artesãs enxergam no agente mediador um bom patrão que concede ótimas oportunidades de geração de renda através da organização da comercialização dos artesanatos. Sem um histórico de formação sociopolítica e administrativa, mas sim agrupadas por uma demanda de formalização da instituição, a fim de atender requisitos para captação de recursos, as artesãs se tornam dependentes das ações de técnicos para resolverem tantos 248

aspectos complexos e de ordem burocrática que demandam uma associação. Porém, em decorrência de uma avaliação conjunta entre organizações, grupo e ONG, sobre as implicações desse processo, as artesãs conduzem hoje, mais independentes da FVA, todo o processo produtivo do artesanato, mesmo em meio a tantos obstáculos encontrados até então. Após o “distanciamento” da FVA, o grupo familiar mais atuante na produção se apropria da gestão da Associação, sendo observado em alguns momentos, a ausência de ações democráticas entre sócias. Tais aspectos dificultam a criação de instâncias de regulação do empreendimento, como de um regimento interno do grupo construído e elaborado em conjunto. Em contraste ao grupo TucumArte, a gestão do empreendimento da AANA, está condicionada à facção. A diferença entre os grupos está na consciência da gestão, que para o TucumArte se aproxima mais aos critérios cooperativos que são necessários ao desenvolvimento coletivo da organização ao aprendizado de novas práticas e habilidades gerenciais para esse tipo de proposta. Em ambas conformações o papel de entidades parceiras ao sucesso desse tipo de empreendimento é notável, principalmente na conquista de mercado e incentivo à implantação de sistemas de manejo voltados à conservação dos recursos utilizados. Esse último surge como demanda e critério fundamental para a promoção do uso de PFNMs enquanto estratégia de desenvolvimento local em ecossistemas tropicais que gere renda para os povos tradicionais e garanta a conservação dos ambientes naturais. Felizmente, o artesanato em fibras vegetais responde bem a essas expectativas: agrega valor sociocultural aos produtos e melhora a qualidade de vida das famílias através da comercialização e incentivo à produção do artesanato. Além disso, para os estudos aqui observados, a coleta de PFNMs não conduz a depredação total dos recursos in situ uma vez associada à extração de folhas e talos, corroborando com alguns autores sobre as vantagens desses sistemas quando comparados à exploração legal e ilegal de madeira e a implantação de sistemas agropecuários (Alencar et al., 2004; Margulis, 2003; Peters et al., 1989: op.cit.). Além disso, por se caracterizar como uma atividade de forte caráter cultural, herdada pelos antepassados indígenas, a abundância das plantas usadas parece sempre se relacionar a ambientes manipulados pela ação antrópica. Na maior parte das vezes, tais características parecem favorecer a implementação de sistemas de manejo dessas plantas, com vistas a atender critérios de conservação e sustentabilidade.

249

Contudo, em termos de capacidade estratégica de manejo desses recursos para garantir o desenvolvimento do empreendimento, tais características não podem ser potencializadas, como pudemos constatar no caso da AANA. Os obstáculos dessa iniciativa decorrem de questões fundiárias para uso dos recursos, o que inviabiliza a implantação de sistemas de manejo em diferentes locais e a partir de estratégias adequadas e controladas de manipulação dos ambientes pelos extratores. Inserido nesse contexto, torna-se questionável a sustentabilidade socioeconomica de atividades extrativas de PFNMs (Gould e Merino, 2005; Ruiz-Pérez, et al., 2004; Shanley et. al., 2002, op.cit.; Godoy e Bawa, 1993; Homma, 1993: op.cit.). Os problemas da atividade extrativa se devem, principalmente, ao esgotamento dos recursos naturais ou à rigidez da oferta, uma vez que os produtos da floresta atingem, de forma efêmera e temporária, o mercado (Homma, 1993; Browder, 1992: op.cit). No caso do TucumArte, tais aspectos não foram observados até o presente momento. Já para a AANA, a oferta de produtos feitos com arumã membeca, como tupé e jogo de mesa, diminuiu bastante devido à escassez de matéria-prima quando coletada segundo critérios de manejo e de acordo com as áreas disponíveis para a extração mais próximas de Novo Airão. Analisando similaridades, observa-se ainda, que a manutenção de grande parte desses recursos, em sistemas naturais, está associada às atividades tradicionais dos povos. Tais empreendimentos, para serem sustentáveis, não devem adquirir caráter de empresa. O pequeno porte das empreitas garante que as famílias mantenham outras atividades econômicas complementares, como a produção de farinha, a pesca e a extração de recursos da floresta para alimentação, dentre diversos outros fins. Para manter-se a sustentabilidade do micro empreendimento é necessário um equilíbrio entre todas essas atividades ao longo dos anos. Ou mesmo, intensificar e diversificar os meios de uso da terra, como a utilização dos recursos extrativos e implantação de sistemas de plantio (Ruiz-Pérez, et al., 2004; Silva, 2004: op.cit.). Essas me parecem mais adequadas. Com a diminuição (geográfica) dos ecossistemas florestais, as formas de manejo tradicionais devem ser monitoradas e pesquisadas, visto a pressão extrativa sobre determinados recursos. Os comportamentos humanos e os limites ambientais influenciam-se reciprocamente, em situações de mudança. A dinâmica dessas interações transforma o conceito do tradicional, preso a noções do passado, e o atualiza através da combinação entre esses diferentes fatores. Os sistemas de manejo em regime de rendimento sustentável cuja prioridade são os benefícios 250

socioeconômicos, culturais e ecológicos, necessitam de uma base consolidada de gestão, seja no planejamento, controle ou ordenamento do uso dos recursos florestais disponíveis. Isso demanda em mudanças sobre as formas estritamente tradicionais, como por ex., na adaptação das práticas de coleta e diversificação dos locais de extração, a necessidade de uma maior manipulação dos ambientes, e ou, implantar sistemas de plantio dos recursos utilizados, o que amplia a capacidade de suporte dos empreendimentos. Para possibilitar o desenvolvimento local dos povos da floresta, é imprescindível que essas tenham acesso e direito de uso dos territórios para viabilizar sistemas de manejo e devidas manipulações do ambiente que favoreçam ao uso dos PFNMs. A concessão de utilização dessas propriedades requer políticas públicas que estejam de acordo com a realidade da região e que incentive o desenvolvimento sustentável desse tipo de empreendimento. Para isso, é preciso rever as estratégias de conservação e preservação dos ambientes naturais através da implantação de UCs de uso indireto. E principalmente, em que pese ainda, o quadro precário de recursos humanos e financeiros, em instituições como o IBAMA, responsáveis por gerenciar e fiscalizar grandes frações desses territórios. Em alguns casos onde sistemas de manejo comunitários estão em desenvolvimento, verifica-se a necessidade de reajustes e mudanças profundas na legislação, assim como, de criação de novas instituições para implantação desses sistemas (Benatti et al., 2003, op.cit.). Nos casos estudados, o artesanato em fibras vegetais se diferencia por características intrínsecas de seus produtos. Esses se constituem de artefatos de primorosa beleza, que encantam e transmitem uma cultura ancestral herdada, no caso a indígena (Ribeiro, 1987; 1985, op.cit.). Não correspondem apenas a produtos meramente utilitários, mas identificam habilidades artísticas de cada artesão e sua cultura. Tais aspectos não se referem a sistemas extrativos de recursos naturais voltados apenas para a obtenção de matéria-prima bruta para ser comercializada no mercado, como a borracha, óleos, entre outros. O incentivo à comercialização de artesanatos tem como proposta principal agregar valor aos PFNMs extraídos (Nakazono, 2004; Silva, 2004, op.cit.; Athayde, 2003; Davy, 2002; Hoffman, 2001; FOIRN/ISA, 2000; Macia e Balslev, 2000; Nakazono, 2000: op.cit.). Essa estratégia de desenvolvimento tem se consolidado através de nichos de mercado com propostas de cunho socioambiental que valora as práticas e conhecimentos etnoecológicos que estão representadas em cada produto, uma combinação entre capacitação da organização 251

social e pequena produção de produtos com alta qualidade (McGrath et al., 2004, op.cit.). Inovações como o mercado verde e a idéia de comércio justo auxiliam na manutenção econômica dessas iniciativas e em sua inserção gradual no mercado de bens e serviços. A esse diferencial, fatores como oscilação na oferta dos produtos e concorrência de mercado são menos importantes em termos econômicos para a empreita, desde que se mantenham padrões de qualidade estabelecidos. Relembrando o processo histórico de colonização e formação socioeconomica na Amazônia, retratam-se vários episódios de exploração de mão-de-obra escrava e dizimações de milhares de povos indígenas. Resgatar o conhecimento tradicional e o autoreconhecimento sociocultural como forma de desenvolvimento local é simplesmente inovador diante do sistema econômico mundial de nossas sociedades capitalistas 317 . Requer dos agentes sociais em jogo, dos povos tradicionais, um movimento de mobilização emergente e integrativo, que busque o reconhecimento social através da emancipação do coletivo, ou melhor, de uma ação socioambiental que incentive a formulação de políticas públicas adequadas ao desenvolvimento sustentável na Amazônia. A instituição da PNPCT considera tais aspectos e se propõe a criar dispositivos legais que garantam os direitos desses povos e comunidades, visando proporcionar a visibilidade desses grupos e garantir o direito de uso dos territórios tradicionais. Em resumo, observo que a questão fundiária e as formas de uso dos PFNMs são primordiais para a viabilidade desse tipo de empreendimento. Quando caracterizadas como pequenos empreendimentos, tais empreitas podem conciliar as formas de uso dos territórios à conservação dos ecossistemas naturais. Ou seja, o equilíbrio entre os sistemas de uso da floresta, advém da combinação favorável entre os seguintes fatores: técnicas de manejo orientadas pelos conhecimentos e serviços tradicionais, capacidade de regeneração natural, regimes de propriedade comunal, capacidade organizativa e estabelecimento de parcerias com ONGs e instituições que promovam a formulação de novas estratégias de desenvolvimento – os chamados arranjos produtivos locais, que na Amazônia, podem funcionar como estratégia de fortalecimento dos pequenos empreendimentos com determinadas características, que

317

O cenário ambiental diariamente documentado pela televisão, internet, dentre outros meios de comunicação, não demonstra uma relação harmoniosa entre a espécie humana e os outros seres vivos no planeta. A destruição da nossa casa “mãe natureza”, GAIA, tem sido fruto do que nossa sociedade tem “inventado” em termos de informação.

252

visem à conservação dos ecossistemas naturais e melhoria da qualidade de vida do planeta. Soluções inovadoras em termos de políticas públicas devem considerar tais aspectos e propagá-los. Só assim, encaminhar-se-ão decisões equilibradas em consonância com os hábitos, conceitos e práticas da floresta, com alguma possibilidade de sucesso. Mas, o repasse de informações ainda é restrito e condicionado às grandes manchetes sensacionalistas eternamente reprisadas pelos meios de comunicação, com raras exceções. Nesse sentido, o discurso sobre desenvolvimento sustentável é ainda cheio de contradições (Lima, 2003, op.cit.), embora tente resgatar a visão holística sobre os fenômenos, fragmentada pela lógica cartesiana, entre natureza e cultura (Brüseke, 1993, op.cit). As instituições parceiras, como as ONGs, ao propor a sustentabilidade do uso de PFNMs na Amazônia, devem considerar a importância de se atuar, de fato, com a interdisciplinaridade nas ações de intervenções. O mesmo se aplica a muitas instituições acadêmicas, onde se percebe um grande distanciamento entre as diferentes linhas de pesquisa nas áreas das Ciências Humanas e Biológicas. É preciso, que haja um diálogo mais próximo entre

perspectivas

inovadoras

que

contribuam

à

proposição

de

alternativas

de

desenvolvimento sustentável. Reconhecer o esforço desempenhado pelos povos e comunidades tradicionais é um primeiro passo para a ação de pesquisas que reflitam necessidades e potencialidades locais. Políticas adequadas ao desenvolvimento sustentável da Amazônia devem considerar, no mínimo, sua presença. A PNPCT pode ser um marco de diferenciação na história de invisibilidade dos movimentos sociais, se adequadamente implementada. Além disso, é necessário que haja um repasse de conhecimentos adquiridos entre os empreendedores florestais para ampliar as discussões sobre os requisitos mais prioritários que demandam o desenvolvimento dessas atividades. Os resultados dessa pesquisa contribuem à formulação de temas relacionados.

253

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, J.C. da G. Barão de Marajó. As Regiões Amazônicas: estudo chorographico dos estados do Gram Pará e Amazonas. Belém: Secult, 1992. ALBAGLI, S.; MACIEL, M.L. Capital social e desenvolvimento local. In: CASSIOLATO, H. M .M. et al.(orgs.). Pequena Empresa: Cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Relume Dumará: UFRJ, Instituto de Economia, 2003. p. 423-440. ALCORN, J.B. Indigenous people and conservation. Conservation Biology, vol.7, n0 2, 1993. p. 424-426. ALCORN, J.B. Process as Resource: The traditional agricultural ideology of Bora and Huastec Resource Management and its implications for research. Advances in Economic Botany, The New York Botanical Garden, 1989. 7: 63-77. ALENCAR, A.; NEPSTAD, D.; McGRATH, D. G.; MOUTINHO, P.; PACHECO, P.; DIAZ, M.D.C.V.; SOARES FILHO, B. Desmatamento na Amazônia: Indo além da "Emergência Crônica". IPAM-Belém, 2004. p. 90. ALLEGRETTI, M.H. Políticas para o uso dos recursos naturais renováveis: A região Amazônica e as atividades extrativistas. In: Godt, M. C.e Sachs, I. (eds.). Extrativismo na Amazônia Brasileira: Perspectivas sobre o desenvolvimento regional Compêndio MAB 18, UNESCO, 1996. p. 14-34. ANDERSON, A.B.; CLAY, J. (eds.). Esverdeando a Amazônia: Comunidades e empresas em busca de práticas para negócios sustentáveis. São Paulo: Petrópolis; Brasília, DF: IIEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2002. p. 202. ANDERSON, A.B.; POSEY, D.A. Management of tropical scrub savana by the Gorotire Kayapó of Brazil. Advances in Economic Botany, v.7, 1989. p. 159-173. ANDERSON, L. The genus Ischnosiphon (Marantaceae). Opera Botanica, 1977. 43: 1-114. ALLEGRETTI, M.H. Políticas para o uso dos recursos naturais renováveis: A região Amazônica e as atividades extrativistas. In: Godt, M. C.e Sachs, I. (eds.). Extrativismo na Amazônia Brasileira: Perspectivas sobre o desenvolvimento regional Compêndio MAB 18, UNESCO, 1996. p. 14-34. ALMEIDA, A.W.B. Apresentação. In: SHIRAISHI NETO, J. (org.). Direito dos povos e das comunidades tradicionais no Brasil: declarações, convenções internacionais e dispositivos jurídicos definidores de uma política nacional. Manaus: UEA, 2007. p. 9-17. ALMEIDA, A.W.B. Terras de quilombo, terras indígenas, “babaçuais livres”, “castanhais do povo”, faxinais e fundos de pasto: terras tradicionalmente ocupadas. Manaus: PPGSCA-UFAM, 2006. p. 140. 254

ALMEIDA, A.W.B. Mediação sem Mediania: comentários à ação da FVA junto à AANA. Relatório de Consultoria, 2001. p. 30. ALMEIDA, A.W.B. Quebradeiras de Coco Babaçu: identidade e mobilização. III Encontro Interestadual das Quebradeiras de Côco Babaçu. São Luis. 1995. 183 p. ARNT, R. (ed.). O Destino da floresta: Reservas extrativistas e desenvolvimento sustentável na Amazônia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; Curitiba, PR: Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais, Fundação Konrad Adenauer, 1994. p. 276. ATA DA ASSEMBLÉIA EXTRAORDINÁRIA – ASMOPREURA: 22 de janeiro de 2005. Grupo TucumArte. ATA DA ASSEMBLÉIA EXTRAORDINÁRIA – ASMOPREURA: 16 de junho de 2005. Grupo TucumArte. ATA DE FUNDAÇÃO DA AANA. Associação dos Artesãos de Novo Airão, 1996. ATHAYDE, S.F. 2003. Knowledge transmission and change in Kaiabi (Tupi-Guarani) basketwork, Southern Amazonian Region, Brazil. MSc. in Ethnobotany, Canterbury, England, p. 61. BAHRI, S. Do extrativismo aos sistemas agroflorestais. In: EMPERAIRE, L. (ed.). A floresta em jogo: O extrativismo na Amazônia Central. Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, SP, 2000. p. 167-176. BALÉE, W. Cultura na vegetação da Amazônia brasileira. In: NEVES, W. A (org.). Biologia e Ecologia Humana na Amazônia: Avaliação e perspectivas. Museu Paraense Emílio Goeldi, Coleção Eduardo Galvão, 1989. p. 95-109. BANANA, A.Y.; GOMBYA-SSEMBJJWE, W. Successful forest management: The rule importance of security of tenure and rule enforcement in Uganda forests. In: GIBSON, C. C. et al. (eds). People and forests: communities, institutions, and governance. Massachusetts Institute of Technology, 2000. p. 87-98. BATISTA, D. O Complexo da Amazônia: análise do processo de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Conquista, 1976. BECKER, B.K. Estado Nação e Região no final do século XX. In: D’ INCAO, M. A. e SILVEIRA, I. M. (orgs.). Amazônia e a Crise da Modernização. Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém – PA, 1994. p. 103-123. BECKER, B.K.; LÉNA, P. Pequenos empreendimentos alternativos na Amazônia. In: CASSIOLATO, H. M .M. et al. (orgs.). Pequena Empresa: Cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Relume Dumará: UFRJ, Instituto de Economia, 2003. p. 403-421.

255

BENATTI, J.H.; MCGRATH, D.G.; OLIVEIRA, A.C.M. Políticas públicas e manejo comunitário de recursos naturais na Amazônia. Ambiente & Sociedade, v.VI, n.2, 2003. p. 137-154. BENATTI, J.H. Unidades de Conservação e as Populações Tradicionais: Uma análise jurídica da realidade brasileira. Novos Cadernos NAEA, vol.2, n0 2, 1999. p. 107-125. BENCHIMOL, S. Amazônia. Formação social e cultural. Manaus. Valer e Editora da Universidade Federal do Amazonas, 1999. BONIFÁCIO, J. Relatório da primeira oficina de artesanato. Yakino – Associação de Produção e Cultura Indígena. Programa de Desenvolvimento Indígena da Amazônia Brasileira. Barcelos, AM, 20 a 23 de maio de 2002. 19 p. BORGES, S.H.; IWANAGA, S.; DURIGAN, C.C.; PINHEIRO, M.R. Janelas para a biodiversidade no Parque Nacional do Jaú: uma estratégia para o estudo da biodiversidade na Amazônia. Fundação Vitória Amazônica, Manaus – AM, 2004. 280p. BORGTOFT PEDERSEN, H. Mocora palm-fibers: use and management of Astrocaryum standleyanum (Arecaceae) in Ecuador. Economic Botany. 1994. 48(3): 310-325. BOVI, M.L.A. Resultados de pesquisa refentes à exploração, manejo e cultivo do açaizeiro. In: JARDIM, M.A.G et al. (eds). Açaí (Euterpe oleracea Mart.): possibilidades e limites para o desenvolvimento sustentável no estuário amazônico. Museu Paraense Emílio Goeldi, Coleção Adolpho Ducke, 2004. p. 53-78. BRESCIANI FILHO, E. Processo de criação organizacional e processo de autoorganização. Trabalho de pesquisa e reflexão (elaboração de conceitos). 1999. (mimeo). BROWDER, J.O. The limits of extractivism: Tropical forest strategies beyond extractive reserves. Bio Science. vol.42, n.3, 1992. p. 174-182. BRUNDTAND, G.H. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro FGV, 1991. p. 29-71. BRÜSEK, F.J. O problema do desenvolvimento sustentável. Paper do NAEA, n0 13, Belém – PA, 1993. CADERNO POVOS DA FLORESTA: CHICO MENDES VIVE!. Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Coordenação da Amazônia, 2003. p. 7. CARVALHO, F.P. Projeto Fibrarte: Algumas considerações. Relatório final, Fundação Vitória Amazônica, Manaus – AM, fev / 2002. CARVALHO, L. Trançados do Arapiuns. (Catálogo) Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, 2004. 31 p. CARVALHO, M.do C. Participação social no Brasil hoje. São Paulo: Instituto Polis, 2000.

256

CASSIOLATO, J.E.; LASTRES, H.M.M. O foco em arranjos produtivos e inovativos locais de micro e pequenas empresas. In: CASSIOLATO, H. M .M. et al.(orgs.). Pequena empresa: cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Relume Dumará: UFRJ, Instituto de Economia, 2003. p. 21-34. CASTRO, A. O extrativismo do açaí na Amazônia Central. In: EMPERAIRE, L. (ed.). A floresta em jogo: O extrativismo na Amazônia Central. Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, SP, 2000. p. 129-138. CAUGHLEY, G.; SINCLAIR, A.R.E. Scientific Publications, 1994. 334 p.

Wildlife Ecology and Management. Blackwell

CHAPIN, M. A challenge (www.worldwatch.org), 2004. 17-31.

to

conservationists.

Worldwatch

Institute

CHAVES, M.P.S.R. Avaliação Participativa da Associação de Artesãos de Novo Airão – AANA. Relatório de Consultoria. Universidade Federal do Amazonas, Depto. De Serviço Social, Manaus, AM, jan / 2003. p. 30. COELHO, M.C.N. (a). Agenda 21 para a Amazônia. In: ARAGÓN, L. E. (org.). Debates sobre a agenda 21. Belém: UNAMAZ (Série Cooperación Amazónica, 21), 2000. p. 7-20. COSTA, F. C R; NAKAZONO, E. M; SENNA, C. Effects of Selective Logging on Populations of Two Tropical Understory Herbs in an Amazonian Forest. Biotropica, 2002, v.34, n.2. CUNHA, M.C; ALMEIDA, M.W.B. Populações tradicionais e conservação ambiental. In: CAPOBIANCO, J. P. R. et al. (orgs.). Biodiversidade na Amazônia brasileira. São Paulo, Estação Liberdade: Instituto Socioambiental, 2001. p. 184-193. DAVY, D. La vannerie et I. arouma, Ischnosiphon spp., chez les Palikur du village de Kamuyene (Guyane – française): Etude ethnobotanique d’une filière commerciale. Universite D’Orleans, 2002. p. 124. DEMO, P. Participação é conquista: noções de política social participativa. Fortaleza: EUFC, 1986. DIEGUES, A.C. Povos e Águas: Inventário de áreas úmidas. NUPAUB–USP, 2002. p. 597. DIEGUES, A.C. Repensando as formas de apropriação comum dos espaços e recursos naturais. In: DIEGUES, A. C. e MOREIRA, A. C. C. (orgs.). Espaços e recursos naturais de uso comum. São Paulo: NUPAUB, USP, 2001. p. 97-124. DIEGUES, A.C. O mito moderno da natureza intocada. Editora Hucitec, SP, 1996. DONG, M.; PIERDOMINICI, M.G. Morphology and growth of stolons and rhizomes in three clonal grasses, as affected by different light supply. Vegetatio. 1995. 116: 25-32. 257

DURIGAN, C.C.; CASTILHO, C.V. O extrativismo de cipós (Heteropsis spp., Araceae) no Parque Nacional do Jaú. In: BORGES, S. H.; IWANAGA, S.; DURIGAN, C. C.; PINHEIRO, M. R. Janelas para a biodiversidade no Parque Nacional do Jaú: uma estratégia para o estudo da biodiversidade na Amazônia. Fundação Vitória Amazônica, Manaus – AM, 2004. p. 231-242. EMPERAIRE, L. (ed.). A floresta em jogo: O extrativismo na Amazônia Central. Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, SP, 2000. p. 232. EMPERAIRE, L.; LESCURE, J.P. Uma abordagem ecológica comparativa. In: EMPERAIRE, L. (ed.). A floresta em jogo: O extrativismo na Amazônia Central. Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, SP, 2000. p. 139-148. ENGEL, P.; SALOMON, M. Facilitating innovation for development: a RAAKS resource box. Amsterdam: KIT Press, 1997. ESTATUTO DA AANA. Associação dos Artesãos de Novo Airão, Novo Arão – AM, nov / 2003. FEENY, D.; BERKES, F.; MCCAY. B.J.; ACHESON, J.M. A tragédia do comuns: vinte e dois anos depois. In: Diegues, A. C. e Moreira, A. C. C. (orgs.). Espaços e recursos naturais de uso comum. São Paulo: NUPAUB, USP, 2001. p. 17-42. FARAGE, N. As Muralhas dos Sertões: Os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro. Ed. Paz e Terra. ANPOCS. 1991. p.15-55. FERREIRA, S.A.N.; GENTIL, D.F.O. Extração, embebição e germinação de sementes de tucumã (Astrocaryum aculeatum). Acta Amazônica. 2006. Vol.36(2): 141-146. FERRI, M.G.; MENEZES, N.L.; MONTEIRO, W.R. Glossário ilustrado de botânica. Ed. Nobel. Depto de Botânica da Universidade de São Paulo, SP. 1981. 198 p. FIGUEIRA, J.M.D. Projeto Fibrarte: uma parte da história da Fundação Vitória Amazônica. Relatório final, Fundação Vitória Amazônica, Manaus – AM, dez / 2002. p. 23. FOIRN / ISA. Arte Baniwa – Cestaria de arumã. Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, Instituto Sócio Ambiental. São Gabriel da Cachoeira, São Paulo, 2000. FOIRN / ISA; MEC/SEF. Mapa Livro: Povos Indígenas do Alto e Médio Rio Negro. Ministério da Educação – MEC e Secretaria de Ensino Fundamental – SEF, 2000. p. 73–123. FUNDAÇÃO VITÓRIA AMAZÔNICA. Plano de Manejo do Parque Nacional do Jaú. Fundação Vitória Amazônica / Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Manaus, 1998a. 113 p. FREESE, C.H. Wild species as commodities: managing markets and ecosystems for sustainability. Island Press, Washington, 1998. p. 1-18. 258

FREIRE, J.R.B. História Política-Administrativa da Agricultura no Estado do Amazonas (1850-1920). Fundação Getúlio Vargas/EIAP. PLEFANN-AM. CEPA-AM. 1979. (Introdução: Parte I). GALVÃO, E.N. Romanceiro Mocorongo ou a Quase-História de Santarém. Santarém: Coordenadoria Municipal de Cultura, 1998. 312 p. GIBSON, C.C.; BECKER, C.D. A lack of institutional demand: Why a strong local community in western Ecuador fails to protect its forest. In: GIBSON, C. C. et al. (eds). People and forests: communities, institutions, and governance. Massachusetts Institute of Technology, 2000. p. 135 – 161. GIBSON, C.C.; MCKEAN, M.A.; OSTROM, E. Explaining deforestation: the role of local institutions. In: GIBSON, C. C. et al. (eds). People and forests: communities, institutions, and governance. Massachusetts Institute of Technology, 2000. p. 1-26. GODOY, R.A.; BAWA, K.S. The economic value and sustainable harvest of plants and animals from the tropical forest: Assumptions, hypotheses, and methods. Economic Botany, 1993. p. 215-219. GOULD, R.; MERINO, Y.P. A Meta-analysis of the Ecological Effects of Non Timber Forest Product Harvest. Report. Yale School of Forestry and Environmental Studies, USA, 2005. p. 21. HEGDE, R.; SURYAPRAKASH, S.; ACHOTH, L.; BAWA, K.S. Extraction of non-timber forest products in the forests of Biligiri Rangan Hills, India. 1. Contribution to rural income. Economic Botany, v.50, 1996. p. 243-251. HISTÓRICO DO PROJETO FIBRARTE. Relatório Institucional, Fundação Vitória Amazônica, Manaus – AM, 2000. HOFFMAN, D. Arumã no Alto Rio Içana. In: Plano de Negócios - Arte Baniwa: Cestaria indígena de arumã do Rio Negro. Relatório técnico. Fundo Nacional do Meio Ambiente/MMA, 2001. HOMMA, A.K.O. Extrativismo vegetal na Amazônia: limites e oportunidades. Brasília: EMBRAPA-SPI, 1993. p. 202. JARDIM, M.A.G. Pesquisas com a palmeira açaí (Euterpe oleracea Mart.) no Museu Paraense Emílio Goeldi. In: JARDIM, M. A. et al. (eds). Açaí (Euterpe oleracea Mart.): possibilidades e limites para o desenvolvimento sustentável no estuário amazônico. Museu Paraense Emílio Goeldi, Coleção Adolpho Ducke, 2004. p.79-99. JECUPÉ, K.W. A terra dos mil povos: história indígena brasileira contada por um índio. São Paulo. Ed. Peirópolis. 1998. p. 115.

259

JUNK, W.J. General aspects of floodplain ecology with special reference to Amazonian floodplains. In: JUNK, W. J. (ed.). The central Amazon floodplain. Springer-Verlag, Berlin, 1997. p. 3-17. JUNK, W.J.; BAYLEY, P.B.; SPARKS, R.E. The flood pulse concept in river-floodplain systems. In: Dodge, D.P. (ed.). Proceedings of the International Large River Symposium – LARS. Canadian Special Publication in Fisheries and Aquatic Sciences, v.106, 1989. p. 110-127. KORMONDY, E.J.; BROWN, D.E. Ecologia Humana. Atheneu Ed. São Paulo, 2002. p. 503. KVIST, L.P.; GRAM, S.; CÁCARES C.A.; ORE B.I. Socio-economy of flood plain households in the Peruvian Amazon. Forest Ecology and Management, 2001. 150: 175-186. KVIST, L.P.; NEBEL, G. A review of Peruvian flood plain forests: ecosystems, inhabitants and resource use. Forest Ecology and Management, 2001. 150: 3-26. LEENHEER, J.A.; SANTOS, U.M. Considerações sobre os processos de sedimentação na água preta ácida do rio Negro (Amazônia Central). Acta Amazônica, 1980. 10: 343-355. LENTINI, M.; VERÍSSIMO, A.; SOBRAL, L. Fatos Florestais da Amazônia. Belém: IMAZON, 2003. LESCURE, J.P. Algumas questões a respeito do extrativismo. In: EMPERAIRE, L. (ed.). A floresta em jogo: O extrativismo na Amazônia Central. Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, SP, 2000. p. 191-204. LIMA, D.M.A.; POZZOBON, J. Amazônia socioambiental – sustentabilidade ecológica e diversidade social. In: VIEIRA, I.C.G. et al. (orgs.). Diversidade biológica e cultural da Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2001. p. 195-251. LIMA, D.M. A construção histórica do termo caboclo. Sobre estruturas e representações sociais no meio rural amazônico. Novos cadernos do NAEA. Belém: UFPA/NAEA, v.2, n.2, 1999. p. 5-32. LIMA, G.C. O discurso da sustentabilidade e suas implicações para a educação. Ambiente e Sociedade. v.VI, n.2, 2003. p. 99-119. LIMA, J.R.O.; SILVA, R.B.; CALAND, L.B.; SANTOS, L.S.S.; MOURA, C.V.R.; MOURA, E.M. Biodiesel de óleo de tucum (Astrocaryum vulgare) extraído artesanalmente sintetizado via etílica. 24a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química – SBQ. Maio de 2001. MACÍA, M.J.; BALSLEV, H. Use and management of Totora (Schoenoplectus californicus, Cyperaceae) in Ecuador. Economic Botany, v.54, 2000. p. 82-89.

260

MAGNUSSON, W.E. The role of wildlife management in the maintenance of biodiversity. In: Majumdar, S. K. et al. (eds.). Biological Diversity: Problems and challenges. The Pennsylvania Academy of Science, 1994. p. 209-220. MALINOWSKI, B. Objetivo, método e alcance desta pesquisa. In: ZALUAR, A. (org.). Desvendando Máscaras Sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. p. 39-61. MARGULIS, S. Causas do desmatamento da Amazônia Brasileira. Banco Mundial, 2003. p. 80. MARQUES, S.C. Diagnóstico de composição de renda dos Artesãos da Associação de Artesãos de Novo Airão – AANA. Relatório de Consultoria. Fundação Vitória Amazônica, Manaus, AM, 2000. p. 18. MARTÍN, C.; LUNARDON, P. Artesanato da AANA: Custo da Produção. Novo Airão – AM, fev / 2002. Arquivo da Fundação Vitória Amazônica, Manaus – AM. 137 p. MARTINELLO, P. A Batalha da Borracha durante a Segunda Guerra Mundial. Rio Branco: Cadernos UFCA, série Estudos e Pesquisas 1. 1988. MARTINI, A. A margem do limite: fronteira e narrativa na Foz do Breu, Acre, Brasil. Campinas: IFCH/Unicamp, 2005. p.167. Tese (Doutorado). MARTINI, A. Etnolevantamento de recursos naturais na Terra Indígena Jaminawa cabeceira do Rio Acre. Relatório Final. Rio Branco: Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (SEMA), 2002. p. 1-103. MARTINI, A. Casar no Padre ou Fugir? Estratégias familiares e individuais de seringueiros da Reserva Extrativista do Alto Juruá. Campinas: IFCH/Unicamp, 1994. p. 1-20 (mimeo.). MAUSS, M. Ensaio sobre a dádiva. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Epu/Edusp, 1974. MEIRA, M. Livro das Canoas: Documentos para a história indígena da Amazônia. São Paulo: NHII-USP/FAPESP. 1994. (Introdução). MCGRATH, D. Parceiros no crime: o regatão e a resistência cabocla na Amazônia tradicional. Novos cadernos do NAEA. Belém: UFPA/NAEA, v.2, n.2, 1999. p. 57-72. MCGRATH, D.G.; PETERS, C.M.; BENTES, J.M. Community forestry for small-scale furniture production in the brazilian amazon. In: ZARIN, D.J. et al. (eds.). Working forests in the neotropics – conservation through sustainable management? Columbia University, EUA, 2004. p. 200-220. MCKEAN, M.A.; OSTROM, E. Regimes de propriedade comum em florestas: somente uma relíquia do passado?. In: Diegues, A. C. e Moreira, A. C. C. (orgs.). Espaços e recursos naturais de uso comum. São Paulo: NUPAUB, USP, 2001. p. 79-95. 261

MILANI, C.R.S. Instrumentos de política ambiental. Novos cadernos do NAEA. Belém: UFPA/NAEA, v.1. n.1, 1998. p.79-109. MILLIKEN, W.; MILLER, R.P.; POLLARD, S.R.; WANDELLI, E.V. The ethnobotany of the Waimiri Atroari indians of Brazil. The Royal Botanic Gardens, Kew, 1992. MOURÃO; G.M.; MAGNUSSON, W. Uso de levantamentos aéreos para o manejo de populações silvestres In: PÁDUA, C.V.; BODMER, R.E.; CULLEN Jr., L. (orgs.). Manejo e Conservação de Vida Silvestre no Brasil. CNPq. Brasília, DF, 1997. p. 23-33. MULKEY, S.S. Photosynthetic acclimation and water-use efficiency of three species of understory herbaceous bamboo (Gramineae) in Panama. Oecologia. 1986. 70: 514-519. MULKEY, S.S.; SMITH, A.P.; WRIGHT, S.J. Comparative life history and physiology of two understory Neotropical herbs. Oecologia. 1991. 88: 263-273. MURALI, K.S.; UMA SHANKAR, .R.; UMA SHAANKER, R.; GANESHAIAH, K.N.; BAWA, K.S. Extraction of non-timber forest products in the forests of Biligiri Rangan Hills, India. 2. Impact of NTFP extraction on regeneration, populations structure, and species composition. Economic Botany, v. 50, 1996. p. 252-269. NAKAZONO, E.M.; ASSOCIAÇÃO DOS ARTESÃOS DE NOVO AIRÃO; COMUNIDADE DO SOBRADO. Manejo do Arumã no baixo Rio Negro: uso tradicional de um produto florestal não madeireiro no artesanato de fibras vegetais. (Cartilha) Fundação Vitória Amazônica, Manaus. 2006. 25 p. NAKAZONO, E.M. Diagnóstico etnoecológico das plantas utilizadas no artesanato indígena Ticuna. Consultoria Ecológica prestada para a Associação dos Artesãos e Cultura Indígena de Umariaçu – ACIU. Projeto Centro Turístico Éware-ACIU: Casa de Festa de Moça Nova. Relatório não publicado, 2004. p.25. NAKAZONO, E.M.; BRUNA, E.; MESQUITA, R.C.G. Experimental harvesting of the nontimber forest product Ischnosiphon polyphyllus in central amazonia. Forest Ecology Management, 2004. 190: 219-225. NAKAZONO, E. M.; PIEDADE, M. T. F. Biologia e ecologia do arumã, Ischnosiphon polyphyllus (Marantaceae), no arquipélago de Anavilhanas, Rio Negro, Amazônia Central. Revista Brasileira de Botânica. v.27, n.3, 2004. p.421-428. NAKAZONO, E.M.; COSTA, M.C.; FUTATSUGI, K.; PAULILO, M.T.S. Crescimento inicial de Euterpe edulis Mart. em diferentes regimes de luz. Revista Brasileira de Botânica. v.24, n.2, 2001. p.173-179. NAKAZONO, E.M. O Impacto da extração da fibra de arumã (Ischnosiphon polyphyllus, Marantaceae) sobre a população da planta em Anavilhanas, Rio Negro, Amazônia Central. INPA/UFAM, Dissertação (Mestrado), 2000, p. 76.

262

NEPSTAD, D.C. Empobrecimento biológico da floresta Amazônica por seringueiros, madeireiros e fazendeiros. In: XIMENEZ, T. (org.). Perspectivas do desenvolvimento sustentável: uma contribuição para a Amazônia 21. Belém, UFPA-NAEA, 1997. p. 311334. NETO, C.A.M. Viagem Filosófica ao Rio Negro (Alexandre Ferreira Rodrigues). Belém: MPEG/CNPq. 1983. (Introdução) p.11-42. NETO, C.A.M. Índios da Amazônia, de maioria à minoria (1750-1850). Petrópolis-RJ, Ed. Vozes. 1988. p.11-142. ODUM, E.P. Ecologia. Editora Guanabara, Rio de Janeiro, RJ, 1988. p. 434. OLIVEIRA FILHO, J.P. O caboclo e o bravo: notas sobre duas modalidades de força de trabalho na expansão da fronteira amazônica no século XIX. In: Encontros com a civilização brasileira. V. 11. 1979. p.101-140. OLIVEIRA, M.S.P.; COUTURIER, G.; BESERRA, P. Biologia da polinização da palmeira tucumã (Astrocaryum vulgare mart.) em Belém, Pará, Brasil. Acta bot. bras. 17(3): 343-353. 2003. PADOCH, C. Floodplain and forest. In: DENSLOW, J.S.; PADOCH, C. (eds). People of the tropical rain forest. University of California Press, Berkeley. 1988. p. 127-140. PETERS, C.M. Aprovechamiento sostenible de recursos no maderables en bosque húmedo tropical: un manual ecológico. Instituto de Botánica Económica. New York, 1996. 49 p. PETERS, C.M.; GENTRY, A.H.; MENDELSOHN, R.O. Avaliação de uma floresta tropical úmida na Amazônia. Pará Desenvolvimento, 1989. 25: 91-94. PFITSCH, W.A.; SMITH, A.P. Growth and photosynthesis of Aechmea magdalenae, a terrestrial CAM plant in a tropical moist forest, Panama. J. Trop. Ecol. 1988. 4: 199-207. PINHEIRO, L.B.S.P. Visões da cabanagem: Uma revolta popular e suas representações na historiografia. Manaus: Ed. Valer, 2001. 135 p. PINHEIRO, M.R.; MACEDO, A.B. Dinâmica populacional humana nos rios do Parque Nacional do Jaú. In: BORGES, S.H.; IWANAGA, S.; DURIGAN, C.C.; PINHEIRO, M.R. Janelas para a biodiversidade no Parque Nacional do Jaú: uma estratégia para o estudo da biodiversidade na Amazônia. Fundação Vitória Amazônica, Manaus – AM, 2004. 43-61. PLANO DE MANEJO DA ESTAÇÃO ECOLÓGICA DE ANAVILHANAS. Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Brasília – DF, 1999.

263

PLANO DE NEGÓCIOS DO TUCUMARTE. Cestaria artesanal cabocla de palha de tucumã. Projeto Saúde e Alegria, Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental (CEAPS). Santarém – PA, mai / 2005. 35 p. PLANO DE MANEJO FLORESTAL SUSTENTÁVEL DE GUIA DE TUCUMÃ (Astrocarium vulgare). Associação de Moradores, Produtores Rurais e Extrativistas da Comunidade de Urucureá – Rio Arapiuns (ASMOPREURA). Santarém, PA, 2003. PLOWDEN, C. Tititca vine (Heteropsis spp.). In: SHANLEY, P.; PIERCE, A.R.; LAIRD, S.A.; GUILLÉN, A. (eds.). Tapping the green market: Certification and management of Non-Timber Forest Products. Earthscan, London, 2002. p. 116-122. POSEY, D. A. Traditional Knowledge, Conservation, and “The Rain Forest Harvest”. In: PLOTKIN, M. e FAMOLARE, L. (eds.). Sustainable harvest and marketing of rain forest products. Conservation International. Washington, D. C. Island Press, 1992. p. 46-50. POUTIGNAT, P. Teorias da etnicidade. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. PRANCE, G. A terminologia dos tipos de florestas Amazônicas sujeitas à inundação. Acta Amazônica, v.10, 1980. p. 495-504. PROJETO NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZÔNIA. Mulheres do arumã do baixo Rio Negro. Fascículo 12. Manaus - AM, 2006. PROJETO NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZÔNIA. Grupo TucumArte: Artesanatos em palha de Tucumã, Santarém - PA. Fascículo 13. Santarém – PA, 2007. PROJETO NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO BRASIL. Cipozeiros de Garuva, Santa Catarina. Fascículo 9. Florianópolis – SC, 2007. PUTNAM, R.D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Fundação Getúlio Vargas, RJ, 1996. p. 173-194. REDFORD, K.H. A floresta vazia. In: PÁDUA, C. V.; BODMER; R. E.; CULLEN Jr., L. Orgs.). Manejo e Conservação de Vida Silvestre no Brasil. CNPq. Brasília, DF, 1997. p. 122. RIBEIRO, B.G. O índio na história do Brasil. São Paulo: Global, 2000. RIBEIRO, B.G. Os Índios das Águas Pretas: Modo de produção e equipamento produtivo. São Paulo. Ed. Companhia das Letras-EDUSP. 1995. p. 1-29. RIBEIRO, B.G. A arte de trançar: dois macroestilos, dois modos de vida. In: RIBEIRO, D. (Ed.). Suma Etnobiológica brasileira: Tecnologia indígena. v.2, 1987. p. 283-313. RIBEIRO, B.G. A arte do trançado dos índios do Brasil: um estudo taxonômico. Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém; Instituto Nacional do Folclore, Rio de Janeiro, 1985. 185 p. 264

RIBEIRO, F.A.N. Parcerias comunidade-empresa na Amazônia Brasileira. USP, Dissertação (Monografia), 2004. p. 73. RIBEIRO, J.E.L.da S.; HOPKINS, M.J.G; VICENTINI, A.; SOTHERS, C.A.; COSTA, M.A.da S.; BRITO, J.M.; SOUZA, M.A.D.; MARTINS, L.H.P.; LOHMANN, L.G.; ASSUNÇÃO, P.A.C.L.; PEREIRA, E.da C.; SILVA, C.F; MESQUITA, M.R.; PROCÓPIO, L.C. Guia de identificação das plantas vasculares de uma floresta de terra-firme na Amazônia Central. Manaus – INPA. 1999. p.816. RICE, R.E.; SUGAL, C.A.; RATAY, S.M.; FONSECA, G.A.B. Sustainable forest management: A review of conventional wisdom. Washington, DC: CABS/Conservation International. Advances in Applied Biodiversity Science, 2001. n.3, p. 1-29. RICHARDS, M. The potential of non-timber forest products in sustainable natural forest management in Amazonia. Commonwealth Forest Review Volume, 72 (1), 1993. p. 21-27. ROIG, H.; MARTINI, A. Geologia e Geomorfologia. In: CUNHA, M. C. da; ALMEIDA, M. W. B de. (orgs.). Enciclopédia da Floresta. O Alto Juruá: práticas e conhecimentos das populações. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. p. 43-50. RUIZ-PÉREZ, M.; BELCHER, B.; ACHDIAWAN, R; ALEXIADES, M; AUBERTIN, C; CABALLERO, J.; CAMPBELL, B.; CLEMENT, C.; CUNNINGHAM, T.; FANTINI, A.; FORESTA, H.; GARCÍA FERNÁNDEZ, C.; GAUTAM, K. H.; HERSCH MARTÍNEZ, P; JONG, W; KUSTERS, K; KUTTY, M.G.; LÓPEZ, C.; FU, M.; MARTÍNEZ ALFARO, M. A.; NAIR, T.R.; NDOYE, O.; OCAMPO, R.; RAI, N.; RICKER, M.; SCHRECKENBERG, K.; SHACKLETON, S.; SHANLEY, P.; SUNDERLAND, T.; YOUN, Y. Markets drive the specialization strategies of forest peoples. Ecology and Society, v.9 (2), 2004. p. 14. [online] URL: http://www.ecologyandsociety.org/vol9/iss2/art4. RUNK, J.V. Wounaan and Emberá use and management of the fiber palm Astrocaryum standleyanum (Arecaceae) for basketry in Eastern Panamá. Economic Botany. 2001. 55(1): 72-82. RYLANDS, A.B.; PINTO, L.P. Conservação da Biodiversidade na Amazônia Brasileira: uma análise do sistema de Unidades de Conservação. Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). Rio de Janeiro – RJ, 1998. p. 65. SANDRI, S. A assutadora década de 70: os anos de fogo. In: Caderno Povos da Floresta: Chico Mendes vive!. Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Coordenação da Amazônia, 2003. p. 24-27. SANTOS, V.A.; FIGUEIRA D.M.J. Fibras Vegetais para o Artesanato: Técnicas de produção de fibras de arumã, cipó-ambé e tucumã. (Cartilha) Fundação Vitória Amazônica, Manaus. 71 p. 71. SARMIENTO, G. Los ecosistemas y la ecosfera. Barcelona, Blume Ecologia (cap. 6). 1984.

265

SCHMAL, B.; CAMPOS, E.B.; BATISTA, M.J.; SILVA, V.R. da. Óleos Vegetais Aromáticos da Amazônia – manejo comunitário de produtos florestais não-madeireiros e fortalecimento comunitário na Ilha de Silves, AM. Manaus: Projeto Iniciativas Promissoras, Pró-Várzea/Ibama, 2006. p. 1-32. SENGE, P. A quinta disciplina. São Paulo: Best Seller, 2001. 9ed. SCHMIDT, G.W. Primary production of phytoplankton in the three types of Amazonian waters. II The limnology of a tropical flood-plain lake in central Amazonia (Lago do Castanho). Amazoniana, v.2, 1973. p.139-203. SCHMIDT, G.W. Seasonal changes in water chemistry of a tropical lake (Lago do Castanho, Amazônia, South America). Verhandlungen der internationalen Vereinnigung für Limnologie, v.8, 1972. p. 613-621. SHANLEY, P.; LUZ, L.; SWINGLAND, I. The faint promisse of a distant market: a survey of Belém’s trade in non-timber forest products. Biodiversity and Conservation. 2002. 11: 61-86. SHEPARD JR., G.H., SILVA, M.N.F., BRAZÃO, AF. Avaliação preliminar da sustentabilidade socioambiental da produção e comercialização do artesanato de arumã (Ischnosiphon spp.) no Alto Içana. In: Plano de Negócios - Arte Baniwa: Cestaria Indígena de Arumã do Rio Negro. Relatório técnico. Fundo Nacional do Meio Ambiente/MMA, 2001. SHIRAISHI NETO, J. A Particularização do Universal: povos e comunidades tradicionais face às Declarações e Convenções Internacionais. In. SHIRAISHI NETO, J. (org.). Direito dos povos e das comunidades tradicionais no Brasil: declarações, convenções internacionais e dispositivos jurídicos definidores de uma política nacional. Manaus: UEA, 2007. p. 25-52. SILVA, A.L. No rastro da roça: ecologia, extrativismo e manejo de Arumãs (Ischnosiphon spp., Marantaceae) nas capoeiras dos índios Baniwa do Rio Içana, alto Rio Negro. Manaus. INPA/UFAM, Dissertação (Mestrado), 2004. p. 131. SIOLI, H. Amazônia: Fundamentos da ecologia da maior região de florestas tropicais. Instituto Max-Planck de Limnologia. Ed. Vozes, Petrópolis, 1991. p. 73. SMITH, R.C. El don que hiere: reciprocidad y gestión de proyetos en la Amazonía indígena. In: Smith, R. C. e Pinedo, D. (eds.). El cuidado de Los Bienes Comunes: Gobierno y manejo de los lagos y bosques en la Amazonía. Instituto del Bien Comun, 2002. p. 155-179. STEWARD, J.H. Theory of culture change: the methodology of multilinear evolution. University of Illiniois Press, USA, 1973. p. 30-42. TERBORGH, J. Requiem for nature. Island Press. Washington. D.C. cap.5: Parks: The last bastions of Nature, 1999. p.59-91. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. Ed. Cortez, São Paulo, 1986. p. 107. 266

TOCANTINS, L. Formação Histórica do Acre. Brasília: Imprensa Oficial do Senado Federal, 2 volumes. 2001. UMA SHANKAR.; MURALI, K.S.; UMA SHAANKER, R.; GANESHAIAH, K.N.; BAWA, K.S. Extraction of non-timber forest products in the forests of Biligiri Rangan Hills, India. 3 Productivity, extraction and prospects of sustainable harvest of Amla Phyllanthus embilica, (Euphorbiaceae). Economic Botany, v.50 (3), 1996. p. 270-279. VELTHEM, L.H.V. A pele de Tuluperê: uma etnografia dos trançados Wayana. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1998. p. 251. WALLACE, A.R. Viagens pelos rios Amazonas e Negro. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1979. p. 317. WILK, R.; NETTING, R. Households: changing forms and functions. In: NETTING, R., WILK, R., PARKER, E. (eds.). Households: comparative and historical studies of the domestic group. Berkeley: University of California, 1984. p. 1-28. WILSON, E.O. (org.). Introdução. In: Biodiversidade. Nova Fronteira, RJ, 1997. WOLFF, C.S. Mulheres da floresta: uma história; Alto Juruá, Acre (1890-1945). São Paulo, Ed. Hucitec, 1999. p. 9-39; 93-152. ZEIDEMANN, V.K. O rio das águas negras. In: OLIVEIRA, A.A.; DALY, D.C. (eds.). Florestas do Rio Negro. Companhia das Letras: UNIP, SP. 2001. p. 63-87.

267

ANEXO 1 – Mapa com a localização dos estudos de caso: áreas de manejo de arumã nos igarapés da comunidade do Sobrado, Novo Airão - AM e Comunidade de Urucureá, Santarém – PA.

Igarapé do Dinheiro Margem Direita QC

QC

Área Coleta

Q1

52m

QC

Área Coleta Área Coleta Q2

Terreno Sr. Raimundo

Margem Esquerda Boca

Cabeceira

A quadra 1 e o terreno do Sr. Raimundo, não foram utilizadas para a extração. Áreas reservadas sem atividade de extração e manejo da AANA.

Igarapé do Dinheirinho Margem Direita Q4 Área Coleta

52m

Q5 Área Coleta

QC

QC

Q5

Área Coleta Q7

QC Margem Esquerda Boca

Cabeceira

Igarapé Água Branca

Igarapé Sucuriju

Margem Direita

Margem Direita Área Coleta

Q9

Área Coleta

Q11

QC

QC 52m

52m

Q11

Área Coleta

Margem Esquerda Boca

QC

Q10 Área Coleta

QC

Q8

Q10

Margem Esquerda Cabeceira

Boca

Cabeceira

ANEXO 3 Tabelas dos igarapés do Dinheiro, Dinheirinho, Água Branca e Sucurijú, indicando os períodos em que os levantamentos de densidade (antes da extração e monitoramentos anuais) e a extração de arumã foram realizados pela AANA. Áreas amostrais diferenciadas estão indicadas nas tabelas em configurações de “itálico e sublinhado”; essas indicam a marcação de novos transectos sistemáticos nos locais.

ANEXO 3 – Continuação 1 IGARAPÉ DO DINHEIRO – 10 CICLO DE EXTRAÇÃO Quadra 2 Margem Esquerda / Área: 6,41 hectares / Extração de arumã: out/2000 a mar/2001 DINHEIRO

QUADRA 2

0

1 CICLO Levantamento de densidade

Transecto (n)

Ano 0

Ano 1

Ano 2

Ano 3

Ano 4

Set/2000

Jan/2002

Dez/2002

Jan/2004

Jan/2005

5

17

17

23

13

Quadra 3 Margem Direita / Área: 9,46 hectares / Extração de arumã: set/2001 a fev/2002

DINHEIRO

QUADRA 3

10 CICLO Levantamento de densidade

Transecto (n)

Ano 0

Ano 1

Ano 2

Ano 3

Set/2000

Dez/2002

Jan/2004

Jan/2005

11

15

15

15

ANEXO 3 – Continuação 2 IGARAPÉ DO DINHEIRINHO – 10 CICLO DE EXTRAÇÃO

Quadra 4 Margem Direita / Área: 1,40 hectares Extração de arumã: mar/2001 DINHEIRINHO

QUADRA 4

10 CICLO Levantamento de densidade Transecto (n)

Ano 0

Ano 1

Ano 2

Ano 3

Ano 4

Ano 5

Set/2000

Jan/2002

Dez/2002

Jan/2004

Jan/2005

Jan/2006

3

15

15

14

14

14

Quadra 5 Margem Direita / Área: 5,12 hectares / Extração de arumã: set/2001 a mar/2002 DINHEIRINHO

QUADRA 5

0

1 CICLO Levantamento de densidade Transecto (n)

Ano 0

Ano 1

Ano 2

Ano 3

Set/2000

Dez/2002

Jan/2004

Jan/2005

6

16

16

15

ANEXO 3 – Continuação 3 IGARAPÉ DO DINHEIRINHO – 10 CICLO DE EXTRAÇÃO Quadra 7 Margem Esquerda / Área: 6,10 hectares / Extração de arumã: fev/2003 a abr/2003 DINHEIRINHO

QUADRA 7

10 CICLO Levantamento de densidade Ano Transecto (n)

0 Ano

1 Ano

2 Ano

3

Dez/2002

Jan/2004

Jan/2005

Jan/2006

16

17

17

17

IGARAPÉ ÁGUA BRANCA – 10 CICLO DE EXTRAÇÃO Quadra 10 Margem Direita e Margem Esquerda / Área: 6,40 hectares / Extração de arumã: ago/2003 a set/2003 ÁGUA BRANCA

QUADRA 10

0

1 CICLO Levantamento de densidade Transecto (n)

Ano 0

Ano 1

Ano 2

Ano 3

Set/2003

jan/2005

Jan/2006

Nov/2006

20

19

20

22

ANEXO 3 – Continuação 4 IGARAPÉ DO SUCURIJÚ – 10 CICLO DE EXTRAÇÃO Quadra 8 Margem Esquerda / Área: 0,10 hectares / Extração de arumã: abr/2002 SUCURIJÚ

QUADRA 8

10 CICLO Levantamento de densidade Transecto (n)

Ano 0

Ano 1

Ano 2

Ano 3

Ano 4

Ano 5

Dez/2001

Dez/2002

Jan/2004

Jan/2005

Jan/2006

11

11

11

10

10

10

Ano 5

Quadra 9 Margem Direita / Área: 0,29 hectares / Extração de arumã: abr/2002 SUCURIJÚ

QUADRA 9

0

1 CICLO Levantamento de densidade Transecto (n)

Ano 0

Ano 1

Ano 2

Ano 3

Ano 4

Dez/2001

Dez/2002

Jan/2004

Jan/2005

Jan/2006

9

9

9

9

9

9

ANEXO 3 – Continuação 5 IGARAPÉ DO SUCURIJÚ – 10 CICLO DE EXTRAÇÃO Quadra 11 Margem Esquerda e Margem Direita / Área: 5,98 hectares / Extração de arumã: set/2003 a mai/2004 SUCURIJÚ

QUADRA 11

10 CICLO Levantamento de densidade Transecto (n)

Ano 0

Ano 1

Ano 2

Dez/2002

Jan/2005

Jan/2006

27

26

24

Ano 3 15

IGARAPÉ DO DINHEIRO – 20 CICLO DE EXTRAÇÃO Quadra do Valdecir Margem Esquerda / Área: 1,8 hectares / Extração de arumã: abr/2004 DINHEIRO

QUADRA DO VALDECIR

0

2 CICLO Levantamento de densidade Transecto (n)

Ano 0

Ano 1

Ano 2

Jan/2004

Jan/2005

Jan/2006

9

9

8

Ano 3 7

ANEXO 3 – Continuação 6

Quadra dos Dez Mil Margem Esquerda e Margem Direita / Área: 3,4 hectares / Extração de arumã: fev/2005 DINHEIRO

QUADRA DOS DEZ MIL

20 CICLO Levantamento de densidade

Ano 0

Ano 1

Ano 2

Jan/2005

Jan/2006

Nov/2006

Transecto (n) – ME

13

13

13

Transecto (n) – MD

2

2

2

Quadra do Tupé Grande Margem Direita / Área: 4,5 hectares / Extração de arumã: out e nov/2005 DINHEIRO

QUADRA DO TUPÉ GRANDE

20 CICLO Levantamento de densidade Transecto (n)

Ano 0

Ano 1

Ano 2

Jan/2005

Jan/2006

Nov/2006

7

7

7

ANEXO 3 – Continuação 7 IGARAPÉ DO DINHEIRINHO – 20 CICLO DE EXTRAÇÃO

Quadra do Agnaldo Margem Direita / Área: 1,6 hectares / Extração de arumã: nov/2005 DINHEIRINHO

QUADRA DO AGNALDO

20 CICLO Levantamento de densidade

Ano 0 Jan/2005

Transecto (n)

TR 145 até 224

Quadra do Rubinho Margem direita e esquerda Área: 3,2 hectares Extração de arumã: set/2006

Ano 1

ANEXO 4 Manejo de Arumã – APA da Margem Direita do Rio Negro Igarapés da Comunidade do Sobrado – Ciclo de extração: três anos IIGARAPÉ DO DINHEIRO 10 CICLO DE EXTRAÇÃO DE ARUMÃ Data

Coletores

Auxiliares

Quadra

Margem

28/10/00

Carlito, Diniz e Valdecir Carlito, Diniz e Valdecir Carlito, Diniz e Valdecir Carlito, Valdecir e Rubinho Carlito e Valdecir

----

2

---M. Derli e Carlinho M. Derli, Carlinho e Sônia M. Derli e Carlinho M. Derli, Chico a, Carlinho, Wagner e Edgar M. Derli

8/11/00 27/11/00 15/01/01 29/01/01 19/02/01

Carlito, Rubinho, Sabá e Chico preto

21/03/01

Carlito, Rubinho, Sabá e Chico preto Sabá

Olho

ME

Talo Maduro 1000

2

ME

4200

184

2

ME

2700

110

2

ME

3380

220

2

ME

2875

120

2

ME

3400

130

2

ME

1160

60

ME ME

100 18.815

0 879

Margem

Olho

04/01 ---2 Total Período previsto para a segunda extração: Agosto de 2003 Data Coletores Quadra Auxiliares 10/09/01

Carlito e Moisés

10/09/01

Carlito e Moisés

27/12/01

Carlito, Moisés e Pedro

08/01/02 05/02/02

Carlito, Moisés e Sabá

M. Derli e Eunice M. Derli e Eunice Carlinho, Pingo, Josias, Biri, neném e M. Derli M. Derli, Biri, Rosemay, Joca e neném

Total Total Igarapé – 10 Ciclo Período previsto para a segunda extração: Agosto 2004

55

3

MD

Talo Maduro 700

3

MD

1000

69

3

MD

2500

150

3 3

MD MD

3350 2800

125 190

10.350

584

50

29.165 1.463

ANEXO 4 - Continuação

Data

20 CICLO DE EXTRAÇÃO DE ARUMÃ Auxiliares Quadra Margem Coletores

05/04/04 Valdecir Pedro e Eugênio Valdecir Total Período previsto para a terceira extração: Abril de 2007 Data Auxiliares Quadra Coletores 12/02/05

Carlito e Francisco

Eugênio, Romualdo, Francisca L. e Derli

Q dos 10.000

10/2005

Carlito e Francisco

11/2005

Carlito e Rubinho

Eugênio, Joca e Júnior Antônio, Josias e Valdir

Q do Tupé Grande Q do Tupé Grande

Total Total Igarapé – 20 Ciclo Período previsto para a terceira extração: Dezembro de 2008

ME

Margem ME (acima Nito – sentido cab.) e MD (TR 786 até cab.) MD (TR 786 até QC meio)

Talo Maduro 1700 1700

Olho

Talo Maduro 11000

Olho

3000

150

3000

100

17000

955

100 100

705

18.700 1.055

ANEXO 4 – Continuação IGARAPÉ DO DINHEIRINHO

10 CICLO DE EXTRAÇÃO DE ARUMÃ Data

Coletores

Auxiliares

21/03/01

Carlito, Rubinho, Sabá e Chico

M. Derli

Quadr a 4

Total Período previsto para a segunda extração: Março de 2004 Data Quadra Auxiliares Coletores 05/09/01 06/02/02

01/03/02 Total

Carlito, Moisés e Erika Carlito, Moisés e Sabá Carlito

M. Derli e M. Erinildes M. Derli, Biri, Rosemary, Joca e neném M. Derli e José

Margem MD

Margem

Talo Maduro 6505

Olho

6.505

320 Olho

320

5

MD

Talo Maduro 3150

5

MD

2000

0

5

MD

1130 6.280

40 150

110

Período previsto para a segunda extração (segundo ciclo de corte igual a três anos): Dezembro de 2004 Data Auxiliares Quadra Margem Talo Olho Coletores Maduro 04/02/03 Carlito e Valdecir Pedro, Carlinho, 7 ME 3000 200 Deco e Josias 11/04/03 Carlito e Valdecir Deco e Natalino 7 ME 2400 150 Total 5.400 350 Total Igarapé – 10 Ciclo 18.185 820 Período previsto para a segunda extração (segundo ciclo de corte igual a três anos): Fevereiro de 2006 20 CICLO DE EXTRAÇÃO DE ARUMÃ Data

Coletores

11/2005

Carlito e Rubinho

02/2006

Carlito, Rubinho e Romualdo

Auxiliares

Quadra

Antônio, Josias e Q do Valdir Agnaldo Eugênio e Q do Sebastião Agnaldo

Total Período previsto para a terceira extração: Novembro de 2008 09/2006 Carlito, Rubinho, Rosenildo Q do Romualdo e Chico Rubinho

Total Total Igarapé – 20 Ciclo

Período previsto para a terceira extração: Setembro de 2009

Margem MD (entre TR 145 e 224)

MD (entre TR 133 e 145) ME (boca até TR 249)

Talo Maduro 3000

Olho

3200

120

6200

320

4000

200

4000

200

10.200

520

200

ANEXO 4 – Continuação IGARAPÉ DO SUCURIJÚ 10 CICLO DE EXTRAÇÃO DE ARUMÃ Data

Coletores

Auxiliares

Quadra

Margem

10/04/02

Carlito e Moisés

M. Derli e Deco

8e9 (beira)

ME e MD

Total Período previsto para a segunda extração (Março de 2005) Data Coletores Auxiliares Quadra 09/09/03

Carlito e Valdeci

06/05/04 Carlito Total Total Igarapé – 10 Ciclo

Pedro, Ednelson, Pingo e Alcione M. Derli e Edgar

Margem

11

ME e MD

11

ME e MD

Talo Maduro 4300

Olho

4.300

150

Talo Maduro 2700

Olho

1330 4.030

70 110

8.330

260

150

40

Período previsto para a segunda extração: Fevereiro de 2007

IGARAPÉ ÁGUA BRANCA 10 CICLO DE EXTRAÇÃO DE ARUMÃ Data

Coletores

Auxiliares

Quadra Margem

09/08/03

Carlito e Valdeci

M. Derli e Deco

10

09/09/03

Carlito e Valdeci

10

08/10/2003

Carlito e Valdeci

08/12/2003

Carlito e Valdeci

Pingo, Alcione, Ednelson e Pedro Pedro, Pingo e Deco Deco, Eugênio, Arigó e Mário

10 10

Total Igarapé – 10 Ciclo Período previsto para a segunda extração: Dezembro de 2006

ME e MD ME e MD ME e MD ME

Talo Maduro 2600

Olho

1200

70

2500

25

1900

50

8.200

575

430

ANEXO 5 – Fichas sobre o período de tempo gasto na produção dos produtos e quantidade de palhas utilizadas por produto do TucumArte. Nome artesã (o): Data: N

Tecer 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Início PRODUTO

Tamanho Data: Término Quantidade total de palha usada do Produto

(branca e colorida)

ANEXO 6 – Ficha de Controle dos Produtos TucumArte Gerente de Vendas: Rosângela C. Tapajós DATA DE LOCAL DE NOME ENTREGA VENDA OU ARTESÃ DO ENCOMENDA (O) PRODUTO

PRODUTO TAMANHO QUANTI VALOR DADE TOTAL VENDA R$

VALOR TOTAL ARTESÃ R$

VALOR VALOR GERENTE TOTAL R$ FUNDO R$

DATA PAGAMENTOARTESÃ (O)

ANEXO 7 – Ficha de coleta de tucumã e preparo da palha Nome artesã (o): Data: coleta Local N

de tucumã

de

coleta

### ########## ########## 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Quantidade de guias

Quantidade Data: tira a beira Data: de palha

TUCUMÃ BAIXO

TUCUMÃ ALTO ##########

e abri a palha ##########

pôr Data: pintura

para secar ########## ##########

ANEXO 8

Imagem da porção mediana da Estação Ecológica de Anavilhanas na época da seca. No destaque o município de Novo Airão (coloração rosa se refere aos locais com ausência de vegetação, no caso as praias que se formam no período da seca e o município de Novo Airão).

ANEXO 9

Mapa localizando o município de Novo Airão – AM, e região do entorno delimitada, principalmente, por Unidades de Conservação de uso indireto. Novo Airão está situado na porção mediana da Estação Ecológica de Anavilhanas.

ANEXO 10

Igarapés mapeados na região do entorno do município de Novo Airão para identificação de locais com potencial de extração e manejo de arumã, Ischnosiphon polyphyllus – Marantaceae, segundo Plano de Manejo da Associação dos Artesãos de Novo Airão, 2003.

ANEXO 11 – Mapa concedido pelo IPAAM indicando os igarapés do manejo da AANA, situados em APA da margem direita do Rio Negro.

ANEXO 12 – Custos do grupo coletor da Associação dos Artesãos de Novo Airão em viagem de coleta do arumã para os igarapés da Comunidade do Sobrado MANEJO DO ARUMÃ Dados respectivos à situação do mês de janeiro de 2004

Igarapés manejados: Dinheiro, Dinheirinho, Água Branca e Sucurijú Informações dos coletores: Viagem de 5 dias para coleta de arumã: 3 dias de trabalho e 2 de viagem; Número de pessoas: 2 coletores e 4 auxiliares; 3 dias de trabalho: coleta de 4.000 talos de arumã; Preço do feixe de arumã: R$ 12,00 1 Feixe de arumã = 100 talos 4.000 talos = 40 feixes de arumã 4.000 talos em 3 dias = 1.333 talos/dia 40 feixes = R$ 480,00 Alimentação Preço Quantidade Custo açúcar (kg) 0,80 8 farinha (l) 0,70 15 café (250 g) "Cerpa" 1,50 4 bolacha (pacote) "Modelo" 1,50 4 sal (kg) 0,50 1 jabá (kg) 4,50 2 Peixe 10,00 1 frango (unidade) 7,00 2 gelo (saca) 3,00 2 óleo (l) 2,70 1 Verdura 2,00 1 arroz (kg) 1,50 2 Material de consumo cartucho (unidade) 1,80 ? pilha grande (unidade) 0,60 2 Bateria ? ? Remédio ? ? Gasolina/óleo gasolina (l) 2,20 5 diesel (l) 1,65 20 óleo motor (l) 5,00 1 Total Diária 4 auxiliares de coleta horas de caça e pesca horas de limpeza igarapé (risco de vida - saúde) Material de campo (manutenção) terçado e lima canoa da AANA motor do coletor

Preço Quantidade Custo 40,00 3 ? ? ?

6,40 10,50 6,00 6,00 0,50 9,00 10,00 14,00 6,00 2,70 2,00 3,00

1,20

11,00 33,00 5,00 126,30

120,00

ANEXO 13 - Lista de sócias e sócios da AANA (março de 2007)

N 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28

Sócias (os) da AANA Alberta Clemente de Souza Alcione Freitas dos Santos Amélia Neris Alves Antônia Batista Morais Antônio Clemente Martins

N 29 30 31 32 33

Carlito Freitas dos Santos Edinéia Clemente Martins Eliane Clemente dos Santos Elzilene Barbosa da Silva Franscisca Viana de Almeida Franscisco Alberto Augusto da Silva Irlanda Freitosa Silva Ivaneide Pereira de Souza Lucimar Gomes Pereira Manuel Marcelino Maria Derli Clemente Maria Luciana Marroco Nelizângela Teixeira Sena Patrícia Mateus de Fernandes Raimunda do Livramento Pereira de Castro Rock Elânia Chaves da Silva Romualdo Lopes da Silva Rubens Freitas dos Santos Filho Sebastiana Fragoso de Souza Sebastião Fernandes Cavaleanti Sônia Clemente Martins Suzana Anhape Bezerra Valcy Freitas dos Santos

34 35 36 37

Sócios novos – abril de 2007 Adimar Batista da Silva Aguinaldo Batista da Silva Alberta Neres Alves Cintia Maria Nogueira da Silva Francisca Edini de Souza dos Santos Lucimar da Silva dos Santos Neliane de Sena Teixeira Pureza Ferreira dos Santos Valdir Freitas dos Santos

ANEXO 14 - Lista de produtos da AANA Produto

Fibra

Tintura

Abano

Tucumã

Natural

Comp. Fundo 23cm

Abano

Tucumã

Natural

40cm

Abano

Tucumã

Urucu Crajiru

Abano

Cipó ambé Goiaba de anta

Anel

Tucumã

Natural

Balaio

Arumã

Ingá xixica

Balaio

Larg. Altura R$ R$ % R$ Boca Artesã Venda Artesã 25cm 3,00 8,00 37,50 30cm

4,00

8,00

50,00

28cm 25cm 28cm/36cm 25cm/36c m

2,50

5,00

50,00

3,00

6,00

2,00

4,00

50,00

10,00

20,00

50,00

Arumã

6,00

13,00

46,15

Balaio

Arumã

7,00

10,00

70,00

Balai

Tucumã

3,00

6,00

50,00

Balaio

Tucumã

4,00

8,00

50,00

5,00

10,00

Balaio

Tucumã

Bandeja madeira Arumã

Urucu Goiaba de anta

30,36,40cm 36cm

19,19,22c m

15cm 17cm 20cm

32cm

Bolsa p/ mercado Cipó ambé

50,00 7,00

25,00

28,00

10,00

15,00

66,67

3,00

5,00

60,00

4,00

8,00

50,00

4,50

10,00

45,00

Brinco

Semente

Cesta p/ pão

Cipó ambé

Cesta p/ pão

Cipó ambé Natural

Cesta

Arumã

2,50

5,00

50,00

Cesta

Arumã

4,00

8,00

50,00

Cesta

Arumã

5,00

10,00

50,00

Cesta c/ alça

Cipó ambé

2,50

5,00

50,00

Cesta c/ alça

Cipó ambé

5,00

10,00

50,00

Cesta

Cipó ambé

2,00

4,00

50,00

Cesto p/ roupa

Cipó ambé

8,00

20

40,00

Cinto

Semente

5,00

10

50,00

Chapéu

Tucumã

4,00

8

50,00

Chapéu

Tucumã Cipó ambé Goiaba de anta

25 10,00

48,00

Chapéu

12,00 13cm 5,00

Colar

Tentinho

5,00

8,00

62,50

Colar

Tentinho

8,00

10,00

80,00

Fruteira c/ alça

Cipó ambé

6,00

12,00

50,00

Fruteira c/ alça

Cipó ambé

7,00

16,00

43,75

Fruteira redonda Cipó ambé

1,50

Fruteira redonda Cipó ambé

2,00

1,50 100,00 4,00 50,00

Fruteira redonda Cipó ambé

2,50

5,00

50,00

3,00

6,00

50,00

Gargantilha

Natural

50,00

Natural

37cm

25cm

31cm

60cm

7cm

50,00

Jarro

Cipó ambé

8,00

12

66,67

Jarro

Cipó ambé

8,00

17

47,06

ANEXO 14 – Continuação Jarro

Cipó ambé

Jarro

Arumã

Jarro

Arumã

Jogo de mesa

Arumã

Leque

Tucumã

Luminária

10,00 5,00

20 10

50,00 50,00

8,00 7,00

15 10,00

53,33

4,00

7,00

57,14

Cipó ambé

20,00

30,00

66,67

Luminária

Cipó ambé Goiaba de anta

30,00

50,00

60,00

Luminária

Arumã

30,00

60,00

50,00

Luminária

Arumã

12,50

25,00

2,50

4,00

62,50

8,00

15,00

53,33

12,00

20,00

60,00

6,00

10,00

60,00

3,00

5,00

Goiaba de anta

30cm

44cm

Goiaba de anta Ingá xixica

50cm 25cm

30cm

Pega Moça

Arumã

Peneira

Arumã

Peneira

Arumã

Porta garrafa

Cipó ambé Goiaba de anta

11cm

7cm

Porta lápis

Cipó Ambé Goiaba de anta

5cm/5cm

5cm/5cm

50,00

30cm

Goiaba de anta 35cm 18cm

70,00

60,00

Porta papeis

Cipó ambé Goiaba de anta

36cm

30cm

18cm 15cm

Porta revistas

Cipó ambé Goiaba de anta

33cm

24cm

23cm

Pulseira

Cipó ambé Goiaba de anta

Tipiti

Arumã

Tipiti

Arumã

Tupé

Arumã

10,00

15,00

66,67

Tupé

Arumã

10,00

16,00

62,50

Tupé

Arumã

10,00

18,00

55,56

Tupé

Arumã

12,00

25,00

48,00

Tupé

Arumã

16,00

32,00

50,00

Tupé

Arumã

20,00

35,00

57,14

Tupé

Arumã

45,00

78,00

57,69

Tupé

Arumã

40,00

80,00

50,00

Tupé

Arumã

60,00 120,00

50,00

Tupé

Arumã

80,00 140,00

57,14

Vassoura

Cipó ambé Crajiru

40cm

3,00

6,00

50,00

Vassoura pronta Cipó ambé Crajiru

40cm

5,00

8,00

62,50

Urutu

Arumã

Cumati

11cm

14 cm

4,00

8,00

50,00

Urutu

Arumã

Cumati

28 cm

20 cm 17 cm 15,00

17,00

88,24

Urutu

Arumã

Cumati

22 cm

27 cm 18 cm 15,00 20,00 MÉDIA

75,00

Goiaba de anta

13cm

5,00

13,00

38,46

8,00

16,00

50,00

2,50

5,00

50,00

5,00 10,00

10 15,00

50,00 66,67

54,65

1

ANEXO 15

Mapa da comunidade de Urucureá, Santarém – PA, com a localização das Reservas de manejo de tucumã. Elaborado durante oficina de mapas do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (abril de 2007)

2

ANEXO 16 REGIMENTO INTERNO DO GRUPO DE MULHERES DE URUCUREÁ RIO ARAPIUNS

01/02/2005

O objetivo deste documento é manter o grupo organizado e obedecer às normas descritas.

Deveres dos sócios: - Participar das reuniões; - Participar dos trabalhos comunitários; - Todos os membros devem associar-se na ASMOPREURA e manter em dia as suas mensalidades; - Entregar seus produtos em dia; - Confeccionar os produtos de boa qualidade; Direitos: - Receber o pagamento dos produtos com um prazo de 30 dias; - Entregar os produtos com 30 dias; - Todas as sócias devem receber as encomendas que vem para o grupo; - Associar-se no grupo e demitir-se quando quiser; Como será a forma de trabalho: - Coleta coletiva das plantas nas duas áreas – Boa Vista e Terra Preta, sendo que: a) no inverno em dois em dois meses; b) no verão em três em três meses; - Trabalho nas duas áreas, sendo nas duas primeiras quarta-feira mensal; - Fazer os tecidos na medida certa; - Administrar oficinas em outros lugares sendo pago uma diária para as artesãs e também para o fundo rotativo dependendo da negociação com a gerente do grupo;

Observação: A sócia que desrespeitar as normas ou fazer algo desagradável no grupo terá na primeira vez uma advertência, caso continue será afastada por um tempo determinado a combinar no grupo.

ANEXO 17

Quantidade média de guias utilizadas por produto

Produto Cestão

Guia / Produto 6

Cesta costura

1,5

Cesta redonda

3

Cesta quadrada

3

Cachepó

0,67

Chopó

2

Jogo amazônico

1

Mandala

3

Descanso panela

1

Porta lápis

0,25

Bolsa comprida

2

Bolsa Envelope

2

Ventarola

0,25

Bolsa executiva

3

Pote

4

Barca

1

Bandeja

2

Porta CD

2

Uru Bolsa Redonda

1,25 2

Fonte: Dados adaptados do Plano de Manejo de Tucumã - ASMPOPREURA

ANEXO 18 - Estimativas do número de guias utilizadas na confecção dos artesanatos do TucumArte. Ano Produto (8 meses)

Quantidade Venda R$

Guia Guia Produto Usada

2005

Bandeja

37

640,00

2

74

2005

Barca

21

180,00

1

21

2005

Bolsa

5

59,00

2

10

2005

Bolsa envelope

14

225,00

2

28

2005

Bolsa executiva

9

270,00

3

27

2005

Cachepó

67

649,00

0,67

45

2005

Cesta

5

52,00

3

15

2005

Cesta quadrada

18

440,00

3

54

2005

Cesta redonda

34

530,00

3

102

2005

Cestão

12

485,00

6

72

2005

Chopó

108

1266,00

2

216

2005

Descanso de panela

170

850,00

1

170

2005

Jogo amazônico

181

1333,00

1

181

2005

Mandala

30

895,00

3

90

2005

Porta CD

15

450,00

2

30

2005

Porta lápis

57

306,00

0,25

14

2005

Pote

2

23,00

4

8

2005

Uru

2

24,00

1,25

3

2005

Ventarola

8

64,00

0,25

2

795

8741,00

1162

Total: 1162; estimativa mês: 145; estimativa ano todo (12 meses): 1742

Ano Produto (8 meses) 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005

Caixa Caixinha Caneca Chapéu Chapéuzinho Chaveiro Fruteira Imã Mochila Peneira Porta copo Porta foto Pulseira Tapete

Quantidade Venda R$ 5 19 1 2 3 1 2 30 4 2 114 1 2 5 191

50,00 146,00 4,00 25,00 8,00 2,00 16,00 20,00 70,00 25,00 174,00 5,00 5,00 40,00 590,00

Guia Produto ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? ?

Ano Produto (9 meses)

Quantidade

Venda R$

Guia Guia Produto Usada

2006

Bandeja

56

1066,00

2

112

2006

Barca

33

493,00

1

33

2006

Bolsa

2

35,00

2

4

2006

Bolsa comprida

2

40,00

2

4

2006

Bolsa envelope

23

460,00

2

46

2006

Bolsa executiva

30

930,00

3

90

2006

Bolsa redonda

1

10,00

2

2

2006

Cachepó

70

832,00

0,67

47

2006

Cesta

1

10,00

3

3

2006

Cesta de costura

30

505,00

1,5

45

2006

Cesta quadrada

40

955,00

3

120

2006

Cesta redonda

49

900,00

3

147

2006

Cestão

24

980,00

12

288

2006

Chopó

166

2494,00

2

332

2006

Descanso de panela

407

2105,00

1

407

2006

Jogo amazônico

363

2727,00

1

363

2006

Mandala

82

2455,00

3

246

2006

Porta CD

58

1760,00

2

116

2006

Porta lápis

168

828,00

0,25

42

2006

Pote

21

736,00

8

168

2006

Uru

14

205,00

1,25

18

2006

Ventarola

150

1060,00

0,25

38

1790

21586,00

2670

Total: 2670; estimativa mês: 297; estimativa ano todo (12 meses): 3560

Ano Produto (9 meses) 2006 Caixa

Quantidade

Venda R$ 2

Guia Produto 40,00 ?

1

10,00

?

20

358,00

?

116

232,00

?

2006

Cesta alça

2006

Mochila

2006

Porta copo

2006

Porta jóia

7

50,00

?

2006

Porta pão

16

160,00

?

2006

Pulseira

4

12,00

?

2006

Taça

1

6,00

?

2006

Tigela

4

35,00

?

2006

Tigelinha

1

10,00

?

2006

Vaso

3

33,00

?

175

946,00

ANEXO 19 Lista de Produtos TucumArte: Agosto de 2006 Produtos TucumArte Bandeja G Bandeja M Barca G Barca M Bolsa comprida Bolsa envelope G Bolsa envelope M Bolsa envelope P Bolsa executiva Cachepó G Cachepó M Cachepó P Cesta costura G Cesta costura M Cesta costura P Cesta quadrada G Cesta quadrada M Cesta quadrada P Cesta redonda G Cesta redonda M Cesta redonda P Cestão Chapéu Chopó G Chopó M Chopó P Descanso de copo Descanso de panela Jogo amazônico Mandala G Mandala M Porta CD Porta lápis Pote G Uru G Uru M Uru P Ventarola

Preço 25,00 20,00 25,00 20,00 25,00 25,00 20,00 15,00 35,00 20,00 15,00 12,00 25,00 20,00 15,00 35,00 30,00 25,00 30,00 25,00 20,00 45,00 20,00 25,00 20,00 15,00 2,00 6,00 8,00 35,00 30,00 35,00 6,00 45,00 25,00 20,00 15,00 8,00

ANEXO 20 - Dados de renda média bruta das artesãs do grupo TucumArte / Anos de 2005 e 2006 Ano

Artesã

2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005 2005

Gorete Zulair Souza Tapajós Elissandra Fernanda Abraão Rodrigues Tapajós Maria Lúcia de Oliveira Andressa Silva Souza Laiza Patricia Tapajós Euzanildes de Oliveira Maria Lima Tapajós Alvina dos Santos Ferreira Zilda Ferreira Rodrigues Dulciete Rodrigues Oliveira Maria Assumpção Ferreira Nazi Fernandes Aires Emanuel Pereira Tapajós Dulcenira de Oliveira Adrivania Gama Sousa Benezaide Costa Sousa Edinéia Cardoso Pinto Lidia Neuzanira Silva Cardoso Socorro Vieira Cardoso Jandira Batista Costa Maria Amélia de Oliveira Marta Oliveira dos Santos Euzanira Oliveira Iracy de Souza Costa Maria Francilene dos Santos Tapajós Odenilda Gama Silva Maria Zeneide de Sousa Tapajós Suzana Cardoso Pinto Izabel Cardoso Pinto Maria Graciete dos Santos Guimarães Raimunda Imbiriba Rodrigues Paula Silvana Costa Tapajós Iranilse Costa Dinomar Castro Cardoso Ana Lídia Imbiriba Rodrigues Maria Elza Rodrigues Anadir de Oliveira Maria Elísia Imbiriba Rodrigues Manoel Edinaldo Rodrigues Oliveira Maria Ivaneide Oliveira Maria Eunice de Oliveira Maria Zita Ferreira da Silva Rosângela Castro Tapajós

N Mês Renda Média Salário Mínimo Bruta (R$) R$ (%) 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8

1,50 6,00 8,00 9,75 10,75 12,00 17,00 18,33 18,40 19,17 19,25 19,33 20,40 21,17 23,00 23,38 25,43 26,00 26,33 28,00 32,00 33,00 33,33 35,25 36,00 36,40 37,25 38,60 39,17 41,50 43,43 45,14 45,25 45,25 46,67 48,75 51,00 54,00 55,60 62,67 72,00 73,75 101,07 107,00 134,25 275,60 média

1 2 3 3 4 4 6 6 6 6 6 6 7 7 8 8 8 9 9 9 11 11 11 12 12 12 12 13 13 14 14 15 15 15 16 16 17 18 19 21 24 25 34 36 45 92 15

ANEXO 20 - Continuação Ano

Artesã

2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006 2006

Dulciete Rodrigues Oliveira Suzi Ana Lúcia Maria Cleia Fernando Dica Andressa Silva Souza Jandira Batista Costa Sabrina Brito Assunção Anadir de Oliveira Elissandra Iranilse Costa Romário Tapajós Dulcenira de Oliveira Edinéia Cardoso Pinto Maria Graciete dos Santos Guimarães Júlia Iracy de Souza Costa Fernanda Nalinho Neuzanira Silva Cardoso Nazi Fernandes Aires Maria Lima Tapajós Maria Assumpção Ferreira Alvina dos Santos Ferreira Maria Lúcia de Oliveira Maria Elísia Imbiriba Rodrigues Raimunda Ferreira da Silva Manoel Edinaldo Rodrigues Oliveira Raimunda Imbiriba Rodrigues Socorro Vieira Cardoso Adrivania Gama Sousa Benezaide Costa Sousa Ana Lídia Imbiriba Rodrigues Daniele de Oliveira Euzanildes de Oliveira Maria Amélia de Oliveira Maria Elza Rodrigues Maria Zita Ferreira da Silva Paula Silvana Costa Tapajós Zilda Ferreira Rodrigues Suzana Cardoso Pinto Euzanira Oliveira Maria Francilene dos Santos Tapajós Maria Ivaneide Oliveira Odenilda Gama Silva Dinomar Castro Cardoso

N Mês Renda Média Salário Mínimo Bruta (R$) R$ (%) 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9

10,75 10,83 12,00 12,00 14,00 15,00 16,00 17,50 21,00 21,50 22,00 24,00 24,00 26,25 26,60 27,67 29,00 31,00 34,00 36,00 38,43 39,80 40,07 44,94 48,86 50,80 52,67 55,43 56,25 56,60 62,38 64,50 65,63 73,00 76,00 77,80 79,88 80,33 80,67 81,00 89,00 92,38 92,75 93,22 95,56 102,20 102,56

3 3 3 3 4 4 5 5 6 6 6 7 7 8 8 8 8 9 10 10 11 11 11 13 14 15 15 16 16 16 18 18 19 21 22 22 23 23 23 23 25 26 27 27 27 29 29

ANEXO 20 – Continuação 2006 2006 2006 2006 2006

Izabel Cardoso Pinto Maria Zeneide de Sousa Tapajós Raimundo Nonato Maria Eunice de Oliveira Rosângela Castro Tapajós

Salário mínimo em dez/2005: R$ 300,00 reais Salário mínimo em dez/2006: R$ 350,00 reais

9 9 9 9 9

109,44 112,67 145,00 220,33 417,60 média

31 32 41 63 119 18

ANEXO 21 Tabela. Descrição dos produtos do grupo TucumArte utilizados na análise de produção familiar nos anos de 2005 e 2006. Produto Bandeja Barca Bolsa Bolsa comprida Bolsa envelope Bolsa executiva Bolsa redonda Cachepó Caixa Caixinha Caneca Cestão Cestas Chapéu Chapéuzinho Chaveiro Chopó Descanso panela Fruteira Imã Jogo amazônico Mandala Mochila Peneira Porta CD Porta copo Porta foto Porta jóia Porta lápis Porta pão Pote Pulseira Taça Tapete Tigela Tigelinha Uru Vaso Ventarola Obs. Os produtos “outros” indicados nos gráficos correspondem a todos os produtos que apresentaram renda menor ou igual do que as estipuladas para a análise.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.