O espaço Interior e sua dimensão poética

June 20, 2017 | Autor: I. Andrade | Categoria: Design, Arquitectura, Espaço Arquitectónico, Poética Arquitectónica
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XVII Encontro Regional de História Conhecer, Pesquisar e Ensinar História De 18 a 23 de julho de 2010

O ESPAÇO INTERIOR E SUA DIMENSÃO POÉTICA Isabela Menegazzo Santos de Andrade∗ Universidade Federal de Goiás (UFG)

No âmbito da pesquisa histórica o estudo se propõe a investigar as relações dialéticas entre espaço e lugar e como essas vêm sendo observadas dentro do contexto histórico e cultural nas chamadas histórias especiais ou particulares procurando discutir através da história da arte, da arquitetura, da cidade e do design as relações e cruzamentos necessários para o sistema de leitura visual desses “lugares”. Desde o ponto da vista das matrizes teóricas desenvolvidas pela História Cultural, na segunda metade do século XX (com ênfase para uma produção e divulgação pós-1980), até os estudos realizados pela chamada História Urbana (relações entre sujeito e cidade), as casas aparecem como tema de discussão seja pelo espaço físico e material ligado ao objeto concreto ou como lugar de produção, relacionados aos modos de viver e à estética resultante dessa transformação do espaço refletindo a problematização da casa enquanto lugar de habitação. A composição de uma historiografia que privilegia as dimensões estéticas e subjetivas aliada ao estudo da função política, cultural e territorial do espaço permite o desenvolvimento de uma narrativa histórica que envolve a organização e a dinâmica desses espaços com uma organização subjetiva e afectual e sua hierarquização interna, suas relações fora - dentro – espaço doméstico, espaço privado, espaço intimo, espaço vivido e espaço público pelo viés das relações entre objeto cultural, hermenêutico e pulsional. Assim, os interiores se abrem para os exteriores (projeto e edificação, urbanismo, cidade, vida cultural) e aprofundam as dimensões do interior percebido aqui como processualidade do vivido, lugar interpretativo e rede de subjetivação e de afeto, nos modos de viver e de habitar, nas passagens entre espaço, corpo e sujeito. Nesse sentido, pensar a casa culturalmente, como um bem simbólico e cultural, hermenêutico-interpretativo e pulsional (pelo desejo) permite abrir campos para uma pesquisa



Graduada em Artes Visuais pela UFG.

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relacionada ao sujeito psíquico e suas relações íntimas com os objetos que o cercam.

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A linguagem do objeto, visto como um objeto interartístico1 nos abre dimensões tramadas do edificado com suas diferentes formações narrativas (e da narratividade contida nos diferentes momentos da projeção, da construção, da ocupação, das transformações do espaço interno, nas histórias de seus moradores e os modos como estes fazem do espaço um lugar de ocupação, performance e memória). Para a localização e seleção deste objeto de pesquisa foram seguidas as diretrizes apontadas pelas pesquisadoras Maria Diva de Araújo Coelho Vaz e Maria Heloísa Veloso e Zárate), que realizam desde 2002, através do projeto de pesquisa do Núcleo de Estudo do Edifício e da Cidade, do Departamento de Artes e Arquitetura da Universidade Católica de Goiás, um mapeamento das casas modernistas em Goiânia. Os estudos demonstram o início de outro momento da modernização do estado alavancada nas políticas nacionais que têm forte ressonância no âmbito regional e como evidenciam-se as políticas de interiorização de desenvolvimento para a região Centro-Oeste de Juscelino Kubitschek e a criação de Brasília, além da ampliação da infra-estrutura econômica no setor de comunicação, transporte e energia. No âmbito local destacam-se a criação das universidades e a institucionalização do planejamento no estado de Goiás. (VAZ ; ZÁRATE, 2006).

Dentro de um conjunto de 10 casas identificado pelas pesquisadoras, selecionaram-se três residências representativas do período, nas quais o objeto multidisciplinar é passível de ser ricamente abordado. Os critérios de seleção desses objetos de estudo partiram da premissa de que ainda habitadas, as casas e seus interiores pudessem contar os tempos vividos e que usadas por pessoas ou famílias esse registro permanente se altera com o tempo. Assim, sendo habitadas, as casas deveriam ainda estar com sua integridade “modernista” intacta com seus projetos assinados por três arquitetos vindos de escolas diferentes. A primeira casa é do arquiteto David Libeskind, paranaense,

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Termo relacionado ao grupo de pesquisa Interartes. Ver referencias bibliográficas.

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[...] formou-se em 1952 pela Universidade Federal de Minas Gerais, tendo como referência reconhecida em sua formação Silvio de Vasconcelos, Lúcio Costa, de quem admirava as posições perante a arquitetura, Oscar Niemeyer, e nos anos 1960 se aproxima da obra de Oswald Bratke. Profissional de formação ampliada atua como arquiteto, artista plástico e designer e sintetiza em suas obras diálogo entre estas áreas. Atua em São Paulo e é autor de inúmeros projetos residenciais, edifícios de apartamentos e institucionais, sendo o Conjunto Nacional em Brasília sua obra de maior destaque. Ele projeta na avenida Paranaíba com a rua 9, no Centro a casa para a família Félix Louza, que é construída no ano seguinte. Trata-se de uma casa de único pavimento,

XVII Encontro Regional de História Conhecer, Pesquisar e Ensinar História De 18 a 23 de julho de 2010 localizada no centro da cidade, na confluência de duas vias, sendo uma delas uma das principais avenidas da cidade. Em razão desta situação o arquiteto elimina as aberturas para as vias, cria anteparos utilizando painéis revestidos de material cerâmico, ou de cobogós e “volta” a casa para o interior. A setorização é claramente definida e os diversos setores estão articulados ou margeados por jardins e pátios. O jardim central atua como elemento integrador, possibilitando melhor solução de ventilação e iluminação nos ambientes de estar e circulação. O volume retangular é marcado pela horizontalidade, enfatizada pelo prolongamento dos muros para além dos limites da cobertura. As fachadas se distinguem, seja pela riqueza de materiais – revestimentos cerâmicos diversos e cobogós nas duas fachadas –, seja pela relação entre cheios e vazios. A laje é de concreto e a cobertura é de telha de cimento amianto. (VAZ; ZÁRATE, 2006)

A segunda casa foi projetada pelo goiano Eurico Godói que se forma na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil. Ele estagia no Rio de Janeiro, com Oscar Niemeyer e tem uma influência declarada de Lúcio Costa, Afonso Reidy e Attílio Correia Lima. Para a residência de Eurípedes Ferreira, hoje de Bariani Hortêncio, na Rua 82 no S. Sul, Godói adota também a horizontalidade à qual associa uma inovação – a escada externa que dá acesso ao vestíbulo do edifício. O volume, em forma de ”L”, se volta para o pátio interno (2), sem, no entanto, fechar-se para o exterior público. (VAZ; ZÁRATE, 2006).

A terceira casa, do arquiteto goiano Luís Osório Leão, projetada em 1961 para Benedito Umbelino de Souza, situada na Al. Botafogo, está localizada em terreno estreito e comprido, o edifício é implantado no sentido da profundidade do lote. O volume retangular resultante tem a face mais reduzida voltada para a rua e reafirma a intenção arquitetural de referências modernas: volume geométrico, unitário, sem elementos decorativos. No agenciamento espacial ele define uma organização em níveis no pavimento inferior, aplicando as lições de Vilanova Artigas. O primeiro nível é reservado ao trabalho, ao estar e ao jantar, que se apresentam integrados e se abrem em amplos painéis envidraçados para o recuo lateral ajardinado, destacando-se, como elemento focal, a rampa que dá acesso ao pavimento superior; o segundo nível é destinado à armazenagem e preparo dos alimentos e à sala de almoço. No piso superior distribuem-se os quartos em seqüência, que se permitem reconhecer externamente na sucessão das varandas laterais. (VAZ; ZÁRATE, 2006)

Portanto, essa proposta de comunicação faz uma breve discussão sobre o estudo narratológico (objeto cultural, hermenêutico e pulsional) de residências (projeto, construção e

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seus interiores, modos de habitar e de viver os espaços, identificadas como sendo casas

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modernas (nos termos de Schorske2 – o artefato residência percebido diacronicamente, dentro de uma linhagem da história da arquitetura moderna), localizada na cidade de Goiânia (Goiás), todas elas construídas entre os anos de 1952 e 1961, entendidas aqui como casas representativas do período fundador do modernismo arquitetônico desta capital (na sincronicidade dos eventos que traçam a historia e a mitologia do modernismo em Goiânia). Neste projeto, em particular, trata-se da constituição de um objeto complexo, os interiores residenciais (de casas), pois envolve relações e entrecruzamentos entre arquitetura, organização dos espaços internos (esfera privada e íntima espaço doméstico), historia da cidade, historia do design e daí a cultura dos objetos, entendendo ainda a presença de uma dimensão subjetiva no espaço objetivo, uma subjetivação – afetivação – formação de espaços vividos, dimensionados e articulados de forma narrativa (narratológica). O principio narratológico trata de observar o edifício – projeto e edificação – como artefato-personagem que traça relações entre formas arquitetônicas, urbanísticas e objetais numa diacronia e entre o advento destes edifícios e as transformações ocorridas em simultâneo na vida cultural da cidade bem como parte de um processo vivido e interpretado, fazendo do espaço objetivo um espaço habitado (espaço vivido), configurando uma rede interpretativa (leitura hermenêutica) e uma rede de subjetivação e afectual (leitura pulsional), traçando passagens entre a casa, o sujeito e o corpo. A partir do contexto urbano da cidade de Goiânia e as transformações ocorridas entre os anos de 1945 e 1965 – se revelam dimensões do contexto político e econômico da cidade. Pelo contexto da historia da cidade, dilatado para o período em questão, o urbano da cidade de Goiânia e as transformações ocorridas neste período se revelam nas dimensões do contexto político e econômico da cidade pelos estudos feitos por historiadores e arquitetos, no contexto cultural e ideológico (o lugar ocupado pelo modernismo na cidade) e nos aspectos da cultura urbanístico-arquitetonica, na eleição de suas matrizes dentro do cenário moderno (as escolhas por certas escolas da arquitetura moderna brasileira), o contexto cultural e ideológico (o lugar ocupado pelo modernismo na cidade). Sendo assim a cidade vista como símbolo da modernidade e de novos tempos, a construção de Goiânia está relacionada com a política nacional da Marcha para Oeste no

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Carl Schorske ver refrencias bibliográfica. Pensando com a história: indagações na passagem para o modernismo.

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governo de Getúlio Vargas, munida pela idéia de civilizar o sertão. Após a revolução de 30,

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Pedro Ludovico tornou-se interventor de Goiás e em 1932. Fundada em 24 de outubro de 1933 pelo então interventor Pedro Ludovico Teixeira, com o objetivo de ser a nova capital do estado de Goiás, Goiânia vai representar os novos paradigmas regionais e nacionais, que afirmavam gradativamente os valores do modernismo e do capitalismo. Assim, vai ser uma cidade de traçado urbano e arquitetura moderna, fundamentada no Artdéco e nas idéias européias de cidade-jardim. Sobre o ponto de vista da idéia de modernidade instaurada pelos pioneiros para a capital goiana que, em meados da década de 50 começa a ser evidenciada nos edifícios da cidade, pode-se afirmar que o acontecimento moderno é interpretado no viés dos urbanistas, de forma a relacionar o traçado (desenho) ao desígnio, ou seja, a configuração-aproximação entre projeto (desenho) e realização (desígnio). Assim, parece claro entender que o que se queria salvaguardar, integrar e reforçar era o ideário moderno como sendo representações de certos grupos políticos (pioneiros). O que se desdobra a partir de outras memórias do espaço, ou seja, outros trajetos, que nos termos de Pollak, são outras ocupações, novas formas de patrimonialização. Desfragmentando as imagens da cidade moderna pela lente do "novo patrimônio" ou das memórias do social, na perspectiva de uma prática de conhecimento do espaço-tempo da cultura local, percebo que a nova imagem da cidade não é composta exclusivamente de elementos físicos, imóveis, pois rever a imagem da cidade, através da lente do "novo patrimônio", é rever também a imagem da cidadania. Descortina-se assim a imagem de duas cidades: a "cidade tecnológica e a cidade antropológica", pois muito além de formas, texturas e dimensões físicas, a imagem da cidade é resultado também de uma grande diversidade de espaços e de lugares de memória. (Pollak* 1989: 3).

Nesse sentido, a diferenciação entre plano-projeto e ‘’plano vivido’’ se torna evidente nas intenções iniciais de construção de uma ‘’memória do ideário’’ na qual os pioneiros tentavam construir uma identidade para a nova capital. Cabe ao historiador olhar com os olhos da memória o embate entre o ideal e o real e como a história das sensibilidades se configura na historiografia urbana da cidade, ou melhor, a historiografia dos interiores das

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casas modernas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SCHORSKE, Carl. Pensando com a história: indagações na passagem para o modernismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.

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