O escândalo dos diários secretos como parte da transformação na comunicação da Alep

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XIII Encontro Paranaense de Pesquisa em Jornalismo Universidade Estadual de Ponta Grossa |19 e 20 outubro de 2015

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XIII Encontro Paranaense de Pesquisa em Jornalismo Universidade Estadual de Ponta Grossa |19 e 20 de outubro de 2015 O ESCÂNDALO DOS DIÁRIOS SECRETOS COMO PARTE DA TRANSFORMAÇÃO NA COMUNICAÇÃO DA ALEP 92

SANTOS JÚNIOR, Edson Gil 93 BECKER, Maria Lúcia

Modalidade: Pesquisa em Jornalismo Resumo: O presente artigo toma como objeto de análise a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), para demonstrar o cenário do setor de Divulgação do Poder Legislativo do Estado, anterior e contemporâneo ao escândalo dos Diários Secretos. O levantamento dos dados se deu através de publicações do jornal Gazeta do Povo e relatos de servidores de carreira da instituição. O intuito foi encontrar elementos que comprovassem um suposto descaso da gestão da Casa com o setor e a mudança da proposta editorial após estes acontecimentos. Palavras-chave: Diários Secretos. Assembleia Legislativa do Paraná. Comunicação Pública. Comunicação Institucional. Assessoria de Imprensa.

• Introdução O Poder Legislativo é uma importante ferramenta para a democracia, pois a legítima representatividade da população acontece por meios de senadores e deputados, nas esferas federal e estadual, e pelos vereadores nos municípios. Por esta ligação com o povo as informações geradas política e administrativamente por este Poder são de interesse público, por influenciarem diretamente na vida de milhões de cidadãos. Alguns fatores influenciaram para uma maior transparência dos atos dos governantes, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei de Acesso à Informação e recentemente o Marco Civil da Internet. Aliado a isso, as novas mídias digitais facilitaram e aceleraram o contato da fonte com a mídia comercial, e também possibilitaram a criação de veículos próprios em diversos formatos de mídia, de conteúdos transmitidos pela fonte de informação. No caso do Poder Legislativo paranaense outro fator influenciou na maior valorização do setor de Divulgação da Casa e consequentemente dos profissionais que ali trabalhavam. O que permitiu um diálogo mais amplo através da mídia e com a população, 92

Jornalista. Mestrando em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Especialista em Gestão Pública (UEPG) e graduado em Comunicação Social - Jornalismo (UEPG). Email: [email protected] 93 Jornalista. Mestre em Multimeios pela Unicamp. Doutora em Ciências da Comunicação pela USP. Professora do Mestrado em Jornalismo da UEPG. e-mail: [email protected]

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XIII Encontro Paranaense de Pesquisa em Jornalismo Universidade Estadual de Ponta Grossa |19 e 20 de outubro de 2015 tanto pelos meios convencionais, quanto da própria instituição94. A pesquisa se utilizou de publicações do jornal Gazeta do Povo e de depoimentos de servidores de carreira da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) para traçar um panorama da área de comunicação institucional da Casa. O recorte temporal baseou-se no período que antecede o episódio conhecido como escândalo dos Diários Secretos, em virtude de uma série de reportagens veiculadas em jornal impresso e televisivo que demostravam irregularidades na administração da Alep. Essas irregularidades eram legitimadas em diários oficiais que não tinham ampla divulgação, como determina a legislação, e encobriam um esquema de corrupção, através da contratação de funcionários fantasmas e “laranjas” que recebiam salários sem trabalhar efetivamente na Casa ou, para deputados e diretores da instituição. Já o setor de imprensa sofria o descaso da diretoria da instituição, tanto na estrutura física do departamento, como na obtenção de informações administrativas da Casa para serem passadas à imprensa.



A comunicação pública e a esfera pública De acordo com Habermas (1997, p.14), o Estado é o poder público e a ele cabe promover

o bem comum. Já os sujeitos da esfera pública são o público, o conjunto dos cidadãos, que têm necessidade de se informar, pois somente através da informação adquirida, serão capazes de se manifestarem demonstrando-se portadores de opinião pública e, por sua vez, se tornando então integrantes da esfera pública, tendo condições de exercer a democracia. Matos (2009, p.53) aponta que o interesse geral e a utilidade pública das informações que circulam na esfera pública são pressupostos da comunicação pública. Para esta autora, seria preciso estipular critérios objetivos para definir o interesse e a utilidade das informações trocadas pelos agentes. Entende-se que o Poder Legislativo, por representar a população em suas diversas correntes ideológicas, teria como obrigação manter o povo bem informado do que é decido na Casa de Leis.

• A comunicação institucional e governamental Para entender o papel do setor de Divulgação da Alep, no contexto deste estudo, é necessário distinguir algumas modalidades de comunicação, que podem ou não se aproximar da

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Este estudo é parte de um trabalho que irá compor uma dissertação de mestrado em Jornalismo, por se tratar de um divisor de águas no dia a dia do jornalismo efetuado no Legislativo paranaense.

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XIII Encontro Paranaense de Pesquisa em Jornalismo Universidade Estadual de Ponta Grossa |19 e 20 de outubro de 2015 comunicação pública. Para prosseguimento à discussão teórica é importante conceituar a comunicação institucional e governamental. A comunicação institucional é definida por Monteiro (2009), quando referencia Zémor (1995). Para ela, esta forma tem como objetivo levar a público o papel da instituição, afirmando sua identidade e sua imagem. A autora cita ainda Brandão (2006) para explanar a comunicação governamental como sendo aquela praticada pelo governo, visando a prestação de contas, o engajamento da população nas políticas adotadas e o reconhecimento das ações promovidas no campo político econômico e social. No entanto, as outras formas privilegiam a imagem da fonte, enquanto a comunicação pública deve se guiar pelo interesse geral e não pelo privado, atendendo, assim as questões públicas. Entende-se como um direito da sociedade tomar conhecimento de tais informações e obrigação do Estado as divulgar. Porém, estas ferramentas de comunicação e por consequência sua credibilidade podem ser usadas pelo poder público como forma de defesa institucional.

• A comunicação pública e o jornalismo público A comunicação governamental ou pública, ainda no campo da assessoria de imprensa, já conta com bibliografia específica e remete o serviço como instrumento da agenda pública e forma de prestação de contas ao cidadão dos atos dos governantes (accountability95). Essa interação maior com a população está presente também na corrente teórica francesa da comunicação pública, discutida por Zémor (2009), ao expor que a informação de interesse geral tem origem na utilidade pública. Ainda baseado em Zémor (2009), ao atestar que a comunicação pública é de utilidade pública, é importante a afirmação de Rosen (2003, p.80), quando trata do Jornalismo Cívico e da objetividade desinteressada como ferramenta para qualquer comunidade política democrática, que deveria ser uma das diretrizes no trabalho deste novo profissional, no incentivo à participação popular na política. Rosen salienta que o jornalismo público tem origem em uma perspectiva de democracia participativa, com o jornalismo na construção de um espaço público mais vibrante e na resolução de problemas da comunidade.

No âmbito governamental, podemos dizer que a legislação direciona uma comunicação pública aos moldes do jornalismo público, ou mesmo como uma política pública, mas através viés da transparência na gestão governamental. 95



É a obrigação de membros de um órgão administrativo ou representativo no âmbito governamental de prestar contas a instâncias controladoras ou a seus representados.

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XIII Encontro Paranaense de Pesquisa em Jornalismo Universidade Estadual de Ponta Grossa |19 e 20 de outubro de 2015 A comunicação de governo tem de ser vista como política pública fundamental e necessária, já que o Estado é responsável pela administração e desenvolvimento de uma série de serviços públicos. [...] Esses órgãos precisam executar suas ações finalísticas e torná-las públicas, seja pela contratação de mídia paga, seja pela utilização de mídia espontânea. (MARTINEZ, 2011, p. 207).

Compreende-se que, da mesma maneira que o jornalismo efetuado pela fonte não deveria ser submisso aos interesses dos governantes, efetuando um jornalismo independente para o cidadão, o jornalismo público não deve ser revolucionário e combativo por si só. A militância pela causa defendida pelo profissional não pode ser maior que o compromisso com a informação. Tanto a comunicação pública quanto o jornalismo público têm um papel de informar, no sentido de proporcionar condições para o exercício da cidadania. Segundo Duarte (2009, p.112), a cidadania implica mobilização, cooperação e formação de vínculos de corresponsabilidade para os interesses coletivos, e a regra da luta pela inclusão são as expectativas e opiniões conflitantes e não o consenso de vontades.



Metodologia de Investigação

Com o intuito de entender a situação do jornalismo produzido pelo setor de Divulgação da Alep em 2014 foi necessário comprender também como era a comunicação da instituição antes do escândalo dos Diários Secretos. Para isso, realizou-se a pesquisa documental do registro do jornal Gazeta do Povo, durante grande parte do ano de 2010. Com os dados coletados, as informações foram cotejadas com as declarações de servidores da Alep. Primeiramente o estudo utiliza a pesquisa documental. Atualmente um documento pode ser entendido como algo escrito, em formato de imagem, áudio, vídeo ou arquivo digital. Pode servir como prova de dado estatístico, cientifico ou de acontecimento, neste caso, tanto as matérias publicadas em jornais, como de acervo digital de um veículo da fonte de informação. Baseado em diversos autores Silva (2009) esclarece o conceito de documento para utilizado neste estudo para possibilitar a análise tanto dos jornais, quanto dos dados do acervo jornalístico da Alep. O que é um documento? Para Cellard (2008: 296) não é tarefa fácil conceituá-lo: “definir o documento representa em si um desafio”. Recuperar a palavra “documento” é uma maneira de analisar o conceito e então pensarmos numa definição: “documento: 1. declaração escrita,

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XIII Encontro Paranaense de Pesquisa em Jornalismo Universidade Estadual de Ponta Grossa |19 e 20 de outubro de 2015 oficialmente reconhecida, que serve de prova de um acontecimento, fato ou estado; 2. qualquer objeto que comprove, elucide, prove ou registre um fato, acontecimento; 3. arquivo de dados gerado por processadores de texto” (HOUAISS, 2008: 260). Phillips (1974: 187) expõe sua visão ao considerar que documentos são “quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento humano” (SILVA et. al., 2009, p.6).

Além disso, baseado no modelo de Zicman (1985) efetuou-se um estudo comparativo de tendências, mas ao invés de se considerar diferentes jornais, fora utilizado o periódico diário e o portal da Alep. Interpretou-se o canal de comunicação da instituição como um jornal, realizando assim uma análise inter-jornais. O objetivo foi comparar a apresentação de um mesmo fato, fazendo transparecer as respectivas tendências dos periódicos consultados. Além deste aspecto, a utilização de entrevistas em profundidade reafirmam algumas situações deste momento histórico através dos depoimentos de servidores de carreira da instituição no mês de junho de 2014. Na entrevista semiestruturada, Travancas (2006) aponta que é necessário um prévio planejamento do que será questionado sobre o funcionamento da estrutura de comunicação da Casa e suas rotinas, limitações políticas e profissionais, entre outros temas relacionados com a pesquisa.



O escândalo dos Diários Secretos Até 2010, a história da Alep foi contada na imprensa, a partir da perspectiva institucional,

na qual os deputados exerciam suas funções de representantes do povo na esfera estadual, propondo leis e, em nome dos cidadãos que o elegeram, analisando propostas do Poder Executivo. As decisões tomadas neste espaço legislativo eram o foco do que era noticiado com o auxílio do setor de Divulgação da Casa.

No entanto, em 2010, o Grupo Paranaense de

Comunicação (da Gazeta do Povo e da RPC TV), nos moldes do jornalismo investigativo, em uma série de reportagens chamada de Diários Secretos, denunciou um esquema de corrupção efetuado, a princípio por servidores do parlamento estadual. Nesta situação específica, de acordo com relatos dos servidores da Alep, através do jornalismo investigativo, a grande imprensa, pouco se utilizou da estrutura da assessoria da Casa, por esta representar os interesses da instituição. Quando acontecia na maioria das vezes era através de notas oficiais. Fato que pode ser compreendido através da abordagem de Hunter e Hanson:

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XIII Encontro Paranaense de Pesquisa em Jornalismo Universidade Estadual de Ponta Grossa |19 e 20 de outubro de 2015 A cobertura convencional de notícias depende amplamente – e, às vezes, inteiramente – de materiais fornecidos pelos outros (por exemplo, pela polícia, governos, empresas, etc.); ela é fundamentalmente reativa, quando não, passiva. A cobertura investigativa, em contraste, depende de materiais reunidos ou gerados a partir da própria iniciativa do(a) repórter (e por isso ela é frequentemente chamada de “cobertura empreendida” – em inglês, “enterprise reporting”). A cobertura convencional de notícias visa a criar uma imagem objetiva do mundo como ele é. A cobertura investigativa utiliza materiais objetivamente verdadeiros – ou seja, fatos que qualquer observador razoável concordaria que são verdadeiros – visando à meta subjetiva de reformar o mundo. Ela não é uma licença para mentir por uma boa causa. Ela é uma responsabilidade, para que a verdade seja aprendida de modo que o mundo possa mudar. (HUNTER & HANSON, 2013)

O jornalismo efetuado pela Gazeta do Povo de modo investigativo pode ser considerado como jornalismo público, bem como, jornalismo cívico, por mobilizar a população a se posicionar contra a corrupção. Por reconstruir acontecimentos importantes, por expor injustiças e, principalmente mostrar os meandros da corrupção no setor público – que os poderes estatais querem ocultar dos cidadãos -, o jornalismo investigativo em sua face fiscalizadora, tornou-se conhecido pela sociedade. Essa interface com a prestação de serviços tem criado, no imaginário dos cidadãos, uma ideia equivocada do jornalismo investigativo: a que ele ocupa espaços que o estado omisso deixa vazios, quer por incompetência, quer por irresponsabilidade, quer por má-fé. (SEQUEIRA, 2005, p.61)

Os deputados se tornaram coadjuvantes no cenário em que a busca principal era encontrar culpados dos desvios de recursos públicos e denunciar os cálculos sobre o montante do desfalque. Segundo Lopes & Baran (2014), a série Diários Secretos, da Gazeta do Povo e da RPC TV, analisou 724 edições do Diário Oficial da Assembleia Legislativa do Paraná, publicadas entre 1998 e 2009. Por cerca de dois anos os profissionais da RPC realizaram um levantamento que descobriu um esquema criminoso de desvio de recursos públicos. Segundo estimativas do Ministério Público os valores podem ultrapassar R$ 200 milhões. De acordo com a Gazeta do Povo, o trabalho foi realizado pelos jornalistas Katia Brembatti, James Alberti, Gabriel Tabatcheik e Karlos Kohlbach, com apoio de uma equipe de mais de 40 profissionais dos dois veículos de comunicação. De outro lado, baseado em informações dos servidores efetivos da Divulgação, antes de se tornar público o escândalo dos Diários Secretos, o setor cumpria seu papel institucional divulgando o resultado das votações plenárias, mas quanto se tratava de informações administrativas da Casa, o convívio com a administração nem sempre era agradável. Os diretores passaram a ser praticamente vitalícios, pois permaneceram nos cargos após vinte anos, ou até mais, na direção da sua área. Isso favoreceu ou pode ter favorecido o desenvolvimento de práticas nocivas, ruins, pouco saudáveis. Isso nós conhecemos aqui, infelizmente. Para a assessoria de imprensa isso foi ruim, porque fica fácil de trabalhar quando você pode dizer tudo o que você tem para dizer. As coisas aparecem, os fatos aparecem, com facilidade, e naquele tempo era mais difícil, não se tinha acesso à informação. (depoimento ao pesquisador).

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Relatos de profissionais apontam que a estrutura de trabalho do setor era ultrapassada para os primeiros anos do século XXI e o uso de máquinas de escrever ainda era habitual. Além disso, a sala da Divulgação se localizava próxima da gráfica, em um lugar de difícil acesso, o que demonstrava um descaso da direção da Alep com o setor de imprensa. Outros setores também eram carentes de tecnologia, fato que pode ser creditado tanto à falta de comprometimento, como ao intuito de manter a Alep em um sistema obsoleto propositalmente, para favorecer a corrupção. Os equipamentos, a tecnologia eram muito primitivos. Nós usávamos a máquina de escrever, a datilografia, como essas máquinas que você ainda pode ver ali em cima (aponta para três máquinas de escrever antigas guardadas em cima de um armário na atual sala da Divulgação da Casa), bem diferente do que temos hoje. A Assembleia do Paraná foi assim uma das últimas a se informatizar, também, porque não interessava aos gestores daquela época essa informatização. Porque a informatização, querendo ou não, ela leva a um trânsito mais fluente das informações. Não tem mais aquela coisa centralizada, controlada por um burocrata que só ele sabe estoques de materiais da Assembleia, só ele sabe da situação das contas à pagar, enfim, de todo processo administrativo. Com informática, com internet, há uma sensível e importante modificação. (depoimento ao pesquisador).

Na época, uma matéria da Gazeta do Povo também apontava para a falta de tecnologia. A Assembleia não é totalmente informatizada. E a dificuldade de encontrar documentos é grande. Fichas funcionais que mostrem o histórico de alguns servidores estão perdidas. Ao que parece, também não há uma lista atualizada dos bens móveis da Assembleia. Sem controle de patrimônio, equipamentos e mobiliários adquiridos podem sumir sem que ninguém dê falta deles. Deputados reclamam que há privilégios, como parlamentares que conseguem estrutura e gabinetes maiores. (BREMBATTI & KOHLBACH, 2011).

Este descaso acontecia também por parte da direção da Casa, em relação aos seus profissionais da imprensa, pois, de acordo com as fontes entrevistadas nem sempre se conseguia passar as informações, principalmente as administrativas, quando solicitadas pelos veículos de mídia. Em alguns casos, são citadas até atitudes ásperas dos cargos de direção com os profissionais da Divulgação quando interpelados em assuntos que não queriam tornar de conhecimento público. A imprensa me ligou certa vez para saber quantos carros havia na frota da Assembleia, naquela época, eu não sabia quantos tinham. Daí procurava quem soubesse para passar a informação. Quando encontrava o diretor da Casa, a resposta era “quem quer saber?” “ah, então manda tomar naquele lugar”. Então ser jornalista da Casa em uma situação dessas era simplesmente horrível. Era muito complicado. (Depoimento ao pesquisador).

Um fator importante a ser abordado é um aparente apartidarismo que guiou o jornal Gazeta do Povo na condução dos trabalhos. De modo watchdog, a exemplo do caso Watergate, a série Diários Secretos denunciou um esquema de corrupção milionário, mas sem uma visível motivação partidária e sim com características de defesa do interesse público. O desenrolar das matérias da série sensibilizou a população, gerando um sentimento cívico de defesa dos recursos públicos. Para Eksterowich, Roberts & Clark (2003, p.95), o

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XIII Encontro Paranaense de Pesquisa em Jornalismo Universidade Estadual de Ponta Grossa |19 e 20 de outubro de 2015 conhecimento político está fortemente relacionado com a incidência da participação política, e o jornalismo tem um papel fundamental quando, através das informações, desperta o civismo e o interesse de se manifestar. Com isso, de acordo com os autores, o preceito do jornalismo público, ou jornalismo cívico, é a forma mais promissora de promover o aumento da consciência pública e da participação política. Mesmo que as escolas e institutos dediquem mais tempo e energia ao ensino da cidadania, os cidadãos continuarão a depender fortemente dos jornalistas da imprensa, da rádio e da televisão para obter informação na qual basear decisões informadas. [...] O jornalismo cívico oferece uma forma de trazer o jornalismo de volta à luta para preservar as instituições democráticas das nossas comunidades e da nossa nação. (EKSTEROWICH, ROBERTS & CLARK, 2003, p.104)

Devido ao desinteresse partidário demonstrado pela Gazeta no assunto, e em meio ao escândalo, enquanto a Alep se calou, a população se mobilizou em manifestações em diversas cidades do Paraná. O principal protesto aconteceu em 8 de junho de 2010 em Curitiba, mas também em outras cidades paranaenses. As mobilizações sociais não conseguiram derrubar a Mesa Diretora da Alep, que tinha como agentes políticos, o presidente da Casa, Nelson Justus, e Alexandre Curi, como primeiro secretário, responsável pelo setor administrativo da Alep. No entanto, considerando a pressão popular, ainda em 2010, o deputado Nelson Justos iniciou mudanças na estrutura da Casa, bem como, no setor de Divulgação e na forma de o parlamento prestar contas à sociedade. Um saldo positivo do jornalismo investigativo realizado pela Gazeta do Povo, na série Diários Secretos, foi percebido por diversos fatores. Uma quantidade de servidores comissionados foi exonerada, a antiga gráfica foi desativada, uma milícia interna foi extinta, além da condenação de alguns envolvidos, enquanto outras ações judiciais ainda estão em andamento, incluindo também deputados. Quinze pessoas já foram condenadas em função das denúncias da série Diários Secretos feitas pela Gazeta do Povo e pela RPC TV em 2010. A série mostrou como funcionava o esquema de desvio de dinheiro público dos cofres da Assembleia Legislativa do Paraná por meio da contratação de funcionários fantasmas. Das dez ações criminais propostas pelo Ministério Público (MP), oito têm sentença. Além desses processos, há ainda dez ações cíveis, que citam deputados e ex-deputados estaduais. (LOPES & BARAN, 2014)

De acordo com os jornais e com depoimentos prestados pelos servidores da Alep, com o deputado Valdir Rossoni assumindo como presidente, mudanças mais drásticas aconteceram e o setor de Divulgação foi melhor valorizado mudando até a sua localização para próximo da presidência. O que demonstra a intenção de buscar transparência administrativa, como também de limpar a imagem da Casa após o escândalo dos Diários Secretos.

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XIII Encontro Paranaense de Pesquisa em Jornalismo Universidade Estadual de Ponta Grossa |19 e 20 de outubro de 2015 O deputado Valdir Rossoni (PSDB) assumiu ontem a presidência da Assembleia Legislativa do Paraná prometendo mudanças que, se implementadas, podem enfim trazer transparência ao Poder Legislativo paranaense. Numa entrevista exclusiva, concedida horas depois de ser eleito presidente da Assembleia, o tucano adiantou que vai demitir 50% dos funcionários comissionados da administração da Casa, que não vai manter nenhum diretor da antiga gestão no cargo e que a gráfica da Assembleia será lacrada e fechada para nunca mais rodar o Diário Oficial do Legislativo. (KOLBACH & GARCIA, 2011)

De acordo com os servidores da Divulgação, para o jornalismo da Casa, o avanço também foi significativo na questão da transparência administrativa. Após a posse de Rossoni era grande o compromisso em transmitir as informações da Casa, mas não apenas as de conteúdo relacionado ao processo legislativo. Também como forma a prestar contas, era constante a cobertura dos atos da presidência, bem como, da gestão da Alep. De 2011 para cá, o que aconteceu, após o escândalo dos ‘Diários Secretos’. Foi eleita uma Mesa Executiva que fez o movimento pendular, exatamente em oposição ao que tínhamos antes. Com erros e acertos, não estou dizendo que é perfeita (gestão encerrada em 2014), mas ela teve o mérito de ter rompido uma situação que se instalou e que era centralizadora, que controlava a informação, mudando substancialmente, para um processo mais aberto, mais transparente. Agora a transparência é um ideal a ser diariamente perseguido. Claro que a transparência não é uma coisa absoluta, não podemos dizer que também somos absolutamente perfeitos neste quesito, mas sem dúvida que evoluímos muito e estamos em processo de evolução. (depoimento ao pesquisador).

A situação também foi comprovada por parte dos profissionais da imprensa que cobriam as sessões plenárias da Alep, como relata Alves (2013). A primeira decisão foi pela instalação de paredes de vidros para separar o comitê de imprensa do plenário e a limitação do acesso de fotógrafos e cinegrafistas dos canais de comunicação no plenário. [...] Também foram instalados equipamentos de computadores com acesso à internet para uso dos jornalistas, além de uma máquina de café expresso. A diretoria de comunicação estabeleceu também a obrigatoriedade de identificação para acesso ao comitê de imprensa através de credenciamento prévio, tanto para os profissionais de veículos externos, como para os assessores de imprensa dos parlamentares e dos veículos internos. A medida contribuiu para o controle na circulação de pessoas e proporcionou mais conforto para os profissionais que cobrem as sessões plenárias. Em toda a história da Alep o acesso ao comitê de imprensa era liberado e permitia que assessores de outras áreas e até mesmo visitantes circulassem no espaço destinado para o trabalho jornalístico. (ALVES, 2013).

Considerações finais Baseado em um modelo autoritário e centralizador, mesmo após a abertura democrática no país, para muitos o setor de Divulgação da Alep parou no tempo e só ingressou nos novos conceitos legais de comunicação e dos recentes suportes tecnológicos a partir de 2010. Constatou-se através do cruzamento de dados vindos das diversas fontes descritas neste estudo, o desinteresse da direção da Casa na modernização da estrutura da Alep, incluindo neste contexto o setor de comunicação, antes dos episódios relativos aos Diários Secretos. Além disso, o contato dos diretores com os profissionais da Divulgação, em resposta aos questionamentos originados nos veículos de comunicação comerciais, nem sempre eram cordiais

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XIII Encontro Paranaense de Pesquisa em Jornalismo Universidade Estadual de Ponta Grossa |19 e 20 de outubro de 2015 e produtivos, o que poderia atribuir certo constrangimento em investidas posteriores nos profissionais da imprensa da instituição. No entanto, mesmo considerando o fato que os deputados estaduais, gestores da Alep na época, ainda continuarem em mandato após as eleições, sem condenações e eleitos novamente pela população. O escândalo trouxe benefícios que foram percebidos principalmente na gestão seguinte, presidida pelo deputado Valdir Rossoni. Tanto a série de reportagens, quanto as manifestações populares, aliadas ao trabalho do Ministério Público ocasionaram diversas condenações. Contudo, um dos benefícios está na maior transparência da administração da Casa, que por consequência influência no jornalismo produzido pela fonte, através de sua assessoria de imprensa, demonstra maior valorização e liberdade dos profissionais em seu campo de atuação. Por mais que no jornalismo produzido na Alep esteja presente um apelo institucional, na proteção da imagem do assessorado, a comunicação pública se destaca, através do accountability, o que apresenta um ganho para o jornalismo e para a população, que tem a oportunidade de saber (como atua o) onde são empregados os recursos do Poder Legislativo paranaense.

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