O ESTADO BRASILEIRO E A EVOLUÇÃO DA DEMOCRACIA PELA AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE CIDADÃO

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O ESTADO BRASILEIRO E A EVOLUÇÃO DA DEMOCRACIA PELA AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE CIDADÃO Nelson Minoru Yamagami Sawasaki Resumo: O presente artigo busca analisar a evolução do conceito de cidadão no Brasil, demonstrando que com a ampliação desse conceito o Estado se tornou mais democrático por possibilitar a manifestação de interesses de um maior número de pessoas.

INTRODUÇÃO

O Brasil é um Estado Democrático de Direito. Por ser um Estado de Direito optou por se submeter aos princípios constitucionais 1. Como Estado Democrático deve representar a vontade popular. Não é por outro motivo que a Constituição de 1988 estabelece que o todo poder emana do povo, e este é soberano para escolher livremente através do voto direto, secreto e universal seus representantes. A eleição de representantes é uma das formas de se manifestar a democracia, pois o conceito desta é mais amplo. Democracia é melhor representada pelas liberdades asseguradas pela Constituição, mas para que estas liberdades sejam concretizadas é preciso que as pessoas tenham meios para se manifestar. A manifestação pública do indivíduo se torna plena quando este adquire o status de cidadão, é quando uma pessoa reúne em si as capacidades de direito, de fato e eleitoral (ativa e passiva). O escopo deste trabalho é apresentar a evolução pensamento democrático no Brasil através da inclusão de um maior grupo de pessoas no rol dos cidadãos. Em outras palavras, com a inclusão das mulheres, dos pobres, dos religiosos, dos analfabetos, dos mendigos, no rol dos cidadãos com capacidade eleitoral ativa (capacidade de votar), o Brasil se tornou um país mais democrático, possibilitando a manifestação de pensamento de um maior grupo de pessoas. Não se tratará neste trabalho sobre a capacidade eleitoral passiva (capacidade para ser votado ou eleito). Demonstrar-se-á que democracia não é sinônimo de vontade da maioria. E por fim apresentar-se-á a evolução estatística do eleitorado brasileiro pós Constituição de 1988, expressando como um dos grandes problemas da democracia brasileira o baixo nível de escolaridade dos eleitores. 1

GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 3. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 31.

1. DIREITOS POLÍTICOS

A República Federativa do Brasil é constituída sob a forma de um Estado Democrático de Direito cuja fonte de poder é o povo. Para exercer esse poder são escolhidos representantes que cuidarão dos assuntos do Estado. A escolha dos representantes determina o rumo da nação. Trata-se de uma decisão importante realizada pelos cidadãos através de eleições. Estas são feitas no Brasil por meio do voto. Atente-se para o fato de que apenas os cidadãos têm direito ao voto e não todos os que vivem em um Estado. Veja o desenho abaixo:

População do Estado Nacional Cidadão

A população do Estado brasileiro engloba tanto os nacionais quanto os estrangeiros no país. O nacional é o brasileiro nato ou naturalizado nos termos do art. 12 da CF/1988 e o cidadão é “a pessoa detentora de direitos políticos, podendo, pois participar do processo governamental, elegendo ou sendo eleito para cargos públicos” 2. Os direitos políticos, também chamados de direitos cívicos, são prerrogativas e deveres inerentes à cidadania 3, que englobam “o direito de participar direta ou indiretamente do governo, da organização e do funcionamento do Estado”. Direitos políticos estão intimamente relacionados com a idéia de democracia.

2. DEMOCRACIA

O Brasil é um Estado Democrático, para compreender o significado desse termo é preciso entender o que é democracia.

2 3

Ibdem. p. 4. Ibdem. p. 2.

A democracia pode ser sintetizada na célebre frase do presidente americano Abraham Lincoln: “Governo do povo, pelo povo e para o povo”. O povo é soberano e tem o poder de decidir sobre o futuro da nação (democracia direta) ou de escolher as pessoas que tomarão estas decisões (democracia representativa). A questão que se segue é: quem é esse povo? O povo não é a população total de um Estado, mas apenas os cidadãos detentores de direitos políticos. Em termos quantitativos pode-se visualizar o seguinte gráfico:

Eleitores Brasileiros no ano de 2007

Fonte: TSE e IBGE

No ano de 2007 pelo censo demográfico realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) o Brasil contava com 183.987.291 habitantes 4 e dentre estes apenas 127.464.143 habitantes 5 tinham a condição de eleitores em 2007 segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral. Se em uma eleição basta que mais da metade dos eleitores votem em uma pessoa para que esta seja eleita, em termos numéricos é necessário que somente 35% da população total do país vote nessa pessoa. Menor participação popular é necessária em se tratando de votação em 2º turno. Pelo art. 77, §§ 2º e 3º da CF/1988 o candidato a presidência da República será eleito em 1º turno pela maioria absoluta dos votos válidos ou em 2º turno pela

4

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Contagem da população 2007. Disponível em: Acesso em: 10 nov. 2009. 5 Tribunal Superior Eleitoras. Estatísticas do eleitorado. Disponível em: Acesso em: 10 nov. 2009.

maioria simples dos votos válidos. Veja o seguinte exemplo das eleições presidenciais em 2º turno do ano de 2006:

Verifica-se que pela letra do texto Constitucional se o Presidente Lula recebeu a maioria dos votos validos foi legitimamente eleito. Contudo, observa-se que o número de votos recebidos em comparação com o número total da população brasileira representa apenas 32 % da população. Tendo em mente essas proporções numéricas não se pode dizer que um país democrático seja aquele governado pela vontade da maioria. Não se deve esquecer que no Brasil o voto é obrigatório, se fosse facultativo talvez o número necessário de votos para alguém ser eleito fosse menor ainda. Se a democracia não representa o governo da maioria, então é o quê? Democracia é a tentativa de harmonizar os diversos interesses existentes em uma sociedade. Para Marçal JUSTEN FILHO seria uma forma de assegurar os interesses e valores fundamentais das minorias sociais: Para existir Democracia, é indispensável que certas funções sejam ocupadas por sujeitos escolhidos pela vontade popular tal como é necessário que as decisões concretas reflitam o interesse dos componentes da organização sociopolítica. Mas a Democracia exige que as minorias tenham seus interesses assegurados e que os valores fundamentais sejam realizados mesmo contra a vontade da maioria ou de extratos significativos da população. Reconhece-se, então, que todo e qualquer sistema que aspire à Democracia comporta um conjunto de princípios e regras destinados tanto a assegurar a participação popular na formação da vontade política quanto propicie limites a essa participação. Uma Democracia

não se configura como um sistema de organização política em que toda e qualquer decisão é produzida pela vontade do povo (ou da maioria dos seus integrantes). 6

Quanto maior a diversidade de pensamentos permitida por um Estado, mais democrático ele será. A questão que se segue é: como permitir essa diversidade? A diversidade é concretizada pela realização dos direitos fundamentais e estes só podem se realizar quando o maior número de pessoas puderem se manifestar publicamente. A liberdade de expressar-se é parte integrante de um regime democrático, neste sentido Mário Lúcio Quintão SOARES, se manifesta no sentido de que “a democracia moderna se propõe a proteger a liberdade do indivíduo, enquanto pessoa, estabelecendo os mecanismos da representação política e limites ao poder estatal” 7. A manifestação pública depende da inclusão da pessoa como cidadão, pois é apenas atingindo a condição de cidadão que um sujeito adquire a capacidade plena para se manifestar em assuntos públicos. A seguir verificar-se-á a evolução do pensamento democrático no Brasil através da inclusão de um maior número de pessoas no rol dos cidadãos ao longo das Constituições brasileiras.

2.1. Constituição de 1824

A Constituição de 1824 possuía um sistema eleitoral baseado em eleições indiretas. Pelo art. 90 os cidadãos elegeriam em Assembléias Paroquiais os Eleitores da Província e estes por sua vez se encarregariam da escolha dos Representantes da Nação (Deputados e Senadores da Assembléia Geral e Membros dos Conselhos Gerais das Províncias). Dentre as características do sistema se destaca o fato de ser um sufrágio censitário, ou seja, “baseava-se em determinadas condições econômico-financeiras de seus titulares (para votar e ser votado)” 8. Ao se estabelecer uma renda mínima

6

JUSTEN FILHO, Marçal. Agências reguladoras e democracia: existe um déficit democrático na “regulação independente”?. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 1, n. 2, p. 273-301, abr./jun. 2003. p.275. 7 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do estado: novos paradigmas em face da globalização. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 220. 8 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p.52.

para ser eleitor ou candidato exclui-se a massa mais pobre das decisões políticas do Estado.

2.2. Constituição de 1891

Esta Constituição teve por relator Rui Barbosa e foi fortemente influenciada pela Constituição norte-americana de 1787. Sobre os direitos políticos, determinava o art. 70 que: Art 70 - São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei. § 1º - Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados: 1º) os mendigos; 2º) os analfabetos; 3º) as praças de pré 9, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior; 4º) os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade Individual. § 2º - São inelegíveis os cidadãos não alistáveis.

Observa-se que era grande o número de excluídos pela Constituição de 1891. A primeira limitação se apresentava pela idade mínima para ser eleitor, no caso 21 anos. Além disso, eram excluídos os mendigos, os analfabetos, as praças de pré (excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior) e os religiosos. Vale ressaltar que a mulher não tinha direito ao voto e os estrangeiros, por não serem nacionais, também não possuíam direitos políticos.

2.3. Constituição de 1934

A Constituição de 1934 trouxe alguns avanços no pensamento democrático ao ampliar o conceito de cidadão. Trazia o art. 108 que: Art 108 - São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei. Parágrafo único - Não se podem alistar eleitores: a) os que não saibam ler e escrever; b) as praças-de-pré, salvo os sargentos, do Exército e da Armada e das forças auxiliares do Exército, bem como os alunos das escolas militares de ensino superior e os aspirantes a oficial; c) os mendigos; d) os que estiverem, temporária ou definitivamente, privados dos direitos políticos.

9

Militar que não tinha patente de oficial (Dicionário Aurélio)

Art 109 - O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar.

Percebe-se pela leitura do caput do art. 108 que há permissão expressa para o voto feminino, determinando inclusive a obrigatoriedade do voto da mulher se esta exercesse função pública remunerada (art. 109). Houve a diminuição da idade mínima para ser eleitor de 21 anos para 18 anos. Outras modificações são a retirada dos religiosos do rol dos inalistáveis e a permissão para o alistamento eleitoral de sargentos, do Exército e da Armada e das forças auxiliares do Exército, bem como os alunos das escolas militares de ensino superior e os aspirantes a oficial. Conduto permanece o impedimento para os analfabetos (“os que não saibam ler e escrever”), as praças de pré e os mendigos.

2.4. Constituição de 1937

Esta é a Constituição outorgada por Getúlio Vargas após a instalação do Estado Novo. Esta Constituição por ter forte influência da Constituição polonesa fascista foi conhecida também como a “Polaca”. Apresenta o art. 117 a seguinte redação: Art 117 - São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de dezoito anos, que se alistarem na forma da lei. Parágrafo único - Não podem alistar-se eleitores: a) os analfabetos; b) os militares em serviço ativo; c) os mendigos; d) os que estiverem privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos

Duas

modificações

são

visíveis

de

plano.

Primeiro

não

limita

a

obrigatoriedade do voto feminino somente às mulheres que exercem função pública remunerada. E segundo, impede o alistamento dos militares em serviço ativo.

2.5. Constituição de 1946

É constituição promulgada pós ditadura Vargas. Estabelecia no art. 131 e seguintes que:

Art 131 - São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos que se alistarem na forma da lei. Art 132 - Não podem alistar-se eleitores: I - os analfabetos; II - os que não saibam exprimir-se na língua nacional; III - os que estejam privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos. Parágrafo único - Também não podem alistar-se eleitores as praças de pré, salvo os aspirantes a oficial, os suboficiais, os subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas militares de ensino superior. Art 133 - O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo as exceções previstas em lei.

A Constituição de 1946 retira do rol dos inalistáveis os mendigos. Mas por outro lado inclui um grupo que denominou como sendo daqueles que “não saibam exprimir-se na língua nacional”. Uma análise mais critica do inciso II do art. 132 permite concluir que mesmo que uma pessoa seja nacional, mas que não saiba falar a língua portuguesa não será considerada cidadã. Em outros termos, se alguém nasceu ou se naturalizou no Brasil e viveu em uma colônia de imigrantes e lá não aprendeu a falar a língua portuguesa não terá direito de participar da vida política do país como cidadão. Isso representou um retrocesso na democracia brasileira.

2.6. Constituição de 1967

Constituição outorgada após o Golpe Militar de 1964. Determinava no art. 142 que: Art 142 - São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos, alistados na forma da lei. § 1º - o alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo as exceções previstas em lei. § 2.º - Os militares são alistáveis desde que oficiais, aspirantes-a-oficiais, guardas-marinha, subtenentes, ou suboficlais, sargentos ou alunos das escolas militares de ensino superior para formação de oficiais. § 3º - Não podem alistar-se eleitores: a) os analfabetos; b) os que não saibam exprimir-se na língua nacional; c) os que estejam privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos.

Por se tratar de uma Constituição criada no regime militar seria lógico a retirada dos militares do rol dos inalistáveis, assim como fez a Constituição no art. 142 § 2º. De resto, manteve as limitações da Constituição anterior.

2.7. Emenda Constitucional nº 1 de 1969

As principais inovações não foram trazidas pela Emenda nº 1, mas pela Emenda Constitucional nº 25 de 1985. O art. 14 trazia a seguinte redação: Art. 147. São eleitores os brasileiros que, à data da eleição, contém dezoito anos ou mais, alistados na forma da Lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985) § 1º O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo as exceções previstas em lei. § 2º Os militares serão alistáveis, desde que oficiais, aspirantes a oficiais, guardas-marinha, subtenentes ou suboficiais, sargentos ou alunos das escolas militares de ensino superior para formação de oficiais. § 3º Não poderão alistar-se eleitores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985) a) os que não saibam exprimir-se na língua nacional; e (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985) b) os que estiverem privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985) § 4º A Lei disporá sobre a forma pela qual possam os analfabetos alistar-se eleitores e exercer o direito de voto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985)

O caput do art. 147 traz uma redação interessante determinando que são eleitores os brasileiros que no dia da eleição tiverem 18 anos ou mais. Contudo a maior modificação foi a retirada dos analfabetos do rol dos inalistáveis, passando estes a condição de eleitores.

2.8. Constituição de 1988

A atual Constituição traz no art. 14, §§ 1º e 2º a seguinte redação: Art. 14. [...] § 1º - O alistamento eleitoral e o voto são: I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II - facultativos para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. § 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.

A Constituição de 1988 é a mais ampla em termos de direitos políticos do cidadão, estabelecendo apenas três hipóteses de inalistabilidade. Não podem alistar-se como eleitores (1) os estrangeiros e, (2) durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos e (3) os menores de 16 anos.

Há também expressa menção a existência de dois tipos de eleitores, (1) os obrigatórios (maiores de 18 anos e menores de 70 de ambos os sexos) e (2) os facultativos, neste incluídos os analfabetos, os maiores de 70 anos e, os que possuem idade entre 16 e 18 anos. Uma situação pode se observar em todas as Constituições, nunca se cogitou a possibilidade de incluir os estrangeiros entre os eleitores brasileiros. A princípio pode parecer algo tolo, por que um Estado soberano permitiria que estrangeiros interferissem em assuntos políticos internos? Contudo em um mundo cada vez mais globalizado não há Estado plenamente soberano, sendo que as políticas internas adotadas em um país acabam por repercutir em outras nações. A seguir ver-se-á o motivo pelo qual não se permite que estrangeiros participem da vida do Estado como cidadãos.

2.9. Nacionalidade e Cidadania: por que os estrangeiros não são cidadãos? A nacionalidade é um pressuposto para a condição de cidadão 10 e apenas este pode alistar-se como eleitor. Mas por que existe esta distinção entre nacionais e estrangeiros? Essa resposta pode ser fundamentada de três formas: (1) Constitucional; (2) Soberania Nacional e Estatal; e (3) Histórica. (1) Pelo art. 14, § 2º da Constituição de 1988, o estrangeiro não pode se alistar como eleitor, logo, apenas os nacionais (natos ou naturalizados) podem ser eleitores e, portanto, cidadãos. (2) Soberania Nacional é diferente de Soberania Estatal. Primeiramente é preciso compreender cada termo: (2.1) Soberania; (2.2) Nação; e (2.3) Estado. (2.1) “Soberania é uma autoridade superior que não pode ser imitada por nenhum outro poder” 11, em outras palavras, é o poder máximo. (2.2) Nação é uma “realidade sociológica”

12

, que representa os laços

subjetivos que unem determinado grupo de indivíduos. Esses laços são criados por fatores naturais (território, fauna, flora, clima), culturais (idioma, tradicões), históricos, políticos, econômicos etc. Para Sahid MALUF a nação é uma entidade de direito natural e histórica podendo ser conceituada como “um conjunto homogêneo de 10

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 272. 11 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 23. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p.29. 12 Ibdem. p.15.

pessoas ligadas entre si por vínculos permanentes de sangue, idioma, religião, cultura e ideais” 13. (2.3) Estado é uma realidade político-jurídica 14, organizado para “realizar o bem público, com governo próprio e território determinado”

15.

No entender de Sahid

MALUF o Estado “é apenas uma instituição nacional, um meio destinado à realização dos fins da comunidade nacional” 16, em um conceito simples “O Estado é o órgão executor da soberania nacional”

17

. O Estado é composto por três

elementos: população, território e governo. Em síntese população é a substância humana

18 ,

território é o espaço de validade da ordem jurídica

19

e governo é “o

conjunto das funções necessárias à manutenção da ordem jurídica e da administração pública” 20. A soberania nacional diferencia os estrangeiros dos nacionais por elementos sociológicos (tradição, cultura, idioma, história), enquanto que a soberania estatal faz esta distinção por elementos jurídicos (estrangeiro é o não natural ou naturalizado nos termos da Constituição ou das leis). (3) Historicamente é preciso retornar aos antigos gregos, tempo em que a distinção entre cidadão e estrangeiro está ligada à religião. “Cidadão é todo homem que segue a religião da cidade, que honra os mesmos deuses da cidade”

21 ,

enquanto que o estrangeiro “é aquele que não tem acesso ao culto, a quem os deuses da cidade não protegem e que nem sequer tem o direito de invocá-los” 22. O estrangeiro por não participar da vida religiosa da cidade não tinha direito algum. Se entrasse em um recinto sagrado era punido com a morte

23.

“As leis da cidade não

existiam para ele. Se cometesse algum delito, tratavam-no como escravo e puniamno sem processo, pois a cidade não lhe devia nenhuma justiça” 24. A primeira vista parece existir certa repugnância ao estrangeiro, contudo, este era recebido com

13

Ibdem. p. 16. AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 25. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1986. p. 6. 15 Idem. 16 MALUF, Sahid. Op. cit., p. 21. 17 Ibdem. p. 22. 18 Ibdem. p. 23. 19 Ibdem. p. 26. 20 Ibdem. p. 27. 21 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e da Roma. São Paulo: Hemus, 1975. p. 155. 22 Idem. 23 Ibdem. p. 157. 24 Idem. 14

agrado e até mesmo protegido por razões comerciais ou políticas

25 .

“Podia-se

acolher bem o estrangeiro, velar por ele, estimá-lo mesmo, se fosse rico ou honrado, mas não se lhe dava parte na religião e no direito” 26. Observa-se que a distinção realizada pela Constituição de 1988 em seu art. 14, § 2º (“Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros [...]”), está ligada com a própria história do pensamento do mundo ocidental. A história é um caminho formado pelas escolhas humanas, e as escolhas levaram a tratar diferentemente os nacionais dos estrangeiros. Contudo a era atual passa por um momento de globalização e formação de blocos econômicos regionais, e esse processo está diminuindo as diferenças entre os povos, mas os resquícios do nacionalismo ainda existem e continuarão existindo por um bom tempo.

3. CONSTITUIÇÃO DE 1988 - ELEITORES EM NÚMEROS

Desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 o eleitorado brasileiro tem passado por alterações numéricas. Veja os dados abaixo:

No ano de 1988 os eleitores brasileiros eram em número de 75.813.519 de pessoas, em 2008 esse número foi para 130.378.807, isso significa que o eleitorado brasileiro aumentou em quase 60% em vinte anos.

25 26

Idem. Ibdem. p. 158.

Em 1988 o número de eleitores do sexo feminino era de 37.158.744, quase um milhão a menos do número de eleitores do sexo masculino cujo número era de 38.305.256 de pessoas. Em 2008, isso se inverte sendo que o número de mulheres passa a ser de 67.482.079 e o de homens de 62.736.118 de eleitores, ou seja, o número de mulheres eleitoras passa a superar o número de homens em quase cinco milhões de pessoas.

Com relação à faixa etária dos eleitores não há dados anteriores a 1992. Percebe-se pela comparação dos dados do ano de 1992 com o ano de 2008 que houve um envelhecimento dos eleitores brasileiros. O grupo de pessoas com idades na faixa entre 45 e 59 anos ultrapassou o grupo da faixa entre 35 e 44 anos e esse aumento surpreendente ocorreu em pouco mais de uma década e meia. Interessante notar que mesmo com o aumento da população brasileira o número de eleitores com 16 e 17 anos diminuiu, enquanto que o de eleitores com idade superior a 60 anos mais que dobrou. O envelhecimento dos eleitores é reflexo da população brasileira que está se tornando mais velha. É visível, também, que em praticamente todas as faixas etárias o número de mulheres eleitoras superou o número de homens. Em termos de grau de instrução o Tribunal Superior Eleitoral somente possui estatísticas do ano 2000 em diante. Tendo em consideração que os gráficos permaneceram semelhantes ao longo dos anos, modificando apenas em quantidade de pessoas, optou-se por apresentar apenas as estatísticas do ano de 2008:

Percebe-se pela leitura do gráfico que o número de eleitores de menor nível de escolaridade prepondera no país. Em termos numéricos existe no Brasil, pelos dados do TSE de setembro de 2009, um total de 72.303.815 de eleitores que não possuem o primeiro grau completo ou são analfabetos. Comparativamente estes chegam a ser em número muito maior que o total de eleitores do Estado de São Paulo. Veja a seguir o gráfico comparativo, que embora tecnicamente imperfeito por não possuir uma base comparativa comum, é ilustrativamente interessante:

O perigo de ter eleitores com baixo nível de escolaridade é a de torná-los massa de manobra para políticos inescrupulosos, pois chegam a ser praticamente 55% do eleitorado brasileiro.

CONCLUSÃO

Ao longo da História brasileira diversos grupos de excluídos conseguiram se incluir dentre os cidadãos brasileiros, ampliando a democracia nacional. Em Constituições anteriores o Brasil não permitia o voto dos mendigos, das mulheres, dos analfabetos, dos que não sabiam se expressar em língua nacional, dos religiosos e dos militares. A retirada dessas pessoas do rol dos inalistáveis representa mais do que uma evolução e ampliação da democracia brasileira, representa a própria ascensão desses grupos na mentalidade nacional. O exemplo mais marcante disso foi a luta feminina por maior espaço na vida pública. Hoje as mulheres eleitoras são maiores em número e também apresentam grau de escolaridade maior que dos homens. Contudo percebe-se no Brasil um grande déficit no que se refere ao grau de escolaridade dos eleitores. Isso pode se tornar um perigo a democracia, pois candidatos inescrupulosos podem se aproveitar da baixa instrução dos eleitores para receber votos. Uma solução para isso seria adotar políticas de estimulo a educação. Um povo com maior grau de escolaridade torna-se, em tese, menos suscetível a manipulações e, portanto, mais livre na manifestação de seus pensamentos. E a liberdade é princípio fundamental em um Estado Democrático.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZAMBUJA, Dracy. Introdução à ciência política. 9. ed. São Paulo: Globo, 1995. AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 25. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1986. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e da Roma. São Paulo: Hemus, 1975. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 3. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

JUSTEN FILHO, Marçal. Agências reguladoras e democracia: existe um déficit democrático na “regulação independente”?. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 1, n. 2, p. 273-301, abr./jun. 2003. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 23. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1995. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do estado: novos paradigmas em face da globalização. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

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