O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas: o Projeto Lapa Legal e suas Influências na preservação da ambiência cultural da Lapa

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

VIOLETA PIRES VILAS BOAS

O ESPAÇO DA CELEBRAÇÃO NA NOVA ORDEM DAS RUAS: o Projeto Lapa Legal e suas influências na preservação da ambiência cultural da Lapa

Rio de Janeiro 2013

VIOLETA PIRES VILAS BOAS

O ESPAÇO DA CELEBRAÇÃO NA NOVA ORDEM DAS

RUAS:

o

Projeto

Lapa

Legal

e

suas

influências na preservação da ambiência cultural da Lapa.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de PósGraduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Cristóvão Fernandes Duarte

Rio de Janeiro, 2013

V695

Vilas Boas, Violeta Pires O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas: o Projeto Lapa Legal e suas influências na preservação da ambiência cultural da Lapa / Violeta Pires Vilas Boas; orientador: Cristóvão Fernandes Duarte.− 2013. 211 f. : il. Dissertação (Mestrado em Urbanismo) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, PROURB, Rio de Janeiro, 2013. Orientação: Prof. Cristóvão Fernandes Duarte. 1. Lapa. 2. Patrimônio cultural. 3. Transformação urbanística. 4. Espaço público. I. Título. CDD 363.69

VIOLETA PIRES VILAS BOAS

O ESPAÇO DA CELEBRAÇÃO NA NOVA ORDEM DAS

RUAS:

o

Projeto

Lapa

Legal

e

suas

influências na preservação da ambiência cultural da Lapa. Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Urbanismo.

Aprovada em 04 de outubro de 2013.

__________________________________ Prof. Dr. Cristóvão Fernandes Duarte PROURB - UFRJ Orientador

__________________________________ Profa. Dra. Lilian Fessler Vaz PROURB - UFRJ

__________________________________ Prof. Dr. Ronaldo Brilhante FAU – UFRJ

À Lúcia e ao Vilas, cujo encontro aconteceu por uma transformaçao urbanística.

Agradecimentos Agradeço, primeiramente, aos professores e funcionários do PROURB, que tanto contribuíram para o desenvolvimento deste percurso. Agradeço em especial, a professora Lilian Fessler Vaz, professora e coordenadora Rachel Coutinho e o saudoso professor Roberto Segre, que contribuíram para o enriquecimento desta dissertação. Ao orientador Cristovão Duarte, meus agradecimentos por ter embarcado neste percurso, inspirando caminhos e, principalmente, por encorajar minha autonomia neste caminhar. Agradeço imensamente, pela inspiração e pela enorme colaboração, todas as instituições culturais da Quadra da Cultura da Lapa, dentre elas: o Tá Na Rua – em especial, ao diretor Amir Haddad e ao amigo Licko Turle ; o CTO – em especial, o ‘coringa’ Alessandro; a FEBARJ – em especial, o presidente Paulo Cesar; a Casa Brasil-Nigéria, em especial, a responsável Catarina; e a Casa de Cultura Hombu – em especial, o fundador Beto Coimbra. Agradeço a todos os grupos artísticos e instituições culturais que atuam na Lapa e que enriquecem o patrimônio cultural da região, dentre eles: os amigos do Será O Benidito?! – em especial, André Alves Garcia e Ludmilla da Silva; o Teatro de Anônimo – em especial, o integrante João Carlos Artigos; a Intrépida Trupe – em especial, a integrante Vanda Jacques; a Armazém Cia. de Teatro – em especial, o integrante Ricardo Martins; o grupo Bando Filhotes de Leão – em especial, Isabel Viana e Wellington Dias; o Espaço Panorama – em especial, os produtores Eduardo Bonito e Marília; e o Rio Maracatu – em especial, o integrante Leo Araripe. Agradeço os moradores e frequentadores da Lapa que, juntamente com os grupos e instituições culturais, ‘fazem’ a Lapa, em especial, todos aqueles que contribuíram para esta pesquisa e que lutam por uma Lapa melhor. Agradeço os arquitetos Aline Xavier e Luiz Paulo Leal, do IRPH da Prefeitura do Rio de Janeiro, por toda a colaboração e pelos imprescindíveis materiais cedidos. Meu especial agradecimento à amiga e coordenadora da CEMAE/DEPMUS/IBRAM Léa Carvalho, por todo o apoio, compreensão e incentivo. Este percurso não seria possível sem

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sua colaboração. Agradeço da mesma forma, à amiga e colega de trabalho, Renata Casimiro. Agradeço aos meus amigos e familiares pelo imensurável apoio, carinho e incentivo durante este caminho, em especial, aos meus pais, aos meus tios e primos.

Resumo Esta dissertação aborda o bairro da Lapa, localizado na região central do Rio de Janeiro, e sua ambiência enquanto patrimônio cultural da região. Esta ambiência é caracterizada, tanto pelo seu tecido histórico conservado, mas sobretudo, pela celebração da diversidade social nos espaços públicos e pela reunião de diversos grupos artísticos, instituições e manifestações culturais em seu tecido urbano. Com o processo de transformação urbanística e de ordenamento do espaço público, iniciado em 2009 através do Projeto Lapa Legal, esta pesquisa teve por objetivo avaliar o processo de concepção e implantação deste projeto e verificar seus impactos na preservação deste patrimônio cultural.

Palavras-chave: Lapa; patrimônio cultural; transformação urbanística; manifestação cultural; espaço público.

Abstract The theme of this research is Lapa, neighborhood of Rio de Janeiro’s central district, and its ambiance; witch is characterized by the social diversity celebration in the public spaces and by the presence of innumerous artistic groups, institutions and cultural events, as a cultural heritage. With the process of urban transformation and planning of public spaces, initiated in 2009 through the Project Lapa Legal, this research aims to evaluate its design and implementation process and to verify its impact on the cultural heritage preservation.

Keywords: Lapa, cultural heritage, urban transformation, cultural expression; public space.

Lista de Figuras Fig.01. Foto: Francesco D’Andria, 2007. Fig.02. Imagem retirada do Google Earth. Fig.03. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.04. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.05. Foto: sem autor, sem data. Terceira imagem sequencial da imagem: FPft0353 – MARIA P. DE CASTRO, durante passeio na Cinelândia. Postal. Rio de Janeiro. 3 poses sequenciais. Fonte: Arquivo Histórico do Museu República. Fig.06.

Foto

de

Kurt

Klagsbrunn.

Fonte:

Saudades

do

Rio.

Imagem

disponível

em:

http://fotolog.terra.com.br/luizd:3315, acessado em 17/11/2012. Fig.07. Título da foto: “Aspecto Atual da Rua dos Arcos”. Fonte: Revista da Semana. Imagem disponível em: http://www.rioquepassou.com.br, acessado em 20/10/2012. Fig.08. Foto: Fernando Quevedo, 2010. Imagem publicada em 28 de maio de 2010 no Jornal O Globo.

Disponível

em:

http://oglobo.globo.com/rio/garis-com-chapeu-panama-vao-cuidar-da-

limpeza-da-lapa-noite-3001325, acessado em 09/10/2012. Fig.09. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.10. Foto: Violeta Vilas Boas, 2008. Fig.11. Imagem disponível em: http://elcarreresdetothom.blogspot.com.br, acessada em 17/01/2013. Fig.12. Imagem disponível em: http://elcarreresdetothom.blogspot.com.br, acessada em 17/01/2013. Fig.13. Imagem disponível em: http://elcarreresdetothom.blogspot.com.br, acessada em 17/01/2013. Fig.14. Imagem disponível em: http://elcarreresdetothom.blogspot.com.br, acessada em 17/01/2013. Fig.15. Foto: Violeta Vilas Boas, 2005. Fig.16. Foto: Guilherme Gonçalves, 2009. Imagem publicada no Portal Terra, em 04 de março de 2009. Disponível em: http://noticiasar.terra.com.ar/tecnologia/interna/0,,OI3612472-EI8139,00.html, acessado em 17/01/2013. Fig.17. Foto: sem autor, 2012. Disponibilizada no dia 16 de maio de 2012, pelo Grupo Off-sina, no seu perfil no Facebook. Imagem disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

240135236092384&set=a.108816099224299.10653.100002877290720&type=3&theater, acessado em 17/01/2013. Fig.18. Imagem disponível em: http://www.boadiversao.com.br, acessado em 17/01/2013. Fig.19. Pintura atribuída a Leandro Joaquim, 1790, acervo do Museu Histórico Nacional. Imagem retirada do livro CARDOSO, Rafael. A arte brasileira em 25 quadros (1790-1930). Rio de Janeiro: Record, 2008. Fig.20. Foto: MALTA, Augusto. Ft0057: 20.11.1904 – 05.05.1907 – 2 fotografias. TEATRO MUNICIPAL: obras de construção. Rio de Janeiro. Fonte: Arquivo Histórico do Museu República. Fig.21. Imagem disponível em: http://www.rioquepassou.com.br, acessado em 03/11/2012. Fig.22. Foto da Coleção Dasmond Cole. Imagem disponível em: http://www.rioquepassou. com.br, acessado em 03/11/2012. Fig.23.

Documento

Nº6415

do

acervo

do

Projeto

Portinari.

Imagem

disponível

em:

http://www.portinari.org.br/#/acervo/documento/6415, acessado em 23/03/2013. Fig.24. Pintura em óleo sobre tela. Obra Nº1669 do acervo do Projeto Portinari. Imagem disponível em: http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/1669, acessado em 23/03/2013. Fig.25. Gravura colorida a mão. Imagem disponível em: http://epocasaopaulo.globo.com/ cultura/guia-do-fim-de-semana-41/, acessado em 23/03/2013. Fig.26. Mapa elaborado com base na pesquisa histórica realizada. Fig.27. Fonte: O Globo. Imagem disponível em: http://www.rioquepassou.com.br, acessado em 23/03/2012. Fig.28. Imagem disponível em: http://www.rioquepassou.com.br, acessado em 03/11/2012. Fig.29. Imagem disponível em: http://www.rioquepassou.com.br, acessado em 03/11/2012. Fig.30. Imagem disponível em: http://projetolapa.wordpress.com, acessado em 03/11/2012. Fig.31. Foto do Arquivo do Circo Voador. Imagem disponível em: https://www.facebook.com /circovoadorlapa/photos_stream, acessado em 09/08/2013. Fig.32. Foto do Arquivo do Circo Voador. Imagem disponível em: https://www.facebook.com /circovoadorlapa/photos_stream, acessado em 09/08/2013. Fig.33. Foto do Arquivo do Circo Voador. Imagem disponível em: https://www.facebook.com

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/circovoadorlapa/photos_stream, acessado em 09/08/2013. Fig.34. Imagem retirada do documento: MAGALHÃES, Roberto Anderson de Miranda. Distrito Cultural da Lapa. Texto disponível em: http://www.inepac.rj.gov.br/arquivos/LapatextoSite17.10.2005. pdf, acessado em 18/11/2012. Tornado público em fevereiro de 2006; p.9. Fig.35. Imagem retirada do documento: MAGALHÃES, Roberto Anderson de Miranda. Distrito Cultural da Lapa. Texto disponível em: http://www.inepac.rj.gov.br/arquivos/LapatextoSite17.10.2005. pdf, acessado em 18/11/2012. Tornado público em fevereiro de 2006; p.10. Fig.36. Imagem retirada do documento: MAGALHÃES, Roberto Anderson de Miranda. Distrito Cultural da Lapa. Texto disponível em: http://www.inepac.rj.gov.br/arquivos/LapatextoSite17.10.2005. pdf, acessado em 18/11/2012. Tornado público em fevereiro de 2006; p.14. Fig.37. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.38. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.39. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.40. Mapa elaborado com base no levantamento realizado. Fig.41. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.42. RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura. Subsecretaria de Patrimônio, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design. Projeto Lapa Legal: Intervenções Estruturantes. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2010, p.05. Fig.43. RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura. Subsecretaria de Patrimônio, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design. Projeto Lapa Legal: Intervenções Estruturantes. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2010, p.08. Fig.44. RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura. Subsecretaria de Patrimônio, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design. Projeto Lapa Legal: Intervenções Estruturantes. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2010, p.13. Fig.45. RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura. Subsecretaria de Patrimônio, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design. Projeto Lapa Legal: Intervenções Estruturantes. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2010, p.16. Fig.46. Imagem retirada do livro: RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura. Subsecretaria de Patrimônio, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design. Projeto

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Lapa Legal: Intervenções Estruturantes. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2010, p.26. Fig.47. Imagem retirada do livro: RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura. Subsecretaria de Patrimônio, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design. Projeto Lapa Legal: Intervenções Estruturantes. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2010, p.29. Fig.48. Imagem retirada do livro: RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura. Subsecretaria de Patrimônio, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design. Projeto Lapa Legal: Intervenções Estruturantes. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2010, p.27. Fig.49. Imagem retirada do livro: RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura. Subsecretaria de Patrimônio, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design. Projeto Lapa Legal: Intervenções Estruturantes. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2010, p.21. Fig.50. Imagem retirada do livro: RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura. Subsecretaria de Patrimônio, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design. Projeto Lapa Legal: Intervenções Estruturantes. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2010, p.22. Fig.51. Imagem disponível em: http://feiranoturnadalapa.blogspot.com/, acessado em 18/01/2013. Fig.52. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.53. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.54. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.55. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.56. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.57. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.58. Mapa da matéria do jornal O Globo, publicada no dia 18 de maio de 2012. Imagem disponível em: http://oglobo.globo.com/infograficos/mapa-boemia-lapa/, acessado em 18/01/2013. Fig.59. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.60. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.61. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013.

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.62. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.63. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.64. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.65. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.66. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.67. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.68. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.69. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.70. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.71. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.72. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.73. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.74. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.75. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.76. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.77. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.78. Imagem retirada do livro GRUPO HOMBU, Luz acesa há trinta anos num palco chamado criança. Rio de Janeiro: Instituto Cultural Hombu, 2007, s.n. Fig.79. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.80. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.81. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.82. Imagem disponível em: http://ctorio.org.br/novosite/2012/08/furto-agrava-crise-do-centro-deteatro-do-oprimido/, acessado em 18/01/2013. Fig.83. Imagem disponível em: http://becodobandeira.blogspot.com.br, acessado em 21/05/2013. Fig.84. Imagem disponível em: https://www.facebook.com/ElesNaoAmamORio?fref=ts Fig.85. Imagem capturada do perfil do Facebook ‘Eles Não Amam A Lapa’, acessado em 30/07/2013. Fig.86. Imagem capturada do perfil do Facebook ‘Eles Não Amam A Lapa’, acessado em 30/07/2013.

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Fig.87. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.88. Mapa elaborado com base em levantamento feito em visitas a campo. Fig.89. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.90. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.91. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.92. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.93. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.94. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.95. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.96. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.97. Foto: Fernando Souza / Agência O Dia. Publicada no Jornal O Dia, em 29 de março de 2013. Imagem disponível em: http://odia.ig.com.br/portal/rio/musical-da-paixão-de-cristo-leva-3-mil-à-lapa1.566374, acessado em 15/05/2013. Fig.98. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.99. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.100. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.101. Foto: Violeta Vilas Boas, 2012. Fig.102. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.103. Mapa elaborado com base em levantamento feito em visitas a campo. Fig.104. Mapa elaborado com base em informações obtidas no livro: RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura. Subsecretaria de Patrimônio, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design. Projeto Lapa Legal: Intervenções Estruturantes. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2010, p.05. Fig.105. Imagem disponível em: https://www.facebook.com/ElesNaoAmamORio?fref=ts, acessado em 30/07/2013. Fig.106. Imagem do projeto vencedor do Concurso para projeto simbólico da Copa do Mundo, de Karim Hassayoune, da França. Publicado no site Bustler no dia 29 de julho de 2013. Imagem disponível em: http://www.bustler.net/images/news2/rio_de_janeiro_symbolic_world_cup_structure_

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01.jpg, acessado em 11/08/2013. Fig.107.

Imagem

capturada

da

tela

do

vídeo

http://www.youtube.com/watch?v=YTFYoqEo3kQ, acessado em 11/08/2013. Fig.108. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.109. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.110. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.111. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.112. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.113. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.114. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.115. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013. Fig.116. Foto: Violeta Vilas Boas, 2013.

disponível

em:

Lista de Gráficos Gráfico01. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelas instituições culturais da Lapa. Gráfico02. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelos moradores da Lapa. Gráfico03. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelas instituições culturais e por moradores da Lapa. Gráfico04. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelas instituições culturais e por moradores da Lapa. Gráfico05. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelos moradores da Lapa. Gráfico06. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelos moradores da Lapa. Gráfico07. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelos moradores da Lapa. Gráfico08. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelos moradores da Lapa. Gráfico09. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelas instituições culturais da Lapa. Gráfico10. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelas instituições culturais da Lapa. Gráfico11. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelas instituições culturais e por moradores da Lapa. Gráfico12. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelas instituições culturais e por moradores da Lapa. Gráfico13. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelas instituições culturais e por moradores da Lapa. Gráfico14. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelas instituições culturais e por moradores da Lapa. Gráfico15. Elaborado a partir dos questionários respondidos pelas instituições culturais da Lapa.

Lista de Siglas APAC – Área de Preservação do Ambiente Cultural CDL – Centro de Documentação da Lapa CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos CREA – Conselho Regional de Engenharia e Agronomia CTO – Centro de Teatro do Oprimido EMOP – Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial FEBARJ – Federação de Blocos Afro e Afoxés do Rio de Janeiro. INEPAC – Instituto Estadual do Patrimônio Cultural IPDH – Instituto Palmares de Direitos Humanos IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IRPH – Instituto Rio Patrimônio da Humanidade ITDP – Institute for Transportation and Development Policy MIS – Museu da Imagem e do Som ONG – Organização Não-Governamental SAARA – Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega SEOP – Secretaria Especial de Ordem Pública da Prefeitura do Rio de Janeiro SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional PUB-RIO – Plano Urbanístico Básico do Rio de Janeiro SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro UFF – Universidade Federal Fluminense UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UniLapa – Associação do Largo da Lapa

Sumário Introdução

22

1. Antecedentes

23

2. Definição da Questão

25

3. Objeto da Pesquisa

30

4. Relevância da Pesquisa

32

5. Metodologia da Pesquisa

35

Parte 1 – Percursos teóricos 1. A cidade como local do encontro

39 39

1.1. O indivíduo na cidade e na multidão

40

1.2. A multidão e a superficialidade das relações

42

1.3. As cidades para as pessoas

44

1.4. A flanerie carioca

46

2. A cidade como lugar de memória

49

2.1. Da cultura oficial à diversidade cultural: o percurso dos bens culturais e das memórias50 2.2. A Lapa como lugar de memórias

55

3. A cidade como lugar de manifestações culturais

61

3.1. A formação da cidade como local de celebração

62

3.2. As manifestações culturais e a ordem pública na atualidade: Barcelona e Rio de Janeiro67 19

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

4. Conclusões da Parte 1

Parte 2 – Percorrendo a Lapa 1. Histórico Cultural e Urbano

76

77 77

1.1. Processo histórico de formação e ocupação do bairro

78

1.2. Mapa dos atores sociais e culturais anteriores à reocupação artística da Lapa

86

1.3. Processo de esvaziamento da Lapa

87

2. Reocupação artística e cultural da Lapa

90

2.1. Histórico da reocupação

90

2.2. Mapa dos atores sociais e culturais atuais

104

Parte 3 – A Lapa em percurso

112

1. Elaboração do Projeto Lapa Legal

113

2. Processo de execução do Projeto Lapa Legal

124

2.1. Acompanhamento das medidas implantadas

124

2.2. Acompanhamento das obras

135

2.3. Conclusões parciais sobre a execução do projeto

146

3. Análise do Projeto Lapa Legal a partir das entrevistas com instituições culturais e moradores

149

3.1. Entrevistas com instituições da Quadra da Cultura da Lapa

150

3.2. Questionários aplicados às demais instituições culturais e moradores da Lapa

158

3.3. Movimentos nas redes sociais e nas mídias

174 20

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

4. Análise dos usos dos espaços públicos pós-execução

178

Conclusões

189

Bibliografia

199

Anexo 1

207

Anexo 2

209

Anexo 3

211

21

Introdução Estudar a Lapa é dar continuidade ao processo de compreensão da influência dos atores culturais e das apropriações criativas dos espaços públicos na formação de ambientes urbanos vivos e com qualidade. Neste sentido, compreender o processo de revalorização da Lapa, ocorrido nos últimos vinte anos, é justamente compreender o espaço urbano através daqueles que trouxeram atividades artísticas e culturais para a região e que conviveram com outros aspectos da Lapa, como a prostituição, a pobreza e a criminalidade. A presença dos atores culturais, a diversidade social e a multiplicidade cultural formam uma ambiência1 característica da Lapa desde o início do século XX. Esta ambiência foi retomada no processo de reocupação artística e cultural da região, no entanto, o crescimento do comércio voltado para o lazer noturno, a valorização imobiliária e as últimas ações da prefeitura, induzem à investigação sobre a preservação desta ambiência que compõe o patrimônio cultural da região. Tendo em vista a oportunidade de acompanhar as ações implantadas pela prefeitura, através do Projeto Lapa Legal, é motivador poder observar seus impactos na ambiência e no cotidiano dos moradores e dos grupos culturais da região. A observação próxima, realizada durante todo o período de elaboração desta dissertação, entre o segundo semestre de 2011 até o final do primeiro semestre de 2013, traz uma perspectiva que abrange desde a concepção do projeto à sua execução e aos seus efeitos imediatos. Esta dissertação pretende compreender como as ações de transformação urbanística influenciam na dinâmica do bairro, nos usos dos espaços públicos, na sua qualidade urbana e, sobretudo, na preservação da ambiência da Lapa.

1

Utilizamos a definição de Meneses, que define ambiência “como espaço arquitetonicamente organizado e animado, que constitui um meio físico e, ao mesmo tempo, estético, psicológico ou social, especialmente agenciado para o exercício de atividades humanas”. Ver MENESES, Ulpiano Bezerra de. A cidade como bem cultural – áreas envoltórias e outros dilemas, equívocos e alcance da preservação do patrimônio ambiental urbano. In: MORI, Victor Hugo et al. (Org.). Patrimônio: atualizando o debate. São Paulo: 9a SR/ IPHAN, 2006. p.44.

22

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

1. Antecedentes

Fig.01. Evento realizado em Bolonha, 2007.

Este percurso começou em 2006, motivado pela observação de festivais de dança urbana e pelo diálogo com alguns de seus organizadores, que promovem anualmente espetáculos nas ruas de diversas cidades do mundo. A intenção inicial era analisar as relações que estas ações estabeleciam entre o público – habitante e frequentador local – e o espaço urbano. Esta análise buscou verificar como as manifestações artísticas e culturais seriam provocadoras e mantenedoras de relações mais profundas e críticas entre o habitante e o seu ambiente urbano e como estas manifestações poderiam contribuir na geração de novas perspectivas para espaços subutilizados e em processo de transformação urbanística. As pesquisas realizadas em Barcelona e Bolonha, entre aos anos de 2006 e 2007, culminaram na realização de uma intervenção participativa de dança urbana na praça de um bairro da periferia de Bolonha, que, naquele momento, era objeto de um concurso de propostas urbanísticas. Esta ação colaborou para motivar o diálogo entre os moradores e a prefeitura como também para a utilização da praça enquanto local de festivais de dança. O percurso destas investigações teve continuidade na Zona Portuária do Rio de Janeiro, uma vez que a região também se encontrava em processo de transformação urbanística, ou seja, também estava passível de novas perspectivas para o seu tecido urbano e social. Esta região demonstrou um campo fértil para a continuidade destas investigações, pois revelava, por trás dos grandes galpões e terrenos subutilizados e abandonados, a preservação de uma ambiência comunitária peculiar e rara na região central da cidade. Além disso, o local conseguiu conservar, tanto através do ambiente físico, quanto através das manifestações culturais e artísticas presentes na região, memórias relacionadas ao porto, aos imigrantes e à Introdução 23

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cultura negra, relevantes não só para os moradores locais, quanto para a cultura carioca e brasileira. No sentido de compreender a região a partir dessas vivências cotidianas e culturais e de desvelar as memórias presentes nas marcas físicas dos edifícios e dos espaços públicos, a abordagem à região portuária se deu a partir da análise dos atores sociais e culturais e dos rituais cotidianos ainda presentes no local. A pesquisa foi concluída com a elaboração de um projeto urbanístico que valorizasse o espaço público como local de convívio e de manutenção das atividades artísticas e culturais da região, que constituiu o Trabalho Final de Graduação, com o tema Da Praça à Praça da Harmonia: um percurso vivo, apresentado em 2008. O estudo sobre a relação das manifestações artísticas e culturais com os espaços públicos em processo de transformação urbanística segue seu percurso na Lapa, tendo em vista que a região dialoga com os estudos precedentes, por também ser historicamente reconhecida por sua relevância na memória cultural da cidade, por também ter passado por um processo de esvaziamento de atividades econômicas e de frequência de pessoas, e por, atualmente, ser novamente objeto de planos urbanísticos e de investimentos.

Introdução 24

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2. Definição da Questão

Fig.02. Foto da região do Centro, com a demarcação do bairro da Lapa, oficializado em 2012.

A aproximação à Lapa começou a pé. Caminhar pela Lapa faz parte do meu cotidiano: seja para o local de trabalho, seja para o lazer, caminho pela Lapa todos os dias há mais de três anos, quando passei a residir na Glória. Em todos os percursos, foi possível observar as frequências diurnas e noturnas, as permanências e as transformações, os usos e desusos dos edifícios, ruas, calçadas e praças; pude perceber o encantamento que a Lapa provoca nos seus frequentadores noturnos e me sentir encantada para escrever sobre o local. Os percursos pela Lapa da noite, muito diferentes da Lapa do dia, são envolventes pela oferta de opções de lazer e de atrações culturais que convergem pessoas de diversas regiões da cidade, do Brasil e, cada vez mais, do mundo, tanto para as ruas, quanto para os estabelecimentos locais. Quando se busca informação na internet sobre os destinos turísticos mais recomendados no Rio de Janeiro, a Lapa aparece na maior parte das páginas nacionais e internacionais, por seu valor patrimonial – sobretudo pelos Arcos da Lapa – mas principalmente pela sua oferta de atrações noturnas. Introdução 25

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A consolidação da Lapa enquanto um dos destinos preferidos pelos turistas é um processo que contou com o investimento dos empreendedores locais que, através da progressiva ocupação de antigos sobrados por bares e casas noturnas, constituíram uma ambiência do passado com iluminação cênica de um jovem presente. Em 2009, a Prefeitura do Rio de Janeiro lançou o Projeto Lapa Legal, que propõe ações de ordenamento dos espaços públicos, no sentido de adequá-los aos usos turístico, cultural e de lazer, já consolidados na região. Com sua execução em andamento, é possível questionar sobre quem será beneficiado por este projeto: os frequentadores e moradores locais ou os investidores privados? Qual será a Lapa construída por este projeto: a da celebração e da convivência nos espaços públicos ou a do consumo de espetáculos em espaços privados? Para esta análise, se torna importante reconhecer o que há por trás da maquiagem e da iluminação cênica dos casarios e monumentos, o que permanece como valor cultural, próprio da Lapa, o que evoca a memória local e o que faz tantos percursos de tantas pessoas tão diferentes entre si convergirem para o convívio e para a celebração. Se faz necessário compreender o percurso histórico da Lapa no sentido de reconhecer as memórias e os bens culturais que permanecem na Lapa e que a definem atualmente. Ainda que o estudo deste percurso seja aprofundado no desenvolvimento da dissertação, esta abordagem histórica é fundamental para chegarmos ao objeto desta pesquisa.

Fig.03. Rua Evaristo da Veiga, sábado, às 23 horas.

Introdução 26

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A Lapa se consolida enquanto área urbana a partir da chegada da Corte Portuguesa, no início do século XIX, com a construção de casas abastadas no entorno do Centro já consolidado do Rio de Janeiro, na intenção de abrigar a elite carioca. No entanto, a expansão das linhas de bonde direciona o crescimento da cidade para outras regiões e as casas da Lapa são abandonadas ou passam a ser alugadas como casas de cômodos, fazendo com que a região, destinada a abrigar a classe dominante da cidade, passasse a ser o local de moradia dos pobres2. Paulatinamente, bares e bordeis se estabeleceram nos demais imóveis da região, passando a reunir também boêmios, prostitutas e malandros. No início do século XX, com o Rio de Janeiro enquanto Distrito Federal, o centro da cidade se consolida como núcleo político e cultural do país. A Lapa, enquanto entorno imediato deste Centro, passa a atrair importantes atores políticos, sociais e culturais, para a boemia, a jogatina e o prazer. A Lapa se torna um local de vícios e prazeres, lazer e delitos, música e malandragem. Havia a pobreza e a criminalidade, mas também havia o luxo de cabarés e cassinos, assim como a presença de moradores e frequentadores ilustres, como Manuel Bandeira, Portinari, Di Cavalcanti, Carmem Miranda, Pixinguinha, Villa-Lobos e Noel Rosa. A partir da segunda metade do século XX, a Lapa passa pelo esvaziamento da população e dos investimentos públicos e privados. Fatores políticos e econômicos, além das transformações urbanísticas implantadas neste período, contribuíram para o processo de abandono da região. A abertura política, ocorrida a partir dos anos 1980, possibilitou a expressão artística e cultural na cidade. Com isso, ocupações pontuais de espaços públicos e de imóveis abandonados começaram a ocorrer na Lapa. Estas ações, executadas em parceria, sobretudo, com o poder estadual, trouxeram frequentadores e a paulatina ocupação de imóveis para usos culturais, bares e casas de samba.

2

Referências retiradas do artigo: DUARTE, C. F. Lapa: abrigo e refúgio da cultura popular carioca. In: XIII Encontro Nacional da ANPUR ENANPUR, 2009, Florianópolis. Anais do XIII Encontro Nacional da ANPUR: Planejamento e Gestão do Território, 2009. Introdução 27

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O poder municipal contribuiu para a região através da criação do Corredor Cultural, em 1984, e da implantação do Projeto de Reestruturação da Lapa em meados dos anos 1990, o que favoreceu a ocupação e a preservação dos imóveis históricos e contribuiu para a criação de atividades culturais na região. A presença de grupos culturais juntamente com a criação da Feira de Antiguidades da Rua do Lavradio, fez com que a região voltasse a ter o movimento de outrora; as pessoas voltaram a ocupar e a vivenciar as ruas da Lapa e a imagem da ‘malandragem’ e da boemia, que antes eram símbolos da subversão e da decadência da região, se transformaram em marketing turístico. Assim, a região sai da penumbra e volta aos focos de atenção, com a consolidação paulatina da região enquanto local de cultura, lazer e turismo. A diversidade de frequentadores é uma das características marcantes que a Lapa ainda preserva, como salienta Elio Gaspari: “deu-se na Lapa o reencontro das duas cidades que convivem no Rio, a dos pobres e a daqueles que acham que não são pobres. Sempre que essas duas populações se encontram, o Rio floresce. Sempre que elas se separam, a cidade se degrada”3. Em 2009, a Prefeitura lança o Projeto Lapa Legal. Segundo o caderno elaborado pela própria prefeitura, este projeto pretende desenvolver suas “potencialidades econômicas, turísticas e culturais”4, visando “o ordenamento público e a regularização urbana da área e seu entorno, a preservação do patrimônio arquitetônico do Rio antigo e a formulação de intervenções urbanísticas que os alinhem ao Rio contemporâneo, assim como o fomento à captação de recursos e investimentos da iniciativa privada, para a dinamização das atividades culturais e a geração de empregos”5. Dentre as ações planejadas para a primeira fase do projeto, estão: iluminação nas principais vias, assentamento dos ambulantes, controle acústico, segurança, com guarda municipal 24

3

Retirado do texto KUSHNIR, Beatriz. A Lapa e os filhos da revolução boêmia. In: LUSTOSA, Isabel. A Lapa do desterro e do desvaneio: uma antologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001; p.179.

4

RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura. Subsecretaria de Patrimônio, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design. Projeto Lapa Legal: Intervenções Estruturantes. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2010; p.3.

5

Ibidem. Introdução 28

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horas por dia, organização das vagas de estacionamento (...) e acessibilidade através da construção de 37 novas rampas6. O fechamento das ruas foi uma das medidas implantadas, que apenas consolidou o movimento de apropriação do espaço público pelos frequentadores locais e pelos artistas de rua. As pessoas que ocupavam as calçadas e invadiam as ruas, usufruindo dos serviços dos ambulantes e da música vinda das casas noturnas, passaram a ocupar um espaço público até então destinado somente aos veículos. A ampliação do espaço público para os pedestres possibilitou diversas performances na rua, tais como musicais, circenses ou de dança. Após três anos, a medida foi revogada e os veículos voltaram a ocupar as vias. As pessoas voltaram a transitar pelas calçadas, dividindo espaço com as mesas e cadeiras dos bares e restaurantes. Ao mesmo tempo, os espaços públicos e os bens culturais da Lapa estão sendo cada vez mais utilizados para grandes eventos promovidos pelo poder público e por empresas privadas. Se faz necessário, portanto, avaliar como este programa foi elaborado e como está sendo executado, no sentido de compreender se ele poderá evocar os valores culturais e consolidar a vivência dos espaços públicos da região, ou se ele apenas transformará a Lapa num espetáculo para ser visto e consumido todas as noites.

Fig.04. Apresentação de artista na Avenida Mem de Sá.

6

Ver release sobre a implantação do Projeto http://noticiascultura.rio.rj.gov.br, acessado em 09/10/2012.

Lapa

Legal.

Disponível

no

site:

Introdução 29

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3. Objeto da Pesquisa “A cidade de Sofrônia é composta de duas meias cidades. Na primeira, encontra-se a grande montanha-russa de ladeiras vertiginosas, o carrossel de raios formados por correntes, a rodagigante com cabinas giratórias, o globo da morte com os motociclistas de cabeça para baixo, a cúpula do circo com os trapézios amarrados no meio. A segunda meia cidade é de pedra e mármore e cimento, com o banco, as fábricas, os palácios, o matadouro, a escola e todo o resto. Uma das meias cidades é fixa, a outra é provisória e, quando termina a sua temporada, é desparafusada, desmontada e levada embora, transferida para os terrenos baldios de outra meia cidade. Assim, todos os anos chega o dia em que os pedreiros destacam os frontões de mármore, desmoronam os muros de pedra, os pilares de cimento, desmontam o ministério, o monumento, as docas, a refinaria de petróleo, o hospital, carregam os guinchos para seguir de praça em praça o itinerário de todos os anos. Permanece a meia Sofrônia dos tiros-ao-alvo e dos carrosséis, com o grito suspenso do trenzinho da montanha russa de ponta-cabeça, e começa-se a contar quantos meses, quantos dias se deverão esperar até que a caravana retorne e a vida inteira recomece”7. A cidade de Sofrônia, uma das Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino, contribuiu para os questionamentos que se pretendem responder nesta pesquisa. Nesta cidade invisível, o parque de diversões, o circo e seus artistas faziam parte da metade fixa da cidade. A magia, a ilusão e a diversão eram condições permanentes de Sofrônia, enquanto a seriedade e a formalidade das instituições de pedra e cimento eram temporárias. Se analisarmos o percurso da Lapa ao longo dos anos, percebemos que os artistas, músicos, escritores e bailarinos construíram, juntamente com os que deveriam estar invisíveis para o restante da sociedade – bêbados, prostitutas, travestis e pobres,

a ambiência que

caracteriza a Lapa e que constitui o patrimônio a ser preservado para além dos sobrados de pedra e cal.

7

CALVINO, Italo. Cidades Invisíveis. Tradução de Diogo Mainardi. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000; p.27-8. Introdução 30

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A arte, a música, a dança, a prosa, o verso, os lugares de lazer e dos prazeres foram aqueles que permaneceram nas edificações, nas ruas e calçadas, enquanto os empreendedores privados, os políticos e a administração pública chegam, montam seu espetáculo e vão embora para outros locais, a cada temporada que lhes é conveniente, até que outros locais tenham mais visibilidade e se tornem mais lucrativos. Neste momento, em que o circo de investimentos públicos e privados está armado e que vem modificando o tecido urbano e os fluxos da Lapa, é importante analisar até que ponto ele poderá contribuir para a preservação do patrimônio que consiste na convivência da diversidade social e na presença da cultura e da arte na região, ou até que ponto ele deixará apenas terra arrasada. Esta pesquisa pretende analisar a dinâmica da política pública e dos investimentos privados e a permanência ou o enfraquecimento destas vivências tão tradicionais quanto revolucionárias do espaço público, que constituem a memória, o presente e com sorte, o futuro da Lapa.

Introdução 31

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4. Relevância da Pesquisa As manifestações culturais e artísticas no espaço público fascinam pelo potencial de criarem novas perspectivas para a cidade, de estimularem novos vínculos de afeto entre o habitante e o local onde vivem e de provocarem a aproximação e o convívio entre estes habitantes. O uso do espaço público enquanto local de festividades, celebrações e de manifestação do fazer artístico pode ser observado em várias sociedades nos seus diversos períodos históricos. As festas, tradicionalmente promovidas pela Igreja e pelo poder político, fortaleciam a união entre as pessoas e entre estas e o local que habitavam, dando-lhes uma noção de pertencimento, de identidade e de unidade. As cidades que ainda possuem uma conformação urbana histórica são propícias à realização de manifestações culturais8. Compreender a relevância das manifestações culturais nos espaços públicos ao longo do tempo significa perceber o potencial que estas atividades possuem na valorização do próprio tecido histórico, através do processo de ressignificação do espaço pelo habitante. Dentro da perspectiva patrimonial, pode-se dizer que as festas tradicionais e as manifestações culturais dão o valor imaterial presente nos bens culturais materiais da cidade. No entanto, ainda que as festas de rua façam parte da formação de muitas cidades brasileiras, o processo de transformação do tecido urbano e da própria dinâmica das grandes cidades modificaram radicalmente os modos de vida da população e com isso, as manifestações culturais também se tornaram passíveis de serem transformadas. A dinâmica veloz e fluida9 da cidade contemporânea dificulta a permanência e o convívio das pessoas nos espaços públicos. Estes espaços se voltam mais para o uso funcional e racional do cotidiano do que para o uso contemplativo e de lazer das pessoas. Além disso, a

8

SAÍZ, Maria Concepción García. Vida y Encenario de la ciudad hispanoamericana. In: La Ciudad Hispanoamericana: el sueño de un orden. Cehopu: Madrid, 1989; p.237.

9

Termo utilizado por Zigmunt Bauman. Ver BAUMAN, Zigmunt. Amor Liquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. Introdução 32

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facilidade das comunicações e dos transportes multiplicam as relações entre as pessoas e os lugares, porém a profundidade destas relações diminui. Este processo, observado por Bauman, afrouxa os vínculos de afeto entre os habitantes e o seu ambiente e inibe o estabelecimento de relações entre os habitantes de um mesmo local. Ainda que as relações contemporâneas possam ser mais superficiais e mais cambiantes nos tempos atuais, isto não significa que as pessoas não conservem memórias e afetos sobre e por certos locais. Há uma necessidade de pertencimento e de valorização da identidade cultural, mesmo que estas noções estejam tão abaladas e indefinidas no momento atual. Bauman afirma que a identidade “torna-se tema de reflexão aprofundada quando sua probabilidade de sobrevivência sem reflexão começa a diminuir – quando, em vez de algo óbvio e dado, começa a parecer uma coisa problemática, uma tarefa. Isso ocorre com o advento da era moderna, com a passagem da ‘atribuição’ à ‘realização’: deixar os seres humanos perderem para que possam – precisem, devam – determinar seu lugar na sociedade”10. Com a mobilidade e o intercâmbio das pessoas, das informações e de culturas, a visão da identidade cultural atual deve ser formada pela seleção, reciclagem e rearranjo de todo o material cultural disponível. “É o movimento e a capacidade de mudança, e não a habilidade de se apegar a formas e conteúdos já estabelecidos, que garante sua continuidade”11. A mesma frase poderia ser atribuída à cidade e ao que se pretende preservar nela. Afinal, os bens culturais passaram pela mesma crise da “noção de identidade”. Estes só foram denominados como tais, quando a ameaça de sua destruição trouxe as memórias e os valores atribuídos a eles à tona.

10

BAUMAN, Zigmunt. Ensaios Sobre o Conceito de Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012; p.44.

11

Ibidem. p.69. Introdução 33

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O bem cultural só permanecerá como tal ao longo do tempo através de sua contínua ressignificação por aqueles que o vivenciam, recebendo e evocando novos valores, memórias e afetos. No momento em que defendemos que o patrimônio da Lapa é constituído não só pelos bens culturais materiais, mas também pela ambiência formada pelo convívio dos diferentes atores sociais no ambiente público e pela presença das ações culturais e artísticas tanto nos imóveis, quanto nas áreas públicas da região, se pretende valorizar os aspectos que fazem parte da memória local, que permanecem no presente e que traduzem o que é essencialmente a rua, a vida urbana, conforme definiu Lefebvre: “A rua? É o lugar do encontro, sem o qual não existem outros encontros possíveis nos lugares determinados (cafés, teatros, salas diversas). Esses lugares privilegiados animam a rua e são favorecidos por sua animação, ou então não existem. Na rua, teatro espontâneo, torno-me espetáculo e espectador, às vezes ator. Nela efetua-se o movimento, a mistura, sem os quais não há vida urbana, mas separação, segregação estipulada e imobilizada”12. A definição de Lefebvre se relaciona à metade lúdica e festiva da cidade de Sofrônia, sua metade fixa, aquela que deve permanecer e ser preservada. Neste sentido, a metade da Lapa que deve ser preservada é, justamente sua ambiência. Assim, a pesquisa é motivada pelo momento de transformação urbanística pelo qual a Lapa passa atualmente, pois a avaliação deste processo poderá indicar os rumos da preservação ou da dissolução do patrimônio tão rico e tão frágil que constitui a ambiência da Lapa.

12

LEFEBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008; p.27. Introdução 34

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5. Metodologia da Pesquisa Os objetivos desta dissertação estão centrados na compreensão do percurso histórico, urbanístico e social da Lapa, através da perspectiva da vivência dos espaços públicos e das manifestações artísticas e culturais enquanto elementos constituintes e mantenedores da memória e do patrimônio local; e na compreensão do processo atual de transformação urbanística da região, pela implantação do Projeto Lapa Legal, verificando suas implicações na vivência do espaço público e na preservação das memórias coletivas e do patrimônio cultural da Lapa. Para seu desenvolvimento, será necessário realizar a revisão bibliográfica, que servirá à análise do objeto de pesquisa. Primeiramente, serão abordados os seguintes temas: a dinâmica das cidades e a relação das pessoas com o espaço urbano, tendo em vista o espaço público enquanto local de convívio e de troca, enquanto lugar de memória e enquanto local de manifestação artística e cultural. O conceito fundamental que norteará estas análises será o de Henri Lebfevre sobre a rua como local de convívio e de celebração. Este será complementado pelo conceito de Guy Debord, sobre a cidade enquanto local de apropriação contínua pelos seus habitantes, como antídoto à consolidação do espetáculo nas cidades. Neste sentido, será necessário compreender como as cidades se desenvolveram no tempo e como este processo contribuiu nas relações entre seus habitantes e seus espaços públicos. Partiremos da análise de Walter Benjamin sobre o flaneur de Baudelaire, para compreender a vivência dos espaços públicos das cidades Pós-Revolução Industrial, como Paris, no século XIX. Seguiremos com a compreensão do processo ocorrido a partir da segunda metade do século XX, através da abordagem de Jane Jacobs sobre a expansão das cidades, com a criação de centros comerciais fechados e o predomínio dos fluxos de veículos sobre os fluxos de pedestres, como provocadores dos esvaziamentos das regiões centrais das cidades e da erradicação do convívio das pessoas nos seus espaços públicos. Concluímos com a compreensão das teorias de Kevin Lynch sobre a qualidade da forma da cidade e das

Introdução 35

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novas práticas urbanísticas que voltam a priorizar o pedestre e o convívio no espaço público, como as do urbanista Jan Gehl. Contribuirá para esta análise a relação entre os conceitos desenvolvidos por Georges Simmel, sobre os efeitos das cidades no comportamento do indivíduo e a análise de Bauman sobre as relações humanas nas sociedades contemporâneas. Na abordagem da cidade enquanto lugar de memória, retomaremos os conceitos de Bauman sobre cultura, para compreender o processo de preservação dos bens culturais enquanto parte da identidade de um país, de uma comunidade ou de um grupo de pessoas. A partir daí, procuraremos compreender a história da preservação do patrimônio no Brasil e como a política de preservação evoluiu até o final do século XX. A preservação dos bens culturais será relacionada ao conceito de memórias coletivas, elaborado por Maurice Halbwachs, e às relações que estas estabelecem com o espaço físico. Tendo em vista a dinâmica da vida urbana contemporânea, que se deu pelo aumento da mobilidade e das conexões entre as pessoas, muito bem observada por Bauman, foi incorporado o conceito de Pierre Nora sobre os lugares de memória, no sentido de estabelecer relações entre a preservação das memórias de um grupo e a vivência dos lugares que cristalizam estas memórias. Por fim, abordaremos a cidade enquanto lugar de manifestações culturais e artísticas, tendo em vista a presença destas atividades na formação e evolução das cidades, sobretudo, nas colônias hispano-americanas. A abordagem iniciará através do percurso histórico dos movimentos extáticos 13 nas cidades, pesquisado por Bárbara Ehrenreich, e por Maria Concepción Saíz em seu texto sobre as colônias hispano-americanas e suas festividades, no sentido de verificar como as apropriações dos espaços públicos através de manifestações culturais fazem parte da percurso histórico das sociedades ocidentais. A partir desta análise, será possível compreender os usos culturais dos espaços públicos como bens culturais a serem mantidos. Richard Sennet complementará a abordagem através da sua reflexão sobre as relações de cooperação que se estabelecem entre as pessoas através dos rituais.

13

momentos, festividades, nos quais as pessoas vivenciam o êxtase coletivo. Introdução 36

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A etapa seguinte será o estudo da região da Lapa a partir da avaliação dos seus processos históricos, sociais, urbanísticos e culturais; através de estudos de bibliografia relativa ao tema, além da análise dos planos, projetos e leis elaborados e implantados na região, visitas a campo e entrevistas com representantes da prefeitura e com grupos culturais locais. Na bibliografia, estão contidos os artigos Lapa: abrigo e refúgio da cultura popular carioca, de Cristóvão Duarte, Territórios Culturais na Cidade do Rio de Janeiro, de Lilian Fessler Vaz e Paola Berenstein Jacques, e A Lapa boêmia na cidade do Rio de Janeiro: um processo de regeneração cultural? Projetos, intervenções e dinâmicas do lugar, também de Lilian Fessler Vaz e Carmen B. Silveira; o livro Antologia da Lapa, de Gasparino Damata; o texto A Lapa e os filhos da revolução boêmia, de Beatriz Kushnir; a tese de doutorado de Carmem Beatriz Silveira O entrelaçamento urbano-cultural: centralidade e memória dentre outros livros, artigos e textos selecionados. Dentre os planos, projetos e leis, estão: o plano Avenida Norte-Sul, de autoria de Afonso Eduardo Reidy, o Decreto Municipal nº322 de 1976; o Plano Urbanístico Básico do Rio de Janeiro (PUB-RIO), através do Decreto Municipal nº1269 de 1977; o Projeto Corredor Cultural, delimitado através do Decreto Municipal nº4141 de 1983, da Lei Nº1139 de 1987; o Projeto de Reestruturação da Lapa, do IPLAN RIO de 1990; e o Projeto Lapa Legal, de 2009, em implantação. Neste processo, se pretende desenvolver o método de abordagem aos tecidos urbanos a partir dos usos cultural e de lazer coletivo nos espaços públicos. Faz parte deste método identificar e mapear os grupos culturais e artísticos presentes no local, os tipos de apropriações e usos do espaço público, como eles ocorrem, verificando suas relações com as políticas urbanísticas implantadas. Para isso, será necessário desenvolver levantamentos qualitativos dos atores sociais e culturais, bem como dos usos do espaço público. Serão realizadas entrevistas com os representantes das instituições e grupos culturais, na intenção de identificar as relações destes com a Lapa. Será feita uma análise aprofundada do Projeto Lapa Legal, analisando sua elaboração e sua execução e verificando suas repercussões nos usos dos espaços públicos e das edificações, nos atores culturais e sociais da região e na preservação do patrimônio cultural da Lapa. A Introdução 37

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

área de estudo será restrita ao Núcleo Histórico Cultural da Lapa, área demarcada pelo Projeto Lapa Legal para foco das intervenções propostas. No período de elaboração desta pesquisa, foi iniciado um processo de manifestações e protestos nas ruas, tanto do Rio de Janeiro, como de diversas cidades do país. A população passou a se unir e a manifestar por governos mais sérios e democráticos, por cidades mais justas, com serviços públicos de qualidade e que beneficiem toda a população de maneira igualitária. Apesar das manifestações não serem o objeto central desta dissertação, este processo, que ocorreu nas ruas da cidade, impactou os usos e apropriações dos espaços públicos da Lapa. Portanto, o tema será abordado no sentido de colaborar para as conclusões desta pesquisa. A partir da avaliação dos conteúdos pesquisados, será possível verificar como este processo de transformação urbanística se relaciona com as manifestações culturais e artísticas e com as memórias presentes no tecido urbano. Assim, poderemos verificar se este processo poderá contribuir para a consolidação dos espaços públicos enquanto locais de convívio e de celebração.

Introdução 38

Parte 1 – Percursos teóricos 1. A cidade como local do encontro

Fig.05. Cinelândia, s.d.

Quando pensamos na cidade como local de encontro, nos remetemos à noção da cidade enquanto centralidade, enquanto local de troca e de simultaneidade, preceitos defendidos por Henri Lefebvre. Lefebvre afirma que a cidade reúne as diferenças, as coloca em convívio, possibilitando tanto a celebração como o conflito entre elas14. “O urbano se define como lugar onde as pessoas tropeçam umas nas outras, encontram-se diante de objetos, entrelaçam-se até não mais reconhecerem os fios de suas atividades, enovelam suas situações de modo a engendram situações imprevistas”15. A imprevisão de situações remete diretamente ao pensamento situacionista sobre a cidade. Lefebvre influenciou a Internacional Situacionista, já que alguns integrantes foram seus alunos nas aulas sobre marxismo que ministrou. Foi a partir do pensamento marxista que eles defendiam o capitalismo como uma forma de “alienação da sociedade, resumindo

14

Ver LEFEBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008; p.109.

15

Ibidem; p.44.

39

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

todas as relações do cidadão com o ambiente social a relações passivas, automatizadas e governadas pelo valor”16. Este grupo, liderado por Guy Debord, percebia que a sociedade estava inserida numa realidade transformada em espetáculo pelo capitalismo, na intenção de provocar ‘falsos’ desejos que incentivavam o consumo. O pensamento de Lefebvre e os preceitos defendidos pela Internacional Situacionista também se conectam quando se analisa a passividade dos habitantes, como uma dificuldade à prática urbana, ou seja, ao pensamento da cidade e a uma ação sobre ela. Lefebvre defendia que a delegação desta função a representantes da população não garantia que estes lutariam pela construção de uma cidade que atendesse às necessidades daqueles que a habitam. Os situacionistas, que percebiam a realidade do consumo como alienante, viam na prática da deriva17 e de outras ações nos espaços da cidade uma forma de reconhecer os desejos “reais” dos indivíduos e um método para levar à transformação da cidade pelas próprias pessoas, transformando a própria sociedade. Neste sentido, é interessante compreender como as cidades se estabeleceram como local de encontro e de atuação das pessoas nos seus espaços públicos ao longo do tempo, compreendendo como chegamos à prática urbana atual.

1.1. O indivíduo na cidade e na multidão Ao pensar na valorização do espaço público como local de encontro e de permanência das pessoas, temos as cidades pós-Revolução Industrial como um marco na mudança da vivência destes espaços e das relações entre as pessoas no ambiente urbano.

16

VILAS BOAS, Violeta. Da Praça Mauá à Praça da Harmonia: Um Percurso Vivo. Trabalho Final de Graduação (Arquitetura e Urbanismo) Escola de Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal Fluminense - UFF. Niterói, 2008; p.7.

17

A deriva consistia na passagem rápida por ambiências variadas, cujo percurso deveria ser induzido pelas situações que se apresentavam no local. Ver JACQUES, Paola Berenstein. [org]. Apologia da Deriva: escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003; p.87-91. Parte 1 – Percursos Teóricos 40

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Estas cidades, que cresceram rapidamente com a Revolução Industrial, foram transformadas, através do alargamento das vias e das calçadas, da melhoria da iluminação dos espaços públicos e da criação de galerias cobertas e de grandes praças ajardinadas. Tais mudanças favoreceram a permanência e a convivência das pessoas no espaço público e contribuíram para consolidar uma noção até então recente: a de multidão. Walter Benjamin, ao falar da Paris do Segundo Império, aborda este novo aspecto através da perspectiva do flaneur de Baudelaire, contextualizando-o nos aspectos políticoeconômicos, sociais e urbanos da Paris daquele período. É possível perceber que a transformação urbana de Haussmann modificou a vivência do parisiense na cidade, uma vez que esta fez com que o espaço de socialização saísse cada vez mais do espaço privado e se afirmasse no espaço público. A cidade serve não só de cenário para a atividade do flaneur, como também atua, influenciando na forma com que o personagem vivencia os espaços públicos. Ao caminhar pelas ruas e galerias, ele se misturava à multidão e nela se escondia para observar as pessoas. A postura do flaneur de Baudelaire, para além de significar sua apreciação em relação à vivência da rua e à observação das pessoas, significava também sua intenção de repudiar aquela sociedade de consumo que se consolidava. Benjamin percebia que Baudelaire via no consumo de mercadorias industrializadas, a padronização das pessoas, tanto nas aparências como nos seus hábitos e comportamentos. O flaneur era um personagem que não se identificava com esta padronização e repudiava o estímulo ao consumo e a sensação de se sentir igual aos outros. Ele valorizava sua individualidade através da flanerie, ainda que esta ação não provocasse mudanças na sociedade. Leandro Konder, interpretando a perspectiva de Benjamin sobre Baudelaire, coloca que essa multidão estava tão implícita no modo de sentir do poeta que não chegava a ser descrita, em seus versos, como realidade exterior, afirmando: “A massa dos habitantes da cidade se compunha de indivíduos ávidos para se afirmarem, numa competição feroz de todos contra todos; essas pessoas eram guiadas por critérios individualistas, mas, ao mesmo tempo, se sentiam apavoradas com a possibilidade de Parte 1 – Percursos Teóricos 41

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estarem se tornando cada vez mais parecidas umas com as outras, isto é, com a possibilidade de estarem se despersonalizando”18. Estar no espaço público, portanto, não era apenas um prazer, mas também uma busca da individualidade em meio à multidão.

1.2. A multidão e a superficialidade das relações Georges Simmel, na virada do século XX, já tratava do efeito que as multidões produziam nas sensações dos indivíduos e nas relações entre eles. O autor percebia a necessidade de afirmação da individualidade no habitante da grande cidade, ao mesmo tempo que ressaltava o sentimento de solidão que as multidões provocavam. Através da análise das formas de relações, ele apresenta as aproximações e os distanciamentos existentes na sociedade das grandes cidades, evidenciando como a vida nestes locais provocam os comportamentos, as sensações e as reações no indivíduo imerso naquele ambiente. Sobre o tema, Peres coloca: “...a proximidade física, em si, não equivale necessariamente à proximidade social – o mesmo valendo para o inverso. O que significa que a distância física não poderia ser considerada a priori como um indicador satisfatório das relações sociais em uma sociedade – sobretudo, moderna e urbana – em que os contatos e as interações, ao mesmo tempo, multiplicam-se e independem exclusivamente da proximidade física. A noção de distância encontra-se na tensão entre duas ordens de realidade – uma simbólica e outra espacial – configurando-se em uma imbricada relação entre um fenômeno de distância (ou aproximação) social e uma separação física”19. Simmel afirma que a intensificação da vida nervosa faz com que haja uma mudança rápida e ininterrupta das impressões interiores e exteriores que o indivíduo tem na cidade grande, ao

18

KONDER, Leandro. Walter Benjamin: o marxismo da melancolia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999; p.98.

19

PERES, Fabio de Faria. A ‘sensibilidade’ de Simmel: notas e contribuições ao estudo das emoções. In: Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 10 (28): abril de 2011, p.16. Arquivo digital disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/rbse/Index.html, acessado em 09/05/2011. Parte 1 – Percursos Teóricos 42

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contrário do habitante da cidade pequena, na qual estas mudanças ocorrem de maneira mais lenta, possibilitando reações regidas pelo ânimo e relações pautadas pelo sentimento. O habitante da cidade grande, para conseguir conciliar as modificações individuais com a intensidade do meio exterior, passa a agir com a consciência e não com o ânimo, evitando o seu desenraizamento frente às correntes da vida moderna. Assim, Simmel conceitua o caráter blasé das pessoas, como o resultado da exaustão do sistema nervoso em responder aos ininterruptos estímulos presentes na cidade. É possível perceber a contemporaneidade do pensamento de Simmel através da relação que sua perspectiva estabelece com os trabalhos de Zigmunt Bauman, como observou Alan Mocellin, em seu artigo sobre a modernidade dos dois autores. Bauman divide a modernidade em dois momentos: modernidade sólida e modernidade liquida. A modernidade sólida se caracteriza principalmente pelo projeto moderno, baseado no ordenamento racional e técnico, pelo qual se pretendia tornar o mundo um lugar ideal. Através do Estado e da ciência, este projeto foi posto em prática, resultando em um período de controle e dominação. Os avanços na industrialização, nos meios de transporte e na comunicação tornaram o mundo mais globalizado e levaram ao que Bauman chama de modernidade liquida. O controle racional do mundo passou então ao descontrole. “No mundo sólido dos Estados-Nações toda diferença era vista com desconfiança, ao passo que no mundo líquido a diferença se torna exigência: todos devem ser indivíduos particulares. No mundo sólido as formas de vida comunitárias ainda podiam existir – mesmo que reduzidas e isoladas – graças a certa exigência de unidade de conduta e modos de vida, que era núcleo da ideia de povo e de nação; já no mundo líquido a comunidade é tornada mito. Com a individualização radicalizada, todas as formas de sociabilidade que sugerem dependência mútua passam a ser vistas com desconfiança”20.

20

MOCELLIN, Alan. Simmel e Bauman: modernidade e individualização. In: Em Tese - Revista Eletrônica dos Pós- Graduandos em Sociologia Política da UFSC, Vol. 4 n. 1 (1), agosto- dezembro, 2007; p.6. Arquivo digital, acessado em 09/05/2011. Parte 1 – Percursos Teóricos 43

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Neste processo, ocorrido ao longo do século XX, as cidades se expandiram e foram zoneadas conforme usos e funções, o automóvel foi priorizado como um dos principais meios de locomoção e o comércio e os locais de entretenimento foram concentrados em centros comerciais. Estas mudanças contribuíram para a extrema individualidade que configura a modernidade liquida, definida por Bauman, e para a diminuição da convivência das pessoas nos espaços públicos. Como consequência, os espaços públicos foram esvaziados, tornando-se locais abandonados e inseguros, ao mesmo tempo em que as pessoas se isolaram cada vez mais em espaços privados e controlados.

1.3. As cidades para as pessoas Depois de mais de meio século de priorização dos fluxos de automóveis e da divisão funcional das cidades, a perspectiva do urbanismo deixa de ser macro e distanciada e volta a ser micro e a valorizar as pessoas. Diversos autores defendem que a solução dos problemas ocasionados neste período se dá pela valorização da permanência das pessoas nos espaços públicos da cidade. Jane Jacobs defende que as cidades, para serem seguras, saudáveis e agradáveis, devem conter uma diversidade urbana que permita o uso múltiplo e contínuo dos seus espaços públicos. Para tal, ela considera que os bairros ou distritos devam incorporar usos e funções múltiplas, devam ter uma densidade alta de pessoas, e que sejam constituídos por quadras curtas, edifícios diversificados, parques e praças de bairro.

Fig.06. Pessoas na Praça Marechal Floriano. Rio de Janeiro, anos 1940.

Parte 1 – Percursos Teóricos 44

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Estes elementos formam o conceito de cidade compacta, também defendido por Richard Rogers. Um ambiente urbano que contenha diferentes usos, tais como, residencial, comercial, empresarial, dentre outros, faz com que as pessoas se desloquem o mínimo necessário para realizarem suas atividades diárias e garante o movimento contínuo nos espaços públicos. Pela proximidade destas diferentes atividades, as pessoas podem utilizar meios mais sustentáveis, saudáveis e econômicos, tais como caminhar, andar de bicicleta, além da utilização de transportes públicos. Richard Rogers defende que todos devem ter o direito a espaços livres de fácil acesso, afirmando que bairros agradáveis e bem planejados inspiram as pessoas. Citando Jane Jacobs, ele conclui que “nós moldamos a cidade e a cidade nos molda”21. Jan Gehl defende que uma cidade viva é fortalecida quando as pessoas são convidadas a caminhar, andar de bicicleta e a permanecerem no espaço urbano. Tanto as pessoas, como a própria cidade, se tornam mais saudáveis e mais alegres. Ao definir uma teoria acerca da boa forma das cidades, Kevin Lynch ressalta que as cidades devem promover o uso do corpo, como estratégia para se alcançar a vitalidade, tanto dos seus habitantes, quanto da própria cidade22. O autor também defende a ideia da adaptabilidade dos ambientes urbanos, através da participação e da interação das pessoas no processo de formação destes locais, estimulando o uso e a apropriação destes ambientes para que possam atender às suas necessidades23. Percebemos, portanto, que esta nova flanerie, enquanto ato de apropriação e de uso dos espaços públicos, volta a ser valorizada como questão vital da cidade e como condição de qualidade de vida dos seus habitantes. Neste sentido, consideramos importante relacionar este processo à evolução urbana do Rio de Janeiro e em especial, da Lapa. 21

Ver GEHL, Jan. Cities for People. Washington: Island Press, 2010; p. X.

22

Ver LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade. Lisboa: Edições 70, 1999; p.124.

23

Ibidem; p.155. Parte 1 – Percursos Teóricos 45

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1.4. A flanerie carioca Enquanto a flanerie aconteceu na Paris da segunda metade do século XIX, o Rio de Janeiro da primeira metade do século XX, foi transformado pelas reformas idealizadas pelo prefeito Pereira Passos, para se assemelhar à capital francesa. Com isso, os cariocas passaram a desfrutar cada vez mais dos remodelados espaços públicos da cidade, como fez o flaneur de Baudelaire em Paris. João do Rio, o grande flaneur carioca, eternizou seu amor pelas ruas em livro. A Alma Encantadora das Ruas descreve tanto sobre a atividade de flanar pelas ruas, como traz acontecimentos, histórias, personagens das ruas do Rio de Janeiro, caracterizando-as, exibindo suas feições e seus encantamentos. “Flanar é a distinção de perambular com inteligência. Nada como o inútil para ser artístico”. (O flaneur) “...conhecendo cada rua, cada beco, cada viela, sabendolhe um pedaço da história, como se sabe a história dos amigos (quase sempre mal), acaba com a vaga ideia de que todo o espetáculo da cidade foi feito especialmente para seu gozo próprio”. “Por que nascem elas (as ruas)? Da necessidade de alargamento das grandes colmeias sociais, de interesses comerciais, dizem. Mas ninguém o sabe. Um belo dia, alinha-se um tarrascal, corta-se um trecho de chácara, aterra-se lameiro, e aí está: nasceu mais uma rua. Nasceu para evoluir, para ensaiar primeiros passos, para balbuciar, crescer, criar uma individualidade”24. As ruas cariocas se tornam local de encontro, de vida social, e neste sentido, a Lapa é o local onde se misturavam os políticos aos pobres, os artistas às mulheres da vida, os estudantes aos malandros. Era o local da música e das brigas, das missas da meia-noite e das bebedeiras até o amanhecer.

JOÃO DO RIO. A Alma Encantadora das Ruas. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1908; p.3. Arquivo digital disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000039.pdf, , acessado em 23/10/2012.

24

Parte 1 – Percursos Teóricos 46

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.07. Rua dos Arcos. Rio de Janeiro, dezembro, 1924.

Durante o dia, como explicitou Almeida Fischer, a Lapa era “um bairro como os outros, cheio de movimento e de vida normal, recebendo, em sua Estação de Bondes, multidões que se deslocam para os locais de trabalho, ou que regressam aos lares no fim da tarde”25. A Lapa de noite era o que diferenciava este local dos outros ambientes do Rio, era o que a tornava única. A noite revelava sua alma e o amanhecer iluminava seu lado triste, sujo e de ressaca. No final do anos 1940, a Lapa foi perdendo sua vivacidade: a proibição dos jogos de azar, durante o mandato do Presidente Dutra, fechou cassinos que movimentavam a região e contribuiu para calar vozes e música; os bairros da Zona Sul atraíram as pessoas da noite e Brasília levou muitos políticos do Rio de Janeiro26. O processo de expansão da cidade e de valorização do automóvel como principal meio de locomoção das pessoas provocou rasgos e vazios no tecido urbano da Lapa. Nos anos 1970, durante a ditadura militar, muitos sobrados foram desapropriados e demolidos pelos planos de grandes vias, os carros ganharam espaço nas ruas e nos terrenos esvaziados, fazendo com que o local, que antes fora de passagem e de permanência de pessoas, passasse a ser um local de passagem e de permanência de automóveis. A Lapa ficou abandonada, envelhecida e calada.

FISCHER, Almeida. A Lapa. In: DAMATA, Gasparino. Antologia da Lapa. Rio de Janeiro: Desiderata, 2007; p.67.

25

26

Este percurso histórico será descrito com mais detalhes na Parte 2. Parte 1 – Percursos Teóricos 47

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Nos anos 1980, com a reabertura política, artistas e grupos culturais voltaram a se expressar e a Lapa foi um dos locais escolhidos para sediar e promover diversos artistas e representantes de culturas tradicionais brasileiras. Paulatinamente, casas e ruas voltaram a ser ocupadas. A Lapa recuperou sua ambiência, voltando a promover o encontro de pessoas de diversos lugares da cidade, do Brasil e do mundo. A Lapa voltou a promover a convivência dos diferentes. Cerca de três décadas depois das primeiras atividades artísticas se instalarem na região, a prefeitura concebe o Projeto Lapa Legal, na intenção de estabelecer ações que parecem contribuir para que a região se volte para o uso das pessoas, como promove o urbanista Jan Gehl. No entanto, ao mesmo tempo que fechou ruas para permitir o trânsito de pedestres nos finais de semana, a prefeitura construiu praças sem bancos, inviabilizando a permanência das pessoas nestes espaços. As calçadas puderam ser ocupadas com mesas de estabelecimentos comerciais, fazendo com que os locais de permanência das pessoas sejam limitados pelo consumo. Sendo assim, a pergunta que vêm à tona é: A Lapa que a prefeitura pretende construir com o Projeto Lapa Legal é para as pessoas ou para os negócios?

Parte 1 – Percursos Teóricos 48

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2. A cidade como lugar de memória “Las cosas se duplican en Tlön; propenden asimismo a borrarse y a perder los detalles cuando los olvida la gente. Es clásico el ejemplo de un umbral que perduró mientras lo visitaba un mendigo y que se perdió de vista a su muerte. A veces unos pájaros, un caballo, han salvado las ruinas de un anfiteatro”27. No conto de Jorge Luis Borges, ele descreve a descoberta de um mundo criado por uma espécie de sociedade secreta ao longo de muitas gerações. Tlön possuía mitologias, línguas, geografia, fauna e flora próprias. Neste cosmos, são os processos simbólicos que concebem e constituem o universo, ou seja, cada indivíduo pode conceber sua própria concepção do tempo, chegando inclusive a negá-lo ou a concebê-lo como se já tivesse transcorrido todo o tempo e que o que eles vivessem fosse apenas uma memória dos tempos passados. Todas as coisas permaneceriam na realidade de Tlön apenas pela continuidade da memória daquelas coisas nas pessoas ou nos seres daquele cosmos. Quando estas coisas eram esquecidas, desapareciam da realidade e eram substituídas por outras. Quando os pássaros pousam no anfiteatro e chamam a atenção das pessoas para aquele lugar, eles permitem que estas pessoas se conectem com as memórias que possuem sobre aquele anfiteatro e construam novas memórias a partir daquele momento. Será que não poderíamos trazer de Tlön esta mesma concepção para o nosso mundo? Afinal, não seria a presença das pessoas e das suas lembranças num e sobre um determinado lugar a questão fundamental para sua manutenção e sua sobrevivência ao longo do tempo? Compreender a importância de se conter lugares de memória na cidade, como forma de fortalecer a relação entre as pessoas e o local onde vivem, se torna, portanto, fundamental, já que estes contribuem para o sentimento de pertencimento das pessoas à cultura de um grupo.

27

BORGES, Jorge Luis. Ficciones. Buenos Aires: Debolsillo, 2012; p.31. Parte 1 – Percursos Teóricos 49

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Para tal, abordaremos a trajetória da preservação dos bens culturais e das memórias coletivas, observando a evolução deste processo e suas relações com a dinâmica da vida urbana atual. Com isso, se pretende compreender a trajetória urbanística do bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, seu processo de ruptura e de preservação do tecido histórico, relacionando-o às memórias coletivas que constituem o imaginário e a identidade local da Lapa, bem como às vivências e manifestações das pessoas nos seus espaços públicos.

2.1. Da cultura oficial à diversidade cultural: o percurso dos bens culturais e das memórias Um dos marcos significativos na história das políticas de preservação é a Revolução Francesa, com a queda do monarquismo e a formação do Estado Nacional francês. Como descreve Choay, a revolução iniciou uma série de vandalismos aos edifícios e bens móveis que representavam o clero e a coroa28. A intenção destas políticas foi fazer com que estes bens se tornassem bens públicos, obrigando a sua preservação e conservação. A seleção destes bens era feita pelo Comitê Revolucionário, formado por representantes que eram considerados e se consideravam com o discernimento necessário para escolher o que deveria ser preservado e o que deveria ser destruído. Portanto, a preservação dos bens culturais teve início, a partir do momento em que estes foram ameaçados de destruição ou de desaparecimento. Somente a partir desta ameaça, o poder público e a sociedade começaram a discutir formas de resguardo e de preservação do seu patrimônio cultural. O processo de formação dos Estados Nacionais teve como ferramenta o nacionalismo, utilizado – nas palavras de Bauman – como “dobradiça” ligando o estado e sociedade”29. Assim, como uma continuação do projeto Iluminista, os considerados detentores do saber tinham o poder de selecionar e difundir os bens culturais que seriam os símbolos da nação, levando a cultura nacional ao povo.

Ver CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. Tradução: Luciano Vieira Machado. São Paulo: Editora UNESP, 2006. 29 BAUMAN, Zigmunt. Ensaios Sobre o Conceito de Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012; p.51. 28

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Na virada e no início do século XX, foram criadas as instituições de proteção do patrimônio e da cultura em vários Estados. Elas determinavam o que deveria ou não se tornar patrimônio de uma nação, de uma cultura. “A ideia que orientou todos os esforços do Estado-nação moderno foi a de impor um tipo de lealdade sobre o mosaico de ‘particularismos’ locais, comunitários”30. Era função destes órgãos “ensinar” ao povo o valor do patrimônio, quer este povo se identificasse com ele, quer não. Desta maneira, as comunidades minoritárias, cujos valores culturais materiais e imateriais diferenciavam da cultura “oficial”, não se sentiam representadas por, nem pertencentes a esta nação. No Brasil, a criação o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) – originalmente Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) – surgiu concomitantemente ao Estado Novo. Os criadores e integrantes do então SPHAN foram, surpreendentemente, intelectuais modernistas e progressistas, que viam no patrimônio a formação da identidade nacional e a inspiração para o progresso, através de criações modernas e autênticas brasileiras. Ainda que esta busca se relacionasse ao teor nacionalista do governo que viria a seguir, os modernistas buscavam o que era essencialmente brasileiro por quererem romper com a influência europeia na arte, na arquitetura, na música e na cultura de um modo geral31. “Em torno do ministro aglutinou-se um grupo de intelectuais progressistas interessados em criar uma política para a preservação do patrimônio histórico e artístico nacional capaz de superar o aparente antagonismo entre tradição e modernidade”32. A atuação louvável deste Instituto teve como princípio inicial salvar os patrimônios materiais que estavam passíveis de serem destruídos e/ou saqueados nas diversas regiões do país. Sua atuação ao longo dos anos foi marcada por embates com os interesses privados, uma

BAUMAN, Zigmunt. Ensaios Sobre o Conceito de Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012; p.55.

30

31

ver FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005; p.82-92.

32

DUARTE, C. F.. Preservar o passado olhando para o futuro. In: O Liberal, Belém, Caderno Cartaz, 07 dez. 2003. Parte 1 – Percursos Teóricos 51

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vez que o tombamento limitava o direito do proprietário sobre o bem. Isto fez com que o Instituto tivesse um caráter autoritário, impondo o que devia ser preservado enquanto patrimônio nacional. Ainda que as razões históricas e estéticas pudessem justificar o tombamento, se a comunidade que estivesse ao redor deste bem tombado não tivesse mais relação de uso e de afetividade com o mesmo, ou não tivesse mais memórias sobre aqueles bens que pudessem afirmar seus valores, o tombamento não era suficiente para sua preservação. Para aquele grupo de pessoas, o bem já havia desaparecido, como em Thlön. A partir da segunda metade do século XX, com a abertura política no Brasil, as comunidades que estavam “fora” do espectro do que era considerado cultura nacional, ou seja, o que constituía a identidade do país, passaram a reivindicar seus direitos e a exaltar seus bens culturais, como parte da identidade nacional. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 garante o direito à cultura e amplia conceito de bens culturais nacionais, através dos artigos 215 e 216, que afirmam: “Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.(...) Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

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O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”33. Este processo leva à ampliação dos bens a serem preservados enquanto patrimônios culturais brasileiros. Neste momento, o Estado deixa de ser o único a afirmar o que deve ser patrimônio nacional, as comunidades e grupos culturais passam a participar deste processo e a reivindicar pela patrimonialização de seus bens, integrando-os no que constitui a identidade brasileira. A identidade única passa a ser fragmentada, ou melhor, diversa, multifacetada. A reivindicação por direitos constitucionais não se dá somente através do direito às manifestações culturais e à valorização de seus bens, se dá também através da valorização das memórias destes grupos e destas comunidades, uma vez que a história oficial até então não integrava suas vivências e suas versões para os mesmos fatos. As memórias coletivas de grupos étnicos e culturais, bem como de comunidades regionais passam a ser reivindicadas como integrantes da história e da cultura brasileira. Segundo Maurice Halbwachs, a memória coletiva corresponde às memórias que são compartilhadas por um grupo de pessoas. Ele considera que “jamais estamos sós”34, ou seja, mesmo que as memórias correspondam a experiências vividas individualmente, estas nunca estão desligadas dos grupos de pessoas que cada um carrega dentro de si. Estas memórias formam e mantém o grupo enquanto tal. Podemos dizer que as memórias coletivas estão intimamente ligadas à cultura35 e à identidade cultural, uma vez que estas também caracterizam uma comunidade, ao mesmo tempo que também são formadas por esta, através das experiências compartilhadas na vida em comum.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva, Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro Editora, 2003; p.30. 35 DOS SANTOS, José Luiz. O que é Cultura. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1983; p. 41. 33 34

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Halbwachs complementa afirmando que as memórias coletivas sempre ocorrem em um contexto espacial36, o que constitui uma relação de influência mútua entre um grupo e o lugar no qual está inserido37. No entanto, como podemos pensar em memórias coletivas, cultura, identidade e locais preservados quando as cidades contemporâneas possuem uma dinâmica cada vez mais acelerada e quando a formação dos grupos e dos contatos entre as pessoas não estão mais restritos ao lugar onde moram e sim a todo o mundo? Bauman afirma que “a marca da modernidade é a ampliação do volume e do alcance da mobilidade, e, por conseguinte, de forma inevitável, o enfraquecimento da influência da localidade e das redes locais de interação”38. Pierre Nora descreve este momento como de aceleração da história, que transforma rapidamente toda a memória social, vivida através dos costumes e da tradição, em história acabada e distante do tempo atual. Daí a necessidade de se conservar “os lugares onde a memória se cristaliza e se refugia.(...)Há locais de memória porque não há mais meios de memória”39, ou seja, não há transmissão contínua destas memórias na dinâmica múltipla, globalizada e fragmentada das sociedades atuais. Nora afirma que os lugares de memória têm em si três sentidos que coexistem simultaneamente: o material, o simbólico e o funcional, no entanto, alguns sentidos podem ser mais presentes que outros. Lugar de memória não significa que este seja constituído fisicamente por um objeto, um monumento, um edifício ou um espaço físico. O autor utiliza como exemplo o minuto de silêncio como um lugar de memória imaterial.

HALBWACHS, Maurice. A memória Coletiva, Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro Editora, 2003; p.170. 37 Ibidem; p.159. 38 BAUMAN, Zigmunt. Ensaios Sobre o Conceito de Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012; p.45. 39 NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História: Revista de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo: PUC-SP, 1981; p.7. 36

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O aspecto relevante dos lugares de memória é que eles concentram em si uma identidade, porém suas significações podem ser ampliadas ao longo do tempo, conforme sua contínua ressignificação pelas pessoas. Num momento em que as pressões para o desenvolvimento, o crescimento e o rápido fluxo dos ritmos da cidade tornam a permanência das coisas ameaçada, é a fortaleza dos valores a elas atribuídos que poderão conservar sua presença no tempo fluido40 atual. Ao mesmo tempo, podemos compreender que é a permanência destas coisas, destes lugares de memória, que evocarão o sentimento de pertença aos grupos de indivíduos que com eles se relacionam, fortalecendo a identidade cultural dentro do redemoinho dos fluxos globais de comunicação e de troca.

2.2. A Lapa como lugar de memórias “...daquele tempo de horas fugidias, de auroras fugidias, de esperanças e desenganos, de tudo que possuímos quando somos moços e incompreendidos (não no sentido em que a mocidade é incompreendida), quando somos incompreendidos porque sentimos uma nova profundidade nas coisas e nos seres, quando somos incompreendidos porque não queremos mais o mundo que nos cerca, as chaves que abrem o lugar onde iremos repousar na glória de um emprego público, ou na hierarquia de um casamento rico. Saí da Lapa para a aventura da Semana de Arte Moderna em São Paulo, com o coração transbordando de aventuras amorosas, com a boca amarga de álcool mau e as mãos cansadas de desenhar o que eu via num mundo de ‘Fantoches da Meia-Noite’”41. O texto de Di Cavalcanti traz suas inquietações de juventude contextualizadas às experiências que viveu na Lapa, local região onde teve seu ateliê. O pintor é um dos ilustres autores dos textos reunidos no livro Antologia da Lapa, editado por Gasparino Damata pela primeira vez em 1965 e reeditado em 2007.

40

Concepção de Bauman para caracterizar a superficialidade das relações na realidade atual, conceituada por ele como modernidade liquida. Ver BAUMAN, Zigmunt. Amor Liquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

41

DI CAVALCANTI. In: DAMATA, Gasparino. Antologia da Lapa. Rio de Janeiro: Desiderata, 2007; p.54. Parte 1 – Percursos Teóricos 55

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Na época da primeira edição do livro, a Lapa estava muito diferente daquela retratada nos textos das ilustres personalidades. A energia cultural, sexual, poética e criminosa que fluíra na região durante primeira metade do século XX foi estancada por questões políticas, urbanísticas e econômicas, que culminaram no esvaziamento e no abandono da região, na segunda metade do século XX. A efervescência e a diversidade cultural misturadas à vida de prazeres e delitos era o que formava a ambiência única da Lapa, enaltecida nos textos de seus ilustres frequentadores do início do século XX e que perduram até hoje nas memórias dos frequentadores atuais da região. “Parei nos Arcos e vi aquele pandeiro acompanhando sambas da Portela e do Império Serrano. Não chovia, nem gatos pingavam, mas existia uma energia de mudar o mundo. Nada existia nem o Circo Voador, Belmonte, Informal, nada. Um samba e alguns bêbados que permanecem etílicos até hoje e estava feito o movimento do dia. Acho que também não existiam palavras como revitalização ou patrimônio público”42. Moacyr Luz já pontua o que aconteceria com a Lapa no final do século XX. A cultura é a primeira intervenção para a recuperação e a continuidade das memórias e da ambiência que constituem o patrimônio da Lapa. Ocupações de edifícios e espaços públicos para o uso cultural foram iniciativas que indicavam a formação de lugares de fomento e de difusão da cultura, bem como de criação artística. Este processo, iniciado através de ações e de apropriações de caráter artístico e cultural, foi retomado por empresários e poder público, que fizeram com que a Lapa saísse da penumbra e voltasse aos focos de atenção, consolidando a região enquanto local de cultura, lazer e turismo. O que se percebe, atualmente, é uma Lapa formada por duas partes diferentes, que são divididas e unidas pelos Arcos.

42

LUZ, Moacyr. In: DAMATA, Gasparino. Antologia da Lapa. Rio de Janeiro: Desiderata, 2007; p.14. Parte 1 – Percursos Teóricos 56

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

De um lado dos Arcos, temos os grupos artísticos e culturais, pioneiros na recuperação do movimento da Lapa, que permanecem atuantes, realizando espetáculos e promovendo cursos, oficinas e projetos de inclusão social. Estes grupos, além de realizarem manifestações nas ruas, constantemente sedem seus espaços para festas de caráter popular, atraindo uma grande quantidade de pessoas, que ocupam, não só as casas, mas, sobretudo a rua. Neste trecho, as barracas e os depósitos de bebidas complementam o ambiente e incentivam o uso do espaço público enquanto local de celebração. A Lapa das memórias do livro de Damata é recuperada e preservada neste ambiente, onde o convívio das diferenças é celebrado. No lado oposto dos Arcos, outro ambiente está em configuração. A cada dia, uma nova casa de samba ou um novo bar são abertos para serem frequentados pela elite da cidade e por turistas. Os novos bares remetem aos tradicionais que lá sobrevivem. A permanência destes bares tradicionais é incentivada pelo registro de Patrimônio Cultural Carioca, que procurou garantir a preservação destes lugares de memória frente à concorrência e à valorização imobiliária da região. A figura do malandro foi fetichizada e hoje, os chapéus de palha, típicos da figura idealizada do malandro, se tornaram moda nas ruas, fazendo com que até o uniforme dos garis da Lapa tenham um chapéu que remete aos do memorável personagem carioca. O Projeto Lapa Legal “limpa” e organiza os movimentos que já ocorriam no bairro, ao mesmo tempo que favorece o desenvolvimento do comercio e das casas noturnas na região. O projeto ampliou os espaços públicos dos pedestres, fechando vias de veículos, ao mesmo tempo que possibilitou a ampliação de espaços privados nas calçadas públicas. Do lado popular dos Arcos, a ampliação das áreas de pedestres fez com que as pessoas que já usufruíam do espaço público, ou seja, que ocupavam as calçadas e que usufruíam dos serviços dos ambulantes e da música vinda das casas noturnas e dos grupos que tocam nas ruas, passassem a ocupar um espaço público até então destinado somente aos veículos. Esta medida também trouxe o aumento de performances que passaram a ocorrer na rua, fossem elas musicais, circenses ou de dança. Parte 1 – Percursos Teóricos 57

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig. 08. Garis com chapéus como parte do uniforme, na Lapa.

No entanto, do lado “maquiado” dos Arcos, se percebe que os novos espaços públicos estão sendo privatizados pelos empreendedores: seja para eventos e ações promocionais, seja para a ampliação das áreas de mesas dos bares nas calçadas e largos que estão em construção no novo traçado urbano. A Lapa da virada do século XXI lembra aquela início do século XX, no entanto, os interesses privados e políticos tendem a transforma-la numa Lapa de “aparências tradicionais”, mas “oca” de tradições. Ainda permanecem lugares de memória, que preservam a ambiência da Lapa de outrora, que celebram a diversidade social e cultural no espaço público. Quando lemos um trecho do texto A Lapa ficou na saudade, de Gasparino Damata, vemos que as memórias ali descritas, que datam dos anos 1930, descrevem uma Lapa que, de longe, pode se assemelhar à atual. No entanto, ao olharmos com mais atenção, podemos questionar se os locais atuais realmente preservam memórias ou se estão apenas fantasiados de imagens destas memórias: “O jovem escritor Brito Broca, então recém-chegado da provinciana São Paulo, a fim de tentar a vida no Rio, dizia: - À noite, era difícil conseguir uma cadeira num café. O largo, quase intransitável, fervilhava. Os cabarés, cheios. O vozerio era ouvido à distância – todo mundo bebendo e cantando, feliz. Uma beleza!”43

43

DAMATA, Gasparino. Antologia da Lapa. Rio de Janeiro: Desiderata, 2007; p.24. Parte 1 – Percursos Teóricos 58

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

É provável que o café lotado de antigamente se assemelhasse a um bar de hoje em dia, desses que acabaram de abrir mas que tem aparência de bar tradicional, como os já citados por Moacyr Luz. O Largo parece fervilhar, no entanto, isto acontece sobretudo, em virtude de eventos promovidos por empresas ou pelo movimento das casas de espetáculos ao redor. Os cabarés seriam casas de show, como o Circo Voador, a Fundição Progresso ou o Rio Scenarium, ou também poderiam ser casas de samba, como o Carioca da Gema, o Centro Cultural Carioca, o Sacrilégio ou o Semente. Alguns destes ainda preservam lugares de memórias, no entanto, estão cada vez mais elitizados, restritos a quem pode pagar pelo ingresso. Por fim, o vozerio permanece, canta e é feliz. Deste vozerio, algumas vozes são felizes porque celebram e convivem, outras são felizes porque acham que estão convivendo e celebrando, dentro de um cenário que relembra a Lapa e no qual os figurantes usam chapéu “de malandro”. Podemos compreender que parte da Lapa ainda preserva lugares de memória, não só porque preserva os testemunhos físicos de tempos passados, mas porque ainda mantém a ambiência constituída pela presença de atores culturais e pela celebração da diversidade social e cultural da cidade. As memórias daquela época são preservadas, justamente por que são vivenciadas e atualizadas dentro da dinâmica atual da cidade. A outra parte da Lapa parece expulsar as memórias e só deixar imagens embelezadas em seu lugar. O poder público não se opõe a este processo e permite que ele invada os espaços que seriam públicos. A partir deste cenário, como estas memórias permanecerão frente às transformações e à dinâmica política, econômica e social da cidade? Na conclusão do texto de Damata, temos uma triste previsão do futuro: “Nos próximos dez anos, quando muito, só restará da velha, da pecaminosa Lapa, uma ou outra casa térrea ou assobradada, esmagada entre edifícios que invadiram a suas ruas circunjacentes, como a Joaquim Silva, a Taylor, a Conde de Laje, a Morais e Vale, a Teotônio Regadas, a Travessa do Mosqueira, completamente descaracterizadas, em luta desigual com o progresso. E em muito menos tempo – uns cinco anos, no máximo -, a velha Rua da Lapa, de todas, talvez, a mais desfigurada, terá, em substituição às poucas Parte 1 – Percursos Teóricos 59

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

casas que ainda restam, duas cerradas fileiras de arranha-céus. E pouca gente lembrará que ali, um dia, houve residências, famílias, que aos domingos iam à missa, vida pacata, que por ali passaram carruagens de reis e princesas, tílburis e bondes, de que das sacadas dos sobrados podia-se ver a praia, os barcos ancorados, a baía, o mar”44. Damata lamenta o descompasso entre a Lapa dos arranha-céus e a Lapa dos sobrados e das casas térreas, da falta do cotidiano e dos ritmos que se estabeleciam em outros tempos, através do convívio com o outro no espaço público. A Lapa das memórias permanecerá enquanto permanecerem aqueles que convivem, celebram, ocupam e se manifestam nos seus espaços públicos. Como no conto de Borges, são as pessoas e suas memórias que garantem a permanência das coisas, caso contrário, desaparecem, se transformam em outras coisas, que até podem se parecer, mas têm essências e finalidades completamente diferentes.

Fig.09. Pessoas dançando na rua sob os Arcos da Lapa.

44

DAMATA, Gasparino. Antologia da Lapa. Rio de Janeiro: Desiderata, 2007, p.30. Parte 1 – Percursos Teóricos 60

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

3. A cidade como lugar de manifestações culturais

Fig.10. Procissão de Todos os Santos, realizada pela Cia. Brasileira de Mystérios e Novidades. Rio de Janeiro, 2008.

As manifestações culturais e artísticas, para além de constituírem momentos de encontro entre as pessoas e de virem a ser símbolos da identidade cultural de um grupo, são momentos de celebração e de criação coletiva, expressas nos espaços públicos da cidade. Richard Sennet, no livro Juntos, aborda diferentes aspectos dos rituais, nos quais se enquadram as manifestações culturais. Ele ressalta que, apesar de parecerem externos a nós, “livrando-nos de tudo que possa ser ‘autorreferencial’”, os rituais não são comportamentos congelados, justamente porque são feitos pelas pessoas, que atualizam seus significados e suas formas de expressão continuamente45. Estes rituais, segundo Sennet, contribuem para a troca entre as pessoas, estabelecendo formas de cooperação entre elas e mantendo o passado “vivo” no presente46.

SENNET, Richard. Juntos: os rituais, os prazeres e a política da cooperação. Rio de Janeiro: Record, 2012; p.111.

45

46

Ibidem; p.113. Parte 1 – Percursos Teóricos 61

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Percebemos portanto, estas formas de celebração e de ação nos espaços públicos como integradoras dos aspectos anteriormente analisados, que foram: a cidade como local de encontro e como lugar de memória. As manifestações artísticas e culturais de caráter urbano se relacionam com as perspectivas de Lefebvre e da Internacional Situacionista, pois constituem e geram situações novas, permitindo a atuação criativa e lúdica do habitante na cidade. Por isso, é importante a compreensão de como estas ações se deram ao longo do tempo, percebendo como o poder utilizou ou repreendeu as manifestações culturais e artísticas, de forma a controlar as populações em diversas sociedades. Na intenção de elucidar e aprofundar a compreensão do poder público enquanto fator determinante na permanência das ações artísticas e culturais nos espaços públicos, compararemos as últimas atuações do poder municipal nas cidades de Barcelona e do Rio de Janeiro. A cidade espanhola, que passou por grandes reformas para receber os Jogos Olímpicos de 1992, foi utilizada como referência para as transformações urbanísticas em execução no Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos de 2016. Esta análise será fundamental para analisar a Lapa e suas transformações urbanísticas, tendo em vista a permanência das manifestações culturais e artísticas locais.

3.1. A formação da cidade como local de celebração As cidades tradicionalmente serviram à celebração e às manifestações de povos ao longo dos tempos. A autora Barbara Ehrenreich, em seu livro Dançando nas Ruas, traz uma pesquisa sobre os rituais extáticos das diversas sociedades ao longo da história, evidenciando suas relações com a cidade. A autora afirma que, na Idade Média, a dança fazia parte das festividades de povos europeus. O catolicismo, apesar de não aceitar comportamentos extáticos dentro da Igreja, permitia a dança em suas celebrações. No sentido de controlar e direcionar os momentos extáticos e de desordem da população, a Igreja utilizou o Carnaval como a festividade na qual as pessoas pudessem se manifestar Parte 1 – Percursos Teóricos 62

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

com liberdade. A festividade era conhecida também como a Festa dos Loucos e permitia que as pessoas se fantasiassem e zombassem dos poderosos, como os reis e o clero47. Tendo em vista o caráter desordeiro desta festividade, sua realização foi levada cada vez mais para as ruas, retirando-a do espaço interno da Igreja. Assim como o Carnaval, outras festas cristãs foram para os espaços públicos e foram apropriadas pelas pessoas, tais como as procissões de Corpus Christi, o Dia de Reis e Pentecostes. As festas ganharam cada vez mais espaço nos calendários e nas ruas, fazendo com que até casamentos e velórios fossem oportunidades de celebração48. Nas colônias hispano-americanas, as festividades eram celebradas nas ruas não só como forma de expulsão da desordem do interior das igrejas, mas também como forma de consolidação do poder da Igreja e da Coroa nas novas terras, trazendo uma noção de pertencimento àqueles que formavam as novas cidades. Sobre o tema, Maria Isabel Viforcos Marinas explicita: “...la ciudad se constituye en el Nuevo Mundo en expresión de poder desde el mismo momento de su fundación y como los distintos poderes –político, religioso, socio-económico, cultural- tienen en ella y desde ella su espacio y proyección49. Pero, sin duda, es en su calidad de escenario natural de la fiesta barroca, donde con más claridad e intensidad podemos constatar su condición”.50 Para ela, a festa não tem como objetivo principal o caráter lúdico e sim reforçar, através da ostentação e da persuasão, os valores do Antigo Regime que são: a fidelidade à Coroa, a aceitação da ordem social e a exaltação da ortodoxia católica. A ruptura temporal da ordem cotidiana, de maneira consentida e controlada, tem o poder de tornar suportável o trabalho e a dureza do cotidiano, fomentando, ao mesmo tempo, a participação e a coesão dos grupos sociais. 47

EHRENREICH, Barbara. Dançando nas Ruas: uma história do êxtase coletivo. Rio de Janeiro: Record, 2010; p.116.

48

Ibidem; p.116.

49

N.A. La ciudad, signo y expresión de poder.

50

MARINAS, Maria Isabel Viforcos. La Ciudad Hispanoamericana: Reflexiones en Clave de Poder. Arquivo digital: www.moderna1.ih.csic.es/cordoba/la_ciudad_hispanoamericana.pdf; p.25, acessado em 15/04/2012. Parte 1 – Percursos Teóricos 63

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

A autora defende que estas festas não respondiam às necessidades da população trabalhadora e sim às das instituições de governo temporal e espiritual, como prática de poder. A necessidade de manter permanentemente captada a atenção das massas e seu reconhecimento da soberania das classes dominantes era habitualmente a origem de uma contínua encadeação de cerimônias que encontravam nas ruas e praças da cidade seu cenário mais adequado. Maria Concepción Saíz também trata das colônias hispano-americanas e de suas relações entre as festas e a cidade. Ela afirma que a conformação dessas cidades coloniais possibilitaram e favoreceram o sucesso destas celebrações, uma vez que a praça principal, chamada de plaza mayor, configura um espaço amplo, que possibilita a aglomeração de pessoas, ao mesmo tempo que, em volta dela, estão representadas as principais sedes dos poderes coloniais: a Igreja e as sedes do governo. As ruas principais também eram locais de celebração, no momento em que eram por elas que passavam as procissões, outra forma tradicional de congregação das pessoas. Esta estratégia foi extremamente importante para o contexto social das colônias espanholas, pois a diversidade étnica, caracterizada pela presença de espanhóis, índios e negros, dificultava a unificação e sua subordinação ao poder da Coroa. Portanto, era através do caráter lúdico das festas – comuns a todas as etnias – que esta união era simulada e fomentada. Tanto na Europa, como nas Américas, estes momentos, sobretudo o Carnaval, permitiam que as pessoas saíssem de seus papéis cotidianos e se transformassem em quem quisessem, como homens vestidos de mulher, mulheres vestidas de homem, servis vestidos de nobres, pecadores vestidos de padres ou de freiras, e quantas mais possibilidades houvesse. No Carnaval, era possível fazer piada sobre os detentores de poder, o que provocava um sentimento de catarse coletiva e deixava os dias de penúria mais suportáveis. Conforme as festas foram saindo das Igrejas e se direcionando para as ruas, os movimentos extáticos, considerados como parte do ritual religioso, passaram a ser cada vez mais ligados

Parte 1 – Percursos Teóricos 64

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

à ação do homem. A produção destas festividades se tornou mais organizada e elaborada, como algo criado pelo homem51. Nas Américas, as festividades europeias foram incorporadas pela população das colônias e utilizadas como forma de manter rituais religiosos e tradições de povos escravizados. O sincretismo fez com que estas populações, sobretudo de origem africana, se utilizassem das festividades católicas para reverenciar seus deuses e manter suas tradições52. Por outro lado, estas festividades também podiam adquirir um caráter de protesto e de rebeldia, como no caso entre criollos e peninsulares, abordado por Saíz em seu texto sobre as festividades nas colônias hispano-americanas53. Com isso, diversas celebrações coloniais foram repreendidas, como forma de garantir o controle das colônias. Na Europa, as festividades foram repreendidas entre os séculos XVI a XIX, por diversas razões, dentre elas, a Reforma Protestante, que incentivou a repulsa aos costumes católicos, e o próprio capitalismo, já que o trabalho remunerado em dinheiro e o sistema de trabalho nas fábricas fizeram com que as pessoas fossem mais disciplinadas e com que o ano tivesse menos feriados para que os dias fossem mais produtivos54. As ditaduras que ocorreram durante o século XX fizeram dos espaços públicos locais de festividades, no entanto seu caráter era oposto ao das festividades religiosas até então descritas. As celebrações organizadas pelo Estado tinham por objetivo o convencimento e a união da população ao regime ditatorial. Nestas festividades, as tropas militares muitas vezes se exibiam, como demonstrações de controle, de adestramento, de poder e de defesa da Nação. Grandes estruturas eram montadas no sentido de enaltecer o poder do Estado e

51

Ver EHRENREICH, Barbara. Dançando nas Ruas: uma história do êxtase coletivo. Rio de Janeiro: Record, 2010; p.119.

52

Ibidem; p.204-7.

53

SAÍZ, Maria Concepción García. Vida y Encenario de la ciudad hispanoamericana. In La Ciudad Hispanoamericana: el sueño de un orden. Cehopu: Madrid, 1989; p.238.

54

Ver EHRENREICH, Barbara. Dançando nas Ruas: uma história do êxtase coletivo. Rio de Janeiro: Record, 2010; p.125. Parte 1 – Percursos Teóricos 65

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

de promover a união do povo sob este sistema, no entanto, a participação da população era reduzida, já que eram apenas espectadores destes espetáculos55. As revoluções populares, ocorridas em diversos países nos anos 1960, em oposição aos regimes ditatoriais e às guerras, também fizeram das ruas seus locais de manifestação e de celebração. As artes, sobretudo a música, fizeram parte deste momento, sendo usadas como atos políticos em passeatas e protestos. O rock, como um dos gêneros característicos da época, provocava uma reação de êxtase coletivo no público, retirando as pessoas da passividade requerida nos espetáculos do governo e nos teatros fechados. Os movimentos sociais que ocorreram nesta época fortaleceram as manifestações de grupos sociais e culturais que até então não configuravam no espectro da identidade nacional concebida pelos Estados-Nação. Por outro lado, o crescimento da mobilidade e da comunicação entre as pessoas em todo o mundo diminuiu o impacto destas manifestações nas comunidades locais. Se considerarmos que as pessoas não estão relacionadas apenas aos locais aonde vivem e à comunidade a qual pertencem, mas, cada vez mais, estão conectadas com pessoas e lugares de todo o mundo, as manifestações tradicionais locais tendem a perder espaço no cotidiano das pessoas de uma comunidade. Portanto, preservar celebrações tradicionais significa cada vez mais atualiza-la na dinâmica social atual, incorporando as diversas influências sociais e culturais que possam estabelecer novas relações de pertencimento com as pessoas. “As identidades não se apoiam na singularidade de suas características, mas consistem cada vez mais em formas distintas de selecionar/reciclar/rearranjar o material cultural comum a todas, ou pelo menos potencialmente disponível para elas”56. Ao longo deste percurso histórico das celebrações e manifestações culturais nos espaços públicos do ocidente, foi possível perceber como elas fazem parte das necessidades de 55

Ver EHRENREICH, Barbara. Dançando nas Ruas: uma história do êxtase coletivo. Rio de Janeiro: Record, 2010; p.227.

56

BAUMAN, Zigmunt. Ensaios Sobre o Conceito de Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012; p.69. Parte 1 – Percursos Teóricos 66

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

escape da realidade que as pessoas possuem, sobretudo em momentos de repressão, domínio e controle. As entidades de poder podem se utilizar destas manifestações ou proibi-las, conforme a estratégia para o controle das pessoas. Mesmo em condições atuais de democracia e de liberdade de expressão, formas de restrição destas expressões individuais e coletivas estão surgindo em cidades globais, aparentemente abertas às apropriações festivas e lúdicas dos espaços públicos, como Barcelona e o Rio de Janeiro. A observação das ações praticadas pelas prefeituras das duas cidades nos últimos anos se faz importante, no momento em que se defende a noção de que é justamente a permissão e o incentivo às apropriações coletivas, festivas e lúdicas que farão das cidades espaços saudáveis, democráticos e vivos.

3.2. As manifestações culturais e a ordem pública na atualidade: Barcelona e Rio de Janeiro A possibilidade de intercambio cultural presente na atualidade indica um fortalecimento das identidades culturais locais, bem como a tolerância e o respeito às diferenças. No entanto, na última década, questões econômicas, políticas e religiosas têm sido motivadoras de intolerâncias e restrições aos comportamentos das pessoas em espaços públicos. Em cidades ocidentais que, aparentemente, celebram a diversidade cultural e as ocupações dos espaços públicos pelas pessoas, foram aprovadas leis que controlam e reprimem estas ocupações, trazendo à tona a suspeita de uma nova onda de repressão popular disfarçada num sistema aparentemente democrático. Barcelona é uma cidade que ficou conhecida internacionalmente a partir dos Jogos Olímpicos de 1992 e que se consolidou, ao longo das últimas décadas, como uma cidade global, incorporando pessoas de diversas culturas, sobretudo jovens, num ambiente de celebração e de festa. Em 2006, a prefeitura de Barcelona colocou em vigor uma lei que parece limitar e controlar o processo crescente de apropriação ativa dos espaços públicos pelos habitantes e Parte 1 – Percursos Teóricos 67

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

frequentadores da cidade. A “Ordenanza de Medidas para Fomentar y Garantizar la Convivencia Ciudadana en el Espacio Público de Barcelona” promove justamente a restrição dos usos dos espaços públicos, sob o pretexto de “convivência e civismo”. Dentre as restrições, está a utilização do espaço público para a realização de manobras com o skate, patins e bicicletas; a degradação visual do espaço público por ações como o grafite, a colocação de cartazes e a distribuição de panfletos; a degradação de mobiliários urbanos através da execução de grafites e a prática de esportes e jogos; além de usos impróprios como comprar e vender serviços sexuais, realizar jogos de apostas, urinar na rua, consumir e vender bebidas alcoólicas, realizar comércio ambulante, além da mendicância. A desobediência desta lei implica em multas que vão de 30 a 3.000 euros, podendo ser convertidas em serviços à comunidade. “CAPÍTULO CUARTO: USO INADECUADO DEL ESPACIO PÚBLICO PARA JUEGOS Artículo 31.- Normas de conducta 1. Se prohíbe la práctica de juegos en el espacio público y de competiciones deportivas masivas y espontáneas que perturben los legítimos derechos de los vecinos y vecinas o de los demás usuarios del espacio público. (...) 2. Sin perjuicio de las infracciones previstas en la Ordenanza sobre Circulación de Peatones y de Vehículos, no está permitida la práctica de acrobacias y juegos de habilidad con bicicletas, patines o monopatines fuera de las áreas destinadas a tal efecto. (...) CAPÍTULO DÉCIMO: USO IMPROPIO DEL ESPACIO PÚBLICO Artículo 58.- Normas de conducta 1. Queda prohibido hacer un uso impropio de los espacios públicos y sus elementos, de manera que impida o dificulte la utilización o el disfrute por el resto de los usuarios. 2. No están permitidos los siguientes usos impropios de los espacios públicos y de sus elementos: (...) b) Utilizar los bancos y los asientos públicos para usos distintos a los que están destinados.” “Artículo 71.- Normas de conducta (...)1. El comportamiento de los ciudadanos y ciudadanas en la vía pública y zonas de pública concurrencia y en los vehículos de servicio público debe mantenerse dentro de los límites de la buena convivencia ciudadana. En especial y salvo autorización municipal, está prohibido perturbar el descanso y la tranquilidad de los vecinos y vecinas y viandantes mediante: Parte 1 – Percursos Teóricos 68

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

a) Funcionamiento de aparatos de televisión, radio, musicales u otros aparatos sonoros. b) Cantos, gritos, peleas o cualquier otro acto molesto"57. “Persistir en actividades que impidan el tránsito rodado o el tránsito de personas por las aceras, plazas o espacios públicos se consideran infracciones leves y su importe es de hasta 200 €”58. Ainda que a lei proíba ações que danificam, de fato, o espaço público, e que prejudicam o convívio pacífico entre as pessoas, como ações xenófobas, homofóbicas, etc, o caráter vago de diversos artigos, a falta de sensibilidade em relação aos problemas sociais, como a mendicância, e a proibição de atividades que, ao contrário do que prevê a lei, promovem o convívio das pessoas e o uso lúdico do espaço público fizeram com que a população local se unisse e demonstrasse sua indignação nas ruas. As manifestações reuniram pessoas que, provavelmente, não possuíam nenhum convívio habitual até então, mas que se uniram em prol da liberdade de utilizarem os espaços públicos e de se apropriarem dele. A manifestação realizada na Rambla del Raval, que tive a oportunidade de presenciar, reuniu crianças com seus pais, que eram contra a proibição da prática de jogos e esportes nos espaços públicos; jovens, que repudiavam a proibição de atividades, como o grafite, a prática de acrobacias com skate, patins e bicicleta; juntamente com prostitutas e travestis, que reivindicavam pelo direito de realizarem suas atividades profissionais. A indignação também se dava pelo fato da prefeitura proibir e multar atividades que eram características da cidade de Barcelona, que a definiam como uma cidade jovem, artística, criativa, festiva e lúdica, como o grafite e outras formas de street art, a prática de skate, patins e bicicleta, além da prática do bottellon, uma forma de celebração dos jovens nas praças da cidade, onde as pessoas trazem bebidas e, com frequência, instrumentos musicais e malabares, para permanecerem e conviverem nas ruas.

57

BARCELONA (Provincia). Ordenanza de Medidas para Fomentar y Garantizar la Convivencia Ciudadana en el Espacio Público de Barcelona, de 23 de dezembro de 2005. Disponível em: http://w3.bcn.es/, acessado em 17/01/2013.

58

Explicação da Ordenanza presente na página da prefeitura de Barcelona. Disponível em: http://w3.bcn.es/, acessado em 17/01/2013. Parte 1 – Percursos Teóricos 69

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.11

Fig.12

Fig.13

Fig.14

Figs.11, 12, 13 e 14. Manifestação contra a Lei do Civismo, realizada no bairro do Raval, em Barcelona, em 2008.

Após seis anos de implantação desta lei, pode-se perceber que ainda há um movimento de resistência pelas pessoas que continuam a praticar as atividades proibidas pela prefeitura. Em matérias publicadas pelo jornal El Periódico, é possível perceber como a prefeitura tem atuado e como a resistência às proibições da Ordenanza tem ocorrido ao longo destes anos. Em relação ao skate, se percebe que Barcelona é considerado um dos melhores lugares do mundo para a prática do esporte. No entanto, a aplicação da lei tem feito com que praticantes procurem outras cidades do mundo, onde a atividade não seja proibida. "La capital catalana se mantiene como uno de los destinos favoritos de los riders de todo el mundo gracias a su combinación de buen clima y urbanismo de grandes espacios y suelos deslizantes. Eso, a pesar de las restrictivas ordenanzas y de la creciente presión policial, detalles que no hacen más que potenciar la aureola de rebeldía que envuelve a estos jóvenes de suela desgastada. (...) Riccardo Vadi es el propietario de Rufus, tienda especializada en este deporte heredero del surf. No tiene ninguna duda de que Parte 1 – Percursos Teóricos 70

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Barcelona «es la capital mundial del skate urbano desde hace cuatro o cinco años», pero alerta de que la presión policial está consiguiendo que muchos se vayan a otros lugares, como Berlín, donde sus trucos y piruetas no son tan perseguidos"59. Os artistas que fazem grafite se organizaram para buscar alternativas junto à prefeitura para poderem trabalhar. Uma associação foi formada para defenderem os artistas que estavam sendo multados e para encontrarem uma forma de permissão da prefeitura para utilizarem alguns muros e paredes da cidade para os artistas se expressarem60. As proibições são tão abrangentes que até a própria municipalidade cometeu atos de “incivismo”. Em 2011, na divulgação dos atos de “incivismo” que aconteciam na Cidade Velha, a subprefeitura colou cartazes em locais proibidos pela Ordenanza61. Em outra ocasião, em 2006, folhetos sobre a proibição da limpeza de para-brisas nãoautorizada foram colocados pela prefeitura em locais não permitidos. Isto fez com que ela se questionasse sobre o fato de multar a si própria, concluindo por apenas adequar o tipo de divulgação62.

Fig.15. Skatista descansa na esplanada do MACBA. Barcelona, 2005. 59

Matéria publicada no jornal El Periódico no dia 11 de maio de 2012. Disponível em http://www.elperiodico.com/, acessado em 17/01/2013.

60

Matéria publicada no jornal El Periódico no dia 29 de outubro de 2011. Disponível em http://www.elperiodico.com/, acessado em 17/01/2013.

61

Matéria publicada no jornal El Periódico no dia 18 de maio de 2011. Disponível em http://www.elperiodico.com/, acessado em 17/01/2013.

62

Matéria publicada no jornal El País no dia 24 de fevereiro de 2006. Disponível em http://elpais.com/, acessado em 17/01/2013. Parte 1 – Percursos Teóricos 71

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.16. Panfleto de manifestação contra o Choque de Ordem, colocado no Largo da Lapa.

Se refletimos sobre o fato de que o Rio de Janeiro está se preparando para ser uma das sedes dos jogos da Copa do Mundo de 2014 e a sede dos Jogos Olímpicos de 2016 e que a Prefeitura do Rio de Janeiro estabeleceu uma parceria com a Prefeitura de Barcelona para auxiliá-la no processo de transformação urbanística da cidade para estes eventos63, se faz necessário relacionar os processos ocorridos na cidade catalã aos processos de transformação e regulamentação da cidade do Rio de Janeiro, no sentido de avaliar como as manifestações culturais e as apropriações criativas, coletivas e lúdicas do espaço público serão permitidas na cidade. O mandato do prefeito Eduardo Paes, iniciado em 2008, foi marcado por ações de ordem pública, que fizeram parte da “Operação Choque de Ordem”. Estas ações foram coordenadas e realizadas pela Secretaria Especial de Ordem Pública (SEOP), criada neste mandato. Dentre ações como o confisco de mercadorias de vendedores ambulantes sem autorização, à multas e reboques de carros estacionados irregularmente, à demolição de edificações irregulares ou em áreas de risco, a Guarda Municipal também atuou proibindo a

63

Matéria sobre a parceria entre as prefeituras do Rio de Janeiro e de Barcelona, publicada no site Globo.com no dia 18 de março de 2010. Disponível em http://globoesporte.globo.com/, acessado em 17/01/2013. Parte 1 – Percursos Teóricos 72

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

apresentação de artistas de rua em diversos bairros da cidade,

chegando a confiscar

instrumentos musicais, adereços, malabares, dentre outros aparatos. Artistas tradicionais como Ademir do Sax, que se apresenta regularmente em frente à entrada da estação de metrô Carioca, teve seu instrumento musical retido pela Guarda Municipal. Assim como ele, outros artistas passaram por situações igualmente humilhantes no ano de 2009. Artistas de rua se mobilizaram e, no dia 5 de novembro de 2009, manifestaram em frente à Câmara de Vereadores, na intenção de defender o direito da livre expressão64, iniciando um processo de diálogo com o poder público no sentido de garantir a atuação dos artistas de rua na cidade. Em outras cidades do Brasil, movimentos semelhantes de repressão aos artistas ocorreram, provocando novas mobilizações no ano de 2010. Com a mobilização dos artistas de rua do Rio de Janeiro e o apoio político na Câmara dos Vereadores, foi elaborado o Projeto de Lei nº 931/201165, no sentido de garantir o direito dos artistas de rua a se apresentarem nos espaços públicos da cidade. Após passar por todas as comissões de avaliação da Câmara dos Vereadores, o projeto foi aprovado em votação na sessão do dia 27 de março de 201266. No entanto, o prefeito Eduardo

Paes

vetou

o

referido

projeto,

alegando

“vícios

de

ilegalidade

e

inconstitucionalidade, assim como por se afigurar inconveniente e inoportuno à Administração Pública”67. Os artistas se mobilizaram novamente para reivindicarem a rejeição ao veto do prefeito pela Câmara dos Vereadores. A Câmara rejeitou o veto em 23 de maio de 2012. O prefeito Eduardo Paes, juntamente com o senador federal Alexandre Molon e o vereador Reimont, compareceu à Casa do Tá Na Rua, grupo de teatro de rua dirigido por Amir Haddad, na intenção de explicar à classe artística sobre o veto ao referido projeto de lei.

64

Matéria publicada no jornal O Globo no dia 07 de novembro de 2009, acessado em 17/01/2013.

65

O vereador Reimont foi o autor deste projeto.

66

Trâmites publicados no site: http://mail.camara.rj.gov.br/, acessado em 17/01/2013.

67

Ofício GP Nº 462/CMRJ, de 27 de abril de 2012. Disponível no site: http://mail.camara.rj.gov.br/, acessado em 17/01/2013. Parte 1 – Percursos Teóricos 73

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.17. Prefeito Eduardo Paes na Casa do Tá Na Rua, quando afirmou ter se equivocado ao vetar o projeto de lei sobre a apresentação dos artistas de rua.

O prefeito declarou que o veto foi equivocado, que a lei seria aprovada o mais rápido possível e que seria criado um grupo de trabalho para o desenvolvimento de editais de ocupação de espaços públicos da cidade por artistas de rua. A Lei Municipal nº5.429, que dispõe sobre a apresentação de Artistas de Rua nos logradouros públicos do Município do Rio de Janeiro, foi então aprovada em 05 de junho de 2012. Este percurso, ainda que tenha um desfecho aparentemente feliz, não termina. Com a reeleição de Eduardo Paes, que concluirá seu segundo mandato após a realização dos dois principais eventos que o Rio de Janeiro receberá – a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, a política de ordem dos espaços públicos permanecerá e deverá ser expandida, com a finalidade de garantir o controle máximo da população durante os referidos eventos. Manifestações populares, como o Carnaval de rua, já estão sendo controladas e fiscalizadas desde 201068, sendo determinado que os blocos de rua só poderiam desfilar mediante autorização junto à Secretaria Especial de Ordem Pública (SEOP). Segundo a Prefeitura, a intenção da autorização não é retirar a espontaneidade dos blocos, mas garantir a segurança e prever a infraestrutura necessária, como a colocação de banheiros químicos, a limpeza e o ordenamento do trânsito69.

68

Ver Decreto Municipal Nº 32.664, de 12 de agosto http://www.rio.rj.gov.br/web/riotur/, acessado em 17/01/2013.

de

2010.

Disponível

em:

69

Matéria publicada no portal da Prefeitura do Rio de Janeiro no dia 21 de setembro de 2010. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/riotur/, acessado em 17/01/2013. Parte 1 – Percursos Teóricos 74

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

No Carnaval de 2012, 51 blocos não tiveram autorização para desfilar, reduzindo o número de blocos em alguns bairros da cidade, como Leblon e Copacabana. A prefeitura afirma que a medida tem o objetivo de reduzir a concentração de blocos numa mesma área e a seleção dos blocos levou em consideração a tradição dos mesmos70. Num momento em que se discute qual será o legado dos grandes eventos internacionais para o Rio de Janeiro, vale a pena refletir sobre o efeito da ordem e do controle sobre as manifestações culturais locais ao longo dos próximos quatro anos. Como será a preservação e a manutenção da expressão popular e da espontaneidade coletiva, tão necessárias à vivência plena dos espaços públicos e tão características da população do Rio de Janeiro?

70

Matéria publicada no Globo no dia 10 http://oglobo.globo.com/, acessado em 17/01/2013.

de

janeiro

de

2012.

Disponível

em:

Parte 1 – Percursos Teóricos 75

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

4. Conclusões da Parte 1 As abordagens da cidade e de seus espaços públicos enquanto local de encontro, enquanto lugar de memória e enquanto local de manifestações artísticas e culturais fundamentam o estudo sobre a Lapa e suas transformações atuais. Os três aspectos abordados nesta Parte procuraram explicar como a apropriação dos espaços públicos pelas pessoas é fundamental para garantir a qualidade destes locais, como espaços que promovem a convivência, as memórias coletivas e a identidade cultural local, além de permitirem a atuação criativa das pessoas. Neste sentido, fundamentamos a relação entre a Lapa e a cidade de Sofrônia, de Italo Calvino, pois, ao compreender a cidade como local de encontro, lugar de memória e local de manifestações culturais e artísticas, compreendemos que a parte fixa da cidade, ou seja, aquela que deve ser mantida e preservada, é justamente a composta pelas vivências lúdicas, criativas e festivas das pessoas. Ao estudarmos a Lapa, seu percurso histórico, social, urbanístico e político, procuraremos compreender como ela manteve sua metade fixa e como as transformações urbanísticas atuais influenciarão na sua manutenção ou na sua dissolução nos próximos anos.

Fig.18. Bloco Multibloco, no carnaval 2013.

Parte 1 – Percursos Teóricos 76

Parte 2 – Percorrendo a Lapa 1. Histórico Cultural e Urbano Nesta Parte, analisaremos o percurso histórico cultural e urbano da região da Lapa e de suas imediações, no sentido de compreender o processo de formação e preservação da sua ambiência histórica e cultural ao longo do anos. Primeiramente, abordaremos a formação do bairro enquanto local de efervescência artística e cultural, em convivência com a prostituição, pobreza e criminalidade. Serão abordados artigos e livros que tratam da evolução urbana do bairro, incluindo artigos de Cristóvão Duarte e Lilian Fezler Vaz, bem como o livro A Evolução Urbana do Rio de Janeiro, de Mauricio de Abreu. Também serão analisados textos, poesias e prosas que abordam a ambiência e o cotidiano da Lapa, sobretudo aqueles presentes no livro de Gustavo Damata e no livro A Lapa do Meu Tempo de Olavo de Barros. Em seguida, será analisado o processo de esvaziamento da Lapa, através da análise de artigos e textos que contextualizam este período, bem como da abordagem de projetos, leis e planos urbanísticos que influenciaram na transformação da região. Por fim, abordaremos o percurso de reocupação71 da Lapa, ocorrido a partir do anos 1980, analisando as iniciativas de grupos artísticos e culturais, aliados aos projetos das esferas estadual e municipal e aos investimentos privados na região. Além dos projetos e leis implantados neste período, também serão analisados artigos e textos relacionados ao tema, sobretudo a tese de Carmem Silveira, além de depoimentos retirados das entrevistas realizadas com representantes de grupos artísticos e culturais participantes deste processo. Farão parte desta abordagem, a elaboração de mapas que ilustram a ambiência artística e cultural da Lapa, na sua formação e após a reocupação cultural e artística da região.

71

O termo “reocupação” foi utilizado como indicativo das novas ocupações de caráter artístico e cultural que aconteceram nos anos 1980 e que remeteram aos usos artísticos e culturais da Lapa do início do século XX.

77

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

1.1. Processo histórico de formação e ocupação do bairro

Fig.19. "Vista da Lagoa do Boqueirão de Santa Teresa", atribuída a Leandro Joaquim, 1790.

O percurso histórico e cultural da Lapa busca compreender a consolidação da ambiência social e cultural que formou a identidade cultural da região. Portanto, a abordagem será feita a partir do momento da sua consolidação enquanto área urbanizada, com concentração de edificações, usos e frequência de pessoas. Ainda que a Lapa tenha tido sua ocupação inicial com a construção da Igreja da Nossa Senhora do Carmo da Lapa do Desterro em 1750, e com a construção do aqueduto, em 1736, a consolidação da ocupação só ocorreu a partir do início do século XIX. Até então, a Lagoa do Boqueirão, os Morros de Santo Antônio, do Senado e do Desterro (atual Santa Teresa) formavam um vale com uma área alagadiça que inibiam a ocupação da área. A Rua Riachuelo (chamada, na época, de Rua de Mata-Cavalos) foi a principal via que atravessava a região e que ia em direção à Serra da Tijuca. Com a vinda da Corte Portuguesa em 1808, o Rio de Janeiro, enquanto capital imperial, sofreu um brusco crescimento populacional. Além da própria corte, a abertura econômica para empresas estrangeiras e o crescimento de investimentos da cidade trouxeram um rápido adensamento populacional ao longo do século72.

72

Referências retiradas do artigo: DUARTE, C. F. Lapa: abrigo e refúgio da cultura popular carioca. In: XIII Encontro Nacional da ANPUR ENANPUR, 2009, Florianópolis. Anais do XIII Encontro Nacional da ANPUR: Planejamento e Gestão do Território, 2009. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 78

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

O centro se tornou populoso, sujo e carente de infraestrutura urbana. A cidade necessitava expandir-se, tanto para abrigar os nobres, desejosos por lugares mais reservados e tranquilos, quanto para abrigar a população pobre, formada por ex-escravos e imigrantes, que chegavam na cidade em busca de oportunidades de sobrevivência. A abertura das ruas do Lavradio, do Rezende e dos Inválidos, juntamente com as Ruas do Passeio, dos Barbonos e da Lapa, iniciou o processo de expansão da cidade para a região da Lapa. Na primeira metade do século XIX, casas abastadas foram construídas no intuito de formar uma nova área nobre da cidade. No entanto, a implantação dos bondes, a partir de 186873, e a consequente possibilidade de expansão da cidade fizeram com que estas famílias não se estabelecessem nas residências construídas. Com as linhas de bonde, a classe nobre se transfere para os novos bairros da Zona Sul, como Catete, Flamengo e Botafogo. O processo de extinção do trabalho escravo e o consequente processo de declínio da economia cafeeira do Vale do Paraíba, a partir da segunda metade do século XIX, trazem um grande fluxo de trabalhadores livres nacionais e estrangeiros para a cidade. Sem a possibilidade de mobilidade, esta população procurava se manter próxima do centro, onde havia oferta de trabalho. As casas foram então transformadas em habitações coletivas, também chamadas popularmente de cortiços. Assim, as casas da Lapa passam a ser alugadas como casas de cômodos, fazendo com que a região, destinada a abrigar a classe dominante da cidade, passasse a ser o local de moradia dos pobres74. O crescimento das fábricas e industrias no Rio de Janeiro, juntamente com o da população, fizeram com que a cidade, sobretudo a região central, se tornasse cada vez mais insalubre, com surtos periódicos de epidemias, como a febre amarela.

73

ABREU, Mauricio de. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPP, 2008; p.44.

74

Referências retiradas do artigo: DUARTE, C. F. Lapa: abrigo e refúgio da cultura popular carioca. In: XIII Encontro Nacional da ANPUR ENANPUR, 2009, Florianópolis. Anais do XIII Encontro Nacional da ANPUR: Planejamento e Gestão do Território, 2009. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 79

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Em 1882, o Estado intervém neste processo, através da promulgação de um decreto que concedia benefícios às industrias que construíssem residências para seus operários. Vilas operárias foram construídas em vários pontos da cidade, inclusive nas proximidades da Lapa, retirando famílias de cortiços e ocupações irregulares75. No entanto, as grandes transformações da cidade, encampadas pelo poder público, só ocorrem a partir da virada do século XX. A transformação do Rio de Janeiro em Capital Federal a partir da Proclamação da República, em 1889, trouxe uma série de transformações urbanísticas, capitaneadas pelo Prefeito Pereira Passos, no sentido de apagar as marcas do período colonial e monárquico e transformar o Rio de Janeiro na Paris de Haussman dos trópicos. Isto fez com que avenidas fossem abertas, a rede de transportes públicos fosse expandida e melhorada, bem como explanadas fossem abertas com o arrasamento de morros sob a justificativa da melhoria da salubridade. A construção do Theatro Municipal na Praça Marechal Floriano e de cassinos e hotéis na Lapa e no seu entorno favoreceram a movimentação cultural e de lazer da região. Pela proximidade com o centro político e cultural da cidade, a Lapa atraiu políticos e artistas, que ali pernoitavam em hotéis, residiam e trabalhavam, mas sobretudo, frequentavam a região pela boemia, jogatina e pelo prazer.

Fig.20. Construção do Theatro Municipal, visto, aparentemente, do Morro de Santo Antonio. Rio de Janeiro, década de 1900.

75

ABREU, Mauricio de. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPP, 2008; p.57. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 80

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Olavo de Barros, em uma palestra realizada em 1967 e posteriormente publicada no livro A Lapa do meu tempo: 1909-1914, descreve a ambiência local do início do século XX, enumerando os principais bares, clubes e pensões, caracterizando as praças e ruas, através de histórias de seus moradores e frequentadores, além dos momentos vivenciados pelo próprio autor. Ele inicia sua palestra justamente ressaltando a peculiaridade da Lapa em manter em convívio artistas e poetas, mendigos, malandros, gigolôs e prostitutas: “Eras então o reduto preferido dos artistas e dos poetas, dos mendigos e dos malandros, dos gigolôs e dos macrôs, dos valentes e dos batoteiros e também das mulheres de lábios exageradamente pintados e profundas olheiras, que faziam do sorriso um comércio”76. Na delimitação do bairro, ele cita as ruas que estão desde o Passeio Público, passando pela orla – através da Augusto Severo até a Conde de Lage – margeando o Morro de Santa Teresa e chegando até os Arcos da Lapa (ver mapa, Fig.26). “Lapa, da sua tradicional grande praça sempre cheia e suas ruas e travessas estreitas e tortuosas, mas a alegria contagiosa: a Rua da Lapa, a do Passeio, a Visconde de Maranguape, a Conde de Lage, a Teotônio Regadas, a Teixeira de Freitas, a Joaquim Silva, a Taylor, a Augusto Severo, a Moraes e Vale, a Travessa Mosqueira, o Beco dos Carmelitas, as escadinhas Manoel Carneiro e Avenida Mem de Sá, somente até os Arcos”77. O autor descreve cada rua através de seus estabelecimentos, moradores e frequentadores. A Rua da Lapa era a preferida dos artistas de teatro; a Moraes e Vale era o quartel general da malandragem; na Rua do Passeio estavam o antigo Cassino Fluminense, que se tornou Club dos Políticos (atual Automóvel Club) e o Café Avenida, onde se reuniam pessoas de todo o mundo; a Joaquim Silva, com pensões alegres, além da Visconde de Maranguape e da Avenida Mem de Sá, com clubs, cabarés e restaurantes que reuniam mulheres e homens de classe.

76

BARROS, Olavo de. A Lapa do meu tempo: 1909-1914. Rio de Jareiro: Pongetti, 1968; p.15.

77

Ibidem; p.17. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 81

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.21. A Lapa vista do alto. Rio de Janeiro, década de 1920.

Dos anos 1920 aos anos 1940, a Lapa continuou no auge da vida noturna de vícios e prazeres, lazer e delitos, música e malandragem. Havia a pobreza e a criminalidade, mas também permanecia o luxo de cabarés e cassinos, assim como a presença de moradores e frequentadores ilustres, como Manuel Bandeira, Portinari, Di Cavalcanti, Carmem Miranda, Pixinguinha, Villa-Lobos e Noel Rosa. Neste período, a Lapa foi considerada a Montmartre carioca 78 ou o “Montmartre caboclo, mistura de Paris requintada e Bahia afro-lusobrasileira”.79 Este último termo vem da população, sobretudo negra, baiana e nordestina de maneira geral, que vem para o Rio pelo enfraquecimento da produção açucareira da região e pela oferta de trabalho na capital. O conhecimento da capoeira fez com que muitos se tornassem seguranças de políticos ou “leões-de-chácara” de bordeis e cassinos da Lapa. Uma das figuras mais relevantes desta época foi Madame Satã: homossexual, excelente capoeirista, que vivia e trabalhava na Lapa, muitas vezes como segurança de casas noturnas e que foi preso inúmeras vezes pelos delitos nos quais se envolveu. Brito Broca, no livro Antologia da Lapa, descreve a ambiência da região naquele momento e sua evolução nas décadas seguintes: “No começo do século XX, (...) erguia-se o Grande Hotel da Lapa, que se tornou famoso por ser preferido pelos políticos mineiros. (...) 78

KUSHNIR, Beatriz. A Lapa e os filhos da revolução boêmia. In: LUSTOSA, Isabel. A Lapa do desterro e do desvaneio: uma antologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001; p.174.

79

DAMATA, Gasparino. A Lapa ficou na saudade. In: DAMATA, Gasparino. Antologia da Lapa. Rio de Janeiro: Desiderata, 2007; p.22. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 82

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Orestes Barbosa nos mostra outro aspecto da Lapa da segunda década do século: clubes de jogo, assaltos da policia e o império crescente da malandragem. Foi quando começaram a surgir os famosos valentes, e com diminutivos irônicos: Mariozinho da Lapa e Joãozinho da Lapa”80 Em outra passagem, o autor descreve a ambiência que se dava nas noites da Lapa. Sobre o Bar de Viena-Budapeste, Broca dizia: “E os fregueses frequentemente se punham a cantar, num coro de vozes orgiásticas que ia perturbar a quietude burguesa das ladeiras de Santa Teresa. A frequência heteróclita, como nos bares de Montmartre, malandros sentados ao lado de diplomatas estrangeiros...81” Damata dizia que “a partir de 1910, A Lapa tinha dupla personalidade: as residências familiares misturavam-se às pensões decaídas, embora estas de portas fechadas’82. A Lapa do início do século XX tinha uma ambiência particular, que mesclava casas de família, pensões para estudantes, hotéis de luxo para políticos e artistas, além dos cabarés, cassinos e bares.

Fig.22. Feira e edifícios no entorno dos Arcos da Lapa, anos 1930.

80

BROCA, Brito. A Lapa: ontem e hoje. In: DAMATA, Gasparino. Antologia da Lapa. Rio de Janeiro: Desiderata, 2007; p.35.

81

Ibidem; p.36.

82

DAMATA, Gasparino. A Lapa ficou na saudade. In: DAMATA, Gasparino. Antologia da Lapa. Rio de Janeiro: Desiderata, 2007; p.22. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 83

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Esta ambiência se tornava ainda mais peculiar pela presença habitual de artistas que, na Lapa, residiam, trabalhavam ou simplesmente se encontravam. Dentre eles, Manuel Bandeira, Jorge de Castro, a jornalista Eneida de Moraes e Carmem Miranda foram moradores; Di Cavalcanti e Portinari tiveram ateliês; Villa-Lobos, Jayme Ovalle e sambistas como Assis Valente, Germano Augusto, Kide Pepe e Noel Rosa se reuniram, compuseram e tocaram; jovens escritores e estudantes, como Brito Broca, Afonso Schimidt, Martins Fontes, dentre outros, passaram seus anos de estudo em pensões, bem como políticos se hospedaram nos diversos hotéis da região. Podemos destacar a influência desta ambiência na produção de Portinari e de Di Cavalcanti durante a época em que estiveram na Lapa. Portinari, além de ter pintado a paisagem vista do seu ateliê, também realizou retrato daqueles que conviviam com ele na Lapa, como Manuel Bandeira, Jayme Ovalle, Henrique Pongetti, Murilo Mendes e o pintor japonês Fujita, que morou com ele na Lapa. Di Portinari criou uma série de gravuras, intituladas “Fantoches da Meia Noite”, baseadas na ambiência da Lapa do período em que ali viveu e trabalhou. Restaurantes, bares, cassinos e cabarés movimentavam a noite da Lapa. Dentre os mais famosos, temos o Siri, os cassinos Beira-Mar e Assírio, o Gruta do Frade, o Café Bahia, o A Capela, o Café e Bar Indígena, o Continental, a Leiteria Bol, o Danúbio, o Túnel da Lapa, o Bar de Viena-Budapeste, o Cosmopolita, os cabarés Apolo, Rex, Casa Nova, Royal Pigalle, Tabu e Brasil, assim como o Novo México e o Primor (ver localização no mapa 1.2, Fig.26).

Fig.23. Portinari e sua esposa no seu ateliê na Lapa, 1932.

Parte 2 – Percorrendo a Lapa 84

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Estes estabelecimentos, residências, ateliês e hotéis formavam um ambiente com presença constante de artistas, que conviviam tanto com outras personalidades do meio intelectual e político, como com os malandros, prostitutas e pobres que ali frequentavam e residiam. Esta ambiência forma o patrimônio da Lapa, que foi desmantelada na segunda metade do século XX, mas que foi recuperada e mantida na virada do século XXI.

Fig.24. Retrato de Manuel Bandeira, Portinari, 1831.

Fig.25. Fantoches da Meia Noite, Di Cavacanti,1922.

Parte 2 – Percorrendo a Lapa 85

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Rua Pedro I

1.2. Mapa dos atores sociais e culturais anteriores à reocupação artística da Lapa

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LEGENDA: Núcleo Histórico Cultural da Lapa Bairro da Lapa Estabelecimentos tradicionais Hotel da Lapa O Siri Café e Bar Indígena Bar Continental Leiteria Bol Bar Danúbio Túnel da Lapa Restaurante A Capela Cassino Beira-Mar Clube Democráticos

Club dos Políticos Cabaret Casanova Bar e Restaurante Cosmopolita Casas de artistas e ateliês Ateliê de Candido Portinari Casa de Rui Ribeiro Edifício em que morou Manuel Bandeira Casa de Antonio Maria Casa de Carmem Miranda Pensão que hospedou jovens escritores, como Brito Broca, Afonso Schimidt, Martins Fontes Pension des Artistes

Fig. 26

Parte 2 - Percorrendo a Lapa 86

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

1.3. Processo de esvaziamento da Lapa

Fig.27. Reforma dos Arcos da Lapa, com quadras do entorno demolidas, anos 1960.

A partir de meados dos anos 1940, a Lapa inicia o processo de esvaziamento da região. Com a promulgação do Estado Novo, em 1937, é iniciado um processo de repressão às atividades ilícitas, tais como a prostituição e os cabarés, além da instituição da ordem pública, o que reprimia a celebração e a permanência das pessoas nas ruas83. O governo de Dutra continuou este processo, através do Decreto-Lei n° 9.215, de 1946, que proibiu a prática e a exploração dos jogos de azar no país, e que culminou no fechamento de cassinos na Lapa, tais como os já citados Beira-Mar e o Assírio. A repressão destas atividades contribuiu para a redução dos frequentadores e consequentemente, para o enfraquecimento do comércio da região. O desenvolvimento do bairro de Copacabana, enquanto bairro nobre, turístico e de atrações noturnas, fez com que os frequentadores e turistas deixassem o Centro, contribuindo ainda mais para o esvaziamento da região.

VAZ, Lílian Fessler; SILVEIRA, Carmen Beatriz. A Lapa boêmia na cidade do Rio de Janeiro: um processo de regeneração cultural? Projetos, intervenções e dinâmicas do lugar. In: VARGAS, H. C.; CASTILHO, A. L. H. Intervenções em Centros Urbanos: objetivos, estratégias e resultados. Barueri, SP: Manole, 2006; p.77.

83

Parte 2 – Percorrendo a Lapa 87

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Damata lembra este processo, relacionando à mudança da classe artística para os bairros de Copacabana e Ipanema: “Os que costumavam ‘fazer a Lapa’ – escritores, artistas plásticos, cantores e compositores de cartaz, mulheres famosas, malandros e valentões – sumiram, foram pouco a pouco procurando novos ares. (...) Os moços da nova geração intelectual que se seguiu, amantes do bom uísque importado, como o poeta-compositor Vinícius de Moraes e o romancista José Condé, preteriram-na pelas boates de Copacabana e bares badalados da então florescente Ipanema”84. A transferência da Capital Federal para Brasília, em 1960, foi outro importante fator para a decadência tanto da região da Lapa, como do Centro da cidade como um todo, já que a saída das sedes de governo reduziu o fluxo econômico e de investimentos na cidade. Na esfera urbanística, planos, projetos e leis foram determinantes para a significativa alteração do tecido urbano, bem como para a estagnação do desenvolvimento da região da Lapa de um modo geral. Primeiramente, o Plano da Avenida Norte-Sul, de Reidy, parcialmente aberta através da Avenida República do Paraguai, provocou fortes rupturas no tecido urbano da Lapa, desapropriando imóveis e arrasando quarteirões inteiros para a abertura da via, que não chegou a ser construída completamente.

Fig.28. Quadras demolidas no entorno dos Arcos da Lapa. Rio de Janeiro, 1965.

84

DAMATA, Gasparino. A Lapa ficou na saudade. In: DAMATA, Gasparino. Antologia da Lapa. Rio de Janeiro: Desiderata, 2007; p.21. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 88

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Em 1975, o Governador Chagas Freitas realiza obras para a demolição de inúmeros imóveis ao redor dos Arcos da Lapa para possibilitar a visibilidade do monumento em questão e a ampliação da Avenida República do Paraguai85, conforme plano para Avenida Norte-Sul. Já o Decreto nº322 de 1976, Código de Obras do Município do Rio de Janeiro, ‘proíbe o uso residencial no centro e o dificulta e/ou inviabiliza nas áreas adjacentes’86; além do PUBRIO, de 1977, que estabeleceu seis áreas de planejamento, na qual a Lapa estaria incluída na Área Central enquanto área de expansão da Área Central de Negócios, o que fez com que a região ficasse indefinida, a espera da expansão do Centro. Com isso, ao longo de quatro décadas, radicais demolições atreladas a um processo de abandono concluíram a imagem de decadência da Lapa e fizeram com que a região passasse a ser um local a ser evitado. Somente a partir dos anos 1980, se inicia um processo de revalorização e de renovação da Lapa, que recuperará a ambiência de celebração da diversidade cultural, com a frequência de artistas na região.

Fig.29. Construção da Avenida República do Paraguai, parte do Plano Avenida Norte-Sul, e da Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro, anos 1970.

85

ver discurso da inauguração das obras da Lapa executadas durante o mandato do Governador Chagas Freitas, extraído do livro "As Grandes Obras que Mudaram a Face do Rio", de 1975, publicado no site: http://www.emilioibrahim.eng.br, acessado em 04/07/2012.

86

VAZ, Lílian Fessler; SILVEIRA, Carmen Beatriz. O papel da habitação em 100 anos de urbanismo: de problema a solução da questão da área central da cidade do Rio de Janeiro. Artigo publicado no IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Rio de Janeiro, novembro de 1996. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 89

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

2. Reocupação artística e cultural da Lapa 2.1. Histórico da reocupação

Fig.30. Circo Voador, anos 1980.

Fig.31. Horta comunitária no Circo Voador, anos 1980.

A abertura política ocorrida nos anos 1980 permitiu uma maior liberdade de expressão e a efervescência de diversas manifestações culturais, sociais e artísticas. Este momento foi importante no processo de reocupação artística e cultural da Lapa, uma vez que foram os artistas e os movimentos culturais os pioneiros na atração de pessoas e de investimentos para o local. O Circo Voador foi a primeira ocupação artística da região, no entanto, antes de se estabeleceram na Lapa, esticaram a lona pela primeira vez em janeiro de 1982, no Arpoador. Organizado pelo Perfeito Fortuna, Mauricio Sette, Marcio Galvão e pela comunicadora Maria Juçá, o Circo realizava atividades artísticas e sociais, como aulas de circo e teatro, sediavam uma creche, além dos shows que promoveram diversas bandas nacionais da época. A estrutura, organizada para durar um mês, permaneceu por três meses até ser desmontada pela fiscalização, tendo em vista que as atividades do Circo Voador traziam uma movimentação indesejada pela classe média alta de Ipanema.

Parte 2 – Percorrendo a Lapa 90

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.33. Circo Voador no Arpoador, anos 1982.

Após alguns meses realizando atividades sem local fixo e amadrinhados por Zoé Chagas Freitas, os organizadores do Circo Voador fizeram uma parceria com a prefeitura para escolherem um terreno para a instalação da lona. Em outubro do mesmo ano, o Circo Voador foi inaugurado no terreno em frente aos Arcos da Lapa. Os organizadores expandiram as ações culturais, artísticas e sociais, continuando com as aulas de teatro e circo, a creche, além de parcerias com associações de moradores e da prefeitura para realização de obras públicas em benefício da população local. As atividades do Circo eram mantidas com diversos patrocínios e trouxeram a classe média alta do Rio de Janeiro para visitar e conhecer a Lapa87. Em 1987, os organizadores do Circo conseguem interditar a demolição da Fundição de Fornos e Fogões Progresso, cujo imóvel passa a ser tombado pelo Estado, e, com isso, recebem a concessão de uso para a realização de atividades de caráter cultural. Apesar de serem necessários cerca de dez anos para a recuperação e uso pleno do espaço, a iniciativa foi um marco para a mudança da dinâmica local, já que o imóvel passou a servir de sede para a Cia. de Dança Deborah Colker, para os grupos circenses Intrépida Trupe e Teatro de Anônimo, além de ser utilizado para a realização de aulas de jongo, capoeira, acrobacia, percussão, dentre outros. Em 1996, o então prefeito César Maia e seu sucessor Conde fizeram uma aparição no Circo Voador, durante o show da banda Ratos de Porão, em comemoração à vitória nas eleições.

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Informações retiradas da entrevista concedida por Licko Turle, no dia 18 de julho de 2012. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 91

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Fig.33. Protesto pelo fechamento do Circo Voador, 1996.

No entanto, o repúdio do público fez com que César Maia fechasse o local no dia seguinte alegando irregularidades. Após processo judicial, a prefeitura é obrigada a reconstruir o Circo Voador e o faz a partir da realização de um concurso de projetos. A inauguração do Circo Voador acontece em 2004, quando a Lapa já está se consolidando como local de atrações noturnas e de atividades culturais. Enquanto o Circo Voador e a Fundição Progresso construíam seus percursos, outros grupos artísticos e culturais também trouxeram sua trajetória para a Lapa, onde se estabeleceram e se misturaram à história de recuperação da região. Tendo em vista que este processo aliou grupos culturais e sociais e políticas públicas estaduais e municipais, foi considerado importante analisar tanto os projetos, leis, artigos e textos publicados, como também os relatos de representantes destas instituições, na tentativa de compreender o papel do Estado, da prefeitura e dos atores sociais e culturais participantes do processo de reocupação e recuperação da Lapa. Lílian Fessler Vaz e Carmen B. Silveira, no artigo A Lapa boêmia na cidade do Rio de Janeiro: um processo de regeneração cultural? Projetos, intervenções e dinâmicas do lugar 88 , descrevem a relevância do papel do Estado no processo de reocupação e recuperação da Lapa, através do Projeto Quadra Cultural da Lapa, instituído durante o mandato de Leonel

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VAZ, L. F.; SILVEIRA, Ca. B. A lapa boêmia na cidade do Rio de Janeiro: um processo de regeneração cultural? Projetos, intervenções e dinâmicas do lugar. In. VARGAS, H. C.; CASTILHO, A. L. H. Intervenções em centros urbanos: objetivos, estratégias e resultados. Barueri, SP: Manole, 2006. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 92

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Brizola, entre 1991 e 1994, e, em seguida, através do Projeto Distrito Cultural da Lapa, implantado no ano 2000. O artigo ressalta a visão de Darci Ribeiro, Secretario Estadual de Cultura durante o mandato de Brizola, sobre os aspectos da cultura, do patrimônio e do papel do Estado na sua promoção e preservação. Ainda que Darci Ribeiro tenha uma visão ampla e aberta do que seja a cultura, o patrimônio e a política cultural e que tenha convidado Augusto Boal para retornar ao Brasil e implantar a Fábrica de Teatro Popular, em 1986, que serviu de base para a fundação do Centro de Teatro do Oprimido89, a influência do então Secretário de Cultura na instituição do Projeto Quadra Cultural da Lapa é contestada por Licko Turle, ex-membro do Centro de Teatro do Oprimido - CTO e um dos principais atuantes na implantação do projeto, bem como por Amir Haddad, diretor e fundador do Tá Na Rua. Segundo relato, em 1991, o Centro de Teatro do Oprimido perdeu a concessão de uso de um imóvel do Estado, localizado em Laranjeiras, e necessitava de uma nova sede. Licko Turle, membro do CTO, entra em contato com o então vice-governador Nilo Batista, que o põe em contato com o Departamento de Patrimônio Imobiliário, da Secretaria Estadual de Justiça. Com isso, ele recebe a lista de imóveis do Estado, dentre eles os que estavam sem uso na região do Centro e que eram passíveis de serem concedidos para uso cultural. Também recebeu uma lista de imóveis da prefeitura que tinham interesse de preservação, conforme o Projeto Corredor Cultural, que abordaremos mais adiante. Após a visita de diversos imóveis, foi escolhido um dos sobrados da Avenida Mem de Sá, que fazia parte de uma série de imóveis desapropriados pelo Estado nos anos 1970, para a construção da Avenida Norte-Sul, e que nunca chegaram a ser demolidos. Estes imóveis estavam ocupados por dois principais posseiros, chamados Batista e ‘espanhol’ (denominados como ‘grileiros’ no relato de Licko Turle). Tendo em vista a dificuldade de retirada dos posseiros de apenas um dos imóveis, foi sugerido que outras instituições ocupassem as demais casas. Licko então sugeriu que os 89

Retirado da página: http://ctorio.org.br/novosite/quem-somos/historia/, acessado em 21/01/2013. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 93

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grupos de teatro Tá Na Rua e Hombu, a Federação dos Blocos Afros e Afoxés do Rio de Janeiro (FEBARJ), a Casa Brasil-Nigéria, vinculada ao Instituto Palmares de Desenvolvimento Humano, e o grupo teatral do diretor Aderbal Freire (após desistência da Casa Brasil-Japão) ocupassem, juntamente com o Centro de Teatro do Oprimido, os imóveis da Avenida Mem de Sá, desde o número 31 ao 41 (ver mapa 2.2, Fig.40). No momento de expulsão dos posseiros e de limpeza dos imóveis, o sobrado de número 41 foi queimado, impedindo que Asdrúbal o ocupasse, e o posseiro Batista entrou com um processo na justiça em relação ao imóvel de número 31, que seria cedido para o Centro de Teatro do Oprimido. Mesmo assim, os grupos formaram a Associação do Largo da Lapa (UniLapa), no sentido de administrar os imóveis cedidos90. Esta concessão foi feita através do Projeto Quadra da Cultura, que estabeleceu um contrato de comodato para estas instituições, no qual é cobrado um aluguel e 10% de ingressos e inscrições em oficinas são doados ao Estado, em troca de utilizarem e manterem o imóvel. Neste projeto, estava incluída a recuperação dos imóveis pelo Estado, de modo a viabilizar o uso adequado das instituições. No entanto, a mudança de governo, a partir de 1995, impediu que esta recuperação fosse realizada. O Grupo de Teatro Tá Na Rua foi um dos grupos que receberam a concessão do imóvel e que iniciaram suas atividades, mesmo sem as condições ideais para ocupação do espaço. Neste período, o Circo Voador tinha sido interditado pela prefeitura e a Fundição Progresso ainda não havia iniciado suas atividades. Amir Haddad e Licko Turle relatam que a Lapa era totalmente escura, não havia iluminação nas ruas nem movimentação no entorno das casas. Por isso, costumam dizer que a luz da casa do Tá Na Rua foi a primeira luz que se acendeu na Lapa naquele momento. “Chamei o Amir, chamei o Hombu, chamei o Tá Na Rua, porque eu já trabalhava com o Amir na Animação Cultural do Estado. Chamei o Aderbal.... minto, era a Casa Brasil-Japão antes. A Brasil-Nigéria já tinha pedido ao Estado e chamei a FEBARJ, porque eu também militava no movimento negro (...). Marcou-se um dia... foi a policia, a 90

Informações retiradas da entrevista concedida por Licko Turle, no dia 18 de julho de 2012, e da entrevista realizada com ele e Amir Haddad, no dia 19 de novembro de 2012. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 94

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Comlurb, oficial de justiça, Exército, Aeronáutica.... sério.... e de uma vez só arrombaram as portas, mandou sair todo mundo, tiraram tudo, os caminhões da Comlurb tirando os móveis, porque era despejo, né?! (...) Aí, entramos, mas só conseguimos abrir a casa do Tá na Rua e a casa da FEBARJ, que não tinha parede, tinham uns buracos, uma e outra, a gente entrou e ocupou... e, na nossa opinião, acendeu-se a primeira luz ali, que a gente acendeu e começou a fazer oficina, fazer show, música... na Lapa. O Circo Voador ‘tava’ fechado (...) e a Fundição sem inaugurar”91. “Nós estávamos fazendo um bem para o Estado, aí são os artistas, a Arte Pública, só para ficar claro isso, ou seja, eu acho que lá na frente vão dizer que quem revitalizou esta área foi o grupo Tá Na Rua, foi o CTO, foram essas casas aqui, e não o Estado. A gente não teve apoio do Estado, a gente foi cobrar como cidadão e artista... olha, a gente produz, a gente tem o Teatro do Oprimido, a gente tem o Teatro de Rua.... nos deem (o Amir falava muito isso), nos deem as ruínas....”92 A FEBARJ é outra instituição que ocupou o imóvel logo que teve a concessão de uso, utilizando-o como local de ensaio dos blocos da Federação. Nos intervalos dos ensaios, DJs colocavam black music, o que passou a atrair muitas pessoas para o local. Segundo relato de Paulo Cesar Xavier, presidente da FEBARJ e criador do bloco Orumnilá, os intervalos dos ensaios passaram a ficar cada vez maiores até se tornar uma festa, chamada Fúria Hip Hop. Realizada às sextas-feiras, ele relata que a festa chegou a trazer ônibus lotados de pessoas, iniciando a movimentação cultural existente hoje na região93. “Quando a gente começou a fazer esse movimento na sexta-feira, a Lapa começou a encher um absurdo, eu nunca vi igual”94. Os grupos culturais participantes da Quadra da Cultura da Lapa diziam que os imóveis, atualmente ocupados por bares e casas de show, costumavam ser oficinas de automóveis, borracharias, lojas de material de construção, armarinhos e papelarias. Os únicos bares que existiam naquele período e que ainda resistem eram o Capela, o Bar Brasil, o Cosmopolita e o Arco-Íris, além do Asa Branca, uma das primeiras casas de show que foram implantadas ali.

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Relato de Licko Turle, em 18 de julho de 2012. O arquivo das fotos da Casa Brasil-Nigéria foi roubado e outros registros se perderam no incêndio do imóvel em 2010.

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Relato de Licko Turle, em 18 de julho de 2012.

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Informações retiradas da entrevista concedida por Paulo Cesar Xavier, no dia 21 de fevereiro de 2013.

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Relato de Paulo Cesar Xavier, no dia 21 de fevereiro de 2013. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 95

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Em 1999, o Estado retoma a iniciativa de recuperação da Lapa por meio da consolidação do uso cultural, desenvolvendo o Projeto Distrito Cultural da Lapa, instituído através do Decreto nº 26.459, de 07 de junho de 2000. Este projeto tinha como intenção preservar o conjunto paisagístico e arquitetônico da região, através da implantação de um programa de desenvolvimento econômico e social, no qual os imóveis do Estado seriam recuperados e reformados para abrigar pessoas jurídicas ou físicas que desenvolvessem atividades relacionadas ao intuito do projeto. Sobre este projeto, Carmem B. Silveira desenvolve uma ampla pesquisa, através de pesquisa documental e entrevistas, na qual relata desde seu processo de concepção até sua implantação95. Em sua pesquisa, é possível verificar que Projeto Distrito Cultural da Lapa tinha um caráter amplo, incorporando não somente a recuperação física de imóveis, mas também criando oportunidades de estudo e trabalho para os moradores locais, através da implantação de atividades relacionadas à preservação do patrimônio e aos usos tradicionais presentes na Lapa. O Estado faria a coordenação dos projetos, das obras e demais atividades, além de estabelecer parcerias públicas e privadas, coordenando também a captação e distribuição dos recursos. O lançamento festivo do projeto ocorreu em 2002, com o início do levantamento e diagnóstico da área, realizado em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal Fluminense (UFF). Nesta fase, os pesquisadores e a coordenação do projeto realizaram reuniões com diferentes grupos locais. A implantação do projeto foi complexa, pois envolvia diversas entidades publicas e privadas. Além disso, ele também estava dependente das mudanças de governo e da própria Secretaria de Estado da Cultura.

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Ver SILVEIRA, Carmen Beatriz. O entrelaçamento urbano-cultural : centralidade e memória. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) - Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro: 2004; p.127-35. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 96

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A ocupação irregular dos imóveis foi outra questão que dificultou o processo de implantação do projeto. É possível deduzir que este fator tenha influenciado a escolha dos imóveis a serem recuperados na primeira etapa de execução de obras. Segundo a pesquisa de Carmen B. Silveira, a mudança da Secretária de Estado da Cultura, em 2003, trouxe uma alteração na condução do Projeto do Distrito Cultural da Lapa, já que este foi transferido para o Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (INEPAC), recebendo uma nova coordenação. O escopo do projeto teria sido restringido, sendo direcionado principalmente à área da Quadra da Cultura. No final de 2004, se iniciaram as primeiras obras. Elas foram realizadas em alguns imóveis já ocupados por instituições culturais por meio do Projeto Quadra da Cultura da Lapa. Estas obras, prometidas no projeto de 1994, viabilizaram a ocupação efetiva das instituições, que passaram a desenvolver suas atividades em espaços mais adequados.

Fig.34. Inauguração da reforma dos imóveis da FEBARJ e da Casa Brasil-Nigéria, 2004.

Fig.35. Festa de inauguração com participação do Tá Na Rua, 2004.

Parte 2 – Percorrendo a Lapa 97

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Dentre as reformas executadas, estão: a dos imóveis do Museu da Imagem e do Som (MIS), do Centro de Teatro do Oprimido (CTO), da Federação dos Blocos Afros e Afoxés do Rio de Janeiro (FEBARJ), e da Casa Brasil-Nigéria, vinculada ao Instituto Palmares de Desenvolvimento Humano. Além dessas obras, foi feita a restauração do Lampadário da Lapa e a informatização do acervo de partituras do MIS. Estas ações foram feitas através da Secretaria de Estado da Cultura, do INEPAC e da Petrobras96. No documento disponibilizado pelo INEPAC sobre o projeto, que data de 2006, estavam previstas ainda a recuperação dos imóveis da Fabrica de Teatro Popular Augusto Boal, do Grupo Hombu de Teatro, do Grupo de Teatro Tá Na Rua e do Centro de Documentação da Lapa (CDL). Estava proposta também a construção da Escola de Formação de Jovens Restauradores, no terreno situado à Rua Visconde de Maranguape nº 21, e a implantação do Espaço das Artes Hotel Bragança, situado no antigo Hotel Bragança, também na Avenida Mem de Sá. Estas ações não chegaram a ser executadas. Ainda assim, os grupos culturais pertencentes à Quadra da Cultura da Lapa estabeleceram uma rotina de atividades e promoveram eventos que estimularam a frequência de pessoas na região. As atividades e eventos que, até hoje, realizam têm a perspectiva de promover cultura, conhecimento e lazer, de maneira acessível e voltada para a coletividade. O Centro de Teatro do Oprimido realiza oficinas, laboratórios, seminários sobre a metodologia do teatro do oprimido e cede o espaço para eventos que tenham afinidade com a missão do grupo; o Grupo de Teatro Tá Na Rua é um ponto de cultura97 e possui um centro de formação e desenvolvimento do ator, com oficinas e núcleo de documentação e pesquisas, realizando exposições, mostras, seminários, ciclos de leitura, palestras e espetáculos na rua, sobretudo, na Praça Cardeal Câmara, além de ceder o espaço para eventos e festas; a Casa de Cultura Hombu realizava espetáculos de teatros voltados para infância e juventude, recitais de poesia, oficinas de dança, percussão e teatro, além de ceder 96

Informações retiradas de MAGALHÃES, Roberto Anderson de Miranda. Distrito Cultural da Lapa. Texto disponível em: http://www.inepac.rj.gov.br/arquivos/LapatextoSite17.10.2005.pdf, acessado em 18/11/2012. Tornado público em fevereiro de 2006. 97 Pontos de Cultura são projetos financiados e apoiados pelo Ministério da Cultura – MinC e implementados por entidades governamentais ou não-governamentais, para a realização de ações de impacto sociocultural. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 98

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

o espaço para ensaios e para eventos relacionados ao teatro98; a FEBARJ cede o espaço para o ensaio de blocos afros, realiza oficinas de percussão e dança, além de ceder o espaço para festas e eventos relacionados à cultura afro-brasileira, como festas de Hip Hop; e a Casa Brasil-Nigéria promove cursos, como de pré-vestibular comunitário e de idiomas, realiza lançamentos de livros, exposições e pequenos shows, relacionados à identidade e à cultura afro-brasileira99. Estas instituições, juntamente com a organização do Circo Voador e com os grupos artísticos sediados na Fundição Progresso, trouxeram novos frequentadores para a região, como também motivaram outros grupos culturais e artísticos a estabelecerem suas sedes na Lapa. Carmem B. Silveira conclui que a implantação do Distrito Cultural da Lapa não ocorreu conforme a concepção inicial do projeto, uma vez que o projeto preconizava a implantação de atividades culturais para uso da coletividade, relacionadas com a identidade do lugar e com a sua memória100.

Fig.36. Tá Na Rua na inauguração do Lampadário, após restauração, 2006.

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A Casa de Cultura Hombu perdeu a concessão de uso do imóvel em dezembro de 2012.

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Informações retiradas de entrevistas, páginas de internet dos grupos e das informações disponíveis em: http://www.lapacriativa.com.br/, acessado em 23/10/2012.

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SILVEIRA, Carmen Beatriz. O entrelaçamento urbano-cultural : centralidade e memória. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) - Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro: 2004; p.135. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 99

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Em sua pesquisa, pode-se comprovar que o projeto não foi implantado por completo, já que ações de preservação de bens culturais e de cunho sociocultural, como a implantação de um centro de formação de restauradores, não chegaram a ser concluídas. No entanto, se levarmos em conta que as instituições que ocupam os imóveis da Quadra da Cultura da Lapa realizam cursos e oficinas de caráter cultural e educativo, dentre as quais muitas delas são gratuitas e voltadas para a comunidade, e que a concessão do uso não permite que eles cobrem ingresso, é possível considerar que, de alguma maneira, estas instituições desenvolvem atividades culturais para uso da coletividade. Ao longo da pesquisa desenvolvida aqui, verificamos que a identidade e o patrimônio cultural da Lapa são constituídos justamente pela diversidade social e pela presença da classe artística e cultural na região. A Lapa do início do século XX era peculiar tanto pela convivência de pobres, malandros e prostitutas com personalidades da elite brasileira, quanto pela presença de artistas, músicos, compositores, atores e escritores, que ali residiram, trabalharam ou frequentaram. No capítulo 2.2 da Parte 1, concluímos que a presença de grupos culturais e artísticos na região, juntamente com a celebração da diversidade social que ocorre, tanto em espaços fechados como públicos, fazem com que a ambiência e as memórias que caracterizam a Lapa sejam atualizadas, vivenciadas e, por isso, preservadas. Neste sentido, é possível concluir que os grupos e instituições que ocupam os imóveis da Quadra da Cultura realizam atividades que se relacionam com a identidade do lugar e contribuem com a permanência de sua memória. Vale destacar uma intervenção artística no espaço público que nos remete à virada do século XX, quando a Lapa tinha ateliês de artistas como Di Cavalcanti e Portinari. Em 1990, o artista plástico chileno Selarón escolheu a região como local para manifestação de sua arte, mais especificamente na escadaria da Rua Manoel Carneiro, também conhecida como Escadaria da Lapa ou mesmo Escadaria Selarón. Lá, ele realizou sua maior obra, formada por uma composição de azulejos pintados por ele e vindos de todo o mundo, que foram assentados na escadaria onde ficava sua residência e ateliê.

Parte 2 – Percorrendo a Lapa 100

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Figs.37 e 38. Da esq. para dir. Homenagem ao artista Selarón, morto em janeiro de 2013.

Selarón foi morto em janeiro de 2013, fazendo com que seu amigos e admiradores o homenageassem no dia seguinte a sua morte, na escadaria que compõe sua maior obra. Paralelamente às políticas estaduais e às iniciativas de artistas, de grupos e de instituições, a prefeitura desenvolveu e implantou o Projeto Corredor Cultural, através do Decreto Municipal nº4.141 de 1983, das Leis Municipais nº 506 de 1984 e nº 1.139 de 1987. Este projeto foi desenvolvido por uma equipe técnicos, dentro de um processo democrático, do qual participaram representantes locais, moradores e comerciantes, no sentido de estabelecer uma política de preservação que salvaguardasse a ambiência cultural da região do Centro do Rio de Janeiro. A implantação da Área de Preservação do Ambiente Cultural (APAC) no Centro abrangeu a região da Lapa, sobretudo a do entorno dos Arcos, da Rua da Lapa e da Rua do Lavradio. O projeto incentivava a preservação dos imóveis, por meio do desconto em impostos municipais para os proprietários que recuperassem seus imóveis e estabelecia os parâmetros para a reforma e restauração das edificações. Em 1990, a equipe coordenada pelo arquiteto Augusto Ivan desenvolveu o Projeto de Reestruturação da Lapa, no IPLAN RIO, no qual foram pensados os espaços públicos da Lapa, incluindo as Avenidas Mem de Sá e Visconde de Maranguape, a Praça Cardeal Câmara, além da Rua do Riachuelo e do Lavradio. A implantação do Projeto Corredor Cultural teve impacto inicial na região da Rua do Lavradio, uma vez que o comércio passa a se promover com a realização de uma feira de antiguidades mensal, chamada de Feira Rio Antigo, iniciada no final da década de 1990. A Parte 2 – Percorrendo a Lapa 101

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

feira, além de vender móveis e objetos antigos, também recebia rodas de samba, o que passou a atrair um grande público para o local e a disseminar bares e casas de samba pelo bairro. O empresário Plínio Fróes, sócio da Rio Scenarium, se tornou um dos grandes atores na recuperação de imóveis e na promoção da Lapa. Estas ações incentivaram o desenvolvimento do comércio local, sobretudo de bares, restaurantes, casas de samba e casas noturnas, atraindo tanto a população carioca como turistas do Brasil e do mundo. Ações paralelas também buscaram desenvolver a economia local, através da cultura e do lazer. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) do Rio de Janeiro realizou o Projeto Lapa Criativa, no qual foi feito um mapeamento cultural, disponibilizado na internet, e oficinas com grupos culturais, instituições e comerciantes locais, no sentido de incentivar a economia da região101. Com isso, de um lado dos Arcos, temos uma Lapa que recebe diversos grupos artísticos e culturais que realizam ações de cunho social, promovem a cultura e o lazer noturno acessíveis à população, além de desenvolverem seus projetos artísticos. Nesta Lapa, a celebração ocorre no espaço aberto, as calçadas e praças ficam ocupadas por pessoas que celebram ao som das percussões que tocam sob os Arcos ou que aproveitam o som dos bailes charme e de Hip Hop para celebrarem nas ruas. Ambulantes e barraquinhas formam a infraestrutura da festa. Do outro lado dos Arcos, temos outra Lapa que retomou o samba como elemento importante do espetáculo que ocorre nos antigos sobrados restaurados. Esta Lapa foi ocupada por inúmeros bares novos, com aparência de antigos, e por casas noturnas de diversos estilos. Nas calçadas, as mesas dos estabelecimentos predominam sobre o trânsito das pessoas. O espetáculo noturno é produzido nestes locais, do qual só é possível usufruir por meio do consumo.

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Informações obtidas por meio de relato de Licko Turle e http://www.lapacriativa.com.br/, acessado em 23/10/2012. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 102

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

As instituições culturais da Quadra da Cultura da Lapa reivindicam que os investimentos públicos são voltados para o lado da Lapa dos empreendedores, onde estão os bares e casas de shows. “A gente chama isso aqui de Faixa de Gaza, porque nada veio pra cá, é tudo dos Arcos pra lá...”102 “Esse lado aqui é o lado B, o lado A é lá (apontando para depois dos Arcos). Lá tem vários seguranças e policiais, lá você não vê um bonde de ladrão. Porque lá eles mandam: ó, vai roubar do outro lado. E eles vem roubar do lado de cá. E onde começou a cultura da Lapa foi do lado de cá”103. Remetendo novamente à Sofrônia, relacionamos a primeira Lapa à metade fixa da cidade de Calvino, formada pelos artistas, pela festa e pela celebração coletiva. Já a segunda Lapa está relacionada a sua parte móvel, formada pelos empreendedores e instituições de concreto e pedra, que se instalam e que vão embora, conforme a valorização dos mercados e o surgimento de oportunidades mais rentáveis. Sabemos que as duas metades da Lapa são importantes para que ela se mantenha viva e preserve sua memória, já que é o intercâmbio entre as duas Lapas que permite o convívio da diferença numa ambiência festiva e de celebração. É necessário permitir que as duas Lapas possam existir, sem que a Lapa do espetáculo afaste a Lapa da celebração nas ruas. A partir deste preceito, se faz importante compreender como as ações da prefeitura, atualmente em curso, influenciarão na modificação ou na permanência da ambiência da Lapa.

Fig.39. Os Arcos e as metades da Lapa. 102

Relato de Amir Haddad, em 19 de novembro de 2012.

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Relato de Paulo Cesar Xavier, em 21 de fevereiro de 2013. Parte 2 – Percorrendo a Lapa 103

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Rua Pedro I

2.2. Mapa das instituições e grupos artísticos e culturais atuais

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LEGENDA: Núcleo Histórico Cultural da Lapa Bairro da Lapa Instituições e Grupos Artísticos e Culturais Casa Gira-Mundo Instituto do Ator Centro Afro-Carioca de Cinema Cia. dos Atores Selarón Centro do Teatro do Oprimido Tá na Rua FEBARJ Casa Brasil-Nigéria SEBASTIANA

Cia. Teatro de Anônimo Cia. Brasileira de Ballet Espaço Panorama Intrépida Trupe Armazem Cia. de Teatro Rio Maracatu Quizomba Cia. PeQuod Será O Benidito?! Salas de Concerto Sala Cecília Meirelles Escola de Música da U.F.R.J.

Museus Museu da Imagem e do Som Centros de ensino em arte e cultura Escola de Música da U.F.R.J. Escola Sup. de Des. Industrial - U.E.R.J. Escola Munic. de Dança Maria Olenewa Escola Livre de Artes - Circo Voador Estação Joaquim Silva - Circo Voador Fundição Progresso - cursos e oficinas Escola Livre da Palavra Casas de shows Fig. 40

Parte 2 - Percorrendo a Lapa 104

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Artistas e grupos artísticos e culturais 1. Casa Gira-Mundo A Casa Gira Mundo é sede do Bando Filhotes De Leão – Teatro e Excentricidades e também foi criada com intuito de ser um lugar de criação, produção de conhecimento e difusão da arte e da educação em todas as suas formas. Atualmente, é Ponto de Cultura e realiza oficinas voltadas para jovens da comunidade. 2. Instituto do Ator O Instituto do Ator - Instituto de pesquisa da arte do ator - é uma sociedade formada por vinte artistas do meio teatral carioca. O objetivo principal é criar um espaço de pesquisa e aperfeiçoamento da arte do ator, abrigando o trabalho de experimentação

de

seus

membros,

disponibilizando

os

conhecimentos

desenvolvidos e dialogando com outras linguagens artísticas, como o cinema, a literatura e as artes visuais. 3. Centro Afro-Carioca de Cinema O Centro Afro-Carioca de Cinema promove a cultura afro brasileira e seus artistas, através da elaboração de projetos e ações relacionados à produção cinematográfica brasileira, africana e caribenha, tais como oficinas, debates, seminários, mostras de filmes, lançamentos de livros, dentre outros. 4. Cia dos Atores A Companhia foi formada em 1988, para estudar e experimentar novas possibilidades da cena teatral. Desde então, já montaram mais de uma dezena de espetáculos, alcançando prêmios e reconhecimento nacional e internacional. Desde 2004, a sede da companhia se localiza na Lapa.

Parte 2 – Percorrendo a Lapa 105

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5. Selarón Jorge Selarón (Limache, Chile, 1947 — Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 2013) foi um artista plástico chileno, que morou na Lapa desde 1990, e fez do entorno de sua residência e ateliê sua maior obra. A partir de 1994, começou a decorar a Escadaria do Convento de Santa Teresa, na Rua Manoel Carneiro, com banheiras ajardinadas e azulejos pintados. Ao longo dos anos, toda a escadaria foi decorada com azulejos pintados por ele ou trazidos por pessoas do mundo inteiro. Em maio de 2005, a escadaria foi tombada pela prefeitura da cidade e Selarón recebeu o título de cidadão honorário do Rio de Janeiro. Selarón foi encontrado morto nas escadarias em janeiro de 2013. 6. Centro de Teatro do Oprimido O Centro de Teatro do Oprimido, fundado em 1986 por Augusto Boal, é um centro de pesquisa e difusão, que desenvolve a metodologia específica do Teatro do Oprimido em laboratórios e seminários, para revisão, experimentação, análise e sistematização de exercícios, jogos e técnicas teatrais. Neles, são elaborados e produzidos projetos socioculturais, espetáculos teatrais e produtos artísticos, tendo como alicerce a Estética do Oprimido. 7. Tá Na Rua O grupo de teatro Tá Na Rua surgiu há mais de 30 anos e desenvolveu uma linguagem teatral própria, que explora outros espaços para além do teatro tradicional. Desde 1993, o grupo tem sede na Lapa, aonde realiza seus ensaios, oficinas, seminários, pesquisas e eventos. Ao longo destes anos, o grupo utiliza com frequência a Praça Cardeal Câmara para a realização de apresentações e ensaios abertos.

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8. FEBARJ – Federação de Blocos Afros e Afoxés do Rio de Janeiro A federação, que possui sede na Lapa desde 1993, sedia ensaios dos blocos federados, promove festas e eventos relacionados à cultura negra, e realiza cursos e oficinas de percussão, artesanato, dentre outros. As festas de Hip Hop acontecem há quase 20 anos e são referência do gênero. 9. Casa Brasil-Nigéria A Casa Brasil-Nigéria é um projeto do Instituto Palmares de Direitos Humanos. Com sede na Lapa desde 1993, a instituição promove cursos de formação e capacitação, lançamentos de livros, exposições e pequenos shows, voltados para a promoção da identidade e da cultura afro-brasileira. 10. SEBASTIANA Sebastiana é a Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul, Santa Teresa e Centro da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, fundada em 2000 por diretores de alguns dos mais tradicionais blocos de rua da cidade. A Sebastiana surgiu da necessidade de viabilizar os desfiles que começavam a crescer e, a partir dali, tornou-se um importante agente no resgate da tradição do Carnaval de rua do Rio e também um local de discussão de políticas culturais. Apesar de ter a sede da Sebastiana na Lapa, não são realizadas atividades no local. 11. Companhia Teatro de Anônimo Fundado em 1986, o Teatro de Anônimo estrutura sua prática através da montagem e apresentação de espetáculos, da qualificação profissional de outros atores sociais, além do aperfeiçoamento de técnicas e modelos autênticos de gestão e administração coletiva, baseada na solidariedade, criatividade e cooperação. Desde 2005, ocupa um dos galpões da Fundição Progresso, onde são realizadas todas as atividades criativas do grupo.

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12. Cia. Brasileira de Ballet A Cia. Brasileira de Ballet foi fundada em 1967 e, há doze anos, seu nome foi cedido ao professor Jorge Texeira, atual diretor artístico. A companhia é formada por jovens bailarinos e o seu repertorio é composto por peças clássicas e por coreografias contemporâneas. A companhia possui o Projeto Aprendizes, que forma bailarinos, além de cursos de férias. 13. Espaço Panorama A Associação Cultural Panorama (ACPAN) foi criada em 2007 e é responsável pelo Festival Panorama e outros projetos na área cultural. Além do Panorama e do projeto de formação de público Entrando na Dança, a ACPAN é um Ponto de Cultura e realiza atividades na cidade do Rio de Janeiro e arredores. No Espaço Panorama, foi organizada a Videoteca, cujo acervo pode ser consultado e é exibido mensalmente na praça em frente à casa. 14. Intrépida Trupe O grupo começou no Circo Voador, a partir da participação na Copa do Mundo do México. Desde 1986, desenvolve uma linguagem cênica baseada nos elementos do circo. O grupo ocupa um dos galpões da Fundição Progresso, chamado de Espaço de Criação Intrépida Trupe. Nele, desenvolve atividades relacionadas à pesquisa, formação e intercâmbio artístico, além de realizar ensaios do grupo, espetáculos, oficinas e cursos. 15. Armazém Companhia de Teatro O Armazém Companhia de Teatro foi formado em 1987, em Londrina, e desde 1998, tem sede no Rio de Janeiro, num dos galpões da Fundição Progresso. A companhia desenvolve seus espetáculos a partir de pesquisas temáticas e formais, que exploram tanto a linguagem corporal do ator, quanto o espaço teatral e a cenografia.

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16. Rio Maracatu O Rio Maracatu é um grupo fundado em 1997 no Rio de Janeiro, nascido da união de músicos pernambucanos e cariocas para resgatar e valorizar uma parte importante da nossa rica cultura musical. O grupo, que realiza espetáculos, desfiles e cortejos, também desenvolve oficinas de percussão, dança afro e samba. Estas atividades e os ensaios do grupo são realizados na Fundição Progresso. 17. Quizomba O Quizomba foi criado em 2001 como oficina de percussão. Em 2004, com a volta do Circo Voador, o Quizomba é convidado para ministrar a oficina de percussão e ser o bloco residente da casa. Além de Bloco Carnavalesco, o Quizomba também tem um grupo show formado por 16 músicos. O grupo também promove intercâmbios culturais com artistas de diversos países, para trocar experiências musicais e difundir a cultura brasileira. 18. Cia. Pequod A Companhia PeQuod foi formada a partir de uma oficina, em 1999, e desenvolve teatro de animação com uma linguagem que dialoga com as linguagens do cinema, do teatro animado e da dança. A companhia organiza a MITA – Mostra Internacional de Teatro de Animação, dedicada ao Teatro de Animação, e realiza oficinas de princípios básicos da manipulação dos bonecos e de materiais usados para a confecção dos mesmos. 19. Será o Benidito?! Companhia de Teatro, Circo e Rua Fundada em 1992, a companhia trabalha com temas e autores nacionais, desenvolvendo uma pesquisa voltada para o teatro popular brasileiro e baseada no teatro de rua, circo, performance, cultura oral e criação coletiva. Possui sede provisória na Lapa, desde 2009. Desenvolve cursos e oficinas relacionadas à linguagem teatral.

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Centros de ensino relacionados às artes e à cultura 1. Escola de Música – UFRJ Desde 1913, o local abriga o então Instituto Nacional de Música, que abrigou primeiramente a Biblioteca Nacional. O edifício foi reformado em 1922, quando passou a ter as características preservadas até os dias atuais. A Escola desenvolve cursos de graduação, pós-graduação e extensão. 2. Escola Superior de Desenho Industrial – UERJ A ESDI está instalada em um conjunto de prédios na Lapa, onde desenvolve pesquisas e cursos de graduação, pós-graduação e extensão. Na escola, além de salas de aula, existem oficinas de madeira, metal, prototipagem rápida, gráfica, laboratórios de fotografia e informática, biblioteca especializada e salas de pesquisa. 3. Escola Municipal de Dança Maria Olenewa A Escola foi criada em 1927 e pertence ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro. A escola oferece cursos profissionalizantes de dança, com aulas teóricas e práticas, além de cursos livres. Localizada na Lapa, ela possui salas de aula, biblioteca e sala de costura e guarda-roupa. 4. Escola Livre de Artes – Circo Voador A Escola Livre de Artes ocupa o espaço do Circo Voador e promove cursos de acrobacia, danças populares e de salão, teatro e dança inclusivos, capoeira regional, samba de mesa, além de percussão promovida pelo grupo Quizomba. 5. Estação Joaquim Silva – Circo Voador A Estação oferece cursos gratuitos de inglês, espanhol e educação para a terceira idade, além de manter um horta aberta para os moradores da Rua Joaquim Silva e de realizar pequenos shows e exibição de filmes.

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6. Fundição Progresso A Fundição Progresso oferece diversos cursos e oficinas, que são promovidos por artistas e grupos que possuem espaço na Fundição Progresso. Dentre eles, há aulas de canto, iniciação teatral, jongo, percussão, danças contemporânea, de salão e populares, acrobacia e capoeira angola. O Núcleo de Educação e Cultura Fundição de Paz e Progresso (NEC) é um projeto sociocultural que oferece oficinas de música, teatro, grafite, circo, filosofia e cenografia para alunos de 1º e 2º ano do ensino médio de escolas da Rede pública de Ensino. 7. Escola Livre da Palavra A Escola Livre da Palavra foi fundada por Marcus Vinicius Faustini e promove cursos gratuitos relacionados à expressão através da palavra, tais como Expressão Plástica da Palavra, Palavra Digital, Romance, dentre outros.

Parte 2 – Percorrendo a Lapa 111

Parte 3 – A Lapa em percurso

Fig.41. Obras do Projeto Lapa Legal, 2012.

Nesta parte, buscaremos analisar e compreender o Projeto Lapa Legal, sua implantação e seus impactos pós-intervenção, tanto no tecido histórico e urbano quanto no cotidiano e na ambiência vivenciada por seus moradores, frequentadores e pelos grupos e instituições culturais ali presentes. A pesquisa foi realizada junto à Prefeitura do Rio de Janeiro, mas especificamente no Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), antiga Subsecretaria de Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design, que foi responsável pela elaboração do Projeto Lapa Legal. Além disso, foi realizado o acompanhamento das obras e da implantação das medidas através de visitas a campo, entrevistas com moradores e representantes dos grupos e instituições artísticas e culturais do bairro. O acompanhamento da implantação do Projeto Lapa Legal foi realizado entre o segundo semestre de 2012 e o final do primeiro semestre de 2013. Fazem parte desta análise o levantamento dos bens culturais preservados (Fig.104), dos usos das edificações (Fig.103) e dos usos dos espaços públicos (Fig.88). Estes levantamentos contribuem para a compreensão dos impactos do Projeto Lapa Legal no tecido urbano como um todo. As entrevistas foram sistematizadas em planilhas e gráficos, para que as respostas obtidas reflitam um panorama das opiniões das instituições culturais e dos moradores.

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1. Elaboração do Projeto Lapa Legal A concepção do Projeto Lapa Legal teve início com a instituição de um grupo de trabalho por meio do decreto municipal Nº30.382, publicado em 5 de janeiro de 2009. Este grupo foi formado por técnicos que hoje integram a equipe do IRPH, representantes das demais secretarias da prefeitura, da Subprefeitura do Centro e Centro Histórico, além de representantes de instituições convidadas, como IPHAN, INEPAC, Secretarias Estaduais de Cultura e de Habitação, a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) e Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (CREA-RJ). Primeiramente, foram realizados levantamentos, visitas a campo e diversas reuniões com instituições, empresas convidadas e alguns representantes da sociedade civil, tais como do comércio local e ambulantes. Perfeito Fortuna, da Fundição Progresso, foi um dos representantes das instituições culturais que colaboraram na concepção do projeto. Dentre os representantes dos grupos artísticos e culturais do Distrito Cultural da Lapa, somente Paulo Cesar Xavier, da FEBARJ, afirma ter sido chamado para participar das reuniões. Os demais disseram que a prefeitura não fez nenhum contato. Ainda que Paulo Cesar tenha ido às reuniões, ele afirma que suas opiniões não tiveram peso na definição do Projeto Lapa Legal. A área de estudo inicial incorporou, desde a região da Praça Paris e da Cinelândia, até a região do SAARA e do Campo de Santana, abrangendo parte das APACs – da Praça da Cruz Vermelha, de Santa Tereza e do Centro (Corredor Cultural). Foi feita uma análise do Patrimônio Cultural existente, nos três níveis de preservação: federal, estadual e municipal, além dos bens preservados pelas APACs. Foram estudados os eixos, referências e localidades principais desta região, incluindo o Núcleo Inicial de Ocupação da Lapa. Com isso, foi delimitado o Núcleo Histórico Cultural da Lapa, que incorporou a Rua da Lapa, as ruas Conde de Lages, Moraes e Vale, Taylor, Joaquim Silva, Riachuelo até entorno da Rua dos Inválidos e da Rua do Resende, incluindo toda a Rua do Lavradio, parte da Avenida Parte 3 – A Lapa em percurso 113

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Mem de Sá, a Rua dos Arcos, a Avenida República do Paraguai, a Rua do Passeio e a Visconde de Maranguape até o entorno da Rua Moraes e Vale. A partir daí, foi elaborado um diagnóstico sociocultural, na intenção de estruturar ações integradas de intervenções urbanas que promovessem o ordenamento do espaço público e a requalificação do ambiente cultural da Lapa104. O primeiro caderno do Grupo de Trabalho Lapa Legal foi publicado em junho de 2009. Nele, estavam contidas as primeiras intenções do que viria a ser o Projeto Lapa Legal. Algumas das ações estipuladas neste caderno foram mantidas na versão final do projeto e outras não tiveram continuidade. Dentre as ações previstas que não foram incorporadas nas Intervenções Estruturantes do Projeto Lapa Legal, estão: a iluminação cênica do Arcos; o tratamento de resíduos pela CEDAE; a habitação; a ação diurna – de esporte e cultura na rua; o fomento de linguagens culturais; a implantação das casas de samba e de Hip Hop, de um ponto de referência para turistas e da Ouvidoria Lapa Legal. O grupo publicou também o Plano de Ações de Acessibilidade, entre maio e junho de 2009, no qual constavam a pintura de faixas de pedestres, a adequação e colocação de rampas, a adequação de frades, o rebaixamento de canteiros centrais, o alargamento de rebaixos, a colocação de golas de árvore e tampas de ralos, a regularização e o alargamento de calçadas, a elevação de caixa de rolamento e o remanejamento de obstáculos, como postes, telefones públicos e canteiros. Estas ações foram incorporadas à Fase 1 de implantação do Projeto Lapa Legal, que constou das seguintes ações: a implantação do corredor iluminado da Rua do Passeio e a requalificação da iluminação pública; a regulamentação dos estacionamentos noturnos em vias públicas na Rua do Lavradio, Riachuelo, Circo Voador e Largo da Lapa; o ordenamento dos ambulantes, com cadastramento e assentamento de barracas padronizadas; a implantação do Roteiro Lapa Acessível, com construção e reforma de rampas de pedestres, 104

RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura. Subsecretaria de Patrimônio, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design. Projeto Lapa Legal: Intervenções Estruturantes. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2010; p.3. Parte 3 – A Lapa em percurso 114

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

a manutenção do asfaltamento, a recomposição das pedras portuguesas nos passeios, a recomposição do piso podotátil, a limpeza de caixas de ralo, a instalação de papeleiras modelo Rio Antigo, a pintura de faixas de pedestres e o remanejamento de mobiliário urbano; o controle acústico; e a implantação de Guarda Municipal 24 horas. Na Fase 2, foram previstas ações tanto nos espaços públicos, como em imóveis preservados. Dentre elas, estava a restauração e iluminação cênica dos Arcos da Lapa, a implantação da Parada da Lapa (para o bonde de Santa Teresa) e de quiosque no platô do remanescente do Morro de Santo Antônio, além da requalificação da Praça da Velha Guarda; a urbanização da Praça dos Arcos e do Largo da Lapa, da Rua dos Arcos, da Rua Joaquim Silva, da Travessa do Mosqueira e da Rua Teotônio Regadas, da Rua da Lapa e da Rua do Passeio; a restauração do Convento de Santa Teresa, da Igreja da Lapa, do Hotel Bragança, do Automóvel Club com implantação do Sub 18, do imóvel na Av. Mem de Sá 41 e implantação do Centro de Referencia da Lapa; a implantação de corredores e praças de luz; a requalificação do Bairro Serrador e a implantação do Museu do Mobiliário Brasileiro. No Caderno de Intervenções Estruturantes do Projeto Lapa Legal, há um estudo mais detalhado da área do entorno do Arcos, no qual é apresentado um diagnóstico dos principais pontos críticos, tais como: a fraca iluminação pública dos passeios; a subutilização dos espaços públicos, sobretudo da área Norte da Praça Cardeal Câmara; a ausência de locais de permanência e de percepção do patrimônio existente; os muros cegos da ESDI e da Escola de Música da UFRJ; a precariedade do acesso à Fundição Progresso pelos Arcos; a inadequação do anfiteatro aos usos predominantes da Praça Cardeal Câmara; a desorganização do comércio ambulante; e a precária conservação do patrimônio edificado. São apresentados estudos de fluxos, permanências e de potenciais de uso, com propostas urbanísticas de requalificação da Praça Cardeal Câmara, das vias e demais espaços públicos do entorno dos Arcos da Lapa. Além disso, é prevista a dinamização e ampliação das áreas de pedestres da Avenida Mem de Sá até o Largo da Lapa e parte da Rua Riachuelo, por meio do redesenho de vias e passeios de pedestre, como também do fechamento destas vias aos veículos nas noites dos finais de semana. Parte 3 – A Lapa em percurso 115

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Fig.42. Mapa com a análise da área de abrangência da Lapa e seu patrimônio cultural.

Parte 3 – A Lapa em percurso 116

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Fig.43. Mapa com as Ações de Ordenamento Urbano e de Conservação do Projeto Lapa Legal.

Parte 3 – A Lapa em percurso 117

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Figs.44. Mapa das Ações Propostas para a Fase 2 do Projeto Lapa Legal.

Parte 3 – A Lapa em percurso 118

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Fig.45. Diagnóstico da Praça Cardeal Câmara, apresentado no Caderno de Intervenções Estruturantes do Projeto Lapa Legal.

Parte 3 – A Lapa em percurso 119

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Fig.46. Imagem do projeto da Praça da Velha Guarda.

Na requalificação da Praça da Velha Guarda, está prevista ainda a criação de um mural, chamado “Memória Afetiva da Lapa”, a ser implantado por meio da adoção do espaço pela Organização Não-Governamental (ONG) CRIAR. No Largo da Portinha, acima da Praça da Velha Guarda, é prevista uma reurbanização, com a instalação de uma escada, ligando-o à Praça da Velha Guarda, de maneira que este elemento também sirva de proteção aos Arcos, constantemente usado como abrigo de moradores de rua. Na extremidade oposta dos Arcos, onde há a chegada do bonde na estação que fica no remanescente do Morro Santo Antônio, o projeto prevê uma requalificação urbana, permitindo o acesso à estação de bondes pela Praça Cardeal Câmara e implantando quiosques na base do antigo morro. A intenção, segundo a arquiteta Aline Xavier, responsável pelo projeto, é incentivar o trânsito e a permanência de pessoas no local, através da indução de novos fluxos e da inclusão de novos usos, para que se modifique a ambiência escura, suja e erma existente.

Parte 3 – A Lapa em percurso 120

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Fig.47. Imagem do projeto para a requalificação do entorno do remanescente do Morro Santo Antonio.

Ao analisarmos o projeto e ao conversarmos com os técnicos da prefeitura que trabalharam na concepção do mesmo, percebemos que foram abordadas questões importantes em relação ao urbanismo e à dinâmica existente na região. Foram analisados os fluxos de pessoas e veículos, os locais de permanência e de concentração de pessoas e ambulantes, bem como os locais escuros, ermos, com presença de moradores de rua e de usuários de drogas, sobretudo na região do entorno dos Arcos da Lapa. Durante o desenvolvimento do projeto urbanístico, os arquitetos da prefeitura tiveram a colaboração do Institute for Transportation and Development Policy (ITDP) – Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento. Este instituto possui sede em Nova York e escritórios em diversos países, inclusive no Brasil. O instituto possui um programa chamado As Cidades Somos Nós – desenhando a mobilidade do futuro, do qual o Rio de Janeiro participou, como uma das cidades de estudo.

Parte 3 – A Lapa em percurso 121

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Fig.48. Imagem do projeto para a Avenida Mem de Sá

Esta parceria foi importante na definição das soluções urbanísticas da equipe técnica para a Lapa, que foram norteadas pelas premissas do transporte sustentável e da priorização do pedestre, difundidas por este programa105. Este processo nos remete à análise realizada no capítulo 1 da Parte 1, na qual abordamos a cidade como local de encontro, ou seja, voltada para uso das pessoas. Neste sentido, a adoção de premissas do programa do ITDP no Projeto Lapa Legal aponta para a consolidação da região como um local de convívio, de troca e de encontro. No entanto, a pesquisa demonstrou que o projeto não foi executado integralmente nem atendeu todas as especificações nele contidas. Portanto, se faz necessário analisar sua execução e as implicações na vivência e na dinâmica urbana, social e cultural da região. Se pretende, com isso, compreender a distância entre a teoria e a prática, quais foram os fatores que influenciaram neste processo e como os atores sociais, culturais e a comunidade local foram beneficiados pelo Projeto Lapa Legal.

105

Relato de técnicos da prefeitura, participantes do Projeto Lapa Legal. Parte 3 – A Lapa em percurso 122

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Fig.49. Imagem das áreas de estar na Praça Cardeal Câmara.

Fig.50. Imagem da Praça Cardeal Câmara e do seu entorno.

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2. Processo de execução do Projeto Lapa Legal As primeiras medidas do Projeto Lapa Legal, descritas no item 2.1, foram implantadas no primeiro semestre de 2010, já as obras tiveram início em 2011. A primeira fase das obras abrangeu a Rua da Lapa, Avenida Mem de Sá, a Praça Cardeal Câmara, a Rua Gomes Freire, a Rua dos Inválidos, Rua Riachuelo, parte da Rua dos Arcos e do acesso à Ladeira de Santa Teresa. Ainda que o Projeto Lapa Legal tenha se estruturado em duas fases, foram realizados itens da Fase 1 e da Fase 2 concomitantemente. Durante o período de elaboração desta dissertação, foi possível acompanhar a fase inicial de implantação do Projeto Lapa Legal, que foi concluída até o final do primeiro mandato do prefeito Eduardo Paes, no segundo semestre de 2012. Após as eleições, as obras do Projeto Lapa Legal aparentaram uma redução na velocidade e no volume de execução. Ainda assim, o Projeto permanece nas ações da prefeitura e está longe de ser concluído. Veremos, portanto, como foi a implantação das medidas e a execução das obras neste período de observação.

2.1. Acompanhamento das medidas implantadas Em 2009, a Secretaria Especial de Ordem Pública (SEOP), criada no primeiro mandato do prefeito Eduardo Paes, implantou a Operação Choque de Ordem na intenção de fiscalizar atividades comerciais e de ordenar o espaço público. Esta Operação fez ações na Lapa, logo nos primeiros meses de mandato do prefeito, fiscalizando depósitos de bebidas, ambulantes e flanelinhas. Parte das ações implantadas pela Operação Choque de Ordem foi incorporada e detalhada no Projeto Lapa Legal.

Parte 3 – A Lapa em percurso 124

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No primeiro semestre de 2010, o Projeto Lapa Legal implantou as primeiras medidas de ordenamento do uso do espaço público, tais como o ordenamento do estacionamento de veículos, de pontos de táxi e das barracas de ambulantes, bem como o fechamento parcial da Avenida Mem de Sá e da Ruas Riachuelo e Gomes Freire.

2.1.1. Ordenamento de Veículos O ordenamento dos veículos e dos pontos de táxis foi uma das primeiras medidas implantadas. De acordo com a prefeitura, em matéria publicada no portal R7 da Rede Record, a Operação Choque de Ordem rebocou mais de 1.000 veículos e multou mais de 2.000 motoristas por estacionarem em local proibido, nos três primeiros meses de implantação do novo ordenamento. Segundo a reportagem, frequentadores reclamaram da quantidade de vagas disponíveis, da distância dos estacionamentos e da falta de iluminação pública dos trajetos entre os estacionamentos e a Lapa106.

2.1.2. Ordenamento de ambulantes O ordenamento dos ambulantes foi outra medida implantada, no sentido de padronizar e fiscalizar o comércio ambulante na região. A Feira Noturna da Lapa foi criada em 2009, concedendo a autorização para 82 pessoas para ocuparem as barracas que ficam nas calçadas entre a Sala Cecília Meireles e os Arcos da Lapa. Os ambulantes passaram por curso de manipulação de alimentos, promovido pela Secretaria de Vigilância Sanitária. Segundo cadernos do Projeto Lapa Legal e entrevistas com técnicos da prefeitura, o IRPH teve a intenção de promover um concurso para o design das barracas, para que a padronização também transmitisse uma imagem singular para a Lapa. A iniciativa não teve sucesso, pois não houve concorrentes, e a padronização das barracas ocorreu em 2010, através de processo de licitação, no

qual

uma

cervejaria ficou responsável pelo

fornecimento das barracas e uniformes dos vendedores ambulantes, bem como pelo forneci 106

Matéria publicada no portal R7 da Rede Record, no dia 23 de outubro de 2010. Disponível em: http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/fechamento-das-ruas-da-lapa-divide-opiniao-defrequentadores-e-populacao-do-bairro-20101023.html, acessado em 27/01/2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 125

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Fig51. Implantação das barracas da Feira Noturna da Lapa, 2010.

mento de banheiros químicos e limpeza permanente da área 107 . As barracas são em estrutura retangular de alumínio e seguem um padrão já produzido industrialmente. Ainda que as barracas, uniformes e banheiros químicos tenham sido fornecidos, a limpeza permanente da área não parece estar sendo executada conforme previsto, já que a sujeira das calçadas e o mau cheiro são constantes no entorno da feira e dos locais dos banheiros químicos.

2.1.3. Fechamento de ruas ao trânsito de veículos O fechamento de ruas da Lapa ao trânsito de veículos foi uma medida implantada em 2010 e que teve forte impacto, tanto para os frequentadores, como para os comerciantes e empreendedores da região. “A operação Fim de Semana Lapa Legal começou na sexta-feira, dia 16 de julho, com fechamento de trechos das ruas Mem de Sá, Gomes Freire e Riachuelo para o lazer mais badalado da noite carioca. A iniciativa da Prefeitura, que mobiliza e integra as ações das secretarias Especial da Ordem Pública, Conservação e Serviços Públicos, CET-Rio, Subprefeitura do Centro, Rioluz e Comlurb, vai revitalizar o bairro e incrementar a boemia carioca. Com as ruas fechadas à passagem de veículos, será permitido que bares e

107

Matéria publicada no jornal O Globo, no dia 04 de fevereiro de 2010. Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/lapa-legal-com-barracas-novas-banheiros-quimicos-3057520, acessado em 27/01/3013. Parte 3 – A Lapa em percurso 126

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

restaurantes usem as calçadas para ampliação ordenada do número de mesas e cadeiras que serão disponibilizadas ao público”108. No texto acima, é nítido o benefício que esta medida trouxe para os empresários locais, que puderam ocupar um espaço que seria público para ampliarem suas áreas de mesas e cadeiras. Segundo entrevistas com técnicos da Prefeitura e segundo o Decreto Municipal Nº 32.522, de 14 de julho de 2010, que trata do “Quarteirão Cultural e Gastronômico da Avenida Mem de Sá e Adjacências”, esta autorização é feita pela Coordenação de Licenciamento e Fiscalização da Secretaria Especial da Ordem Pública, mediante protocolização de solicitação pelo estabelecimento na 3ª Inspetoria Regional de Licenciamento e Fiscalização. Segundo o Decreto, nas sextas-feiras e sábados, de 22:00h às 5:00h, é permitida a ocupação da totalidade da calçada, que “estará sujeita à cobrança de TUAP (Taxa de Uso de Área Pública) referente à área de acréscimo, na forma do art. 137, inciso II, item 6, alínea “b”, da Lei n° 691, de 24 de dezembro de 1984 – Código Tributário do Município do Rio de Janeiro (CTM)”109. Temos, portanto uma privatização do espaço público, que beneficia empresários e prefeitura, ainda que esta não divulgue como a verba arrecadada com a TUAP beneficia

Fig.50. Largo ocupado por mesas de estabelecimento na Av. Mem de Sá, 2012.

108

Notícia publicada no Portal da Prefeitura do Rio Janeiro, no dia 31/07/2010. Disponível em: http://200.141.78.79/web/guest/exibeconteudo?article-id=997888, acessado em 04/02/2013.

109

RIO DE JANEIRO (Cidade). Decreto Nº 32522, de 14 de julho de 2010; p.3. Parte 3 – A Lapa em percurso 127

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a população local e a região. Por outro lado, o fechamento das ruas ampliou e dinamizou o uso do espaço público pelas pessoas. A amplitude das ruas permitiu a realização de atividades que não eram possíveis de acontecer no espaço das calçadas. Apresentações de artistas de rua, bailarinos e músicos passaram a acontecer em diversos pontos da Avenida Mem de Sá e da Rua Riachuelo. Além disso, as pessoas puderam transitar e permanecer na rua, utilizando este espaço como local de celebração e de encontro. Os artistas podem ser covers de cantores famosos, músicos, sapateadores, artistas circenses e até pessoas que promovem desafios em troca de dinheiro.

Fig.53. Avenida Mem de Sá e Praça Cardeal Câmara, no final de semana, a partir das 22h, 2012.

Fig.54. Apresentação de artista de rua na Avenida Mem de Sá, 2012.

Parte 3 – A Lapa em percurso 128

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Em reportagem publicada em outubro de 2010, após três meses de implantação da medida de fechamento das ruas da Lapa, foi verificada a grande aceitação da medida, tanto pelos frequentadores, quanto por moradores e comerciantes locais. As opiniões contrárias ao fechamento se baseiam na defesa do uso do automóvel para a locomoção, tanto por parte dos frequentadores, quanto por parte dos moradores, que passaram a ter restrições para utilizarem o automóvel nos horários de fechamento do transito aos veículos. Alguns empresários também demonstraram insatisfação em relação ao fechamento das ruas, por compreenderem

que

esta

medida

diminui

a

frequência

de

pessoas

em

seus

estabelecimentos110. Após quase três anos de interdição, a Prefeitura do Rio de Janeiro decidiu reabrir as ruas interditadas. Segundo a notícia publicada no seu portal, a medida procurou atender a reivindicação dos comerciantes e moradores, que reclamavam do excesso de barulho e do grande fluxo de pessoas nas ruas111. O jornal O Globo fez uma enquete na rede social Facebook para avaliar a opinião das pessoas sobre a notícia112. Ainda que o número de pessoas que discordaram da medida de reabertura das ruas tenha sido o dobro do número de pessoas que concordaram, a enquete foi polêmica e recebeu mais de cem comentários. Muitos moradores defendiam a medida, enquanto frequentadores reclamavam que a reabertura das ruas poderia trazer perigo aos transeuntes. Na rede social, foram organizadas duas manifestações para o dia 22 de março de 2013, primeiro dia sem o fechamento das ruas, em frente aos Arcos da Lapa. As manifestações não ocorreram e nenhuma justificativa foi publicada. Os mesmos organizadores marcaram uma audiência aberta sobre o tema, também na Praça Cardeal Câmara.

110

Matéria publicada no canal R7 da Rede Record, no dia 23 de outubro de 2010. Disponível em: http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/fechamento-das-ruas-da-lapa-divide-opiniao-defrequentadores-e-populacao-do-bairro-20101023.html, acessado em 27/04/2013.

111

Notícia publicada no Portal da Prefeitura do Rio Janeiro, no dia 21/03/2013. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/scch/exibeconteudo?article-id=3697664, acessado em 27/04/2013. 112 Disponível em: https://www.facebook.com/questions/542527992453551/?qa_ref=ssp, acessado em 27/04/2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 129

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

No primeiro dia sem o fechamento das ruas, a Polícia Militar e a Guarda Municipal foram reforçadas com um número impressionante de policiais e de viaturas. Foram vistos policiais com metralhadoras caminhando no canteiro central da Av. Mem de Sá. Além disso, a Secretaria Especial de Ordem Pública (SEOP) fiscalizou bares, restaurantes e demais estabelecimentos comerciais, para controlar o respeito às áreas destinadas à circulação de pedestres. No balanço publicado pela prefeitura, 58 bares foram notificados e 4 foram autuados por ocupação indevida de mesas e cadeiras. Um dos bares mais beneficiados com as obras do Projeto Lapa Legal, por ocupar uma grande área da calçada, teve os ombrelones retirados durante

a

operação.

Ambulantes

não-autorizados

também

tiveram

mercadorias

apreendidas. A Vigilância Sanitária participou da operação, interditando dois bares 113 . Apesar do trânsito ter sido reaberto, os ônibus não estavam circulando normalmente pelas ruas que eram interditadas. A polêmica medida promete mais desdobramentos. Enquanto isso, os artistas, que se apresentavam nas ruas, passaram a ocupar a Praça Cardeal Câmara, entre as barracas da Feira Noturna da Lapa.

Fig.55. Policiamento na esquina da Avenida Visconde de Maranguape e Avenida República do Paraguai, no dia da reabertura das ruas da Lapa para veículos, 2013.

113

Balanço publicado no Portal da Prefeitura do Rio Janeiro, no dia 23/03/2013. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?article-id=3702773 acessado em 27/04/2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 130

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.56. Artistas de rua na Praça Cardeal Câmara, no dia de reabertura das ruas da Lapa, 2013.

2.1.4. Controle acústico O controle acústico foi realizado através de fiscalização de bares e estabelecimentos comerciais, verificando se estes tinham isolamento acústico e proibindo a colocação de caixas de som voltadas para as ruas. Ainda que este controle tenha sido realizado, técnicos da Prefeitura reconhecem que há uma dificuldade em controlar os níveis de decibéis estabelecidos, já que os ruídos não são provocados apenas pelos estabelecimentos, mas também pelas pessoas que transitam na região. Segundo eles, há uma proposta de permitir níveis mais altos de decibéis na Lapa, no sentido de caracteriza-la enquanto área de maior incidência de ruídos e prevenir as pessoas que pretendem residir no local.

2.1.5. Guarda Municipal 24 horas A implantação da Guarda Municipal 24 Horas foi uma medida que, apesar do impacto inicial, não foi eficaz na redução da criminalidade e no controle urbano na região. Após dois anos, os assaltos, a venda clandestina de drogas e diversos surtos de violência ainda são

Parte 3 – A Lapa em percurso 131

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

frequentes. O fato foi denunciado em matéria jornalística, no qual guardas municipais assumem que não atuam de maneira decisiva para reduzir a criminalidade114. Para aqueles que frequentam diariamente a região, é possível comprovar que a Guarda Municipal não atua como deveria, já que pude comprovar este fato quando um grupo de homens, possivelmente moradores de rua, agrediam uma mulher, também possível moradora de rua, as 18h na Praça Cardeal Câmara, sob os Arcos da Lapa. Ao solicitar ajuda, o guarda não se prontificou em verificar o que ocorria e continuou a colocar cones de trânsito próximo a sua cabine. Em outra matéria divulgada na mídia televisiva e publicada na internet, comprova-se que a Polícia não tem atuado de maneira eficaz, já que o número de furtos aumentou em 13% em comparação ao mesmo período do ano anterior, assim como apreendeu 40% menos em quantidade de drogas115. A Lapa convive com graves problemas sociais, já que ela recebe muitos usuários de drogas, dentre jovens e adultos, que, na maioria das vezes, são moradores de rua.

Fig.57. Homens agredindo mulher próximo aos Arcos da Lapa, 2013.

114

Matéria divulgada no Jornal Nacional e publicada no Portal G1, no dia 27 de agosto de 2012. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2012/08/imagem-mostra-trafico-de-drogasna-lapa-proximo-sede-da-policia-no-rio.html, acessado em 27/04/2013.

115

Matéria divulgada no RJTV e publicada no Portal G1, no dia 28 de agosto de 2012. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2012/08/apos-denuncia-de-trafico-de-drogas-seguranca-ereforcada-na-lapa.html, acessado em 27/04/2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 132

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Existem Organizações Não-Governamentais de apoio a crianças e jovens nas proximidades dos Arcos da Lapa, as Carmelitas oferecem higiene pessoal, roupas e alimentação, assim como é possível verificar a presença de Assistentes Sociais da Prefeitura atuando no local. No entanto, o problema ainda não teve soluções mais eficazes.

2.1.6. Criação do bairro da Lapa e ações de marketing cultural A criação do bairro da Lapa, através da Lei Nº 5.407, de 17 de maio de 2012, fez parte das medidas implantadas no final do primeiro mandato do prefeito Eduardo Paes. Os técnicos da Prefeitura afirmam que a criação do bairro não era uma medida muito vantajosa do ponto de vista administrativo, tendo em vista o número reduzido de moradores e o tempo de adaptação da maquina do Executivo Municipal à existência do novo bairro. Apesar destas questões, a força simbólica e midiática da lei prevaleceu (ver Anexo 1).

Fig.58. Mapa com “Um roteiro com 101 bons motivos para ir à região, que a partir de hoje é, oficialmente, um bairro”, divulgado em matéria do Jornal O Globo.

Parte 3 – A Lapa em percurso 133

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Outra ação que caracteriza a intenção da prefeitura em fortalecer a imagem do Projeto Lapa Legal e da própria Lapa enquanto local da “malandragem” e do samba foi a inclusão de um chapéu panamá no uniforme dos garis da Lapa116. O uniforme, lançado em maio de 2010, fortalece o marketing cultural da região e contribui para a consolidação de um cenário artificial, que tem a figura do malandro como símbolo de uma Lapa que está sendo erradicada, para o bem-estar dos frequentadores e turistas.

2.1.7. Patrimônio Cultural da cidade do Rio de Janeiro Ressalta-se ainda, a medida da Prefeitura do Rio de Janeiro em declarar 12 bares tradicionais como Patrimônio Cultural da cidade, dentre eles, o Bar e Restaurante Capela, a Adega Flor de Coimbra, o Bar e Restaurante Cosmopolita e o Bar Brasil, todos estes localizados na Lapa (ver mapa, Fig.104). Esta medida, realizada em 2011, teve a intenção, não só de enaltecer o valor cultural destes locais para a cidade, mas, principalmente, de garantir que estes estabelecimentos sejam mantidos frente à valorização imobiliária e à concorrência de outros empreendimentos, que contam com estratégias de divulgação mais intensas e apelativas.

2.1.8. Últimas medidas implantadas Nos últimos meses de acompanhamento da implantação do projeto, foram implantados novos sistemas de coleta de lixo: o primeiro foi um contentor, colocado em pontos onde o lixo ficava acumulado nas ruas e calçadas do bairro e que foi retirado cerca de um mês após sua implantação; e foi instalada a primeira lixeira subterrânea da Lapa 117 . Por fim, foi transferido o posto policial da Av. Mem de Sá para a Praça da Velha Guarda e, no seu lugar, foram colocados mictórios e um posto de informação turística.

116

Matéria publicada no jornal O Globo, no dia 28 de maio de 2010. Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/garis-com-chapeu-panama-vao-cuidar-da-limpeza-da-lapa-noite3001325, acessado em 27/04/2013.

117

Matéria publicada no Portal da Prefeitura do Rio de Janeiro, no dia 24 de maio de 2013. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/seconserva/exibeconteudo?id=4210529, acessado em 27/05/2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 134

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

2.2. Acompanhamento das obras Os projetos da Prefeitura para a Lapa foram divulgados em agosto de 2010 e, em 2011, as obras já aconteciam em diversos pontos da região. Ao mesmo tempo, os Arcos da Lapa foram restaurados, a Sala Cecília Meireles estava em reforma, além da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Lapa do Desterro, que também entrou em processo de restauração. Essas três obras foram e algumas ainda estão sendo realizadas através de leis estaduais e federais de incentivo à cultura, obtendo patrocinadores para financiarem a execução das obras, em troca de incentivos fiscais. O Projeto Lapa Legal procurou abranger tanto os aspectos urbanísticos do bairro que precisavam ser estudados e modificados, quanto os bens culturais edificados presentes na região. Na primeira fase do projeto, estavam previstas ações voltadas sobretudo para os espaços públicos da Lapa, dentre elas, obras e medidas administrativas de ordem pública. Já na segunda fase do projeto, foram incluídas obras urbanísticas de maior porte e

a

recuperação de bens culturais imóveis existentes no Núcleo Histórico Cultural da Lapa. A recuperação destes imóveis também estava atrelada à implantação de novos usos, tais como o Museu do Mobiliário Brasileiro, o Centro de Documentação da Lapa, dentre outros. Na prática, a execução do Projeto Lapa Legal, até o momento de elaboração desta dissertação,

conciliou

ações

da

Fase

1

e

da

Fase

2,

que

foram

realizadas

concomitantemente. No entanto, as obras previstas na Fase 1 não chegaram a ser concluídas. Como exemplo, vimos que na Fase 1, estava prevista a adequação das calçadas e ruas do Núcleo Histórico Cultural da Lapa à acessibilidade, com a colocação de rampas e a remoção de obstáculos. Esta obra só foi executada nas principais vias e, mesmo assim, estas não foram adequadas por completo.

Parte 3 – A Lapa em percurso 135

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

O processo de execução das obras será descrito e ilustrado com fotos, cujas localizações estão indicadas no mapa que resume as ações executadas, não executadas e parcialmente executadas (Fig.61).

Fig. 59. Passagem elevada e calçadas em mau estado de conservação.

Fig.60. Esgoto emergindo das escadas da Praça da Velha Guarda.

Parte 3 – A Lapa em percurso 136

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Rua Pedro I

Mapa do acompanhamento das obras do Projeto Lapa Legal

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LEGENDA: Núcleo Histórico Cultural da Lapa Bairro da Lapa Ações Executadas Ações executadas parcialmente ou modificadas Ações não executadas

Fig.61

Parte 3 - A Lapa em percurso 137

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

2.2.1. Espaços públicos: Rua da Lapa A Rua da Lapa teve suas calçadas redefinidas, através da colocação de rampas e da sua ampliação em alguns trechos. Além disso, o asfalto foi regularizado, bem como foram criadas duas novas praças em antigos estacionamentos oriundos de diferenças de alinhamentos entre os imóveis. No entanto, foi possível perceber que a obra não foi executada com a devida qualidade, tendo em vista que tampas de bueiros estavam localizadas no meio de rampas, o escoamento das águas pluviais da não foi bem solucionado, assim como as praças não pareciam ter tido um projeto urbanístico e paisagístico consolidado, já que a pavimentação foi colocada e removida posteriormente para a instalação de brinquedos.

Fig.62. Praça criada na Rua da Lapa.

Fig.63. Alagamento na esquina da Rua da Lapa com Rua Marques Rabelo.

Parte 3 – A Lapa em percurso 138

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2.2.2. Espaços públicos: Praça Cardeal Câmara e entorno O conjunto da Praça Cardeal Câmara, os acessos à Ladeira de Santa Teresa e à Rua dos Arcos, além da Avenida Mem de Sá, foram os locais que receberam as principais obras do Projeto Lapa Legal e que foram concluídas meses antes das eleições para prefeito em 2012. As obras removeram o anfiteatro existente na praça, mantendo as linhas do projeto original de Reestruturação da Lapa, de 1990, com canteiros ajardinados e nova pavimentação. No projeto, estavam previstos bancos em diversos pontos da praça, inclusive servindo como limitadores dos canteiros desenhados. Na execução da obra, nenhum banco foi colocado, na intenção de não favorecer a presença de mendigos. Assim, a praça se tornou uma grande esplanada, sem nenhum local de descanso e de permanência.

Fig.64. Obras da Praça Cardeal Câmara.

Fig.65. Praça Cardeal Câmara após conclusão das obras.

Parte 3 – A Lapa em percurso 139

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.66. Gramados danificados poucos meses após inauguração da Praça.

Além disso, os técnicos da prefeitura apontaram que o piso da praça seria em pedra portuguesa, já que esta se adequava melhor às pedras de lioz existentes no piso. No entanto, durante a execução, a pedra portuguesa foi substituída por placas de granito serrado. Ainda que o acabamento não tenha tido a qualidade esperada, o piso de granito favoreceu a prática de skate e de break dance no local. Os canteiros gramados não tiveram o plantio e a manutenção adequada, por isso, poucos meses após a inauguração da praça e após a realização de grandes eventos, a grama já estava bastante danificada. As mudas de árvore plantadas são muito novas e algumas já indicam sinais de estarem fracas pela falta de manutenção. Com isso, a praça, em pouco tempo, apresenta um cenário árido e degradado.

2.2.3. Espaços públicos: Praça da Velha Guarda Na Praça da Velha Guarda, os arquitetos da prefeitura também verificaram a má execução dos degraus-arquibancadas, o que prejudicou a funcionalidade dos mesmos. O painel sobre as memórias da Lapa, que seria instalado nos muros da Associação Beneficente São Martinho, não chegou a ser realizado, pois a parceria com a instituição financiadora não teve continuidade. A praça permanece como local de estadia de moradores de rua, ainda que a Guarda Municipal e a Polícia Militar tentem evitar a permanência destas pessoas no local. A reforma desta área não foi eficaz na introdução de novos usos, nem na modificação da ambiência do local.

Parte 3 – A Lapa em percurso 140

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.67. Praça da Velha Guarda, com degraus mal executados e esgoto transbordando continuamente.

2.2.4. Espaços públicos: Avenida Mem de Sá Ao longo da Avenida Mem de Sá, novos largos foram formados pelo novo alinhamento das vias e calçadas, conforme previsto no projeto dos arquitetos da prefeitura. Durante a execução das obras, no entanto, o largo ao lado da via de acesso à Fundição Progresso teve seu desenho paisagístico modificado pelo proprietário do empreendimento vizinho. Os canteiros foram modificados de modo a criar o fechamento da área de mesas do bar, privatizando o espaço público. Nos cruzamentos da Avenida Mem de Sá com as ruas Gomes Freire e dos Inválidos, o projeto de aumento das calçadas foi ligeiramente modificado, mas não chegou a prejudicar os espaços de convívio criados.

Fig.68. Novo largo, criado no Projeto Lapa Legal, mas que teve seu paisagismo modificado pelo proprietário do estabelecimento comercial ao lado.

Parte 3 – A Lapa em percurso 141

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.69. Largo com banco, na esquina da Av. Mem de Sá e Rua Gomes Freire.

Fig.70. Avenida Mem de Sá, sem a elevação do piso em paralelepípedo.

A Avenida Mem de Sá, no trecho entre os Arcos da Lapa e a Travessa do Mosqueira, teria piso em paralelepípedo elevado até o nível da calçada, no sentido de priorizar o trânsito do pedestre através da implantação do chamado traffic calming. Além disso, estava prevista a pintura das áreas de faixas de pedestres com cores vibrantes, que ressaltassem a prioridade das pessoas em relação aos veículos. Estas medidas não chegaram a ser executadas, sendo mantidas as pavimentações e pinturas existentes. O lado ímpar da Avenida Mem de Sá, dos Arcos até a Rua da Lapa, não recebeu qualquer requalificação das calçadas, fazendo com que estas permanecessem com trechos desnivelados, com a pavimentação danificada e com acúmulo de água e sujeira. Neste trecho, estão os imóveis do antigo projeto da Quadra da Cultura da Lapa.

Parte 3 – A Lapa em percurso 142

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.71. Calçada do lado ímpar da Avenida Mem de Sá sem adequação, com águas pluviais acumuladas.

2.2.5. Espaços públicos: Iluminação e Requalificação urbana Somente as áreas que sofreram obras de maior porte tiveram melhoria de iluminação. A área prevista incorpora todas as ruas do Núcleo Histórico Cultural da Lapa, no entanto, nem 50% desta meta foi cumprida. Além disso, foram previstos corredores de luz em vias de acesso à Lapa, como as ruas do Passeio e do Lavradio. Estes corredores de luz não chegaram a ser implantados.

Fig.72. Rua Moraes e Vale, com calçadas estreitas e danificadas e iluminação insuficiente.

Parte 3 – A Lapa em percurso 143

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Com isso, as ruas que de fato necessitam de iluminação e de tratamento urbanístico não chegaram a ser atendidas, permanecendo como locais ermos e perigosos. Dentre elas, estão as ruas Moraes e Vale, Conde de Lages, Taylor, Joaquim Silva, dos Arcos, Teotônio Regadas, Silvio Romero, além da Travessa do Mosqueira. A Rua do Resende é uma das poucas vias que permanece em obras, na qual as redes de infraestrutura subterrâneas do edifício da Petrobrás estão em execução. Em março de 2013, a Prefeitura anunciou a substituição das lâmpadas de vapor de sódio por lâmpadas de multi vapor metálico, de cor branca, o que prometeu melhorar a iluminação da Escadaria Selarón, da Avenida Mem de Sá, do entorno da Praça da Cruz Vermelha e da Praça João Pessoa. A iluminação da escadaria já foi executada, no entanto, nos demais locais, as lâmpadas ainda não foram substituídas. O programa poderia ser expandido para outros locais da Lapa, mas ele não acrescenta postes de iluminação em locais com pouca iluminação118.

2.2.6. Imóveis

Fig.73. Hotel Bragança, em processo de reforma.

Fig.74. Interdição da área no entorno de Automóvel Clube.

118

Matéria publicada no Portal da Prefeitura do Rio de Janeiro, no dia 22 de março de 2013. Disponível em: http://portal5.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?article-id=3700222, acessada em 26/08/2013, acessado em 27/04/2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 144

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Além das obras previstas para os espaços públicos, estavam previstas no Projeto Lapa Legal a recuperação de imóveis para novos usos. O Hotel Bragança, ocupado como cortiço durante mais de 40 anos, foi interditado pela Defesa Civil e seus moradores foram retirados em janeiro de 2010. O imóvel foi vendido no mesmo ano a um empresário, cuja intenção é instalar um hotel de luxo. Somente no final de 2012, as primeiras obras tiveram início e aparentam um lento andamento. Na placa da obra, há apenas a quantidade de pavimentos e área construída, sem identificar o uso do imóvel. O edifício do Automóvel Clube, sob responsabilidade da prefeitura desde 2004, foi alvo de diversas propostas de uso, tais como Casa do Samba, uma casa de jazz, a Casa da Organização das Nações Unidas (ONU) ou o Centro Cultural da Procuradoria Municipal. Em junho de 2012, o imóvel foi incluído na lista de 35 de imóveis para serem autorizados pela Câmara dos Vereadores a serem vendidos em leilões. Após a má repercussão de sua decisão na mídia e nas redes sociais, o Prefeito Eduardo Paes retirou o imóvel da lista, afirmando ter sido um erro por não ter reconhecido o endereço do mesmo119. Com isso, foi contratada na segunda metade do mesmo ano, obras de recuperação da fachada e da cobertura do edifício. O restante das obras necessárias e o futuro uso do edifício ainda não foram divulgados.

Fig.75. Imóvel nº41, à venda.

Fig.76. Imóvel que abrigaria Museu do Mobiliário Brasileiro.

119

Matéria publicada no jornal O Globo, no dia 04 de junho de 2012. Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/prefeito-nao-vai-mais-vender-predio-do-automovel-club-na-lapa5114503, acessado em 27/04/2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 145

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

O imóvel da Avenida Mem de Sá nº 41, que seria destinado à construção do Centro de Documentação da Lapa, chegando a ter propostas de projeto, foi leiloado e atualmente está a venda por um proprietário particular. O imóvel da esquina da Rua dos Inválidos com a Rua Riachuelo, atualmente utilizado como estacionamento, tem a previsão de ser recuperado para abrigar o Museu do Mobiliário Brasileiro. No entanto, ainda não há sinalização de início deste processo. A requalificação do Bairro Serrador, área situada entre a Rua do Passeio, a Rua Evaristo da Veiga, a Rua Senador Dantas e a Cinelândia, ainda não foi implantada.

2.3. Conclusões parciais sobre a execução do projeto O projeto elaborado pela equipe técnica da prefeitura procurou solucionar questões de caráter urbanístico que pudessem melhorar o fluxo de veículos e pedestres, tratando áreas consideradas ermas e subutilizadas. Houve uma demanda clara de viabilizar a Lapa enquanto polo de lazer noturno e, em segundo plano, enquanto área residencial. As instituições artísticas e culturais tiveram uma participação pequena no processo de elaboração do projeto. A execução das obras até as eleições de 2012 teve um andamento acelerado, mas suprimiu ou alterou diversos elementos do projeto original da prefeitura. Dentre as supressões, os equipamentos de mobiliário urbano para descanso e convívio foram os mais notáveis, tendo em vista que a inexistência de bancos nas novas praças foi uma intenção clara de impedir que moradores de rua dormissem no local. Ao conversar sobre a execução das obras e a implantação do Projeto Lapa Legal, a arquiteta Aline Xavier, responsável pelo projeto, acredita que as partes alteradas ou não executadas do projeto poderão ser corrigidas e executadas no futuro, já que o Projeto Lapa Legal ainda está em implantação. Ao acompanhar o andamento do projeto e vivenciar o cotidiano da Lapa, se percebe que, após a conclusão do primeiro conjunto de obras, antes das eleições de 2012, o ritmo da implantação do Projeto Lapa Legal está mais lento. Muitos problemas identificados pela Parte 3 – A Lapa em percurso 146

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

própria equipe da prefeitura ainda persistem, tais como a falta de iluminação e de mobiliário urbano, bem como a má conservação de calçadas e vias. Este cenário não corresponde àquele promovido pela prefeitura e pelos empreendedores locais e prejudica o cotidiano dos moradores e frequentadores da Lapa. Ao entrarmos em contato com a Subprefeitura do Centro, solicitando informações sobre a continuidade do Projeto Lapa Legal, sobre a preservação dos bens culturais da Lapa e sobre as medidas de controle urbano implantadas, nos foi solicitado que enviássemos as perguntas por e-mail. As perguntas foram enviadas e, após três semanas sem retorno, a secretaria do subprefeito respondeu que havia enviado as respostas. No entanto, estas não foram recebidas (apesar de já ter recebido outros e-mails da subprefeitura). Após solicitação para reenvio, a secretária afirmou que não poderia reenviá-las devido a problemas no sistema de e-mail que fizeram com que as respostas fossem perdidas. Foi solicitada uma entrevista, que não teve resposta. Ainda que sem maiores detalhes sobre o planejamento das futuras intervenções do Projeto Lapa Legal, é notável que a continuidade das obras é incerta, tendo em vista que o volume das mesmas foi muito reduzido nos últimos oito meses. O que se notou nas visitas a campo realizadas neste período foi que as ações foram concentradas em medidas relacionadas à ordem pública e à limpeza urbana. As ruas que eram fechadas aos veículos nos finais de semana foram reabertas, o que causou uma grande polêmica sobre quem estaria sendo favorecido por esta medida: os moradores e frequentadores ou os empresários; neste mesmo período, após repetitivos surtos de violência, o policiamento da região foi reforçado; e, por fim, foram colocados contentores de lixo em pontos estratégicos do bairro, assim como foi inaugurada a primeira coleta subterrânea de lixo, implantada na calçada entre a Avenida Mem de Sá e a Rua dos Arcos120. Os contentores de lixo foram retirados semanas após sua colocação.

Matéria publicada no Portal da Prefeitura do Rio de Janeiro, no dia 24 de maio de 2013. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/scch/exibeconteudo?article-id=3851503.

120

Parte 3 – A Lapa em percurso 147

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Alguns imóveis que abrigariam novos usos, como museus e centros culturais, foram leiloados. O imóvel que abrigou o Automóvel Clube quase foi leiloado, se não fosse a má repercussão da notícia na mídia, que fez com que o mesmo fosse retirado da lista e recebesse obras emergenciais. A partir da análise dos usos dos edifícios do Núcleo Histórico Cultural da Lapa (ver Fig.103), foi possível perceber que existem inúmeros edifícios abandonados ou subutilizados e diversos imóveis que não tiveram seu uso identificado. Muitos destes estavam em reforma, à venda ou para alugar. Além disso, foi possível observar a melhoria do comércio e da oferta de serviços, a partir da abertura de comércios de vestuário, de equipamentos domésticos, de academias de ginástica, além de hostels, novos bares e restaurantes. Estes usos refletem tanto uma valorização imobiliária e uma consolidação do bairro como área residencial de classe média, como também o contínuo crescimento do comércio e de serviços voltados para o entretenimento e para o turismo. O Projeto Lapa Legal foi consequência do e procurou favorecer o processo de valorização imobiliária, de crescimento do turismo e de consolidação da Lapa enquanto local de entretenimento e lazer noturno. As ações do Projeto Lapa Legal foram planejadas na intenção de ordenar e ampliar o espaço público. No entanto, a forma como estas medidas foram implantadas e conduzidas e a forma como as obras foram executadas e modificadas conforme interesse privado indicam a vulnerabilidade do projeto frente aos interesses dos empreendedores locais, que estão exercendo um papel influente na sua implantação.

Parte 3 – A Lapa em percurso 148

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

3. Análise do Projeto Lapa Legal a partir das entrevistas com instituições culturais e moradores Além do acompanhamento das obras, realizado através de visitas a campo e de entrevistas com os arquitetos da prefeitura, foi importante entrevistar os representantes das instituições culturais locais, bem como os moradores e frequentadores do bairro. A intenção foi captar as impressões destas pessoas e verificar os impactos do Projeto Lapa Legal na dinâmica social e cultural da Lapa. Primeiramente, foram entrevistados os representantes das instituições culturais da Quadra da Cultura da Lapa. Tendo em vista que estes grupos estão há cerca de 30 anos na região e que participaram ativamente do seu processo de reocupação, foi importante compreender suas visões sobre o bairro. Estas entrevistas foram estruturadas por perguntas específicas a cada grupo, mas alguns assuntos como o Projeto Lapa Legal, a ocupação dos imóveis cedidos pelo Estado e as impressões sobre a Lapa permearam todas as entrevistas. A intenção foi captar as histórias e as opiniões destes grupos, por isso, o caráter destas entrevistas foi qualitativo. Os demais grupos artísticos e instituições culturais com sedes na região, identificados no mapa do item 2.2, foram contatados para responderem um questionário, no sentido de compreender suas relações com o bairro e suas impressões sobre o Projeto Lapa Legal (ver Anexo 2). Outro questionário foi elaborado para os moradores, na intenção de captar as diferentes vivências do bairro, bem como as relações estabelecidas com o local, com seus bens e instituições culturais (ver Anexo 3). Os questionários tiveram caráter qualitativo, com cerca de vinte perguntas. As perguntas foram predominantemente descritivas na intenção de não induzir os entrevistados a respostas pré-estabelecidas e de possibilitar a expressão de suas opiniões com liberdade. Apesar da sistematização das respostas ter sido mais complexa, o material recolhido contribuiu imensamente para uma compreensão mais profunda do bairro, do seu significado para os moradores e para os grupos, do que eles consideram como bens

Parte 3 – A Lapa em percurso 149

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culturais a serem preservados e de como eles observam o processo atual de transformação da região. Por fim, foi feita uma análise da repercussão do Projeto Lapa Legal nas redes sociais e nas mídias, sobretudo virtuais, no sentido de compreender o impacto do projeto num espectro mais abrangente, verificando os movimentos sociais existentes e as diferentes opiniões acerca do tema.

3.1. Entrevistas com instituições da Quadra da Cultura da Lapa As entrevistas foram realizadas com representantes do grupo de teatro Tá Na Rua, do Centro de Teatro do Oprimido (CTO), da Casa Brasil-Nigéria, da Federação de Blocos Afros e Afoxés do Rio de Janeiro (FEBARJ) e da Casa de Cultura Hombu.

3.1.1. Concessão de Uso A partir destas conversas, soubemos que todas as instituições têm passado por um processo de renovação da concessão de uso, realizada a cada dez anos. Todos os representantes destes grupos declararam terem tido dificuldade para manterem os imóveis e pagarem os aluguéis ao Estado. A proibição da cobrança de ingressos e de taxa para alugar os espaços para eventos faz com que suas rendas sejam reduzidas. Segundo Alessandro, do CTO, os grupos propuseram a mudança desta regra à Secretaria Estadual de Cultura, para facilitar a manutenção do imóvel e das atividades realizadas, mas nada ainda foi definido. Até o momento, o Tá Na Rua e o CTO conseguiram a concessão por mais dez anos. A Casa de Cultura Hombu, após diversas reuniões com a Secretaria Estadual de Cultura, não conseguiu renovar a concessão. Segundo Beto Coimbra, representante do grupo, por mais que tenham demonstrado a realização de atividades no local, a Secretaria não considerou as comprovações suficientes e ele devolveu as chaves do imóvel em dezembro de 2012121. Desde então, a casa está vazia, sem a lona que servia de cobertura, o que tem causado grande deterioração do imóvel.

121

Relato de Beto Coimbra, em entrevista realizada em 18 de março de 2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 150

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.77. Imóvel sem a cobertura, após a saída do grupo.

Fig.78. Foto da época da ocupação da casa.

Beto Coimbra demonstrou estar bastante abalado com o fato, pois o grupo, que é focado no teatro infantil, desenvolveu muitas atividades artísticas e educativas no local e relata que se sentiu muito sozinho neste processo, pois não houve uma mobilização dos demais grupos para impedir a retirada da concessão. O imóvel foi reformado com recursos do grupo. Nestas reformas, o telhado original não foi recuperado, mas foi mantida uma lona como cobertura, e a área foi ampliada com o aluguel dos fundos do terreno vizinho, no qual foi construído um teatro. A FEBARJ e a Casa Brasil-Nigéria estão passando pelo mesmo processo de regularização e de aprovação da concessão do uso. A Casa Brasil-Nigéria, que desenvolveu inúmeras atividades, inclusive como incubadora de empresas, sofreu um incêndio em 2010 e, desde então, foi obrigada a desocupar o imóvel por ordem da Defesa Civil. Somente após inspeção do engenheiro da Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (EMOP), em 2012, é que foi permitida a sua reocupação. Por não terem reformado o telhado e retomado as atividades durante estes dois anos, a Secretaria Estadual de Cultura ameaçou retirar a concessão do uso da Casa Brasil-Nigéria.

Parte 3 – A Lapa em percurso 151

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Fig.79. Imóvel ocupado pela Casa Brasil-Nigéria, três anos após o incêndio, ainda sem a cobertura, 2013.

Segundo Paulo Cesar, da FEBARJ, a Secretaria argumentou que as atividades da instituição não eram relevantes o suficiente para terem um imóvel na Lapa. Ele complementa que a Secretaria exigia que eles realizassem atividades tanto noturnas quanto diurnas. Até então, as atividades da Federação eram realizadas principalmente à noite, já que seus membros trabalham ou estudam durante o dia. Catarina, da Casa Brasil-Nigéria, relata que a Secretaria não foi sensível em relação a todo o trabalho desempenhado durante anos e que só foi interrompido por uma fatalidade. Sobre essa questão, Paulo Cesar argumenta: “Só que a gente está com essa casa desde 1990. Nós que trouxemos esse movimento pra Lapa, o que você vê na Lapa hoje nasceu dali”122. Paulo Cesar especula que este processo está atrelado à valorização imobiliária da Lapa e ao marketing cultural desenvolvido ali, que faz com que a Secretaria esteja mais disposta a conceder estes imóveis a instituições culturais de maior visibilidade.

122

Relato de Paulo Cesar Xavier, em 21 de fevereiro de 2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 152

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A ameaça da perda da concessão de uso destas instituições provocou uma mobilização social, realizada através de abaixo-assinado e de campanhas em redes sociais. O movimento fez com que estas duas instituições tivessem o direito de se adequarem para renovarem a concessão do imóvel. Tanto a FEBARJ quanto a Casa Brasil-Nigéria, fizeram um relatório com as atividades propostas para este ano, que incluem oficinas de dança, artesanato, percussão, além dos ensaios de blocos afros e afoxés (no caso da FEBARJ) e da realização de festas de black music e bailes charme. A Casa Brasil-Nigéria, que teve forte atuação na capacitação de jovens e na promoção de cursos, foi muito prejudicada com o incêndio, já que, além de toda a cobertura do edifício ter sido comprometida pelas chamas, a água para apagá-las destruiu os equipamentos, arquivos e materiais da instituição. Com a liberação do imóvel, os membros da instituição puderam limpar e retirar o pouco material que restou do seu arquivo. A recuperação da cobertura está planejada para ser concluída até a metade do ano de 2013. Com isso, as atividades poderão ser retomadas, ainda que o imóvel necessite de outras obras para voltar a ser utilizado plenamente. Segundo eles, durante o período de interdição, as fiações e demais materiais elétricos foram roubados. O imóvel tinha sido completamente reformado com recursos da Nigéria, para implantação da instituição, em meados dos anos 1990, após a concessão de uso do imóvel. O Projeto Distrito Cultural da Lapa, de 2000, beneficiou o imóvel com pintura e reparos no telhado. O presidente da FEBARJ assume que realiza festas com a cobrança de ingressos, o que não seria permitido pelo acordo de concessão de uso, no entanto, ele argumenta que o valor cobrado é popular e que serve apenas para a manutenção do imóvel e de suas atividades.

Parte 3 – A Lapa em percurso 153

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3.1.2. As instituições e a Lapa O Tá Na Rua tem se articulado com outros grupos e com as diferentes esferas de governo no sentido de defender o direito de expressão dos artistas e de manterem suas atividades, tanto em sua sede, como nos espaços públicos da cidade. Desde 2010, quando as primeiras medidas da Secretaria Especial de Ordem Pública (SEOP) repreenderam os artistas de rua, o grupo se mobilizou para defender a chamada Arte Pública e a livre expressão dos artistas. Em 2012, o grupo recebeu o prefeito Eduardo Paes em sua sede, quando este anunciou a retirada do veto à lei que permite a apresentação de artistas de rua nos espaços públicos da cidade, aprovada enquanto Lei Municipal nº5.429, de 05 de junho de 2012. Por esta atuação política e pela história da ocupação da casa do Tá Na Rua na Lapa, já descrita na Parte 2, a relação do grupo com o bairro e com seus espaços públicos é profunda, já que a história do grupo e o teatro que desenvolve se mesclam ao processo de reocupação artística da Lapa. O Centro de Teatro do Oprimido (CTO), fundado por Augusto Boal, começou suas atividades na Lapa em 2004, após a execução das obras de recuperação do imóvel, realizadas durante o Projeto Distrito Cultural da Lapa.

Fig.80. Integrantes do Tá Na Rua montando espetáculo na Praça Cardeal Câmara, 2013.

Parte 3 – A Lapa em percurso 154

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Na entrevista realizada com Alessandro, um dos coringas123 do CTO, se percebe a relevância da Lapa para a instituição. Ele ressalta a diversidade cultural e o espaço democrático como as características mais importantes da Lapa, ao mesmo tempo, considera a questão social dos moradores de rua e usuários de drogas como algo que relaciona a causa do CTO à Lapa. O representante da FEBARJ ressalta que a Lapa é uma região do Centro da cidade que possui forte relação com a cultura negra, juntamente com a Zona Portuária e a região da Praça Onze. Por isso, é relevante para a Federação de Blocos Afros e Afoxés do Rio de Janeiro manter sua sede na região e continuar se apresentando nas ruas da Lapa e do Centro da cidade. Neste sentido, a Casa Brasil-Nigéria, vinculada ao Instituto Palmares de Direitos Humanos (IPDH), também se conecta com a Lapa, por sua relação com cultura negra. Todas as instituições, por terem participado ativamente de todo o processo de reocupação artística e cultural do bairro, estabeleceram um forte vinculo com o local e se sentem responsáveis pela valorização da área. O grupo de teatro Tá Na Rua e a FEBARJ são as instituições que mais realizam atividades nos espaços públicos da Lapa. O Tá Na Rua se apresenta frequentemente na Praça Cardeal Câmara e os blocos afros e afoxés, pertencentes à FEBARJ, se apresentam nas ruas da Lapa durante o Carnaval.

3.1.3. Opiniões sobre o Projeto Lapa Legal Por este envolvimento com o bairro, as opiniões sobre o Projeto Lapa Legal são severas e críticas. Todos eles consideraram que as medidas e obras implantadas foram mais direcionadas aos locais que concentram empreendimentos comerciais e casas de shows. Também foram unanimes sobre a reforma da Praça Cardeal Câmara, criticando a falta de qualquer mobiliário para o descanso e a permanência das pessoas. Eles consideraram que a

123

Termo criado por Augusto Boal para os atores e membros do CTO, que foi aprimorado ao longo dos anos e significa que estas pessoas desenvolvem várias funções, tais como, ator, diretor, palestrante, ministrador de oficinas, dentre outros. Parte 3 – A Lapa em percurso 155

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prefeitura quis evitar a permanência de moradores de rua no local e complementaram que estas medidas não foram eficazes, já que não é a retirada de mobiliário que evitará a presença de moradores de rua no bairro. Alessandro, do CTO, relata que, durante a execução das obras do Projeto Lapa Legal, o número de moradores de rua diminuiu muito, no entanto, alguns meses após a conclusão das obras na Praça Cardeal Câmara, este número tem aumentado bastante. Licko Turle e Amir Haddad, do Tá Na Rua, não aprovaram a retirada do anfiteatro da Praça Cardeal Câmara. A praça, segundo eles, foi reformada para a realização de grandes espetáculos e passou a ser apenas um local de passagem. Neste sentido, a vida ‘popular’ do bairro, como Amir chama, não foi priorizada. Os representantes de todas as instituições apontam a segurança como uma das questões mais criticas do bairro, uma vez que quase todas as casas foram assaltadas nos últimos anos. Em 2012, os grupos colocaram faixas nas varandas dos imóveis manifestando a indignação em relação à falta de segurança. Paulo Cesar, da FEBARJ, coloca que há pouco policiamento da área. A segurança é reforçada apenas nas noites dos finais de semana, mas ela é insuficiente nos demais dias, quando não há tanta frequência de pessoas e as calçadas e ruas se tornam ermas.

Fig.81. Faixa de protesto contra a falta de segurança na Casa Brasil-Nigéria.

Parte 3 – A Lapa em percurso 156

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Fig.82. Faixa de protesto contra a falta de segurança no CTO.

Sobre o processo de recuperação da Lapa, por meio do Projeto Lapa Legal, Amir e Licko consideram que as intervenções estão produzindo uma Lapa diferente da idealizada por eles na época da ocupação da casa. Eles consideram que o bairro perdeu identidade, por não produzir mais cultura, pelo fato das intervenções da prefeitura valorizarem o comércio formado pelos bares e casas de shows, voltados para o turismo e para a classe media e alta da cidade. “A Lapa não produz mais saber, ela virou estéril. Ela produz bares, cadeiras, mesas, chope... O bairro se descaracterizou. A vida popular do bairro que era a ideia original não vingou”124. Alessandro ressalta que os moradores e as pessoas que trabalham no bairro devem ser valorizados. “Não só revitalizar para festas, eventos e afins, é importante revitalizar para dar vida para quem já mora aqui, já vive aqui”125. Ainda sobre a cultura e a arte, tanto Amir e Licko do Tá Na Rua, quanto Paulo Cesar, da FEBARJ, ressaltam a dificuldade em ‘fazer’ cultura na Lapa, mas também demonstram determinação em continuar atuando e em melhorar as condições dos artistas. “Os grupos que apareceram (que tentaram fazer teatro, disse Licko) não conseguiram”126.

124

Relato de Amir Haddad, em 19 de novembro de 2012.

125

Relato de Alessandro, do Centro de Teatro do Oprimido (CTO), em 11 de janeiro de 2013.

126

Relato de Licko Turle, em 19 de novembro de 2012. Parte 3 – A Lapa em percurso 157

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

“A gente não desanima, se não a cultura acaba”127. “[O Projeto Lapa Legal] nos ajudou a refletir sobre tudo isso, o que a gente tá fazendo aqui hoje é uma discussão profunda que esse espaço, essa praça, que essa cidade gerou”128.

3.2. Questionários aplicados às demais instituições culturais, grupos artísticos e moradores Os grupos artísticos e culturais identificados no mapa – item 2.2 – foram contatados para responderem os questionários e participarem da pesquisa, no entanto, não foi possível fazer com que todos eles respondessem. Foram ouvidos moradores de vários pontos do bairro, no entanto, 75% deles vivem próximo ao Bairro de Fátima, área mais residencial da Lapa. As sedes das instituições e grupos artísticos e culturais se localizam na Rua da Lapa e no entorno dos Arcos. Dos grupos culturais entrevistados, 73% possuem sede na Lapa há mais de 10 anos. Já 42% dos moradores está na Lapa há mais de 5 anos. Nas entrevistas com os grupos e instituições culturais, as respostas continham um caráter poético e simbólico, por outro lado, as críticas ao Projeto Lapa Legal foram mais severas e direcionadas às políticas culturais da cidade.

Pretende manter sede na Lapa? 8% 1 2

92%

Gráfico01. Respostas de instituições. Legenda: 1-Sim; 2-Não.

127

Relato de Paulo Cesar Xavier, no dia 21 de fevereiro de 2013.

128

Relato de Licko Turle sobre as obras do Projeto Lapa Legal e sobre as políticas de ordem pública da prefeitura, em 19 de novembro de 2012. Parte 3 – A Lapa em percurso 158

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Gosta de morar na Lapa?

42% 1

58%

2

Gráfico02. Respostas de moradores. Legenda: 1-Sim; 2-Não.

3.2.1. Pontos positivos e negativos do bairro Um pouco mais da metade dos moradores, cerca de 58% deles, e 92% dos grupos culturais relataram gostar do bairro e que pretendem permanecer no local. Os motivos mais citados foram a centralidade e a facilidade de locomoção. Mesmo aqueles que não gostam de morar na Lapa, gostam da localização do bairro por estes motivos. Estes foram os pontos positivos mais citados na pesquisa. Outros pontos citados foram o comércio, o caráter histórico e cultural do bairro, o custo de vida mais barato, se comparado à Zona Sul, a proximidade de teatros e de outros locais que abrigam diferentes tipos de arte. A diversidade cultural e a multiplicidade da Lapa foram outros pontos destacados. Um dos grupos apontou o caos e a ”biodiversidade” como pontos positivos da Lapa. Outro grupo relatou que a diversidade de públicos é positiva pois possibilita a realização de diferentes projetos no local. Os pontos negativos do bairro tiveram uma descrição mais detalhada e abordaram mais questões. Dentre eles, os mais destacados foram a falta de limpeza, inclusive após grandes eventos, a falta de segurança, o sistema de saneamento básico ineficiente, bem como os problemas sociais presentes na região, dentre eles os moradores de rua e usuários de drogas. Foram citados também: a poluição sonora, a falta de áreas verdes, a falta de lazer infantil, o abandono e o descaso por conta do poder público.

Parte 3 – A Lapa em percurso 159

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Pontos Positivos 4%

13%

25%

1 2

16%

3 4 5 5% 2%

6

24%

7

2%

8

9%

9

Gráfico03. Respostas de moradores e instituições. Legenda: 1-Centralidade; 2-Fácil Acesso e Locomoção; 3-Bairro histórico, cultural e artístico; 4-Custo de vida mais barato; 5-Caos; 6-Bom comércio; 7-Oferta cultural; 8-Diversidade social; 9-Boemia.

Pontos Negativos 1

6%

8%

2

19%

3

4%

4

3%

1% 4%

10%

3%

5 6 7

3%

8 9% 13%

9 10

3%

8%

1%

5%

11 12 13 14 15 16

Gráfico04. Respostas de moradores e instituições. Legenda: 1-Sujeira; 2-Infraestrutura urbana e saneamento básico ineficientes; 3- Presença de moradores de rua; 4-Venda e consumo de drogas; 5-Excesso de pessoas; 6-Poluição sonora; 7-Poluição do ar; 8Falta de segurança; 9-Valorização imobiliária; 10-Má conservação de calçamento e vias; 11-Poucas áreas verdes; 12-Poucas áreas de lazer infantil; 13-Comércio de base incipiente; 14-Crescimento do comércio; 15-Descuido do poder público; 16-Pouca educação e conscientização da população.

Parte 3 – A Lapa em percurso 160

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Outro ponto ressaltado, sobretudo pelos moradores, foi a falta de educação de outros moradores e frequentadores do bairro, já que eles contribuem para a sujeira constante nas ruas e calçadas da região. Algumas instituições culturais apontaram que, apesar de gostarem de terem a sede na Lapa, elas poderiam ser transferidas para outros locais, caso a especulação imobiliária inviabilizasse a manutenção do espaço ou caso conseguissem um espaço através de uma concessão de uso com o Estado ou com a prefeitura.

3.2.2. Relação entre instituições culturais, moradores e a Lapa Nas entrevistas realizadas com os grupos e instituições para a aplicação do questionário, eles relataram suas histórias sobre como vieram para a Lapa e sobre como era o local quando instalaram suas sedes. Os grupos que estão na Lapa há mais de 10 anos relataram que o bairro era escuro, ermo, perigoso e que o comércio era muito diferente do que é hoje. Um dos representantes considerou que a Lapa já teve um momento ótimo, entre 2004 e 2010, quando havia casas de shows com programações mais alternativas e não tão comerciais e quando a Lapa já estava movimentada, mas não estava tão tumultuada como considera atualmente. Outra moradora relatou que frequentava mais a Lapa entre 1997 e 2000, quando havia mais diversidade de atrações. No questionário para as instituições culturais, foi perguntado se eles realizavam atividades nos espaços públicos da Lapa, qual era a frequência destas atividades e se as atividades que desenvolviam na sede atingiam os moradores locais. 75% dos grupos afirmaram já terem realizado ações nos espaços públicos da Lapa, no entanto, o Tá Na Rua, o Rio Maracatu o grupo Bando Filhotes de Leão, da Casa Gira-Mundo, e o Espaço Panorama são as que realizam com mais assiduidade. 25% dos grupos afirmaram realizar mais de duas apresentações por ano, chegando a apresentações mensais ou até semanais em determinados períodos, enquanto 33% dos grupos relatou que realiza ações anualmente e 17% deles realiza ações eventuais no bairro.

Parte 3 – A Lapa em percurso 161

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

O Rio Maracatu relatou, no entanto, que a frequência destas ações nos espaços públicos diminuiu após a implantação do Choque de Ordem, já que os Guardas Municipais alegaram que as apresentações do grupo na Lapa provocariam tumultos. “Em toda a nossa história, todas as nossas saídas, tanto durante o ano, como no Carnaval, nunca tivemos um incidente de violência ou tumulto, pelo ao contrário, sempre emocionamos e alegramos as pessoas”129. O grupo Bando Filhotes de Leão, que administra a Casa Gira-Mundo, surpreendeu pelo trabalho que desenvolve com a comunidade local. O grupo relatou que realizou um trabalho chamado “Beco do Bandeira” na Rua Moraes e Vale, onde Manoel Bandeira morou, colocando placas com trechos do poema que fala do local. Os moradores participaram da intervenção, ajudando a colocar as placas, perguntando sobre o trabalho e indicando locais para porem as placas. As placas tiveram uma condição de status para aqueles que deixaram que elas fossem colocadas em suas casas, ainda mais se considerarmos que grande parte das pessoas que moram nesta rua possuem condições de vida bastante precárias, em que muitas ocupam os imóveis irregularmente.

Fig.83. Imagem da intervenção “Beco do Bandeira”, realizada pelo grupo Bando Filhotes de Leão.

129

Relato do representante do Rio Maracatu, em março de 2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 162

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Além disso, o grupo, que ganhou o edital Ponto de Cultura em 2013, desenvolve atividades voltadas para a comunidade local, com oficinas, cineclubes e contação de histórias, através da rede de contatos que tem desenvolvido com moradores e com escolas do entorno. Há poucos meses do fechamento desta pesquisa, o grupo organizador do Festival Panorama de Dança inaugurou sua videoteca em sua sede na Rua da Lapa. A partir do momento que inauguraram a videoteca, passaram a realizar periodicamente mostras de vídeos na nova praça em frente à sede. A atividade atrai crianças e adultos, moradores locais, passantes, além das pessoas que vão especificamente para o evento. Apesar de outros grupos não saberem responder se as atividades que desenvolvem nas suas sedes atingiam os moradores diretamente, 42% dos moradores entrevistados demonstrou usufruir de alguma atividade cultural do bairro e 42% relatou frequentar as sedes dos grupos e das instituições culturais. Alguns moradores consideraram os centros culturais de outras regiões do Centro da cidade como integrantes da região da Lapa abordada no questionário. Nas respostas, percebe-se que a Lapa ainda parece estar sendo considerada pelos moradores como uma região do bairro Centro, mesmo já sendo declarada como bairro há menos de um ano. A diversidade cultural e a cultura acessível foram destacadas pelos moradores como fatores positivos do bairro, o que pode influenciar na frequência com a qual eles vão à Lapa nos momentos de lazer. 45% dos moradores entrevistados relatou que frequenta a Lapa mais de uma vez por semana e 17% ao menos uma vez por semana, 8% frequenta eventualmente, restando 33% que não frequenta a região nos momentos de lazer. Dos moradores entrevistados, 42% admitiu não gostar de morar na Lapa, tendo em vista os pontos negativos citados, como a sujeira, a insegurança, a poluição sonora, dentre outros fatores. Dois moradores relataram não gostar da Lapa pelo fato do local não oferecer opções de lazer diurno, sobretudo para crianças. Um morador relatou que frequentava o bairro e chegou a gostar de morar no local, no entanto, os pontos negativos fizeram com que deixasse de gostar da Lapa. Alguns moradores colocaram que têm a sensação de que as pessoas vão para a Lapa para “fazerem Parte 3 – A Lapa em percurso 163

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

o que não fazem” em outros locais, se referindo ao lixo jogado nas ruas, ao consumo de drogas, ao barulho excessivo, dentre outros fatores.

Usufrui das atividades culturais da Lapa?

42% 1

58%

2

Gráfico05. Respostas de moradores. Legenda:1-Sim; 2-Não.

Frequenta as instituições culturais da Lapa?

42% 1

58%

2

Gráfico06. Respostas de moradores. Legenda:1-Sim; 2-Não.

Frequenta a Lapa nos momentos de lazer?

33% 1

67%

2

Gráfico07. Respostas de moradores. Legenda:1-Sim; 2-Não.

Parte 3 – A Lapa em percurso 164

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Qual frequência? 1 33%

42%

2 3

0%

17%

4

8%

5 6

Gráfico08. Respostas de moradores. Legenda:1-Mais de uma vez na semana; 2-Eventualmente; 3-Uma vez por semana; 4-Não respondido; 5-Não sabe; 6-Não se aplica.

Os grupos culturais demonstraram que, apesar de gostarem de terem suas sedes na Lapa, o fazer artístico não está necessariamente relacionado à região. Ainda assim, muitos deles se sentem parte do processo de reocupação artística e cultural da Lapa e possuem uma relação bastante profunda com o bairro. “A minha relação... a minha, não só a do Centro Afro-Carioca, como a de Biza Vianna, com a Lapa é uma relação de amor...”130 A representante do Centro Afro-Carioca de Cinema relatou que já realizou mostras de filmes nos Arcos da Lapa e demonstrou interesse em poder ocupar as novas praças criadas na Rua da Lapa com atividades da instituição, apesar de lamentar que as instituições não são ouvidas pelo poder público nos momentos de transformação do bairro. O representante da Armazém Companhia de Teatro considera que a Fundição Progresso seria o retrato da Lapa e que a companhia, ao longo dos anos, estabeleceu uma relação com o espaço, se tornando parte da identidade do grupo. Foi perguntado para os grupos e instituições se eles mantinham contato com outros grupos da região, se eles realizavam atividades em parceria ou se defendiam interesses comuns. Apesar de 92% dos grupos ter afirmado que mantém contato com outros grupos, 42% deles afirmou que o contato é eventual e que ocorre quando realizam espetáculos e eventos. Um 130

Relato de Biza Vianna, representante do Centro Afro-Carioca de Cinema, em 09 de março de 2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 165

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

representante relatou que, apesar de já terem feito atividades em parceria com outros grupos, a mobilização dos grupos por interesses comuns não ocorre com frequência. Ele complementou afirmando que o contato e a mobilização ocorrem principalmente quando há questões graves, que possam afetar os grupos de modo geral. Ainda assim, muitos grupos afirmaram terem realizado atividades com o grupo Tá Na Rua e citaram este grupo, sobretudo seu diretor, Amir Haddad, como um forte mobilizador em prol dos interesses dos artistas. Os integrantes do grupo Bando Filhotes de Leão relatou que já participou de atividades promovidas pelo Teatro de Anônimo. Já o representante do Espaço Panorama relatou que diversos grupos e produtoras culturais locais estão criando o ‘Da Glória à Lapa’, onde pretendem realizar um evento para abrir suas sedes e realizar atividades gratuitas, como espetáculos, apresentações musicais, dentre outras ações. Este projeto ainda inclui a criação de uma espécie de “banco” para financiarem projetos destes grupos, captando recursos em parceria e realizando “empréstimos” para os grupos que forem produzir e realizar espetáculos e eventos.

Frequência das atividades nos espaços públicos da Lapa 1 25% 0%

33%

25%

2 17%

3 4 5 6

Grafico09. Respostas de instituições. Legenda:1-Mais de duas vezes por ano; 2-Eventualmente; 3-Ao menos uma vez por ano; 4-Não respondido; 5-Não sabe; 6-Não se aplica.

Parte 3 – A Lapa em percurso 166

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Mantêm relações com outros grupos locais? 0%

1 42%

50%

2 3

8%

4 5 6

Grafico10. Respostas de instituições. Legenda:1-Sim, frequentemente; 2-Não; 3-Sim, eventualmente; 4-Não respondido; 5-Não sabe; 6-Não se aplica.

3.2.3. O Projeto Lapa Legal Surpreendentemente, tanto moradores quanto as instituições culturais demonstraram não conhecerem a profundamente o Projeto Lapa Legal. Muitos moradores que conheciam o projeto, afirmaram que nenhuma ação foi realizada na proximidade de suas residências. Já alguns moradores e representantes de instituições culturais que tiveram obras do Projeto Lapa Legal no entorno de suas casas e sedes, mas que não conheciam bem o projeto, chegaram a dizer que não houve nenhuma obra. Ainda assim, moradores e instituições culturais ressaltaram que o Projeto Lapa Legal parece uma iniciativa mais voltada para atender às necessidades dos comerciantes e para valorizar o turismo do que para melhorar a qualidade de vida dos moradores e preservar a ambiência cultural da Lapa. Dois moradores relataram que o projeto foi feito para atraírem turistas e frequentadores nos finais de semana, o que provocou o aumento de moradores de rua, da violência e do lixo no bairro. Um deles afirmou que, apesar de considerar o projeto bom, ele não é suficiente para a quantidade de frequentadores que atrai para a região. Alguns moradores trataram as ações realizadas pela prefeitura como uma “maquiagem”, como intervenções que “dão a sensação de segurança, de ordem, de limpeza, mas que não resolvem os problemas do bairro”. Parte 3 – A Lapa em percurso 167

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Já o representante de um dos grupos artísticos entrevistados chamou o projeto de Lapa “ilegal”, pois condiciona as pessoas a irem para a ilegalidade, se referindo sobretudo à questão dos ambulantes. Ele colocou que a repressão da prefeitura ao ambulantes, através do choque de ordem, seria uma ação para favorecer os comerciantes locais, que se sentiam ameaçados pelo comércio nas ruas. A hipótese dos comerciantes seria que as pessoas deixavam de frequentar os bares para ficar nas ruas e praças, comprando com os ambulantes131. No entanto, o representante relatou que os frequentadores dos bares têm um perfil diferente dos frequentadores das ruas e praças. Ele também comentou que a prefeitura retirou o ambulante através do argumento de que este ocupava as calçadas, mas permitiu que os bares ocupassem as mesmas calçadas com mesas. Dentre as qualidades do Projeto Lapa Legal, foram destacados o ordenamento do trânsito e dos veículos, a melhoria da segurança e da limpeza, apesar de muitos entrevistados não considerarem que as medidas implantadas até o momento fossem suficientes. Um dos grupos ressaltou que a implantação das praças na Rua da Lapa fez com que as crianças do bairro passassem a frequentar o local, o que foi interessante para conceber atividades para esse público infantil. Dentre as melhorias que o bairro necessita, o saneamento básico, a segurança e a limpeza pública uniforme e eficaz foram as mais reivindicadas, tanto pelos moradores quanto pelas instituições culturais. Uma moradora mencionou a necessidade de uma campanha de conscientização dos frequentadores da Lapa para manterem o local limpo, além de um diálogo permanente com os moradores para a tomada de decisões. Um dos moradores também comentou que as obras do Projeto Lapa Legal não serão suficientes, se as pessoas não cuidarem do local.

131

Ver matéria publicada no Jornal O Globo, no dia 14 de março de 2013, sobre a reabertura das ruas, cuja justificativa é a reinvindicação de comerciantes, que alegavam que os ambulantes reduziam o movimento dos bares, além da reinvindicação de moradores. Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/ruas-da-lapa-deixarao-de-ser-fechadas-nos-fins-de-semana-7837432, acessado em 30/05/2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 168

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As intervenções atenderam às demandas? 0% 4%

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Gráfico11. Respostas de moradores e instituições. Legenda: 1-Sim; 2-Não; 3-Parcialmente; 4-Não respondido; 5-Não sabe; 6Não se aplica.

O representante de um dos grupos acrescentou que o choque de ordem não dá conta dos problemas da Lapa, nem conterá a desordem e o caos que a Lapa é, mas acrescentou que, para ordenar a Lapa, é necessário que este ordenamento seja feito a partir da mediação das opiniões das pessoas pelo poder público. Outro representante questionou sobre a tentativa do poder público ordenar um lugar de arte e de cultura como a Lapa. Os grupos também ressaltaram a necessidade de que o poder público crie equipamentos culturais e uma política cultural efetiva, que ordene a ocupação cultural dos espaços públicos, que fomente as manifestações culturais, que apoie as instituições e grupos locais, como forma de garantir a permanência das instituições que fazem parte da ambiência cultural da Lapa. Além disso, também mencionaram o incentivo do poder público a projetos de caráter sociocultural, no sentido de tratarem os problemas sociais presentes no bairro, como os moradores de rua e usuários de drogas, de forma mais eficaz.

3.2.4. A ambiência e os bens culturais da Lapa Foi perguntado aos moradores e aos representantes dos grupos culturais sobre o que eles consideravam característico e simbólico da ambiência da Lapa e quais seriam os bens culturais mais significativos do bairro.

Parte 3 – A Lapa em percurso 169

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Muitas características da ambiência da Lapa também foram citadas como importantes bens culturais, tais como a boemia e a diversidade cultural, ou seja, os aspectos imateriais que caracterizam a ambiência do bairro foram considerados como parte do patrimônio cultural da Lapa. Outros aspectos levantados como característicos da ambiência da região foram a cultura carioca, a “biodiversidade”, a mistura de locais e de usos. Um representante trouxe o uso da rua pelas pessoas como uma característica marcante da Lapa, se referindo sobretudo, ao fato dos moradores se sentarem e ficarem nas ruas de suas casas, conversando, e o contraste desta ambiência com as demais atividades que a Lapa abriga. Dentre os bens culturais, foram citados os Arcos da Lapa, o, até então, extinto bondinho132, o conjunto de casarios, a música, a capoeira, a culinária carioca e a socialização das diversas “tribos”. O representantes de um dos grupos artísticos ressaltou que a Lapa estava muito relacionada à cultura carioca e brasileira, inclusive sendo muito característica da ambiência retratada na literatura de Nelson Rodrigues e na música de Chico Buarque. “A Lapa é o reduto do espírito carioca e brasileiro, do samba, e do malandro... Nelson Rodrigues e Chico Buarque retratavam essa ambiência da Lapa. (...) Na Lapa, você tem a sensação de estar seguro e inseguro ao mesmo tempo”133. Outra representante relatou que a Lapa “é a criatividade, ela é a perspectiva do voo... a Lapa exprime vitalidade, apesar de ser velha”134. Um dos moradores considera que “a imagem da Lapa é historicamente deturpada”, afirmando, que ainda assim, “a imagem atual, para qualquer morador ou não morador, é a de um bairro perigoso e com forte presença de prostituição”. Este morador não citou nenhuma característica que considerasse simbólica do bairro.

132

O bonde de Santa Teresa foi desativado após o acidente ocorrido em 27 de janeiro de 2011, no qual 6 pessoas morreram e está em processo de modernização.

133

Relato do representante do Armazém Companhia de Teatro, em março de 2013.

134

Relato de Biza Vianna, representante do Centro Afro-Carioca de Cinema, em 09 de março de 2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 170

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O que considera simbólico e característico da ambiência da Lapa?

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Gráfico12. Respostas de moradores e instituições. Legenda: 1-Convivência de diferentes tribos; 2-Diversidade cultural; 3Diversidade de usos; 4-Diversidade social; 5-Caráter histórico, artístico e cultural; 6-Vitalidade; 7-Boemia; 8-Casarios; 9Espontaneidade; 10-Mau cheiro; 11-Movimento constante; 12-Arcos da Lapa; 13-O uso da rua pelas pessoas.

Quais são os bens culturais mais significativos da Lapa?

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Gráfico13. Respostas de moradores e instituições. Legenda: 1-Arquitetura e urbanismo tradicional; 2-Carater histórico; 3Carater musical; 4-Arcos da Lapa; 5-Bondinho; 6-Diversidade Cultural; 7-Convivência de diferentes tribos; 8-Bares tradicionais; 9-Casas de sinuca; 10-Casas de shows e de atividades culturais; 11-Culinária carioca; 12-Cultura afrodescendentes; 13-Abriga expressões artísticas;14-Escadaria Selarón.

Parte 3 – A Lapa em percurso 171

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Quando perguntamos se consideravam que os bens culturais da Lapa estavam sendo preservados, tantos os moradores quanto as instituições culturais exprimiram opiniões bem diversas. Enquanto alguns grupos foram bastante severos e responderam que os bens culturais não estavam sendo preservados, poucos moradores consideraram que estavam sendo preservados e o restante se dividiu entre considerar que estavam sendo parcialmente preservados e que não estavam sendo preservados. Aqueles que consideraram que os bens estão sendo parcialmente ou que não estão sendo preservados indicaram que existem muitas edificações degradadas, que não há um olhar institucional para a preservação dos bens culturais. O representante de um dos grupos sugeriu que o bairro deveria ter um Museu da Lapa. Foi colocado também que a Lapa é um local onde as pessoas se sentem à vontade para serem desordeiros, o que prejudica a preservação dos bens culturais e que isto tem degradado os espaços públicos do bairro. Quando as instituições foram perguntadas se o marketing cultural realizado pelos empreendedores e pela própria prefeitura as beneficiava, 59% considerou que não são beneficiados e 33% considerou que são parcialmente beneficiados por estas ações. Um dos grupos mencionou que considera uma ação perversa, já que estas ações provocam a especulação imobiliária e o processo de gentrificação na região. Um morador relatou que a Lapa aparenta estar sendo privatizada, pois as atividades culturais acontecem cada vez mais nos espaços fechados e menos nos espaços públicos. Um representante relatou que o único benefício foi “a desmistificação da Lapa enquanto um lugar perigoso para os moradores da Zona Sul e para os turistas”. Outro representante colocou que, ainda que os bens culturais não estejam sendo preservados, “a resistência dos grupos e artistas é grande” 135 , considerando as atividades destes grupos como parte do patrimônio a ser preservado na Lapa. Outro representante trouxe uma opinião, talvez, otimista em relação ao bairro. Ele acredita que este processo não prejudicará a ambiência nem os bens culturais da Lapa, pois afirma

135

Relato do representante do Rio Maracatu, em março de 2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 172

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

que a Lapa passa continuamente por um processo antropofágico, ou seja, que ela se autorregula, mantendo o caos que a caracteriza, independentemente das tentativas de ordem. Esta opinião pode ser interpretada a favor do processo de gentrificação da Lapa, no entanto, pensamos que o sentido foi o de que haverá resistência da população para impedir ou diminuir este processo.

A memória coletiva e o patrimônio cultural estão sendo preservados? 0% 4%

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4 5 6 Gráfico14. Respostas de moradores e instituições. Legenda: 1-Sim; 2-Não; 3-Parcialmente; 4-Não respondido; 5-Não sabe; 6Não se aplica.

Grupos são beneficiados pelo marketing cultural da Lapa? 0% 33%

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Gráfico15. Respostas de instituições. Legenda: 1-Sim; 2-Não; 3-Parcialmente; 4-Não respondido; 5-Não sabe; 6-Não se aplica.

Parte 3 – A Lapa em percurso 173

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

3.3. Movimentos nas redes sociais e nas mídias Algumas medidas do Projeto Lapa Legal trouxeram polêmica e mobilizaram a população frequentadora e moradora da Lapa. As redes sociais têm auxiliado na formação e na divulgação de ações populares no bairro. No Facebook, há o perfil ‘Eles Não Amam a Lapa’, no qual os moradores denunciam infrações e irregularidades no bairro, além de organizarem movimentos de reivindicação e conscientização. Neste perfil, são denunciados desde pontos irregulares de taxis, a infrações da lei do silêncio e comerciantes locais que ocupam irregularmente as ruas. Todos os dias, diferentes irregularidades são denunciadas no perfil. A sujeira, o ruído excessivo após as 22 horas, a deficiência da infraestrutura pública (falta de bueiros, pontos de alagamento e de afluência de esgoto, etc) e o comércio irregular são as irregularidades mais denunciadas. Ao conversar com as fundadoras do perfil, elas relataram que presenciam muitas irregularidades todos os dias e que entram em contato frequentemente com a Subprefeitura do Centro e Centro Histórico para que os serviços públicos melhorem. Elas afirmam que a limpeza melhorou muito desde que começaram a reivindicar nas redes sociais e junto ao poder público. Elas fiscalizam a limpeza do bairro, chegando inclusive a denunciar um gari que lavava as calçadas somente dos donos dos bares e restaurantes que pagavam propina. Após denúncia, o gari foi afastado.

Fig.84. Movimento ‘Eles Não Amam a Lapa’, em prol da limpeza do bairro, 2013.

Parte 3 – A Lapa em percurso 174

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Elas relataram que os diversos pontos de afluência de esgoto se deve ao fato dos bares e restaurantes não adequarem as instalações de esgotamento sanitário dos imóveis que possuem mais de cem anos ou por não limparem as caixas de gordura periodicamente. Diversos tipos de criminalidade foram relatados, como venda de drogas, jovens que assaltam em grupo, em bicicleta e em moto, além de um grupo de mulheres que assalta também em grupo. A Guarda Municipal, segundo o que relataram, não tem poder para combater estes crimes. Segundo a conversa que elas tiveram com guardas municipais, eles não podem deixar o posto onde estão, impedindo a ação no combate a estes crimes. “A Guarda Municipal é obrigada a defender e preservar o posto onde estão, mas não as pessoas do bairro!”136 Além de um local de denúncia, o perfil também serve para organizar mobilizações sociais em prol de melhorias para o bairro. Dentre elas, estão a “malhação do judas” no sábado de Aleluia137, na qual bonecos chamados de “Lixudas” foram colocados em frente aos locais onde o lixo é depositado irregularmente, e o “Mutirão de manifesto e conscientização Lapa Limpa”, que procurou limpar as ruas da Lapa, como reivindicação pela melhoria da limpeza do bairro. As fundadoras do perfil recentemente criaram um coral e estão em busca de um regente para conduzir seus ensaios. O que era apenas uma manifestação em favor dos direitos e deveres dos moradores da Lapa, está se tornando também uma manifestação cultural. Ao entrar em contato através do perfil do Facebook, elas demonstraram a enorme insatisfação com o processo pelo qual o bairro está passando e, ao mesmo tempo, uma poesia e uma motivação para melhorar a qualidade do bairro e conscientizar as pessoas.

136

Relato de moradora e uma das principais participantes do perfil Eles Não Amam a Lapa.

137

Matéria publicada no jornal O Dia, no dia 30 de março de 2013. Disponível em: http://odia.ig.com.br/portal/rio/abandono-da-lapa-vira-tema-de-judas-no-sábado-de-aleluia1.566411, acessado em 30/05/2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 175

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

“A Lapa é um mentira mal contada e descoberta antes do prazo previsto para que toda a maquiagem saísse. Jogaram um pó-dearroz sobre as manchas de sua pele, mas sua feiura é intrínseca e sai pelos poros. Sofremos aqui desse processo moderno chamado de gentrificação. O bairro é pobre, sujo, cheio de esgoto, lixo e miséria social produzida por essa onda que tenta levar os menos favorecidos para longe do centro. É triste lutar para ter um bairro que não corresponde (e por anos não poderá fazê-lo) ao que é vendido pela mídia e pela especulação imobiliária”138. As organizadoras do movimento relataram que possuem projetos para a realização de oficinas de percussão com a confecção de instrumentos a partir de lixo reciclado e a alfabetização de adultos, com aulas de cidadania e reciclagem. Neste sentido, apesar das críticas aos moradores, aos frequentadores e aos empresários que infringem as leis e prejudicam a qualidade de vida do bairro, o movimento dedica uma enorme energia em promover a conscientização e a melhoria da qualidade de vida das pessoas. As medidas implantadas pela Prefeitura, como no caso da reabertura das ruas da Lapa, foram alvo de protestos e de movimentos organizados através das redes sociais. Neste caso, manifestações e debates foram organizados e divulgados no Facebook e as pessoas manifestaram suas opiniões, debateram sobre diferentes problemas que ocorrem na região e trouxeram sugestões para a melhoria da qualidade de vida do bairro. As redes sociais também colaboraram para a permanência da FEBARJ e da Casa BrasilNigéria nos imóveis cedidos pelo Estado, através da realização de abaixo-assinados online. Estes movimentos atraem as mídias para divulgarem os problemas da Lapa e para solicitarem respostas do poder público e de providências daqueles que infringem as leis. Além disso, as ações que realizam nos espaços públicos do bairro são tentativas, não só de chamar a atenção para os problemas do bairro, mas principalmente para educar os moradores e frequentadores que contribuem para a má conservação do local.

138

Relato dos fundadores do perfil “Eles Não Amam a Lapa”, em mensagem no Facebook, em 11 de junho de 2013. Parte 3 – A Lapa em percurso 176

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.85. Imagem capturada do perfil ‘Eles Não Amam a Lapa’, 2013.

Fig.86. Imagem capturada do perfil ‘Eles Não Amam a Lapa’, 2013.

Parte 3 – A Lapa em percurso 177

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

4. Análise dos usos dos espaços públicos pós-execução

Fig.87. Mostra de vídeos na praça da Rua da Lapa, 2013.

A partir da avaliação do Projeto Lapa Legal, de sua implantação, das impressões dos moradores, instituições e grupos artísticos e culturais e das repercussões do projeto na mídia e nas redes sociais, é possível compreender o impacto das medidas implantadas e das obras realizadas nos usos dos espaços públicos (ver mapa, Fig.88). Vimos no item 2 que as obras na Rua da Lapa e na Avenida Mem de Sá ampliaram e reformaram calçadas, largos e praças. Ainda que seja importante a implantação de áreas de lazer infantil no bairro, a qualidade dos brinquedos colocados e a falta de bancos e de demais mobiliários para a permanência das pessoas reduziram o uso pleno do espaço e fizeram com que as pessoas utilizassem os brinquedos até para se sentarem. O Espaço Panorama passou a utilizar o local para mostras periódicas de vídeos, que estão atraindo moradores, passantes e pessoas de outros bairros. Para o evento, eles fornecem bancos e almofadas. Na Avenida Mem de Sá, áreas públicas foram tratadas enquanto áreas privadas dos estabelecimentos comerciais. Uma das alterações mais surpreendentes foi a colocação de canteiros de jardim e a retirada de bancos de um largo em frente a um bar. O uso deste espaço ficou condicionado ao consumo. O mesmo aconteceu no largo criado entre a Rua Riachuelo e a Avenida Mem de Sá, no qual a permanência das pessoas é condicionada ao consumo no estabelecimento em frente a ele. Parte 3 – A Lapa em percurso 178

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Rua Pedro I

Mapa dos usos dos espaços públicos do Núcleo Histórico Cultural da Lapa

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LEGENDA: Núcleo Histórico Cultural da Lapa Bairro da Lapa Ampliação de estabelecimentos privados Artístico Comércio ambulante Descanso Esportivo Turístico Feira livre

Fig.88

Parte 3 - A Lapa em percurso 179

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.89. Novo largo, entre a Avenida Mem de Sá e a Rua Riachuelo, ocupado por mesas, 2013.

Fig.90. Músicos se apresentando no entorno da Praça João Pessoa, 2012.

Apenas na Praça João Pessoa, no cruzamento da Avenida Mem de Sá com a Rua Gomes Freire, foram colocados bancos que passaram a ser utilizados pelas pessoas, tanto de dia como à noite. Durante a noite, tanto as calçadas como as ruas ficam cheias de pessoas próximas aos bares e ambulantes. Usualmente, ocorrem apresentações musicais no local. Na reforma da Praça Cardeal Câmara, também não foram colocados os bancos planejados no projeto. Ainda assim, apesar de não existirem mobiliários para permanência das pessoas na praça, foi possível perceber que as pessoas sentam-se no chão, nos desníveis entre o piso e os canteiros gramados, para descansarem e conversarem. O uso da praça à noite é intenso, sobretudo no trecho próximo às barracas da Feira Noturna da Lapa. A área mais central foi pouco apropriada pelas pessoas, sobretudo pela falta de mobiliário e pelo fato de ser uma área demasiado aberta, ampla.

Parte 3 – A Lapa em percurso 180

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.91. Pessoas praticando slackline na fita presa às palmeiras da Praça Cardeal Câmara, 2012.

Fig.92. Praticantes de skate e de break dance na Praça Cardeal Câmara, 2012.

Foi verificada também a prática de slackline, utilizando as palmeiras da praça para amarração da fita. A colocação de placas de granito na pavimentação da praça possibilitou a prática de skate e de break dance. A esplanada criada pela demolição do anfiteatro favoreceu a concessão da Praça Cardeal Câmara para a realização de eventos de grande porte, tanto promovidos pela esfera pública, quanto pela esfera privada ou público-privada. Foram registrados inúmeros eventos, na maior parte, de música. Os eventos costumam ser mensais, podendo ser semanais em alguns períodos. A infraestrutura costuma a ser montada cerca de três dias antes da data, fazendo com que o fluxo de pedestres e os usos do espaço público para atividades recreativas sejam prejudicados.

Parte 3 – A Lapa em percurso 181

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.93. Montagem de palco para evento na Praça Cardeal Câmara, 2012.

Fig.94. Montagem de show na Praça Cardeal Câmara, 2012.

A iniciativa de transformar temporariamente a esplanada da praça em um equipamento cultural acessível a todo o público é relevante, no entanto, não colocar mobiliários, impedindo a permanência das pessoas e reduzindo a possibilidade de usos é incompatível com as necessidades dos seus moradores e frequentadores. Em 2012, foram realizadas duas projeções nos Arcos da Lapa. Estas intervenções, de caráter mais artístico, foram realizadas através da técnica de vídeo mapping. A primeira projeção foi promovida pela Eletrobrás e tinha como tema o Rio de Janeiro e a celebração dos 50 anos da empresa. Já a segunda projeção, chamada de “77 milhões de pinturas”, foi elaborada pelo artista Brian Eno, como parte do evento OiR – Outras Ideias para o Rio. O artista participou de uma entrevista no Circo Voador, onde explicou seu processo artístico e respondeu a perguntas do público. Pelo fato de já ter ocorrido uma projeção nos Arcos, a obra de Brian Eno provavelmente teve menos impacto para público em geral. Ainda assim, foi possível

Parte 3 – A Lapa em percurso 182

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

perceber que o caráter da obra de Eno era mais subjetivo, diferente da projeção promovida pela Eletrobrás, que tinha um caráter mais comercial.

Fig.95. Apresentação de projeção nos Arcos da Lapa promovido pela Eletrobrás, 2012.

Fig.96. “77 milhões de pinturas”, de Brian Eno, 2012.

Fig.97. Procissão chegando aos Arcos da Lapa, 2013.

Parte 3 – A Lapa em percurso 183

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Na Sexta-feira Santa, em 2013, foi realizada a encenação do Auto da Paixão de Cristo na Praça Cardeal Câmara, que foi assistida por mais de 4 mil pessoas. O Auto, encenado por atores da Cia. Julieta de Serpa, foi precedido de uma procissão tradicional que saiu da Catedral Metropolitana de São Sebastião. A presença da Catedral Metropolitana na Lapa influencia na manutenção e no porte desta manifestação religiosa. Além das obras realizadas, o fechamento das ruas aos veículos nos finais de semana foi uma medida que ampliou o espaço público e possibilitou novos usos e apropriações pelas pessoas. Músicos, bailarinos e artistas de rua de modo geral passaram a ocupar as ruas para realizarem suas apresentações. Estas apresentações congregavam as pessoas no entorno do artista e, quando eram musicais, formavam uma festa no local onde eram realizadas.

Fig.98. Apresentação de sapateado na Avenida Mem de Sá, 2012.

Fig.99. Apresentação de artista, cover de Amy Winehouse, 2012.

Parte 3 – A Lapa em percurso 184

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.100. Apresentação de artista, cover de Michael Jackson, 2012.

Fig.101. Pessoas dançando ao som de músicos que tocam samba, 2012.

No entanto, em março de 2013, a prefeitura revogou a medida e os veículos voltaram a transitar nas ruas. Apesar de ter sofrido críticas, a medida está sendo mantida. Aparentemente, o número de frequentadores da Lapa foi reduzido, provavelmente porque o retorno dos veículos foi concomitante ao aumento da violência no bairro. Algumas apropriações já se tornaram tradicionais na Lapa, como a Feira Rio Antigo na Rua do Lavradio, que ocorre no primeiro sábado de cada mês. A rua, além de abrigar inúmeras barracas de vendedores de objetos antigos, de artesanatos e de designers, também se torna palco para a apresentação de diversos artistas de rua e de músicos. A ambiência é descontraída e festiva. A rua, que habitualmente possui alguns trechos mais ermos e aparentemente perigosos, fica repleta de barracas, pessoas, arte e música, remetendo a outras feiras que ocorrem em outras cidades do mundo como Buenos Aires e Nova York. Parte 3 – A Lapa em percurso 185

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

As feiras livres também são ocupações temporárias dos espaços públicos que modificam a rotina e os usos do espaço. Na área de estudo, há a feira livre da Rua Conde de Lages, que acontece todas as quintas-feiras. Apesar de ser considerada uma feira do bairro da Glória, a feira de domingo na Rua Augusto Severo também chega às imediações da Lapa. Esta feira é muito frequentada e nela ocorrem, frequentemente, apresentações musicais, rodas de samba e ensaios de blocos. Estes usos e apropriações dos espaços públicos da Lapa são positivos pois promovem qualidade de vida para seus moradores e frequentadores. No entanto, a Lapa convive com outros usos do espaço público que são problemas sociais permanentes no bairro, como a presença dos moradores de rua, dos usuários de drogas e dos vendedores de objetos retirados do lixo. A prefeitura promove um programa de assistência social que recolhe moradores de rua, no entanto a medida não oferece perspectivas de mudança de vida para estas pessoas e elas retornam para as ruas do bairro. A partir do recolhimento de todas estas realidades, memórias, atividades, transformações, permanências e resistências, chegamos às conclusões desta investigação. A prefeitura continua transformando a Lapa, no sentido de torna-la “Legal”, mas o que podemos captar do processo observado até o momento? Como podemos perceber os caminhos por onde a Lapa caminha?

Fig.102. Músicos tocando na Feira do Lavradio, 2013.

Parte 3 – A Lapa em percurso 186

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Rua Pedro I

Mapa dos usos das edificações do Núcleo Histórico Cultural da Lapa

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LEGENDA: Núcleo Histórico Cultural da Lapa Bairro da Lapa Agências bancárias Associações, sindicatos e clubes Bar e Restaurante Casas noturnas e de shows Comercial Depósito de bebidas Escolas e creches Estacionamento Farmácias Hospitais e clínicas Hotelaria Imóveis abandonados ou sub-utilizados

Instituições Culturais Instituições religiosas Instituições públicas Lanchonetes, padarias e mercados Misto Museus Não identificado Polícia Residencial Postos de Gasolina Serviços Sala de Concerto Universidade Fig. 103

Parte 3 - A Lapa em percurso 187

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Rua Pedro I

Mapa dos bens culturais do Núcleo Histórico Cultural da Lapa

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LEGENDA: Núcleo Histórico Cultural da Lapa Bairro da Lapa Bens Tombados Nacionais Arcos da Lapa Igreja N. Sra. da Lapa do Desterro Bens Tombados Estaduais Sala Cecília Meirelles Fundição Progresso Área de Preservação Municipal (APAC)

Bens Tombados Municipais Escola Municipal Deodoro Escola de Música da U.F.R.J. Hospital da Ordem do Carmo Clube Democráticos Patrimônio Cultural Municipal: Bares Tradicionais Bar e Restaurante Cosmopolita Adega Flor de Coimbra Restaurante A Capela Bar Brasil

Fig.104

Parte 3 - A Lapa em percurso 188

Conclusões Após quase dois anos de acompanhamento e de investigação sobre a Lapa, suas memórias, seus artistas, sua diversidade, multiplicidade e suas transformações, é possível tentar responder algumas questões motivadoras desta pesquisa, ainda que os percursos da Lapa sempre possam nos surpreender e tomar rumos diferentes. Nesta pesquisa, foi surpreendente descobrir memórias daqueles que vivenciaram a Lapa do início do século XX, passear pelas ruas que ainda existem ou imaginar aquelas que já se foram e pensar na ambiência daquele período. Verificamos que a Lapa da virada do século XXI remete à Lapa do início do século XX. Pela presença dos artistas, da música, da diversidade de pessoas e também da marginalidade, das atividades ilícitas, da prostituição, estas Lapas do passado e do presente se relacionam. O questionamento desta dissertação teve como foco as transformações do Projeto Lapa Legal e na preservação da ambiência que é símbolo e patrimônio cultural do bairro. A pesquisa feita com moradores e instituições culturais revelou que a ambiência e o patrimônio cultural da Lapa se misturam e são formados por um conjunto de bens materiais e imateriais, nos quais estão incluídos: a diversidade social e cultural, a arquitetura, a boemia, os Arcos, a música, o Circo Voador e a Fundição Progresso, a culinária, o movimento constante, o bondinho, o uso da rua pelas pessoas, o caráter histórico, artístico e cultural do bairro, a espontaneidade, os bares tradicionais, a vitalidade, dentre outros símbolos da Lapa. O Projeto Lapa Legal, enquanto projeto urbanístico, se revelou interessante por ampliar e melhorar as áreas públicas para pedestres, por valorizar os bens culturais da região e por recuperar imóveis para a instalação de equipamentos culturais. Sua concepção teve como princípio a valorização do local enquanto potencial turístico, econômico e cultural e se deu a partir de levantamentos feitos pelos arquitetos da prefeitura, complementados por reuniões com diversos representantes da sociedade civil.

189

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Este diálogo, no entanto, não contemplou diversas instituições artísticas e culturais, nem moradores, haja vista que a pesquisa realizada para esta dissertação demonstrou que muitos deles desconheciam o projeto ou sabiam muito pouco sobre ele. É necessário fazer aqui a ressalva de que este projeto foi elaborado num período de tempo bastante reduzido, já que em janeiro de 2009 foi publicado o decreto que cria o grupo de trabalho para a elaboração do Projeto Lapa Legal e em junho de 2009 são lançadas as primeiras ações de requalificação urbana do bairro. Além do diálogo curto e parcial com aqueles que são diretamente atingidos pelo programa de ações do Projeto Lapa Legal, a execução mínima e modificada do projeto urbanístico fez com que o resultado final não trouxesse o impacto que deveria provocar no cotidiano de moradores

e

frequentadores

locais.

Isto

contribuiu

ainda

mais

para

que

eles

desconhecessem o projeto. As medidas de ordenamento do espaço público tiveram impacto maior, pois modificaram diretamente a circulação e a permanência de pessoas e de veículos no bairro. Nas entrevistas, tanto moradores quanto instituições culturais ressaltaram que o Projeto Lapa Legal, em especial, as medidas de ordem pública, eram mais voltadas para os comerciantes do que para os moradores e pessoas que trabalham no bairro. Estas afirmações se justificam quando percebemos, no processo de implantação do Projeto Lapa Legal, que as áreas públicas ampliadas serviram mais aos bares e restaurantes para ampliarem seus estabelecimentos; que a praça em frente ao Arcos serve mais aos grandes eventos, e pouco ao lazer e à permanência de moradores e frequentadores locais; e que a reabertura das ruas nos finais de semana foi motivada pelo apelo de comerciantes que alegavam que a medida prejudicava a frequência das pessoas em seus estabelecimentos. Neste sentido, a vida ‘popular’ do bairro, referida por Amir Haddad, não tem sido priorizada neste processo de implantação do Projeto Lapa Legal pela prefeitura. Por outro lado, nas entrevistas e pesquisas realizadas, verificamos que moradores e instituições culturais estão realizando ações que contribuem para uma Lapa melhor para quem vive, trabalha e vivencia o bairro. Conclusões 190

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

O perfil ‘Eles Não Amam a Lapa’ mobiliza moradores insatisfeitos com as condições do bairro e possibilita que as pessoas denunciem todos os problemas que ocorrem diariamente. Além disso, nele são organizados vários eventos para conscientização das pessoas e para a manifestação contra as más condições do bairro. Foi surpreendente observar a mobilização destas pessoas para praticarem ações conjuntas em prol de uma melhor qualidade de vida para todos. Muitas destas ações são voltadas para combater um dos principais problemas do bairro: a sujeira. Eles também se reúnem para replantar árvores ameaçadas de caírem, bem como saem pelas ruas da Lapa para fiscalizarem os serviços públicos e o cumprimento de medidas de ordenamento da Lapa. Ao conversar com as mantenedoras do perfil, elas demonstraram uma preocupação em relação aos problemas sociais presentes na região e afirmaram que as ações promovidas pela prefeitura não tem surtido o efeito desejado. Por isso, a motivação para realizarem oficinas que possam dar perspectivas de vida para jovens e adultos que queiram novas oportunidades. Além disso, tem planos de montarem um coral, na intenção de se reunirem, não apenas para discutirem problemas do bairro, mas também para terem momentos prazerosos e de lazer. Nas entrevistas, o grupo Bando Filhotes de Leão também surpreendeu pelas ações que estão desenvolvendo para a comunidade local. Além de já terem realizado uma intervenção artística na Rua Moraes e Vale, o grupo tem promovido oficinas e eventos, voltados sobretudo para os jovens moradores do bairro.

Fig.105. Moradores da Lapa replantam árvore na Rua Riachuelo, 2013.

Conclusões 191

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Os organizadores do Festival Panorama de Dança também surpreenderam pelas ações frequentes nos espaços públicos da Lapa. Mensalmente, são realizadas mostras de filmes na praça próxima à sede, promovendo atividades culturais abertas ao público e voltadas para os moradores locais. Em nossos percursos teóricos, trazíamos a análise sobre as relações humanas na atualidade, observando como a velocidade das comunicações e dos transportes havia fragilizado as relações entre as pessoas. Ainda que esta seja uma questão presente numa grande cidade como o Rio de Janeiro, vemos, através dos exemplos acima, que, na Lapa, as relações entre as pessoas não parecem tão frágeis como poderiam ser. Nestes percursos teóricos, também analisamos como as manifestações culturais nos espaços públicos podem ser um instrumento de coesão e controle pelo poder, como também pode ser uma forma de protesto e de expressão contra este poder. Verificamos que o Projeto Lapa Legal procurou ordenar e controlar o momento da festa e da celebração nas ruas do bairro. Além disso, foi possível perceber a execução do projeto como uma estratégia de visibilidade política, tendo em vista a conclusão das principais obras pouco tempo antes das eleições para prefeito. Temos também o Projeto Lapa Legal como parte de um processo de limpeza e de ordem da cidade para a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016. A cidade está sendo ‘produzida’ para estes megaeventos. Durante o processo de conclusão desta dissertação, foi publicado o resultado do concurso para o projeto simbólico para a Copa do Mundo, promovido pela [AC-CA].

Fig.106. Projeto vencedor do Concurso para projeto simbólico da Copa do Mundo, 2013.

Conclusões 192

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

O projeto era para a Praça Cardeal Câmara e para os Arcos da Lapa. Apesar de não vir a ser construído, o projeto simboliza a ‘espetacularização’, no conceito de Debord, da Lapa e do Rio de Janeiro, onde as sujeiras são escondidas e as diferenças eliminadas, de modo que só haja o espetáculo para ser visto, não vivenciado, nem construído coletivamente. Em oposição a este processo, também durante a conclusão deste percurso acadêmico, o Rio de Janeiro e o Brasil vivenciaram um momento de grandes protestos, nos quais a população se mobilizou contra os abusos do poder público e dos grandes empresários, tendo em vista as condições das infraestruturas das cidades e das instituições públicas frente aos grandes investimentos para a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016. A partir do mês de junho de 2013, as pessoas manifestaram nas ruas e praças da cidade do Rio de Janeiro, trazendo uma alternativa à passividade e à simples aceitação das decisões do poder público. As pessoas protestaram por uma cidade mais justa, que possa ouvir e atender de forma ampla e plena as necessidades da população. As manifestações começaram no Centro e se espalharam por outros pontos da cidade. A polícia militar estadual procurou impedir as manifestações com bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha. Na Lapa, no dia 20 de junho de 2013, muitas pessoas estavam nos bares, nos restaurantes e nas ruas, após a manifestação que ocorreu no Centro da cidade. Os policiais passaram pelas ruas em carros blindados e atiraram bombas de gás lacrimogêneo nas pessoas, mesmo sem elas estarem cometendo qualquer ato de violência.

Fig.107. Bombas de gás lacrimogêneo jogadas na Praça João Pessoa, 2013.

Conclusões 193

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

As pessoas se fecharam dentro dos bares e, ainda assim, a polícia conseguiu jogar bombas de gás lacrimogêneo dentro dos locais gradeados. Todos os estabelecimentos comerciais acabaram por fechar as portas, devido à ação da polícia. Este episódio provocou a indignação, tanto nos moradores quanto nos frequentadores e artistas locais. Assim, os artistas se uniram para manifestarem criativamente na Lapa, no dia 21 de julho de 2013, um mês após o episódio acima descrito. O evento ‘Ocupa Lapa!’ foi organizado para que diversas atividades ocorressem no bairro das 10h às 22h.

Fig. 108. Passeata de artistas, interditando a Avenida Mem de Sá, 2013.

Fig.109. Intervenção urbana da Cia. Enviezada nas ruas da Lapa, 2013.

Conclusões 194

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig. 110. Apresentação de jongo, na Praça Cardeal Câmara, 2013.

Fig. 111. Debate com artistas e pessoas envolvidas nos protestos, 2013.

O evento começou com a apresentação do grupo de teatro de empregadas domésticas do CTO, seguida pela apresentação do grupo Tá Na Rua e de uma aula de yoga. Logo após, uma passeata foi formada por músicos, atores e artistas circenses que saíram da Rua dos Arcos, próximo à Fundição Progresso, contornaram o Circo Voador, chegando a fechar a Avenida Mem de Sá, e retornaram à Praça Cardeal Câmara. A partir daí, houve uma apresentação de jongo e um debate entre os artistas e as pessoas envolvidas com as manifestações. Houve ainda declamação de poesias, apresentações de dança, de música, além da apresentação do Rio Maracatu, de outros grupos musicais e da realização de diversas intervenções urbanas e oficinas coletivas. As manifestações culturais e artísticas atuaram nos espaços públicos da Lapa em protesto e, ao mesmo tempo, em celebração e pelo convívio das pessoas.

Conclusões 195

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.112. Oficina de cataventos, enquanto mendigos dormem e conversam na praça, 2013.

O dia foi uma experiência poética e comunitária. A ambiência era festiva, familiar, criativa e de protesto. Participaram moradores, frequentadores, artistas e moradores de rua. Na praça, todos compartilharam o espaço. Mesmo sem locais para se sentarem, as pessoas se sentaram no chão. Houve local para todos, só não houve espaço para a violência e a segregação. Saí da praça com a sensação de que a ambiência a Lapa ainda estava viva, preservada. Como a Sofrônia, de Calvino, percebi que aquela era a metade fixa da Lapa, a metade que não é feita de pedra e cal, mas que fica impressa no bairro como parte de sua estrutura e de sua ambiência.

Fig.113. Apresentação de jongo, 2013.

Conclusões 196

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

Fig.114. Apresentação do grupo Rio Maracatu, 2013.

Esta Lapa, que tem sido afastada das ruas e das praças, voltou com a energia e a força de um jovem, mas que traz em si as memórias de uma Lapa de outros artistas, de outros mendigos, de outras pessoas que lá viveram. Esta Lapa, feita de memórias, que parecia estar desaparecendo, ou ao menos, se calando frente às palavras de ordem do poder público, pôde, neste 21 de julho, mostrar-se viva e manifestar. A arquitetura e o urbanismo podem favorecer ou prejudicar a manutenção de bens culturais que não se bastam só na matéria, mas que necessitam da ação das pessoas para se manterem vivos. Espaços que sejam para as pessoas e que sejam construídos coletivamente são fundamentais para possibilitarem o encontro, o convívio e a celebração da diversidade cultural e social na qual vivemos. Amir Haddad, numa de suas falas na Casa do Tá Na Rua, expressou bem o que significava a procissão, um ritual tradicional em diversas culturas. Ele disse que, na procissão, “as pessoas carregam um passado, vivenciado no presente e que caminha para o futuro”. Este caráter da procissão foi o que inspirou os ‘percursos’ desenvolvidos aqui.

Conclusões 197

O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

A Lapa é um percurso, pois suas memórias e seu patrimônio são como as coisas na Tlhön, de Borges, só permanecem enquanto as pessoas as manterem vivas, levando-as em seus caminhos, expressando em suas manifestações, celebrando e convivendo, para conservá-las para o futuro.

Fig.115. Crianças e cartazes de protestos, 2013.

Foto116. Intervenção urbana no chão da praça, 2013.

Conclusões 198

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Casa Gira-Mundo: http://casagiramundo.blogspot.com.br/ Centro Afro-Carioca de Cinema: http://www.afrocariocadecinema.org.br/ Centro Teatro do Oprimido: http://ctorio.org.br/ Cia. Dos Atores: http://www.ciadosatores.com.br/ Cia. PeQuod: http://www.pequod.com.br/ Circo Voador: http://www.circovoador.com.br/ El Carrer és de tothom: http://elcarreresdetothom.blogspot.com.br El País: http://elpais.com/ El Periódico: http://www.elperiodico.com/ Governo Federal: http://www.planalto.gov.br Festival Panorama de Dança: http://panoramafestival.com/ Foi um Rio que passou: http://www.rioquepassou.com.br ITDP – Institute for Transportation and Development Policy: http://www.itdp.org/ Instituto do Ator: http://www.institutodoator.com/ Intrépida Trupe: http://www.intrepidatrupe.com.br/ Mundo Urbano: http://cristovao1.wordpress.com Nos passos de Carmen Miranda: http://carmen.miranda.nom.br/cm_passos.html O Dia: http://odia.ig.com.br/ O Globo: http://oglobo.globo.com/ Prefeitura do Rio de Janeiro: http://www.rio.rj.gov.br/

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Projeto Lapa: http://projetolapa.wordpress.com/ Quizomba: http://www.quizomba.com.br R7: http://noticias.r7.com/ Rio Maracatu: http://www.riomaracatu.com/ SEBASTIANA: http://www.sebastiana.org.br/ Skater BCN: http://www.skaterbcn.com/ Tá Na Rua: http://www.tanarua.art.br/ Teatro de Anônimo: http://www.teatrodeanonimo.com.br/

206

Anexo 1 Mapa da II Região Administrativa, com a demarcação do bairro da Lapa. Disponível no Portal da Prefeitura do Rio de Janeiro: http://www.rio.rj.gov.br/

207

Anexo 2 Questionário para Grupos Artísticos e Instituições Culturais 1.

Nome do Grupo ou Instituição

2.

Ano de Fundação

3.

Endereço

4.

Desde quando tem sede na Lapa?

5.

Por que escolheu a Lapa como local da sede?

6.

Que atividades a Instituição desenvolve na sede?

7.

Existem atividades realizadas nos espaços públicos da Lapa? Sim

Não

Se sim, quais atividades? Qual a frequência da realização destas atividades? 8.

As atividades desempenhadas atingem os moradores locais? Sim

9.

Não

Parcialmente

Pretende manter a sede na Lapa? Sim

Não

Por quê? 10. A instituição tem contato com outras instituições culturais ou artistas da região? Sim

Não

Se sim, como ocorre? Realizam atividades em parceria? Defendem interesses comuns? 11. Quais aspectos são positivos no bairro?

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O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

12. Quais aspectos são negativos?

13. Que impressões têm do Projeto Lapa Legal até o momento?

14. O entorno da sede passou por intervenções do Projeto Lapa Legal? Sim

Não

Não sei responder.

Se sim, quais? 15. As intervenções atenderam à demanda das instituições culturais? Sim

Não

Parcialmente

Por quê? 16. Que melhorias o bairro da Lapa necessita?

17. O que considera característico e simbólico da ambiência da Lapa?

18. Quais são os bens culturais que considera mais significativos do local?

19. Como observa o marketing cultural que a Prefeitura e os empreendedores fazem para a Lapa?

20. Os grupos e instituições culturais são beneficiadas? Sim

Não

Parcialmente

Por quê? 21. Considera que a memória da Lapa e seu patrimônio cultural estejam sendo preservados? Sim

Não

Parcialmente

Por quê?

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Anexo 3 Questionário para moradores 1.

Idade

2.

Naturalidade

3.

Localidade (rua ou região da Lapa onde mora)

4.

Onde morava antes de morar na Lapa?

5.

Desde quando mora na Lapa?

6.

Gosta de morar na Lapa? Sim

Não

Por quê? 7.

Quais aspectos são positivos no bairro?

8.

Quais aspectos são negativos?

9.

Usufrui das atividades culturais existentes na Lapa? Sim

Não

Se sim, quais? 10. Frequenta as instituições culturais da região? Sim

Não

Se sim, quais? 11. Frequenta a Lapa nos momentos de lazer? Sim

Não

Se sim, quais locais? Qual é a frequência?

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O Espaço da Celebração na Nova Ordem das Ruas

12. Que impressões tem do Projeto Lapa Legal até o momento?

13. O local onde mora passou por intervenções do Projeto Lapa Legal? Sim

Não

Se sim, quais? 14. As intervenções atenderam à demanda dos moradores? Sim

Não

Parcialmente

Por quê? 15. Que melhorias o bairro da Lapa necessita?

16. O que considera característico e simbólico da ambiência da Lapa?

17. Quais são os bens culturais que considera mais significativos do local?

18. Considera que a memória da Lapa e seu patrimônio cultural estejam sendo preservados? Sim

Não

Parcialmente

Por quê?

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