O Entorno Estratégico Brasileiro e sua Projeção Geopolítica no Atlântico Sul – uma Ponte para a África e Índia

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O ENTORNO ESTRATÉGICO BRASILEIRO E SUA PROJEÇÃO GEOPOLÍTICA NO ATLÂNTICO SUL – UMA PONTE PARA A ÁFRICA E A ÍNDIA.

Tito Lívio Barcellos Pereira1

1. A PROJEÇÃO DO BRASIL NO ATLÂNTICO SUL

Historicamente, a região do Atlântico Sul sempre representou grande importância para a Política Externa Brasileira, seja nas relações comerciais intercoloniais durante a tutela portuguesa; a importância do porto de Natal no esforço de guerra aliado durante a Segunda Guerra Mundial, nas aproximações diplomáticas com a África e a América do Sul durante a denominada “Política Externa Independente” no início dos anos 1960, ou no estabelecimento de acordos comerciais durante o “Pragmatismo Responsável” no governo do General Ernesto Geisel, em meados dos anos 1970. Porém, neste início de século, ocorre uma grande “mudança de rumo”: com a ascensão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores – PT (2003 – 2010), inicia o relançamento das bases permanentes a política atlântica do Brasil. Para Saraiva (2011), Esse novo gesto, mais próximo a Política de Estado, supera as oscilações históricas no ir e vir do Brasil no espaço do Atlântico Sul. Idealismo e realismo se juntam de forma equilibrada na política externa engendrada pelo Estado nacional em sua fronteira atlântica (SARAIVA in FREIXO, 2011 p.179). Para Williams Gonçalves (2010), os princípios que guiaram esta política foram estabelecidos na denominada “Política Externa Independente” durante os governos dos presidentes Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964); e retomado nos anos 70 durante o regime militar (1964-1985) e redenominado “Pragmatismo Responsável”, no mandato do presidente Ernesto Geisel (1972-1979); e com uma breve passagem no interregnum do presidente Itamar Franco (1992-1994). (GONÇALVES, 2011 in FREIXO, 2011, p. 11-12) Porém, ao contrário dos governos anteriores, a “Cooperação 1

Bacharel em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), e mestrando em Estudos Estratégicos pelo Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST – UFF) e pesquisador do Laboratório de Pesquisa Defesa e Política[s], subordinada ao INEST-UFF.

Sul-Sul” como ficou denominada a política externa no governo Lula, tornava um imperativo o estreitamento de laços políticos e estratégicos com seu entorno geopolítico: não apenas a América do Sul, mas também os países africanos na outra margem do Atlântico. Neste início do século XXI, o Atlântico Sul desponta como um novo cenário regional para o Brasil, desta vez, ao contrário da sua gigantesca “continentalidade”, esse espaço é marítimo, e sua escala é o Atlântico Sul. Esse alargamento do seu entorno regional e estratégico corresponde à nova escala de interesses, oportunidades e influência de um país que se consolida como potência econômica mundial e que tem no domínio e na exploração dos recursos do mar uma das mais promissoras fontes de riqueza. Os novos e vultosos investimentos recentes voltados para a exploração dos recursos do mar e os fluxos marítimos em geral também se fazem notar no acelerado ritmo de expansão da indústria naval nacional. Impulsionada pela demanda da Petrobras por navios de transporte, pesquisa e prospecção, além de insumos e bens de capital necessários para a atividade petrolífera (COSTA, 2012 p.12). Essa retomada de investimentos também tem ativado o subsetor de construção de navios mercantes graneleiros e de carga geral. Com isso, a indústria naval brasileira, que entrara em declínio em meados dos anos 80, ressurge com força, e o país conta hoje com quase duas dezenas de estaleiros de todos os portes. Por outro lado, essa nova escala dos fluxos marítimos tem gerado impactos de toda ordem, e o mais evidente deles ocorre nas regiões costeiras e na rede portuária em particular.

A estratégia nacional brasileira está calcada nos preceitos normativos do direito internacional e no desejo de autonomia e protagonismo político, fez com que a essa passagem da projeção continental para a marítima foi o resultado da bem-sucedida política externa do país, que nas últimas décadas perseguiu a todo custo objetivos que visaram assegurar direitos e interesses no espaço marítimo do entorno regional estratégico, isto é, o Atlântico Sul. (COSTA, 2012 p.12) Cabe destacar o êxito científico e tecnológico brasileiro na conquista desse novo espaço, através dos levantamentos geológicos da Plataforma Continental realizados pelo instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo em convenio com a Marinha do Brasil. Desde então, ampliou-se consideravelmente o número de instituições dedicadas às pesquisas oceanográficas, com destaque para os bem-sucedidos programas de

levantamento dos recursos vivos marinhos e nas áreas de batimetria, geofísica e geologia do leito e do subsolo marinhos. Levando em consideração o imenso potencial pesqueiro, mineral e energético dessa região, assegurar a soberania brasileira nessa região é internalizar um patrimônio tão estratégico para o desenvolvimento do país. Migrando do oceano para a terra firme, nessa última década, tanto a América do Sul quanto a África conquistaram uma ambiência favorável a essa intensa aproximação: experimentam grande crescimento na economia, crescente consumo interno, estabilidade política e o anseio de um sistema internacional mais democrático, multilateral e policêntrico. A nível mundial ocorre progressivamente a ascensão de novos atores internacionais, dotados de crescente protagonismo político, econômico, diplomático e militar; entre esses atores, podemos destacar o acrônimo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). No âmbito regional, podemos destacar o fortalecimento de iniciativas bilaterais e multilaterais nos países sul-americanos e africanos: como a União das Nações SulAmericanas, o Conselho de Defesa Sul-Americano (na América do Sul), assim como a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (na África Austral); a Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul (entre a América do Sul e a África Atlântica) e o fórum IBAS (fórum trilateral entre Brasil, África do Sul e Índia). No entorno sulamericano, temos importantes atores políticos, que assim como o Brasil, anseiam no fortalecimento do bloco continental: dos mais tradicionais como a Argentina e Chile, a novos atores como a Colômbia, Peru e Venezuela. Articulados esses países servem como pontes de acesso do “continente brasileiro” ao Oceano Pacífico e Mar do Caribe. Dentro da margem sul-atlântica do continente africano, a África do Sul, merece papel de destaque: vindo de décadas de isolamento continental durante o regime racista do apartheid, atualmente é a principal força motriz para a integração regional. Com a economia mais desenvolvida e diversificada do continente, possui uma respeitável força militar e protagonismo político crescente. Para o Brasil, dentro dos BRICS e do IBAS, a África do Sul poderá servir como polo irradiador e integrador para o continente, na provisão de investimentos, produtos e serviços brasileiros. Por outro lado, Brasil e África do Sul, dado o aumento de sua importância internacional, condicionará que ambos os atores tenham maior responsabilidade para contribuir na manutenção da paz e segurança regional e mundial, sendo importantes interlocutores na resolução de eventuais conflitos, impasses e demais animosidades. Além da África do Sul, outros atores africanos com notável poder político, econômico e estratégico merecem destaque:

Angola, na África Austral, Nigéria na África Ocidental e Moçambique na África Oriental, as margens do Oceano Índico. Tendo o Brasil como ator mais proeminente da região, o Atlântico Sul pode se consolidar como um arranjo geopolítico inédito, voltado na promoção da paz e segurança numa região estratégica do ponto de vista geográfico, econômico; e plural do ponto de vista político, sem

a presença direta dos atores

hegemônicos.

2. O ATLÂNTICO SUL NO ENTORNO ESTRATÉGICO BRASILEIRO

A história das relações internacionais ensina que nunca existiram países com “vocações inapeláveis” nem povos que tenham nascido com o “destino manifesto” ou “revelado” de mandar, converter ou civilizar o resto da humanidade. Ensina também que todos os países que projetaram sua influência e poder para fora de suas fronteiras nacionais e acabaram liderando suas regiões ou o próprio sistema mundial, em algum momento também foram sociedades periféricas. (FIORI, 2013) Mas foram sociedades que se mobilizaram e atuaram dentro da hierarquia internacional, conjungando seus recursos geográficos, econômicos, políticos, diplomáticos, militares e estratégicos em prol de um projeto nacional que estava acima de qualquer mandato político, dando continuidade na busca desses objetivos mesmo nos momentos mais difíceis. O Brasil deste início de século XXI vive um novo momento: após o convívio ou alinhamento quase automático com as grandes potências ocidentais, o Brasil propôs a aumentar sua autonomia internacional, em virtude do seu poder político, econômico e militar. Estabeleceu uma liderança política disposta a projetar internacionalmente a imagem de um pais moderno, industrializado, inovador, que busca um sistema internacional mais descentralizado e multilateral, aberto a voz e inserção de novos atores, que esteja em reflexo da nova configuração geopolítica mundial. Os objetivos dessa nova política foram engendrados apareceram definidos na Política Nacional de Defesa (PND) e na Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovados pelo congresso em 2005 e 2008, e em 2012. Nestes documentos, são propostos as premissas de uma política de defesa que integre plenamente suas ações diplomáticas conjugando com o desenvolvimento econômico e tecnológico. Porém, segundo Fiori (2013) inaugura um conceito completamente novo e revolucionário na história brasileira: o “entorno estratégico” – compreende a região onde o Brasil irradiará – preferencialmente – sua influência e liderança diplomática, econômica e militar. Esses

territórios envolvem toda a bacia do Atlântico Sul – a América do Sul, a África Subsaariana e até a Antártica, como indicados no mapa 1. Mapa 1 – O “Entorno Estratégico Brasileiro”, segundo a Política Nacional de Defesa (2012)

Fonte: Política Nacional de Defesa (2012), FIORI, 2012. http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-Brasil-e-seu-%27entorno-estrategico%27-naprimeira-decada-do-seculo-XXI/4/28080. Autor: Leonardo Faria de Mattos Elaboração: Tito Lívio Barcellos Pereira

Para a América do Sul, o Brasil busca dois eixos principais de integração: A Bacia do Prata, tradicional zona de disputa com a “platina” Argentina desde o século XIX, hoje configura-se como o polo integrador dos países do MERCOSUL, o Chile e a Bolívia – configurando assim o acesso brasileiro aos portos do Oceano Pacífico, e assim ao mercado asiático. O outro eixo de integração é a Amazônia: outrora excluída e isolada dos demais centros político-econômicos brasileiros, hoje desponta como importante vetor de integração nacional e desenvolvimento econômico: suas riquezas minerais, energéticas, hídricas, biológicas configuram-na na nova fronteira econômica e sua posição estratégica, servindo de ligação entre as cidades do Nordeste e Norte brasileiro – antes marginalizados pelo MERCOSUL – com a Venezuela, recém-ingressa ao clube, chegando ao Mar do Caribe. As metrópoles amazônicas de Belém e Manaus

ligam-se com os portos “pacíficos” na Colômbia, Peru e Equador. O projeto do “Gasoduto do Sul” assinado pelo Brasil, Argentina e Venezuela apesar de “congelado” desde 20072, pode-se assegurar a integração energética sul-americana. Esses projetos de infraestrutura estão dentro das Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul, agência criada para gerenciar o andamento desses projetos, com a supervisão dos 12 países sul-americanos. Se a maior parte desses projetos for concluída, coroará a integração territorial e geopolítica da Unasul. Para o Atlântico Sul, o Brasil põe em prática algumas medidas que mudariam drasticamente o quadro de inércia estratégica da década anterior. A primeira delas surgiu no âmbito da Marinha do Brasil que, procurando reagir às suas dificuldades logísticas e operacionais propôs em 2004, um novo espaço estratégico denominado de “Amazônia Azul” marítima, equivalente, em termos de área e de riquezas naturais, à “Amazônia Verde” terrestre. A segunda medida foi privilegiar a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul como o fórum político e diplomático preferencial na promoção do desenvolvimento e da cooperação regional. (PENHA, 2012 p.116) Devese compreender a importância estratégica do Atlântico Sul como rota de passagem comercial entre a Europa e a costa leste dos EUA ligando-os a China, Índia, Japão e as jazidas petrolíferas do Oriente Médio. Além disso, o século XXI mostra um continente africana em franca ascensão com relativa estabilização política e crescimento econômico de importantes atores

regionais, especialmente Nigéria, Angola,

Moçambique e África do Sul, além de outros países menos expressivos mas também potenciais atrativos para investimentos e cooperação com o Brasil. Para Penha (2012), a ZOPACAS3 representou, acima de tudo, a materialização da herança atlântico-africana e, portanto, etapa importante da consolidação da “fronteira oriental” no Atlântico Sul. As dificuldades de projeção do poder naval dos países ribeirinhos, como bem demonstrou a Argentina por ocasião da Guerra das Malvinas, alargou a visualização do Atlântico Sul como bacia de cooperação, transformando a ZOPACAS no principal eixo de referência político-diplomático de todos os paísesmembros. 2

Chávez admite derrota en Gran Gasoducto del Sur - acessado em 30/07/2014 http://etessieri.wordpress.com/2007/08/04/chavez-admite-derrota-en-gran-gasoducto-del-sur/ 3

acrônimo de “Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul”. foi criada em 1986 após uma iniciativa do Brasil que resultou na resolução 41/11 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que promove a cooperação regional e a manutenção da paz e segurança na região do Atlântico Sul.

No entanto, existem diversos entraves a projeção sul-atlantista brasileira: Em primeiro lugar, a fragilidade brasileira diante da presença das potências marítimas ocidentais na região, principalmente os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. A presença desses países se justifica por conta de questões associadas á “segurança global” como a Rota do Cabo, por onde passam 66% do petróleo europeu e 26% norte-americano tornando o Atlântico Sul uma rota marítima vital para suas economias. A presença da Grã-Bretanha acentua a permanência do quadro colonial remanescente da pax britannica, graças à posse das ilhas meso-oceânicas (Tristão da Cunha, Ascensão e Santa Helena) e peri-antárticas (Shetlands, Geórgia do Sul, Gough e Sandwich) além das Ilhas Malvinas, que é uma variável estratégica chave para o quadro geopolítico do Atlântico Sul. Os Estados Unidos, a despeito das restrições impostas pela Zopacas, se faz presente através de exercícios periódicos - em operações rotineiras visando ao combate do narcotráfico- e para a manutenção de exercícios navais na região. Para isso conta com instalações militares em Ascensão, arrendada dos britânicos, cujo valor estratégico foi evidenciado no conflito das Malvinas. Em termos de forças navais, os Estados Unidos é a grande potência marítima mundial dispondo de forças navais equipadas com navios e submarinos de propulsão nuclear e de ataque com mísseis estratégicos. (PENHA, 2012 p. 117). Diante desse quadro podemos dizer que as iniciativas brasileiras no âmbito do Atlântico Sul voltados para a desmilitarização, a desnuclearização, a preservação do meio ambiente e para a paz e cooperação, defronta-se com o hard power anglo-saxão de concepção militar voltado para o domínio do mar, ainda claramente influenciada pelo pensamento do Almirante Alfred T. Mahan. Esse é um aspecto crucial para a discussão do pensamento estratégico naval brasileiro, no sentido de que somente iniciativas diplomáticas e projeção do soft power talvez sejam insuficientes para assegurar as bem sucedidas iniciativas brasileiras de paz e cooperação regional. No continente sul-americano, ainda persistem a cooperação militar norteamericana com os países da região: com destaque para a Colômbia, mas também Peru e Equador, sem mencionar os países da América Central, a “Aliança do Pacífico” (formada por Chile, Peru, Colômbia e México) como antagônica ao MERCOSUL e a presença colonial e estratégica francesa na Guiana. Na África, destacamos a criação do

AFRICOM4 em 2007, a pirataria no Golfo da Guiné e na África Oriental, além da instabilidade política na África Ocidental e Central, com pressões externas para a presença de tropas ocidentais (sobretudo norte-americanos e franceses), ainda mais em regiões que apresentam grande diversidade mineral, energética e biológica. Ao mesmo tempo, vultuosos investimentos norte-americanos, europeus e especialmente, chineses inundaram os cofres de vários países africanos nos últimos anos, em projetos de infraestrutura, agricultura, mineração e energia. Em suma, todos esses fatores podem contribuir como e desafios à liderança e projeção geopolítica brasileira na região, como demonstra no mapa 2. Mapa 2 – entroncamentos geoestratégicos na América do Sul

Fonte: PENHA, 2011, US Department of Defense e US Navy. Elaborado pelo Autor

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Sigla de “Comando dos Estados Unidos para a África” é um dos nove comandos de combate unificado regionais das Forças Armadas dos Estados Unidos. Criado em 2007, pelo Departamento da Defesa, e operante a partir de 2008, é baseado em Kelley Barracks, Stuttgart, Alemanha, sendo responsável pelas operações e relações militares e de segurança dos EUA em 53 países africanos. Sua área de atuação cobre toda a África, exceto o Egito, que está incluído no comando central (CENTCOM).

3. O EIXO “MERIDIONALISTA” BRASIL-ÁFRICA DO SUL-ÍNDIA Visto o posto, as relações na “Bacia do Atlântico” configurada sob a liderança do Brasl – na América do Sul e na África Subsaariana / Austral, apesar dos desafios e contingenciamentos demonstrados acima, existe uma enorme potencial de cooperação em diversas áreas. Mas para Martin (2007), a política atlântico-africana brasileira cria uma margem muito maior, onde a projeção geopolítica brasileira, por intermédio da África do Sul e de Moçambique, nosso parceiro “luso-africano” no Índico, encontraria a projeção geopolítica indiana. Enquanto a escola geopolítica brasileira sempre privilegiou os estudos regionais sejam eles na América do Sul (Mário Travassos), Antártica (Therezinha de Castro), Pan-americanismo (Golbery do Couto e Silva) e Sul-atlantismo (Meira Mattos), a tese “Meridionalista” (MARTIN, 2007) aponta uma triangulação entre os interesses das denominadas “potências meridionalistas”: o Brasil, a África do Sul e a Índia, formando um eixo hemisférico podendo se estender da América do Sul até o arquipélago da Indonésia, onde encontra-se nosso primo “lusitano” mais distante: O Timor-Leste. E como o Brasil poderia ter tamanho alcance geopolítico? Primeiramente as três potências meridionalistas são membros dos BRICS (o grupo político-econômico que contempla os três membros mais Rússia e China – potências políticas e militares já consolidadas – “potências setentrionais”). E também são membros do fórum IBAS (fórum trilateral cujo acrônimo são as iniciais: Índia-Brasil-África do Sul). Apesar das assimetrias existentes com a Índia (por esta ser uma potência nuclear) e com a África do Sul (uma economia consideravelmente menor que os demais emergentes), existe uma convergência de interesses estratégicos e geopolíticas entre os três países, por advogarem o fortalecimento dos fóruns multilaterais dando mais voz e espaço a novos atores, como indica o mapa 3.

Mapa 3 – A divisão mundial segundo o “Meridionalismo”

Fonte: MARTIN, 2007 Elaborado pelo Autor

A Índia, cercada pela rival China e pelo Paquistão, tem no Oceano Índico e a África Oriental como imperativo para sua projeção geoestratégica, ainda que, assim como no Atlântico Sul, seja “povoada” pela presença naval anglo-americana, francesa e mais recentemente, chinesa. Apesar disso, muitos dividendos indianos são investidos em países como Tanzânia, Moçambique, Madagascar e África do Sul, pois empreendimentos minerais e energéticos nesses países são vitais para a economia indiana. Ao mesmo tempo, os indianos começam a estabelecer uma importante presença naval em Madagascar, nas Ilhas Seychelles e no Golfo de Aden, como parte da Força Multinacional no combate a pirataria. Enfim, as três “potências meridionalistas” podem despontar como grandes contribuintes do desenvolvimento hemisférico na América do Sul, África Subsaariana e Índico. Possuem potencial de cooperação nas áreas da saúde, no tratamento de doenças tropicais; na agricultura com programas técnicos de aproveitamento de culturas tropicais (como o PRO-SAVANA da Embrapa) e no plantio de “culturas energéticas” visando seu aproveitamento para biocombustíveis, possivelmente tornando os países “exportadores de energia” (PEREIRA, 2011 p. 115-118); em projetos de prospecção mineral e petrolífera onshore e offshore; financiamento de projetos de infraestrutura (o

Banco de Desenvolvimento dos BRICS poderá possibilitar isso5); cooperação em segurança e defesa, como o estabelecimento de diretrizes conjuntas na resolução de conflitos, combate a pirataria e assegurar a manutenção da “paz hemisférica”; também poderá ser alocado a capacitação e treinamento de forças militares de países africanos, ajuda militar com a provisão de produtos e serviços de defesa oriundos das empresas dos três países, ou até desenvolvimento conjunto de plataformas de combate com a participação dos três países e mais atores regionais que possam contribuir. Entre outros projetos pode-se citar a cooperação em educação, pesquisa e desenvolvimento, indústria, serviços, cultura e turismo. Por fim, formando uma densa rede de “fixos” e “fluxos” de mercadorias, pessoas, tecnologias e ideias.

4. CONCLUSÕES Neste artigo, foi realizado uma análise prospectiva a partir do ambiente geopolítico e diplomático favorável, levou-se em conta também o histórico de relações entre os países, partindo de um aproximação pontual em décadas passadas para uma intensa aproximação motivada pelo desejo de autonomia estratégica frente aos polos hegemônicos de poder. A ideia de “entorno estratégico” planificado pelos documentos brasileiros como a Política Nacional de Defesa (2005) e a Estratégia Nacional de Defesa (2008) transmite de uma maneira ambiciosa a região do Atlântico Sul compreendendo o América do Sul, a Àfrica Subsaariana e a Antárida, como área de responsabilidade do Brasil para o exercício de liderança e contribuir para a soberania, desenvolvimento e integração desses países. Para outros autores a ideia do entorno estratégico sul-atlantista pode possibilitar a sua extensão para a região do Índico, visto que existem importantes parceiros brasileiros que não são devidamente contemplados pelo entorno sul-atlantista. A projeção ao Índico, permite a aproximação com a Índia, que necessita se projetar para a África Oriental, devido a contenção sino-paquistanesa na Ásia Meridional. As similaridades geográficas e os desafios sócio-econômicos presentes no Brasil, África do Sul e Índia, assim como seus entornos geopolíticos, podem ser fatores potenciais que permitam o estabelecimento de parcerias estratégicas em diversas áreas 5

Banco dos Brics busca alternativa a hegemonia de países ricos – acessado em 30/07/2014 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/07/140711_banco_brics_ru.shtml

de cooperação: tecnologia, energia, infraestrutura, defesa e segurança. As “três potências meridionalistas”, possuem pensamentos geopolíticos convergentes, anseiam por um sistema internacionais mais democrático e policêntrico, e podem atuar como promotoras do desenvolvimento, resolução de conflitos e manter a paz e segurança da região. Formando assim um “eixo hemisférico” no Sul. No entanto, a presença militar e econômica de potências como os Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e China, seja na África, América do Sul, Atlântico Sul e Oceano Índico, podem ser importantes obstáculos para o exercício da projeção geopolítica brasileira e das demais “potências meridionalistas”. Por isso as ações projeção brasileira, mesmo que recente devem ser concomitantes a um projeto de desenvolvimento nacional que privilegie o desenvolvimento de capacidades militares, político-diplomáticas, econômicas e tecnológicas. Sem estes, as ideias expostas na academia e nos documentos oficiais não passarão de mera utopia, e as ações de governo não passarão de mero exercício de retórica.

5. BIBLIOGRAFIA COSTA, Wanderley Messias da. Projeção do Brasil no Atlântico Sul: Geopolítica e Estratégia. In Dossiê do Pré-Sal, Revista USP Nº 95 p. 9-22, São Paulo, Setembro/Outubro/Novembro de 2012 GONÇALVES, Williams. Panorama da política externa brasileira no governo Lula da Silva in FREIXO, Adriano; RODRIGUES, Thiago Moreira & ALVES, Vágner Camilo (orgs.) A Política Externa Brasileira na Era Lula: Um Balanço. Apicuri, Rio de Janeiro, 2011. FIORI, José Luis. O Brasil e seu “entorno estratégico” na primeira década do séc. XXI. Acessado em: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-Brasil-e-seu%27entorno-estrategico%27-na-primeira-decada-do-seculo-XXI/4/28080. Data: 30/07/2014 MARTIN, André Roberto. Brasil, Geopolítica e Poder Mundial – o “Anti-Golbery”. Tese de livre-docência defendida na Universidade de São Paulo – USP, Março de 2007. PENHA, Eli Alves. A Fronteira Oriental Brasileira e os desafios da segurança regional no Atlântico Sul. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.18 n.1 p.113-134 jan/jun 2012. ________________.Relações Brasil-África e Geopolítica do Atlântico Sul. EDUFBA, Salvador, 2011. PEREIRA, Tito Lívio Barcellos. As Superpotências Energéticas do Século XXI? Um estudo comparativo entre a Geopolítica Energética Brasileira e Russa. Monografia defendida na Universidade de São Paulo em Junho de 2011. SARAIVA, José Flávio Sombra. A África e a política externa na era Lula: relançamento da política atlântica brasileira in FREIXO, Adriano; RODRIGUES, Thiago Moreira & ALVES, Vágner Camilo (orgs.) A Política Externa Brasileira na Era Lula: Um Balanço. Apicuri, Rio de Janeiro, 2011.

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