O espírito do Deserto

May 23, 2017 | Autor: Mirian Rossi | Categoria: Material Culture Studies, Migration Studies, Xenophobia and Racism
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O espírito do Deserto

Mirian Rossi

Através das várias obras consagradas às artes muçulmanas, pode-se observar que, como qualquer repositório de tradição cultural, as mesmas operam uma espécie de sedimentação, ainda que uma ou outra pesquisa possa alterar vez por outra os esquemas classificatórios estabelecidos. As explicações dos fenômenos artísticos por intermédio de simples comparações formais têm subtraído das análises a dimensão teórica do ideário afirmado pelas várias tendências e movimentos que se agitam no curso do processo histórico. Se quisermos entender melhor as manifestações artísticas do Islã, teremos que considerar as injunções de interesse em meio às quais elas floresceram, sejam as heranças artísticas, as exigências religiosas, a evolução no tempo, as influências geográficas, etnográficas e filosóficas ou mesmo, o espírito do artista e o ideal de beleza concebido pela civilização muçulmana. Para discorrermos sobre uma possível unidade estética ou iconográfica nas artes visuais dos povos islâmicos e suas influências no mundo ocidental, faz-se necessário, em primeiro lugar, entender que no começo, não havia uma entidade muçulmana no que se refere à dimensão étnica ou geográfica. Não havia uma arte islâmica, no sentido que há uma arte chinesa ou uma arte mexicana. Não havia, simplesmente, um período de arte como o Gótico ou o Barroco. Fatores políticos e sociais transformaram um grande número de terras, com histórias distintas, em territórios muçulmanos. Os árabes que formaram o Islã não praticavam nenhum tipo de arte – a não ser a literatura – e se impuseram como uma aristocracia militar aos países conquistados. Herdaram, assim como toda a Idade Média, o desprezo que a Antiguidade outorgava à arte chamada mecânica ou servil, na qual se confundiam, indistintamente, todas as ações operativas que demandassem o trabalho manual. A tudo quanto era servil associava-se a condição própria da escravidão. Uma vez que, no princípio, o Islã não possuía ou propagasse uma arte particular, serão os artistas locais, cristãos em sua maior parte, os depositários de tradições milenares, que responderão num primeiro momento ao comando dos novos mestres. Utilizando-se de um acervo 0

próprio desenvolvido até então, os artistas das regiões conquistadas adaptarão uma linguagem artística às necessidades dos conquistadores e não a uma nova estética que pudesse ser considerada, verdadeiramente, muçulmana 1. A peculiaridade do espírito árabe consistiu em ter permanecido íntegro em todas as partes. Dominou ao mesmo tempo em que não construiu nada por si. Anárquico e sempre uno, sem fronteiras materiais, pôde, por isso mesmo, adaptar-se às expressões artísticas dos povos vencidos que se deixaram absorver pela sua unidade. Não é, portanto, apropriado falarmos genericamente de uma arte visual islâmica e sim considerar separadamente as áreas que se tornaram muçulmanas, como Espanha, Sicília, Norte da África, Egito, Síria, Mesopotâmia, Pérsia, Anatólia, Índia, onde a arte resultou de uma complexa simbiose de elementos não-islâmicos reelaborados pela nova civilização e integrados ao contexto onde foram criados. Na Sicília observa-se uma curiosa mistura de elementos greco-romanos, normandos, bizantinos e muçulmanos. A arte persa em particular, exibe uma série de características (certos temas como a representação de pássaros ou uma tradição épica na pintura), que deve pouco ao seu caráter islâmico do século VII. A arte otomana divide uma tradição mediterrânea de concepção arquitetural com a Itália mais do que com o resto do mundo islâmico. A presença da arte visual islâmica na China, Coreia e Japão é distinta daquela do ocidente cristão. Na expansão do mundo árabe a riqueza destas diversidades vai se tornando cada vez mais evidente ao longo de toda a Idade Média, quer no ocidente, quer no oriente. Restringimos este trabalho à Alta Idade Média, portanto, aos primórdios do Islã, abordando apenas as artes visuais muçulmanas na Espanha – especialmente a mesquita de Córdoba – e na região do Magreb, como as mais significativas dos primeiros séculos de expansão ocidental, que se seguiram à Hégira. Tanto a Espanha quanto a parte setentrional da África, revelam uma forte independência artística e política dentro do mundo islâmico. O ocidentalismo irrompeu, vigorosamente, tanto no sentido geográfico quanto no sentido cultural, sustentado pelas relações de convivência entre elementos do Islã e do Cristianismo. A independência do ocidente Islâmico manifestou-se pela cisão política, com a fundação de uma dinastia hispano-omíada, em Córdoba, por Abder-Rahman I, príncipe da casa dos Omíadas, de Damasco. Nas terras férteis de al-Andalus, renasceria em meio à uma civilização compósita, sob linhas, formas e cores, o “espírito do deserto”.

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Para um aprofundamento dessa discussão ver A. Papadopoulo. Islam et l’Art Musulman. Paris: D’Art Lucien Mazenod, 1976.

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A Visão de Mundo Muçulmana

O Islã é a religião de um livro, o Alcorão. A preeminência do livro, seja transmitindo a mensagem divina, seja como depositário da sabedoria humana, veículo privilegiado do conhecimento, do espírito e da arte, será responsável pela formação do pensamento muçulmano e por uma consequência importante: o ensinamento generalizado da escrita e da leitura. Em todas as mesquitas ensinava-se a ler e a escrever, para que todos os fiéis aprendessem o texto sagrado do Alcorão. Cada coluna será a cátedra do mestre que fornecerá ao muçulmano o mais precioso instrumento para a sua união com Deus. O número de iletrados do mundo muçulmano era certamente bem inferior ao do mundo cristão ou de qualquer outro. As pinturas no interior das igrejas cristãs, por exemplo, objetivavam dar oportunidade ao fiel analfabeto de fixar os principais acontecimentos da vida de Cristo. Este foi, aliás, um dos principais argumentos dos partidários das “imagens” nas controvérsias sobre o iconoclasmo. À época em que a arte islâmica vai se desenvolver, a visão de mundo muçulmana, embora dominada pelo Alcorão, estava impregnada por uma mentalidade sincrética e não sintética. Não iremos traçar aqui as principais linhas de força ou as ideias que formariam o leitmotív da visão de mundo muçulmana, mas apenas considerar que ela se impregnou dos conceitos de várias escolas teológicas ou místicas e pela descoberta do pensamento grego. Uma das influências mais significativas e profundas na visão de mundo muçulmana foi a de Platão, especificamente a teoria do mundo das Ideias. A ideia do Belo, como sinônimo de bom e verdadeiro, aparece nos escritos de Al-Djahiz: “O belo, sendo sinônimo de liberdade, de mérito, de nobreza e de pureza, não se deixa capturar pelo tempo, que não o faz fenecer nem o altera”2. Da ideia do Belo, deriva a teoria do Amor - amor absoluto e puro pelo Belo. Este amor platônico é conhecido pelos árabes como oudhrite, nome de uma tribo, Banou Oudhra, célebre na Antiguidade pelo culto ao amor desesperado que consome toda uma vida. Na literatura muçulmana os arquétipos desse amor impossível, que dura uma vida e se realiza só através da morte, são representados por Madjnoun e Laïla e por Youssef e Zoulaïkha. A partir do momento em que o sufismo3 se propaga, este amor platônico transfigura-se em símbolo do amor místico do homem por Deus. Nas artes, o sufismo revela-se na contemplação da 2 3

Apud. A. Papadopoulo. L’Islam et l’Art Musulman, op. cit. p.40. Misticismo arábico-persa. A palavra apareceu pela primeira vez nos escritos árabes em meados do século IX. Derivado da palavra árabe suf (lã), relaciona-se com a prática ascética de usar lã. Sustenta ser, o espírito humano,

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plasticidade dos arabescos que dão a impressão de uma fugaz paralisação do tempo. Este esquecimento temporal e voluntário é um meio eficaz de provocar e manter a meditação que transcende o mundo ambiental para se aproximar da ideia pura. Na concepção de Verdade absoluta, das formas puras e belas, mais belas que as ninfas, como escreveu Platão, a matemática terá papel relevante na compreensão do mundo. Para o espírito muçulmano, nutrido pelo platonismo, as formas geométricas possuirão um valor metafísico e não serão, simplesmente, uma “decoração”, mas, antes, essencialmente a obra. A matemática será, também para Pitágoras, a estrutura da natureza. Sua influência sobre o mundo muçulmano se fará através do neopitagorismo, que adquire uma significação nova e bem menos racional. O neopitagorismo desenvolverá uma aritmologia de caráter hermético aplicandoa à alquimia e à astrologia e formando um conjunto de “conhecimentos” esotéricos que irão marcar, definitivamente, todo pensamento muçulmano, não somente entre o povo – normalmente inclinado às superstições – mas, também, entre os teólogos e filósofos. Outro aspecto do platonismo, o neoplatonismo, encontrado em al-Farabi e Avicena, será o modelo intelectual tanto de sufistas, quanto de sunitas4 e xiitas5. A ideia da absoluta transcendência do ser divino e único que se procura para além da Verdade, do Belo e do Bem, e de que tudo o que existe emana Dele, em uma hierarquia descendente, penetrou não só a concepção de mundo muçulmana, mas também a cristã. Na filosofia, teologia e ciências muçulmanas a influência mais importante veio de Aristóteles. Filósofos como al-Kindi, al-Farabi e sobretudo Avicena – no Oriente – Avempace, Ibn Toufayl e Averroes – na Espanha – foram os maiores representantes da filosofia aristotélica. Uma ideia maior de Aristóteles, fortemente assimilada pelo pensamento muçulmano é a da existência primordial da espécie, onde o indivíduo representa apenas as diferenças acidentais da natureza, não devendo ser objeto do conhecimento. O conceitualismo de Aristóteles foi absorvido não só pelos aristotélicos propriamente ditos, mas também pelos adeptos do platonismo uma emanação do divino, no qual se esforça para reintegrar-se. O sufismo, situando-se mais num plano emocional do que em doutrinas e disciplinas, tem sido descrito, geralmente, como uma reação ao intelectualismo do Islã e ao formalismo da preeminência dada ao poder de Alá. De característica inicialmente individual e tendência pouco especulativa, o ascetismo sufi adquiriu, pouco a pouco, expressão significativa. Através dos poetas, os símbolos e ritos popularizaram-se, especialmente na Pérsia, até que o sufismo transformou-se em centro do pensamento religioso do mundo islâmico, recebendo inúmeras influências. 4 Designação comum aos muçulmanos ortodoxos, os quais reconhecem a autoridade dos quatro primeiros califas, por oposição aos xiitas. 5 Muçulmanos partidários de Ali, primo e genro de Maomé, os quais sustentam, em oposição aos sunitas, só serem autênticas as tradições do Profeta transmitidas através de membros de sua família.

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e neoplatonismo e pelos teólogos e místicos 6. O conceitualismo, por ter como objeto digno do conhecimento, a espécie e não o indivíduo foi aplicado na arte muçulmana de maneira constante e universal. A estética islâmica será, sempre, uma estética do conceito.

Formação da Estética Muçulmana

As artes visuais dos povos islâmicos surgiram a partir da confluência de três tipos distintos de fenômenos: antigas tradições artísticas, uma visão sincrética de mundo e uma nova crença. As artes herdadas pelo Islã eram de uma extraordinária virtuose técnica e de grande variedade estilística ou iconográfica, derivando em sua maior parte do vocabulário decorativo bizantino, que por sua vez era herdeiro de motivos helenísticos e greco-romanos. Outros temas, notadamente o polígono estrelado e as rosáceas, vieram da Mesopotâmia. O arco, a abóbada e todo o complicado sistema de engenharia desenvolvido particularmente pelo Império Romano, eram utilizados da Espanha ao Eufrates. Como outras formas de cultura os árabes utilizaram-se de elementos exógenos em sua arte, fusionando-os de maneira própria numa estética espiritual e complexa. Tecnicamente, estilisticamente e ideologicamente, o mundo muçulmano adotou um sistema extremamente sofisticado de formas visuais. Uma vez que as conquistas muçulmanas foram acompanhadas de um mínimo de destruição, todos os monumentos e especialmente as atitudes, foram incorporados pela nova cultura. O impacto da nova fé nas artes foi mais o resultado da existência de uma nova entidade política e social do que, propriamente, de uma doutrina. Na visão do Alcorão ou dos registros da vida do Profeta, o primitivo Islã não trata das artes, tanto no âmbito prático de requerer ou sugerir formas de expressão cultural quanto no nível ideológico, e nem mesmo defini uma atitude muçulmana frente às imagens. Não há proibições contra a representação de seres vivos que viria a constituir uma importante característica da expressão artística do Islã, assim como nenhuma passagem com referências claras sobre a mesquita que, eventualmente se tornaria o mais característico edifício religioso muçulmano. Nos primórdios do Islã, simplesmente não surgiram questões de ordem visual ou estética. Estas primeiras observações indicam, a priori, a principal peculiaridade epistemológica da arte islâmica, que consiste em um grande número de tradições,

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A. Papadopoulo. L’Islam et l’Art Musulman, op. cit., p. 39 e ss.

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que, quando vistas em conjunto, aparecem distintas daquilo que as circundam e que as precedem em razão de uma série de características estilísticas e temáticas. Do ponto de vista da estética ocidental a característica da arte islâmica tem sido considerada decorativa por parecer, ao primeiro olhar, enfatizar uma enorme complexidade de efeitos visuais frequentemente coloridos, tanto na arquitetura quanto nos objetos. Não há profundidade e modelado, nem a tentativa de evidenciar um jogo de luzes e sombras. Esta é uma confusão que se estabelece não só em relação à arte muçulmana, mas à natureza da arte em geral, associada à ideia de que a arte tem que ser representativa das aparências sensíveis da natureza. A arte moderna surge para mostrar que o que conta não é o sujeito, a aparência, mas a essência, ou seja, um conjunto de formas e cores dispostas segundo certa ordem, que constituem o mundo autônomo da obra. Este critério já se traduzia na linguagem artística muçulmana por uma estreita submissão aos requisitos técnicos do material, pelo uso da composição geométrica em lugar da orgânica e pelo cuidado em se evitar toda individualização e representação figurada. Na recusa em imitar as aparências sensíveis e na negativa em aceitar a mímesis como ideal de arte, está circunscrito o pensamento teológico e filosófico islâmico, onde o artista não atua como criador mas antes, obedece a uma lei abstrata e impessoal. A arte muçulmana figura as ideias e as formas, no sentido platônico, e os conceitos e tipos, no sentido aristotélico, constituindo-se assim uma estética do comportamento. Ao invés de perpetuar a imagem do homem, a arte muçulmana perpetuou suas ações, pelo profundo respeito a uma religião que ensina que o homem não é senão um instrumento de Deus. A explicação teológica, de que representar coisas vivas seria uma forma de competir com Deus, parece refletir o estado das artes no mundo cristão no tempo da conquista muçulmana – um período de controvérsia iconoclasta. Isto pode indicar que o Islã desenvolveu uma atitude negativa em relação à imagem, à medida que entrava em contato com outras culturas e com as artes religiosas do período, que pareciam levar a uma temerosa idolatria. A arte que se desenvolve entre os povos muçulmanos, por negar a mímesis, desvia o olhar do artista do mundo real para o mundo onírico e transfere a sua energia criadora para um universo ilimitado de linhas, formas e cores. Os desenhos e padrões, transcendendo a realidade sensível e

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obedecendo a um rigor formal, denotam a disciplina de orientação abstrata e lógica que caracterizou o povo árabe7. Para Glück, o nomadismo e a civilização foram, em certos aspectos, os fatores decisivos da essência da arte islâmica. O que diferencia a arte do Islã, como unidade, dos demais ciclos artísticos, é precisamente o espírito nômade, cuja influência permanece mesmo após muito tempo de vida sedentária. O ambiente do deserto e da estepe não fornece por si o necessário para o sustento que tem que ser buscado dia a dia. Isto determina a resignação com que este tipo de homem aceita seu destino, nascendo daí a crença na predestinação, ou seja, naquela relação entre Deus e o homem, entre o governante e o governado, que elimina todo ímpeto de liberdade pessoal do indivíduo e evita toda luta do homem contra o seu destino 8. Esta característica foi marcante nas obras de arte, que carecem de conteúdo pessoal e da possibilidade de que se revele o artista como entidade criadora autônoma. Ainda que a arte islâmica se utilize por vezes de temas figurados, estes não têm caráter de reprodução ou imitação fiel da realidade concreta. A água, a palmeira, as plantas, os animais e, em aspecto mais amplo, o oásis, são considerados em conjunto como o espírito do deserto, em seu sentido abstrato, e como símbolo da vida, uma vez que são seres e atividades que dão o sustento e bem estar aos povos nômades. Da mesma forma, a arquitetura islâmica recupera a vasta e infinita amplitude do deserto: o pátio, a galeria descoberta e os recintos agrupados, imprimem ao conceito de arquitetura um sentido distinto do conceito de limitação espacial e de singular hermetismo a que a arte ocidental nos acostumou. A estética da cor será outro aspecto importante da arte muçulmana. O uso de cores puras e intensas por toda a superfície, sem nenhuma intenção de modelado, obedece sem dúvida à interdição da mímesis. Excelentes coloristas, os muçulmanos transformaram uma condição, que poderia a princípio parecer negativa, no ponto alto da arte islâmica. A construção do espaço por meio da cor, a superfície plana sem modelado em claro-escuro ilusionista, a pureza, a correspondência absoluta entre a expressão e a composição fazem com que forma e conteúdo coincidam e se modifiquem por mútua reação. A exaltação da cor pura, a imaginação introduzida no desenho e na cor, encontrará paralelo na revolução moderna dos fauves, no começo do século XX. 7

J.H. Probst-Biraben e Maitrot de La Motte-Capron. Des Règles Mathématiques, Historiques et Métaphysiques de l’Art Pictural Musulman. Argel: s/ ed., 1938. 8 Glück-Diez: Arte del Islam. Madrid: Labor, 1932, p. 2 e ss. (História del Arte Labor, v. V)

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A Arquitetura das Mesquitas

Na Idade Média, em todas as partes, ou em quase todas, o artista viveu um tempo de confusa e obscura comunicação. Não foi um tempo de glórias pessoais, mas de um silencioso anonimato, refúgio de uma multidão de criadores que continuamente transmitiam sua força à vida. Jamais se havia visto tão intenso brotar de abóbadas, campanários e torres, figurando uma floresta pétrea que invadia o espaço querendo se apoderar do céu. A arquitetura, arte anônima e coletiva por excelência, será o testemunho plástico dessa multidão em ação. No mundo islâmico desse período a arquitetura será o painel para onde confluirão os vários aspectos da expressão artística muçulmana, particularmente a arquitetura das mesquitas, que ilustra tanto a diversidade das culturas que participaram da nova civilização, quanto a força do seu monoteísmo. Representado pela imensidão de um espaço envolvente que nos remete à unidade divina, o monoteísmo islâmico é intensificado pela sensação de infinitude provocada pelos arabescos e espirais que se entrelaçam, se desenvolvem, se desdobram e se projetam indefinidamente num turbilhão que evoca o movimento do universo cósmico. A palavra mesquita deriva do árabe masjid, “lugar onde nos prostramos (defronte de Deus)”. Este era um termo comum na Arábia pré-islâmica e no Alcorão, para designar santuários em geral, sem restrições. Se um significado mais concreto fosse pretendido, a palavra era usada em construção composta, como masjid al-haram para referir-se ao santuário de Meca. Não havia necessidade, nos primórdios do Islã, de um único edifício muçulmano, uma vez que qualquer lugar poderia ser usado para preces desde que se seguissem os procedimentos corretos. Ao lado da prece privada, o Islamismo instituiu uma prece coletiva onde o mesmo ritual era acompanhado por um sermão do imãm9 e por uma complexa cerimônia, o khutbah, juramento coletivo de fidelidade à liderança da comunidade. Essa cerimônia servia para fortalecer o vínculo comum entre os membros do ummah, a “coletividade” muçulmana, e enfatizar a importância de criar e manter a unidade do primitivo Islã. Não havia, contudo, nada que pudesse ser identificado com um edifício sagrado ou com uma forma arquitetônica. Entretanto, como o mundo muçulmano crescia em tamanho, o contato com outras culturas colocou duas questões. De um lado as centenas de exemplos de arquitetura religiosa que impressionavam os conquistadores e de outro, a necessidade de preservar a restrita 9

Líder da prece, originalmente o Profeta, depois seu sucessor e posteriormente, qualquer muçulmano habilitado.

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particularidade da crença da comunidade, expressando a sua separação de outros grupos. A mesquita reflete a complexidade das sobreposições e inter-relações do sistema social dos povos islâmicos.

As Mesquitas do Ocidente: Magreb e Espanha

Na África ocidental, os séculos X e XI não lograram uma representação artística notória de grande alcance. As ruínas de Sedrata, no deserto do Magreb central, são atribuídas ao século X. Seus arcos mantêm a perspectiva ocidental, seus adornos – pobres e esquemáticos – revelam um bizantinismo mestiço. Na Espanha e no Norte da África as características da arte islâmica são combinadas com elementos romano-bizantinos. Dois exemplos de interesse das primeiras mesquitas do mundo islâmico ocidental podem ser encontrados na Tunísia (Qairwan) e na Espanha (Córdoba). Embora em 670, Sidi Oqba, conquistador do Magreb, tenha edificado a Mesquita de Qairwan, esta teve que ser reconstruída diversas vezes. A última reconstrução, no século IX, seguiu o modelo andaluz, que norteou a edificação das demais mesquitas africanas. Os arcos que formam o claustro da Mesquita de Qairwan são sustentados por centenas de colunas coríntias das ruínas de Cartago. Seu púlpito é uma obra-prima da escultura em madeira e seu minarete10 quadrado introduz um estilo sírio nos minaretes do ocidente. Esta Mesquita faz de Qairwan a quarta cidade sagrada do Islã, uma das “quatro portas do Paraíso”. Menos sagradas e magnificentes são as Mesquitas de Fez e as de Túnis e Trípoli. Característico da primeira fase e considerado o maior centro de irradiação da cultura árabe foi, sem dúvida, Córdoba. Conquistada no final do ano de 711 por tropas mouras, foi convertida cinco anos mais tarde em capital da Espanha muçulmana, pelo emir Al-Horr. Até meados do século VIII, Córdoba foi um emirado dependente do Califado de Damasco, cuja história é perpassada por inúmeras dissensões políticas e sangrentos enfrentamentos entre as diversas facções árabes: sírios, medinenses e berberes. No ano de 756, o omíada Abd er-Rahman I (756-788) – sob cujo emirado começou-se a construir a Grande Mesquita – rompe os laços de al-Andalus com Damasco e governa Córdoba como emir independente. Inicia-se, então, um brilhante processo histórico que culmina no século 10

Pequena torre da mesquita, de três ou quatro andares e balcões salientes, de onde se anuncia aos muçulmanos a hora das orações.

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X com a fundação do Califado de Córdoba, cidade que contava, no tempo de Abd er-Rahman III, com 500.000 habitantes e umas 3.000 mesquitas. A Mesquita de Córdoba representa a evolução completa do estilo hispano-mourisco11 desenvolvido pelos omíadas na Espanha, e pode ser considerada como um tipo clássico da arquitetura dos primórdios do Islã. Mantém a organização basilical com mais fidelidade do que as mesquitas orientais que seguem o modelo da Mesquita de Damasco. A Mesquita de Córdoba, ao que tudo indica, foi construída por volta de 780 sobre e com os materiais da basílica cristã dedicada a São Vicente pelo rei visigodo Recaredo, sob o patronato de Abd er-Rahman I, o emir que tornou a Espanha muçulmana independente. Na arquitetura da mesquita observam-se quatro estilos autônomos, representativos de quatro épocas distintas. A primeira compreende o período de 780 a 793, ano em que foi inaugurada por Hixem I (788-796), filho de Abd er-Rahman I. Nessa ocasião o templo era um quadrado perfeito. A porta principal dava para o norte e através dela subia-se para um pátio no qual se erguiam onze arcos que se comunicavam com as onze naves da parte central. As colunas e capitéis seguem os estilos grecoromano, egípcio e visigodo. Esta primeira fase, pela procedência dos materiais, conserva o espírito da cultura helenística mediterrânea. A segunda fase da mesquita (833-848) é iniciada por Abd er-Rahman II (821-852), que ampliou a edificação até o sul acrescentando outros nove arcos. As colunas, também reaproveitadas e, no geral, visigodas, são utilizadas sem base. Nelas aparecem os primeiros capitéis árabes esculpidos segundo o modelo coríntio. Com al-Haquem II (961-976) tem início a época mais brilhante da mesquita, que, novamente prolongada em direção ao sul, adquire – entre 964 e 965 – a forma de um gigantesco retângulo. Abriram-se onze arcos no muro exterior do templo, ampliaram-se as naves e foram acrescentadas treze colunas por fila. Destaca-se neste período a cúpula da capela de Villaviciosa, assim como a que precede o mihrab, recoberta de magnífico mosaico. As colunas alternam capitéis coríntios e mistos, assim como os fustes de mármore azul e rosa. No mihrab, cuja decoração é considerada atualmente como a obra de arte hispano-mourisca mais importante da Espanha, destacam-se os suntuosos revestimentos de mosaicos. Seu interior se cobre com uma concha formada por uma única pedra, de grande valor 11

O termo mourisco, de mouro, deriva de Mauretania, denominação romana para a parte noroeste da África que compreende, atualmente, o Marrocos e a Algéria. Quando o Islã cruzou o Mediterrâneo e conquistou a Espanha, em 711, o fez através dos berberes da região da Mauretania e não através dos árabes. Seu chefe, Tariq era um berbere e sua armada contava com 7000 berberes e 300 árabes. Em 712, Musa ibn Nusayr, governador árabe do norte da África, com uma armada de 10.000 árabes e 8.000 mouros, sitia e captura Sevilha e Merida.

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decorativo. Nos tempos do Califado guardava o valioso Alcorão – guarnecido de pérolas e rubis – copiado pelo Califa Oman e autenticado com seu próprio sangue. Inscrições de louvor ao califa completam esta obra de 985. O templo converte-se espiritualmente em autêntica luminária da fé muçulmana. A quarta época da mesquita, iniciada por Almonzar, compreende o período de 987 a 990, tendo sido a última e a mais extensa de todas. O prolongamento do templo se fez desta vez em direção ao oriente, pela proximidade do rio Guadalquivir. Abrem-se vários arcos e são construídas mais oito naves, sem alterar sua unidade estilística. Ainda que posteriormente várias reformas tenham sido feitas – como a Porta do Perdão, construída pelos almohadas – seu traçado arquitetônico não se modificou. É admirável observar como a estrutura primitiva da Mesquita de Córdoba serviu de base a novas organizações, dando a sensação de continuidade através dos séculos, o que viria a ser uma característica marcante da arte muçulmana na Espanha. Os constantes aumentos no tamanho da mesquita ilustram a flexibilidade dos recursos estilísticos e a adaptabilidade às exigências espaciais, bem como o crescimento da cidade e aumento do número de fiéis. Ao penetrar no interior da mesquita somos invadidos por uma sensação de inquietude que vai se desfazendo à medida que nos incorporamos, de maneira imperceptível, à síntese espiritual que constitui a floresta de pedra que nos circunda, numa evocação ao mesmo tempo una e desconexa, de uma história e de uma cultura que se projetam por todo o espaço do templo. Desde o exterior a Mesquita de Córdoba parece estabelecer um rigoroso distanciamento histórico. A labiríntica presença das colunas imprime, ao longo das espaçosas naves, a marca da habilidade artística e do rigor religioso. Dominada a primeira impressão de estupor, nossos sentidos recebem constantemente chamados de toda parte. Os arcos do mihrab, cobertos de arabescos filigranados, a grandiosidade das abóbadas – onde luzem mosaicos bizantinos – os mármores talhados, as colunas coloridas, os capitéis jônicos, coríntios ou mistos, os magníficos entalhes policromados, dão testemunho da simbiose artística que foi a arte islâmica. Salvo poucas interferências orientais, a personalidade espanhola destaca-se na arquitetura da Mesquita de Córdoba. O patrimônio cultural espanhol nasceu de seu próprio acervo: o romano, o visigodo e o bizantino. A serviço da sociedade islâmica, entretanto, teve que se orientar até perder-se em minúcias estéticas nunca antes vistas. Somente na técnica industrial o oriente a superou. Como signos diferenciais, o ocidente destaca-se pelo arco em ferradura, pelas 10

arquitraves, pela abóbada, e o oriente pelo arco ogival – influência direta da Mesopotâmia – as colunas em ângulo e as torres redondas. Num segundo momento, a arquitetura da Mesquita será caracterizada pelo entrelaçamento dos arcos ocidentais e orientais, constituindo uma significante e inovadora técnica construtiva. Esta solução não perdeu de vista os valores decorativos, difundindo-se nas arquiteturas cristãs e marcando uma zona de influência andaluz, que no século XII chegou à Inglaterra, Itália e Sicília. Tornando-se cada vez mais complexa, a arquitetura alcançou o espaço dos arcos, constituindo uma base de abóbadas com valor estrutural não menor que o decorativo e estético, e foi adotada no século XII pelos arquitetos românicos, simples transmissores do que fora idealizado em Córdoba dois séculos antes. Os arcos mouriscos transformaram-se em verdadeiras rendas petrificadas, como na Aljaferia de Saragoça e nas mesquitas do Magreb. A arte dos omíadas da Espanha alcançou o Marrocos graças à conquista almorávida em 1090. Em 1236, com a conquista da cidade de Córdoba pelo rei católico Fernando III, a Grande Mesquita foi transformada em catedral. Fora de Córdoba desenvolveu-se uma arquitetura com caracteres diversos, em Toledo. Capital da Espanha visigoda, Toledo continuou sendo centro de atividades sociais em reação à Espanha andaluza. A pequena mesquita, conhecida por Cristo da Luz, tem uma inscrição histórica em sua fachada datada do ano 1000, o que corresponde aos seus caracteres artísticos, ao seu traçado e a sua estrutura. A inscrição é feita com tijolos amarelos e vermelhos combinados, em busca de uma policromia semelhante à de Córdoba. Como as igrejas bizantinas, forma um quadrado em cujo âmbito, quatro colunas sustentam arcos divisórios para nove compartimentos abobadados sendo, o do meio, mais alto. Na região de Granada, os muçulmanos mudaram o nome da capital, Castelã, para Medina Elvira, capital desde os tempos de Abd er-Rahman até Zawí Ben Zirí. Quando o Califado de Córdoba entrou em declínio, Zawí Ben Zirí, vice-rei dos omíadas, declarou a sua independência e, em 1013, mudou a capital para a atual cidade de Granada, dando início a um longo domínio muçulmano, só interrompido pelos reis católicos, em 1492. Em Granada seria construído um dos maiores complexos arquitetônicos da civilização islâmica: Alhambra. Iniciada nos fins da Alta Idade Média, a construção de Alhambra atingiu seu apogeu por volta do século XIII, quando a expressão artística muçulmana pareceu atingir os limites do refinamento, da harmonia, do esplendor, da complexidade e da sofisticação. 11

Granada cresceu e desenvolveu-se sob os almorávidas - que sucedem Zirí no século XI - e sob os almohadas. A influência dos muitos anos da presença muçulmana em Granada pode ser vista em cada canto da cidade. O período mais glorioso de Granada começa em 1236 quando, com a conquista de Córdoba pelos cristãos, torna-se de fato e por direito, a capital da Espanha muçulmana.

As Artes Industriais e Decorativas

A Europa conheceu objetos de arte islâmica desde os primórdios da Idade Média, trazidos pelos cruzados ou manufaturados pelos árabes na Sicília e Espanha. Muito admirados e até imitados, fizeram parte da cultura material daqueles tempos. Embora a distinção entre artes mecânicas e artes liberais fosse marcante, as manifestações artísticas não eram submetidas à divisão entre belas artes e artesanato. Entre as obras-primas muçulmanas encontramos tanto trabalhos de arquitetura ou de pintura quanto trabalhos de tecelagem, cerâmica e metal nobre. Este conceito de arte unitária, que não faz qualquer distinção entre arte monumental e arte decorativa viria a permear, no começo do século XX, o programa da Staatliches Bauhaus. Fundada em 1919, em Weimar, por Walter Gropius, e ligada às condições históricas e sociais da Alemanha vencida, a Bauhaus traduziria a vontade de reorganização positiva e racional, em reação ao individualismo expressionista:

Queremos criar nova corporação de artífices que não conheçam o orgulho de classe erguendo muralha arrogante entre artistas e artífices. É preciso querer, 12 imaginar, preparar em comum o novo edifício do futuro[...] .

Essa edificação do futuro, associada à unidade proposta pela arte, parecem estar por trás, também, daquele mundo islâmico fragmentado, geográfica e etnicamente. As artes industriais e decorativas foram de grande significação no período califal. À cristandade devemos a conservação dos achados arqueológicos, preciosos trabalhos em tecido, cerâmica, marfim, prata, bronze, ferro, ouro e vidro, guardados cuidadosamente em relicários

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Dicionário da Pintura Moderna. São Paulo: Hemus, 1981, p.29.

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eclesiásticos. Isto propiciou um conhecimento maior da riqueza do califado ocidental que do oriental13. Os tecidos, finos e uniformes, eram decorados com folhagens estilizadas, entremeadas por aves e inscrições, em especial um, em louvor a Hixem II. A cerâmica revela-se uma manufatura original e artística, sem precedentes. Embora os sítios arqueológicos sejam muitos e dispersos, as ruínas de Medina Elvira e Medina al-Zahara14, têm dado o maior contingente de objetos cerâmicos de cores brilhantes e vibrantes. As cerâmicas da Espanha e norte da África diferem daquelas produzidas no resto do mundo islâmico. O fundo era geralmente escuro – verde, marrom e preto – e os desenhos feitos em creme, vermelho, azul e branco. Os padrões obedeciam aos mesmos princípios estéticos que marcaram a arquitetura: o desenho geométrico retilíneo – essencialmente os polígonos – e as curvas algébricas de décor vegetal – essencialmente as espirais.

Permanência das Artes Islâmicas no Ocidente

A tradição artística muçulmana sobreviveu na Espanha mesmo depois da queda de Granada, com a tomada de Alhambra. Importantes trabalhos em metal, madeira incrustada em marfim e cerâmica esmaltada eram produzidos por Valência e Málaga. A arte mudéjar, que designa todo trabalho feito em estilo islâmico sob o cristianismo, pode ser encontrada nas cerâmicas e nos têxteis, bem como nos monumentos arquitetônicos como nas sinagogas de Toledo e no Alcazar em Sevilha, onde até mesmo o nome do príncipe cristão D. Pedro está escrito em letras arábicas. O espírito mudéjar, na verdade, permeia grande parte da arquitetura ornamental e das artes decorativas espanholas e sua influência pode ser encontrada, inclusive, na América Espanhola. A arte cristã sob o domínio muçulmano – mozárabe – que floresceu na Espanha, também sofreu influências islâmicas. Suas principais manifestações compreendem decorações arquitetônicas, objetos decorativos e iluminuras, datando principalmente do século X e XI. As iluminuras dos comentários da Revelação de João pelo abade espanhol Beatus, no século VIII, 13

Manuel Gómez-Moreno: “El Arte Islámico en España y en el Magreb”, In: Glück-Diez, Arte del Islam, op. cit., p. 107. 14 Distante oito quilômetros de Córdoba, o palácio de Medina al-Zahara, foi construído pelo califa Abd er-Rahman III no século X e ampliado por seus sucessores, até que, em princípios do século XI foi saqueado pelos berberes.

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abordam temas puramente cristãos em estilo possivelmente influenciado pelas pinturas de miniaturas ou livros de ilustração muçulmanos. O exemplo mais expressivo, conhecido como Saint-Sever Apocalypse, encontra-se na Biblioteca Nacional de Paris.

Conclusão

A arte islâmica aspirou uma autoconsciência, criando formas artísticas que se identificariam como sendo diferentes daquelas produzidas pelas tradições não-islâmicas contemporâneas ou daquelas que as precederam. Por vezes, como no uso das técnicas grecoromanas de mosaicos ou na adoção das técnicas arquitetônicas persas e romanas, a arte islâmica apropriou-se das tradições disponíveis. Num outro momento, como na construção das mesquitas, recompôs as formas apropriadas. Nas cerâmicas ou no uso da caligrafia ornamental, o artista muçulmano criou novas técnicas e um novo vocabulário decorativo. A intenção de identificar a si próprio como único e diferente está sempre presente na expressão artística do Islã, seja qual for a sua natureza. A estética foi principalmente engendrada por um movimento de fé e pelo dogma essencial e fundamental do Islã: o monoteísmo irredutível. Neste sentido Maomé combateu, sobretudo, a idolatria greco-romana e a trindade reconhecida pelos cristãos, para estabelecer um diálogo direto entre Deus e os homens. Uma vez que, inicialmente, não havia nenhum conceito sobre no que consistiria a tradição islâmica nas artes visuais, os primórdios da arte muçulmana frequentemente aparentam ser apenas a continuação de antigos estilos artísticos, formas, temas e técnicas. Como exemplos de arte de uma nova cultura devem ser vistos, entretanto, no contexto em que foram criados. Quando assim vistos, aparecem como escolhas conscientes da nova cultura islâmica, em meio à imensa herança artística. O impacto da nova crença nas artes ocorreu principalmente pelo encontro da jovem cultura com o mundo não islâmico, aspirando justificar sua própria aceitação ou rejeição de novos caminhos e atitudes. Embora a civilização islâmica pareça acolher, e mesmo procurar, todas as formas de contribuições, foi altamente seletiva. Todos os conhecimentos, técnicas, objetos, costumes e atitudes, que representassem um perigo para sua religião ou que não se ajustassem às suas maneiras de sentir e de pensar eram de alguma maneira eliminados ou neutralizados.

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Isto significou, ao mesmo tempo, a grandeza e a debilidade da arte islâmica, que conquistou o arbítrio da criação pura do espírito, através de uma linguagem plástica original, mas não permitiu que o indivíduo rompesse com as fórmulas definitivas, imobilizando-o no exato momento em que os povos ocidentais se desprendiam dos ritmos coletivos. O deserto que revelara aos homens a unidade do espírito impôs-lhes também o seu enorme vazio, que parece querer levar a lugar nenhum.

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