O esforço fiscal dos municípios e as transferências intergovernamentais (Introdução)

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© Daniel Vieira Marins Gramma Livraria e Editora Conselho Editorial: Mirian Goldenberg, Ivair Reinaldim, Geraldo Tadeu Monteiro, Lúcia Helena Salgado e Silva, Maria Cláudia Maia, Bethania Assy, Gláucio Marafon, Francisco Carlos Teixeira da Silva, João Cézar de Castro Rocha, Silene de Moraes Freire e Maria Isabel Mendes de Almeida. Dissertação apresentada ao programação de Pós-graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em 24/06/2015. Produção Editorial Coordenação Editorial: Clarisse Cintra Revisão: Michele Paiva Capa: Gramma Editora Diagramação: Haroldo Paulino Santos CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ, M294e Marins, Daniel Vieira O esforço fiscal dos municípios e as transferências intergovernamentais/Daniel Vieira Marins. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Gramma, 2016. 160 p.: il.; 23 cm. (Universidade; 5) Inclui bibliografia ISBN 978-85-98555-92-8 1. Direito tributário. 2. Planejamento tributário. I. Título. II. Série. 16-30058 CDU: 34:351.713

Gramma Livraria e Editora Rua da Quitanda, nº 67, sala 301 CEP.: 20.011-030 – Rio de Janeiro (RJ) Tel./Fax: (21) 2224-1469 E-mail: [email protected]

Site: www.gramma.com.br

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Para a Cris, minha eterna companheira de vida

Agradecimentos Aos meus pais, pelo alto investimento em minha educação. Aos meus colegas e amigos da Divisão de Grandes Devedores (DIGRA/PRFN2), que, durante a minha licença-capacitação para concluir a dissertação, enfrentaram as duras batalhas do dia a dia com o acréscimo dos autos judiciais das empresas e pessoas físicas sob o meu acompanhamento. Ao meu amigo Gilson Pacheco Bomfim, que, antes e durante o processo de seleção do mestrado, sempre me deu apoio moral para ingressar no Programa de Pós-graduação em Direito. Ao meu amigo Márcio Ladeira Ávila, que, desde a época em que fazia mestrado em Direito Internacional, na UERJ, já me incentivava a ingressar em uma das linhas de pesquisa do mestrado em Direito. Ao meu amigo Gustavo Granado, que, logo após a defesa da sua tese de doutorado, me ajudou com afinco na busca pela publicação deste livro. Aos meus amigos Leo Quintieri, Ary Ricardo Parreiras (in memoriam) e Eder Saturnino, pelas incríveis viagens sonoras nos inícios de cada semana. Ao meu Orientador, Gustavo da Gama, pessoa simples e humilde (qualidades raras nos tempos atuais), com quem sempre tive livre acesso e obtive uma vasta bibliografia para o desenvolvimento da dissertação. A Cris, que, desde sempre, me incentivou e apoiou para identificar meus desejos, realizar os meus sonhos e me dedicar às atividades que, verdadeiramente, me satisfazem.

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The secret of happiness is: find something more important than you are and dedicate your life to it. Daniel C. Dennett

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Sumário Prefácio XI Introdução XIII Federalismo fiscal e competência tributária dos municípios 1 Autonomia financeira 1 Federalismo fiscal 10 Federalismo fiscal cooperativo e competição tributária 19 Repartição das competências tributárias e participação na arrecadação 26 Transferências intergovernamentais 35 Noções iniciais. Transferências intergovernamentais em sentido estrito versus participações (repasses) constitucionais 35 Classificação. Transferências obrigatórias e voluntárias. Transferências condicionadas e incondicionadas 41 As transferências intergovernamentais nas demais federações e em países descentralizados administrativamente 49 As transferências intergovernamentais na realidade brasileira e sua relação com as dificuldades enfrentadas pelos governos municipais 71 O esforço fiscal e a influência da Lei de Responsabilidade Fiscal 81 Reflexões sobre as dificuldades dos Municípios 81 A Lei de Responsabilidade Fiscal como instrumento de estímulo ao esforço fiscal dos Municípios 104 Conclusão 119 Referências bibliográficas 129 IX

Prefácio A tradição municipalista brasileira, que marcou profundamente a Constituição de 1988, incluiu expressamente o Município como ente político da federação brasileira. Considerando que o aspecto financeiro da autonomia política é um dos mais relevantes elementos de tal condição, a doutrina do Direito Financeiro e Tributário precisa enfrentar o desafio de discutir as complexas questões que surgem desta autonomia e de sua relação com o Governo Central. A presente obra que tenho a imensa honra de prefaciar constitui excelente contribuição ao debate citado. Daniel Marins aceitou com grande coragem enfrentar o desafio de aprofundar os estudos sobre a necessidade de relacionar o esforço fiscal próprio dos entes subnacionais (no caso, Municípios) e as transferências intergovernamentais, tema ainda pouco explorado no Brasil, ao contrário do que ocorre em outras federações ou mesmo em Estados unitários com estruturas descentralizadas. O trabalho possui ainda o mérito de ter sido desenvolvido sob a marca da interdisciplinaridade, utilizando aportes das demais Ciências Sociais, como a Ciência Política, fato infelizmente ainda incomum nos estudos da doutrina tributária brasileira, o que revela também a elevada qualidade do autor como pesquisador. O tema objeto do presente estudo é extremamente atual. Nos últimos anos, foi fartamente noticiada a dificuldade que diversos prefeitos, em início de governo, experimentaram para a aprovação de leis que possibilitassem a correção da planta de valores dos imóveis, base normativa da cobrança do IPTU. XI

O fenômeno explicitou uma realidade preocupante, que é o baixo índice de esforço fiscal próprio dos Municípios ao longo dos últimos anos, permitindo que mesmo cidades que tinham condições de arrecadação mais significativa do IPTU continuassem com índices baixos de arrecadação. O cenário é confirmado em razão da extrema dificuldade política do prefeito justificar o aumento de carga tributária para a população local, aliada à imperfeita regra do art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que exige o cumprimento meramente formal do exercício da competência tributária própria. Esta obra demonstra que a baixa arrecadação tributária própria dos Municípios acaba estimulando que eles permaneçam dependentes das transferências voluntárias da União Federal. Trata-se de cenário extremamente prejudicial ao desenvolvimento da democracia fiscal brasileira, pois torna o nosso federalismo fiscal ainda mais fortemente centralizado, bem como contribui para que a matriz tributária brasileira continue a onerar de forma menos consistente o patrimônio, em comparação aos demais países. Daniel Marins, com a presente obra, além de realizar um diagnóstico preciso da situação, propõe medidas que possam minimizar tais distorções do nosso federalismo fiscal, contribuindo de forma decisiva para que temas tão importantes possam ganhar maior destaque na doutrina brasileira. Gustavo da Gama Vital de Oliveira Professor Adjunto de Direito Financeiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Procurador do Município do Rio de Janeiro. Advogado.

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Introdução Há muitos anos, os Municípios, tal com os Estados-membros, vêm sofrendo dificuldades para captar recursos públicos, de forma a dar efetividade aos ditames constitucionais, principalmente no que tange à educação básica, à saúde e à criação de infraestrutura urbana. O problema, por sinal, foi objeto de análise por economistas e administradores públicos, tal como se extrai dos dados da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf),1 os quais apontam obstáculos nas esferas política, técnica, fiscalizatória e legislativa. Contudo, poucos são os estudos, sob a ótica do Direito, atinentes ao tema, de forma que, no plano acadêmico, ainda há muito espaço para que propostas de solução do problema da arrecadação tributária dos Municípios e da dependência das transferências intergovernamentais voluntárias sejam apresentadas. Questões como a baixa arrecadação do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana — IPTU (por volta de 0,45% da arrecadação tributária nacional) e a menosprezada arrecadação do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural — ITR (que depende de convênios com a União), somadas ao redirecionamento da carga tributária municipal a um tributo sobre o consumo (caso do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza — ISS) e ao peso dos Fundos de Participação dos Municípios (FPM), fazem com que No Seminário “Desafios do IPTU no Brasil”, realizado em Brasília, entre os dias 8 e 9 de outubro de 2013, com o apoio da Abrasf, diversos especialistas apresentaram dados concernentes aos problemas de arrecadação enfrentados pelos Municípios. Em regra, os painéis apresentados se direcionaram no sentido de que existem obstáculos de ordem política, técnica, fiscalizatória e legislativa. Deve-se destacar os painéis dirigidos por Alexandre Sobreira Cialdini, André Luís Macêdo, Claudia M. De Cesare, Eglaísa Micheline Pontes Cunha, Erika Amorim Araújo, Flávio Vilela Campos, François E. J. de Bremaeker, Guilherme Müller, Jonas Donizette, José Roberto R. Afonso, Luiz Palmeira, Marcelo Fernandes, Marciano Seabra de Godói, Marco Aurélio Cardoso, Marcos Nóbrega, Maria Cristina Mac Dowell, Martim O. Smolka, Mauro Ricardo Costa, Omar Pinto Domingos e Ricardo Luiz de Souza Ramos. 1

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as transferências intergovernamentais voluntárias sejam utilizadas como instrumento de distorção da aplicação das políticas públicas, as quais ficam à mercê de valores recebidos eventualmente. Com isso, o princípio federativo (revelado aqui a partir da ideia de “federalismo fiscal”) é seriamente prejudicado, afetando o exercício das atividades administrativas e de políticas públicas definidas pela Constituição da República de 1988. Segundo dados da Abrasf, os Municípios têm enfrentado graves dificuldades no exercício da sua competência tributária, seja sob a ótica política (como a ocorrência de críticas dos contribuintes ao aumento do IPTU), seja sob o ponto de vista técnico (como a precariedade na estrutura física e nos recursos humanos das Secretarias Municipais de Fazenda), seja sob o foco da fiscalização (existência de poucos fiscais especializados), seja à luz da legislação (a qual dificulta o aumento da arrecadação do IPTU). Assim, nos últimos anos, houve, no máximo, um aumento na arrecadação do ISS, em contraste com a queda percentual na arrecadação do IPTU. Paralelamente, em diversos casos, o valor pago a título de IPTU se aproxima dos valores pagos pelos contribuintes a título de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores — IPVA, o que evidencia, ainda mais, a desconexão entre a realidade do mercado imobiliário e a exigência do tributo territorial urbano. Ademais, os Municípios ainda sofrem perdas de arrecadação oriundas das alterações da jurisprudência atinentes aos fatos geradores do ISS e do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços — ICMS (não obstante a lista de serviços existente em sede de lei complementar), sendo que poucos daqueles localizados no interior promoveram convênios com a União, com o fim de exigir o ITR (art. 153, § 4o, inc. III — na forma da EC no 42/2003). Sob a ótica do direito comparado, nota-se, inclusive, que em outros países, como os da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a arrecadação com tributos sobre a propriedade territorial alcança mais de 2% do total de tributos arrecadados, o que evidencia que há claro espaço para o aumento da arrecadação do IPTU e do ITR no Brasil. Por conseguinte, diante dos diversos problemas envolvendo o exercício da sua competência tributária, os Municípios se voltaram para as transferências intergovernamentais (sentido amplo), de modo a equilibrar suas receitas e viabilizar, minimamente, a atividade de administração pública.

Contudo a concessão de transferências intergovernamentais (em especial, as oriundas da União) é limitada pelas regras da Lei Complementar no 101/2000. No âmbito da chamada “Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirma-se que é vedada a realização de transferências voluntárias para os entes federais que não promovam a instituição, a previsão e a efetiva arrecadação de todos os tributos de sua competência constitucional (art. 11, caput e parágrafo único). Logo, para que os Municípios possam, de maneira legítima, usufruir de transferências intergovernamentais, é essencial que exerçam, de forma plena e eficaz, a sua competência tributária, priorizando-se a responsabilidade na gestão fiscal. Ocorre que os Municípios têm optado por recorrer a transferências intergovernamentais federais de caráter voluntário, as quais são regidas por regras mais flexíveis que as demais formas de transferência. Como consequência, muitas administrações locais têm se acomodado no exercício de sua competência tributária própria (a qual, frise-se, já sofre com obstáculos de ordem política, técnica, fiscalizatória e legislativa). Ante essa realidade financeira, surgiu uma espécie de “preguiça fiscal”, ou seja, uma acomodação dos administradores públicos locais na atividade de arrecadação e cobrança de tributos, em favor da constante barganha por transferências intergovernamentais voluntárias, as quais, em regra, são dominadas por trocas de favores político-partidários. Assim, criou-se um elevado grau de transferências voluntárias que induz à ineficiência na arrecadação, além de comprometer a autonomia fiscal dos governos subnacionais. Em contraponto à chamada “preguiça fiscal”, utiliza-se o termo “esforço fiscal” justamente para se reportar às medidas políticas, administrativas e jurídicas capazes de estimular e ampliar a capacidade de arrecadação e cobrança de tributos. O “esforço fiscal” nasce como orientação para que cada ente federativo exerça sua competência tributária própria de maneira efetiva e de acordo com uma gestão fiscal responsável. Tendo em vista a realidade municipal brasileira descrita anteriormente, e sob a dualidade da “preguiça fiscal” versus “esforço fiscal”, pretende-se demonstrar que existe margem para o aumento da arrecadação tributária por parte dos Municípios, em especial do IPTU e do ITR, de modo a conferir a esses entes da Federação uma maior (e verdadeira) autonomia financeira, a qual viabilize a persecução de seus deveres constitucionais. XV

Além disso, defende-se neste livro a ideia de que a dependência dos Municípios às transferências intergovernamentais voluntárias é prejudicial ao exercício das atividades administrativas por parte dos administradores públicos, haja vista que há perda de gerência sobre seus recursos financeiros. Por fim, propõe-se a alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal, de forma a tornar mais eficaz a exigência constante do art. 11, caput e parágrafo único, da Lei Complementar no 101/2000. Em suma, o foco crítico do trabalho envolve as seguintes indagações: a competência tributária dos Municípios é exercida de maneira precária, sendo, pois, subutilizada ante o seu potencial de arrecadação? As dificuldades no exercício da competência tributária dos Municípios possuem várias origens? Seria a questão legislativa um dos pontos cruciais para a existência do problema? As transferências intergovernamentais voluntárias, tal como utilizadas no Brasil, prejudicam a autonomia dos Municípios, além de distorcer a aplicação das políticas públicas, enfraquecendo a Federação? A Lei de Responsabilidade Fiscal, na redação atual, possui pouca influência positiva sobre o exercício da competência tributária dos Municípios? Qual a sua importância quanto ao esforço fiscal por parte desses entes da Federação? Para a elaboração das respostas ao problema em debate, revela-se necessária a análise de três questões relevantes. Em primeiro lugar, de forma a ambientar o leitor ao tema (ainda pouco explorado pela doutrina), aborda-se o federalismo fiscal e sua relação com a competência tributária dos Municípios. Inicia-se o trabalho dando-se destaque à autonomia financeira dos entes subnacionais (sendo apresentado o seu conceito, a visão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema e a sua relação com a decretação de intervenção) e à noção de federalismo fiscal (sendo abordada a descentralização política e fiscal, o processo de trade-off, a accountability, e os princípios do benefício, da compensação fiscal e da distribuição centralizada). A seguir, cuida-se da relação entre o federalismo fiscal cooperativo e a competição tributária (sendo defendida uma interpretação jurídica, com lastro nas experiências canadense e norte-americana, que concilia as duas figuras, indicando-se que a chamada “guerra fiscal” é apenas uma das formas de competição tributária). Ao final, aprecia-se a repartição das competências tributárias (sendo descritos os eixos financeiros responsáveis pela autonomia financeira), trazendo-se a mutação constitucional para orientar a nova realidade das finanças públicas.

Em um segundo momento, analisa-se a figura das transferências intergovernamentais. São abordadas as noções fundamentais que envolvem as transferências intergovernamentais, em especial a distinção entre transferências em sentido estrito e participações constitucionais, bem como apresentadas as classificações das transferências em obrigatórias ou voluntárias e em condicionadas ou incondicionadas. De modo a viabilizar uma visão mais abrangente sobre o tema, descreve-se a realidade do instituto nas demais federações e em países descentralizados administrativamente, dando-se destaque à Austrália e ao Canadá. A seguir, cuida-se do tema na realidade brasileira, especialmente na sua relação com as dificuldades enfrentadas pelos governos municipais, tais como os obstáculos de ordem política, técnica, fiscalizatória e legislativa. No terceiro momento do trabalho, é abordado o esforço fiscal dos Municípios e a influência da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre a matéria. Para tanto, são desenvolvidas reflexões sobre as dificuldades enfrentadas pelos Municípios, dando-se relevo aos dados obtidos a partir do seminário da Abrasf organizado em 2013, bem como a índices, criados por economistas, que procuram quantificar o esforço fiscal e a qualidade da gestão fiscal dos Municípios. Finalmente, analisa-se a questão da relevância da Lei de Responsabilidade Fiscal como instrumento de estímulo ao esforço fiscal dos Municípios. Por derradeiro, além de se corroborar a proposta da Abrasf para a alteração da Lei Complementar no 101/2000 (PLP 108/2011), são feitas algumas sugestões de aperfeiçoamento na legislação, as quais permitiriam que os Municípios pudessem enfrentar, de forma mais eficaz, as dificuldades de ordem técnica e fiscalizatória que, atualmente, prejudicam a gestão fiscal responsável na esfera local e o exercício da autonomia fiscal dos entes federados.

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