O Ensino da Música no Ensino Artístico Especializado da Dança

June 24, 2017 | Autor: Joaquim Carvalho | Categoria: Arte Educação, Música, Dança, Ensino Artistico
Share Embed


Descrição do Produto

O ENSINO DA MÚSICA NO ENSINO ARTÍSTICO ESPECIALIZADO DA DANÇA Joaquim Manuel da Cruz Carvalho1

RESUMO Este artigo direcciona-se para a abordagem do ensino da música no ensino artístico especializado de dança. Realizamos um cruzamento entre a importância do uso corporal na música e da musicalidade no corpo na dança. Abordamos fundamentos da Arte-Educação, bem como a sua importância na necessária mudança de paradigma na Escola do Século XXI. Educar não poderá ser mais uma mera transmissão do conhecimento. Os professores devem mudar o seu modo de agir, passando a ser os facilitadores da informação. Sem os alunos estarem envolvidos com o que estão a vivenciar não é possível verdadeiramente Aprender. A didáctica das expressões é abordada aqui como ferramenta de fecunda importância e sustenta a base metodológica do processo de ensino-aprendizagem. Os modelos de avaliação e as novas tecnologias da informação servirão como complemento à informação retratada na prática diária de um Artenauta (viajante pela arte).

Palavras-chave: Ensino Artístico, Música, Dança, Arte-Educação, Didáctica das Expressões, Experiência do Belo

                                                                                                                1

Professor de Música no Ensino Artístico Especializado de Dança, Licenciado em Música - variante de Produção e Tecnologias da Música pela Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo do Porto, Mestrando em Multimédia – variante de Música Interactiva e Design de Som na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Universidade Aberta, [email protected]

2

1 INTRODUÇÃO Ainda que não estejam dependentes uma da outra, a relação entre música e dança é entendida pela maioria das pessoas como sendo de complemento mútuo. Na linguagem técnica destas duas formas de expressão usam-se, frequentemente, dois termos que se complementam: na dança a musicalidade do movimento e na música a corporalidade musical. Assim, músicos e bailarinos recorrem com frequência ao movimento e à música, respectivamente, para “musicalizar” ou “corporalizar” emoções. Apesar disto, os objectivos a que o ensino da música se propõe no ensino artístico de dança são distintos dos propostos no ensino artístico de música, do teatro ou mesmo no ensino regular. A problemática do complemento das duas formas artísticas atrás referido obriga a uma reflexão e a uma investigação sobre o modo como se ensina e apre(e)nde música nas suas diferentes vertentes. Na pesquisa realizada pudemos constatar que a informação existente relativa e especificamente ao ensino da música num curso artístico de dança é ainda escassa. Assim, o presente documento tem como objectivo principal reflectir, fundamentar e formalizar uma linha de pensamento e de acção no ensino de música num curso artístico de dança. Pedagogos como Jacques Dalcroze, Rudolph Laban e Edwin Gordon, que referem a importância do movimento no ensino e na vivência da música, assim como os modelos de avaliação usados, serão alguns dos pontos a referir neste documento.

2 A ARTE E A EDUCAÇÃO ARTÍSTICA Há 2300 anos, Platão defendia que a arte deveria deve ser a base da educação, pois através dela é possível estimular o desenvolvimento. A resposta à pergunta “O que é arte?” tem vindo a ser discutida ao longo de muitos séculos sem ter ainda uma resposta conclusiva. Platão define arte como sendo algo inatingível e infinitamente superior ao homem, algo luminoso que é o reflexo do esplendor dos Deuses, de nível transcendente mas para o qual o homem tende e através da qual se aproxima da sua vida espiritual, que é motivada pela contemplação de obras que despertam esse sentimento espiritual que é o Belo (Sousa, 2003, p. 18). Platão afirma ainda, a propósito do Belo (que segundo o autor está intimamente ligado ao amor), que este não é a obra de arte em si, mas sim a transcendência causada pelo seu contemplamento.

3

Fernando Pessoa, na sua tentativa de clarificação do conceito de Arte e criando uma relação de complementaridade entre arte e ciência, afirma que a arte é (...) a expressão de uma emoção. (...) A ciência descreve as coisas como são; a arte descreve-as como são sentidas, como se sente que são. (...) A finalidade da arte é a elevação do homem por meio da beleza. A finalidade da ciência é a elevação do homem por meio da verdade (citado por Martins, 2002, pp. 52-53). A arte, como quer que a definamos, está presente em tudo o que fazemos para agradar aos nossos sentidos (Read, 2007, p. 28). Cruzando os dois conceitos abordados – a Educação e a Arte - para Platão, uma (educação artística) é a única que dá harmonia ao corpo e enobrece a alma, (...) é soberana porque tem no mais alto grau o poder de penetrar na alma e tocá-la fortemente, levando consigo a graça e cotejando-a, quando se foi bem educado... (citado por Sousa, 2003, pp. 21-22). Segundo a Lei de Bases do Sistema Educativo, Educação Artística refere-se a uma Educação com objectivos voltados para o desenvolvimento harmonioso da personalidade (Sousa, 2003, p. 61), significando que desenvolve competências em todas as dimensões humanas, de modo harmonioso e homogéneo. Segundo o mesmo autor (p. 113), a educação artística, ao proporse como uma via de formação do ser, não pretende substituir a transmissão do saber mas apresentar uma equacionação educacional valorizando as artes como meio não só de formação do ser, como de intervenção metodológica activa, ao serviço do próprio ensino de saberes. Assim, é importante que exista uma verdadeira interdisciplinaridade e que na organização curricular todas as áreas de formação tenham um equilíbrio e um peso equitativo para proporcionar aos alunos uma harmonia estética numa harmonia educacional (Sousa, 2003, p. 63). Segundo disposições legais2, a Educação Artística inclui aspectos de Educação pela Arte, das Artes na Educação e do Ensino Artístico. Cada uma destas áreas da Educação Artística tem diferentes objectivos. Neste documento será retratado de forma mais direccionada o Ensino Artístico - que tem como principal objectivo a formação profissional de artistas3 e, segundo Sousa (2003, p. 105), visa essencialmente proporcionar aos futuros artistas uma formação de ordem técnica na especialidade artística que escolheram.

                                                                                                                2

Decreto-Lei nº 344/90, de 2 de Novembro de 1990. Estabelece as bases gerais da organização da educação artística pré-escolar, escolar e extra-escolar. 3 in, Plano Nacional de Educação Artística, 1978

4

3 A MÚSICA PELO MOVIMENTO vs A MÚSICA NO MOVIMENTO Numa tentativa de definição do conceito música, Maria de Sousa, na sua tese de doutoramento, cita Hesse, fazendo uma clara alusão à intima e fecunda relação da música com o corpo e os sentidos. O que seria da nossa vida sem a música! Se me tirassem, proibissem ou arrancassem à força da memória, a mim ou a alguém minimamente amante da música, os corais de Bach, as árias da Flauta Mágica, ou o Fígaro, isso seria para nós como a perda de uma parte do corpo, de metade ou de todo um sentido (citado por Sousa, 2008, p. 66).

Para Rudolph Laban4 , a dança é todo o conhecimento, visão e construção que complementa o pesquisador e o homem de ação. Também é o retrato dos acontecimentos do mundo, é o círculo, dentro do qual vibra o corpo humano (citado por Mommensohn & Petrella, 2006, p. 46). É uma linguagem estética, cultural e artística que envolve a expressão humana (Sanchez, 2009, p. 41). A dança e a música desde sempre estiveram unidas ao Ser do ser humano. Desde a pré história que o homem se exprimia através do movimento e, ao fazê-lo, utilizava instrumentos para fazer música ou cantava. Ao longo da história, a dança e a música tiveram diferentes funções sociais que, entre outras, foram de entretinimento, mágicas, educacionais e artísticas. Na procura de uma integração entre estas duas linguagens artísticas, Mommensohn (2006, p. 219) estabelece alguns paralelos entre os factores do movimento de Laban (peso, tempo, espaço e fluência) e os parâmetros sonoros (intensidade, duração, altura e timbre). Emile Jacques-Dalcroze5 , enquanto pioneiro na educação musical ocidental em integrar a utilização corpo/movimento na prática musical, afirmava que os movimentos desempenham um papel primordial na compreensão e domínio rítmico (...) A música não se ouve somente com o ouvido, mas com todo o corpo (citado por Sanchez, 2009, p. 43).

                                                                                                                4

Laban foi bailarino, coreógrafo, artista plástico, arquiteto, estudioso do movimento humano. (...) O objetivo era unir as pessoas em suas diferenças em torno da arte e do conhecimento. (...) A sua teoria sobre o princípios do movimento humano fundamentou inúmeros trabalhos de dança, terapia, educação, saúde pública (...) cumprindo assim o seu objetivo, ou seja, colocar em movimento uma ideia, uma emoção, um sentimento (Mommensohn & Petrella, 2006, pp. 16-17). 5 Para Dalcroze o Ritmo é o elemento primário da música. Deve procurar-se a sua origem no ritmo natural do corpo humano e através dele partir para uma aprofundada compreensão da música em todos os seus domínios, como linguagem e arte que retrata e provoca emoções.

5

Edwin Gordon 6 , investigador da pedagogia musical actual, afirma que se as crianças pequenas não forem estimuladas a movimentar-se flexível e continuamente duma forma livre e fluida, não aprenderão a entoar padrões rítmicos com flexibilidade e fraseado, e poderão até nunca vir a desenvolver qualquer vocabulário de entoação. Talvez porque o corpo conheça antes que o cérebro entenda, as crianças, ainda em idade muito precoce, começam a reagir naturalmente ao ritmo com movimentos flexíveis e fluindo continua e livremente (Gordon, 2005, p. 11). Estes são alguns pedagogos que referem a importância do uso do corpo na musicalização das crianças na educação artística. Por outro lado, no ensino artístico de dança, a música deverá ter o papel de fomentar e sensibilizar a musicalidade7 do movimento dos futuros bailarinos. Sem afirmar que a dança seja dependente da música, para Wisnik, a música proporciona a plena entrada nos aspectos mental, corporal, intelectual e afectivo, exercendo um grande poder sobre o corpo de forma consciente e inconsciente (Rodrigues, 2007, p. 21). Para Rodrigues (2007, p. 22), a música não pode ser traduzível em palavras, mas é com certeza em movimentos. (...) A educação musical deve-se associar à arte do movimento ajudando assim a desenvolver a imagem do corpo, dos esquemas motores básicos, da estruturação do tempo e do espaço e da expressão de significados, sentimentos e emoções. (...) Para pensarmos na construção do conhecimento em dança devemos primeiramente analisar como as crianças reagem ao ouvir música. Assim, a escuta tem um papel fundamental na educação estética dos alunos de dança. A escuta para a dança é um dos elementos que traz inspiração, que sugere movimentos, fazendo da dança a poesia da música (Rodrigues, 2007, p. 23). Jorge Luiz Schroeder, na sua tese de mestrado A Música na Dança (2000), afirma que as vertentes pedagógicas modernas para o ensino da música visam a formação de músicos e devem ser redirecionadas para poderem ser usadas no ensino artístico vocacional da dança8. Existem duas razões para isto:                                                                                                                 6

Edwin Gordon na sua metodologia reformulou diversos conceitos. Inseriu o novo termo “Audiação”. Gordon acredita que é aprendendo a ouvir e a identificar modelos musicais que os alunos se preparam para aperfeiçoar a audição e a audiação para executar, com compreensão, o reportório musical comum. (Sousa, 2008, p. 79). 7 Musicalidade na dança é uma musicalidade bastante particular que, embora possa manter algumas semelhanças com as “musicalidades musicais”, movimenta-se por outras trilhas, possui outra plasticidade, oferece outras possibilidades (Schroeder, 2000, p. 87). 8 O termo vocacional, de acordo com vários estudos científicos sobre psicologia vocacional, apenas deverá ser aplicado a crianças a partir dos 14-16 anos, porque só nesta idade é que se definem e se organizam os factores

6

Em primeiro lugar, exactamente por não privilegiar a audição, e sim o manuseio técnico através da compreensão teórica do material sonoro. Aos dançarinos não interessa o trato com a música. A parte que lhes cabe moldar, interferir e modificar é o movimento. (...) A compreensão auditiva que possibilite uma interpretação da música é o que eles precisam. (...) Em segundo lugar, os códigos e estruturas musicais, exaustivamente estudados pelos músicos durante anos, são, ao fim do aprendizado, superados em favor da formação de uma “linguagem” pessoal, construída com esforço e minúcia e reinventada a cada obra (Schroeder, 2000, pp. 77-78).

Para o autor, mais do que a pura passagem de conhecimentos específicos de música, de jargão técnico e de conceitos musicais ao aluno, deverão ser criadas situações de conflito, de confronto, de ambiguidade e de dúvidas entre a música e os movimentos e mostrar os “modos” musicais de entendê-los. No caso dos dançarinos, o uso que fazem da música (...) passa ao largo do fazer musical. No entanto, tendo acesso a uma ferramenta que os ajude a desenvolver a compreensão musical de um modo mais directo, nada impede que, num acto de aperfeiçoamento posterior, o dançarino venha a dominar os códigos e técnicas da música e passe, também, a manuseá-las (Schroeder, 2000, pp. 79-80). Para isto, deve enfatizar-se não só o aspecto corporal existente nas músicas mas, principalmente, estimular os seus canais corporais para entender a música, antes de tentar sensibilizá-los por outras formas. Schroeder afirma que a apreciação (audição) musical, situada na inserção entre escutar, entender e compreender (idem, p. 82), é uma estratégia a ser usada, pois poderá ser utilizada de modo corporal, com objectivos coreográficos (educação estética). Através da apreciação é possível isolar ou enfatizar nas músicas quaisquer elementos que se queira: ritmo, melodia e harmonia; altura, intensidade, duração e timbre; textura, cor e densidade, etc. A integração da música aos objectivos educacionais e artísticos da dança deve aproximar o dançarino da música sem, contuso, deformá-la (idem, p. 86). Daí ser importante ouvir todo o tipo de música. Este é um factor que vem ajudar à Educação Artística enquanto potenciadora da comunicação intercultural. As artes são indispensáveis na expressão pessoal, social e cultural dos alunos. São formas de saber que articulam imaginação, razão e emoção. Atravessam as vidas das pessoas trazendo novas perspectivas à sociedade em que se vive. A vivência artística influencia o modo como se aprende, como se comunica e como se interpretam os sinais do quotidiano. As artes permitem participar em desafios colectivos e pessoais que contribuem para a construção da identidade pessoal e social, exprimem e enformam a identidade nacional, permitindo o entendimento das tradições de outras culturas e são uma área de eleição no âmbito da aprendizagem ao longo da vida (Sousa, 2008, pp. 122-123).

Maria de Sousa (2008, p. 86) cita David J. Elliot com o objectivo de identificar o conceito de educação musical intercultural:                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           da vocação. (...) Uma Educação Artística, para poder ser apropriadamente designada por deverá apenas dirigir-se, portanto, à que é efectuada no ensino secundário ou superior (Sousa, 2003, p. 99).

7

Elliot concebe a educação musical multicultural como uma educação humanística, realçando o próprio conceito e adequando a sua compreensão através da compreensão do outro. Sugere que os alunos adquiram competências ao nível da aprendizagem de vários tipos de música e de várias práticas musicais. (...) Sugere, ainda, que numa primeira fase esta formação musical intercultural se inicie com a utilização de músicas regionais do meio em que os alunos se inserem, antes da utilização de outras músicas menos familiares, passando, de seguida, para músicas de outras culturas (Sousa, 2008, p. 86).

Através da música e das áreas de expressão artística, podemos abrir horizontes largos para a aprendizagem musical intercultural de novos povos e de novas culturas, conhecendo e vivenciando os seus modos de estar e de sentir nas suas diferentes dimensões e realidades, quer sob ponto de vista musical, quer sob o ponto de vista social e antropológico. Segundo a autora (p. 91), a estratégia de atuação de uma educação musical intercultural deverá contemplar: •

uma formação de professores (generalista e especializado), capaz de lançar pontes fecundas entre os povos e as suas culturas musicais;



as sinergias entre as instituições educativas (formais e informais), capazes de lançar pontes com os artistas criadores de objetos artísticos e musicais de qualidade.

4 DIDÁCTICA DAS EXPRESSÕES

A palavra didática vem do grego e pode traduzir-se como sendo a arte ou técnica de ensinar. De facto, o grande palco da aprendizagem artística, que é o acto de envolver9, requer conhecimentos pedagógicos que auxiliem a pôr em prática um determinado método ou técnica de ensino com vista à interiorização de um determinado processo de ensino e aprendizagem. Para isto baseamo-nos no livro Didáctica das Expressões, de Amílcar Martins10 , de modo a sustentar e dar forma a esta secção do documento. No início do seu livro o autor cita um provérbio chinês: Diz-me e eu esquecerei Ensina-me e eu lembrar-me-ei Envolve-me e eu aprenderei                                                                                                                 9

ver provérbio chinês nesta mesma página. Ph. D. Ciências de Educação, Artes, Montreal. Professor no Departamento de Ciências de Educação da Universidade Aberta. Coordenador do Mestrado em Arte e Educação. Investigador no CEMRI – Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais

10

8

Esta é a primeira de quatro metáforas usadas pelo autor para caracterizar uma didáctica para as expressões. Além de bela, exprime a ideia de que o processo e os actos que conduzem, de facto, a aprendizagens significativas, criativas, duradouras e transferíveis, pressupõem elevados níveis de envolvimento, de motivação, de implicação de quem aprende (Martins, 2002, p. 21). Um outro conceito usado pelo autor é o do Artenauta, que tem como principal função educar pela arte. A Arte-Educação converge capacidades em competências. Estas competências são: experimentar, conhecer, criar (desenvolver capacidades criativas) e apreciar.

4.1 O MODELO DE RELAÇÃO PEDAGÓGICA O modelo sistémico de relação pedagógica de Renald Legendre (1993) é definido como tendo lugar em situações e actos pedagógicos que emergem de um contexto específico em que se desenrolam os processos de ensino e de aprendizagem. O autor parte da constatação de que existem quatro pólos básicos (Martins, 2002, p. 38). São eles o Sujeito (ser humano em aprendizagem), o Objecto (natureza, conteúdo e objectivos da aprendizagem), o Agente (responsável pelo planeamento , animação e avaliação da aprendizagem) e o Meio (ou contexto que envolve os outros três agentes). A interacção dos vários agentes criará diferentes relações: •

a interacção entre o Agente e o Sujeito criará uma Relação de Ensino



a interacção entre o Sujeito e o Objecto criará uma Relação de Aprendizagem



a interacção entre o Agente e o Objecto criará uma Relação Didáctica

Assim, a Relação Pedagógica incide na interacção e envolvência da Relação de Ensino, da Relação de Aprendizagem e da Relação Didáctica e de um determinado Meio (Martins, 2002, p. 40). É fundamental identificar e procurar compreender as situações pedagógicas deste sistema a partir da caracterização de cada um dos agentes e da qualidade das relações e do meio nele incorporadas.

9

4.2 PRINCÍPIOS DE ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA E DIDÁCTICA Segundo Amílcar Martins, existem quatro princípios de orientação pedagógica e didáctica que deverão ser considerados pelos professores do ensino artístico: O Princípio da criação de um ambiente envolvente. A criação de um ambiente humano e material envolvente é determinante em toda a acção educativa. (...) O Princípio da regularidade.(...) É a regularidade, apoiada na diversidade das práticas de actividades expressivas, que permite que as crianças cresçam com a normalidade e familiaridade suscitada pelo seu uso quotidiano. O Princípio da diferenciação. Diferenciar é considerar cada uma das individualidades de um grupo. Educar ou animar é distinguir, diferenciar, potencializar capacidades. (...) Princípio da progressão. (...)Progredir é poder ir mais longe. Progredir é construir e desafiar hipóteses para as crianças, mas também para os educadores (Martins, 2002, pp. 59-60).

As orientações de ensino deverão ser feitas tendo em conta as características dos alunos. Um professor deverá ter determinado perfil de atitudes e competências em cada uma das suas dimensões: Pessoa-Artista-Pedagogo. Segundo Martins (2002, pp. 76-79), na dimensão Pessoa, a abertura ao Outro e à diferença, a escuta e o relacionamento empático, o gosto pela interactividade humana, o uso da espontaneidade, da sensibilidade, do equilíbrio emocional, da criatividade e do espírito de iniciativa, a curiosidade intelectual e artística, o sentido da organização e o estudo metódico são algumas das qualidades humanas que importa exercitar. Na dimensão Artista, a utilização da criatividade, do ludismo, da improvisação nas várias expressões, a utilização de pontes de comunicação com a cultura estético-artística do ambiente próximo e mais distante, a utilização e valorização das linguagens e dos instrumentos das expressões e das expressões artísticas e a análise crítica dos processos e produtos das manifestações artísticas são algumas das qualidades artísticas que importa promover. Na dimensão Pedagogo, a promoção de expressões artísticas, o conhecimento e utilização da didática das expressões, a articulação das expressões com outras matérias, a animação de grupos e a gestão da classe e a utilização dos instrumentos de intervenção, de animação e de avaliação das expressões artísticas são algumas das qualidades de pedagogo que importa aprofundar.

10

4.3 INTERVENÇÃO EDUCATIVA 4.3.1 PROJECTO EDUCATIVO DE ESCOLA Crendo que só pensando global é que será possível agir localmente11, a criação de um Projecto Educativo de Escola numa escola do Ensino Artístico de Dança é de extrema importância para direcionar e fundamentar toda a política educativa e curricular da própria escola. Depois de definido o Plano Educativo de Escola será possível definir o Plano Curricular de Escola, onde são definidas as suas prioridades, as suas competências e os conteúdos de cada área disciplinar, e o Plano Curricular de Turma, onde são feitas as especificações da turma, se define a interdisciplinaridade tendo em consideração a sua realidade.

4.3.2 PEDAGOGIA DE SITUAÇÃO A Pedagogia de Situação, criada por Gisèle Barret, propõe a utilização do método indutivo que privilegia o vivido individual e colectivo no aqui e agora. (...) A autora tem da pedagogia uma valorização do momento pedagógico, considerando os elementos imprevistos que se manifestam espontaneamente aquando do desenvolvimento da situação (Martins, 2002, pp. 117-118). Esta pedagogia, global e ativa, enfatiza o saber-ser do educador e perspectiva a expressão e a comunicação como manifestação dramática, considerando todos os participantes como atores da situação pedagógica. Cada situação pedagógica está situada dentro de um determinado espaço e de um certo tempo e pressupõe duas categorias de indivíduos, os que constituem o grupo de alunos e o(s) que assume(m) o papel de pedagogo(s), seja na perspectiva de animar, educar ou ensinar. (...) Ela baseia-se na situação pedagógica através de cinco variáveis: o Espaço-Tempo; o Pedagogo; o Indivíduo e o Grupo; a Vivência ou o Conteúdo; o Mundo exterior (Leitão, 2007).

                                                                                                                11

Afirmação de um ecologista norte americano, citada por Amílcar Martins enquanto dinamizador da Oficina “Contar, Mimar e Sentir” no âmbito das actividades da Exposição das ilustrações do livro “Histórias da AJUDARIS”, levada a cabo pela APPACDM de Viana do Castelo.

11

4.3.3 RETROAGIR Reflectir sobre experiências vividas ou sobre o trabalho realizado é uma ação natural e fundamental para as perceber, assimilar, avaliar ou simplesmente as lembrar. A esta memória formativa chama-se retroagir. Existem diversas interpretações e formas de o fazer, não existindo uma mais correcta que outra. Um documento que possibilita realizar uma retroação baseada numa escuta formativa é o diário de bordo. Este poderá ser feito de um modo individual ou em grupo; regista memórias ativas e dinâmicas e proporciona um retorno atualizado de vinculação ao real observado (Martins, n. d.).

5. MODELOS DE AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA Em Portugal, o ensino artístico está a necessitar de uma profunda reforma. Fernandes et. al. (2007), no seu estudo de avaliação do ensino artístico, refere: O ensino artístico especializado vive uma situação que se caracteriza pela ausência de clareza e de transparência no que se refere aos princípios e finalidades que o devem nortear, aos conteúdos e procedimentos que o devem estruturar e aos normativos que o devem regular. (...) a) a ausência de projectos solidamente enraizados nas comunidades; b) a inexistência de projectos bem fundamentados e devidamente articulados com as realidades artísticas e profissionais; c) a inexistência de finalidades claras; d) a falta de articulação com as formações congéneres do ensino superior; e e) a ausência ou a grande debilidade de acções de cooperação concreta com as escolas do chamado ensino genérico. (...) O currículo das escolas do ensino especializado da Música e os seus programas estão desactualizados sendo, nalguns casos, considerados obsoletos. (pp. 45-47)

O uso de testes práticos sumativos (apenas com o professor ou na presença de um júri), além de intimidatório, é extremamente redutor, numa avaliação que se espera formativa e onde o erro assume um valor de grande importância, pois é através dele que podemos aceder aos processos mentais do aluno (Santos, 2008). Pensando no estudo de avaliação do ensino artístico (atrás referido) e na necessidade de mudar de paradigma, é realmente verdade que o que se espera de um aluno do ensino artístico no século XXI não é mais que seja apenas um “bom executante”, mas sim que interiorize uma série de competências a diversos níveis: saber saber, saber fazer e saber ser.

12

6. TECNOLOGIA NO ENSINO ARTÍSTICO A estrutura curricular dos cursos do ensino artístico não está direccionada para o conhecimento tecnológico com que os futuros artistas irão lidar. Todos os espetáculos estão impregnados de tecnologia, seja na mesa de som, na iluminação, nos cenários, etc. A quantidade de competências que um artista, ao nível do saber fazer, deve dominar, tem vindo a aumentar nos últimos anos. Tal como em qualquer área do conhecimento, a tecnologia também está inerente na dança. A interactividade entre a análise do movimento e a imagem (vídeo), o som ou a luz, é cada vez mais usada em espetáculos e, como tal, deve fazer parte da formação dos bailarinos. A democratização da captura do movimento poderá abrir novas perspectivas para o ensino da dança. Os instrumentos e as técnicas não faltam, e vão multiplicar-se rapidamente, tornando-se também mais acessíveis. É necessário introduzi-las no ensino da dança. O verdadeiro perigo seria não questionar o que o digital comporta na construção da relação pedagógica em dança, nessa fazenda tecida pelas relações entre professores, instituições e estudantes. Parece-nos que a introdução de novas tecnologias em dança deve levar a um questionamento específico quanto à construção dessa relação. É precisamente nesse nível que fica a maior parte do trabalho a ser feito (citado por Bittencourt, n. d.).

Por outro lado, as TIC deverão ser usadas nas aulas também como ferramenta importante por oferecerem potencialidades imprescindíveis à educação e formação, permitindo um enriquecimento contínuo dos saberes12. Se é verdade que é premente uma maior integração das TIC no processo ensino-aprendizagem da música, também o é que os educadores musicais devem estar preparados para a emergente interacção sofisticada entre o estudante e a música, a tecnologia, e o professor. É vital que educadores musicais liderem o desenvolvimento musical e não simplesmente sigam as tendências tecnológicas (Krüger, 2006, p. 84). Para que isto aconteça é fundamental que as TIC façam parte da formação inicial dos professores, de modo a que estes percebam as suas vantagens e sintam a necessidade de as usar em contextos didáticos - estratégias de ensino e aprendizagem (Pereira et. al., 2007, p. 3), que o professor se interesse por evoluir e que haja uma formação contínua ao longo da sua carreira docente. Cada vez mais, com os outros aprendemos, descobrimos e... construímos (Maio et al., 2008); como tal, é necessária uma orientação curricular adequada que insira as TIC de forma crítica e inovadora no processo de formação docente. De igual modo, é necessária uma aproximação entre as instituições formadoras e as redes escolares, com o intuito de perceber qual o caminho a seguir, de modo a responder às constantes mutações da nossa sociedade/escola.                                                                                                                 12

in, Livro verde para a sociedade de informação (p. 44)

13

8. CONCLUSÃO A Escola do séc. XXI é carente de mudanças. É necessário um novo paradigma para a Educação dos nossos dias. Educar não poderá ser mais uma mera transmissão do conhecimento. Os professores devem despertar a curiosidade, desenvolver a autonomia e ser o facilitador da informação13. A palavra-chave para tudo isto talvez seja Envolver. Sem os alunos estarem envolvidos com o que estão a vivenciar não é possível verdadeiramente Aprender. Segundo Jacques Delors (1999), os quatro pilares da educação na sociedade da informação são aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver em comum e aprender a ser. As artes dirigem-se especialmente à ideia da experiência estética. A experiência estética existe quando os nossos sentidos operam na sua máxima expressão, quando estamos impactados com o que estamos a viver, quando estamos completamente vivos (Robinson, n. d.).

A Arte-Educação, sendo uma via de formação do ser, desenvolve competências em todas as dimensões humanas de modo harmonioso e homogéneo e tem a função de orientar a experiência estética, fomentando, assim, o Belo. Assim, também a Educação Artística deverá estar preparada para saber enfrentar as mudanças da sociedade de hoje, não só para puder cumprir o seu principal objectivo com distinção mas, também, porque é um caminho importante na educação para o saber ser. Toda a pesquisa indica para que o ensino da disciplina de música no ensino artístico de dança tenha particularidades que o diferenciam das abordagens pedagógicas usadas no ensino artístico de música ou no ensino regular. A música, arte inerentemente livre do raciocínio (Read, 2007, p. 87), tem um papel importante na formação global das crianças. Como foi referido anteriormente, e porque a música não pode ser traduzível em palavras, mas é com certeza em movimentos, a sua vivência, sensibilização e interiorização deverá passar obrigatoriamente pelo uso do corpo. A utilização do movimento na aprendizagem musical vem sendo cada vez mais utilizada pelos educadores e entendida como fundamental para a sua interiorização. O ensino da música no ensino artístico especializado de dança tem como principal finalidade a sensibilização e a preparação musical de futuros artistas.

                                                                                                                13

in, Livro Verde para a Sociedade da Informação em Portugal.

14

Apesar das pedagogias musicais existentes (algumas delas bastante inovadoras) serem muito importantes na sensibilização e preparação dos alunos, elas não têm como objectivo principal o ensino artístico da dança. Assim, devem ser direcionadas aos anos iniciais do curso, no ensino artístico da dança (em particular as abordadas neste documento, como por exemplo as fundamentadas por Emile Jacques-Dalcroze   e   Edwin Gordon, por serem as que mais se fundamentam no uso do corpo), tendo sempre presente que a apreciação musical seja realizada e no sentido de estimular os canais corporais dos alunos, de modo a possibilitar uma fecunda interiorização musical. Já nos anos mais avançados, este trabalho da apreciação deverá ter uma preponderância ainda maior e deverá ser realizado de modo a desenvolver todos os elementos musicais apreendidos e a sua tradução ou expressão em termos corporais. Da investigação realizada verificou-se uma ausência ou pouca incidência de investigações actuais sobre o tema, sendo que o estudo e a intervenção enquanto professor motivaram o interesse em realizar uma investigação mais aprofundada sobre o tema.  

REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS BITTENCOURT, A. (n. d.). A influência da tecnologia na dança. Unicamp. Disponível em: http://www.iar.unicamp.br/lab/luz/ld/C%EAnica/Artigos/a_influencia_da_tecnologia_ na_danca.pdf Decreto-Lei nº 344/90, de 2 de Novembro de 1990. Estabelece as bases gerais da organização da educação artística pré-escolar, escolar e extra-escolar. Disponível em: http://diario.vlex.pt/vid/decreto-lei-novembro-33170518 DELORS, J. (1999). Os quatro pilares da educação. In, Educação: um tesouro por descobrir. Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. UNESCO. http://www.dee.ensino.eb.br/novo/wp-content/uploads/2011/03/Jacques-Delors-Os-QuatroPilares-da-Educação.pdf FERNANDES, D.; Ó, J. R.; FERREIRA, M. B.; MARTO, A.; PAZ, A.; TRAVASSOS, A. (2007). Estudo de avaliação do ensino artístico. Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação de Lisboa, Ministério da Educação. Fevereiro de 2007. Disponível em http://www.meloteca.com/pdf/pdf-estudo-de-avaliacao-do-ensino-artistico.pdf GORDON, E. (2005). Teoria de Aprendizagem Musical para Recém-Nascidos e Crianças em Idade Pré-Escolar. Lisboa: Fundação Calouste de Gulbenkian KRÜGER, S. E. (2006). Educação musical apoiada pelas novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Revista da Abem, nº 14. Disponível em http://www.abemeducacaomusical.org.br/Masters/revista14/revista14_artigo8.pdf

15

LEITÃO, M (2007). Gisèle Barret e a pedagogia da situação – Abertura à dimensão subjectiva e objectiva da realidade pedagógica. in, Revista Convergência. Disponível em: http://convergencias.esart.ipcb.pt/artigo/54 MAIO, V.; CAMPOS, F.; MOTEIRO, M. E. & HORTA, M.J. (2008). Com os outros aprendemos, descobrimos e... construímos - um projecto colaborativo na plataforma Moodle. In Educação, Formação & Tecnologias; vol.1(2); pp. 21-31, Novembro de 2008. Disponível em: http://eft.educom.pt/index.php/eft/article/view/53/30 MARTINS, A. (2002). Didáctica das Expressões. Lisboa: Universidade Aberta. MARTINS, A. (n. d.). Práticas Educativas e Representações Artístico-Culturais LusoNipónicas: o caso de Tanegashima no Japão. Lisboa: Universidade Aberta. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA (1997). A escola informada: aprender na sociedade da informação. In, Livro verde para a sociedade de informação. Lisboa: MCT. Disponível em: http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/mod/resource/view.php?id=881861 MOMMENSOHN, M. & PETRELLA, P. (2006). Reflexões sobre Laban, o mestre do movimento. São Paulo: Summus Editorial. PEREIRA, A. (2007). Aprendizagem e Tecnologias. Lisboa: Universidade Aberta Plano Nacional de Educação Artística, 1978. Disponível em: https://sites.google.com/site/aprotedteatro/arquivo-ii READ, H. (2007). Educação pela Arte. 2ª ed. Lisboa: Edições 70. RODRIGUES, M. (2007). O ensino-aprendizagem em Dança na construção das noções de espaço e de tempo. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação. Porto Alegre, BR-RS. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/12858 SANTOS, L. (2008). Dilemas e desafios da avaliação reguladora. In, Menezes, L., Santos, L., Gomes H. & Rodrigues, C. (Eds.), Avaliação em Matemática: Problemas e desafios (pp. 1135). Viseu: Secção de Educação Matemática da Sociedade Portuguesa de Ciências de Educação. Disponível em: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/msantos/2007.pdf SCHROEDER, J. (2000). A música na dança: reflexões de um músico. Tese de mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, SP. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000214665&opt=1 SOUSA, A. (2003). Educação pela Arte e Artes na Educação. 1º vol. – Música e Artes Plásticas. Lisboa: Instituto Piaget. SOUSA, M. (2008). Música, Educação artística e Interculturalidade: a alma da arte na descoberta do outro. Tese de doutoramento em Ciências da Educação. Lisboa: Universidade Aberta. Disponível em: http://repositorioaberto.univ-ab.pt/handle/10400.2/1526 INTERNET Canal de Amílcar Martins sobre Arte e Educação e Contadores de Histórias. Disponível em: http://www.youtube.com/user/amilcarmartins1

16

Robinson, K. (n. d.). Changing Paradigms. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Z78aaeJR8no&feature=player_embedded

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.