O Ensino de PLE no Brasil – História, Formação e Conceitos

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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Faculdade de Letras, Artes, Comunicação e Ciências da Educação Letras - Licenciatura

O Ensino de PLE no Brasil – História, Formação e Conceitos

UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Faculdade de Letras, Artes, Comunicação e Ciências da Educação Letras - Licenciatura

Núbia Carolina de Oliveira Pinto

O Ensino de PLE no Brasil – História, Formação e Conceitos

Resumo Aprender uma segunda língua é um processo necessário para a vida em sociedade, mas que atualmente não tem ganhado seu devido destaque. Em se tratando do ensino de português como língua estrangeira (doravante PLE) isso se agrava visto que a produção científica e didática dessa área ainda está em desenvolvimento. Portanto, este trabalho tem como objetivo enriquecer a literatura de PLE levantando questões acerca do seu ensino, apontando sua trajetória histórica e seu desenvolvimento até os dias de hoje. Também serão discutidos aspectos da formação do professor de PLE, e das metodologias comunicativas, interculturalistas e reflexivas utilizadas pelos docentes, bem como analisar a estrutura e as abordagens do Celpe-Bras, o exame de proficiência em língua portuguesa. Pretende-se também explanar com este artigo quais são as tendências para o ensino de PLE, os projetos que existem e o que ainda falta para alavancar esta área de pesquisa, para que os alunos de Letras desta Universidade possam conhecer uma nova carreira de pesquisa e profissional. Palavras-chave: Português língua estrangeira, PLE, ensino de línguas. Abstract Learning a second language is a necessary process to the life in society, but currently has no well-deserve attention. In case of teach Portuguese as a foreign language (henceforth PFL) this worsens as the scientific and didactic production from this area is still developing. . Therefore, this paper aims to enrich the literature of PFL raising questions about teach, pointing out its historical trajectory and its development up to the present day. We also discuss aspects of teacher education, and communicative, reflective and interculturalists methodologies used by the teachers as well as analyze the structure and approaches of CelpeBras, the Portuguese Proficiency Exam. We also intend to explain with this paper what are the trends for teaching PFL, as well show the academic projects and what remains to improve this research area for the Sao Judas University students may meet a new career research and professional. Keywords: Portuguese as a foreign language, PFL, teaching languages.

O presente artigo tem por objetivo apresentar questões relacionadas ao ensino de português como Língua Estrangeira (doravante PLE), apontando aspectos históricos que envolvem o desenvolvimento de PLE, formação de professores e o ensino de língua estrangeira sob as abordagens interculturalista e comunicativa e como essas abordagens influenciam na construção e aplicação do Celpe-Bras, o exame de proficiência da língua portuguesa. Também se pretende mostrar as instituições que já estão em contato com essa área, os projetos existentes e o que ainda há para se melhorar nessa área em desenvolvimento.

1. Um panorama histórico

O ensino de Português para Estrangeiros ainda é um segmento que está se desenvolvendo, apesar de fazer parte da realidade do Brasil desde o dia da chegada dos portugueses ao país, quando os degredados foram deixados aqui para que aprendessem a língua indígena e transmitissem a cultura europeia. Embora fosse de modo inconsciente, o ensino de PLE já começava ai. Durante os anos que se seguiram, o ensino de PLE não era notado, muito menos reconhecido como carreira profissional ou acadêmica, o primeiro registro que temos é a partir da década de 1940. Foi por volta dos anos 40 que o professor Idel Becker, estudioso do ensino de espanhol no país, escreveu a obra que serviria de base a todas as outras: O ensino de língua estrangeira no Brasil. Seu manual tornou-se a única referência didática desse idioma em nosso país. Em função do ensino de línguas passar a vigorar como obrigatório no ensino regular no país, estudos sobre língua estrangeira (doravante LE) surgiram em diversas partes do Brasil. Entretanto, uma obra voltada apenas para o PLE surgiria apenas alguns anos depois. No ano de 1956, foi publicado em Porto Alegre o livro O ensino de Português para Estrangeiros, assinado por Mercedes Marchandt, cuja escrita versa sobre sua experiência no ensino de PLE na Universidade Católica do Uruguai. Esta obra é utilizada como referência até hoje por estudiosos de PLE. Houve ainda outra obra de expressão que influenciou a pesquisa de PLE: Português do Brasil para Estrangeiros.1 ,publicada em São Paulo no ano de 1978 sob a coordenação de Francisco Gomes de Matos. O material foi elaborado visando alunos iniciantes na Língua Portuguesa (em sua variante brasileira), ou seja, alunos que não possuíam nenhum contato com o Português do Brasil. 1

Fonte: http://helb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=208:primeira-serie-didaticamoderna-de-ple&catid=1021:1978&Itemid=2 Último acesso em: 13/09/14.

A partir daí livros, dissertações e teses surgiram a fim de agregar mais informações à área, contudo ainda insuficientes para se tornar um grande campo de interesse para a pesquisa, investimento e promoção da língua portuguesa. A Sociedade Internacional Português/Língua Estrangeira (SIPLE), criada em 1992, na reunião de professores de Língua Estrangeira e de Português em um Congresso de Linguística Aplicada na Unicamp, também vem auxiliando e influenciando até hoje com seus congressos anuais sobre PLE. Um episódio que também ganhou destaque no cenário de PLE ocorreu em 2008 quando o Congresso Nacional da Argentina aprovou uma lei que obrigava o ensino de língua portuguesa como língua estrangeira nas escolas fronteiriças com o Brasil. Para Escarpinete (2012) o grande momento do ensino de PLE foi a criação do Celpe-Bras em 1993, o exame de proficiência da língua portuguesa, aplicado até hoje em mais de 20 países, além do próprio Brasil.

2. A relevância do Celpe-Bras para o ensino de PLE O Celpe-Bras é um exame que possibilita a Certificação de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros. Desenvolvido e outorgado pelo Ministério da Educação (MEC) é aplicado no Brasil e em outros países com o apoio do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e é o único certificado de proficiência em português como língua estrangeira reconhecido oficialmente pelo governo do Brasil.2 O exame avalia quatro pontos fundamentais da língua sendo eles: a compreensão oral e escrita, a produção oral e escrita. Dividido em duas etapas, sendo que a primeira é escrita com aproximadamente 3 horas de duração envolvendo duas tarefas de compreensão oral e escrita e outras duas tarefas unindo as práticas de leitura e produção textual e a segunda etapa que constitui em tarefas orais com duração de aproximadamente 20 minutos relacionando atividades de interesse do aluno previamente mencionadas na ficha de inscrição e conversas sobre tópicos do cotidiano com base nos elementos provocadores. Podemos entender como elementos provocadores as interações utilizadas para unir o contexto abordado no Celpe-Bras com o cotidiano do aluno, fazendo com que ele reproduza oralmente suas opiniões. Eles são utilizados com a finalidade de avaliar não só a estrutura da língua que o aluno está adquirindo, mas saber se ele utiliza o léxico da forma mais semelhante possível ao de um nativo. 2

Informação retirada de: http://celpebras.inep.gov.br/inscricao/ Último acesso em: 18/08/14.

Para avaliar o aluno leva-se em conta o domínio linguístico, seja no nível lexical, gramatical ou nas interferências de outras línguas. Segundo Orra (2013) a partir dessa avaliação é possível conferir um grau de proficiência ao aluno que podem ficar classificados como: Nível Intermediário: quando o candidato apresenta um domínio operacional parcial da língua portuguesa. Ele é capaz de compreender e produzir textos orais e escritos, entretanto, dentro de assuntos limitados. Nível Avançado: Onde o candidato é capaz de entender e reproduzir, tanto escrito quanto oralmente, sobre diversos assuntos da língua portuguesa. Ele utiliza estruturas complexas e é capaz de interagir com fluência nos mais variados contextos. Entretanto, ele ainda possui uma frequência alta de inadequações no uso de determinadas estruturas e contextos, que estão ligados a cultural do país. Nível Avançado Superior: Este candidato possui as mesmas características que o nível avançado, entretanto ele já domina questões culturais e não comete inadequações de contexto linguístico com tanta frequência. Para Schalatter (apud Schoffen, 2009) o Celpe-Bras é um exame desenvolvido sobre as bases comunicativas, ou seja, é focado no desenvolvimento de expressões que envolvam não só a manipulação de formas e regras linguísticas, mas também o conhecimento de regras de comunicação, de forma que sejam socialmente adequadas. A abordagem comunicativa visa também incentivar o aluno a refletir sobre os usos da língua-meta3, e seus contextos adequados, a fim de inserir o candidato na cultura do país. Para avaliar o aluno sob uma abordagem comunicativa a parte oral do exame se baseia em reportagens ou capa de revistas que sejam atuais e as usam como elementos provocadores [Anexo 1]. A imagem utilizada unida do enunciado “Guerra às sacolinhas” sugere ao aluno um contexto que será discutido durante a avaliação. Conforme podemos observar no [Anexo 2] a parte oral possui três etapas, na primeira o examinador pede que o aluno observe a imagem e o texto de forma silenciosa, na segunda etapa, o examinador questiona o estudante quanto à imagem que aparece e qual a sua relevância com o assunto tratado, na terceira e última etapa o examinador faz uma série de perguntas previamente elaboradas relacionando a imagem, o texto e a vida pessoal do aluno. Essas questões envolvem tanto abordagens pessoais como “Você se preocupa com o meio ambiente?” como questões generalizadas, “No seu país há problemas com o meio-ambiente?”. É a partir dessas

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Língua que se estuda; língua-alvo; língua para qual se traduz.

atividades que o desenvolvimento comunicativo do aluno é avaliado, sendo que desde o início o Celpe-Bras se preocupou com o contexto de uso da linguagem e que tipo de adequação o aluno faz para adaptar a fala ao contexto social, todas essas habilidades devem ser demonstradas pelos candidatos para obter o grau de proficiência em língua portuguesa. Um diferencial do Celpe-Bras é a forma como o exame é aplicado, os alunos são avaliados por meio de Tarefas. As Tarefas substituem os tradicionais itens ou perguntas e abrangem mais de um componente e compõem a Parte Escrita do Exame. Fundamentalmente, a Tarefa é um convite para interagir com o mundo, usando a linguagem com um propósito social, em outras palavras, uma Tarefa envolve basicamente uma ação, com um propósito, direcionada a um ou mais interlocutores.4

Podemos ter como exemplo a Tarefa “Cartas do Leitor”, e que o aluno deve ler (ação) uma coluna de uma revista e posteriormente redigir (interlocutor) essa “Carta do Leitor” expressando suas opiniões (propósito) acerca do assunto abordado na coluna. A interação face-a-face que constitui a segunda parte do exame tem como objetivo avaliar a produção oral do candidato. Com duração de 20 minutos são abordados temas definidos previamente no questionário de inscrição. Essa parte é avaliada por um entrevistador e um observador que analisa o candidato sob os seguintes aspectos comunicativos: Compreensão: 

Compreensão do fluxo natural da conversação.

Produção: 

Recursos interacionais e estratégicos: contribuição para o desenvolvimento da conversa, flexibilidade na mudança de tópico, uso de estratégias comunicativas, adequação ao interlocutor.



Fluência: manutenção do fluxo da conversa.



Pronúncia: adequação na pronúncia, ritmo e entonação.



Gramática: variedade e adequação no uso de estruturas linguísticas.



Léxico: extensão e adequação no uso de vocabulário.

2.1 A abordagem comunicativa e o interculturalismo

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Manual do Candidato: http://download.inep.gov.br/outras_acoes/celpe_bras/manual/2012/manual_examinando_celpebras.pdf Último acesso em: 25/09/14.

Durante os cursos preparatórios para o Celpe-Bras e até mesmo nos cursos de PLE comuns, a ênfase no uso efetivo da língua é muito grande, já que hoje o objetivo principal dos professores de PLE é incentivar o aluno a refletir sobre os usos da língua-meta. Assim, Filho (2011) afirma que o aprendizado de uma segunda língua consiste não somente em aprender o seu léxico, mas também a cultura do país de origem. O ensino sobre a base gramaticalista, ou seja, aquele que é voltado apenas para a internalização das formas da língua, vem perdendo força e dando lugar a abordagem comunicativa de ensino. Para Filho (2010) ser comunicativo é preocupar com o aluno enquanto sujeito e agente no processo de formação, significa também fazer com que o aluno reconheça nas práticas educativas aquilo que faz sentido para sua vida e que fará diferença no seu futuro. Apesar de ganhar força apenas recentemente, já podemos notar resquícios da abordagem comunicativa nos escritos de Comenius (1545-1670): “no ensino de Latim, língua franca da Europa renascentista, Comenius insistia na intuição e na trilogia: pense, fale e aja. Gravuras e objetos exemplificavam e não eram oferecidas regras abstratas de gramática” (Filho, 2010, p. 48). Com isso Filho (2010, p.51) define que o ensino comunicativo é: “Aquele que organiza as experiências de aprender em termos de atividades/tarefas de real interesse e/ou necessidade do aluno para que ele se capacite a usar a língua-alvo para realizar ações de verdade na interação com outros falantes-usuários dessa língua”.

Para Widdowson (apud Schoffen, 2009, p.20) ser proficiente significa mais do que compreender, ler ou falar as orações naquela língua, significa saber utilizar essas orações de modo a conseguir efeito comunicativo desejado, ou seja, não basta ao aluno conhecer o sistema abstrato da língua, mas também adequá-la corretamente a determinadas situações. Seguindo o mesmo princípio Brown (apud Schoffen, 2009, p.21) afirma que os testes comunicativos devem medir as habilidades linguísticas “incluindo conhecimento de coesão, funções da linguagem e conhecimentos sociolinguísticos”. A aula de língua estrangeira possui peculiaridades que a torna mais complexa que qualquer outro tipo de ensino, e utilizar das abordagens comunicativas dentro da classe auxiliam no processo cognitivo5 do aluno. Filho (2010, p.51) elenca quatro etapas que podem ser adotadas para a fruição ideal do encontro-aula, são elas:

a. O estabelecimento de clima e confiança; 5

Cognição é o ato ou processo da aquisição do conhecimento que se dá através da percepção, da atenção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem.

b. Apresentação de amostras significativas de linguagem; c. Ensaio para fluência coerente e uso real; d. Fechamento do encontro, compensações estratégicas de aquisição.

Segundo Santos (2012) o interculturalismo tornou-se alvo de pesquisas a partir do processo de descolonização ocorrido na África, América Latina e Ásia no século XX, seu movimento migratório transformou cidades inteiras consequentemente gerando situações de intolerância. Sua consolidação ocorreu devido a globalização que proporcionou maior interação entre as nações. A questão do interculturalismo também é muito presente no exame de proficiência, e nos cursos de português para estrangeiros. Para Silveira (1998), ensinar ou aprender outra língua não é aculturar o aluno, mas levá-lo a assimilar a cultura da língua alvo e ao mesmo tempo levá-lo a ter consciência de sua própria identidade cultural. No que se refere a interculturalidade no ensino de PLE, torna-se fundamental utilizar do diálogo em sala abordando temas cotidianos, pois só assim é possível aproximar o aluno as variantes da língua de modo a não tomar a diferença como deficiência. No próprio material do Celpe-Bras [Anexo 1 e 2] podemos encontrar o tema “abolição das sacolinhas” que é muito discutido no país nos dias de hoje, o que facilita a imersão do aluno na cultura do Brasil, neste caso em específico. A aula também se torna um ambiente intercultural onde o professor atua não só como transmissor de conhecimento, mas também de cultura, permitindo que o aluno adquira um conhecimento prático, onde conhecimentos relacionados à arte, música, história e geografia fazem parte da aula. Bennett (apud Batista, 2013 p.27) afirma que “Hoje, vivemos em sociedades multiculturais dentro de uma aldeia global, todos nós enfrentamos essa questão todos os dias. Agora, percebemos que as questões de compreensão intercultural são incorporadas em outras questões complexas. Assim temos: Que tipo de comunicação é necessário para uma sociedade pluralista ser tanto culturalmente diversificada e unificada em objetivos comuns? Como a comunicação pode funcionar como fator de ajustamento para um ambiente agradável, não só de tolerância, mas para abrigar a diversidade?”

A interculturalidade no ensino de PLE é a compreensão de que a cultura põe em evidencia aquilo que somos e a maneira como usamos a língua. O ensino de línguas associado às práticas e usos do dia-a-dia permitem uma assimilação maior da língua estudada. Sathler (2005) afirma que os homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas, ou seja, em um mundo globalizado é necessário

compreender a cultura do outro e enxergar os diferentes prismas da língua para aprendê-la de forma eficaz. É por isso que podemos entender o fato de que indivíduos de culturas diferentes podem ser facilmente identificados por uma série de características inclusive características linguísticas. O conceito de CCI (competência comunicativa intercultural) também tem sido utilizado para o ensino de LE. Segundo Oliveira (apud Santos 2012, p.10) o CCI consiste em: “O aprendiz deverá ter a oportunidade de passar por cada um dos estágios de aprender, propostos por Delors (1996)5, de modo a desenvolver a competência comunicativa intercultural , que o levará à aquisição de conhecimento e habilidade de usar a língua. Acima de tudo, ele poderá desenvolver a conscientização sobre a importância de viver em um mundo pluricultural, adotando, assim, uma atitude mais positiva em relação à sua cultura e à cultura do outro”.

Ou seja, é através do conhecimento adquirido pela abordagem interculturalista que o aluno assimilará conhecimentos e habilidades necessários ao seu uso no dia-a-dia, respeitando a multiculturalidade do país de sua língua-alvo. Em suma, ensinar ao aluno de PLE as principais expressões utilizadas e os aspectos socioculturais que estão presentes na língua-alvo pode contribuir para um melhor entendimento do comportamento linguístico e social da língua portuguesa no Brasil e consequentemente um aprendizado de maior qualidade.

3. A Formação do professor de PLE O desinteresse pelos estudos na área de PLE é muito presente, e isto não se refere somente ao cunho governamental, mas também acadêmico visto que há uma negligência por parte da maioria das universidades brasileiras em relação ao ensino e formação de professores de PLE. São pouquíssimas as universidades que oferecem algum tipo de formação, ou até mesmo uma simples disciplina incluída na grade do curso de Letras e afins. O pesquisador Almeida Filho (2007, apud Escarpinete 2012) relata sua experiência ao formar professores de língua no exterior e o que se refere também ao ensino de PLE: Quando retornei da viagem de estudos que culminou com o meu doutorado no exterior em 1985, não havia senão vestígios esparsos e quase invisíveis da instalação do PLE nas instituições. Tendo ensinado PLE durante alguns anos fora do Brasil, percebi na volta o tamanho do potencial que se abria a profissionais dessa quase área à época.

Segundo Filho (2011), os movimentos de difusão de PLE que consequentemente culminam na formação de professores são pequenos e esparsos, por exemplo, o grupo de

professores de PLE da Universidade de Georgetown, nos EUA, auxiliam mães brasileiras que vivem na região e as ajudam a promover o português como língua de herança (PLH). De um ponto de vista político e econômico o Brasil tem ganhado destaque internacional tendo em vista acordos internacionais com o MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) e com o BRICS6. Isso de certa forma impulsiona o mercado de PLE, já que há uma grande demanda de executivos que vem ao país tratar de negócios e, portanto, procuram aprender a língua com a qual irão trabalhar. Por essa demanda em crescimento de alunos a procura de cursos de português e a falta de cursos para formação de professores de PLE é que a entrada na carreira de professor de PLE é quase sempre por indicação ou recomendação a professores de português como língua materna. Infelizmente, essa atitude leva a um curso incompleto e fraco o que acaba exigindo mais do professor que desconhece a área ou que erroneamente acredita que ensinar português para nativos seja o mesmo para os estrangeiros. O docente deve possuir tanto o conhecimento da língua como idioma próprio quanto um domínio a questões inerentes à sua língua, além de entender a complexidade do ensino de uma língua estrangeira. Coitinho (2007, p.10) entrevistou professores já atuantes na área de PLE e expôs em sua pesquisa alguns relatos:

Fala da professora entrevistada 1 Quando se trabalha com regras, os orientais se saem muito bem. No entanto, quando o trabalho exige uma opinião crítica sobre determinado assunto, eles consideram difícil e reagem dizendo: não sei, não gosto, não entendo. Fala da professora entrevistada 2 Os orientais não conseguem fazer um texto com coesão porque eles trabalham estruturalmente, resposta para uma pergunta e só. Claro que isso daí também afeta a produção oral deles. Eles não vão responder ou eles não vão interagir, fazer esse diálogo fluir. Eles vão ficar sempre numa atitude mais passiva e responder o que o colega perguntou.

Pelos depoimentos das professoras podemos ver que a reação dos alunos é diferente de uma reação de um aluno nativo sendo adulto ou criança. Portanto, faz-se necessário estudar a área e conhecer suas peculiaridades para se tornar um professor de PLE. Parte dos atuais professores possuem graduação na área de línguas e alguma especialização na área de PLE stricto sensu ou lato sensu. Torna-se distante ser professor de PLE quando tentamos encontrar uma formação específica na área, já que o ensino de PLE não é parte obrigatória da matriz curricular de diversos cursos de letras no país. Cursos na linha de especialização ou complementação são os 6

É um acrônimo que se refere aos países membros fundadores do grupo. Composto por: Brasil, Rússia, Índia e China e a África do Sul, que juntos formam um grupo político de cooperação.

mais encontrados, estando entre eles os oferecidos em instituições particulares que já ensinavam português para estrangeiros e passaram a ministrar aulas para formação de professores. Os cursos mais procurados são de pós-graduação lato sensu oferecidos pelas universidades PUC/RJ, UNB, UNICAMP, por consistirem em uma grade ampla e serem ministrados em universidades conceituadas. Entretanto, a maior parte de professores de PLE oriunda de mestres e doutores que seguem a área como sua linha de pesquisa. Além da dificuldade em encontrar um curso de formação, outro empecilho é perceber que grande parte dos atuantes na área não possuem alguma formação em PLE, já que é comum que professores de línguas, em sua maioria inglês e espanhol, serem convidados a ministrarem aulas de PLE pelo fato de já estarem familiarizados com o ensino de línguas. Diante do fato de que muitos professores acabam entrando na profissão por convite, ou por já ministrarem aulas de português para nativos, eles acabam por ‘improvisarem’ e elaborarem seus próprios materiais. Devido a falta de divulgação de provas dos anos anteriores do Celpe-Bras foi necessário a criação de atividades que suprissem as expectativas do aluno que se tornaria candidato a realizar a prova.

No Anexo 3 podemos ver um

reprodução do que acontece nos exames de proficiência. Primeiro uma reportagem, com imagem que ilustra e acompanha o raciocínio do texto, e no Anexo 4 as questões elaboradas com base nos elementos provocadores, levantando questões de cunho pessoal e geral com a finalidade de trabalhar a oralidade do aluno.7 Uma alternativa utilizada para contribuir com a formação do futuro docente é a participação de alunos de graduação em grupos de pesquisa voltados para a área de PLE, e que os próprios alunos participem como monitores nos cursos de PLE oferecidos à comunidade dentro das universidades. Um exemplo desse tipo de trabalho é o organizado dentro da PUC-SP. Para suprir essa urgência de professor, o NUPPLE8, em parceria com estudantes de graduação, organizou monitorias junto aos cursos do COGEAE9 em que os monitores participam das aulas de PLE ministradas por professores especializados. Os monitores coletavam dúvidas a serem levadas aos pesquisadores e as dúvidas eram discutidas entre os mestrandos e doutorandos que tinham PLE como sua linha de pesquisa. As soluções levantadas eram levadas novamente para a sala de aula. Uma forma em curto prazo de suprir a

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As atividades aqui reproduzidas foram elaboradas e aplicadas pela autora deste artigo. Fonte: http://plsql1.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0071802IDXKCOV . Último

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acesso em 25/09/2014. 9 http://www.pucsp.br/pos-graduacao/especializacao-e-mba/portugues-brasileiro-lingua-e-cultura Último acesso em 25/09/2014.

demanda de professores, mas muito eficaz, pois soma conhecimentos à formação do aluno que deseja se tornar professor de PLE. É evidente que essa saída é apenas uma alternativa e que não substitui a formação completa e aprofundada dos docentes de PLE, mas tem sido a alternativa até que área realmente se torne um mercado aquecido. Em suma, os grupos de pesquisa, congressos, estudos, encontros de formação também têm sido saídas eficazes para a formação e aperfeiçoamento do professor de PLE. A prática da monitoria nos cursos de PLE anteriormente citada que foi realizada na PUC-SP visava não somente suprir a falta de professores de LE, mas também proporcionar uma visão reflexiva dos professores já atuantes da área, visto que as atividades aplicadas em sala de aula eram levadas pelos monitores e discutidas posteriormente no grupo de pesquisa. É por essa prática que o professor reflexivo tem se tornado tão fundamental para o ensino de PLE. O professor reflexivo consiste naquele que analisa sua aula e sua metodologia de pontos de vistas diferentes a fim de aumentar a qualidade do ensino e proporcionar uma formação mais adequada ao seu aluno. Podemos entender professor reflexivo como aquele que está sempre questionando suas práticas educacionais e sempre as vê como inacabada e com possibilidade de aprimoramento. Segundo Hypolitto (1999) o professor reflexivo é aquele que reflete quanto ao seu currículo, sua metodologia e seus objetivos: Quem é o aluno que está a minha frente? O que quer? De que precisa? O que entende? Qual a linguagem mais adequada para dialogar com ele? Coitinho (2007, p.4) afirma que “uma atitude reflexiva requer um sujeito crítico e consciente, capaz de construir sua metodologia ou atividades metodológicas para implementar sua prática e, com isso, buscar atingir seus objetivos e os objetivos do aluno, conduzindo-o à autonomia.” A prática reflexiva torna-se essencial no ensino de PLE visto que a área ainda está em desenvolvimento e há pouca produção científica e didática se comparado a outras áreas do conhecimento. Com a atitude reflexiva do professor de PLE é possível alcançar métodos eficazes que podem futuramente ser utilizados por outros professores de PLE.

4. O Futuro do PLE Tornar-se professor de PLE atualmente exige não só a formação em Letras ou em cursos relacionados, mas também exige um conhecimento na cultura do outro, no perfil do

aluno estrangeiro, bem como na cultura envolvente da língua portuguesa, nesse caso, a cultura brasileira. Entretanto, há uma dificuldade em se aprimorar na área, visto que existem poucos locais que estudem o PLE de forma acadêmica. Atualmente congressos e encontros têm se tornado a maior fonte de produção de conhecimento em PLE, por exemplo, o Consiple (Congresso da Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira), é organizado anualmente e possui como objetivos: 

Incentivar o ensino e a pesquisa na área de Português como língua estrangeira (PLE) e como segunda língua (PL2);



Promover a divulgação e o intercâmbio da produção científica na área;



Implementar a troca de informações e contatos profissionais com instituições e outras associações interessadas em PLE e PL2;



Promover o intercâmbio cooperativo entre cursos de pós-graduação e pesquisa no que se refere à atuação docente e discente;



Apoiar a criação e a melhoria de cursos de graduação e pós-graduação em PLE e PL2.10

Em uma entrevista11 concedida ao Consiple, José Carlos Paes de Almeida Filho ao ser questionado sobre o futuro de PLE afirma que ainda há muito a ser fazer apesar dos grandes avanços que já fizemos: RevSIPLE: Mas, atualmente, já temos livros sobre ensino∕aprendizagem, eventos, associações e o CELPE-BRAS. Avançamos o suficiente? Prof. José Carlos: Claro, desde então houve muito progresso, mas não a instalação de uma verdadeira política consciente, proativa, uma política deliberada, um plano que desse um norte, uma direção à questão nacional da escolha das línguas e do modo de ofertar línguas no currículo das escolas e universidades. Primeiro, para que uma política na área de PLE se constitua é preciso que haja uma consciência de área, que tem crescido muito em nosso meio nos últimos trinta anos, no meio de quem pratica o ensino de PLE no Brasil, de quem faz formação.(...) O segundo ponto é que essa consciência não se restrinja apenas ao ambiente local de ensino e aprendizagem de línguas, mas que ela venha também da administração pública, que também é responsável pela área de Aprendizagem e Ensino de Línguas.(...)

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Fonte: http://www.siple.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7:a-constru-da-sociedadeinternacional-de-portugulua-estrangeira&catid=14:a-sociedade&Itemid=55 Último acesso em: 24/08/14. 11 Fonte: http://www.siple.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=233:8-entrevista-sobrepoliticas-publicas-para-a-promocao-do-ple-no-seculo-xxi-&catid=64:edicao-4&Itemid=109 Último acesso: 24/08/14

Com relação a materiais didáticos existem no mercado poucos livros para trabalhar com o aluno estrangeiro, o que também mostra uma lacuna em se tratando de produção de material didático. Segundo Filho (2010, p. 40) os livros didáticos para o ensino de línguas vêm “prontos para consumo” e enfatizam as normas gramaticais utilizando frases-modelo, mas em contrapartida prometem o ensino comunicativo, contrastando o uso autêntico da comunicação interpessoal. Ainda na opinião do mesmo autor, a estrutura do livro é demasiadamente rígida considerando a ausência de massa crítica entre o professorado de línguas. Alguns livros citados por Filho em um artigo para o Museu da Língua Portuguesa são utilizados por professores sejam aqueles que efetivamente possuem algum tipo de formação na área de PLE, ou aqueles que adentraram na profissão de forma não planejada, vejamos alguns deles: Tudo Bem, de Raquel Ramalhete, Avenida Brasil, de Emma Eberlein de Lima et alii, e Fala Brasil, de Elizabeth Fontão e Pierre Coudry, todas as obras inspiradas no livro de Mercedes Marchant já exposto no início deste artigo. Em suma, podemos entender PLE como uma área ainda em crescimento, mas com muito potencial, visto que o país cresce e o português se espalha pelo mundo. Aumentar o número de instituições que formem profissionais capacitados a produzir e transmitir conhecimento é apenas uma parte do caminho que PLE tem que percorrer. Promover a língua portuguesa pelo mundo é de responsabilidade de todos, tanto da parte política e governamental do país, que necessita de mais investimento, quanto dos profissionais da área que precisa divulgar todo conhecimento em PLE.

Anexos Anexo 1

Anexo 2

Anexo 3

Anexo 4

Bibliografia BATISTA, Nara Sâmara de Oliveira. Ensino de português como segunda língua: Malentendidos em interações interculturais. Dissertação de Mestrado. UNB. Brasília. 2013 COITINHO, Verônica Pereira. A prática docente do professor de português para estrangeiros uma aprendizagem crítica: formação de professores. Revista Intersaberes, Curitiba, ano 2, n. 3, p. 27 - 39, jan/jun 2007. ESCARPINETE, Mariana Lins. A formação docente e o ensino de PLE. In: Jornada Nacional do grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste, 2012. FILHO, José Carlos Paes Almeida. Fundamentos de abordagem e Formação no ensino de PLE e de outras línguas. Campinas. Pontes Editores. 2011 _____________. O Ensino de Português como Língua Não-Materna: Concepções e Contextos de Ensino. UNB. Artigo redigido para o Museu da Língua Portuguesa. Disponível em: http://www.museudalinguaportuguesa.org.br/files/mlp/texto_4.pdf Último acesso em: 20/05/14. ____________. Dimensões Comunicativas no ensino de línguas. 6ªed. Campinas. Ed. Pontes. 2010. HERMMANN, Ingrid Isis Del Grego. A fluidez do lugar do professor de português língua estrangeira: uma análise discursiva de dizeres de professores brasileiros em sua relação com o ensino de PLE. Dissertação de Mestrado. FFLCH-USP. São Paulo. 2012 HYPOLITTO, Dineia. O professor como profissional reflexivo. Revista Integração. USJT. São Paulo, 1999. ORRA, Samira Ahmad. Tempo, aspecto e modo verbais e o gênero textual carta do leitor: Análise de tarefas do Celpe-Bras. Dissertação de Mestrado. FFLCH-USP. São Paulo. 2013 RIBEIRO, Maria D’ Ajuda A. MARIANO, Ana Julia S. O interculturalismo no ensino de PLE: um estudo sobre expressões idiomáticas brasileiras a partir do filme “ó pai ó”. Artigo. Revista Fronteira Digital. Mato Grosso. UNEMAT, 2011.

SANTOS, Mariana Fernandes dos. Interculturalidade no ensino de línguas: uma análise do projeto pedagógico institucional – PPI do IFBA. Revista eletrônica científica do IFBA. Eunápolis, Bahia. 2012 SATHLER, Maristela dos Reis. “Imagine, não precisava” ou rituais de agradecimento no português do Brasil com aplicabilidade em português como segunda língua para estrangeiros. Dissertação de Mestrado. PUC/RJ. Rio de Janeiro, 2005. SCHOFFEN, Juliana Roquele. Gêneros do discurso e parâmetros de avaliação de proficiência em português como língua estrangeira no exame Celpe-Bras. Tese de doutorado. UFRGS. Porto Alegre. 2009 SILVEIRA, Regina Célia Pagliuchi da (org.). Português língua estrangeira: perspectivas. São Paulo: Cortez, 1998.

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