O ESPERNEIO DAS ELITES E OS INSUMOS DO PASSADO NACIONAL

June 5, 2017 | Autor: I. Oliveira | Categoria: Curriculum Studies, Teaching History
Share Embed


Descrição do Produto

O ESPERNEIO DAS ELITES E OS INSUMOS DO PASSADO NACIONAL1 Itamar Freitas (UnB/UFS/UFRGS) [email protected]

Maria Margarida Dias de Oliveira (UFRN) [email protected]

O que se deve aprender como história em Estado democrático de direito? Não há resposta consensual e os adjetivos “democrático” e “direito” já indicam os porquês. Como política pública tem prazo para elaboração e execução, evitemos os prolegômenos intermináveis sobre as virtudes de uma Base Nacional Curricular Comum construída a partir de uma experiência ingenuamente autóctone, de sujeitos puro-sangue historiadores e/ou destituída de ideologia e examinemos soluções de outros povos para o mesmo problema que enfrentamos nesses meses de janeiro, fevereiro e março. Todos sabemos que está no conhecimento das diferenças a configuração das nossas singularidades. Assim, qualquer pessoa com mínimo letramento histórico, ao examinar os currículos de história de países qualificáveis como “democráticos” e “de direito”, perceberá que, em geral, eles prescrevem conteúdos substantivos, metahistóricos e valorativos para a formação de determinada identidade nacional. Tal identidade é inventada a partir de escolhas que, por sua vez, são pautadas por valores ditos “supremos” ou “fundacionais” (presentes nas Cartas ou incorporadas nos costumes), originários das mais diferentes místicas, conformando a diversidade da grande narrativa. Em outras palavras, todo currículo nacional (ainda que no século XXI), produzido nessas condições, tem o objetivo de pôr na cabeça e no coração dos seus cidadãos uma grande história (universal, do mundo, da humanidade etc.) ou um grande e significativo pedaço de passado que lhe dê sentido à vida pública. Essas místicas (mais por efeito retórico que por categorização racional) podem ser classificadas em colonizadoras, recolonizadoras, descolonizadas e colonizadas. Vamos tentar convencê-los disso, argumentando com base em propostas 1

FREITAS, Itamar; OLIVEIRA, Maria Margarida Dias de. O esperneio das elites e os insumos do passado nacional. Brasília/Natal, 15 abr. 2016. Disponível em: www.didaticadahistoria.com.

1

curriculares da França e Inglaterra, Austrália e Israel, Índia e África do Sul, Argentina e Chile. (O texto é longo, mas o final compensa e a conjuntura o exige). As místicas colonizadoras A mística colonizadora é a mais criticada e a mais empregada no Brasil. Ela tem endereço e data de nascimento. A historiografia profissional, dos lugares que hoje chamamos de Alemanha, Itália, Espanha, França e Inglaterra, foi grande responsável pela espinha dorsal da grande narrativa. Esses países tiveram motivos de sobra para ampliar o estoque de passado (recuo a tempos cada vez mais remotos), ao buscar os mitos fundadores de suas nações na língua, no direito, nas religiões, por exemplo, dos povos gregos, romanos, celtas, germanos, francos, entre outros, situados em (ou constituidores de) períodos conhecidos como Idade Antiga e Idade Média. O século XIX é a sua data de nascimento, dentro dos sistemas nacionais de ensino. Vejamos dois casos exemplares no nosso presente. Na França, os programas em vigor até 2015 prescreviam de modo separado, “educação cívica” e “história-geografia”. A mística sugere que certa humanidade (ah, meu Foucault!) percorre uma trajetória iniciada no Egito, passando por Grécia e Roma, desembocando no Estado francês e em suas posteriores relações com a Europa e o mundo. Na escola elementar, entretanto, os alunos são poupados dessa história. Deles se espera a instrumentalização das ideias de tempo e espaço, viabilizadas pela história de si e da família, trabalho com fontes. Nessa etapa também é prescrita a configuração territorial da França na Idade Média, nos tempos modernos, Revolução Francesa / século XIX e no século XX. No colégio[1] (correspondente aos anos finais do nosso ensino fundamental), a meta-narrativa é velha conhecida. Começa com a “antiguidade”, ou seja, a experiência de egípcios, gregos e romanos, destacando a ideia de cidadania, monoteísmo, pirâmides, vida em Atenas e em Roma.

2

Da “Idade Média” são explorados o império romano, direitos humanos (igualdade), expansão do Islã, a relação senhores e camponeses. Dos “tempos modernos”, destaca-se a expansão do “ocidente”, os grandes impérios da África negra dos séculos XII ao XVI, a relação república/igualdade entre os cidadãos, o conhecimento no século XVI e a imposição da ideia de poder absoluto. Segue-se, então, para a relação iluminismo/monarquia absoluta e a Revolução Francesa. O penúltimo período, “século XIX”, destaca a era industrial, o nacionalismo francês. Por fim, no “século XX”, ganham a cena a mundialização, inovações tecnológicas, II Guerra Mundial, refundação da República, União Europeia, Guerra Fria, descolonização e a República nos tempos de De Gaulle[2]. O currículo da Grã-Bretanha de 2013 também poupa os alunos dos 5 aos 7 anos de idade dessa filosofia especulativa da história. Para essa etapa, são prescritos: a memória de mudanças na história de si, da nação, pessoas, acontecimentos e lugares destacados em sua comunidade, vidas e acontecimentos destacados (datas comemorativas) na história nacional. Dos 7 aos 11 anos, porém, os alunos devem consumir a mística do processo civilizatório que, ao contrário da França, não destaca as experiências egípcia e grega e privilegia, por razões bastante conhecidas, a romanização do lugar. A história a ser ensinada espraia-se, em seguida, para as terras onde os britânicos exerceram o seu domínio e se encerra com uma espécie de comunhão, isto é, com os problemas que impactam a população mundial (e que, evidentemente, eles ajudaram a criar). Descrevamos: a história começa com as idades “da pedra”, “do ferro” e “do bronze” (o impacto do império romano na Bretanha, o povoamento dos Anglo-saxons e Scots, conversão cristã, invasões Viking, a morte de Edward, o Confessor). Os alunos também são convidados a observar os significados desses eventos para a identidade local, o legado grego para os britânicos, além de estudar as sociedades não europeias em perspectiva comparada com a história britânica (“civilizações” islâmica, maia e do Benim, entre os séculos VIII e XII). 3

Dos 11 aos 14 anos, a diacronia se mantém. A história a ser contada inclui a Igreja, Estado e Sociedade na Britânia entre os séculos X e XV (conflitos Igreja/coroa, Magna Carta, Guerra dos 100 Anos etc.) e XV e XVIII (Renascimento, Reforma e Contra-Reforma, colonização da América e da Índia, Revolução Gloriosa etc.). Os últimos períodos enfatizam as ideias, poder político, indústria e império britânicos entre os séculos XVIII e XIX (iluminismo inglês, abolição do tráfico transatlântico, industrialização, Independência dos EUA, Revolução Francesa, publicação de A origem das espécies etc.). O currículo também aborda os desafios, em escala nacional europeia e mundial, enfrentados pelos ingleses no século XX (sufragistas, guerras mundiais, estado de bem-estar, Independência da Índia e lugar da Grã-Bretanha no mundo pós 1945). Para a mesma faixa etária, é indicado o exame aprofundado (estudos de caso) sobre a repercussão de alguns desses acontecimentos em nível local e o estudo de uma sociedade ou de um problema de caráter mundial (Mughal, Dinastia Ming, Império Russo ou EUA no século XX)[3]. As místicas recolonizadoras Os currículos da Austrália e de Israel exemplificam aquilo que chamamos de mística recolonizadora. São dois países jovens, econômica e politicamente influentes em dois enclaves: Israel, aliado dos EUA, e a Austrália, membro da Comunidade Britânica, exercendo influência no sudoeste asiático. O primeiro espalha a democracia ocidental no Oriente Médio; o segundo espalha o capitalismo (entre outros ismos) no extremo oriente. No currículo da Austrália, convergem as experiências, respectivamente fundadora e mantenedora da identidade nacional: a história de sociedades europeias e a história de sociedades asiáticas dos séculos XVIII e XIX. O resultado é o que chamamos, no Brasil, de história justaposta. O ruído provocado pela justaposição entre experiências distantes no tempo é minimizado, nas intenções, pela ressignificação de “antigo” e “moderno”. Eles são referidos com base na história nacional. Antigo são os dois séculos anteriores ao

4

Estado nacional (início do século XX); moderno é todo o século XX e XXI. Assim mesmo, sobressai uma grande narrativa, iniciada com a história colonial e nacional australiana (últimos dois séculos), que retroage à pré-história da Austrália e assume a antiguidade dos europeus. Em seguida, a experiência econômico-social europeia alastra-se por círculos concêntricos pela Ásia e África e América, mescla-se com a experiência das sociedades asiáticas e dispersa-se no interior da Austrália em questões, como o nacionalismo, no início do século XX, e a ampliação da consciência ambiental. Em síntese, a proposta australiana valoriza o local, recupera a herança europeia, narra a fundação da nação e dilui-se na globalização. No detalhe, os conteúdos substantivos são distribuídos da seguinte forma: dos 5 aos 8 anos, os alunos devem apenas tornar-se conscientes da sua herança comunitária e da história da sua família; dos 8 aos 12 anos, eles devem estudar história local relacionada à história nacional, reservando espaço para a compreensão da diversidade cultural dos aborígenes; dos 12 aos 15 anos, a ênfase é dada na relação história mundial/história da Austrália (relação entre europeus e aborígines, por volta de 1800, colonos e acontecimentos significativos da colonização, Austrália como nação, a partir de 1900). Na escola secundária, dos 15 aos 18 anos, os alunos conhecem as práticas culturais e as sociedades relativas ao período das primeiras comunidades humanas: Austrália, Egito, Grécia, Roma, China e Índia – 60.000 BCE c. 650 CE. Em seguida, podem optar entre estudos sobre o “mundo antigo” (1750-1918), ou seja, o “mundo ocidental e islâmico”, “mundo asiático-pacífico”, a “interação e contatos entre povos europeus, asiáticos americanos e africanos, industrialismo, nacionalismo e imperialismo, inclusive na Austrália; e o “mundo moderno (19182012), isto é: II Guerra Mundial, direitos e liberdades na Austrália, Globalização, cultura popular, migrações para a Austrália e consciência ambiental[4]. Em Israel, que considera o currículo de história uma questão de segurança nacional, uma das propostas difundidas defende a meta-narrativa estruturada na ideia de que o povo eleito possui raízes na religião e se realiza na diáspora e na busca e manutenção da terra. Essa ideia é desenvolvida em quatro temas e três 5

áreas (história, geografia e literatura) que são também quatro períodos demarcadores do seu passado (Roots, rebirth, the new land e a contemporary society). A sequência não é obrigatória. A exemplo do que ocorre na Grã-Bretanha, os prescritores afirmam que é apenas uma sugestão – mas bem sabemos o quanto de retórica está presente nesse tipo de proposição. Vamos aos temas: nas “raízes” são exploradas as origens sagradas e seculares do povo judeu, a ideia de terra prometida e o legado espiritual. Sob o título “renascimento”, é elencado o sionismo, a declaração de independência e a luta pela terra. O terceiro momento – “a terra nova” – explora os limites geográficos, recursos naturais do país e aspectos gerais das cidades de Jerusalém e Tel Aviv. Por fim, em “sociedade contemporânea”, os conteúdos substantivos são: a volta dos Judeus a Israel, calendário judaico, arte, música literatura e heróis israelenses[5]. As místicas descolonizadas O programa da Índia para história é francamente nacional. A experiência asiática vem em segundo plano, seguida dos mundos da América e Europa. Somente no último ano do ensino secundário, temas clássicos para os brasileiros, como o feudalismo, Igreja católica, expansão europeia para as Américas, são apresentados diacronicamente e em articulações que anulam uma provável primazia dos mesmos. Império Romano, por exemplo, é apresentado em paralelo com os “impérios nômades” (mongóis) e as “terras” do Islam. A mística descolonizada inicia-se com caçadores e coletores na escola elementar. Primeiras sociedades e cidades, primeiros modos de vida e estados são estudados, mas o plano realiza-se a partir das “civilizações” Harappan, da confederação Bihar, Magadha e Vajji. No plano das ideias são explorados o Jainismo e o Buddhismo. O programa prevê um salto até o mercantilismo, o processo de colonização inglesa no país e as revoltas “tribais” do século XIX, nacionalismo e independência no século XX.

6

No secundário, a cronologia enfatiza os séculos XIX e XX e os grandes eventos e processos políticos, como a Revolução Francesa, Revolução Russa e Nazismo. A experiência econômica (agricultura e pecuária), bem como a dimensão cultural e social são exemplificadas com vivências do mesmo período, radicadas na Índia, África, Indonésia. Nesse momento, também são explorados os desdobramentos do colonialismo inglês nos esportes e no movimento de independência do país, os nacionalismos na Europa, Indochina e Índia, globalização econômica, e a emergência do romance na Índia[6]. O mesmo nacionalismo, um pouco mais mitigado, encontramos nos programas de história da África do Sul. A mística, entretanto, claramente põe a África do Sul e o continente africano como pontos de emergência. O modo de iniciar a grande narrativa pelos caçadores/coletores também está presente. Na “fase intermediária” da escolarização, os alunos devem entrar em contato com narrativas sobre agricultores na África do Sul e estudos de caso acerca de sociedades, reinos e cidades, evidentemente, africanos (Egito, Timbuktu – século XIV, Mali). Nessa etapa, os alunos também devem conhecer o tráfico transatlântico de escravos, a colonização e a formação das fronteiras do Cabo, ocorridos entre os séculos XVII e XVIII. A fase “sênior” da escolarização explora eventos e processos situados entre os séculos XIX e XX: Revolução Industrial na Inglaterra e África do Sul, Revolução Mineral na África do Sul, Corrida para a África, todos no século XIX. Do século XX são explorados os dois maiores conflitos mundiais, a “Era nuclear e a Guerra Fria” e alguns pontos de virada na história da África do Sul 1948-1994[7]. As místicas colonizadas A mística colonizada mantêm grandes narrativas implantadas no período de ocupação europeia e consolidadas na formação do Estado nacional. São os casos, entre tantos, da Argentina e do Chile.

7

Da Argentina, recolhemos o programa para o ensino médio da província de Buenos Aires, que contempla, aproximadamente, 40% da população do País. Com esse programa, tenta-se resolver o problema da homogeneização de conteúdos de história que assola as propostas, por exemplo, do Brasil. Tal como os programas franceses, os argentinos planejaram diferentes trajetórias de ensino médio para compatibilizar diferentes interesses dos alunos, relativos ao prosseguimento das carreiras. Nesses percursos, a história pode ser aprendida em três, quatro ou cinco anos. O curioso é que a mística colonizadora permanece, independentemente dos modos de distribuição da matéria. A história começa com a experiência dos primeiros homens e Estados, salta ao Império Romano e, novamente, para a conquista da América. Segue mediante as relações entre colônias e metrópoles entre os séculos XVI e XVIII, isola-se na burguesia europeia, volta à América Latina (com as revoluções e a formação dos estados nacionais) e centra-se na Argentina, até o fim do século XIX. Pela diretriz narrativa, o aluno é convidado a voltar-se outra vez para a Europa (Revolução Russa, guerras mundiais e Guerra Fria), retornar a Argentina (trabalhismo, autoritarismo e redemocratização) até o fim do século XX. Quando há tempo (a história em quatro ou em cinco anos), os programas inserem a experiência do medievo europeu, centralização das monarquias e as sociedades indígenas na América, antes e depois da chegada dos europeus[8]. O Chile fornece-nos outro exemplo de programa onde a mística colonizada está presente e de modo ainda mais forçado que na Argentina. Tanto no primário, quanto no secundário, gregos e romanos são os marcos do início da “humanidade”. Para o ensino primário, é mesclada a experiência individual e familiar do aluno à experiência dos povos indígenas (Maias, Astecas e Incas), à conquista da América e do Chile e aos modos de vida de gregos e romanos. No nível seguinte, a teleologia implanta-se integralmente. Os alunos são convidados a estudar o início da “humanidade”, “o legado” da antiguidade clássica, a Europa na

8

Idade Média, Renascimento, Reforma, expansão europeia, Estado moderno, liberalismo, Revolução Industrial e formação da burguesia[9]. A nova mística brasileira (Conclusão) Os currículos nacionais em Estados democráticos de direito são prescritores de identidade nacional, apesar de muitos colegas, no final do século XX, terem afirmado que essa entidade, criada com a ajuda da historiografia profissional no século XIX, perdera o seu lugar para os grandes blocos econômicos ou para as corporações empresariais. Da nossa parte, pensamos que os blocos, as sociedades anônimas, redes sociais e todos os falsos perfis do mundo virtual ainda se realizam em noções modernas de tempo, espaço, estado e liberdade que remetem aos poderosos filósofos Kant e Hegel, direta ou indiretamente, consciente ou ignorantemente. Claro que houve lúcidos pensadores que decretaram a inexistência da história da humanidade e a liquefação do mundo contemporâneo. O que percebemos, entretanto, entre muitos colegas da educação básica e também a maioria apavorados críticos à pseudo-ameaça de supressão das histórias antiga e medieval e até da história da África (!) dos currículos brasileiros demonstra exatamente o contrário. A mística que fundamenta as meta-narrativas implícitas nos currículos nacionais de países colonizadores ainda nos sustenta. A Inglaterra pode suprimir egípcios e gregos do início do seu processo de identificação nacional. A Índia pode fazer o mesmo com gregos e romanos, trocando-os por 5.000 anos de experiência local anterior ao chamado ocidentalismo. Israel pode repetir a dose de autonomia, inserindo conteúdos sagrados e pagãos que remetem à instituição do monoteísmo. O Brasil, não! Brasileiros e brasileiras devem conhecer de cor e salteado o "legado" grego, romano e hebraico ou não desenvolverão sentimento de pertença (cosmopolita!).

9

Prescritores de currículos cariocas e paulistas ou nortistas e sulistas ali radicados, desde meados do século XIX, fizeram uma ginástica tremenda para incluir uns vinte séculos de “experiência ocidental” na vivência brasileira. O contrário também serve: fizeram uma ginástica tremenda para considerar os quatro ou cinco séculos de experiência “nacional” como irremediavelmente herdeira da “experiência ocidental”. Por quê? A maioria queria ser brasileira. Mas, provavelmente, poucos dos intelectuais desejavam “ser” descendentes de africanos, indígenas, chineses ou japoneses. Assim, viveram de fazer puxadinhos aqui e ali, buscando um rastro “ocidental”, uma aliança dos Tupi com os fenícios, uma independência patrocinada pela benevolência da Coroa Portuguesa, uma revolução educacional introduzida por ordens católicas nas hordas de bárbaros etc. No século XX, a escrita se repetiu. Uma grande iniciativa de integrar a experiência nacional à experiência transnacional (a Reforma Francisco Campos, de 1932) foi desmontada década e meia após, pelo lobbie de muitos historiadores que temiam a extinção da brasilidade em virtude do desaparecimento da rubrica “história do Brasil” dos currículos do secundário. No início do século XXI, com o projeto de uma BNCC, foi a nossa ocidentalidade que esteve em vias de extinção porque as histórias antiga e medieval podiam desaparecer dos programas da educação básica, dos livros didáticos, dos Departamentos de História com a instituição de uma Base, trocadas, ao que parece, por experiências ressentidas, como as de povos africanos, afro-brasileiros e indígenas. Essas duas rubricas – antiga e medieval – são apenas uma das faces da reflexão sobre a mística brasileira em questão em 2016. Seguem aqui referidas por causa da sua condição originária. Outras tantas rubricas devem ser consideradas na formulação da BNCC: mundo e/ou mundos? Humanidade e/ou humanidades? Igualdade e/ou diferença? Como apresentar uma mística que compatibilize os interesses (as rotas de sobrevivência) dos professores da educação básica, a ideológica e contraditória legislação educacional da União e o status quo dos historiadores universitários? Ou não necessitamos de uma mística? Qual das quatro místicas esboçadas acima poderá nos estimular a produzir algo representativo das mudanças de perfil e de 10

sensibilidade na sociedade brasileira nesse último meio século? Pensamos que a justificativa social para as nossas carreiras e o nosso envolvimento na BNCC passa, obrigatoriamente, pela apresentação de respostas a tais questionamentos. E agora, elite de historiadores, está disposta a enfrentar esses dilemas ou vai se esconder novamente, como fez nos últimos 30 anos, somente se importando com o ensino de história na escola básica quando ameaçada em seus postos, nos empregos públicos? Não é improvável que a BNCC, hoje subindo ao telhado, seja conhecida na história como o “Mais Médicos” dos autorizados especialistas do passado. E com um agravante: não temos cubanos dispostos a elaborar insumos para a orientação da vida prática de 204 milhões de habitantes.

[1] Não descrevemos o programa do liceu porque ele é pulverizado, principalmente no segundo e no terceiro ano, para atender às diversas rotas de estudos cumpridas pelos alunos no ensino superior. [2] Resources: Histoire-géographie. Académie em ligne. Disponível em: http://www.academie-enligne.fr/College/Ressources.aspx?PREFIXE=AL4GH31. Capturado em 20 fev. 2016. [3] ENGLAND. Department for Education. Statutory guidance – National curriculum in England: history programs of study. 11 set. 2013. Disponível em: https://www.gov.uk/government/publications/national-curriculum-inengland-history-programmes-of-study/national-curriculum-in-england-historyprogrammes-of-study. Capturado em 20 fev. 2016. [4] ACARA. The Australian Curriculum. Version 4.0 dated Thursday, 13 December 2012 3. [5]KATZEW, Rarri Jan. Curriculum & Israel: principles & themes. Disponível em: http://www.theicenter.org/sites/default/files/alef-bets/5-Curric%20Israelv4.pdf. Capturado em 20 fev. 2016. 11

[6] INDIA. Government. Syllabus for Secondary and Higher Secondary Levels. History (Classes XI-XII). New Delhi: National Council of Educational Research and Training, 2006. INDIA. Government. Syllabus for Secondary and Higher Secondary Levels. History (Classes IX-X). New Delhi: National Council of Educational Research and Training, 2006. INDIA. Government. Syllabus for Elementary Level. Social Sciences (Classes VI-VIII). New Delhi: National Council of Educational Research and Training, 2006. [7] SOUTH AFRICA. Republic of. National Curriculum Statement (NCS) – Curriculum and Assessment Policy Statement. Social Sciences. Pretoria: Department of Basic Education, 2011. [8] BUENOS AIRES. Gobierno de la Ciudad de. Contenidos para el Nivel Medio – Historia. Buenos Aires: Ministerio de Educación. Dirección General de Planeamiento Educativo. Dirección de Currícula y Enseñanza, 2009. [9] CHILE. GObierno de. Bases curriculares 2012. Historia, Geografía y Ciencias Sociales – Educación Básica (Decreto n. 439, 2012). [Santiago:] Ministerio de Educación, 2012.

12

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.