O espírito que falou a Elifaz: divino ou demoníaco?

May 27, 2017 | Autor: J. Makoski Rodrigues | Categoria: Old Testament Theology, Doctrine of God, Wisdom Literature
Share Embed


Descrição do Produto

Instituto Adventista Paranaense

Seminário Latino Americano de Teologia

Metodologia de Pesquisa

Prof.ª Christie Chadwick

O ESPÍRITO QUE FALOU À ELIFAZ: DIVINO OU DEMONÍACO? ANÁLISE HISTÓRICA DE JÓ 4:15-18

Um artigo apresentado em cumprimento parcial dos Requerimentos da disciplina do II Semestre de Teologia

João Eliakin Makoski Rodrigues

Ivatuba, 26 de novembro de 2015.

O ESPÍRITO QUE FALOU À ELIFAZ: DIVINO OU DEMONÍACO? ANÁLISE HISTÓRICA DE JÓ 4:15-18 Contexto histórico e cultural A datação para o livro de Jó é incerta, mas o Talmude Babilônico concorda que Moisés foi seu escritor1, provavelmente quando esteve na terra de Midiã. Já o nosso personagem teria vivido nos tempos patriarcais, podendo até mesmo ser antes de Abraão, pela linguagem arcaica do livro e o tempo de vida de Jó, pensa-se assim. Porém não podemos desconsiderar que o livro de Jó não é um livro comum e talvez tenha muito mais para se aprender por traz do ainda cobre a realidade deste livro. Como dizia o Comentário Bíblico Adventista 2 talvez Moisés tenha sido contemporâneo dele, já que Moisés viveu cento e vinte anos, e no período do seu exílio possa ter ouvido essa história do maior homem do Oriente do seu próprio sogro, Jetro, que com certeza conhecia um pouco sobre o Deus verdadeiro mesmo não sendo israelita. A terra de Uz3 poderia ter surgido através de um dos netos de Sem4 ou pelo primogênito de Naor5. A Bíblia relaciona por vezes Uz com Edom6, terra onde Esaú, neto de Abraão, mais de cento e quarenta anos que este saiu de Harã para adorar ao Deus verdadeiro, habitou. Sendo assim, tanto os povos que habitavam em Uz, ou Edom, ou mesmo nas redondezas tinham um pálido conhecimento do Deus de Abraão. Portanto o conhecimento que Jó e seus amigos tinham, provinha do conhecimento adâmico e não do abraâmico, pois mesmo podendo ser descendentes de Sem, Naor ou Esaú, não tinham o relacionamento que Abraão tinha com o EU SOU, que só se manifestou de forma integral a partir de Moisés.

1

Baba Bathra, 14b, 15a. Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 3 (SP: CPB, 2012), 549. 3 Jó 1:1. 4 Gênesis 10:21, 22. 5 Gênesis 22:20, 21. 6 Lamentações 4:21. 2

O nome Jó, variante do hebraico ‫‘( ִאיֹוב‬Iyowb), significa alguém detestado, odiado, ou mesmo adversário, que demonstra inimizade, e Andersen7 até sugere como alguém longe da aliança ou que é contra Deus, algo que ele admite que se tornou. Os seus amigos têm uma abordagem interessante quanto ao que Jó está passando, mas vamos nos deter ao discurso de Elifaz, o temanita, começando pelo seu nome e origem e discorrendo até quando Deus se irou sobremaneira sobre este. Podemos encontrar uma referência a este nome no primeiro livro de Moisés, sendo o primogênito de Esaú e pai de Temã,8 já que o escritor de Jó o coloca na linhagem de Temã, por este ter sido um príncipe em Edom, uma posição bem renomada para a época. O amigo do nosso personagem também seria o mais velho dos três, por discursar primeiro a Jó, como especifica o Comentário Bíblico Adventista.9 Através de profetas bíblicas10 podemos definir que Deus não se agradava dos temanitas. Suas ações O fizeram invocar a justiça estabelecida para os povos de Edom. Isso nos leva a pensar que os povos da região de Edom não estavam interessados em servir a Deus. Provavelmente pelo que Jacó, que é Israel, acabou fazendo com Esaú, que é Edom, roubando sua primogenitura e tomando o lugar de Príncipe na família.11 Se Elifaz fazia parte da família de Temã, provavelmente ele não teve uma educação muito clara quanto ao que o Deus vivo queria de Seu povo e como permitia o sofrimento para provar o real caráter de seu inimigo perante o Universo ou para o crescimento recreativo na vida do indivíduo, inclusive Jó,12 não tendo muita noção do Grande

7

Francis I. Andersen. Jó, Introdução e Comentário (SP: Vida Nova, 1984), 75. Gênesis 36:11. 9 Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 3 (SP: CPB, 2012), 567. 10 Jeremias 49:7 e 20, Ezequiel 25:13, Amós 1:12 e Obadias 1:19. 11 Gênesis 27:35 e 36. 12 Ellen G. White, História da Redenção (SP: CPB, 2011), 14-17. 8

Conflito, pensando que todo o mal provinha de Deus e ecoando em sua mente o discurso mentiroso do anjo rebelde, como afirmou Wheeler.13 Contexto bíblico Então Elifaz aparece para repreender Jó14 que havia acabado de amaldiçoar seu nascimento e pedir a morte.15 Infelizmente Jó nunca soube dos motivos que envolveram seu sofrimento e nem suspeitou que havia um poder inimigo que tentava provar que Deus era injusto por ter dado a ele toda a sua riqueza e, por isso, era fiel a Ele.16 Porém mesmo ignorante disso ele não amaldiçoou a Deus e continuou sendo o mesmo “homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal”17 que sempre fora. Elifaz não entendia isso, seu conhecimento sobre o assunto era vago e foi atrás da experiência sua e de seus antepassados para entender que Jó havia pecado contra Deus, sendo, como Champlin afirma, infeliz em sua resolução, , pois Jó continuava como um ser humano, que mesmo sendo pecador não largava sua fé.18 Em seu discurso tentou levar Jó a pedir perdão por nenhum motivo real que pudesse ser entendido. Mesmo que a ideia local fosse de que todo sofrimento provinha de Deus, Jó tentara entender o porquê do seu pesar, mas Elifaz não o ajudou muito com sua palavras e respostas, sendo um mero dogmatista, segundo Burrel.19 Das muitas coisas que Elifaz falou, a que mais chama atenção está dos versos 12 a 21. É o clímax de seu discurso, onde apoia parte do seu conceito e de onde encaminha o restante do mesmo. Um momento mistíco e nostálgico em que um espírito sobrenatural, que para ele era divino, passa e deixa uma mensagem:

13

Gerald Wheeler, El Dios del torbelino. (Argentina: ACES, 1993), 37. Jó 4. 15 Jó 3. 16 Jó 1:6-12. 17 Jó 1:1. 18 O Antigo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. (SP: Hagnos, 2001), 1889. 19 David B. Burrel, Desconstructing Theodicy – Why Job Has Nothing to Say to the Puzzle of Suffering (MI: Brazos Press, 2008), 27. 14

“Seria, porventura, o mortal justo diante de Deus? Seria, acaso, o homem puro diante do Seu Criador? Eis que Deus não confia nos seus servos e aos seus anjos atribui imperfeições”. Jó 4:17 e 18. O que foi dito é uma grande discrepância. É fato, não podemos confiar em nós mesmos, mas quando decidimos confiar em Deus, podemos nos tornar grandes auxiliadores em Sua obra. Anjos permitiram que a autossuficiência tomasse conta de seu coração. Rebelaram-se contra Deus, tornando esta afirmação verdadeira, não que Deus não confie nas criaturas, mas quando elas não confiam nEle, Ele não pode obriga-las e deixa o livre-arbítrio fazer a diferença. Portanto analisando o momento que Jó estava passando a natureza desse espírito parece ser uma incógnita, pois tem um fundo de verdade. Jônatas Leal20 argumenta ser “teofania, na qual um ser celestial, não necessariamente Javé, aparece a Elifaz trazendo uma mensagem”, sendo que ele foi abençoado por presenciar tal acontecimento21, verificando os oráculos divinos22, e Andersen23 ressalta que o próprio Espírito de Deus falou ou, como Henry24 teoriza, foi apenas uma “visita celestial” não identificada, é claro que seria muito mais fácil se o escritor do livro colocasse “O anjo do Senhor” apareceu à Elifaz25. Mas por outro lado, poderia ter sido apenas um sonho que Jó desconsiderou26 ou mesmo um vento que sussurrou à Elifaz27. E

Jônatas Mattos Leal. “UMA BREVE ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DE ELIFAZ EM JÓ 4:1216.” (Revista Hermenêutica, Volume 10 n. 2 – 2010), http://www.seer-adventista.com.br/ojs/index.php/hermeneutica/article/view/226/221. 21 World Biblical Comentary, Job 1-20, 1989, p. 128-131. 22 The Expositor’s Bible Comentary, v. 4 (MI: Publishing House, 1988), 895. 23 Francis I. Andersen, Jó, Introdução e Comentário. (SP: Vida Nova, 1984), 111. 24 Matthew Henry’s Commentary on the whole Bible, v. III, Job to Song of Solomon. (RJ: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2010), 26, 27 e 28. 25 O Antigo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. (SP: Hagnos, 2001), 1883. 26 Comentário Bíblico Expositivo, Antigo Testamento, v. III – Livros Poéticos. (SP: Geográfica Editora, 1ª Edição, 2006), 16 e 17. 27 Comentário Bíblico Beacon, Jó a Cantares de Salomão (RJ: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2005), 36 e 37. 20

há mais uma possibilidade, Wheeler28 salienta que o espírito fez com que Elifaz se contradissesse tornando o seu discurso contra Jó, sendo, portanto, um espírito mentiroso, tentando fazer Jó blasfemar de alguma forma contra Deus. Porém, no contexto bíblico a maior parte das opções sobre a natureza do espírito se desfazem. Champlin acrescenta a possibilidade de ser um morto, cujo espírito desencarnado falou, mas essa é até um deboche perante a Bíblia e a cultura local. As poucas vezes que isso pareceu acontecer foram com Saul, que foi procurar Samuel, já morto, pois Deus não lhe respondia nem através do Urim29, porém, Deus havia proibido a necromancia no meio do seu povo30, e com Moisés, no momento da transfiguração de Cristo, que Judas31 esclarece que já havia sido ressuscitado. Na Bíblia só existe ou vivo ou morto, não há meio termo, e morto é dormindo32, descansando de suas obras, sem pensamentos ou ações.33 Por isso não poderia ter sido um espírito desencarnado. Dizer que era apenas um vento, também é complicado, Andersen ressalta “É uma das várias dificuldades gramaticais do hebraico deste versículo que a palavra para “vento”, comumente feminina, tem aparentemente um verbo masculino.”34 Sendo assim, para ele fica mais aceitável que era um espírito, que na Bíblia ou é o Espírito de Deus ou um anjo35. As características da manifestação se aproximam muito de uma teofania. Visões noturnas eram comuns entre os profetas36 O próprio Jó falou que Deus o estava perturbando com visões e sonhos37. Os ossos estremeceram em Davi quando sua alma estava

28

Gerald Wheeler, El Dios del torbelino (Argentina: ACES, 1993), 37. I Samuel 28:6. 30 Levítico 19:31, 20:6. 31 Judas 9. 32 João 11:11-15. 33 Jó 7: 9 e 10; Eclesiastes 9:5, 12:7. 34 Francis I. Andersen. Jó, Introdução e Comentário. (SP: Vida Nova, 1984), 111. 35 Hebreus 1:13 e 14. 36 Daniel 2:28; 4:5, 9; 7:1, 7, 13. 37 Jó 7:14. 29

perturbada38 e no caso, Elifaz estava profundamente tenso, que até seus cabelos se arrepiaram. E, por fim, o vulto não identificado diante dos olhos de Elifaz. Porém, foi um anjo, foi o Espírito de Deus ou foi o inimigo de Deus, sabendo que “o próprio Satanás pode-se transformar em anjo de luz,”39 para enganar quem ele quiser e até implantar ideias demoníacas e aparentemente boas em pessoas? Elifaz acreditava que fosse uma aparição angelical ou divina,40 pois fala a Jó com toda certeza e ainda argumenta o que lhe ocorreu. Caso é que a argumentação baseada no ocorrido não ajudou Jó a entender o que estava lhe acontecendo,41 somente 34 capítulos depois o Senhor lhe apareceu e falou com ele, ignorando tudo o que havia sido conversado anteriormente, e até um tanto indignado sobre o que haviam falado sobre Ele42. Até que Ele pediu para que Jó orasse pelos seus amigos, sobre os quais o Senhor estava irado, principalmente contra Elifaz, porque não haviam dito de Deus o que era reto, como Jó, Seu servo. Quando pois Elifaz e os seus amigos ofereceram os sacrifícios requeridos por Deus e Jó intercedeu por ele, Deus aceitou os sacrifícios e abençoou Jó com o dobro de tudo quando tinha antes. 43 Conclusão Agora fica difícil afirmar que Deus havia se manifestado de alguma forma à Elifaz, sendo que no final da história, Ele próprio fala que Elifaz falou coisas erradas sobre Si. Falou de forma convicta e concienciosa, mas não pelo Espírito da verdade. Caso contrário Deus não o haveria repreendido. O que havia dito só confundiu Jó e o deixou

38

Salmo 6:2 e 3. II Coríntios 11:13 e 14. 40 Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 3, (SP: CPB, 2012), 568. 41 Jó 7:6-8, 20 e 21. 42 Jó 38:2, 40:2. 43 Jó 42:7-10. 39

mais indignado com sua situação em vez de lhe aproximar de Deus.44 A proposta era simples: você pecou contra Deus, então arrependa e deixa de ser orgulhoso.45 No contexto geral a ideia era forçar uma mentira na vida de Jó. Era fazer ele pecar contra Deus. E no contexto do Grande Conflito, vivido no livro de Jó, é Satanás que o tenta fazer pecar contra Deus, falando meias verdades.46 Ele é o acusador.47 Lá no céu foi ele quem disse que Deus era injusto e que não confiava em suas criaturas, atribuindo imperfeições aos próprios anjos, não dando liberdade suficiente a estes. Ele mesmo queria ser semelhante ao Altíssimo48, não sendo suficientemente ser perfeito.49 Lúcifer pecou, se afastou de Deus. Ele deixou a imperfeição e a iniquidade tomarem conta do seu coração.50 E na história de Jó é ele que tenta provar que Jó não era fiel. Deus sabia que Jó era fiel. Deus não aplicava imperfeições a ele. Mesmo Jó sendo pecador, ele acreditava no seu Redentor, e que um dia veria a Deus.51 E isso bastava para que perante Deus fosse perfeito. Para Deus se apresentar na história, foi necessário muito engano. Então, Ele se apresento diretamente para Seu servo, sem muita enrolação, e falou a realidade de Sua majestade e poder, dos quais Jó não havia duvidado ou imposto alguma injustiça, através de uma manifestação real de seu poder, uma verdadeira teofania.52 Para Satanás se apresentar na história não demorou muito. Na aparição à Elifaz ele tentou fazer Jó pecar contra Deus com um discurso antigo, passado de geração em geração, por filhos que levavam a tradição de uma família amaldiçoada.

44

Jó 6:8 e 8. Comentário Bíblico Expositivo, Antigo Testamento, v. III – Livros Poéticos. (SP: Geográfica Editora, 2006), 16 e 17. 46 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (SP: CPB, 2011), 471. 47 Apocalipse 12:10. 48 Isaías 14:14. 49 Ezequiel 28:12. 50 Ezequiel 28:15. 51 Jó 19:25 e 26. 52 Jó 38:1; 40:6. 45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Baba Bathra; 2. Nichol, Francis D.. Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia. SP: Casa Publicadora Brasileira, 1ª Edição, 2012. – (Série Logos : v. 3); 3. A Bíblia Sagrada. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2 ed. Barueri – SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999; 4. Andersen, Francis I., Jó, Introdução e Comentário. SP: Vida Nova, 1984; 5. Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia. SP: Casa Publicadora Brasileira, 1ª Edição, 2012. – (Série Logos : v. 3); 6. White, Ellen G., História da Redenção. SP: Casa Publicadora Brasileira, 2011; 7. Wheeler, Gerald, El Dios del torbelino. Argentina: ACES, 1993; 8. O Antigo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. SP: Hagnos, 2ª Edição, 2001; 9. Burrel, David B., Desconstructing Theodicy – Why Job Has Nothing to Say to the Puzzle of Suffering. MI: Brazos Press, 2008; 10. Leal, Jônatas Mattos. “UMA BREVE ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DE ELIFAZ EM JÓ 4:12-16.” Revista Hermenêutica, Volume 10 n. 2 – 2010, http://www.seer-adventista.com.br/ojs/index.php/hermeneutica/article/view/226/221; 11. World Biblical Comentary, Job 1-20, 1989; 12. Gaebelein, Frank E. The Expositor’s Bible Comentary, Volume 4. MI: Publishing House, 1988; 13. Matthew Henry’s Commentary on the whole Bible, Volume III, Job to Song of Solomon. RJ: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 1ª Edição, 2010; 14. Comentário Bíblico Expositivo, Antigo Testamento, Volume III – Livros Poéticos. SP: Geográfica Editora, 1ª Edição, 2006; 15. Comentário Bíblico Beacon, Jó a Cantares de Salomão. RJ: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 1ª Edição, 2005; 16. White, Ellen G., O Desejado de Todas as Nações. SP: Casa Publicadora Brasileira, 2011.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.