O espírito culpado de Fábio Sampaio

September 23, 2017 | Autor: Lilian França | Categoria: Arte Contemporanea, Arte Contemporáneo Latinoamericano
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O ESPÍRITO CULPADO DE FÁBIO SAMPAIO Lilian Cristina Monteiro França1

Nascido na década de 1970, em Santos, São Paulo, Fábio Sampaio mudou-se para Aracaju, Sergipe, em 1991 e desde então vem desenvolvendo seu trabalho artístico a partir da leitura dos signos de uma sociedade de consumo, movida pelo desejo de comprar, acumular, ter e mostrar o que possui. Durante os quarenta anos dedicados à arte, a transformação urbana assumiu um papel importante em sua obra, marcada pela invasão da publicidade, quer na forma de outdoors ou de pequenos cartazes espalhados pelas ruas; pela disseminação da fotografia, hoje amplamente acessível; pela produção gráfica, artística e visual, voltada para dispositivos movéis/portáteis; enfim, pelas novas conexões e sociabilidades. A mundivisão de Fábio Sampaio recorta elementos da vida portuária santista e aracajuana, mesclada por histórias de vida e pela lógica do ir e vir, compondo um patchwork que atravessa as fronteiras do público e do privado, colocando "na vitrine" o que deveria ficar "no cofre". Santos e Aracaju não são apenas irmãs em sua rotina à beira mar, mas confundem-se no design de um estilo de vida que funde o sagrado e o profano, o sério e o casual, a individualidade a festa.

Fábio Sampaio - "Título: Desenhos líquidos. Técnica: Tinta acrílica, tecido, impressos, adesivo vinil e plástico sobre MDF. Dimensões: 50x50 cm. Ano 2014

Fábio viveu o processo de industrialização no Brasil, acompanhando a reorganização dos espaços e dos objetos que os povoam, cada vez mais diversificados e customizados. Para o artista, os símbolos do consumo tornam-se cada vez mais evidentes, seja nas etiquetas colocadas do lado de fora ou nas 1

Pós-doutora em História da Arte. Doutora em Comunicação e Semiótica. Professora da Universidade Federal de Sergipe. Membro da ABCA e da AICA.

fotos compartilhadas nas redes sociais, indicando uma reconfiguração de valores que nos lança no vórtex da incerteza, da hiperinformação, do "always on".

Fábio Sampaio - Título: Chuva de verão com as janelas e a porta da cozinha abertas. Técnica: acrílica sobre tela. Dimensões: 80x80 cm.

A exposição que marca essas quatro décadas de vida e arte, denominada "(Ré)Invenção da paisagem doméstica", aglutina reminiscências, angústias, esperanças, colhidas no rebojo de um tempo que urge. A vida doméstica mudou muito nas últimas quatro décadas. A vida doméstica mudou pouco nas últimas quatro décadas. A depender do ponto de vista adotado, as transformações ou a preservação de hábitos vão sendo exploradas e resignificadas.

Convite da exposição (Ré)Invenção da Paisagem Doméstica – Fábio Sampaio - 2014

Assim, xícaras e bules convivem com pássaros no sabor da manhã; a figura emblemática do índio estampado nos sacos de cimentos Poty interage com carpas em suave movimento; tico-ticos e gruas convivem contrastivamente, propondo um jogo de evocações que inquieta o leitor da obra.

Fábio Sampaio - Pitty um índio exuberante com uma ideia colorida, brilhante e estonteante Técnica: acrílica sobre tela. Dimensões: 85x40 cm. Ano: 2014

Fábio Sampaio classifica a sua obra como "pós grafite", ou seja, a linguagem do grafite retrabalhada em outras superfícies, como a tela, incorporando princípios da colagem e técnicas derivadas da própria Pop Art. A colagem, aliás, subjaz ao seu modus operandi, sugerindo haver uma sobreposição de ideias que posteriormente são plasmadas na superfície. Seu trabalho cria um contracampo, um "extra tela", um locus só existente na mente de quem olha e completa o quadro com as suas próprias memórias. Resultado da junção de motivos que deram origem às exposições "Duas cidades" e "Desenhos líquidos", a exposição "(Ré)Invenção da paisagem doméstica" deixa o espaço de exibição para tornarse um livro. Esse movimento se coaduna com a questão de uma modernidade líquida, como propõe Zygmunt Bauman, afinal "Tudo o que é sólido desmancha no ar" (como afirmou Marx e retomou

Marshall Berman, em obra de título homólogo), e o líquido pode melhor moldar-se ao suporte que o contém. "Ré" significa tanto a parte de trás do navio quanto a ré em uma acusação, derivada do latim rea, que significa "espírito culpado", e como anuncia o próprio artista, suas obras tratam justamente daquilo que lhe foi proibido, em diferentes níveis, daí a necessidade de expiar todas as culpas e resolver na arte o que nem sempre se resolve na vida, redimensionando o hoje à luz do passado, juntando o que não é óbvio e recodificando o dia a dia.

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