O ENCONTRO MÃE-BEBÊ COMO FATOR PREPONDERANTE NO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DA CRIANÇA

June 1, 2017 | Autor: Ces Revista | Categoria: Donald W. Winnicott, Maternidade, Construção psíquica, Encontro mãe-bebê
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O encontro mãe-bebê como fator preponderante no desenvolvimento psíquico da criança, p. 195 - 206

O ENCONTRO MÃE-BEBÊ COMO FATOR PREPONDERANTE NO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DA CRIANÇA Cristina de Oliveira Fuscaldi Neves* Maria Ângela das Graças Santana de Jesus** Maria Stella Tavares Figueiras***

RESUMO O presente estudo discorre a respeito das características da formação da personalidade do sujeito a partir da relação mãe-bebê. No estudo dessa díade, são tomadas como foco de análise as possíveis relações que marcam a vida e o desenvolvimento do bebê, na medida em que é justamente a mãe, em grande parte, que apresenta o mundo a ele. Pretende-se discutir aspectos como a concepção, gestação, nascimento e primeiro ano de vida, articulando-os à relação mãe-bebê, baseando a pesquisa, principalmente, nas idéias de Winnicott e colaboradores. Palavras-chave: Maternidade. Construção psíquica. Encontro mãe-bebê.

ABSTRACT This study researches about characteristcs of formation of person’s personality that are mold since childhood or before, through the mother-baby relation. The focus of this research is the possible relations that mark the babys’ life and development, that are presented to him by his mother in large times. It is intended to discuss aspects like the conception, the pregnancy, the birth and the first life’s year, joining them with the mother-baby relation, grounding in Winnicott and collaborators’ ideas. Keywords: Maternity. Psychic construction. Mother-baby meeting.

*Graduada no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora e Especialista em Psicologia em Desenvolvimento Humano pela UFJF. **Professora e Mestre em Psicologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. ***Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-RIO.

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1 INTRODUÇÃO O desenvolvimento humano é extremamente complexo e ocorre a partir do nascimento até a velhice. Parte-se do pressuposto de que uma criança já existe provavelmente no discurso de seus pais antes mesmo de ser gerada, assim como na fase intra-uterina, durante o nascimento e nas circunstâncias que se seguem. Dessa forma, pergunta-se como o psiquismo da mãe pode influenciar na experiência de maternidade e nas trocas de afeto e atitudes apresentadas pelas mães na relação com os filhos? Como esses aspectos interferem na construção psíquica desse novo sujeito? A mãe estabelece com seu bebê um vínculo afetivo, possibilitando, assim, o seu desenvolvimento psíquico. Porém, quando a mãe, por razões ao nível do inconsciente, não consegue proteger a criança da superestimulação traumática, pode levá-la a uma incapacidade de distinguir a representação de si mesma da representação do outro. Assim, o presente estudo discorre a respeito das características básicas da formação da personalidade do sujeito que são moldadas desde o nascimento a partir da relação mãe-bebê. Esta pesquisa bibliográfica pode mostrar a relevância de estudar o tema em questão, a fim de trazer uma contribuição para profissionais da área de psicologia, permitindo que tenham um maior conhecimento sobre o assunto e apresentando maiores subsídios para observar a relação mãe-criança.

2 A GESTAÇÃO Szejer e Stewart (1997) ressaltam que a gravidez é um momento de grande riqueza e de profunda complexidade na vida de uma mulher, de um casal, de uma família. Na sociedade, a gravidez é, freqüentemente, considerada um momento privilegiado, um período durante o qual a mulher, símbolo da fecundidade, vive em pleno desabrochar. Para os autores, o período gestacional, pode ser descrito como harmonioso em si, sendo os sintomas que o acompanham vistos como pequenos detalhes desprovidos de sentido. Quanto mais se avança nos estudos sobre a gravidez, mais se surpreende pela riqueza de sentidos presentes nesse cortejo de sinais compartilhados que acompanham toda a gestação e o nascimento. Para os autores, não há gravidez sem história. Trata-se da história enquanto portadora de sentido e que dá lugar a uma criança única, por trazer consigo esse sentido quando vem ao mundo. É exatamente por toda gravidez ter uma história, que não existe gravidez ideal. Cada uma delas é mais ou menos fácil de viver. Algumas 196 CES Revista, v. 23

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mulheres vivem um sentimento de plenitude, outras vivem estados de angústia. Essa diversidade de estados e de sentimentos também pode ser observada numa mesma mulher ao curso de diferentes gestações e até numa mesma gravidez em determinadas situações. Em psicanálise, quanto mais buracos há em uma história, mais pesada ela é. “Buracos” (SZEJER; STEWART, 1997 p. 38) significam não-ditos, lutos não-feitos, eventos não formulados e que não foram colocados em palavras que pudessem lhes dar sentido e permitissem que fossem integrados. A falta de sentidos ressurge na vida do indivíduo como uma parede invisível, um obstáculo incompreensível. Szejer e Stewart (1997) ainda acreditam que a gravidez, ao abrir espaço para uma nova pessoa na família, modifica levemente o lugar que cada um ocupa, conforme a história pessoal de uns e de outros. Dessa forma, nesse contexto particular de fragilidade, a própria gravidez, a mulher grávida se situa no centro de uma rede de palavras, de atos e de sintomas, em parte, determinantes, não só do modo como ela vai viver essa gravidez, mas também os sentidos que a criança carregará quando nascer. Contudo, nem todo ato, palavras ou sintomas devem ser necessariamente interpretados. O sentido pode permanecer escondido. Diante disso, Winnicott (1994) levanta então a seguinte questão: Quando o indivíduo tem início? Segundo o autor, o momento óbvio no qual o indivíduo tem início é o seu nascimento. No entanto, argumenta que o início das crianças se dá quando elas são concebidas mentalmente. É um fato que se manifesta no brincar de muitas crianças de qualquer idade, após os dois anos. Faz parte do material de que se constituem os sonhos e muitas outras ocupações. E na idade adulta, há um período em que a idéia de ter filhos começa a se formar. Szejer e Stewart (1997, p. 43) acreditam que toda a criança vem ao mundo precedida por um “banho de linguagem”, isto é, de uma história no seio da qual sua existência começou e se inscreveu, inicialmente, através de palavras que presidiram o encontro mais ou menos bem sucedido de duas linhagens e que chega, um dia, a essa fecundação. Esse “banho de linguagem” não se limita absolutamente às palavras ouvidas pela criança no momento em que aprende a falar existe no seio de sua família. Dessa forma, quando um homem e uma mulher se encontram e geram uma criança, eles fazem de duas linhagens uma família que será a desta criança e na qual ela ocupará o seu lugar. O encontro desse casal ocorre então a partir do desejo. Contudo, o desejo não pertence apenas à ordem do consciente. Pode-se, também, “fazer de tudo” para não se ter um filho, porque isso não é razoável, não é o momento, a situação não é adequada, e simplesmente fazê-lo porque o desejo inconsciente é mais forte que todas as decisões racionais. Às vezes acontece de o desejo inconsciente se articular com a vontade consciente. São atos falhos 197 Juiz de Fora, 2009

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que podem ser entendidos como discursos (do inconsciente) bem-sucedidos. Se há fecundação, o desejo de ter um filho está presente. Se a criança vive, essa razão particular a marcará como um primeiro selo: o de sua origem. Nesse sentido, Szejer e Stewart indagam: Por que cada filho e não todos? Porque cada gravidez é diferente e, mesmo para um determinado casal, cada gravidez tem o seu próprio significado [...]. Colocar uma situação como essa nesses termos é essencial para a evolução futura dessa criança [...]. Em contrapartida, considerá-lo um objeto é denegar sua função de sujeito, o que é impossível de ser vivido. (SZEJER; STEWART, 1997, p. 67- 71).

Parece difícil crer que a pré-história de uma criança possa, em parte, marcála. Szejer e Stewart (1997) estabelecem que não se pode esquecer de que essa préhistória continua presente: se o filho não estava lá quando ela aconteceu, ela fez parte da história dos pais que a transmitiram a ele, num momento ou noutro, seja contando-a a ele ou escondendo-a dele. Assim um silêncio diante de uma pergunta pode marcar mais do que uma resposta. E mesmo a criança ainda não colocando palavras sobre esse silêncio, identifica-o como tal, como o lugar onde há alguma coisa a dizer. Isso é a pré-história que emerge aos pedaços ou, às vezes, de forma mais detalhada, tanto feliz como engraçada, assim como triste e fonte de sofrimento. De todas essas palavras, mais ou menos explícitas, do banho de linguagem, o filho emerge, recolhendo, sem saber, o que lhe concerne. Szejer (1999) enfatiza que o momento em que os pais podem autorizar o filho a ocupar sua posição de sujeito nem sempre é o do pós-parto. O feto, no seu terceiro mês, termina a fabricação de sua placenta, passando a secretar ele mesmo os hormônios necessários para a manutenção da gravidez. Vive, em seguida, como parasita de sua mãe até o nascimento. É uma autonomia relativa, não mais a dependência absoluta que havia antes. Posteriormente, ocorre o nascimento na direção de uma gradual autonomia. Durante o primeiro trimestre da gravidez, surgem as modificações iniciais da percepção e da imagem do corpo, ressaltam Szejer e Stewart (1997). Tensões mamárias, cheiros e gostos percebidos de forma diferente, repugnâncias, todas essas mudanças, mais ou menos marcantes, são vividas de formas diferentes pelas mulheres. Aqui entram em jogo duas histórias paralelas: a história de sua relação com seu corpo e a de sua relação com o corpo de sua mãe. Na vida subjetiva acontece de as histórias paralelas se encontrar e de essas duas histórias se entrelaçar. Fisicamente o corpo se modifica. O modo de se vestir (como uma mulher grávida ou ainda não), sua postura (a barriga empinada, ou, ao contrário, levemente curvada sobre si mesma, 198 CES Revista, v. 23

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como que para dissimulá-la), seu modo de alimentar-se (abundantemente, por dois, ou, ao contrário, muito pouco, menos do que habitualmente, para evitar engordar) são comportamentos significativos, em relação ao lugar dessa gravidez na sua vida, e, em conjunto, podem ser entendidos como uma maneira de fazer (ou não) um lugar para a criança a partir de então. Segundo os autores, o discurso social idealiza a mulher grávida. O fenômeno é banalizado e não se leva em conta a experiência vivida: prazerosa ou dramática, angustiante ou cheia de entusiasmo. A mulher grávida desaparece por trás de seu ventre, suas palavras ficam ocultas e toda a atenção dos homens se dirige ao feto, por ele ser promessa de vida. Dessa forma, a criança que virá já é percebida e representada, simbolicamente, como uma criança já existente. De acordo com Winnicott (2005, p. 40), constata-se na mãe grávida uma identificação cada vez maior com seu filho. A criança é associada pela mãe à idéia de um objeto interno, um objeto imaginado para ser instalado dentro e aí mantido apesar de todos os elementos persecutórios que também têm lugar na situação. O bebê apresenta outros significados na fantasia inconsciente da mãe, mas é possível que o traço materno predominante seja uma vontade e uma capacidade de desviar o interesse de si mesma para o bebê. Winnicott define esse aspecto da atitude da mãe como preocupação materna primária. E é isso que dá à mãe uma capacidade especial de fazer a coisa certa, pois ela percebe como o bebê pode estar se sentindo. Nessas circunstâncias pode-se perceber não haver dúvidas de que a gravidez seja um momento privilegiado na vida de uma mulher. Esse privilégio, o de dar a vida, levá-la em si, de sentir evoluir, faz-se acompanhar de uma carga que, embora não possa ser medida por balanças, possui o peso dos sentidos múltiplos e contraditórios que teceram a história da família e chegam, finalmente, ao nascimento da criança.

3 O NASCIMENTO E OS PRIMÓRDIOS DA CONSTRUÇÃO PSÍQUICA A maternidade é vivida de uma forma intensa, isto é, plena de sentimentos, afetos e, para a gestante viver bem a gravidez, o parto e a relação com o novo ser, ela necessita da segurança de seus familiares, ressalta Jesus (2006). A mulher traz, desde sua infância, um conceito pré-formado sobre a maternidade: é o bem maior, é o despojamento de tudo em função da vida que ela magicamente doa ao outro, uma imagem idealizada do ser mãe. Durante a gestação, Mannoni (1986) considera que a grávida vive de um modo narcísico o triunfo, a plenitude, o ser total. Voltando-se para si, torna-se mais sensível, protege-se mais da relação com o outro. Quanto mais narcísica é a vivência da gravidez, 199 Juiz de Fora, 2009

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maior a angústia e o sentimento de perda que ela vive no pós-parto. Há uma dificuldade natural de vivenciar naquele novo ser tudo que ela experimentou durante a gestação, sendo que aquele bebê, naquele momento, é o ser desconhecido, não é mais parte dela. Mannoni (1986) argumenta que, no hospital, a parturiente sente uma maior segurança em relação à sua saúde e a do bebê. No entanto, a proximidade do grupo familiar no momento do nascimento é impedida. Por isso, é preciso à mulher ouvir palavras que nomeiem as experiências vividas pelo seu corpo durante o parto, tranquilizando-a para a expulsão do bebê, e não a colocando em desespero. Winnicott (1994) destaca que a parturiente necessita de uma completa explicação a respeito do trabalho de parto, para sentir-se segura, de modo que a natureza possa agir livremente. No momento do nascimento, a mãe pode sentir um desconforto, pelo fato de a criança ser diferente do que ela idealizou na gestação. Se o parto foi difícil e a mãe passou por momentos de dor e angústia, sentindo-se desamparada, ela pode vivenciar um sentimento agressivo ou de rejeição ao seu bebê. De acordo com Szejer e Stewart (1997), o feto é um ser autônomo em sua identidade e distinto de sua mãe. Sabe-se então que: [...] é o feto quem dá inicio ao trabalho do parto. O processo natural do nascimento começa no momento em que, por um sinal químico que procede de seu cérebro, o feto avisa sua mãe – cujo cérebro recebe a mensagem química enviada, a qual desencadeia as contrações. (SZEJER; STEWART,1997 p.13)

Para Pryor (1981), a separação entre mãe e filho no nascimento pode ser um choque físico e emocional para ambos. A lactação permite que esta separação acabe realizando-se gradualmente, e a criança aos poucos irá sendo apartada de sua antiga existência uterina. Quando a mãe a amamenta por bastante tempo e diversas vezes, o mundo da criança ainda consiste principalmente em seu calor, apoio e movimentos de sua pulsação, de sua voz e de sua química corporal. Pode adquirir a compreensão de seu novo mundo de temperaturas, texturas, luzes e sons, a partir da base familiar fornecida pelo corpo materno. Segundo Winnicott (2005), tratando-se do estado de identificação do bebê, há uma referência à criança que, tendo uma mãe boa suficiente1, ao começar seu desenvolvimento, possui um ego simultaneamente fraco e forte. Tudo depende da capacidade da mãe de apoiar esse ego. O ego da mãe está em harmonia com o ego do filho. Se o apoio do ego da mãe não existe, ou é fraco, ou intermitente, a criança não consegue desenvolver-se numa trilha pessoal. Assim, torna-se necessário compreender essa estranha realidade em que nada ainda distinguiu-se como não-eu, 1 Conceito Winnicottiano, referente à mãe que proporciona ao bebê os afetos e cuidados necessários ao seu desenvolvimento psíquico.

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de modo que ainda não existe um EU. Nota-se que a identificação é o desabrochar, o modo como a criança começa. Para Winnicott (1994), na medida em que a mãe distingue se o bebê precisa ser tomado nos braços ou colocado sobre uma superfície qualquer, ser deixado a sós ou mudado de posição, criam-se as condições necessárias para se manifestar o sentimento de unidade entre duas pessoas. Estão aí os fundamentos daquilo que gradualmente se torna, para o bebê, uma existência fundamentada na autopercepção. A mãe aceita a dependência absoluta do seu bebê, envolvendo uma adaptação máxima a ele, função elaborada por Winnicott (2005, p. 38) como suporte confiável2, através da palavra holding. Esse suporte confiável é a previsão de um ambiente total, englobando bebê-mãe-pai e estabelecendo antes da idéia de viver na companhia dos familiares, já que, na concepção do bebê, eles não existem e o ambiente ainda não está diferenciado dele próprio. De acordo com Shneider, Heller, Candiago et al. (2005, p. 4), um suporte confiável (holding), além de prover a satisfação das necessidades físicas reais do bebê, deve fortalecer o ego imaturo através da capacidade da mãe em oferecer apoio emocional ao seu filho. Diante disso, os autores consideram que: É no olhar da mãe que pela primeira vez a criança se vê inteira, pois é essa função que reflete a imagem de sujeito completo que está internalizada na mãe, desde antes do nascimento, e que se perpetua, ou não, através dos cuidados efetivamente exercidos por esta mãe para com seu bebê. (SHNEIDER; HELLER; CANDIAGO et al., 2005, p. 4).

A mãe entra, como sugere Winnicott (1994), em uma fase da qual ela comumente se recupera nas semanas e meses que se seguem ao nascimento do bebê e da qual, em grande parte, ela é o bebê e o bebê é ela. Afinal, a mãe também já foi um bebê e traz consigo as lembranças de tê-lo sido; tem, igualmente, recordações de que alguém cuidou dela e essas lembranças tanto podem ajudá-la quanto atrapalhá-la em sua própria experiência como mãe. Para Winnicott (1994), a partir do que acontece no início da vida do bebê, pode-se ter idéia do que acontecerá, repetidamente, mais tarde. O autor descreve três estágios da relação do bebê com o mundo (representado, na mãe, pelos braços e pelo corpo que respira), deixando de lado a fome e a raiva, e todos os grandes transtornos. O bebê, em um primeiro momento, fechado em si mesmo está no espaço que é mantido entre a criança e mundo; no segundo, o bebê surpreende o mundo, e no terceiro, o mundo o surpreende. Parece ser tão simples que pode parecer uma 2 Suporte confiável também denominado holding, é a capacidade da mãe de oferecer ao bebê um ambiente propício ao seu desenvolvimento psíquico.

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sequência natural. É, portanto, uma base sólida a partir da qual pode-se estudar a maneira como o bebê é seguro por sua mãe. Nesse sentido, segundo Shneider, Heller, Candiago et al. (2005) mãe e bebê, juntos, formam uma unidade (desde o ponto de vista do bebê), e prover cuidados é o único recurso pelo qual a mãe pode demonstrar o seu amor. O bebê depende dos cuidados que norteiam a empatia materna. São muito importantes as experiências dessa mãe, enquanto bebê, terem sido suficientemente boas, de maneira que ela possa se identificar com o seu lactente. Szejer (1999) ressalta que a capacidade perceptiva de investigadores excepcionais, como Melaine Klein, Margareth Mahler, René Spitz entre outros, seguindo as hipóteses de Freud, permitiu identificar atividades no comportamento do bebê, por trazer a compreensão sobre a existência de uma vida psíquica insuspeitada, de forma detalhada, possibilitando trazer dados sobre os momentos no processo evolutivo que resultará na individualidade psíquica do ser humano adulto. Diante disso, percebe-se ser no contato com a mãe, de acordo com Duvidovich e Winter (2004), que o bebê organizará toda sua energia e construirá todas as funções adaptativas que nos outros filhotes já estão prontas ao nascer. Essas funções se realizam através de circuitos pulsionais que cada criança deve construir no encontro com o outro da cultura, e não por mecanismos instintivos pré-fixados da espécie. Se o bebê não construir essas vias de realização, ele não sobreviverá. Winnicott (1975) caracteriza o período de dependência absoluta como estágio em que a mãe é a figura primordial, por poder fazer uma adaptação ativa, proporcionando ao seu bebê sentir-se o criador de tudo o que lhe é apresentado. Na medida em que o tempo passa esse contato pleno de ilusão com a mãe, vai gerando no bebê uma consistência interna e uma delimitação de seu próprio eu. Assim, para Winnicott (1975), no desenvolvimento emocional individual, o precursor do espelho é o rosto da mãe. Nas primeiras fases do desenvolvimento humano, um papel vital é desempenhado pelo meio ambiente, que, de fato, o bebê ainda não separou de si mesmo. O rosto da mãe, ao desempenhar uma função de espelho, conferiria ao bebê o sentimento de ser e existir: “quando olho, sou visto; logo, existo” (WINNICOTT, 1975, p. 157). Sobre essa troca de olhares estruturante, o autor escreveu: “O que vê o bebê quando olha para o rosto da mãe? Sugiro que, normalmente, o que o bebê vê é ele mesmo. Em outros termos, a mãe está olhando para o bebê e aquilo com o que ela se parece se acha relacionado com o que ela vê ali.” (WINNICOTT, 1975, p.154, 155). Nessas circunstâncias, Outeiral e Moura (2002) pontuam que o bebê passa a ocupar-se de estudar as feições maternas e a predizer o humor da mãe, tentando buscar momentos escassos para poder viver com espontaneidade, ao mesmo tempo 202 CES Revista, v. 23

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tentando evitar que o cerne de seu eu seja ameaçado. Referente a isso, para Winnicott (1975), progressivamente, a separação entre o eu e o não-eu se efetua, e o ritmo dela varia de acordo com o bebê e com o meio ambiente. As modificações principais realizam-se quanto à separação da mãe como aspecto ambiental objetivamente percebido. Se ninguém está ali para ser mãe, o desenvolvimento do bebê torna-se infinitamente complicado. Para o autor, é importante reconhecer o valor positivo do fator mãe dedicada comum ou mãe suficientemente boa, pois cada bebê tem a necessidade vital de que alguém lhe facilite os estágios iniciais dos processos de seu desenvolvimento psicológico, psicossomático ou da personalidade. O apoio do ego materno facilita a organização do ego do bebê. Para Winnicott (1994), com o tempo, o bebê torna-se capaz de afirmar sua própria individualidade, e até mesmo de experimentar um sentimento de identidade pessoal. Tudo parece muito simples, e a base de tudo isso se encontra nos primórdios do relacionamento, quando a mãe e o bebê estão em harmonia. A mãe tem um tipo de identificação extremamente sofisticada com o bebê, por se sentir identificada com ele, embora, naturalmente, permaneça adulta. O bebê, por outro lado, identifica-se com a mãe nos momentos calmos de contato, que é menos uma realização do bebê a um resultado do relacionamento que a mãe possibilita. Do ponto de vista do bebê, nada existe além dele próprio, e, portanto, a mãe é, inicialmente, parte dele. É o começo de tudo, e confere significado à palavra muito simples como ser. Winnicott (2005) enfatiza que há algo na mãe de um bebê que a torna particularmente qualificada para proteger seu filho nessa fase de vulnerabilidade, pois é capaz de contribuir positivamente para as necessidades da criança. A mãe é capaz de desempenhar esse papel de se sentir segura e amada em sua relação com o pai da criança e com a própria família, e ao sentir-se aceita nos círculos cada vez mais amplos que circundam a família e constituem a sociedade. A mãe é responsável pelos cuidados com a criança e essa capacidade não se baseia no conhecimento formal, mas provém de uma atitude sensível adquirida na medida em que se desenvolve e se afasta. A progressão da dupla dependência (mãe-bebê) à dependência (somente bebê), e à independência, para o autor, não é apenas expressão da tendência inata da criança a crescer; esse crescimento só pode ocorrer se processar numa outra pessoa uma adaptação muito sensível às necessidades da criança. É a mãe da criança que costuma ser a pessoa mais qualificada a desempenhar a tarefa sumamente delicada e constante; é a pessoa mais adequada, pois é ela que, com maior probabilidade, entregar-se-á de modo mais natural e deliberado à causa de criação do filho. No pensamento de Winnicott (1990, p. 131), “[...] sabemos que o mundo 203 Juiz de Fora, 2009

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estava lá antes do bebê, mas o bebê não sabe disso, e no início tem a ilusão de que o que encontra foi por ele criado”. Para o autor, então, é nesse momento que se fundam os primórdios do narcisismo. Shneider, Heller, Candiago et al. (2005) descrevem que esta ilusão é o espaço de o bebê poder começar a exercitar sua criatividade. A possibilidade só é concebida ao bebê por uma mãe que seja capaz de abrir mão de seu próprio narcisismo enquanto estimula a experiência de onipotência do seu filho. Essa primeira experiência se dá com a “primeira mamada teórica”, quando alucina a criação de algo que satisfaça a sua primeira necessidade, sem que tenha havido uma experiência anterior. Nesse momento, a mãe coloca o seu seio ali onde o bebê está pronto para esperar algo e, se deixar tempo suficiente para ele explorar, com a boca e com as mãos, talvez com o sentido do olfato, o bebê cria exatamente aquilo que lá está para ser achado. Dias (2003) considera que Winnicott, ao usar a expressão primeira mamada teórica, refere-se à sequência das primeiras experiências concretas de amamentação. Assim, a amamentação também se torna muito importante nesse início, pois é uma situação privilegiada em que, quando tudo ocorre bem, começam a se estabelecer os primórdios da relação com a realidade externa, da qual a mãe é a primeira representante.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS As circunstâncias em que uma nova vida se cria, a concepção, a vivência uterina e o nascimento são os primeiros indicadores do processo de desenvolvimento da vida. E, por isso, é extremamente relevante o estudo do desenvolvimento emocional em suas primeiras fases, pois muitas vezes é possível detectar e diagnosticar distúrbios emocionais ainda na infância, até mesmo no primeiro ano de vida. Devido à extrema dependência emocional da criança, seu desenvolvimento ou sua vida não podem ser estudados à parte da consideração do cuidado que lhe é fornecido. As características básicas da formação da personalidade do sujeito são moldadas desde a infância pela relação mãe-bebê. Há, por isso, uma série de razões para se ter um estudo do que ocorre nos primeiros estágios de desenvolvimento da personalidade da criança. No universo psicológico, há uma tendência ao desenvolvimento inata e que corresponde ao crescimento do corpo e ao desenvolvimento gradual de certas funções. Nos primórdios, existe uma dependência absoluta do bebê em relação ao ambiente físico e emocional, não havendo, assim, vestígios de uma consciência da dependência e, por isto, é absoluta. Gradualmente, a dependência torna-se, em 204 CES Revista, v. 23

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certa medida, conhecida da criança, que, por consequência, adquire a capacidade de fazer saber ao ambiente quando necessita de atenção. Nesse sentido, não se pode considerar a maturidade adulta como algo separado do desenvolvimento anterior. Esse desenvolvimento é extremamente complexo e ocorre continuamente desde o nascimento, a partir da relação mãe bebê até a velhice, passando pela idade adulta. Artigo recebido em: 26/08/2008 Aceito para publicação: 27/10/2008

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