O Espaço Pós-Soviético: 20 anos após a dissolução da URSS

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O Espaço Pós-Soviético: 20 anos após a dissolução da URSS Em dezembro de 2011, a oficial dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) completou 20 anos. O presente informativo visa apresentar os últimos acontecimentos políticos nos países independentes, principalmente no que concerne às propostas de integração regional e às relações com a Federação Russa. Também se pretende expor as principais características que definem o denominado “Espaço Pós-Soviético”. O primeiro projeto com vistas à (re)integração foi a criação da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), ainda em 1991. Apesar de sua relativa estagnação, a iniciativa permitiu o chamado “divórcio civilizado”, garantindo a separação das repúblicas sem grandes conflitos, como os verificados na dissolução da Iugoslávia. Nos anos seguintes as relações regionais estariam submetidas a diversos constrangimentos político-estruturais, bem como à necessidade desses países firmarem uma identidade “nacional” própria. A política externa das novas “nações” baseou-se então na barganha por concessões através da diplomacia pendular, aproximando-se ora da Rússia, ora do Ocidente (Estados Unidos e União Europeia). Alguns se mantiveram politicamente mais próximos da Rússia, como a Bielorrússia e o Cazaquistão; enquanto outros se afastaram radicalmente, como a Geórgia. O fracasso da CEI deve-se principalmente ao seu alto grau de politização e ao seu elevado número de participantes (11 membros), com profundas divergências e temerosos quanto ao “imperialismo” russo. Segundo o ocidentalista ucraniano Taras Kuzio, as elites dos países recémindependentes são divididas entre “nativistas” e “assimiladas”, fator sociopolítico que influencia diretamente na diplomacia pendular. As primeiras defendem uma revisão historiográfica da “nação”, em oposição ao passado “colonial” (a Rússia e seus elementos de aculturação, como a língua). Por sua vez, as últimas têm uma visão mais condizente com a historiografia russa (e soviética), destacando aspectos positivos do passado na união com o “irmão mais velho” – geralmente são russófonas. A “revolução laranja” por que passou a Ucrânia reflete essa divisão: o líder pró-ocidente, “nativista”, venceu o líder pró-Rússia nas polêmicas eleições de 2004. Outro fator que constrange as relações pós-soviéticas é os separatismos e os “conflitos congelados” desde a dissolução da União Soviética. São sustentados pelo Estado russo na Geórgia (Ossétia do Sul e Abecásia), Ucrânia (Crimeia, junto à questão da Frota do Mar Negro), Azerbaijão (Nagorno-Karabakh) e Moldávia (Transdnístria). Três desses países passaram por “revoluções coloridas” e aproximaram-se do Ocidente, ambicionando, inclusive, a adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Formaram em 2001 o GUAM, bloco geopolítico considerado “anti-Rússia”. Geórgia e Azerbaijão estão na rota de gasodutos alternativos, patrocinados pela União Europeia (UE) com a finalidade de escoar o gás do mar Cáspio sem depender de eventuais cortes, realizados pelo Kremlin como arma de barganha. O ingresso dos países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) na UE, assim como a instalação de bases estadunidenses na Ásia Central (Uzbequistão e Quirguistão), provocou sensíveis atritos entre Moscou e o Ocidente. Ao longo da última década, a Federação Russa conseguiu gradualmente restabelecer sua hegemonia na região, frente ao avanço que o Ocidente obteve até então. Aproveitou-se da falta de habilidade da diplomacia Bush em lidar com os presidentes autoritários, bem como da “economização” da sua política externa, estratégia fundamentada na utilização pragmática de recursos energéticos (fornecimento/corte de gás e petróleo), financeiros (empréstimos) e comerciais (retirada/imposição de barreiras). As “revoluções coloridas” perderam o fôlego e alguns de seus líderes foram derrotados, como na Ucrânia e no Quirguistão. O Partido Comunista da República Moldávia, pró-Rússia, segue sendo o partido mais forte do país, apesar dos 1

“nativistas” se identificarem como romenos e defenderem a unificação com a Romênia – consequentemente com a UE. Em 2011, passados três anos do conflito armado com a Rússia, que defendeu os enclaves separatistas, a Geórgia aprovou a entrada deste país na Organização Mundial do Comércio (OMC). Após a violenta repressão ao levante de Andijan em 2005, publicamente condenada pelos EUA, o governo do Uzbequistão se voltou à Rússia novamente. A doutrina do tamen Putin-Medvedev priorizou a reinserção da Federação Russa no Espaço Pós-Soviético, através de duas frentes coordenadas: 1) privilegiar as relações bilaterais com cada república, em detrimento de relações multilaterais muito amplas como a CEI - a primeira visita oficial de Dmitri Medvedev, por exemplo, foi ao presidente Nursultan Nazarbayev, que governa o Cazaquistão desde 1991; e 2) aprofundar a integração em setores específicos menos “politizados”, especialmente com os países mais “alinhados”. Entre os regimes institucionalizados e as principais propostas de integração resultantes dessa estratégia estão: a) Comunidade Econômica Eurasiática (EurAsEC): surgiu em 2000, já no governo Putin, a partir da proposta de União Aduaneira prevista pela CEI em 1996. Abrange cooperação econômica e integração tarifária, pretendendo compilar o processo de formação da UE. b) União Aduaneira (UA) entre Bielorrússia, Cazaquistão e Rússia: entrou em vigor em janeiro de 2010, como um segundo passo de integração. Consiste no estabelecimento de uma tarifa externa única e na livre circulação de bens e pessoas (espaço econômico comum). Em outubro de 2011, o Quirguistão declarou a intenção em aderir. A Ucrânia também manifestou interesse, no entanto, sua ambição em participar da União Europeia o torna impossível. O país se situa no meio de dois projetos geopolíticos concorrentes – ambos os polos declararam que não vão aceitar uma adesão dupla. Apesar de inicialmente ser considerado um líder pró-Rússia, o atual presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, vem enfrentando crescentes tensões com o Kremlin, que envolvem questões de política interna e externa (como a polêmica prisão da adversária Yulia Timoshenko, que durante o seu mandato teria assinado acordos de reajuste do preço do gás russo sem atender aos procedimentos constitucionais) e o “empurram” na direção do Ocidente (UE). c) União Eurasiática: é a terceira etapa de integração. Foi anunciada em 2011 pelos líderes da Bielorrússia, Cazaquistão e Rússia. Está prevista para entrar em funcionamento a partir de 2015. Além da união econômica, prevê união política. Como parte do processo, em 2012 entrará em vigor o Espaço Econômico Eurasiático. O projeto estará aberto a outros estados póssoviéticos, bem como a Mongólia e a países da Europa Oriental. Vale mencionar que a Rússia e a Bielorrússia deram início à formação de um Estado conjunto, uma espécie de federação nos moldes da URSS – a “União da Rússia e Bielorrússia”. Por eventuais divergências políticas, o projeto não apresentou grandes avanços até o momento. d) Organização para Cooperação de Xangai (OCX): surgiu em 2001, como aprofundamento do grupo “Xangai-5”. Consiste no único bloco do Espaço Pós-Soviético em que uma segunda potência foi admitida – a China. A estratégia visa ao fortalecimento da ordem multipolar, uma das principais metas da política externa russa. A OCX tem como objetivo resolver as questões de fronteira com os países da Ásia Central, combatendo os “três maus”: terrorismo, separatismo (que pode se alastrar para áreas instáveis tanto da Rússia quanto da China) e extremismo (de grupos como o Movimento Islâmico do Uzbequistão e o Hizb utTahrir). Compreende também áreas securitárias não tradicionais, como combate ao tráfico de drogas (ópio e heroína do Afeganistão). A participação da China, até o momento, não interfere na hegemonia russa regional, uma vez que a OCX enfatiza projetos de grande escala (energia e infraestrutura), ao invés de micro-escala, como as questões tarifárias da EurAsEC. 2

d) Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC): passou a vigorar a partir de 2003, aprofundando o antigo Tratado de Segurança Coletiva da CEI, parte externa ao seu arcabouço institucional. Hoje conta com seis membros. Sua atuação compreende cooperação em áreas tradicionais de segurança, como treinamentos conjuntos, venda de equipamento bélico e coordenação de políticas de defesa. Como se infere de seu nome, todos os países têm que responder militarmente caso algum membro sofra agressão externa. Em junho de 2010, durante os conflitos étnicos (pogroms) entre quirguizes e uzbeques na região de Osh, ao sul do Quirguistão, a presidenta Roza Otunbaeva solicitou a intervenção das tropas da OTSC e dos militares russos instalados no país. O pedido foi indeferido após reunião extraordinária. Apesar de não ter intervisto militarmente, a OTSC foi de grande importância para a posterior perseguição dos envolvidos e a estabilização da região. O episódio terminou com mais de dois mil mortos. A questão étnico-nacional ainda abrange todo o Espaço Pós-Soviético e remonta à redefinição do ordenamento político-territorial - Korenizatziya (tr. “nativização”) - na União Soviética pós-Revolução, quando muitas províncias do Império Russo foram agrupadas sob o critério das “nacionalidades” étnicas, em estados com distintos níveis de autonomia (Repúblicas da União, Repúblicas Autônomas, Oblast Autônomo e etc). Segundo Valeriy Tishkov, durante a Korenizatziya “foi preciso inventar nomenclaturas para ‘nações’ em um país onde o mosaico cultural nunca apresentara fronteiras definidas e a etnicidade fora subjugada por outras formas de identidade, como clãs e filiações dinásticas, religiões e identidades locais e regionais.” Para Angelo Segrillo, o período soviético despertou diversas tendências nacionalistas ou étnicas que, sob o czarismo, eram inexistentes ou mantidas subjugadas por meio de políticas imperialistas. Os processos nacionais dos últimos anos da URSS serviram como canalizadores de insatisfações populares provindas de outras áreas (p.ex economia), que encontraram nos movimentos étnicos sua plataforma de expressão mais suficiente. No geral, as atuais fronteiras internas e externas, bem como os separatismos e “conflitos congelados” são o resultado de todo esse período. Os atuais países são, em distintos graus, estados multinacionais. As minorias étnicas russas ainda exercem considerável influência político-cultural, apesar de sofrerem hostilidades dos “nativistas” em determinados locais. No Cazaquistão, por exemplo, o russo é uma língua franca oficial, ou seja, é utilizado na comunicação interétnica. Muitos imigrantes nas grandes cidades da Rússia provêm da Ásia Central e do Cáucaso (bem como das repúblicas não-“russas-étnicas” da própria Federação Russa). Ocupam os empregos de baixa remuneração e, ocasionalmente, sofrem com manifestações xenófobas - como ataques de skinheads e de nacionalistas ultraconservadores. Suas remessas constituem importante fonte de ingresso para seus países que, com a crise de 2009 e a consequente desvalorização do rublo, foram diretamente afetadas. As repúblicas que melhor resistiram às turbulências foram as que conseguiram acumular reservas por meio da exportação de recursos energéticos (Turcomenistão e Cazaquistão). A recente recuperação das commodities no mercado internacional possibilitou que essas economias voltassem a crescer. A Rússia, altamente dependente da exportação de gás e petróleo, está entre esses países. Concluindo a exposição, é interessante destacar que a maioria dos estados póssoviéticos se caracteriza por regimes autoritários ou democracias não liberais de tendências autoritárias – com forte controle do Estado, principalmente nos meios de comunicação. Junto a outros constrangimentos de ordem geopolítica, esse é um dos fatores que explicam o posicionamento conservador de Moscou perante à “Primavera Árabe”. Insatisfações políticas, étnicas, nacionalistas (separatismos) e religiosas (fundamentalismo na Ásia Central) latentes podem culminar em levantes armados e instabilidades em diversas regiões, inclusive no próprio território da Federação Russa. 3

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