O ensino de paisagismo no Brasil e na Nova Zelândia Um estudo comparativo entre UFU e a Lincoln University

May 24, 2017 | Autor: Glauco Cocozza | Categoria: Landscape Architecture, Paisagismo, Ensino De Paisagismo
Share Embed


Descrição do Produto

O ensino de paisagismo no Brasil e na Nova Zelândia Um estudo comparativo entre UFU e a Lincoln University COCOZZA, Glauco de Paul (1); TAVARES, Silvia Garcia (2) (1) Professor Doutor, UFU – PPGAU, [email protected] (2) Doutoranda em Landscape Architecture, Lincoln University, Christchurch, NZ, [email protected]

RESUMO Este artigo tem como objetivo explorar e comparar o ensino de paisagismo no Brasil (vinculado a cursos de Arquitetura e Urbanismo) e na Nova Zelândia (onde arquitetura da paisagem é uma disciplina independente). O estudo comparativo foi feito baseado nos currículos de dois cursos: o Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e o curso de Landscape Architecture da Lincoln University, em Christchurch. Claras diferenças no perfil dos alunos formados pelas duas instituições puderam ser observadas através deste estudo comparativo. Na instituição brasileira, onde o foco principal está no projeto de espaços livres, os novos profissionais formam-se com uma preocupação predominantemente formal. Na instituição neozelandesa o foco principal dos profissionais de paisagismo é na preservação da biodiversidade local e no aspecto ecológico dos sistemas modificados através do desenho da paisagem. Pouco conhecimento sobre aspectos relativos à biodiversidade, ecossistemas e consequências ambientais relacionadas às decisões projetuais, somado a pouca interdisciplinaridade profissional da área de paisagismo no Brasil podem incrementar os problemas ambientais que o país enfrenta. Concluímos este artigo com uma reflexão sobre os aspectos fundamentais da paisagem que precisam ser incorporados no ensino de paisagismo na UFU e no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de paisagismo; processo projetual; Lincoln University.

1 INTRODUÇÃO De tempos em tempos ressurge no Brasil discussões sobre a profissão de arquitetos paisagistas. As discussões giram em torno da separação do curso de paisagismo das faculdades de arquitetura e urbanismo ou da tentativa de conceder a outras profissões, que não a de arquiteto e urbanista, a atribuição profissional de paisagista. Essas discussões são baseadas em argumentos relativos ao fato de que a prática profissional apresenta especificidades próprias, e que ser uma profissão independente reforçaria a carreira de arquitetos paisagistas no Brasil. Essa separação é um ponto controverso, mas instigante, afinal imaginar uma faculdade somente com disciplinas de projeto de paisagismo, botânica, ecologia, planejamento da paisagem, história do paisagismo, é fascinante e reforçaria a visibilidade e caráter da profissão. Mesmo com essa introdução ao tema, reforçamos que somos contra essa separação, porém conhecendo de perto a Escola de Arquitetura Paisagística (School of Landscape Architecture) da Lincoln University na Nova Zelândia, algumas questões relacionadas ao ensino de paisagismo suscitam reflexões sobre metodologias que poderiam ser aplicadas em disciplinas de paisagismo nas universidades brasileiras. O ensino de paisagismo é frequentemente uma questão a ser mais bem resolvida dentro dos cursos de arquitetura e urbanismo, e não é a toa que o ENEPEA vem se fortalecendo e cada vez mais reforçando o debate sobre questões referentes ao ensino. As deficiências são muitas:

1

pouca carga horária, pouca interdisciplinaridade, dificuldade em ministrar os conteúdos, interesse do aluno, entre outras. Isso se agrava em cursos de menor porte, onde por vezes sequer há disciplina e professores especializados na área. Em muitos países a arquitetura paisagística é desvinculada do curso de arquitetura, e isso nos faz pensar no que podemos aprender com esses cursos e como podemos aplicar esses conhecimentos práticos e teóricos nos cursos de arquitetura e urbanismo no Brasil. A recente experiência acadêmica dos autores na School of Landscape Architecture (SoLA) da Lincoln University, fez com que surgisse a possibilidade e vontade de trazer para o debate essas questões. Esse artigo compara um exemplo de curso independente (da Lincoln University), menos ligado ao pensamento arquitetônico, mas ainda largamente relacionado ao pensamento urbano, a uma estrutura de ensino de paisagismo em uma escola brasileira de médio porte (a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da UFU).

2 A PAISAGEM DA NOVA ZELÂNDIA E O ENSINO DE PAISAGISMO A Nova Zelândia é um país conhecido pela beleza da sua paisagem natural. A relação com a natureza local talvez seja a principal força cultural desse pequeno país. O turismo é uma das principais fontes de renda e gira em torno das paisagens naturais1. Diversos elementos ligados a essa paisagem natural são reverenciados pela sociedade, seja para expressar aspectos simbólicos, culturais e, sobretudo econômicos, já que a Nova Zelândia é um dos principais destinos de aventura, atraindo turistas de todo o mundo para explorar as suas belas paisagens naturais. A cultura Maori2 também tem um papel importante nessa relação entre homem e paisagem natural. O povo Maori tem uma relação muito próxima e de respeito com a natureza, e rios, montanhas, praias e planícies, utilizados como referência até mesmo quando eles se apresentam a um novo conhecido (BELL, 1996). Por outro lado os primeiros colonizadores ingleses mudaram-se para a Nova Zelândia com a promessa de fugir do sistema classista inglês do século XIX e suas consequências. O novo mundo oferecia mais espaço, uma vida mais saudável e casas mais espaçosas e com jardins (MITCHELL, 1972). Como consequência, a identidade do povo neozelandês (tanto Maori como Pakeha3) é muito conectada à paisagem natural (herança Maori) e à paisagem urbana verde e espaçosa que os colonizadores ingleses buscavam na Nova Zelândia (BENNETT, 2010). Figura 1. Paisagem da Ilha Sul da Nova Zelândia, cidade de Queenstown

Fonte: autores, 2013

1

Fontes: http://www.tianz.org.nz/main/the-power-of-tourism/ e http://www.tourismnewzealand.com/about-thetourism-industry/ 2 Povo indígena da Nova Zelândia. 3 O neozelandês europeu ou não-Maori.

2

As montanhas, os rios, as praias e cidades criam uma grande diversidade de paisagens em uma área relativamente pequena. As duas ilhas, norte e sul, são distintas, e a ilha norte tem praticamente o dobro de habitantes da ilha sul, a qual é pouco povoada. O país ainda tem como principal base econômica a pecuária e agricultura, criando uma conexão direta com o território e desenhando a paisagem de forma a criar uma interessante relação entre a estrutura natural e antrópica. A Lincoln University, localizada na ilha sul, é uma universidade conhecida como um centro de excelência nas ciências da terra, sendo o principal centro de ensino e pesquisa em disciplinas que trabalham com questões relacionadas ao manejo animal e da terra. Christchurch é o principal núcleo urbano da ilha sul, porém ainda muito conectada à área rural, com pequenas propriedades no seu entorno e cinturões verdes que tentam impedir que a cidade continue a se expandir horizontalmente (MEMOM, 2003). É nesse contexto que o curso de Landscape Architecture está inserido, criando uma forte conexão com o desenvolvimento urbano e territorial da região de Canterbury, onde Christchurch está inserida. O que conhecemos como um curso de arquitetura e urbanismo no Brasil não existe na Nova Zelândia. O ensino das disciplinas relacionadas à arquitetura e ao urbanismo se divide em diversos cursos separados: curso de arquitetura, curso de estudos arquitetônicos, curso de ciência do edifício, curso de arquitetura de interiores e curso de arquitetura da paisagem. Além desses, planejamento urbano, desenho urbano e estudos urbanos são também cursos independentes. Christchurch é uma cidade entre a montanha e o mar, situada em uma extensa planície, com dois rios cruzando o meio urbano: Rio Avon (que passa pelo centro da cidade) e o Rio Heathcote (na região sul da cidade). A cidade é conhecida como cidade jardim, com grandes áreas verdes e um grande cuidado com os jardins privados a ponto de haver concursos para eleger o melhor jardim residencial. No projeto original da cidade há forte referência aos planos de cidades jardins inglesas, com extensas áreas verdes no centro, e um cinturão residencial e produtivo ao redor desse núcleo urbano principal. Os lotes são grandes e há poucos edifícios, o que resulta em uma paisagem horizontal com grandes jardins privados, estruturando parte do sistema de espaços livres da cidade. Nesse contexto, ser arquiteto paisagista na Nova Zelândia adquire um significado diferente, com diferentes tipos de relação com a terra, imprimindo na paisagem local uma marca maior da arquitetura paisagística, muito em função das potencialidades da profissão. Ao comparar com o perfil de arquiteto que formamos em Uberlândia e no Brasil, percebemos que podemos implementar algumas práticas metodológicas para fazer com que o aluno tenha uma outra dimensão do que pode ser a profissão de arquiteto paisagista.

3 O ENSINO DE PAISAGISMO NA UFU A comparação entre um curso de arquitetura com disciplinas de paisagismo e um curso somente com disciplinas de paisagismo não é uma tarefa simples. Talvez a principal diferença entre o arquiteto paisagista que formamos na UFU, ou que queremos formar, e os arquitetos paisagistas formados pela Lincoln University é a escala de atuação. Aqui começamos da escala do jardim e por vezes conseguimos fazer com que o aluno chegue a uma escala de parque, por vezes urbana, mas dificilmente territorial. Isso é um problema da nossa instituição que não

3

consegue atribuir ao aluno essa tarefa, de observar a região. Não que não faltem tentativas, mas todas muito superficiais. Assim como na maioria dos cursos brasileiros de pequeno porte, todo o conteúdo de paisagismo da UFU se concentra em poucas disciplinas onde o aluno tem que aprender história, teoria e prática, e ainda por cima aprender as espécies de vegetação que usará no projeto. A questão aqui colocada se refere ao tipo de aprendizado que podemos oferecer aos alunos, já que temos conhecimento para isso, e como podemos ampliar as discussões sobre o caráter de intervenção que queremos na paisagem. Os ateliês existem para que essas questões sejam discutidas, porém o foco nunca acaba sendo o paisagismo, mas sim o projeto de arquitetura. As disciplinas de paisagismo da UFU estão divididas em duas matérias semestrais, Paisagismo I e II, com 60 horas cada, na qual o aluno tem contato com os diferentes conteúdos. Na primeira disciplina o aluno tem contato com história, teoria do paisagismo e metodologia de projeto. Na segunda disciplina algumas questões como ecologia da paisagem, espaços públicos e o conceito de sistema de espaços livres são suporte para os projetos desenvolvidos. A variação da escala é a principal diferença entre os exercícios práticos, na qual parte de uma escala de um pequeno jardim e da residência no primeiro semestre, para uma escala urbana no segundo, com projetos de praças, parques e sistema de espaços livres. Figura 2. Exercício gramatical introdutório da disciplina de Paisagismo I

Fonte: FAUeD, 2013

Uma característica metodológica das disciplinas é a utilização de exercícios gramaticais como procedimento pedagógico, que servem para tentar explorar o potencial teórico e prático do paisagismo de uma forma mais dinâmica. Alguns exercícios são explorados como forma de criar uma dinâmica projetual diferenciada, seja para compreender as questões relativas ao espaço, a vegetação, ao conceito e a representação gráfica.

4 O ENSINO DE PAISAGISMO NA SCHOOL OF LANDSCAPE ARCHITECTURE DA LINCOLN UNIVERSITY – SOLA Como contraponto, o curso de paisagismo da Lincoln University apresenta uma grande diversidade de disciplinas distribuídas nos quatro anos do curso. O principal objetivo é conciliar teoria e prática. Os alunos formados pela Lincoln University têm foco em projetos sustentáveis, paisagem urbana, planejamento de estrutura e infraestrutura, e paisagem Maori (estudos relacionados à cultura indígena). A Lincoln é reconhecida internacionalmente pela maneira como integra teoria e prática e como enfoca aspectos relacionados à ecologia, paisagem ‘viva’ (living landscapes), biodiversidade e análise ambiental, no projeto, planejamento e análise da paisagem. 4

O primeiro ano é a base, com disciplinas gerais, enquanto o segundo ano do curso é o primeiro ano profissionalizante. Uma grande diferença em relação ao Brasil é a existência de “majors” e “minors”. Os alunos fazem um “major” em landscape com um “minor” em planejamento, ou em sustentabilidade, ou turismo ou qualquer outro curso que a universidade ofereça e que seja relacionado à paisagem. O “minor” significa que eles fizeram algumas disciplinas desse outro curso e que eles vão se formar um paisagista mais focado em alguma dessas áreas. Os alunos têm pelo menos duas disciplinas práticas (ou estúdios) por ano (uma por semestre) com exceção do segundo ano em que eles têm três disciplinas práticas. A disciplina prática “LASC 108 – Introduction to Design”, é o primeiro contato com o projeto. No principal exercício dessa disciplina o aluno deve estudar um filósofo, e através dos seus pensamentos “espacializar” dentro de uma área definida pelo professor o processo de criação baseado no seu entendimento filosófico. É uma perfeita união entre a teoria e prática, aplicada livremente em um exercício que estimula o aluno de forma bem consiste. Na disciplina Paisagismo I da UFU há um exercício semelhante, utilizando um artista e sua pintura para o desenvolvimento de um projeto, com resultados bem interessantes, estimulando o aluno a refletir sobre o projeto de outro modo. Figura 3: Exemplo de atividade projetual desenvolvida por alunos da SoLA, Lincoln University

Fonte: http://thesolablog.wordpress.com/2013/03/21/welcome-to-the-school-of-landscape-architectures-blog/, acessado em abril de 2014 , foto: David Hallander

As outras disciplinas práticas do curso são “LASC 215 – Landscape Analysis, Planning and Design”, que enfoca técnicas de análise de paisagens e projeto, e do contexto legal e político do projeto; “LASC 216 - Site Design”, que estuda planejamento e projeto da paisagem; “LASC 217 Design Details”, que se concentra nas características dos materiais e estruturas da paisagem, implicações de projeto de engenharia, e a melhor prática de gestão de águas pluviais, e é onde eles aprendem e aplicam movimentação de terra, drenagem de terreno, muros de contenção; “LASC 316 – Innovative Design”, que é uma exploração do design como um processo criativo e inovador em uma variedade de configurações, incluindo opções como o design urbano, landart e da paisagem cultural Maori; “LASC 322 – Sustainable Design and Planning”, investigação e aplicação do projeto de conceitos de sustentabilidade da paisagem em uma variedade de escalas; “LASC 406 – Complex Design”, com a aplicação dos pensamentos contemporâneos da teoria de desenho de paisagem e a prática para o planejamento local complexo; e por fim a

5

disciplina a “LASC 409 – Major Design”, que é um exercício complexo de que ilustra todos os aspectos do planejamento e design da paisagem. Nos estúdios os alunos aprendem a projetar desde estruturas de espaços abertos (pérgolas, decks e pontilhões) até o manejo de áreas degradadas. A dinâmica dos estúdios de projeto é bem semelhante aos nossos, com a diferença de que eles desenvolvem projetos que nós faríamos em urbanismo também. Como parte da metodologia dos exercícios nos estúdios, há uma maior preocupação com o processo e com a forma de desenvolvimento do trabalho. Exercícios mas curtos e mais rápidos são feitos ao longo das disciplinas, proporcionado outra dinâmica de ensino. Esses trabalhos são apresentados muito mais como estudo, através de desenhos e croquis que ilustram a ideia, o conceito e a materialidade do projeto. Todos os desenhos preliminares são feitos a mão ou com técnicas mistas (com o auxílio do computador), com apresentações intermediárias para que sejam confrontados e analisados pelos professores. Como há uma disciplina exclusiva para a questão do detalhamento de projeto, o nível das apresentações raramente chega a um anteprojeto, ficando mais como um estudo preliminar. A parte de identificação de vegetação é feita na disciplina “LASC 211 – Planting design and management” disciplina teórica baseada na análise, identificação e documentação de espécies vegetais. As demais disciplinas teóricas, “LASC 310 – Design theory” e “LASC 401 – Advanced Design Theory” alimentam as práticas através da leitura, compreensão e crítica de trabalhos acadêmicos (incluindo artigos científicos e capítulos de livro). Os alunos têm aulas com os examinadores e discutem os textos em aula com um tutor que os ajuda a analisar e desenvolver um argumento a respeito do conteúdo. Os textos cobrem tópicos como tempo, espaço, experiência, memória (em arquitetura, urbanismo e paisagismo/paisagem), sistemas, dinâmica, morfologia e infraestrutura da paisagem. Figura 4: Capa do workbook da Field Trip da disciplina (LASC 215, 2013)

Fonte: Field Tour Workbook, foto de Erica Gilchrist, 2013.

6

Outra modalidade de ensino são as viagens e visitas de campo que são incorporadas às disciplinas, denominadas Field Trip ou Field Tour. Estas podem ser de um dia apenas, dois dias com um pernoite ou de estadia mais longa. Os locais também variam muito e podem incluir até viagens internacionais (visitas recentes foram feitas a Cingapura4). O objetivo geral dessas visitas e viagens é o desenvolvimento do olhar, da reflexão, e da intervenção na paisagem através da imersão em um determinado contexto. Em alguns casos os alunos recebem um “workbook” (Figura 4), uma espécie de caderno com todas as informações sobre o local da viagem. O caderno contém desde mapas, roteiro a ser percorrido, como espaço para desenhos e anotações, tendo o aluno que preenchê-lo e este servir objeto de avaliação (Figura 5). Figura 5: Exemplo de conteúdo interno do workbook com o trajeto a ser percorrido na visita (LASC 215, 2013)

Fonte: Field Tour Workbook, foto de Erica Gilchrist, 2013

Nas universidades brasileiras temos uma forma de abordagem diferente, que se relaciona muito com o espaço construído e com a escala residencial e urbana. Isso faz com que no Brasil, 4

Fonte: http://thesolablog.wordpress.com/2014/04/17/green-asia-learning-by-doing/).

7

o paisagista tem uma visão de projetista, de design, do arquiteto, que é uma dimensão da arquitetura paisagística, e na Nova Zelândia eles veem o lado mais ecológico, mais da infraestrutura, dos espaços vividos, e isso reflete na prática profissional.

5 APLICAÇÕES NAS DISCIPLINAS DE PAISAGISMO NO BRASIL Essa explanação sobre como são os cursos e as disciplinas de paisagismo das duas universidades em questão tem a intenção de demonstrar as possibilidades metodológicas que podem ser aplicadas nos curso da UFU ou em outras universidades brasileiras. Nos últimos anos, o crescimento do número dos cursos de arquitetura e urbanismo no país, e consequentemente de professores de paisagismo, fez crescer em importância e visibilidade, a forma como o paisagismo é ensinado nas nossas escolas. Após essa análise, verificamos alguns pontos fortes da Escola de paisagismo da Lincoln e deficitários na UFU que podem ser aplicados de diferentes modos nas disciplinas que podem abordar o tema paisagismo no Brasil. A abordagem comparativa trata dos seguintes enfoques: 

Ensino de teoria e história do paisagismo



Exercícios práticos



Relação com a cultura local



Abordagem ecológica e territorial



Trabalho de campo

Quanto ao tópico teoria e história, vale enfatizar os esforços para inserir dentro de uma cadeira projetual os referenciais teóricos que poderão embasar os projetos de paisagismo. Nem sempre nos sobra tempo para focar em aspectos teóricos e históricos, e temos que optar por outros focos tidos como mais importantes ou de necessidade mais imediata. Uma alternativa é alinhar a teoria e história com os exercícios gramaticais, fazendo com que ambos sejam complementos e norteadores da prática projetual, e assim explorar no exercício o pensamento conceitual. Nesse caso o exercício gramatical sobre os filósofos dado na disciplina LASC 108 pode auxiliar nessa questão. Exercícios práticos são cruciais nessa discussão. Diferentes temas são pensados para dar aos alunos um problema projetual mais complexo. No entanto muitas vezes o pouco tempo para aplicar exercícios mais complexos, faz com que os tradicionais (residência, praça e parque), sejam dados como proposta para trabalhos focados em projeto paisagista. Uma solução para o problema utilizada na Lincoln University são os exercícios rápidos, até porque o sistema semestral neozelandês é mais curto que o brasileiro. Com esses exercícios o aluno pode ficar imerso no trabalho e rapidamente desenvolver uma resposta ao problema proposto. Por ser um exercício rápido, o aluno consegue apresentar somente um estudo preliminar com as ideias principais do projeto, sem o auxílio do computador, muito a base de croquis. Diferentes temas são apresentados com o objetivo de gerar discussão sobre a paisagem em diferentes escalas. A relação com os preceitos da cultura Maori é uma das principais formas de compreender o contexto cultural local e a forma de integração e conexão com a paisagem. Os Maori sempre tiveram uma forte ligação com os elementos naturais das duas ilhas, cultuando-os e respeitando a dinâmica da paisagem local. Esses conhecimentos são utilizados nos ateliês, através de estudos das características culturais que definem o desenho da paisagem. As questões culturais não se restringem à cultura Maori, mas também a dos novos habitantes

8

(europeus) que introduziram padrões culturais de ocupação do território, essencial para a manutenção do estilo de vida do povo britânico na Nova Zelândia. Outro foco do ensino na Lincoln University é a função ecológica da paisagem. A abordagem dos sistemas sócio-ecológicos é uma das principais características tanto das disciplinas teóricas quanto práticas. Um dos tópicos trabalhados nos exercícios práticos é sobre a resiliência da paisagem. Essa discussão contemporânea é essencial na formação de arquitetos paisagistas. Porém, como dito anteriormente, a pouca carga horária destinada ao paisagismo faz com que questões importantes como esta não sejam aprofundadas dentro do ensino de paisagismo na graduação brasileira. A escala de abordagem é outro fator que contribui para esse entendimento da paisagem. Trabalhos na área urbana fazem parte das disciplinas de paisagismo tanto da Lincoln University como da UFU, porém a escala territorial é um dos principais focos de intervenção dos arquitetos paisagistas neozelandeses. Inserir essa escala nos trabalhados acadêmicos no Brasil pode gerar um novo e importante olhar para as nossas paisagens, e no caso da UFU, para o cerrado mineiro. Para que isso possa ocorrer é preciso um contato maior dos alunos com seu objeto empírico. Esse contato pode ser propiciado através de trabalho de campo no qual o aluno fica imerso em um determinado contexto, como fazem muitas vezes os estudantes de geografia. Muitas viagens são realizadas pelos cursos de arquitetura e urbanismo com um foco maior nos edifícios e na urbanização brasileira. Viagens para estudar a paisagem pode ser uma ferramenta metodológica que auxilia o aluno a conhecer de perto determinadas características da paisagem. A ideia de um “workbook” preparado com antecedência, e que contenha informações sobre o local de visita, o trajeto, mapas, dados da fauna e flora local, características físicas do suporte geográfico, e espaço para anotações, desenhos e intervenção espacial, facilita a observação in loco e padroniza a forma de avaliação e apresentação do exercício.

6 CONCLUSÃO As questões e metodologias apresentadas nesse artigo apontam algumas possibilidades de incrementar a experiência dos alunos de paisagismo. Algumas atividades metodológicas pontuais podem ser experimentadas. Essas experiências podem ocorrer tanto da Nova Zelândia para o Brasil, como do Brasil para a Nova Zelândia (e outros países), pois afinal o nosso conhecimento é algo que pode contribuir com as experiências acadêmicas, onde pouco se conhece da paisagem e das cidades brasileiras. O ponto chave dessa discussão é a busca por novas formas de ensino, e a clara intenção de fazer com que o estudante de arquitetura e urbanismo, que nem sempre é fascinado pelo tema da paisagem, se encontre imerso em uma atmosfera de conhecimento que intensifique a sua formação profissional. Em paralelo é necessário reforçar a prática profissional do paisagista para a intervenção em diferentes escalas da paisagem, seja através de ações públicas, privadas, e empresariais, capazes de dar uma nova visibilidade a profissão. Sem dúvida muitas questões apresentadas aqui ainda estão abertas para novas discussões, dadas as diferenças entre os dois cursos, e principalmente entre os dois países. Porém com a crescente dedicação de inúmeros profissionais nas cadeiras de paisagismo das universidades brasileiras, é necessário ampliar o diálogo e compreender qual arquiteto paisagista estamos formando nas nossas escolas. As diferentes propostas pedagógicas devem ser condicionadas à

9

realidade local respeitando a diversidade da paisagem regional brasileira. A tomada de decisão referente às metodologias aplicadas nos cursos de paisagismo no Brasil deve também respeitar a diversidade de instituições, considerando os contextos sociais, políticos e econômicos onde essas instituições se inserem.

7 REFERÊNCIAS BELL, Claudia. Inventing New Zealand: Everyday myths of pakeha identity. Auckland, New Zealand: Penguin, 1996. BENNETT, Jessica. New Zealand Apartment Living: Developing a Liveability Evaluation Index. (Masters in Building Science), Victoria University of Wellington, Wellington, New Zealand, 2010 LINCOLN UNIVERSITY. Landscape Architecture School Booklet, 2013 LINCOLN UNIVERSITY. Landscape Architecture School Field Trip workbook, 2013 MEMON, P. A. Urban Growth Management in Christchurch. New Zealand Geographer, 59(1), 27-39. doi: 10.1111/j.1745-7939.2003.tb02112.x, 2003. MITCHELL, Austin. Pavlova Paradise Revisited. Auckland, New Zealand: Penguin Books, 2002 MITCHELL, Austin. The Half-Gallon Quarter-Acre Pavlova Paradise. Christchurch, New Zealand: Whitcombe & Tombs, Propriety, Limited, 1972. RICE, Geoffrey. W., SHARFE, Jean Ellen. Christchurch History Project. Christchurch Changing: An Illustrated History. Christchurch, New Zealand: Canterbury University Press, 1999. SHILLINGTON, Erin. Japanese Garden Houses: Strategies for creating an interface with nature in New Zealand's urban dwellings. (Masters), Victoria University of Wellington, Wellington, New Zealand, 2013.

10

View publication stats

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.