O equipamento científico dos liceus, os programas de ciências e a autonomia dos professores (1836 – 1861)

June 7, 2017 | Autor: Carlos Beato | Categoria: História Da Educação, Historia da Educação, História das Disciplinas Escolares
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O EQUIPAMENTO CIENTÍFICO DOS LICEUS, OS PROGRAMAS DE CIÊNCIAS E A AUTONOMIA DOS PROFESSORES (1836 – 1861)

Carlos Alberto da Silva Beato (Escola Secundária de José Afonso, Loures) Introdução

A reforma das instituições de instrução pública, devida a Passos Manuel no ano de 1836, previa diversas alterações que, passando pela criação de cadeiras de índole científica, como as ciências físico-naturais e económicas, e de cadeiras que estabeleciam o ensino de línguas modernas, nomeadamente a francesa e a inglesa, prometiam abrir caminho para a afirmação da ideologia e consolidação do regime liberal. As peripécias que se sucederam no país, que atravessava, já nesse tempo, uma grave crise económica e financeira e onde a instabilidade político fruto das profundas divergências internas do sector liberal não dava tréguas, não permitiram a concretização de algumas das medidas previstas na legislação setembrista. O processo de institucionalização dos liceus “eternizou-se” e só passados vinte e cinco anos se consideraram definitivamente instalados os 17 liceus previstos, um em cada distrito administrativo (Adão, 1982). Quanto às novas cadeiras, embora a sua sorte não fosse a mesma, tiveram um destino quase igual. As línguas, que de algum modo já tinham presença no ensino, ainda tiveram algumas hipóteses, mas as ciências, quer as físicas quer as económicas e administrativas, foram sucessivamente marginalizadas Numa primeira fase, entre 1836 e 1844, só foi provida uma cadeira de ciências. Foi em Lisboa com a História Natural dos 3 Reinos da Natureza aplicada às Artes e Ofícios. O seu proprietário, Fonseca Benevides, era um jovem doutor em medicina pela Universidade de Pisa (Amaral, 2000-2008), o qual terá conseguido, em 1838, o lugar de forma pouco ortodoxa, dado que foi nomeado directamente pelo ministério, sem que fizesse parte da lista

proposta pelo Conselho Geral Director do Ensino Primário e Secundário (CGDEPS), órgão encarregado de dirigir a instrução pública1. Durante os dois anos em que, provisoriamente, assumiu o cargo, nunca teve alunos2, e quando se colocou a questão da renovação do contrato tal não lhe foi concedido. Por volta de 1840 o “ar dos tempos” apontava para o fim das cadeiras de ciências nos liceus. O próprio órgão dirigente da Instrução Pública afirmava 3 que o atraso na instalação dos liceus “não causa na instrução tão sensível atraso, como pode parecer; porque na parte da Moral e literatura continuam os antigos Estabelecimentos, que dalguma sorte a suprem,” acrescentando que no que diz respeito à “parte das ciências Físicas,” que devia estar nos liceus, a sua ausência também não preocupava pois era “igualmente satisfeita nas Escolas Politécnicas.” Assim, as ciências liceais começaram por ser transferidas para as instituições de ensino superior 4 , ao abrir-se a possibilidade de os estudantes liceais fazerem os estudos secundários de ciências conjuntamente com os seus colegas do ensino terciário, dado não existirem nos liceus. A simples enunciação desta hipótese mostra que a sua concretização não era muito provável, e não terá acontecido, até porque a posse do certificado de passagem nas cadeiras de ciências não melhorava, em nenhum aspecto, a futura situação do indivíduo que procurasse um emprego público, ou pretendesse prosseguir os seus estudos.

1

Ver documento com a proposta de CGDEPS apresentada na “consulta de 30 de Outubro de 1837 para as cadeiras dos dois liceus Nacionais de Lisboa, na conformidade do decreto de 17 de Setembro de 1836”: Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Fundo “Ministério do Reino”, Maço n.º 3872, ou a Consulta do CGDEPS de 4 de Dezembro de 1840: Maço 3499. A menos que se diga algo em contrário as referências a esta fonte serão feitas apenas com o número do maço. 2

Um ofício do comissário dos estudos de Lisboa Francisco Freire de Carvalho, dirigido ao Conselho Geral Director do Ensino Primário e Secundário, em 18 de Janeiro de 1840 com uma “Relação dos Professores do Ensino Secundário cargo da Comissão dos Estudos de Lisboa”: Maço 3872. 3

O Conselho Geral Director do Ensino Primário e Secundário em esclarecimento a várias questões levantadas por um deputado às Cortes (Roque Joaquim Fernandes Tomás) datado de 16 de Fevereiro de 1838 (“Porque se não tem executado o Decreto de 17 de Novembro de 1836, ou que dificuldades tem o Governo encontrado na sua execução?): Maço 2127 4

Decreto de 18 de Novembro de 1839: Maço 3863.

Finalmente em 1844, com Costa Cabral, as ciências foram “apagadas” dos papéis legais, apesar de haver uma salvaguarda que autorizava o governo a criá-las quando conveniente, e só puderam “regressar” dez anos depois com nova legislação, agora assinada por Rodrigo da Fonseca.

Implantação das ciências liceais

De facto, a Carta de lei de 12 de Agosto de 1854 reintroduziu as ciências no conjunto das cadeiras que compunham a oferta dos liceus portugueses e, em consequência, foi necessário criar condições, em cada liceu, para que a parte prática das disciplinas incluídas na cadeira (física, química e história natural) pudesse funcionar. Ou seja, houve necessidade de criar de raiz, ou não, laboratórios e adquirir os materiais, colecções de espécimes e reagentes necessários para os equipar. No imediato, a cadeira foi criada no liceu de Coimbra que era, oficialmente, uma secção da Universidade e, apesar de estar previsto um concurso com provas públicas para a selecção do docente, foi nomeado um lente da Universidade5, Matias de Vasconcelos, que entrou imediatamente em funções. Além de Coimbra, também a cidade do Porto viu o seu liceu contemplado com os Princípios de Física e Química, e Introdução à História Natural. Apesar do liceu portuense utilizar como suas as instalações da Academia Politécnica, da qual já fora secção, o processo não passou por uma nomeação ad hoc. Foi através de um concurso, a que se apresentaram três opositores, que o primeiro professor do liceu, Almeida Pinto, foi nomeado 6, começando a leccionar em 1855/56, um ano depois de da saída da lei. Tanto num caso como noutro, não houve aquisição de novos equipamentos, reagentes ou materiais, para colocar a cadeira em funcionamento, o que se compreende dado

5

Extracto das actas das Sessões do Conselho do Liceu Nacional de Coimbra, acta de 30 de Novembro de 1854: Maço 3569 6

Processo de provimento da cadeira de ciências no liceu do Porto (1855): Maço 3875

os liceus estarem paredes meias com estabelecimentos que possuíam estudos dentro da área das ciências, se bem que no Porto as condições estivessem longe de ser satisfatórias. No primeiro relatório que o liceu do Porto apresentou depois da nomeação do novo professor de ciências7, referia-se que com o início de duas novas cadeiras (as ciências e as matemáticas) as más condições materiais do liceu presumivelmente se iriam agravar. O relatório do liceu de 1858/59 confirma os receios iniciais e concretiza as pouco recomendáveis condições de funcionamento gerais e em particular da cadeira de ciências. O documento refere outros estabelecimentos, como o liceu de Aveiro construído de raiz, dando ênfase às suas limitadas possibilidades que passavam pelo uso precário de algumas salas da Academia. No que diz respeito à cadeira de ciências, contrasta as suas dificuldades com o que se passaria, por exemplo, em Braga8, onde “uma colecção de objectos de História Natural e de instrumentos tudo suficiente para constituir os indispensáveis gabinetes e museus” teria sido recebida “mal tinha sido criada a 7.ª Cadeira.” A penúria de instalações era tal que o reitor dizia não se sentir habilitado para aceitar a oferta de um professor (da 6.ª cadeira) que “se prestava a facultar o seu museu zoológico e mineralógico para uso do Liceu, por falta de local para a sua colocação!” Isto lembra que na criação da Cadeira o governo deve ter pensado que como estava próximo da Academia poderia usar os materiais desta e por isso não os terá fornecido ao contrário do que aconteceu com os outros liceus (salvo o de Coimbra que tinha a Universidade ao pé). De qualquer modo, a descrição que este relatório faz das condições materiais e das salas que dispõe tornavam impossível albergar o equipamento necessário. Por outro lado, o espaço para laboratórios na academia também não seria muito grande (Cruz, s/d). Faria sentido admitir que o liceu da principal cidade do país, Lisboa, tivesse sido contemplado com a cadeira de ciências. Quando se está a falar da “capital do reino”, está-se a falar de uma cidade onde se concentravam “desproporcionadamente, os vectores principais da 7

Relatório do estado dos estudos do Liceu Nacional do Porto pertencendo ao ano económico de 1854-1855, datado de 28 de Setembro de 1855: Maço 3647C. 8

Relatório do ano lectivo de 1858 a 1859 do Liceu Nacional do Porto, datado de 15 de Dezembro de 1859: Maço 3848

política, da economia e da cultura” (Matos & Marques, 2002, p. 31), com uma sua população urbana que rondaria os 200 000 habitantes (Veiga, 2004), mais que todas as restantes 25 cidades juntas, excluindo o Porto. Assim, pode parecer estranho que não só não tenha acontecido, como ainda o facto de ter sido sucessivamente adiada a criação da cadeira, que só se veio a concretizar cerca de dez anos depois, já depois de nova legislação ter entrado em vigor, nomeadamente o Regulamento dos liceus de Fontes Pereira de Melo, publicado no decreto de 10 Abril de 1860.

Equipamento dos Laboratórios e gabinetes liceais

Na realidade, o primeiro liceu independente onde a cadeira foi estabelecida, sem ter qualquer suporte prévio, foi o de Ponta Delgada, tendo sido a criação da cadeira pedida pelo Conselho de professores, nem três meses passados da publicação da lei que a permitia: O Decreto de 12 de Agosto do corrente ano, no artigo quinto, e as circunstâncias especiais em que se acha o Liceu Nacional de Ponta Delgada . . . obrigam o Conselho deste Liceu implorar de Vossa Majestade a graça de lhe doar . . . o benefício . . . que consiste na criação de uma cadeira de princípios de física e química, e introdução à história natural dos três reinos.9

Depois do Governador Civil de Ponta Delgada dar o seu aval à pretensão o documento chegou ao Ministério do Reino, que o remeteu, em 21 de Novembro, ao Conselho Superior de Instrução Pública (CSIP), onde foi presente na reunião do dia 24, sendo a representação micaelense consultada favoravelmente uma semana depois, no dia 1º de Dezembro10. O CSIP concorda e perfilha parte da argumentação do Conselho do liceu de Ponta Delgada considerando a cidade “um dos locais mais apropriados para este Estabelecimento não só pela sua população e riqueza; senão porque a fonte principal desta é ali a agricultura, 9

Representação do Conselho do Liceu Nacional de Ponta Delgada a pedir a Cadeira de Princípios de Física e Química, e Introdução à História Natural (PFQIHN), 31 de Outubro de 1854: Maço 3576. 10

Actas do Conselho Superior de Instrução Pública de 1854, 24 de Novembro e 1 de Dezembro: Maço 3565.

que pode tirar grandes vantagens daquele estabelecimento.” Todavia, faz questão de lembrar que as ciências não são como as outras disciplinas e que, para que a respectiva cadeira funcione, é preciso algo mais: Para se conseguir este fim, não basta criar a Cadeira, é preciso dotá-la com os instrumentos próprios para as aplicações usuais; e por isso parece ao Conselho Superior de Instrução Pública, que convirá ordenar a criação da dita Cadeira, e autorizar ao mesmo tempo a despesa necessária, para a compra dos utensílios necessários aos seus exercícios práticos.11

Depois deste posicionamento do Conselho Superior, o Ministério do Reino pedelhe que informe “quais são os utensílios que reputa indispensáveis para a Cadeira funcionar, quando seja criada e a quanto montará a despesa com a aquisição de tais utensílios”12. Na lista que o Conselho elabora incluem-se 31 artefactos para a disciplina de Física, começando por um “nónio rectilíneo” e terminando com um “aparelho para decompor a água.” Para a Química seria indispensável “um pequeno laboratório” e uma “colecção de produtos químicos,” enquanto a Zoologia deveria possuir “alguns representantes mais notáveis de cada uma das classes do reino animal.” A Botânica deveria necessitar de “um herbário” e a Mineralogia e Geologia teriam uma “colecção industrial de rochas e minerais” e uma “colecção de rochas respectivas aos diferentes terrenos”13. A elaboração desta relação de instrumentos e materiais foi feita através da colaboração íntima existente entre o CSIP e a Universidade de que o Conselho, em realidade, era uma extensão, mais não fosse pela origem dos seus membros. A cadeira tinha sido, na sequência da lei de 1854, criada no liceu de Coimbra, e este não era mais que uma secção da própria Universidade, desfrutando os seus professores do mesmo estatuto que os universitários e transitando de uma para outra instituição sem qualquer perda de prestígio. O professor que primeiro leccionou a cadeira no liceu, provisoriamente, em 1854-1855, 11

Consulta do CSIP (propondo a criação da cadeira de PFQIHN no liceu de Ponta Delgada) de 5 de Dezembro de 1854: Maço 3576. 12 13

Nota inscrita na “Consulta do CSIP” de 5 de Dezembro de 1854: Maço 3576.

“Relação dos objectos e utensílios indispensáveis para o exercício da Cadeira de PFQIHN e, pedida pelo Conselho do Liceu de Ponta Delgada; com designação dos preços respectivos” (CSIP): Maço 3576.

enquanto não foi possível prover o lugar por concurso, era um jovem lente universitário destacado para essa tarefa. Foi ele o responsável pela elaboração original da lista de apetrechos para equipar, primeiro, o laboratório liceal de Ponta Delgada e, posteriormente, dos outros liceus onde a cadeira foi criada. Nas circunstâncias, pode-se dizer que a lista terá sido elaborada à imagem das necessidades da própria Universidade, mesmo que “simplificadas” para o uso liceal. A própria cadeira leccionada na escola secundária deveria seguir de muito perto as equivalentes do ensino superior, como se depreende de vários indícios. No seguimento do concurso realizado entre 1855 e 1856, foi nomeado professor temporário da cadeira de ciências do liceu de Ponta Delgada, por Portaria de 29 de Fevereiro de 185614, Aragão Morais. As aulas iniciaram-se no ano lectivo seguinte com 27 alunos15, tendo, presumivelmente, terminado o ano (ou passado?) apenas 11, dado que um relatório do comissário16 apresenta este número, contraditório com o avançado pelo próprio liceu. O professor de Ponta Delgada tinha formação em Direito, que exercia, mas frequentara cadeiras específicas de ciências nas Faculdades de Matemática e Filosofia17. No último ano do seu provimento temporário, 1858/5, foi avaliado18 com a qualificação de bom nos vários itens considerados: merecimento literário, aptidão para o ensino, moral e civil. No ano seguinte seria substituído, sendo-lhe negada a prorrogação do contrato, apesar de desempenhar bem o método de ensino por si adoptado que era “o da exposição e de tomar lições”19. 14

O instituto: jornal scientifico e literário de 15 de Abril de 1856 (n.º 2 do volume V) e o documento “guia n.º 1” de 26 de Abril de 1856, para pagamento dos direitos de mercê pela nomeação: Maço 3573. 15

Mapa do movimento do Liceu Nacional de Ponta Delgada de 1856 a 1857, datado de 10 de Setembro de 1857: Maço 3647 E. 16

Mapa anexo (2 de Setembro de 1857) ao Relatório literário do Comissário de Estudos do Distrito de Ponta Delgada de 1856-1857, datado de 15 de Setembro de 1857: Maço 3577. 17

Certidão passada pela Universidade de Coimbra em 25 de Janeiro de 1856: Maço 3873

18

Ofício do Comissário dos Estudos de Ponta Delgada, datado de 1 de Agosto de 1859: Maço 3588 e Mapa estatístico do distrito de Ponta Delgada de 1859/60:M 3849. 19

Mapa estatístico do Liceu Nacional e escolas anexas do distrito de Ponta Delgada, com referência ao findo ano escolar de 1858 a 1859, datado de 31 de Março de 1860: Maço 3854.

Em 1856 foi provido o professor do liceu de Santarém20, Silva Júnior, no que foi apenas uma recondução, dado que a cadeira já existia, mesmo antes de 1854, nesse estabelecimento que dependia do Patriarcado de Lisboa, o seminário. Em 1857 foi dado provimento a Nogueira de Sampaio em Angra 21, e a Alves Passos em Braga 22 . A nomeação para Braga levantou alguma celeuma, dado que este professor, anos mais tarde afastado do ensino por motivos políticos23, não foi proposto em primeiro lugar para o cargo pelo CSIP24. Em 1858 foi nomeado para o liceu de Horta, Azevedo Júnior, que já concorrera para o liceu de Angra, mas fora preterido, o qual esteve na origem da criação da cadeira ao subscrever, e enviar ao ministério, uma “memória” com esse pedido. O professor de Santarém, que em 1854 leccionava um Curso Bienal de Filosofia Natural, pediu, no início desse ano, quando acabou a disciplina de Introdução aos Três reinos da Natureza, um conjunto de materiais que considerava imprescindíveis, dirigindo-se ao Reitor do Seminário de Nossa Senhora da Conceição de Santarém. Escrevia ele25: Vamos amanhã dar começo aos estudos de Química aplicada às Artes. E como seja inteiramente inexequível esta segunda parte sem uma colecção dos Corpos de que esta ciência se ocupa, senão completa ao menos daqueles de que a sua aplicação é mais geral; e bem assim sem os instrumentos e aparelhos necessários para as análises e sínteses e extracções.

20

Decreto de 12 de Setembro de 1856 em O instituto: jornal scientifico e literário de 1 de Outubro de 1856 (n.º 13 do volume V). 21

Decreto de 22 de Julho de 1857. Anotação na Proposta para o provimento da Cadeira de Introdução à História Natural dos três Reinos e de Princípios de Física e Química do Liceu de Angra do Heroísmo do CSIP de 14 de Julho de 1857: Maço 3503. 22

Decreto de 24 de Março de 1857: Diário do Governo n.º 91 de 20 de Abril de 1857.

23

Participação na revolta da Maria Bernarda (15 de Setembro de 1862) contra a carga fiscal.

24

Comentado em A instrucção publica de 15-2-1857 e 15-5-1857 (Cota: BN J. 183 B) e A Nação n.º 2845 citado na anterior publicação. 25

Cópia do ofício dirigido pelo professor da cadeira de ciências ao reitor do seminário patriarcal, anexada ao ofício dirigido pelo cardeal patriarca de Lisboa ao ministério do reino em 21 de Janeiro de 1854.

Por isso pedia diverso material e reagentes, e insistia na satisfação do seu pedido porque “doutro modo julgo que convirá suspender o curso por me parecer infrutuoso qualquer estudo nestas ciências sem as experiências.” Depois manifesta compreensão pelas dificuldades do patriarcado e, em função disso, acaba por pedir apenas “aqueles instrumentos indispensáveis para algumas experiências.” Nestes incluem-se um fogão de revérbero, diverso material de vidro como retortas e alongas, balões com tubuladuras, frascos de vidro com e sem tubuladuras, tubos de diversos diâmetros, campânulas, uma tina, cápsulas, funis e um almofariz. Pedia também material de grés (retortas e alongas), de porcelana (cápsulas, bacias) e, ainda, folha de lata de diversas dimensões e um almofariz de mármore. Quanto às substâncias reagentes pede somente um óxido, três ácidos, um cloreto, além de amónia, enxofre e cloro, em “módica quantidade”. Conclui “advertindo porém que se agora me limito a estas substâncias é na firme resolução de ir pedindo as que me forem sendo precisas.” O Conselho Superior foi consultado pelo ministério e, um mês depois, a resposta fazia-se acompanhar “com a relação dos preços dos instrumentos, e mais objectos indispensáveis para as funções do ensino da Química aplicada às Artes, requisitados pelo Professor do Curso bienal de Ciências Físicas, estabelecido no Seminário patriarcal.” Lamentava o Conselho que não haja “notícia doutro Estabelecimento Público, que possa dispensar”, o equipamento e as substâncias pedidas pelo professor de Santarém acabando a sugerir que fosse o seminário com os seus próprios meios a fazê-lo26. Seis meses depois, a lei de 12 de Agosto recuperou as ciências para os programas liceais, e o Conselho, sem pestanejar, fez questão de que fossem comprados os materiais

26

Consulta do CSIP datada de 24 de Fevereiro de 1854 sobre o fornecimento de materiais de laboratório ao seminário patriarcal de Santarém: Maço 3565

necessários, dado que a Cadeira de ciências exige “instrumentos próprios para as aplicações usuais”27.

Contestação do equipamento laboratorial fornecido

Depois de Ponta Delgada o processo repetiu-se, idêntico no essencial, com outros liceus noutras cidades. Por ordem, os três seguintes foram os de Angra, Braga e Horta. Para todos eles o Conselho fez questão de enviar os mesmos materiais que constavam da lista que tinha sido aprimorada pelo professor Matias de Carvalho do liceu de Coimbra. A diferença é que os professores dos liceus atrás referidos não se satisfizeram com a encomenda vinda de Paris e criaram a sua próprias listas, complementares da lista oficial ou eventualmente alternativas. O professor do liceu de Angra expõe as necessidades que sente28, começando por defender, eloquentemente, as virtudes pedagógicas das experiências: É especialmente a prática, que no estudo das ciências naturais fixa a atenção do Discípulo, que cativa a sua imaginação, e que lhe faz compreender com facilidade a doutrina ou teoria que lhe apresenta o compêndio ou o professor – alguns ramos há mesmo nesta ciência que sem a demonstração prática se não podem compreender; tais são a anatomia, a fisiologia comparada e quase toda a mineralogia.

Conclui rapidamente que é “indispensável o completar-se a colecção dos objectos fornecidos . . . destinada ao ensino da Cadeira de Introdução à História Natural, ultimamente criada neste Liceu Nacional.” Alargando a sua perspectiva, propõe que se estabeleça, a partir do núcleo liceal, um “pequeno Museu, o qual não só sirva as lições da Cadeira, acima dita, mas que possa

27

Consulta do CSIP (propondo a criação da cadeira de PFQIHN no liceu de Ponta Delgada) de 5 de Dezembro de 1854: Maço 3576. 28

Proposta feita pelo professor da cadeira de ciências ao Conselho do Liceu de Angra em 12 de Junho de 1858: Maço 3584.

denominar-se Museu Nacional de Angra do Heroísmo” o qual, de resto, já tinha algumas bases obtidas de contributos particulares. Em consequência, apela à necessidade de se orçamentar “uma verba de 100$000 rs anuais . . . a qual será destinada ao aumento do Gabinete de História Natural do Liceu Nacional desta cidade, ao seu reparo, e às despesas que anualmente se fazem com o ensino da mencionada aula.” Finalmente e, segundo o próprio, “para dar mais fundamento à proposta” considera “de urgente necessidade a aquisição dos seguintes objectos: um microscópio, uma máquina de Atwood, espelhos parabólicos, fonte de Héron e intermitente, aparelho de Haldat, tubo de Mariotte, balança de análise, aparelho para refracção da luz, um esqueleto humano, alguns esqueletos de animais, peças de anatomia plástica de Auzoux, formas de cristais e exemplares de cristais minerais. Em reforço do posicionamento do professor, o reitor e o Conselho de professores, na representação enviada ao ministério, consideram a recebida “colecção de instrumentos e objectos . . . muito deficiente,” para a finalidade de ensino da cadeira de ciências. Em resposta o CSIP escudando-se atrás das fracas “forças do Tesouro” recusa o solicitado29 pois que, tendo sido considerado, para todos os liceus, a distribuição efectuada, “não há motivo especial para ser mais favorecido o de Angra, nem na representação se aponta algum que mereça esse favor.” É de registar que o professor do liceu de Angra, Nogueira de Sampaio, apresentara como habilitações quando opositor ao concurso de que saiu a sua nomeação, as seguintes: 2.º ano da Faculdade de Matemática e 3.º ano da de Filosofia, Carta de formatura em Lovaina e Carta de Medicina da Escola Médico-Cirúrgica. Com esta formação e a sua evidente preocupação no alargamento do conhecimento das ciências para lá das quatro paredes do liceu, não parece, à primeira vista, que fizesse muitas exigências.

29

Consulta do Conselho Superior de Instrução Pública de 27 de Agosto de 1858: Maço 3584.

Não temos mais informação sobre o liceu de Angra no que a este processo diz respeito, não se ficando a saber se a decisão do CSIP foi acatada sem reacção, ou se houve mais tentativas de conseguir os intentos do professor de ciências. Passando a analisar o que se passou em Braga, verifica-se que o professor local não tendo aceitado a primeira negativa do CSIP insistiu nas suas reivindicações, embora sem frutos, aparentemente. O material para o liceu de Braga chegou a esta cidade em Abril de 185730, um mês antes da nomeação do professor de ciências31 e foi oficialmente recebido no liceu em Julho desse ano32. Mal iniciado o ano lectivo seguinte, o reitor do liceu de Braga oficiou ao CSIP33, no seguimento de uma representação que o professor lhe tinha dirigido “sobre a necessidade de se comprarem vários objectos constantes duma relação por ele formulada,” objectos esses que considerava “indispensáveis para o ensino das matérias daquela cadeira.” A resposta, recebida do CSIP, foi que “por enquanto julga suficientes os instrumentos já concedidos para a regência da referida cadeira.” O professor voltou a representar junto do reitor e este insistiu com novo ofício34, neste caso, para o ministério. Junto a este ofício encontra-se a lista de material suplementar pedida pelo professor de Braga e que inclui35: balança de Nicholson, microscópio Stanhope, microscópio de Codington, micrómetro de vidro, eudiómetro, micas, tubos de vidro graduados, termómetro, areómetro universal, vaso para dois líquidos, voltâmetro, câmara escura, lanterna mágica,

30

Ofício do governador civil de Braga de 14 de Abril de 1857: Maço 3580.

31

Decreto de 24 de Março de 1857 saído no Diário do Governo n.º 91 de 20 de Abril de 1857.

32

Segundo afirma o CSIP na sua consulta de 20 de Abril de 1858 “sobre instrumentos e utensílios para o exercício da Cadeira de Química e Física do Liceu Nacional de Braga”: Maço 3503. 33

Ofício do Comissário Reitor do Liceu de Braga de 17 de Março de 1858, na parte em que refere outro ofício, que enviou ao CSIP, de 22 de Novembro de 1857: Maço 3583. 34

Ofício do Comissário Reitor do Liceu de Braga de 17 de Março de 1858: Maço 3583.

35

Lista subscrita pelo professor de ciências do liceu de Braga em 7 de Março de 1858: maço 3583.

electrómetro de quadrante, condensador de folha de oiro, com excitador, fonte de compressão, bateria eléctrica de 9 garrafas, balança de Quinteriz, dinamómetro, nível de água, espelhos conjugados e aparelho para a dilatação dos metais. Na sua resposta, em consulta solicitada pelo governo 36 , o Conselho Superior repete as precedentes negativas. Relembra que já tinha indeferido a “requisição que o dito Reitor lhe fez de mais utensílios por parte do respectivo Professor.” Como não lhe parece que haja “motivo algum para alterar a relação, que fez dos utensílios indispensáveis para a mencionada Cadeira”, o Conselho decidiu que está a “Cadeira do Liceu de Braga provida dos utensílios compreendidos nela, [e, por isso,] deve ser indeferida a requisição que se faz de mais.” Também aqui, em Braga, as habilitações do professor de ciências, Alves Passos, o Curso da Escola Médico Cirúrgica do Porto com as aulas subsidiárias da Escola Politécnica, eram garantia de que saberia as razões em que fundamentava o seu pedido. Além do mais, numa perspectiva mais económica, seria possível adquirir os materiais na própria cidade de Braga, por preços mais razoáveis que os obtidos em Paris e sem encargos de transportes. A tudo isso o Conselho respondeu que não. Ao vasculhar a informação disponível para processo semelhante ocorrido com a cadeira de ciências do liceu de Horta, mais uma vez, se encontra essa postura de recusa sistemática do Conselho Superior face a qualquer pedido que contrariasse a lista original elaborada no liceu de Coimbra. À primeira vista, quando se lê a consulta do CSIP 37 relativamente a um pedido do Reitor do Liceu da Horta de que se “inscreva no orçamento a verba de 60$ para o expediente da aula de Introdução à História Natural dos três Reinos do mesmo Liceu, parece que, finalmente, o Conselho iria condescender. Na resposta, depois de referir que acompanha o ofício do comissário reitor “uma relação dos objectos para que deve ser aplicada a dita 36

Consultado CSIP de 20 de Abril de 1858 “sobre instrumentos e utensílios para o exercício da Cadeira de Química e Física do Liceu Nacional de Braga”: Maço 3503 e 3583. 37

Consulta do CSIP sobre o pedido do reitor do liceu de Horta de aumentar em 60$ o orçamento liceal para fazer face a encargos com a cadeira de ciências, datada de 1 de Março de 1859: Maço 3503.

quantia” e de a considerar não excessiva, diz, textualmente, que “os ditos objectos são indispensáveis para o exercício da aula.” O desvio, face ao comportamento anterior do CSIP, vai até ao ponto de emitir o parecer de “que deve ser contemplada no Orçamento a verba pedida.” O professor, Azevedo Júnior, Bacharel formado em Filosofia, tinha sido nomeado por Portaria de 15 de Junho de 185838, e esta consulta pedida em 24 de Novembro de 1858, só mereceu resposta mais de quatro meses depois. Entretanto, nova solicitação, decerto mais concreta e alargada que a anterior, surgiria através da requisição feita pelo professor, e mandada consultar pelo governo em 21 de Fevereiro de 1859. A resposta do CSIP surgiu logo no 11 de Março seguinte e aparenta ser contraditória com o parecer que tinha emitido, escassa dezena de dias antes. O órgão dirigente, em vésperas da sua extinção39, retoma o seu comportamento normal e “reconhecendo a necessidade da requisição, entende que ela deve ser satisfeita não segundo a relação enviada pelo mencionado Professor, mas sim pela relação junta, proposta por este Conselho e já aprovada por Vossa Majestade, para outros Liceus, onde idênticas cadeiras foram criadas” 40 . Talvez esta aparente contradição tenha origem no facto de o Conselho não ter providenciado, na devida altura, o fornecimento do material para o liceu de Horta, e de, por isso ter aceitado, provisoriamente, que o reitor do liceu adquirisse os materiais inicialmente pedidos pelo professor, tanto mais que a verba em causa era substancialmente inferior à que era habitualmente gasta através do procedimento padrão. Ainda em termos especulativos, pode-se admitir que o primeiro pedido do professor foi feito à luz da conveniência de iniciar o ano lectivo com condições mínimas, e que, com o decorrer do

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O instituto: jornal scientifico e literário de 1 de Agosto de 1858 (n.º 9 do volume VII)

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O Conselho teve a sua última reunião no dia 12 de Julho de 1859. Actas do CSIP de 1859; Acta da Sessão

Ordinária do dia 12 de Julho de 1859: Maço 3587. 40

Consulta sobre a requisição feita pelo Professor da Cadeira de Introdução à História Natural dos três Reinos do Liceu da Horta de instrumentos e objectos necessários para o ensino da Cadeira, datada de 11 de Março de 1859: Maço 3503.

tempo, tenha tido ocasião de fazer uma estimativa mais adequada das necessidades globais. Aí o CSIP já não aceitou. A documentação disponível não permite, nem validar esta hipótese, nem, o que seria mais interessante, confrontar a lista para se inferir a importância relativa que as matérias teriam para o professor. Se no caso de Horta tal não é possível, já o mesmo não se pode dizer face aos outros dois apresentados, os de Angra e Braga. Uma breve leitura da lista dos materiais reivindicados por esses professores permite mostrar que nenhum teria aplicação directa na química. De resto, todo o restante material pedido pelo professor de Braga era usado para experiências físicas, o que prenuncia um claro afastamento do seu programa, relativo a tais matérias, face ao preconizado pelo universitário professor do liceu de Coimbra em 1854/55. Contudo, parece que há alguma sobreposição, e que certos materiais pedidos em Braga já existiam na lista de Coimbra como, por exemplo os areómetros ou o “aparelho para decompor a água,” o que nos conduz a outra pista, que não poderá aqui ser seguida, e que é a de saber se todos os materiais inicialmente propostos foram, de facto, fornecidos aos liceus. No caso do liceu de Horta, o respectivo professor fez um pedido mais “eclético” abrangendo materiais para física, mas também para zoologia e mineralogia. A lista original de Coimbra pressupunha o tratamento experimental de matérias como forças e pressão, hidrostática, acústica, óptica, electricidade e magnetismo no campo da física. Quanto à química a existência de “um pequeno laboratório” conjugado com uma “colecção de produtos químicos” pressupunha algumas experiências notáveis sobre as propriedades e reacções típicas dessas substâncias. Na área das ciências naturais, as diferentes colecções de zoologia, botânica e mineralogia e geologia apontam no sentido de um estudo comparativo das características morfológicas, realçando-se um certo tom de “lições de coisas” situadas nos seus lugares próprios. O professor de Angra solicita alguns objectos diferentes e muito interessantes, nomeadamente “um esqueleto humano, alguns esqueletos de animais, [e] peças de anatomia

plástica de Auzoux.” A distinção começa na integração do corpo humano como objecto de estudo. A invocação dos esqueletos de vários animais sugere um método comparativo. Além disso a abordagem não pretenderia limitar-se às aparências externas, entrando pela morfologia interna. Este método de estudo, tendencialmente mais aprofundado, poderia remeter mesmo para o estabelecimento de relações entre a morfologia interna e a fisiologia. É de notar que nas habilitações académicas do professor do liceu de Angra sobressai uma Carta de Medicina da Escola Médico-Cirúrgica o que explicaria as suas opções. Aliás, a diversidade de formações dos professores de ciências poderá explicar muitas das diferenças que haveria nos respectivos programas de ensino. Sem embargo, o professor do liceu de Braga era, igualmente, possuidor de um curso de medicina cirúrgica, e as suas opções foram bem distintas das do de Angra. No campo da física, há pedidos semelhantes dos dois professores como, por exemplo, o de microscópios que, aliás, também podiam ser utilizados para observações em qualquer uma das disciplinas de história natural, mas pouco mais. Nessa mesma área o professor de Angra pede uma “máquina de Atwood” que lhe permitiria estudar as leis da dinâmica, matéria não subjacente a nenhum dos aparelhos propostos pelo professor de Coimbra e, também, não lembrada pelo professor de Braga. Este, por sua vez, solicita diversos materiais que têm a ver com o estudo da electricidade, incluindo uma bateria e um condensador, o que não é previsto nem na lista original nem no complemento requerido pelo professor de Angra.

Conclusão

Não há espaço para uma análise mais pormenorizada, mas o que foi visto parece suficiente para mostrar que cada professor tinha o seu programa, ou seja, pelo menos relativamente às situações em que existe documentação disponível, é possível constatar que o programa de matérias que cada professor estava disposto a leccionar não coincidia, nem

pretendia aclimatar-se, com o que era indirectamente, via equipamento laboratorial, proposto pelos órgãos centrais de instrução pública. Coimbra usou do seu poder para quase impor um programa “nacional,” o seu, a todas as disciplinas, através da obrigação dos candidatos ao acesso ao ensino universitário de fazerem exame “preparatório” no liceu anexo à Universidade, independentemente da realização de exame equivalente no liceu que tinham frequentado. No caso das ciências reforçou essa “imposição” não cedendo a nenhuma das sugestões de alteração nos equipamentos laboratoriais fornecidos procurando, assim, formatar os programas de conteúdos leccionados e o modo como eram transmitidos. Estes aspectos conjugados reforçaram o centralismo do “sistema” de ensino, mas a resistência da periferia, em defesa da sua autonomia, esteve sempre presente, em geral pela voz dos órgãos liceais e, no caso das ciências, directamente pela acção dos próprios professores.

REFERÊNCIAS

ADÃO, Á. (1982). A criação e instalação dos primeiros liceus portugueses - organização administrativa e pedagógica (1836/1860). Oeiras: Instituto Gulbenkian de Ciência. AMARAL, M. (Ed) (2000-2008). Portugal. Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico. Visto http://www.arqnet.pt/dicionario/benevidesant.html, em 2 de Abril de 2009 CRUZ, I. (s/d). A química na Academia Politécnica do Porto (1837 a 1868). Visto em http://www.triplov.com/isabel_cruz/academia_politec/academia_01.html em 11 de Setembro de 2009. MATOS, P. L., & Marques, A. H. O. (2002). A base demográfica. In A. H. O. Marques (Ed.), Nova história de Portugal (Vol. IX, pp. 13-45). Lisboa: Editorial Presença. VEIGA, T. R. (2004). As realidades demográficas. In F. Sousa & A. H. O. Marques (Eds.), Nova história de Portugal (Vol. X, pp. 17-70). Lisboa: Editorial Presença.

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