O Estado em Portugal (séculos XII‑XVI). Modernidades medievais, Lisboa: Editores Alêtheia, 2012. Prefácio do Professor Doutor Martim de Albuquerque.

July 6, 2017 | Autor: J. Gonçalves de F... | Categoria: History of Political Institutions, History of State and Law
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O ESTADO EM PORTUGAL ( S É C U L O S X I I ­‑ X V I )

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Judite A. Gonçalves

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xii ­‑ xvi )

m o d e r n i d a d e s m e d i e va i s

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Aos meus Pais, pelo apoio de sempre.

Título: O Estado em Portugal © 2011, Judite A. Gonçalves de Freitas To d o s o s d i r e i t o s d e p u b l i c a ç ã o e m P o r t u g a l reser vados por : ALÊTHEIA EDITORES E s c r i t ó r i o n a Ru a d o S é c u l o, n . º 1 3 1 2 0 0 ­‑ 4 3 3 L i s b o a , P o r t u g a l Te l . : ( + 3 5 1 ) 2 1 0 9 3 9 7 4 8 / 4 9 , F a x : ( + 3 5 1 ) 2 1 0 9 6 4 8 2 6 E ­‑ m a i l : a l e t h e i a @ a l e t h e i a . p t w w w. a l e t h e i a . p t Capa e Paginação: Rita Gomes Martins Impressão e acabamento: Várzea da Rainha Impressores, Óbidos w w w. v a r z e a d a r a i n h a . p t ISBN:978-989-622-444-8 Depósito Legal: 338337/12 Dezembro de 2011

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P r e fá c i o

Devo à gentileza amiga da Professora Judite de Freitas querer, na abertura do seu livro O Estado em Portugal (séculos XII­‑XVI). Modernidades medievais algumas palavras minhas. Com gosto as es‑ crevo. Não se trata da apresentação da autora e da sua obra. Por ambas falam, de maneira eloquente, a carreira académica e a pro‑ dução científica da Professora Judite de Freitas. Tão simplesmen‑ te de exarar um testemunho de profundo apreço intelectual. In‑ declinável. O tema que a Professora Judite de Freitas escolheu e se pro‑ pôs desenvolver no presente livro é crucial. Crucial para a com‑ preensão do evoluir histórico de vários séculos em Portugal. Seja do prisma das ideias, como dos factos e das instituições. O Estado perfila­‑se numa compreensão abrangente, quer como uma ideia quer como facto, quer como instituição. À sua construção ideoló‑ gica em Portugal ­‑ génese e desenvolvimento ­‑, tenho dedicado sucessivas páginas, mas reconhecendo sempre que essa é apenas um dos ângulos possíveis de abordagem do fenómeno. Sem par‑ tir, consequentemente, da convicção insustentável de que as ideias correspondem necessária e inevitavelmente às demais realidades. Outros autores têm, aliás, dado contributos e dedicado investiga‑ ções das outras perspectivas alternativas. A Professora Judite de Freitas, em boa­‑hora, vem agora neste seu livro apresentar, a partir de tudo isso e indo muitas vezes para lá disso, um quadro de integração de planos. Instituições, imagens e configurações, ideias, formas e estruturas casam­‑se em sintonia e diálogo. A juntar a tanto, cumpre sublinhar a riqueza de mate‑ riais – fontes e bibliografia – e a hermenêutica severa, mas serena com que foram usados. O resultado é um livro simultaneamente erudito e divulgativo em que os investigadores e o leitor comum 5

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encontram, por igual, interesse e expectativa. Isto, por si só, torna­‑o invulgar. Ele fornece duas dimensões que raramen‑ te se conseguem conciliar, mesmo harmonizar. Contribui, de resto, para tanto, além do rigoroso saber exarado e plasmado na obra, a legibilidade convidativa do próprio texto. Sem perder carácter científico, este livro da Professora Judite de Freitas os‑ tenta, de facto, uma discursividade atraente, inclusive sedutora. Claro, sistemático, lógico. São três adjectivos que ocorrem na‑ turalmente e a propósito. Concitar tantos autores portugueses e estrangeiros, os respectivos contributos de forma coerente e em concatenação, sem os desvirtuar, antes em encaixe ad‑ mirável uns nos outros e sem jamais perder de vista as fontes da época respectiva, constitui um desafio que a autora acatou e venceu, todavia, sem dificuldade aparente. A culminar, a ca‑ pacidade de faire varier les accents que é o atributo do verdadeiro historiador. Sobre este aspecto, vale por uma demonstração a própria escolha do subtítulo da obra Modernidades medievais. Como se nos afigura paradigmático “ jogo”, sempre conscien‑ te e equilibrado, entre as realidades do passado e as categorias dos historiadores. Ou dito de outro modo – entre o que foi e os conceitos que se usam e usaram ou são produto da circuns‑ tância de quem investigou ou investiga. A Professora Judite de Freitas evidenciou, a tal respeito, uma cuidada atenção ao por‑ menor (e o pormenor às vezes é tudo), mesmo quando ele se situa em áreas distintas como o Direito e a Sociologia. Muito e muito mais haverá que dizer sobre esta obra que veio para ficar e que se confugura como análise, mas também como síntese. Que recorre, a um tempo, aos ensinamentos da micro e da macro­‑História. Sobre este último aspecto afiguram­‑se­‑nos da maior utilidade e bem conseguidos os anexos: organogra‑ mas das instituições, cronologia, mapas e quadros – incluindo um sobre as Teorias políticas medievais (séculos XIII­‑XVI). O livro hoje deposto nas mãos do leitor ajuda bem a com‑ preender que é necessário não se fazer um juízo demasiado ab‑ soluto sobre os vários períodos da História. No caso vertente, emerge meridianamente, e a propósito do Estado, que na Idade 6

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Média se perfilaram numerosos traços de modernidade e que na Idade Moderna persistiram inequívocos traços medievais. O real é bem mais complexo do que os esquemas tradicionais e as ideias pré­‑definidas inculcam. É tempo, não obstante, de concluir estas desbotadas linhas de aplauso. O livro aí está. E o leitor pode avaliar. No que me toca, o fenómeno da génese ou emergência do Estado qua tali ficou bem claro. Martim de Albuquerque Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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Introdução

Este livro constitui um estudo abrangente sobre o modo como decorreu o processo político de criação e desenvolvimen‑ to do Estado em Portugal da Idade Média aos alvores do Re‑ nascimento. Ele assenta em cerca de vinte anos de dedicação ao estudo do processo de construção do Estado, incluindo a aná‑ lise das sociedades políticas medievais e o incremento da bu‑ rocracia régia. Provavelmente o título invoca uma análise mais profunda do que aquela que apresentamos. A concepção deste projecto surgiu na sequência da elaboração do relatório da dis‑ ciplina de História Política Medieval de Portugal, apresentado a provas de habilitação ao título de agregado do Departamen‑ to de História e Estudos Políticos e Internacionais da Facul‑ dade de Letras da Universidade do Porto em 2007, tendo sido sucessivamente ajustado o plano inicial ao formato que agora apresentamos. Mantivemos a ideia original de conceber uma reflexão síntese sobre as origens medievais do Estado moderno em Portugal, mas procuramos aprofundar o nível de exposição, com recurso a bibliografia especializada e, sempre que possível, actualizada no âmbito de cada um dos assuntos enunciados. Evidentemente que consideramos o tema e as problemáticas envolventes bastante abrangentes para que constituíssem ob‑ jecto de estudo de uma equipa de investigadores, cada um dos quais incidindo na sua área de especialização. Contudo o nosso intuito não foi o de produzir uma história de… apresentando um compêndio, abraçando o trilho cronológico dos aconte‑ cimentos, mas antes remeter para o enquadramento geral das problemáticas historiográficas subjacentes ao conjunto de te‑ mas e questões actualmente proposto nos projectos europeus de pesquisa sobre as origens do Estado moderno e os sistemas 9

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políticos por ele engendrados. Daí o privilegiar da conceptua‑ lização das temáticas abordadas em detrimento da referência e identificação de marcos singulares importantes, organizando­‑as cronologicamente e de acordo com as distinções convencio‑ nais, mormente, mudanças de reinado, de dinastia ou de con‑ juntura política. Intentamos colocar­‑nos sob a recente linha de interpretação historiográfica dos programas de pesquisa do CNRS1 francês e da Fundação Europeia de Ciência, liderados por Jean­‑Philippe Genet e Wim Blockmans, subordinados à problemática da Genèse de l’État moderne européenne, num con‑ junto de sete colóquios internacionais e inúmeras publicações que referenciamos, servindo­‑nos delas como principais fontes de inspiração no enunciar dos temas e na exploração dos pro‑ blemas. Daí a referência a bibliografia estrangeira que, muito embora, não tenha por objecto a análise de aspectos da história política nacional, em muito contribuiu para a nossa forma de encarar, interpretar e explicar as configurações do Estado. De toda a bibliografia referenciada é justo destacar as contribui‑ ções de Jean­‑Philippe Genet, Françoise Autrand, José Manuel Nieto Soria, Bernard Guenée (1927­‑2010), Adeline Rucquoi, Miguel Ángel Ladero Quesada, Miguel Artola, Salustiano de Dios e José María Monsalvo Antón. De igual modo, devemos salientar os trabalhos de Armando Luís de Carvalho Homem, Martim de Albuquerque, José Mattoso, Maria Helena da Cruz Coelho, Luís Miguel Duarte, Rita Costa Gomes e A. H. de Oliveira Marques (1933­‑2007), que foram suficientemente re‑ levantes para os considerarmos mais influentes do que simples referências bibliográficas. Projectámos a realização de um livro que explicasse as metamorfoses do Estado português desde a formação reinícola aos alvores da modernidade tendo por base, fundamentalmente, a análise das condicionantes de afir‑ mação do poder régio enquanto autoridade «pública» e a cria‑ ção e aperfeiçoamento dos sectores da governação ao longo da Idade Média portuguesa. Na verdade, conforme veremos, os reis medievais foram os impulsores da construção do Es‑ tado moderno. 10

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Para explicarmos a formação do Estado moderno em Por‑ tugal, tivemos que recuar às origens da realeza medieval e sa‑ lientar a partir daí os principais traços evolutivos, adoptando como correlativos, o processo criativo dos ofícios palatinos (ór‑ gãos da governação), o carácter ideológico do poder da realeza medieval, as concepções de «realeza», «monarquia», «serviço» ou «ofício», a transformação das estruturas da administração central ­‑ incluindo o laicismo dos serviços burocráticos supe‑ riores ­‑, a organização do território e os instrumentos legislati‑ vos, judiciais e administrativos de que o rei dispunha para fazer exercer o poder soberano, por meio dos quais, paulatinamente, se vai transitando do Estado feudal ao Estado moderno. Pro‑ curamos inscrever as configurações desse trajecto em grandes unidades temáticas que dão entrada a cada um dos quatro ca‑ pítulos deste trabalho: I ­‑ Realeza, Governo e Poder dinásti‑ co; II ­‑ Monarquia, Parlamento e Direito; III – Estado, Poder e Administração e, finalmente, IV ­‑ Estruturas do poder políti‑ co: a monarquia renovada. Evitamos o recurso intencional aos termos “absolutismo”, “absolutismo régio”, “Estado absolu‑ to” e outros análogos, utilizados por alguns sectores da nossa historiografia medievística e moderna para definir o momento do aparecimento do Estado no Ocidente europeu. Pensamos que a diferença entre a medievalidade e a modernidade dos sistemas políticos não pode assentar num tempo exacto e de‑ marcado para todas as monarquias europeias. Sinais de moder‑ nidade foram, ao longo do Antigo Regime, convivendo com vestígios do passado medieval em todos os Estados europeus. Incluímos dois mapas e alguns anexos no sentido de facultar ao leitor o conjunto de informações relevantes para o melhor esclarecimento dos assuntos tratados. Três anexos reflectem a evolução das instituições monárquicas em três momentos his‑ tóricos diferentes evidenciando, no percurso do Estado feudal ao tempo do Estado moderno, o incremento da complexida‑ de da malha burocrática. Quanto à elaboração da cronologia, constituiu um verdadeiro desafio. Não é um género fácil! Eti‑ mologicamente, a palavra remete para o estudo do tempo e das suas divisões com o objectivo de conferir uma ordem compre‑ 11

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ensível aos acontecimentos. Quisemos evitar o elenco exaustivo dos acontecimentos históricos do dilatado e bem preenchido período em análise, pois existem numerosas ferramentas des‑ se tipo disponíveis online. Uma vez que o trabalho se reporta a um assunto determinado – a formação do Estado territorial moderno –, impôs­‑se uma selecção criteriosa dos eventos po‑ líticos que com este se relacionam, procurando organizá­‑los de forma objectiva, inserindo­‑os no seu contexto, proporcio‑ nando ao leitor a elucidação sobre o conjunto de factores que entram em jogo numa determinada conjuntura política. Compete­‑nos agradecer a disponibilidade dos serviços de informação e documentação da Biblioteca Central da Uni‑ versidade Fernando Pessoa na recolha de material bibliográ‑ fico. De igual modo, queremos realçar o constante estímulo e o franco apoio das colegas: Prof.ªs Doutoras Maria Cristina Almeida e Cunha e Paula Pinto Costa, do Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Congratulá­‑mo­ ‑nos pelo estímulo e a confiança transmitidos pelo Professor Doutor Salvato Trigo, Reitor da Universidade Fernando Pes‑ soa. Agradecemos, igualmente, o interesse e o apoio do Pro‑ fessor Doutor Luís Adão da Fonseca, Presidente do Conse‑ lho Científico do Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade (CEPESE), e do Professor Doutor Fernando de Sousa, Presidente da unidade de investigação científica a que pertencemos, na sua concretização. Ao nosso mestre e amigo, Professor Doutor Armando Luís de Carvalho Homem, Professor Catedrático da FLUP, quere‑ mos expressar o nosso mais profundo apreço pela forma como foi acompanhando o desenrolar do projecto, efectuando, pon‑ tualmente, eloquentes e pertinentes comentários que ajudaram a melhorá­‑lo. De igual modo, exteriorizamos o mesmo sentido reconhecimento ao Professor Doutor Martim de Albuquerque, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pela forma interessada, espontânea e generosa com que de imediato assentiu prefaciar esta publicação. 12

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1 Realeza, governo e poder dinástico A instituição da realeza Na Idade Média peninsular, cada rei e chefe militar estendia o seu poder até encontrar resistência de outro, cristão ou mu‑ çulmano, situação da qual decorria o traçado de uma linha de fronteira, o primeiro dos limites políticos. As referências ori‑ ginais que colhemos relativas ao espaço político de onde viria a nascer Portugal referem­‑se a um território designado de terra portucalense, nos tempos de Vimara Peres1, de condado de Portuca‑ le, no século de Mendo Gonçalves (séc. XI) (Merêa, 1930: 14­ ‑15; Mattoso, 2002, 8: 72­‑73) e, finalmente, de condado portuca‑ lense2 com o Conde D. Henrique. O primeiro limite territorial foi estabelecido por via do avanço cristão para Sul na sequên‑ cia do qual foi feita doação em feudo ao Conde D. Raimundo3 de toda a região a norte do rio Minho e, a sul deste rio, o se‑ nhorio dos condados de Portugal e de Coimbra (1093), pou‑ co tempo depois (1096) doados ao Conde D. Henrique, seu 1 Em 868 Vímara Peres, ao serviço de Afonso III, o Magno, rei das Astúrias, tomava conta dos territórios sob presúria (Soares, 1952: 5­‑19). De acordo com Manuel Paulo Merêa o comando de Vímara Peres originou uma nova fase da história do territorium de Portucale o repovoamento ter­‑se­‑á desenvolvido, confinando com os territórios de Braga, Viseu, Lamego e Coimbra (2006b: 237­‑238). Pierre David, concordando com a tese dos autores citados, chama a presúria “l’acte de naissance du Portugal” (1947: 189). 2 A busca da razão genética de Portugal suscitou, desde o século XIX, grande controvér‑ sia. Filólogos, geógrafos e historiadores rivalizaram na argumentação das raízes da formação política de Portugal. Damião Peres procedeu a primeiro um balanço realçando a fragilidade das teses que valorizam o factor geográfico, étnico, linguístico, cultural e histórico­‑administrativo, inclinando­‑se para a ideia de que as causas políticas foram determinantes. Conforme refere “O Estado vivificado pelo patriotismo, volve­‑se Nação”. Esta concepção sustenta o actual feixe de factores que explicam a formação do reino de Portugal. A ideia que preside é a de que o rei‑ no de Portugal é o resultado de uma aspiração política que teve na sua génese a emergência de um sentimento nacional autónomo (Peres, 1967: 38­‑39). 3 Conde de Amous, quatro filho de Guilherme I, conde de Borgonha, casou em 1087 com Urraca, filha legítima de Afonso VI e primo do Conde D. Henrique.

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primo (Mattoso, [1984]: 19) e a Dª Teresa, filha ilegítima de Afonso VI. O Conde D. Henrique, enquanto suserano do con‑ dado Portucalense, tinha o dever de prestar lealdade, fidelidade e serviço militar a Afonso VI, rei de Castela, Leão, Astúrias, Galiza e Portugal, e de assegurar a defesa do território de que recebera lígia doação. Na sequência das “(…) derrotas sofridas em 1094 por Rai‑ mundo face aos Almorávidas a incapacidade do Conde [Raimundo] para desempenhar o papel de defensor da fronteira, o soberano [Afon‑ so VI] entrega tal tarefa em 1096 a seu outro genro, o conde Henrique da Borgonha, a quem é atribuído o governo das terras a sul da Gali‑ za, as quais, tendo como principais centros os territórios portucalense e conimbricense, passam a constituir o chamado condado Portucalense.” (Mattoso, Krus e Andrade, 1989: 33)

A conjuntura de guerra obrigava a uma intensa actividade militar e política por parte do Conde D. Henrique, acompanha‑ da de uma estratégia eclesiástica que favorece­‑se a afirmação da autonomia da diocese de Braga face “às pressões do arcebispo de Compostela e barões galegos no sentido de reintegrar o território portu‑ calense na Galiza” (Nogueira, 2000, I: 148). Na verdade, a unida‑ de política do condado dependia, em boa parte, da autonomia religiosa. À morte do Conde D. Henrique, em 1112, tal como era hábito na maioria dos reinos peninsulares, D. Teresa, suce‑ de na gestão do feudo e governa­‑o como regina (filha de reis), mantendo­‑se até 1121 longe das pressões externas que deseja‑ vam uma reunificação da Galiza com o condado Portucalense. A aproximação de Teresa à família galega dos Trava, personifi‑ cada na figura de Fernando Peres de Trava, vai determinar os destinos de Portugal. As dignidades eclesiásticas de Coimbra, de Braga e do Porto e os magnates portugueses contestavam essa aproximação, tendo vislumbrado na figura do único filho varão, Afonso Henriques, o líder do movimento que condu‑ zisse a uma solução que lhes agradasse. Afonso Henriques, em 1128, na Batalha de S. Mamede, conquista a chefia do conda‑ do Portucalense. 14

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“Data concreta ou simbólica, ela representou um verdadeiro mar‑ co na história destas terras ocidentais (…) Representou, por isso, uma capacidade humana determinante na independência de um território. [Afonso Henriques] tinha já o sentido da existência de um grupo humano próprio nestas terras, distinto, nos seus interesses e objectivos, do de além Minho” (Marques, 1996: 24­‑25).

Acompanhando esta aspiração à emancipação política, apoiada na identidade religiosa, encontra­‑se a ideia coeva dos Portugueses e de Portugal, sustentada na evolução do léxico político, um importante indício da configuração de uma auto‑ ridade ‘pública’ na génese da monarquia portuguesa. Os fun‑ damentos ideológicos da realeza portuguesa relacionam­‑se, neste primeiro momento, com uma concepção senhorial da rea‑ leza. O monarca é dominus, senhor entre senhores. São vários os documentos anteriores à chancelaria portuguesa que desig‑ nam Portugal como reino e Afonso Henriques de rei (Mattoso, 2006: 56), qualidade daquele que exerce poder real4. Os subs‑ tantivos rei e infante5, bem como de reino, muito embora fossem empregues nos documentos daquele que viria a ser o primeiro rei de Portugal, não tinham o actual valor semântico. José Mat‑ toso salientou a importância destas designações que considera “noções complementares da categoria nacional” (Mattoso, 2008: 24), realçando o facto de, inicialmente, terem sido de uso restrito e reservado aos escribas incumbidos de lavrarem os documen‑ tos condais e pós­‑condais. Contudo, as primeiras referências a um espaço político autónomo referem­‑se a um território e, posteriormente, a um povo e a um reino. Conforme provou Martim de Albuquerque, a ideia de ” «príncipe dos portugue‑ ses» («portugalensium princeps»), (…) a expressão «rei dos portu‑ gueses» («portugalensium rex»), [bem assim como] a fórmula «rei de Portugal» («rex Portugalie», «rex Portugalis») foi de uso corrente” pelo primeiro rei de Portugal (Albuquerque, 1974: 4 Afonso Henriques nunca se denominou de comes (conde), sempre preferiu o título pes‑ soal de infans e de princeps, descendente de reis. 5 O substantivo rei era usado pelos irmãos do monarca no sentido de pertencerem a uma mesma linhagem (Mattoso, 2006: 124­‑125).

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59­‑60). No reinado de Sancho I (1185­‑1211) mantém­‑se o uso preferencial pela expressão rex portugalensium ou portugalensium rex, com Afonso II (1211­‑1223) a de rex Portugaliae, persistin‑ do, nas primitivas designações régias, a ideia de carácter terri‑ torial6. O uso de expressões como rex portucalensis, nos títulos reais de Afonso I7, Sancho I e de Afonso II invoca a origem natural dos súbditos para identificação do território sobre o qual exerciam autoridade. É a identificação reinícola pela na‑ tureza da sua população, devida ao uso de expressões como “os de Portugal”. Semelhante situação pode ser observada na primeira fase da realeza francesa ou inglesa, pelo recurso a expressões como “rex francorum” e “rex anglorum” (Arto‑ la, 1999: 44). Paralelamente ao “sentimento da grei e, por vezes até, sobrepondo­‑se­‑lhe, em toda a Europa desabrochou um instintivo amor à terra – à terra em que se nascera e se era criado” (Albuquerque, 1974: 62). Por conseguinte, a primeira referência a um espaço político respeita à invocação de um território e, consequentemente, a um povo (sentido étnico). Para Martim de Albuquerque terri‑ tório e povo são concausas da identidade reinícola. Um e outro concorreram para a génese do sentimento nacional ou afecti‑ vidade nacional8. O segundo vector da nossa análise no processo de edifica‑ ção da realeza assenta na ideia de um poder legitimado pela graça de Deus. Este aspecto remete, do mesmo modo, para um prin‑ cípio que recua aos primeiros reis de Portugal, alicerçando­‑se na tradição romana e cristã. O entendimento de que o poder régio é uma incumbência divina faz parte da idealização da mo‑ narquia. A igreja mediatizava o poder concedido aos monarcas por Deus (teoria descendente). Neste âmbito, é interessante 6 Sobre as modalidades de que se revestiu a intitulatio nas raízes de Portugal ver por todos Reuter (1938) e Azevedo (1958). 7 Afonso Henriques até 1140, intitula­‑se, o mais das vezes, Ego rex Alphonsus Portucalen‑ sium princeps, o mesmo é dizer “chefe dos portugueses”. 8 Bernard Guenée defende a tese de que a sobrevivência dos Estados do Ocidente Medie‑ val depende do desenvolvimento de uma consciência colectiva e de um sentimento nacional elementar contrariando a ideia de todos aqueles que argumentam que a consciência nacional só surgiu no Renascimento (Guenée, 1971: 116).

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observar a associação da legitimação pela graça de Deus ao uso evolutivo das fórmulas dos documentos régios. A maioria dos diplomas assinados por Afonso I utiliza a expressão Ego Alphonsus dei gracia rex, seu filho faz uso de uma expressão se‑ melhante Ego Sanchi dei gracia rex. O mesmo sucede com os reis até aos finais da Idade Média: após a identificação do monarca segue a expressão pella graça de Deus rey de Portugal. A associação da “graça de Deus” à figura da realeza surge como fórmula legitimadora da autoridade exercida pelo seu representante. A ideia de que o poder régio procede de Deus faz parte da teo‑ ria política medieval (Pacaut, 1957: 67­‑96 e 171­‑188; Guenée, 1971: 94­‑95 e Nieto Soria, 1986: 716). Uma concepção do po‑ der régio que evoca a herança do pensamento político cristão. De outro lado, a expressão por graça de Deus na intitulatio dos do‑ cumentos configura a composição do reino entendida como o conjunto de pessoas unido pela mesma fé frente ao outro – o Islão. A concepção da “cruzada­‑guerra santa secularizou­‑se” (Albu‑ querque, 1974: 68) em defesa do reino ou da nação. A cultura política de então alicerçava­‑se em valores morais que justifica‑ vam a necessidade fundamental de promover a guerra contra o infiel9. “A ideia de que a morte em luta por Cristo daria lugar à sal‑ vação eterna aparece­‑nos sustentada relativamente aos tempos recuados do fundador da nacionalidade” (Albuquerque, 1974: 70), designa‑ damente na Crónica dos Sete Primeiros Reis do Portugal (1952). A concepção de que o combate, a peleja e o triunfo da fé em Jesus Cristo consentem a salvação, sustenta a ideia de imposição do domínio dos reinos cristãos do Ocidente relativamente a tudo o que lhe fosse exterior. A identidade religiosa cauciona a iden‑ tidade territorial e política (Ladero Quesada, 2006: 270­‑274). Um terceiro e último vector de caracterização da realeza medieval portuguesa diz respeito à sucessão dinástica e à con‑ 9 Os papas Leão IV, Nicolau e Urbano II predicaram a guerra­‑santa contra o infiel incen‑ tivando o movimento das cruzadas e, consequentemente, sancionam o poder dos monarcas. A propósito do significado do termo «infiel» convém notar que, para os muçulmanos, ele encerra o significadio de tudo aquilo que se situa fora do reino do povo de Deus, tendo sido aplicado pelo historiador Ibn al­‑Qalanisi, em 1158, a todos os povos invasores oriundos do Ocidente.

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sagração do direito da hereditariedade. Procuraremos efectuar uma breve trajectória historiográfica destes princípios, tanto mais que eles constituem a base de compreensão da emergên‑ cia da realeza medieval portuguesa. De acordo com Bernard Guenée: “Nos esprits modernes au‑ raient ici tendance à nettement opposer élection et hérédité, et à penser que la légitimité du prince devait passer par l’une ou l’autre voie” (Guenée, 1971 : 134). O autor pretende salientar que na transição da Pri‑ meira Idade Média (V­‑X) para a Idade Média Plena (XI­‑XIII) os dois procedimentos foram muito mais complementares do que exclusivos. Na ausência de princípios «constitucionais» a or‑ dem de sucessão hereditária era bastante imprecisa. Ou seja, não havia uma ordem biológica de sucessão determinada e previa‑ mente estabelecida, o sangue unia o grupo de membros da fa‑ mília, colocando, à partida, todos em iguais condições de acesso à Coroa. No seio da família decide­‑se a eleição que, em prin‑ cípio, estaria dependente da aclamação unânime do futuro rei. Foi mais tarde, na Idade Média plena (XI­‑XIII), que a ordem de sucessão se foi definindo com maior clareza, distinguindo «eleição» e «hereditariedade». Porém, segundo Bernard Guenée nenhuma das duas se impôs de forma exclusiva e inequívoca nas monarquias do Ocidente medieval. Na verdade, o estabele‑ cimento da diferença entre o «direito hereditário» e a «eleição» colheu diferentes resultados consoante as circunstâncias e as épocas de maior robustez do poder régio. Tradicionalmente, as realezas de carácter electivo, habituais entre os visigodos e os muçulmanos, deixaram marcas de forte instabilidade, sen‑ do motor de rebeliões e revoltas, de modo que, com o tempo, a eleição se tornou incómoda e pouco sustentada. Desta sorte, na Hispânia medieval, mormente a partir do século XII, veio a assumir­‑se como natural a sucessão hereditária e dinástica do poder, circunstância que ocasionou uma mudança estrutu‑ ral nas práticas jurídicas de exercício do poder régio. A suces‑ são dinástica aparece como novidade política nos reinos das Astúrias, Leão e Castela e o direito de hereditariedade do fi‑ lho varão veio a impor­‑se, a partir de então, com maior vigor 18

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(Artola, 1999:53­‑59). Em paralelo, a Inglaterra, desde o sécu‑ lo XIII, viu consagrado o princípio sucessório do filho varão, pela fórmula “in regem consecramus”; pela mesma época, na Ale‑ manha, Frederico II é eleito imperador; em França, a dinas‑ tia dos Valois consagra o princípio da legitimidade sucessória adoptado pelos reis de Inglaterra. A teoria política medieval vê paulatinamente consagrado o princípio da monarquia hereditária, um princípio que facili‑ ta a transferência da realeza e reforça o poder régio. Nas pala‑ vras de Miguel Artola “La sucesión hereditaria fue fundamental para la construcción de la imagen de la realeza” (Artola, 1999: 54). A influência eclesiástica, por um lado, e a difusão do direi‑ to romano, por outro, transformaram o rei em chefe políti‑ co com deveres perante a comunidade de súbditos. Por con‑ seguinte, o estabelecimento do direito de hereditariedade na transmissão da realeza ficou consagrado como regra de suces‑ são da Coroa. A transmissão da realeza comunicava­‑se por via de sangue (parentesco biológico), a sucessão familiar de filhos ou irmãos, ou pela via do matrimónio, na ausência de filhos varões. A preferência acaba por ir naturalmente para a suces‑ são masculina reservada ao filho varão. Por outro lado, a preo‑ cupação em associar o herdeiro às actividades da governação e militares constituem um forte indício de que haveria ainda al‑ guma hesitação relativa ao procedimento a adoptar. Estávamos nos primórdios da criação do espaço político e administrativo português, encontrando­‑se ainda por definir o princípio nor‑ mativo. Certo é que Sancho I (1154­‑1211) presta colaboração na administração do reino e participa em actividades militares pouco tempo depois do desastre de Badajoz, surgindo nalguns documentos como coadjutor de Afonso Henriques. Ao associar Sancho ao governo, Afonso Henriques acautela a descendên‑ cia directa do filho varão. Afonso II, por seu turno, em 1221, quando redige o testamento estabelece um conjunto de regras sobre a descendência legítima do herdeiro, Sancho II. Neste mesmo documento, acautelando a sucessão dinástica, procede à entrega da tutela do reino (regência), durante a menor idade 19

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do filho, aos ricos­‑homens e vassalos d’el rei, excluindo as irmãs (Mafalda, Teresa e Sancha), visto não haver tradição política nos reinos peninsulares das mulheres assumirem as principais funções públicas. Esta situação reverte para um outro assunto estreitamen‑ te associado à história da formação do Estado monárquico – o instituto jurídico­‑político da regência. Para Martim de Al‑ buquerque “A matéria das regências liga­‑se a três situações diferentes – a menoridade, a doença e a ausência do titular da coroa” (Albuquer‑ que, 1973: 203). Das três, a mais frequente parece ter sido a pri‑ meira. Na Idade Média Portuguesa constituem bons exemplos dois casos de regência por menor idade: Sancho II e Afonso V, o primeiro enquadra­‑se no tempo de fundação do poder político da monarquia e do firmar do princípio da heredita‑ riedade biológica; o segundo transporta­‑nos para um tempo de consolidação do Estado moderno (cfr. infra, ponto 2.1.) e de afirmação da soberania10 monárquica, que não é oportuno para já tratar. É certo que ao longo do processo de institucio‑ nalização da realeza devemos ressalvar os casos de D. Dinis (1279­‑1325) que foi co­‑regente nos últimos tempos do reina‑ do de Afonso III e de D. Duarte (1433­‑1438) que terá sido precocemente associado à governação por João I. Sancho II “sucedeu antes de atingir a puberdade, por volta dos treze anos”, pelas enfermidades de que padecia o pai. Prevendo uma possível re‑ petição da situação que viveu e a “hipótese de lhe suceder um menor, adiantou solução idêntica” à deliberada por Afonso II (Albuquer‑ que, 1973: 204 e 205). Favorável ao princípio da transmissibi‑ lidade do poder encontra­‑se a teoria da patrimonialidade do reino, de acordo com a qual o príncipe podia designar o sucessor na 10 Em termos conceptuais estritos a ideia de soberania régia e toda a carga que ela im‑ plica só veio a cristalizar­‑se com Jean Bodin (1530­‑1596), na obra: Os Seis Livros da Repúbli‑ ca, de acordo com a qual “todo o poder do Estado pertence ao rei”. Neste sentido, a «soberania régia» equivale a autoridade suprema e força independente do Estado. O uso que fazemos do conceito de «soberania» para tempos medievos é no sentido de afirmação crescente do poder político e territorial do rei em relação aos poderes e forças sociais concorrentes. As‑ sim considera­‑mos, tal como muitos outros autores, que a soberania­‑realidade precedeu a soberania­‑conceito (cfr., infra, p. 98).

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função de reger como se de coisa sua se tratasse e, de igual modo, estipular quem reinasse em caso de menor idade garan‑ tindo a autonomia da Coroa. Nos séculos finais da Idade Mé‑ dia acresce ainda a inclusão do princípio da tutela testamentária por influência do direito romano. Este princípio remete para a citação em testamento dos tutores e curadores do reino. São vários os monarcas que fazem uso deste direito que acabará por ser vertido para o texto das Ordenações Afonsinas (L. 4, tít. LXXXV, § 7: 315), publicado em 1446. Nesta conformidade, as dinastias peninsulares expiravam com o desaparecimento dos varões ou por golpes violentos, quase sempre a favor de um parente lateral. Este princípio da hereditariedade biológica do poder político da monarquia, desde a fundação da dinastia de Borgonha, passou por várias crises que colocaram em causa a função legitimadora do mo‑ delo enunciado. Afonso II (1211­‑1223) e os seus dois filhos, Sancho II (1123­‑1245) e Afonso III (1245­‑1279), passaram por fortes dificuldades em afirmar a legitimidade, a autoridade da Coroa e a transmissibilidade do poder político, conforme ve‑ remos. Sancho II, em consequência da incapacidade que de‑ monstrara para controlar a crise social que alastrava no país, foi declarado rex inutilis pelo papa no Concílio de Lião e, con‑ sequentemente, impedido do exercício do poder11, tendo sido substituído pelo irmão Afonso III, conde de Bolonha (Matto‑ so, 2001: 47­‑60). A guerra civil de 1246­‑48 transporta a ilusão da existência de uma única regra, a da transmissão linear da Coroa para o filho varão. Porém, as situações de crise podem vir a subverter a ordem sucessória estabelecida. O mesmo se pode dizer a respeito dos conflitos e perturbações dos finais do reinado de Afonso III e das reivindicações do infante D. Afonso, irmão de D. Dinis, ou as perturbações entre este e seu filho herdeiro entre 1320 e 1322. Evidentemente que por detrás destes conflitos encontramos uma variedade de factores 11 Em razão da incapacidade manifestada, o monarca fica impossibilitado do exercício do poder, não obstante ter mantido o ofício régio.

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e outras tantas forças sociais, com enorme peso e influência, radicadas na nobreza e/ou no alto clero. O governo do reino Estabelecida a sucessão dinástica masculina de filhos ou ir‑ mãos, a comunicação do poder fazia­‑se naturalmente assegu‑ rando o governo do reino (regimento) e a direcção da guerra. Durante a monarquia feudal, o rei corporizava a autoridade temporal máxima no reino, conquistando o consenso dos súb‑ ditos, pela capacidade militar frente aos reinos vizinhos e ao Islão, bem como pela habilidade de governar. Nos primórdios da monarquia, o exercício do poder político da realeza este‑ ve condicionado pela conquista cristã de territórios a Sul e as consequentes necessidades de organização social do espaço ocupado. A construção da imagem carismática do rei foi­‑se edificando com as vitórias frente ao opositor, circunstância que favoreceu o exercício da sua autoridade (cfr., infra, p. 34). A C orte A configuração da autoridade régia condiciona a forma de governação do reino. O rei conduzia os negócios do reino a partir da Cúria régia12. A noção original de Cúria/Corte (cohors, no latim), e da variante medieval de curtis, remetia para a ideia integradora de espaço de residência régia e lugar onde estancia‑ vam os oficiais régios (Caetano, 1981: 212­‑214), inspirando­‑se na organização palatina do reino de Leão (Sánchez­‑Albornoz, 1920). Na Corte, o rei contava com um conjunto restrito de ofi‑ ciais palatinos que o aconselhavam e assessoravam na tomada de decisões sobre os mais diversos assuntos da governação. Nesta altura, a Corte13 reunia os principais oficiais do governo e da 12 Originária do vocábulo Palatium asturo­‑leonês sucessor da Aula régia visigoda, a palavra Cúria impôs­‑se a partir do século XI por toda a Península Ibérica, tendo sido também desig‑ nada de Corte ou de Casa Real (Sanchez­‑Albornoz, 1920: 200, 381, 383 e 384). 13 Na Idade Média, a polissemia da palavra Corte ou Casa Real deriva da utilização de inú‑ meras designações, conforme salientamos em nota anterior: Aula régia, Curia, Palatium, Casa do rei, entre outras. No entanto, prevalece a tendência para a fixação do termo Corte. Sobre a evolução do binómio Cúria/Corte, ver Gomes (1995: 9­‑11).

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administração do reino. Nos tempos condais e pós­‑condais a administração da ‘coisa’ pública confundia­‑se com a gestão dos negócios particulares do rei e da casa real. A Corte reunia os serviços políticos e os serviços domésticos. Conforme salien‑ ta Marcello Caetano “Confundem­‑se as funções públicas com os ofícios privados da casa real: tudo o que era régio, era do reino” (1981: 213). Não havendo um regimento dos ofícios da Corte que permi‑ tisse distinguir claramente as competências de cada um, com‑ petia, evidentemente, ao rei decidir sobre o plano de actuação dos responsáveis pelos diversos serviços consoante as circuns‑ tâncias. Neste quadro, não é de estranhar a ausência de deli‑ mitação rigorosa de competências por diferentes oficiais e, de igual modo, a existência de casos de partilha e acumulação de funções por parte dos servidores régios de confiança do mo‑ narca (Barros, 1946). A Corte portuguesa, nos primórdios da realeza, caracteriza­‑se pela irregularidade das esferas de inter‑ venção dos mais próximos servidores do rei. De acordo com a actual historiografia institucional e jurí‑ dica, podemos distinguir, nos primórdios da realeza, três prin‑ cipais áreas ou serviços da governação: a Câmara, organismo que reúne os servidores que acompanham de perto o monarca; a Capela, órgão que congrega os servidores com funções cleri‑ cais, de onde se erigirá a Chancelaria; e a Aula, a assembleia de magnates que reunia periodicamente com o rei e que o acon‑ selha nos assuntos de justiça e organização militar. No modelo governativo proposto nas Sete Partidas14 de Afonso X, o Sábio (1221­‑1284), que teve relevante projecção nos séculos XIII e XIV entre nós, os três principais ofícios da Corte são, respecti‑ vamente, o mordomo (maiordomus), o alferes (signifer) e o chanceler (cancellarius). O mordomo superintendia, à Câmara e à Aula, remontando à época dos condes portucalenses (1097). Em pa‑ ralelo, decorre a separação dos serviços da Câmara dos da Cape‑ la, perceptível a partir de finais do século XII, consolidando­‑se 14 Compilação normativa redigida durante a governação de Afonso X, rei de Castela e Leão, com o intuito de proceder à uniformização legislativa do reino.

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ao longo do século XIII. Na primeira contam­‑se, para além do mordomo, o camareiro­‑mor, o reposteiro, o capelão, o aposen‑ tador e o físico. Na segunda, incluem­‑se os oficiais com atribui‑ ções de escrita (chanceler, que guardava o selo régio, notários e escrivães). A par dos núcleos de servidores com responsa‑ bilidades políticas e administrativas, existe ainda o grupo de oficiais que integra os serviços da Aula: o uchão de el­‑Rei ou despenseiro, copeiro­‑mor, escanção, mestre­‑sala, entre outros (Gomes, 1995: 25). Por conseguinte, a Aula inclui os principais serviços domésticos: cozinha, copa, escançaria, ucharia, estre‑ baria, caça e montaria. No século XIV, verifica­‑se uma forte tendência, em todos os reinos peninsulares, para a autonomi‑ zação da Câmara relativamente à autoridade do mordomo, que vê diminuir o seu peso nos assuntos do Estado. A independên‑ cia e projecção da Câmara régia, por meados do século XIV, inserem­‑se no contexto da reforma geral da administração ré‑ gia produzida, mormente, por Pedro I (1357­‑1367)15 a que nos reportaremos no IV capítulo. A s dignidades da C orte No topo do regime dos ofícios, ao longo dos séculos XII e XIII, encontra­‑se o mordomo­‑mor, uma espécie de despenseiro régio a quem competia receber as contas apresentadas pelos al‑ moxarifes. Trata­‑se de um ofício de primeiro plano, intervindo em todos os negócios do reino e procedendo à gestão do tesou‑ ro régio e de matérias domésticas. O mordomo­‑mor participava em todos os assuntos da casa régia. Fazia parte da assembleia dos magnates (magnatii palatii) e era recrutado entre os membros da alta nobreza (Mattoso, 1985, I: 101­‑102 e Ventura, 1992, I: 81­ ‑86). Ao longo dos séculos XII e XIII o mordomo manteve­‑se o mais alto cargo da governação, envolto de grande valor sim‑ 15 Com a promulgação da “Hordenaçom como se ham de desembargar as petiçooes” (Homem, 1978: 50­‑54), Pedro I procede a uma reorganização de alguns sectores da burocracia régia, de entre os quais cabe destacar a criação do ofício de escrivão da puridade, uma espécie de secretário particular a quem o monarca confiava o selo de camafeu. Este oficial disputará, nos tempos subsequentes, a supremacia no Desembargo com o chanceler. Cfr., infra, p. 148.

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bólico. As Ordenações del­‑Rei Dom Duarte16, uma colecção de leis, arrolada pelo rei Eloquente, que reúne um conjunto de leis de Afonso II a D. Duarte, remetem para os regimentos de ofícios da Casa real desde os tempos iniciais da monarquia (mordo‑ mo, chanceler, reposteiro, monteiros de cavalo e de pé, copei‑ ro, falcoeiro e demais ofícios da cozinha, copa e capela régias). Ao alferes­‑mor ou signifer competia o transporte do símbolo de identificação reinícola (porta­‑estandarte), circunstância que alu‑ de para a elevada posição. Na ausência do monarca, competia­ ‑lhe o comando do exército e a chefia da guarda pessoal do rei. Em tempos de reconquista cristã, as necessidades derivadas da guerra e a determinação da estratégia militar alcandoraram­‑no a um lugar distinto no seio da oficialidade régia. Conheceu uma “primeira fase de predomínio no reinado de Afonso Henriques, para de‑ pois se afirmar decididamente nas épocas de Afonso III e D. Dinis” (Co‑ elho e Homem, 1996: 534). Ofício ocupado, o mais das vezes, por membros das principais famílias nobres: Soverosa, Riba de Vizela, Sousa (Mattoso, 1985, II: 101­‑102). Na hierarquia dos ofícios o terceiro lugar era ocupado pelo chanceler ou cancellarius que reservava para si a guarda do selo real, competindo­‑lhe a redacção dos diplomas régios (cfr., infra, Anexo I, p. 206). A escolha dos responsáveis pela Chancelaria recaiu, o mais das vezes, em letrados de origem eclesiástica, dada a exigência de competências no domínio da escrita e redacção de documentos. Nos tempos condais e pós­‑condais imediatos, os primeiros indivíduos que ocuparam o ofício procedem das dioceses de Braga e de Guimarães, circunstância que se justifica pela localização da sede da governação. A deslocação posterior do centro institucional do poder para Sul irá fazer aparecer per‑ sonalidades oriundas de Coimbra e do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Dois dos mais notáveis chanceleres nos primeiros tempos da realeza portuguesa ­‑ Mestre Julião Pais (1182­‑1215) e Mestre Vicente (1224­‑1236) ­‑, de origem laica, cuja prepara‑ 16 Edição preparada por Martim de Albuquerque (Introdução) e Eduardo Borges Nunes (Nota prévia de Codicologia e Textologia).

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ção jurídica adquirida em Bolonha em muito terá influenciado a respectiva orientação política, que se pautou pela defesa da autonomia da autoridade régia relativamente à ingerência ecle‑ siástica. Ambos desempenharam um importante papel nos pri‑ mórdios da burocracia portuguesa, contribuindo para a orga‑ nização da administração régia e da chancelaria. Com o tempo, o chanceler veio a transformar­‑se no chefe do governo e do despacho burocrático; dirigente de um dos principais órgãos da governação, superintende a um conjunto vasto de tarefas bu‑ rocráticas levadas a cabo por um número crescente de oficiais escreventes. Numa primeira fase competia à Chancelaria o despa‑ cho e registo das cartas régias e as sentenças das audiências da Corte, dos assuntos de Fazenda e demais áreas da governação, bem como a cobrança das taxas da chancelaria, prerrogativa que irá perder com o tempo a favor, designadamente, do porteiro da Chancelaria (Ordenações Afonsinas, L.I, tit. XVIII: 107­‑108). Um conjunto muito vasto de diplomas, abrangendo distintos sectores da governação, era guardado nos registos da chance‑ laria régia: leis, sentenças, cartas de privilégio, provimentos de ofícios, etc. A Chancelaria, desde inícios do século XIII, era o órgão de registo dos diplomas que tinham servido para despa‑ char os originais, oferecendo a possibilidade de obter traslados e confirmações ou verificar resoluções anteriormente tomadas, para além de validar as decisões régias relativamente às senten‑ ças dos juízes da Corte e dos capítulos das Cortes. O ofício de Chanceler­‑mor aparece documentado a partir de meados do sé‑ culo XIII, distinguindo o oficial superior da Chancelaria dos oficiais da puridade (Morato, 1839). Ao longo do século XIV, a denominação de Chanceler­‑mor foi superada pela de Vedor da Chancelaria (Homem, 1991: 104­‑105). Nos séculos XIII e XIV, a Chancelaria é a sede da governação, especializando­‑se na produção, organização, registo, reprodução (traslados) e guar‑ da de diferentes tipos de documentos régios; tendo­‑se manti‑ do como o principal órgão do Estado até ao aparecimento de sectores especializados no despacho de questões judiciais ­‑ os Tribunais Superiores do Cível e a Casa da Justiça da Corte (de‑ 26

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signada, posteriormente, de Casa da Suplicação) ­‑, e o sector das finanças régias representado pela Casa dos Contos com origens que remontam à segunda metade do século XIV (cfr., infra, Anexo II, p. 206). G overno e conselho O aumento das conquistas territoriais e a consequente inclu‑ são de ‘novos’ núcleos populacionais a Sul exigia um enorme esforço administrativo dos vários serviços da Cúria dirigidos pelo monarca. Originalmente a palavra curia usava­‑se com mais do que um sentido, conforme já observamos. A Cúria, enquan‑ to uma assembleia constituída por pessoas gradas da socieda‑ de de então, tinha por função assessorar o rei na governação, aconselhando­‑o e confirmando os diplomas outorgados pela realeza (Merêa, 2006: 174). A Cúria, nos primeiros tempos da monarquia feudal, desdobrava­‑se “na sua actuação ordinária, em tribunais e no Conselho Régio” (Caetano, 1983: 32). Nas reuniões ordinárias da Cúria tinham assento os membros da família real e os oficiais palatinos; por seu lado, para as reuniões extraordi‑ nárias e solenes de convocação régia eram chamados os mag‑ nates e prelados mais influentes do reino. O mesmo é dizer que a Cúria constituiu a primeira forma de conselho, mais tarde substituído pelo conselho «privado». Com o tempo a especiali‑ zação da Cúria régia deu origem a duas assembleias: o conselho privado e as Cortes. O conselho remonta, segundo a historio‑ grafia institucional e jurídica, à aula régia visigoda, mais tarde designada de concilium ou de curia (Merêa, 2006: 174­‑175; García de Valdeavellano, 1970: 451). O conselho constitui, desde as ori‑ gens da monarquia, o órgão consultivo mais restrito e privado do monarca. Esta assembleia reunia os magnates seculares e eclesiásticos, os oficiais da Corte, os condes palatinos, os bis‑ pos, os poderosos territoriais que casualmente estanciavam na Corte e alguns membros da família real “unidos al rei por especiales relaciones de fidelidad o vasallaje” (Salustiano de Dios, 1982: 14). Não obstante, o rei escolhia de livre vontade os seus conselhei‑ 27

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ros, dependendo de si a marcação do lugar e dia da reunião do conselho régio. Por conseguinte, todas as reuniões do conselho carecem de convocatória e chamada régia. Infelizmente não dis‑ pomos de fontes directas desses actos. Todavia, sabemos que o conselho desempenhava um papel político muito importante, tanto mais que lhe competia a função de assessorar o rei nas questões difíceis reportavéis à administração geral, ao gover‑ no e à justiça (Mattoso, 1985, II: 118­‑119). Para alguns espe‑ cialistas, numa primeira fase, a função judicial teria sido a mais relevante, funcionando como tribunal superior no julgamento de casos em que estivessem envolvidos nobres e eclesiásticos (Sánchez­‑Albornoz, 1920: 385­‑387). A ausência de regimento do conselho régio não impede que possamos inferir de fon‑ tes indirectas as áreas preferenciais de actuação dos membros deste órgão superior consultivo. Os conselheiros recebem em‑ baixadores, assinam tratados, deslocam­‑se em missões a ou‑ tros países, testemunham actos diplomáticos e cerimónias im‑ portantes (p. ex. casamentos de membros da família real), etc. Do mesmo modo, não dispomos de qualquer informação acerca da periodicidade das reuniões, tudo indica que se realiza‑ vam a um ritmo irregular. Apesar de não ser um órgão em fun‑ cionamento permanente, no século XIII, o conselho régio, constituía uma instância da realeza perfeitamente individualiza‑ da no seio da Corte. Era a reunião de privados do rei que, com toda a certeza, o ajudava a decidir sobre questões diplomáticas, legislativas e de justiça, ou seja, participava nos aspectos gerais da governação (Barros, III: 252). A composição do conselho pode variar ao longo de um mes‑ mo reinado, em função da vontade do rei, da ocasião e, the last but not the least, consoante a natureza das questões. Parece ha‑ ver ocasiões em que os conselheiros são chamados em virtude da competência e prestígio que conferem aos actos, v.g. as dig‑ nidades eclesiásticas. Em síntese, o funcionamento do conse‑ lho, enquanto órgão consultivo, dependia da convocatória ré‑ gia. O modo de funcionamento era aparentemente simples, à 28

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chamada do rei, reuniam­‑se os conselheiros que procediam de acordo com os ‘dados conhecidos’ e as fontes de direito, sem expediente burocrático, circunstância que justifica a falta de registos escritos sobre a respectiva actividade17. O

poder judicial da

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“Neste primeiro período da nossa história jurídica coexistem a jus‑ tiça pública, aplicada pelo rei, pelos juízes, pelos senhores, pelos conce‑ lhos – e a justiça privada exercida pelos ofendidos – vítima, parentes, vizinhos ou grupo protector” (Caetano, 1985: 249). A “Justiça afigura­‑se­‑nos, (…) [no século XIII], precoce; mas, ao mesmo tempo, discreta. Precoces e discretos, portanto: tal o primeiro diagnóstico para os ofícios judiciários”. (Homem, 2009: 1).

A administração da justiça remete­‑nos, inevitavelmente, para a questão das fontes de direito, a importância dos juízes e a análise do procedimento judicial. Em matéria legal e judi‑ cial, durante a realeza feudal, não havia uniformidade legisla‑ tiva, bem como de procedimento jurídico. As principais fon‑ tes de direito, para todos os reinos da Península Ibérica, eram constituídas pelo Direito Romano, incluindo o Digesto18, o Di‑ reito Canónico e o direito consuetudinário (costumes e foros). “o Estado da Reconquista é um Estado cuja atenção principal se não volve para tarefas administrativas, nem para a produção do direito: é um Estado guerreiro e não essencialmente, administrador ou legislador (…) Acresce que, de acordo com as concepções de direito público germâ‑ nico, deve o rei observar o direito e não criá­‑lo”. (Silva, 2006: 155).

Neste contexto, percebe­‑se que o zelo de paz e a garantia da administração da justiça constituíssem duas das principais prerrogativas da realeza, competindo ao rei proceder à audiência dos súbditos na Corte. Porém, não podemos cair na ilusão de que, nos primórdios da monarquia, o rei exercesse uma fiscaliza‑ 17 Sobre a evolução do papel, composição e âmbito de intervenção do conselho na gé‑ nese do Estado moderno cfr., infra, p. 158. 18 O Digesto ou Pandectas reúne excertos de obras de juristas romanos.

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ção absoluta sobre todas as formas de administração de justiça e tomasse conhecimento de todos os casos de repressão de de‑ litos. A subsistência da vindicta privada (justiça privada) enraizada no costume leva­‑nos a considerar que, no plano da justiça, para além do corpo de juízes régio, subsistiam formas de justiça pes‑ soal e privada nos domínios da aristocracia laica e eclesiástica. O ofício de Sobrejuíz foi o primeiro dos ofícios de justiça régia. O processo de institucionalização deste ofício data do final do reinado de Afonso II (1222), competindo­‑lhe a matéria pro‑ cessual. No reinado de Afonso III aparecem documentados os Ouvidores, a quem cumpria ouvir as partes envolvias no delito. O aumento do número de malfeitorias que colocavam em causa a ordem e a paz sociais, requereu um aumento do número de delegados do poder judicial. No tempo de Afonso IV (1325­ ‑1357) eram quatro os sobrejuízes em exercício de funções e quatro ouvidores, dois do crime e dois do cível. No Regimen‑

to das audiências (1334­‑1335) estabelece­‑se na forma, pela primeira vez, a separação entre jurisdição cível e jurisdição crime. Na base desta diferenciação radica o aparecimento sub‑ sequente de dois tribunais: o tribunal dos feitos cíveis (Casa do Cível) e o tribunal das audiências crime (Casa da Justiça da Cor‑ te), mais tarde designado de Casa da Suplicação (2ª metade do século XV), mas estas reformas já se enquadram dentro dos limites cronológicos hodiernamente consignados ao  Estado moderno (cfr., infra, Anexo II e Anexo III, p. 206 e 207, respec‑ tivamente). Para completar a referência à oficialidade judicial da fase final do Estado feudal resta­‑nos referir a figura dos cor‑ regedores da corte, com competência no julgamento de recursos locais (Caetano, 1985: 310). A s C ortes a especialização da Cúria, no século XIII, deu origem a duas assembleias distintas: o Conselho, de que já falamos, e as Cor‑ tes. De acordo com a historiografia jurídica, no sentido estri‑ to do termo, as Cortes surgem a partir do momento em que o 30

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rei convoca a presença de procuradores concelhios às reuniões extraordinárias da cúria, incluindo assim no espectro social de representação destas assembleias especiais os povos das cidades e vilas, para além da costumada e tradicional presença de pre‑ lados e de ricos­‑homens. “Al mantenerse las reuniones extraordina‑ rias y convocarse a los procuradores de las ciudades y villas, cambiaron las dimensiones, la composición y el nombre de la curia, conocida a partir de ahora como Cortes” (Artola, 1999: 120). O rei convocava Cortes quando convinha decidir com o consentimento dos represen‑ tantes dos três estratos sociais (clero, nobreza e terceiro esta‑ do). ”En vez de una representación del reino, nombre inapropriado, (…) as Cortes eran la personificación del reino [sublinhado nosso], dado que os asistentes eran naturales y hablaban en nombre de una población que no los había elegido (Artola, 1999: 67). As Cortes detinham, à semelhança do conselho, a prerrogativa de formular petições, os capítulos de cortes, que a realeza submetia às Cortes na sessão final. Em Portugal, a primeira reunião alargada da cúria data de 1211, incluindo a presença de prelados, ricos­‑homens e oficiais régios. Desta reunião saiu um conjunto de actos legislativos facto que indicia uma nova prática de execução e aprovação da lei, com base no consentimento da comunidade de súbditos. Na opinião dos jushistoriadores podemos distinguir as «leis do rei» relativamente às «leis do reino», as primeiras reportam­‑se a actos legislativos executados com ou sem conselho, as segun‑ das resultam do consentimento dos representantes dos povos. As duas dependem da sanção régia (Artola, 1996: 68). Parece, no entanto, encontrar­‑se provado documentalmente que a pri‑ meira cúria extraordinária plenária se realizou no ano de 1254 na cidade de Leiria (Caetano, 2004: 22­‑25; Marques, 1985, II: 675). Nos reinos de Castela e Leão as primeiras assembleias plenárias – Cortes ­‑, datam de 1194, se bem que não se tenham conservado as cartas de convocatória o que permitiria a iden‑ tificação cabal dos participantes. Por conseguinte, se atende‑ remos apenas às assembleias que deixaram rasto documental teremos que reportar o início das reuniões extraordinárias com representantes dos três estados a 1252, data que aproxima o 31

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caso português do castelhano. Neste como em outros aspec‑ tos temos que considerar a existência de fenómenos de acul‑ turação política e jurídica entre os reinos de Castela, de Leão e de Portugal. As Cortes, a partir de então, passaram a reunir com frequência, mas de forma irregular. Entre nós, as primei‑ ras reuniões tiveram como assuntos primordiais a concessão de ajudas económicas, a quebra de moeda e questões de fisca‑ lidade. Nas Cortes de 1261 (Coimbra) a ordem de trabalhos ficou igualmente marcada pela matéria financeira. Das reuniões magnas convocadas até finais do reinado de D. Dinis merece a pena destacar aquelas em que foram aprovadas as inquirições de 1258 (Lisboa) e de 1288 (Guimarães) pelo significado e im‑ pacto político que tiveram (Dias, 1987: 54­‑55; Caetano, 1985: 317­‑318), bem como as de 1323 (Lisboa) realizadas num con‑ texto de guerra civil (Coelho e Homem, 1996: 540). A

governação da fazenda

«Au Moyen Age comme en d’autres temps, la finance est à la base de tout, conditionne tout et reflète tout» (Favier, 1971: 11).

Situando­‑se no centro nevrálgico do desenvolvimento das formas de Estado ao longo dos tempos e constituindo um dos principais motores da evolução da organização política e social medieva, importante será, neste momento, proceder a um bre‑ ve relance dos fundamentos da nossa administração financeira pública. A génese do Estado, e, mormente, do Estado territorial moderno, repousa no desenvolvimento de uma fiscalidade pú‑ blica (Genet, 1999: 24­‑26). Porém, o estabelecimento de uma fiscalidade pública foi paulatino. Durante muito tempo não houve uma distinção clara entre a esfera pública e privada nas tarefas diárias da administração do monarca feudal, por ine‑ rência a fazenda régia (bens do reino) era em boa parte con‑ fundida com os direitos particulares do monarca (bens do rei). Um conjunto alargado de oficiais prestava serviço de re‑ cebimento e organização das contas do monarca e, simulta‑ neamente, do reino: almoxarifes, porteiros e porteiros­‑mores, os oficiais da ucharia (despenseiros) e o mordomo­‑mor, todos 32

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intervinham no domínio da actividade fiscal, não obstante se‑ rem ofícios «privados». À semelhança de outras áreas da go‑ vernação a que já fizemos referência ­‑ o Conselho e as Cor‑ tes ­‑, que tiveram origem na Cúria régia, também alguns dos principais oficiais encarregados de tratar dos negócios do rei provieram dela, designadamente o mordomo­‑mor, que se mante‑ ve ao longo do tempo como um dos oficiais mais privados e domésticos do monarca, com competências de fiscalização, o porteiro­‑mor que se alcandora ao lugar de inspector do serviço de outros oficiais com especiais competências na área fiscal e do qual dependia o reposteiro, com encargo de guardar os livros, roupas, armas e outros haveres do rei, e os ovençais d’el rei, ofi‑ ciais que em todo o reino tinham por funções receber e pagar os dinheiros régios (Barros, 1946, III: 202­‑203). Para além dos oficiais referidos, o monarca contava ainda com um despensei‑ ro que zelava pelo recheio da ucharia do rei (Mattoso, 2001, 2: 112). Na emergência do Estado moderno, o ofício de porteiro­ ‑mor será substituído pelo de ouvidor da portaria criado ao tem‑ po de D. Dinis (1321). No entanto, a consolidação do ofício e respectivas atribuições só vieram a decorrer no reinado de Afonso IV (1334­‑35) quando lhes é atribuída a função de su‑ perintender nos feitos relativos a bens e a direitos do rei (Ho‑ mem, 1990: 121­‑122), sendo por esse motivo os directos an‑ tecessores dos vedores da Fazenda que aparecem documentados no reinado de D. Fernando (1372) (cfr., infra, p. 151). Por seu lado, o almoxarife, uma herança da Hispânia mu‑ çulmana, é um dos oficiais de mais recuada existência na área financeira, baixando ao século XII as primeiras referências do‑ cumentais ao respectivo exercício. Inicialmente, detinha com‑ petência na área da cobrança dos impostos (Torres, 1985, I: 122). Um século mais tarde, superintende na gestão dos bens da coroa e na arrecadação e locação dos direitos do rei. A im‑ portância crescente do sector financeiro na burocracia régia é atestada pelo aumento do número de almoxarifados junto das divisões administrativas também designadas de comarcas. Nos séculos XIV e XV, os almoxarifes virão a ocupar um lu‑ 33

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gar de destaque enquanto recebedores das declarações e rendas apresentadas pelos contadores das diversas comarcas do reino. Por seu turno, os contadores da fazenda possuíam a tarefa de arrecadar anualmente as rendas das respectivas comarcas que enviavam aos almoxarifes as declarações e títulos para eles pro‑ cederem à cobrança (Marques, 1985, II: 533­‑535). As vicissitudes por que passou a administração do país, des‑ de as origens, projectaram­‑se em todos os âmbitos da governa‑ ção central e nas instituições criadas ao tempo da monarquia feudal. A justiça e a fazenda constituíam as áreas nevrálgicas da governação, complementadas pelo Conselho e Cortes régias. A esfera de competência de cada ofício, muito embora se en‑ contre, nalguns casos, ainda em fase de definição e institucio‑ nalização, representa o quadro de soluções desenvolvido pela realeza no intuito de disciplinar e, simultaneamente, satisfazer as necessidades da governação do reino. I magem

do rei e imagem do reino

“La construcción de la imagen carismática del rey llevó varios siglos, hasta llegar a que la inmunidad de su persona y la autoridad de su condi‑ ción hizo de su servicio un honor y la incorporación de la laesio majestatis romana diera origen a una jurisdicción especial.” (Artola, 1999: 53).

Este ponto cinge­‑se a três enfoques de abordagem. O pri‑ meiro diz respeito à dimensão simbólica do poder régio, o se‑ gundo à teoria da origem do poder régio e o terceiro reporta­‑se à imagem política e territorial do poder régio versus construção da imagem do reino. A ideia medieval do rei e do poder que ele corporiza é, por certo, tão ou mais forte quanto a que hoje construímos a par‑ tir da análise das realidades históricas conhecidas. O processo de construção da imagem régia é um complexo feixe de con‑ ceitos, sentimentos, vivências, objectos e actuações dificilmen‑ te mensuráveis, cujo espaço cénico é progressiva e maiorita‑ riamente ocupado pelo monarca. Na presença e aparecimento do rei nos lugares do poder, o monarca transforma o exercí‑ 34

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cio quotidiano do poder em poder representativo. Para forta‑ lecer a imagem de líder contribuem os rituais de aclamação e de juramento da realeza19, os feitos em campo de batalha, os juramentos solenes, as bodas reais, a recepção de embaixado‑ res, eventos que constituem uma manifestação da supremacia da realeza. O rei paira acima dos súbditos. Existe uma rela‑ ção entre os seus actos políticos e a capacidade de afirmar a ideia de princeps (senhor entre senhores). Nos primórdios da monarquia, o fundamento da autoridade régia era mais caris‑ mático do que político, não se encontrando vestígios de uma “autoridade despersonalizada” (Mattoso, 2000, I: 452). Há assim todo um imaginário simbólico que persuade, justifica, desenha a imagem do governante de um reino. As transformações da imagem do governante (isto para além da formação do pró‑ prio auto­‑conceito) podem encontrar­‑se nos frescos, na lei, na intitulatio dos diplomas régios (conforme observamos), na literatura ético­‑política (Albuquerque, 1974; Buescu, 1997), nas apreciações dos cronistas e no discurso das elites políticas20. Existe também todo um imaginário popular21, sempre mais difícil de avaliar, sobretudo neste período, por carência de re‑ ferências nas fontes. O historiador Marc Bloch foi um dos primeiros autores a chamar a atenção para a questão do poder simbólico da reale‑ za e das suas manifestações ­‑ o “milagre do rei” pela cura dos escrofulosos (Bloch, 1983) ­‑, questionando a relação entre os actos simbólicos, mormente o poder de curar, que procede do carácter sagrado da realeza, e a autoridade régia, abrindo todo um conjunto de novas perspectivas para a história polí‑ tica. O poder não depende unicamente dos motivos que con‑ 19 Desde o início da monarquia portuguesa que a “aclamação” veio a constituir um dos cerimoniais do Estado a que se associa o “juramento” do rei. 20 No âmbito dos discursos legitimadores do regimento do reino, pode ver­‑se, por exem‑ plo, o discurso do Dr. João das Regras nas Cortes de Coimbra de 1385, no qual é justificada a legitimidade da eleição de D. João, Mestre de Avis, bem como o discurso de abertura das Cortes de Lisboa de 1446 proferido pelo Dr. Diogo Afonso Mangancha, oficial privado do Infante D. Pedro, que apresentou as quatro razões da passagem do regimento para Afonso V. 21 A primeira edição é de 1924.

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cebe para se justificar, mas igualmente de dimensões enigmá‑ ticas, míticas, sagradas, taumatúrgicas para colher o apoio e obediência dos súbditos. Bloch demonstrou a relevância do es‑ tudo do ritual, da taumaturgia régia e respectiva dimensão sa‑ grada, na compreensão dos poderes da realeza medieval22. A proposta de análise de Bloch facultou o aparecimento de novas direcções de pesquisa e propiciou uma revisão dos conceitos de “monarquia”, “realeza sagrada” e “feudalismo”23. Por seu lado, Ernst H. Kantorowicz explica a realeza medieval através de uma «moderna» concepção oriunda da teologia política24, a teoria dos “dois corpos do rei” à imagem de Cristo. A tese deste autor assenta na ideia de readmissão da herança políti‑ ca pagã, das realezas bárbaras, na teologia medieval cristã25. O trabalho de Kantorowicz procede a uma leitura do corpo do rei, consignando­‑a a uma abordagem da metáfora­‑chave para a compreensão da realeza medieval a partir da análise da litera‑ tura política inglesa dos séculos finais da Idade Média. Numa primeira acepção, o rei possui um corpo pessoal ou natural que é mortal e transitório, circunstância que o aproxima dos súbditos, numa segunda vertente, o corpo do rei é impessoal e político, o que o separa dos demais, a que corresponde a ideia medieval de inalienabilidade da coroa. O primeiro vulnerável e finito, o segundo estável e inextinguível, correspondendo à dignidade real (função); são múltiplos os representantes da re‑ aleza, mas a função da realeza é una e perene (Schramm, 1937; 22 Depois dele Ernst H. Kantorowicz, 1989 (a 1ª edição é de 1958) e Norbert Elias, 1987 (1ª edição 1969) e, mais recentemente, Jean­‑Claude Schmitt, 1990. O primeiro desenvolve uma concepção teológico­‑política da realeza medieval, o segundo e o terceiro apontam para uma visão histórica e antropológica. 23 Antes dele o antropólogo James Frazer tinha manifestado semelhante interesse pelo estudo dos mitos na explicação da evolução histórica das sociedades e procedido a uma aná‑ lise comparativa entre magia, folclore e religião, Ver por todos, Frazer (1953). 24 A génese deste conceito encontra­‑se no estoicismo incluindo os ritos e os procedi‑ mentos religiosos de uma determinada comunidade política. Ver por todos, Sá (2002: 1­‑10). 25 Ernst H. Kantorowicz confere ao conceito de “teologia política” um sentido diverso do avançado por Carl Schmitt, em 1922, segundo o qual “Todos os conceitos marcantes da doutrina moderna do estado são conceitos teológicos secularizados (…) por terem sido transportados da teologia para a doutrina do Estado” (cit. in Sá, 2002: 3).

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Nieto Soria, 1988 e 1993; Krynen, 1993). Os usos políticos des‑ ta imagem são múltiplos e prolongam­‑se durante os tempos medievais, consubstanciam­‑se em tradição, enraízam­‑se na cul‑ tura política medieval. No ocidente medieval, a partir do século XII, a metáfora corporal passa a constituir, entre os homens do saber e do poder, uma recorrente explicativa da organiza‑ ção da sociedade, da sua coesão e interdependência. Na Ida‑ de Média existem grupos sociais com uma identidade social e jurídica própria. A organização da sociedade medieval assenta na constituição de laços estabelecidos entre grupos sociais es‑ tratificados e interdependentes. É a designada «trifuncionali‑ dade» de Georges Duby: oratores ­‑ os que rezam, bellatores ­‑ os que combatem e laboratores ­‑ os que trabalham (Duby, 1982). O domínio do simbólico e a realidade interligam­‑se, consubs‑ tanciando a coesão social natural, transformando­‑se em van‑ tagem para quem rege. Por conseguinte, “a aplicação da metáfora corporal relativamente à sociedade terre‑ na ia adquirindo dois sentidos complementares entre si, quer reforçando a imagem de unidade e globalidade, quer realçando através da enumera‑ ção e caracterização de distintos órgãos e membros, a ordenada composi‑ ção e harmonia do seu funcionamento. O representado nesta convergência de ideias é a imagem dum corpo uno e coeso que equivale teoricamente ao conjunto rei­‑governo­‑súbditos” (Silvério, 2005: 204).

Entre nós, a questão da ideologia do poder régio e das manifestações simbólicas da realeza na Idade Média, passou a constituir um assunto de superior interesse nas últimas déca‑ das do século XX e inícios do séc. XXI; mormente da corrente historiográfica que procede a uma leitura antropológica desta problemática (Gomes, 1998 e 1994). Para os especialistas, a re‑ presentação política da realeza, de acordo com a perspectiva metodológica de análise proposta por E. Kantorowicz, surge com maior acuidade, no caso português, nos inícios do século XIV (Homem, 1994 e 1999). Um século mais tarde, em 1426, o Infante D. Pedro (1392­‑1449), na Carta de Bruges que dirige a D. Duarte, associado ao governo desde o ano de 1411, define 37

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claramente os dois corpos do rei. O rei como indivíduo, mor‑ tal e o rei como ofício, inextinguível. Em paralelo, os estudos sobre representações do poder da realeza na Espanha medie‑ val vieram demonstrar as vantagens da aplicação do inquérito de E. Kantorowicz à realeza tardo­‑medieva castelhana (Pala‑ cios Martín, 1975; Nieto Soria, 1999 e 1988). Palacios Martín caracteriza os vários aspectos simbólicos da coroação dos reis de Aragão, mormente de Pedro II (1174­‑1213) e o processo de secularização do poder monárquico; por seu lado, José Ma‑ nuel Nieto Soria comprova a importância da análise dos sis‑ temas cerimoniais peninsulares – ritos, cerimónias e outros momentos­‑chave da monarquia, por exemplo, o casamento do soberano ­‑, na construção da imagem pública da dinastia trastâmara e na afirmação da autoridade da realeza medieval. Contudo, o inquérito aplicado por Nieto Soria à análise da rea‑ lidade hispânica, para alguns estudiosos, peca por apresentar uma visão simplificada da função do “rito” e da “cerimónia” (Gomes, 1994), considerando, genericamente, que todas as ce‑ rimónias da realeza castelhana são “legitimadoras” e “propa‑ gandísticas” (Nieto Soria, 1993). Uma diferente abordagem é proposta por Adeline Rucquoi, seguindo o trilho de Teófilo Ruiz (1984), num artigo cujo tí‑ tulo é suficientemente esclarecedor – De los reyes que no son tau‑ maturgos: los fundamentos de la realeza en España (1992) ­‑, salienta a falta de provas e a utilização de documentos fora do contex‑ to ao afirmar “sea para comprovar las “ausências” o para demostrar, al contrario, las “semejanzas”, no deja de ser cierto que lo que nunca se pone en tela de juicio es la validez de las teorías relativas a la realeza en Francia y en Inglaterra para estudiar otras monarquías medievales” (Rucquoi, 2006: 14). Rucquoi alerta para os perigos da trans‑ ferência do modelo de realeza sagrada da França, no tempo dos capetos, e da Inglaterra medievais, apresentados por Marc Bloch (1924), Ernst Kantorowicz (1958) e Jean­‑Philippe Ge‑ net (2003), às monarquias peninsulares. No que à imagem, re‑ presentação e  simbólica da realeza diz respeito, as opiniões dividem­‑se, uns consideram que os ritos e os cerimoniais fun‑ 38

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dadores do poder dos reinos de França e de Inglaterra também existiram nos reinos peninsulares, muito embora sob um âmbito cultural e sociopolítico diferente; outros negam a presença do rito da unção e da consagração régia, em virtude de peculiari‑ dades de exercício do poder (Krus, 1989), especialmente alia‑ das às acções de reconquista e cruzada contra os muçulmanos, a compromissos estabelecidos com a nobreza e à forte pre‑ sença do direito romano. Para estes últimos, a função militar, ampliada pela reconquista e a guerra santa, associada aos atri‑ butos divinos dos próprios reis, constituíram os fundamentos do poder real na Península Ibérica medieval (Rucquoi, 2006: 33). Os reis de Portugal e de Castela não adoptaram os ritos dos reis de França e de Inglaterra, pelo contrário, promove‑ ram o desenvolvimento de uma cultura régia própria, que não invocava a taumaturgia e  as tradições mágico­‑religiosas dos países do norte da Europa. Os ritos do poder régio peninsu‑ lar são uma herança visigótica, reforçada pela guerra contra o Islão e a presença do direito romano. Rucquoi considera que a Europa mediterrânea desenvolveu os seus próprios símbolos de poder e os meios que lhe conferiam legitimidade (Rucquoi, 1992: 58 e ss). A propósito desta controvérsia Monsalvo An‑ tón remata dizendo: “La discrepancia de los historiadores sobre la idiosincrasia de las imágenes de la realeza es, pues, notoria. Realmente es fácil apreciar ra‑ zones por ambas partes. (…) Se podrá o no discutir si había una unción implícita e ideológica, o una cierta taumaturgia críptica en la realeza castellana, pero lo cierto es que el rito de la unción no se daba de forma regular y también es cierto que a los reyes castellanos no se les atribuía la curación de escrófulas.” (2005: 124).

Por outro lado, nos séculos finais da Idade Média desenvolve­ ‑se o processo de secularização da sociedade e laicização das estruturas do poder (cfr., infra, capítulo 4). Estreitamente ligada à esfera representativa da realeza me‑ dieval encontram­‑se as teorias jurídicas da origem do poder na  Idade Média. Walter Ullmann fazendo uso de fontes ju‑ 39

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rídicas, legislativas e políticas distintas, sistematizou as duas principais teorias políticas medievais: a concepção ascendente e a concepção descendente do governo (Ullmann, 1965). Não obstante o autor considerar que nas sociedades mais antigas a concepção original do poder era, tendencialmente, de carácter ascendente, o povo elegia os chefes militares, de acordo com Ullmann a doutrina dominante no pensamento político me‑ dieval aponta para a concepção descendente, assente na ideia do rei como vigário de Deus (origem divina do poder régio). A realeza é sacerdócio. Uma ideia que procede de S. Paulo. Em Portugal, Martim de Albuquerque refere que esta concep‑ ção veio reverter naquilo que o autor designa de “paternalismo régio” (Albuquerque, 1968: 139­‑149), o rei surge como defensor dos interesses dos súbditos e garante do bem comum. Os súb‑ ditos em compensação devem lealdade e obediência ao rei. A autoridade da governação e a competência jurídica procedem do rei. O Infante D. Pedro (1392­‑1449), regente do reino entre 1439­‑1449, no Livro da Virtuosa Benfeitoria exprime nitidamente esta ideia quando afirma “Os principes são padres dos seus próprios súbditos” (Pedro, 1947, liv. II, cap. IX). Walter Ullmann já ha‑ via demonstrado que a mais antiga teoria da mediação popu‑ lar enquanto fundamento da autoridade da realeza, conservou inferior impacto na Idade Média final. De acordo com a teoria ascendente, o poder tem origem na comunidade, no povo (po‑ pulus), que o delega no detentor da realeza. Circunstâncias his‑ tóricas particulares permitem­‑nos vislumbrar o reacender desta teoria nas Cortes de 1385. O relato de Fernão Lopes, cronista oficial do reino, coloca nas palavras de um ilustre jurisconsulto ­‑ o Dr. João das Regras ­‑, a fundamentação da ausência de lídimo sucessor ao trono após a morte de D. Fernando (1383) e remete para a assembleia magna dos povos a escolha do novo rei. Para Fernão Lopes compete ao povo eleger o rei de Portugal depois de provado que o trono estava vago, baseando­‑se na quebra da linha de sucessão legítima (Rebelo, 1983). Conforme defende, na pena de Fernão Lopes, o Dr. João das Regras nas Cortes 40

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de 1385: “Eu quero mostrar por vivas razões e direito que estes reinos são agora vagos livremente de todo (…) e a eleição deles fica livremente ao povo” (Lopes, 1983, clxxxviii: 412). Para Fernão Lopes, D. João, Mestre de Avis, reúne a “concordança de todolos grandes e comum poboo” (Lopes, 1983, CXCI: 421), depois de ter sido aclamado como regedor e defensor do reino, foi legitimamen‑ te proclamado em Cortes como rei de Portugal. Deste mesmo modo, podemos dizer que as teorias ético­‑políticas da geração da Avis referem­‑se à origem e legitimidade do poder e à respec‑ tiva finalidade. O Infante D. Pedro no Livro da Virtuosa Benfei‑ toria diz que a obediência admite três formas diferentes entre si: a primeira diz respeito à tese descendente, “pertence aos filhos e aos outros parentes em graao descendente”; a segunda têm todos os que vivem na corte do príncipe e a terceira resulta da eleição, “em que as comunydades os reçebem por suas cabeças, outorgandolhe certo poderyo sobre sy mesmos (…) non sse pode manteer se os prinçepes nom trabalharem pollo proveyto dos que a elle ficam sojeitos” (Pedro, Dom, 1947, L. II, cap. XVIII: 118)26. A par das leituras de carácter ideológico do poder da reale‑ za prosseguiremos com a questão da organização do território onde nasceu Portugal e a afirmação do poder político da monar‑ quia. O terceiro e último segmento de análise deste ponto. Para compreendermos a realidade histórica da formação do reino de Portugal é necessário compararmos o quadro político de finais do século XI com o dos finais do século XIII. A dinâmica da organização do território recuperado e da população em con‑ celhos assentou na distribuição das cartas de foral a pequenas e médias vilas e cidades reconduzindo ao processo de repovoa‑ mento e ocupação do solo. Ao tempo da monarquia afonsina privilegiou­‑se a região da Beira e de Riba Douro, posteriormen‑ te o movimento estende­‑se à Beira Baixa e a Trás­‑os­‑Montes. 26 Sobre as doutrinas políticas medievais no Livro da Virtuosa Benfeitoria pode ver­‑se Me‑ rêa, (1919: 5­‑21).

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O Mapa 1 representa a evolução da ocupação territorial cristã do condado portucalense ao reinado de Afonso III. Abaixo da linha do Tejo, a organização e a consolidação da ocupação cris‑ tãs são fortemente condicionadas pelas acções de conquista nos reinados de Afonso III e, posteriormente, de D. Dinis.

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Do mesmo modo, observando o Mapa 2 apreendemos de imediato que de meados do século XII a finais do século XIII, algo de muito significativo se passou. O espaço de organiza‑ ção política e territorial estendeu­‑se, tendo mais que duplicado, no sentido Leste e, sobretudo, Sul, resgatando ao Islão, pela conquista e esforços povoadores, territórios que conhecem transformações profundas do ponto de vista da organização 43

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administrativa, nos dois primeiros séculos da monarquia. O âmbito do exercício do poder político da realeza foi­‑se impon‑ do, construindo um edifício político, marcado por uma linha de fronteira que se foi erguendo à medida que se configurava uma entidade histórica com personalidade própria no terri‑ tório habitado sobretudo por cristãos e moçárabes que, pelo sobrepor de gerações, vão estabelecendo laços de afinidade, de residência e de compromisso (dando lugar à emergência da consciência nacional). Assim, à medida que terminava o tempo de conquista e se aproximava o tempo de definição da fronteira mais ocidental da Península, foi­‑se constituindo uma sociedade predominantemente cristã. É a identificação do espaço do reino com o espaço cristão (identidade étnico­ ‑religiosa). A área cristã portucalense foi­‑se impondo, alicerça‑ da na porção de território de domínio do soberano que exige o dever de fidelidade vassálica aos súbditos. O assentimento de um poder superior aos restantes, quer por parte dos se‑ nhores, quer por parte dos concelhos, radica na imagem de eficácia organizativa dos primeiros e mais prestigiados reis de Portugal (o poder carismático do chefe). Uma ideia que se foi consolidando em todos os súbditos foi a da existência de uma realidade administrativa e socialmente diferenciada mas que estaria subordinada a uma autoridade que fruía do poder de distribuir terras pelos novos povoadores, que im‑ punha limites territoriais e jurisdicionais, obrigações fiscais e detinha a prerrogativa de conceder isenções e imunidades. Assim o poder régio foi firmando uma identidade territorial e política para que concorreu o reconhecimento das forças políticas vizinhas e, designadamente, a Santa Sé27. A imagem do rei cauciona a existência da imagem de reino. Porém, en‑ tre a consciência medieval da realidade do Estado unida pela figura régia e a que hoje temos decorreram um conjunto de 27 Desde 1179 que a Santa Sé reconhece Portugal como reino, muito embora o rei de Portugal e os «portugueses» há décadas que o assumiam.

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transformações ‘constitucionais’ e políticas que não pode‑ mos nem devemos escamotear. Por conseguinte, é necessá‑ rio compreender o alcance e a eficácia do poder régio junto da comunidade de súbditos. R aízes políticas da comunidade nacional Depois de analisadas as condicionantes do Estado monár‑ quico associado às ideias políticas da realeza próprias da His‑ pânia Medieval, iremos ver como é que o poder do monarca virá a impor­‑se num conjunto territorial e socialmente dife‑ renciado. Conforme tivemos oportunidade de referir, a re‑ conquista de território ao Islão implicou a adaptação políti‑ ca a um novo espaço pela monarquia. Na Idade Média final, o poder régio exercia­‑se sobre todos os súbditos e naturais do reino independentemente do tipo de laços estabelecidos (pessoais, de vassalagem ou hierárquicos). O rei é cabeça do reino. A coroa é a instituição monárquica por excelência inde‑ pendente da pessoa concreta do rei. Esta noção expandiu­‑se e consolidou­‑se no século XIII (Monsalvo Antón, 2005: 127). A incorporação progressiva de domínio sob a égide da reale‑ za e, com ela, o desenvolvimento de mecanismos específicos de exercício organizado do poder, de entre os quais se conta o incremento da administração judicial e fiscal, constituíram os principais alicerces da monarquia. Os primeiros indícios da génese do Estado moderno. As

crises políticas reforçam a unidade ?

«On pourrait aller jusqu’à dire que le roi a tout le pouvoir, jusqu’à ce qu’il franchisse l’invisible frontière au­‑delà de laquelle ceux qui ne peuvent ni utiliser ni même concevoir de façon durable un moyen légal de limiter efficacement ce pouvoir sont obligés de fouler aux pieds leurs pro‑ pres principes et de se retourner contre lui. Aucune procédure n’existe, précisément parce qu’il n’y a pas de constitution, pour faire changer un roi : s’il s’y refuse, le seul recours est de changer de roi en le déposant ou/ et en l’assassinant» (Genet, 2005: 11). 45

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Dos séculos XIII a XV todos guardamos o registo de um nú‑ mero significativo de revoltas, algumas das quais conduziram a crises políticas graves, colocando à prova a capacidade de resis‑ tência da realeza e dos instrumentos políticos a que frequente‑ mente recorria para se fazer exercer: o domínio e o governo. Por conseguinte, um ambiente de guerra civil parece ter mar‑ cado a vida política interna de 1245 a 1483/84. Conforme salientou A. H. de Oliveira Marques, “o espíri‑ to de guerra civil – ou de guerra feudal – não morreu com a submissão de Afonso [III], persistindo em muitas outras rebeliões que salpicaram os séculos XIV e XV: 1321­‑22, 1323, 1324, 1326, 1355, 1383­ ‑85, 1438­‑41, 1449. Não se tentou ainda encontrar um denominador comum para todas estas revoltas, que lhes desse explicação mais profunda e convincente” (1983, I: 210). Oliveira Marques considera de igual modo que uma das características de todos os movimentos ci‑ vis é a circunstância de terem acontecido entre o monarca e os seus parentes mais próximos (irmãos, filhos, cunhados, so‑ brinhos, primos), aqueles que pressupostamente se opunham à política de afirmação da soberania do monarca. Não preten‑ demos, nesta concisa reflexão, descortinar a explicação última destes movimentos, mas apenas debruçar­‑nos sobre alguns desses momentos paradigmáticos na tentativa de vislumbrar qual foi a capacidade de resposta da monarquia. Para a apresentação e o desenvolvimento deste ponto selec‑ cionamos seis crises e momentos de tensão dispersos ao longo do processo de consubstanciação da autoridade monárquica, apresentando características comuns e motivações de natureza diferente. A crise social de 1245/48, a crise política de 1319/24, a crise nacional de 1383/85, o golpe político de 1439/41, a cri‑ se política de 1446/49 (temporalmente muito próximas estas duas) e a conspiração de 1483/84. Estes movimentos surgem em contextos históricos e sócio­‑políticos muito diversos. O pri‑ meiro a que nos reportaremos, cronologicamente, enquadra­‑se no Estado senhorial, os outros são parte integrante do período hodiernamente conhecido de Estado moderno. Uns consubstan‑ 46

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ciam uma reacção aristocrática, de pendor conservador, que reclama, não raro, pela sublevação, a manutenção das prerroga‑ tivas e do estatuto jurídico­‑político anterior; de modo diferen‑ te, outros pautam­‑se pela exigência de legitimidade de acesso e exercício do «novo» poder instalado; em todos se constata a demanda de apoios sociais diversos. Comecemos pela primeira das crises enunciadas. De acor‑ do com José Mattoso, “A crise que acompanhou a sucessão de Sancho II é uma das mais conhecidas da história. No entanto, quando se procu‑ ram verificar as causas da guerra civil que então se deu, tem sempre de se recorrer a Herculano” (Mattoso, 2001, 8: 47). Para Mattoso, ao contrário de Alexandre Herculano, a crise de 1245/48 não se tratou simplesmente de uma luta pelo poder; a crise terá sido motivada por “uma crise social agravada pela crise política” (Mattoso, 2001, 8: 49). A agitação social parece ter sido pro‑ vocada por um “desequilíbrio momentâneo entre o crescimento de‑ mográfico e os recursos económicos do país” (Mattoso, 2001, 8: 49), instabilidade que terá impulsionado o banditismo generaliza‑ do, praticado por marginais e membros das várias facções da nobreza. Neste sentido, a análise de José Mattoso articula o conjunto de causas sociais e políticas que suscitaram a con‑ vulsão nos derradeiros tempos do vulgarmente designado Estado feudal. Opondo­‑se às  correntes ideológicas que propalam a ideia de que a sociedade medieval constitui um todo ordenado, Mattoso realça os aspectos que instalaram um foco de tensão entre os dois grupos dominantes da sociedade política (Ge‑ net, 1999: 24­‑25) de então. De um lado, os elementos do par‑ tido senhorial opositores de Sancho II que, a partir de 1226, contestavam mais claramente a política de fortalecimento do poder régio iniciada por Afonso II28 (1211­‑1223), patente mais 28 Para José Mattoso “Os primeiros indícios do aparecimento da noção e do exercício da soberania régia, surgem bruscamente desde o princípio do reinado de Afonso II”, de entre os quais se contam a promulgação de leis gerais nas Cortes de 1211, organização da cúria régia, criação de registos de Chancelaria, lançamento das primeiras inquirições sobre direitos dominiais e senhoriais, oposição à criação de novos senhorios, entre outras medidas que atestam uma nítida afirma‑ ção da soberania régia. Ver por todos Mattoso (2000: 452­‑453).

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claramente no programa das inquirições lançado em 1258 e das confirmações e as leis gerais que procuram limitar os po‑ deres senhoriais; do outro, encontra­‑se o grupo dos defensores da afirmação do poder régio, destacando­‑se, a família de Riba de Vizela, cujo apoio foi devidamente recompensado com a doação de bens patrimoniais e ofícios superiores na burocra‑ cia (Ventura, 1992, I: 108 e II: 725­‑726)29. Do mesmo modo, é conhecida a resistência do monarca, ao longo da década de 20, relativamente ao aumento do peso social e político dos bispos do Porto (Martinho Rodrigues) e de Lisboa (Estêvão Soares da Silva e Soeiro Viegas) (Fernandes, 2006: 30­‑33 e 25), assim como o reacender das hostilidades com os bispos de Lisboa, Guarda e Braga nos anos de 1237 a 1241, na luta pelo robus‑ tecimento dos direitos régios (Varandas, 2004). Na sequência das medidas de perseguição à mais alta clerezia e de oposição ao aumento das prerrogativas do poder eclesiástico no reino, o papa Gregório IX (1227­‑1241) declara, em 1231, o interdito ao reino de Portugal e, pouco mais tarde, em 1234, excomunga o rei de Portugal30. Ao mesmo tempo os enfrentamentos nobiliár‑ quicos e as lutas entre algumas famílias prestigiadas de nobres e o rei, juntamente com o descontentamento das autoridades eclesiásticas, desembocam na crise política de 1245, agravada pela anulação do casamento de Sancho II com Média Lopes de Haro, decretada pelo papa Inocêncio IV (1243­‑1254), sob o pretexto de existência de consanguinidade (bula Inter alia de‑ siderabilia). D. Afonso, conde de Bolonha, ausente em França, irmão do rei e pretendente ao trono, denunciou junto da cúria 29 Martim Anes de Riba de Vizela é seu alferes; os filhos deste, João Martins e Gil Mar‑ tins encontram­‑se na Corte desde 1239. Uma síntese sobre os acontecimentos políticos do reinado pode ver­‑se em Veloso (1996: 89­‑123). 30 A questão da legitimidade do poder régio pode ser colocada em causa pelo modo como o rei exerce o ofício ou função régia. Sancho II foi considerado como Rex inutilis, numa con‑ juntura social e política particularmente difícil. No século XIII, a teoria política começa a desenvolver novos conceitos oriundos do direito romano e do aristotelismo, juntando­‑se às concepções anteriores de comunidade política (universitas, res publica), de licitude do poder, de rebeldia, etc. Sobre a evolução da teoria geral do Estado, designadamente, em tempos medie‑ vais. Ver por todos Thomas Fleiner­‑Gerster (2006).

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pontifícia a gravidade da agitação social do reino, procurando deste modo conquistar o apoio do papa que, a 24 de Julho de 1245, decide confiar­‑lhe a governação do reino (bula Grandi non immerito), no contexto do concílio ecuménico de Lião31. A sociedade política divide­‑se ao constituírem­‑se dois partidos que reflectem os interesses das linhagens e das redes cliente‑ lares estabelecidas. De um dos lados estava o núcleo forma‑ do pelos conspiradores representantes de algumas linhagens irradiadas do poder e da Corte; do outro, as linhagens que ti‑ nham sido protegidas e agraciadas com benesses (tenências) por Sancho II. “Estavam contra Sancho II os (…) que haviam esta‑ do contra Afonso II e haviam tomado o partido dos infantes afastados do poder. Estavam contra a realeza, ou melhor contra a centralização do poder régio” (Ventura, 1992, I: 114). Por conseguinte, a crise de 1245­‑47 tem contornos políticos antigos. À medida que os conflitos com o clero e os magnates foram crescendo, insta‑ lasse um clima de luta social latente, alimentado por ambições políticas, consubstanciadas no desejo de conquistar lugares de poder. “Durante, pelo menos, os dois anos do reinado de Sancho II (1245­‑1247), Portugal viveu um luta entre dois poderes. Era natural, portanto, que, (…) a guerra tivesse arrastado consigo a afirmação de novas solidariedades e reafirmando as anteriores.” (Veloso, 1996: 120). Esta é uma das razões porque alguns dos aliados iniciais do rei mu‑ dam de partido com o avançar dos acontecimentos, prevendo uma mudança brusca do cenário político. É no jogo político que tudo se ganha ou perde. O Conde de Bolonha, D. Afonso, tornara­‑se lídimo sucessor do trono de Portugal após a morte no exílio de Sancho II, em 124832, e com ele encontra­‑se uma parte significativa da sociedade política que o apoiou, contando com as mais altas dignidades eclesiásticas33 e alguns nobres da 31 Reunido na cidade francesa de Lião, em 1245, o Papa decreta a supremacia do poder eclesiástico sobre o temporal, procedendo à deposição e excomunhão de Frederico II, rei da Sicília e imperador romano­‑germânico e do rei português Sancho II (Mattoso, 2002a, 8: 51). 32 Até à morte de Sancho II, Afonso usou o título de Curador e Defensor do Reino. 33 A Igreja desejosa de «vingar» a perseguição que outrora lhe fora movida por Sancho II vai colocar­‑se do lado do Conde de Bolonha. João Viegas, arcebispo de Braga, foi um dos líderes da oposição a Sancho II após 1245 (Ventura, 1992, I: 121).

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média e pequena nobrezas34 seus vassalos35. Afonso III, desde inícios do reinado, procedeu à reorganização administrativa do reino, ao estabelecimento de um novo equilíbrio dos poderes e à conquista do prestígio da autoridade régia. De igual modo, zelou pelo cumprimento do direito e dos costumes, numa ex‑ pressão: promoveu a recuperação da paz e prosperidade inter‑ nas (Ventura, 1996: 123­‑144). De acordo com a mais recente historiografia, a crise polí‑ tica que trataremos de seguida situa­‑se no reinado de D. Di‑ nis (1279­‑1325), período que actualmente se integra no Estado moderno. As características do projecto político dionisino des‑ de os inícios da década de 80, justificam, em parte, a reacção que a partir dele se gerou36. A monarquia desenvolveu um pro‑ grama governativo com intuitos marcadamente unificadores, pautando­‑se pela aplicação de medidas que visavam o conheci‑ mento exacto dos bens e direitos régios por todo o país, lançan‑ do o programa das Inquirições de 1284 (Pizarro, 2007), 1288/90 e 1301, que se estendeu do Entre­‑Douro­‑e­‑Minho a Trás­‑os­ ‑Montes e Beiras, culminando em 1321 com “uma demonstração de força” e autoritarismo régios (Mattoso, 2002d, 8: 219) com a proibição da criação de novos coutos e honras. Este projec‑ to tinha sido antecedido pelas Inquirições de 1220 de Afonso II que abrangiam um vasto e diversificado território37, posterior‑ mente intensificadas por Afonso III, seu filho, em 1258, “numa área bem mais ampla que a que fora coberta pelos inquiridores de Afonso II” (Ventura, 1996: 127­‑128). D. Dinis pretendia, justamente, 34 José Mattoso salientou o papel mais activo da média e pequena nobrezas na luta par‑ tidária de então, destacando, mormente, a divisão entre as duas facções da família Portocar‑ reiro. Ver por todos Mattoso (2002a, 8: 67). 35 João Peres de Aboim, Estêvão Anes, João Coelho Soares, Fernão Fernandes Cogo‑ minho, entre outros. 36 As primeiras rebeliões teve que enfrentá­‑las com o seu irmão Afonso [1263­‑1312] (1281, 1287 e 1299), que procurava instaurar um verdadeiro potentado feudal hereditário próximo à região de fronteira entre Portugal e Castela. Sobre o assunto ver por todos Mar‑ ques (1983, I: 210 ss). 37 Inquirições tiradas, nomeadamente, sobre propriedades detidas por autoridades ecle‑ siásticas na terra de Santa Maria e nos julgados do Porto, Maia, Refojos, Aguiar de Sousa, Pe‑ naguião, Baião, Soalhães entre outros.

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saber o alcance dos abusos e usurpações de que teriam sido objecto os bens e propriedades régios até ao momento e con‑ juntamente suprimir as prerrogativas «estatais» da aristocracia terratenente. O objectivo era a devolução dos bens integrados inadvertidamente nas jurisdições senhoriais, laica ou eclesiásti‑ ca38. Entre 1285 e 1316 os nobres tentaram contrapor­‑se ao rei quer pela resistência passiva, quer pelos protestos legais e do costume. Porém, o monarca soube sempre defender­‑se na base das concepções do Direito romano, apoiar­‑se na elite de juris‑ tas da Corte e escudar­‑se na burocracia estatal. O ponto alto dos conflitos civis – entre o rei e a aristocracia ­‑, encontra­‑se na disputa que o colocou frente ao filho legítimo, o Infante D. Afonso, futuro Afonso IV, cujos receios de ser preterido para efeitos de sucessão ao trono em relação ao meio­‑irmão e bastardo, Afonso Sanches, e a firme pretensão em conseguir o regimento da justiça do reino, no sentido de proporcionar um maior laxismo na administração da justiça, constituem as duas principais razões da contenda. Para José Mattoso esta terá sido “a mais prolongada e violenta desde as lutas que ensanguentaram a sucessão de Sancho II até à revolução de 1383” (2002d, 8: 217). À partida vislumbra­‑se um conflito social entre as duas facções em litígio. O partido do rei colhia apoio social na nobreza de Corte, numa certa fidalguia emergente (com domínios senho‑ riais na Beira e Além­‑Douro) e nas oligarquias urbanas das principais cidades do Sul do país (Lisboa, incluída)39, e o par‑ tido do Infante Afonso que incluída homens da sua casa, a no‑ breza de província, fundamentalmente, da zona Norte do país (Conde de Barcelos). Por isso se diz que o conflito de 1319/24 opôs socialmente nobres e concelhos e, regionalmente, divi‑ de o país entre o Norte senhorial e o Centro e Sul concelhio e urbano (Mattoso, 2002d, 8: 227). Mas para José Mattoso esta 38 De igual modo, teve que pôr fim a um longo período de querelas com o clero, ao assi‑ nar a concordata de 1289 (Bula Occurrit nostrae), que permitiu à coroa recuperar bens e rendas que durante anos estiveram nas mãos do clero. 39 A Crónica de Portugal de 1419 refere­‑se à participação dos concelhos e ordens militares como forças sociais e políticas do lado do rei (Crónica de Portugal de 1419, 1998).

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é uma forma simples de ver o problema, tanto mais que não podemos definir o conflito de 1319/24 como uma luta de es‑ tamentos sociais. O que estava em jogo era sobretudo a con‑ testação do processo de centralização do poder régio, a tenta‑ tiva de colocar um freio na dinâmica da actividade legislativa e judicial do monarca e a busca de uma forma de anulação das medidas de fiscalização das jurisdições senhoriais introduzidas pelo programa das Inquirições. O resultado da rebelião, à partida, pode induzir­‑nos numa vitória dos interesses nobiliárquicos representados pelo In‑ fante D. Afonso que ascende em 1325 ao poder como Afon‑ so IV  (1325­‑1357). No entanto, por força de circunstâncias políticas externas (guerra com Castela entre 1336/39) (Mar‑ ques, 1983, I: 213­‑215) e razões de política social e económica internas (peste negra e instabilidade social a ela associada), o monarca teve que adoptar um conjunto de medidas que pro‑ porcionassem a afirmação da supremacia régia e facilitassem o combate aos privilégios dos grandes senhorios, dando segui‑ mento à política intervencionista do pai (Coelho, 1988: 35­‑51). Segundo José Mattoso, “A aliança do príncipe D. Afonso com a nobreza senhorial durante esse conflito não reconduziu (…) as antigas linhagens aos círculos do poder político” (Mattoso, 2002d, 8: 223). Paralelamente, “A política de boas relações com os Estados Ibéricos, no quadro de um equilíbrio peninsular, marcou todo o reinado de Afon‑ so IV, com um curto intervalo em 1336­‑39” (Marques, 1986: 497). O terceiro movimento é possivelmente um dos mais su‑ gestivos, controversos e conhecidos do período medieval: a revolução de 1383/1385. Esta divulgação em muito se deve ao tratamento que lhe foi dando a historiografia nacional desde Damião Peres (1917) e antes dele Oliveira Martins (1879), Jai‑ me Cortesão (1930), António Sérgio (1946 e 1983), Joel Serrão (1946), Marcello Caetano (1951 e 1985b), António José Sarai‑ va (1965), A. H. de Oliveira Marques (1985b), António Borges Coelho (1965), Veríssimo Serrão (1976), Maria José Pimenta Ferro Tavares (1983), Luís de Sousa Rebelo (1983), Arman‑ do Luís de Carvalho Homem (1983­‑84), José Mattoso (1985 52

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e 2001), entre outros. Devemos adiantar que a isenção da ava‑ liação histórica do movimento foi, do nosso ponto de vista, superior no período pós­‑25 de Abril. Antes desta data esteve muito conotada ideológica e politicamente por efeito do regi‑ me salazarista que então se vivia. Como refere José Mattoso um núcleo expressivo destas teses reflectem “um denominador comum [que] é a oposição dos seus autores ao regime salazarista” (Mat‑ toso, 2001, 6: 218). Por tudo isto, não iremos desenvolver circunstanciadamente as perspectivas interpretativas destes autores a respeito da crise dinástica iniciada com a morte de Fernando I em 1383, o sub‑ sequente interregno e a aclamação em Cortes (1385) do Mestre de Avis como João I de Portugal. Podemos no entanto adiantar que as teses são passíveis de dividir­‑se entre as que defendem a existência de uma revolução burguesa e social (teses ‘revolucio‑ nárias’) e as que apontam para a existência de uma crise nacio‑ nal (teses ‘críticas’) assentes na ideia de consciência nacional. Para estas últimas a crise de 1383/85 foi uma revolução nacional. Interessa­‑nos, longe das polémicas, observar à luz das ques‑ tões de organização do poder e da integração social da época, o significado político da crise de 1383/85. A análise dos acon‑ tecimentos de política interna e externa, assim como a eluci‑ dação da trajectória dos agrupamentos sociais à medida das circunstâncias político­‑militares fornecem­‑nos uma explicação das opções políticas de todos os implicados no movimento. Como demonstram dois dos especialistas (José Mattoso e Maria José Pimenta Ferro Tavares) as trajectórias dos vários elementos que compunham a nobreza, perante o fervilhar dos acontecimentos, não são unívocas, tendo sido muitas as he‑ sitações no momento de conceder apoio ao Mestre de Avis, na sequência do levantamento popular na cidade de Lisboa40. Nos momentos subsequentes à eclosão da rebelião de Lis‑ 40 A nobreza mantinha­‑se desconfiada, sendo assinalada a propensão da alta nobreza para alinhar pelo partido castelhano apoiado pela Regente e os estratos mais baixos (filhos segun‑ dos e bastardos) alinhado pelo partido que elevou o Mestre de Avis a defensor do reino. Ver por todos Mattoso (2001, 6) e Tavares (1983).

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boa, havia três poderes instalados em Portugal que careciam de legitimidade: o do proclamado defensor do reino; o da rainha D. Leonor Teles e o do rei de Castela. O Mestre foi elevado por uma cidade do reino, a rainha ratificou a invasão castelha‑ na e o rei de Castela invadiu o reino contra o estipulado nos tratados. As resistências de D. Leonor Teles, regente desde a morte de D. Fernando, face à ascensão de D. João, conduzem à existência de uma dupla guerra: a guerra contra Castela e a guerra civil. Porém, o Mestre de Avis, em poucos meses, co‑ adjuvado pelo Condestável D. Nuno Álvares Pereira, conse‑ gue reverter a seu favor a situação: quando se coloca como de‑ fensor dos interesses de Portugal contra a presença das forças castelhanas instaladas nos arredores de Lisboa (1384) (Lopes, 1983). Os êxitos militares alcançados fizeram o que restava: transformar o Mestre de Avis num protagonista nacional. Nas Cortes de Coimbra de 1385, frente a uma assembleia em que estavam representadas as três facções: a castelhana (que consi‑ derava João I de Trastâmara e Beatriz como reis legítimos), a legitimista (que defendia a legitimidade de João, filho de Pedro I e de Inês de Castro) e a portuguesa (que propunha como rei o Mestre da Ordem de Avis, D. João, filho bastardo de Pedro I); o Dr. João das Regras, iminente jurista, formado em Bolo‑ nha, provou a indispensabilidade de reconhecimento do Mes‑ tre como rei de Portugal, facto que aconteceu a 6 de Abril de 1385.A gestão dos problemas de política interna (saneamento da crise económica e afirmação da soberania régia) e externa (Aljubarrota personifica a capacidade de gestão militar de João I; o reconhecimento internacional – Tratado de Windsor [1386] e o casamento com Filipa de Lencastre) constituem a prova do reconhecimento das capacidades de liderança de João I, que veio a ser acatada pelos grandes senhores do reino, pela bur‑ guesia e pelas massas populares que desde o início o apoiaram, segundo o relato coevo dos acontecimentos (Fernão Lopes). Acresce ainda a circunstância de diligenciar no sentido de es‑ tabelecer uma base sólida para o exercício da governança do 54

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reino ao rodear­‑se de oficiais e conselheiros competentes41, so‑ bretudo de inícios da década de 90 até finais do reinado (1433). “Cremos assim (…) poder afirmar, (…) que superada a ‘crise’ motivada pela «Crise» se entra numa fase de reposição da orgânica que se vinha ins‑ talando desde os meados do século XIV; reposição (…) que será seguida de uma fase de estabilidade aos mais diversos níveis (…) [podemos as‑ sim afirmar] que o apogeu joanino encontra a sua plena tradução no que à orgânica e ao pessoal do desembargo diz respeito” (Homem, 1990: 244). Face ao exposto, compreende­‑se que o rei da Boa Memó‑ ria tenha pautado a sua actuação política pela manutenção da estabilidade (interna e externa), na base da gestão do equilí‑ brio peninsular, essencial à promoção da sua imagem política de chefe da realeza a quem compete zelar pela paz do reino. O quarto movimento escolhido é também ele bastante con‑ turbado, trata­‑se do golpe de político de 1439/41. Nas palavras de Miguel Ángel Ladero Quesada nos séculos finais da Idade Média peninsular, “cuando el principio absolutista no se correspondia aún com su práctica, hubo mayor fluidez en las situaciones. Sobre todo con ocasión de minoridades regias y organización de regencias, que se re‑ suelven en enfrentamientos internos y golpes de Estado” (Ladero Que‑ sada, 2005: 602). De entre os quais cabe destacar o que envol‑ veu a rainha viúva de D. Duarte (1433­‑1438), D. Leonor de Aragão, com o cunhado, o Infante D. Pedro, co­‑regente entre finais de 1438­‑41 e regente entre 1441­‑1449. Durante a menor idade de D. Afonso de Portugal houve ne‑ cessidade de recorrer ao instituto da regência. Em testamento, D. Duarte, designa a rainha D. Leonor como sua legítima re‑ presentante e regente. “As crescentes divisões do reino e as diferentes pressões condicionaram a atitude da regente, que acede à co­‑governação com o cunhado” (Freitas, 2001, I: 238) , o Infante D. Pedro, duque de Coimbra. Em reunião de Cortes (Torres Novas) chegou­ ‑se a acordo na partição das lides governativas entre a rainha e o duque de Coimbra, ficando aquela com a administração 41 Sobre as várias gerações de oficiais desde o interregno até ao final do governo directo de João I, ver por todos Homem (1990).

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da fazenda e este com a administração da justiça e defesa do reino. Durante cerca de ano e meio os co­‑governantes parti‑ lham as responsabilidades de governo e de despacho burocrá‑ tico, mantendo um núcleo restrito de experimentados servido‑ res joaninos e eduardinos (Freitas, 2001, I: 240­‑247). Porém, das Cortes de Lisboa (1439) sai a ideia de que a co­‑governação era insustentável, tendo o Infante D. Pedro aproveitado o en‑ sejo para, de uma forma extrema, usurpar o governo à rainha D. Leonor. Nas palavras do cronista Rui de Pina “como ante aas Cortes [Lisboa] aceitou ho Regimento” (Pina, 1977, cap. XLVI : 638 e ss), contradizendo o acordo anteriormente estabelecido nas Cortes de Torres Novas. Tudo parece indicar que o Infante D. Pedro, induzido (ou até mesmo preparado), pelo apoio que colheu junto dos correligionários e da movimentação dos sec‑ tores populares seus apoiantes (oligarquias urbanas), escolheu o momento mais oportuno para desferir um golpe de Estado (Freitas, 2004: 75­‑88), tendo assim cometido um acto de usur‑ pação de poder42. Ou seja, o Infante D. Pedro corporizando os interesses políticos dos grupos sociais e político­‑partidários seus apoiantes actuou como cabecilha do movimento, levado pela ambição de governar in solidum. “El golpe consiste en susti‑ tuir al privado y a su equipo por otro en el control del rey, a veces acu‑ sando al que se quiere sustituir de usurpar tiránicamente las funciones regias”(Ladero Quesada, 2005: 602). Sem auxílio e colaboração internos, a rainha abandonou Portugal em Dezembro de 1440. D. Pedro exerce funções governativas promovendo uma po‑ lítica hábil no sentido de garantir o apoio necessário e funda‑ mental à legalização do movimento e do novo governo (Coe‑ lho, 1996: 15­‑44). O estratagema teve o intuito de transformar uma operação ilegal em legal. No entanto, a garantia da legiti‑ midade radicava em parte na conservação do bom funciona‑ mento das instâncias governativas e na manutenção do apoio da comunidade de súbditos e segundo A. H. de Oliveira Mar‑ 42 Para uma abordagem de conjunto sobre o sentido tácito e o âmbito temático deste tipo de acto político, na Idade Média, ver por todos Foronda, Genet e Nieto Soria (2005) Coups d’État à la fin du Moyen Âge?

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ques “É difícil fazer corresponder a regência do infante D. Pedro a uma política de centralização bem definida e bem orientada (…) Pelo contrá‑ rio, a regência contribuiu para um reforço do senhorialismo através da concessão de novos títulos nobiliárquicos, de mais extensos patrimónios e de renovados privilégios aos grandes senhores” (Marques, 1986: 555). Surgem novos potentados senhoriais que irão manifestar­‑se pouco tempo depois, em Alfarrobeira (1449) (Moreno, 1973) e, mormente, em 1481­‑1483 (Moreno, 1987). Ao nível do De‑ sembargo, a mobilidade e a renovação dos quadros humanos traduz uma certa “desorganização administrativa” (Freitas, 2001, I: 242). Assim, é­‑nos de todo difícil desligar o golpe de Estado de 1439/41 da guerra civil de 1446/49, de que saiu vencedora a facção dos partidários do poder legítimo da monarquia, fos‑ sem eles originários da nobreza ou não. Ou seja, um amadu‑ recimento da comunidade política (veja­‑se a imagem orgânica da sociedade representada nos conflitos em análise) cada vez mais identificada com os poderes da realeza soberana. A políti‑ ca governativa de Afonso V prima pela reposição da “estabiliza‑ ção do processo de burocratização do Estado, quer em termos de quadros humanos, quer em termos de esferas de competência, cria as condições ne‑ cessárias ao fortalecimento das elites do poder” (Freitas, 2001, I: 254). Em referência aos dois últimos movimentos analisados, conforme vimos, o século XV, conheceu momentos de per‑ turbação ao nível das estruturas políticas, tendo­‑se delineado dois fenómenos aparentemente antagónicos: a consolidação e o reforço dos poderes da realeza e, paralelamente, uma cres‑ cente influência da alta nobreza, no seio da sociedade política, que intervém e perturba de diferentes modos a manutenção do sistema político vigente. Como salienta Quintanilla Raso, “Conviene tener presente que la aristocracia fue un referente fundamen‑ tal para la construcción y el desenvolvimiento de las estructuras políticas, mientras que el proceso de consolidación del poder regio tuvo altibajos, e los medios a disposición de la Corona presentaban indudables limitaciones” (Quintanilla Raso, 2005: 543). Neste quadro, justifica­‑se a escolha da última crise que, concisamente, iremos analisar procurando descortinar o pa‑ 57

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pel da aristocracia quatrocentista na construção do Estado mo‑ derno. João II após ter sido proclamado rei, convocou Cortes para Évora em finais de 148143, as quais vieram a concluir­‑se em Montemor­‑o­‑Novo em 1482 (Sousa, 1990; Gomes, 1998a e Mendonça, 1999). Coube ao Dr. Vasco Fernandes de Luce‑ na, Chanceler da Casa do Cível, proferir o discurso de abertura anunciando a nova política regalista, ao dizer “Quem verdadeira‑ mente obedece ao seu rei faz coisa digna e de sua honra e de seu glorioso nome” (Pina, 1977, cap. XVIII: 929). Nesta assembleia, os povos queixam­‑se ao monarca dos abusos perpetrados pelos fidalgos na cobrança ilegítima de tributos, nas extorsões, actos violen‑ tos e outros excessos. As Cortes prolongaram­‑se durante seis meses e nelas foi adoptado um conjunto de medidas que visava o controlo dos abusos senhoriais e a protecção da “autoridade do rei, o prestígio e independência da coroa e dos seus servidores” (Sousa, 1990: 423). Uma das medidas tomadas que mais descontentou a aristocracia foi a requisição dos castelos que, na prática, im‑ plicava que os alcaides perdessem os seus tradicionais privilé‑ gios, “passando a simples delegados do poder central” (Dias, 1998: 701). Neste contexto, não admira que nos momentos subsequentes à reunião magna exista um claro desapontamento da nobreza relativamente às medidas políticas de João II, consideradas pela facção representada pelo mais alto estalão da nobreza como um acto de «traição». O líder do movimento de contestação foi D. Fernando, Duque de Bragança, acolitado pelo irmão, D. Dio‑ go, duque de Viseu, representantes da mais influente linhagem da aristocracia criada ao tempo de João I (1385­‑1433) (Cunha, 1990). De acordo com a historiografia especializada, as causas da crise política são múltiplas e recuadas no tempo. A interfe‑ rência das justiças do rei (corregedores) nas terras dos fidalgos de modo a fazerem cumprir os mandatos régios foi apenas o detonador próximo do conflito. Vários estudos têm chama‑ do a atenção para o facto dos enfrentamentos entre a alta no‑ 43 Álvaro Lopes de Chaves, secretário régio, apresenta a “Planta das Cortes de Evora”. Ver por todos, Chaves (1984b), p. 114­‑120 e Mendonça (1991), 196.

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breza e a realeza recuarem a meados da década de 70 quando a velha aristocracia do reino, presente no Conselho régio, se opôs fortemente às escolhas matrimoniais de Afonso V (1439­ ‑1481). “O parecer do duque de Bragança pugnava pela neutralidade e não ingerência nas questões sucessórias de Castela” (Cunha, 1990: 166) que poderiam vir a colocar em causa o Tratado das Terçarias de Moura44 (1479) e, consequentemente, a independência do reino de Portugal. Contudo, a guerra entre a realeza e a no‑ breza foi ‘declarada’ a partir da contestação feita pelos nobres à intervenção dos corregedores nas terras de que eram dona‑ tários. Gera­‑se um clima de desconfiança mútua. De um lado, o rei e os oficiais régios, do outro o grupo de nobres que pre‑ tende defender os seus interesses ‘corporativos’, constituindo uma elite política que se achava particularmente afectada pe‑ las manifestações de centralismo régio, cuja figura de proa é o Duque de Bragança. As palavras tornam­‑se injuriosas e acusa‑ tórias, na Corte diz­‑me que o chefe da linhagem dos Bragança anda a conspirar junto dos reis católicos. Os espiões de João II interceptam missivas do marquês de Montemor, irmão do du‑ que de Bragança, nas quais seria proposta a invasão de Portu‑ gal, numa tentativa de acabar com aquilo que classificam de ti‑ rania do rei. Trata­‑se de um movimento conspirativo levado a cabo por um bando nobiliárquico perfeitamente identificado, que não representa a nobreza como grupo social. João II ad‑ mite que o duque de Bragança está envolvido na conspiração sendo prontamente julgado por um tribunal de vinte e um ju‑ ízes, condenado e decapitado na praça do Giraldo em Évora. A consequência desta medida é a extinção da casa de Bragança e a incorporação dos respectivos bens na Coroa. Pouco tempo depois, corria o ano de 1484, nova suspeita de acto conspira‑ tivo foi eliminada com a morte de D. Diogo, duque de Viseu, irmão da rainha. “El Rey ho matou per sy as punhaladas”, procla‑ mando quais “as causas e razões que tevera para o matar” (Pina, cap. 44 Constitui o acordo preliminar ao Tratado de Alcáçovas­‑Toledo (1479.Setembro.04) que confirma a paz entre os reinos de Portugal e de Castela.

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XVIII: 929­‑930) que o tinha movido: a deslealdade e traição ao rei. Muitos outros elementos da aristocracia laica e eclesiástica conheceram o desterro, a execução e o exílio para Castela, in‑ cluindo o bispo de Évora, D. Garcia de Meneses, envenenado na prisão (Pina, cap. XVIII: 930­‑933). O conjunto dos acontecimentos mencionados e as conse‑ quências políticas que daí advieram constituem para a maio‑ ria dos autores a justificação do endurecimento das posições da realeza frente aos núcleos duros da sociedade política de então, alimentando a tese de que o reinado joanino foi um tempo de forte centralização do poder régio45. É certo que João II fortaleceu a autoridade régia, retomou as relações diplomáti‑ cas com os mais importantes Estados da Europa e prosseguiu com enorme determinação a política de exploração dos ma‑ res do Sul, interrompida desde a morte do Infante D. Henri‑ que (1460) (Chaunu, 1969 e Godinho, 1981­‑1982). Se de um ponto de vista institucional e burocrático o reinado de João II (1481­‑1495) corresponde a um tempo em que o sistema mo‑ nárquico se fortalece (Mota, 1989), do ponto de vista político e ideológico, a governação joanina evidencia mais claramente a afirmação da supremacia do Estado e do discurso político a este associado (Albuquerque, 1968 e Buescu, 1997), mas estas competências não nos permitem dizer que o advento do Esta‑ do territorial moderno tenha sido, exclusivamente, obra sua46. Face à questão lançada inicialmente neste ponto ­‑ As cri‑ se políticas reforçam a unidade? ­‑, e no seguimento do expos‑ to, pensamos encontrar­‑nos em condições de extrair algumas ideias conclusivas: 1ª) Sempre que a monarquia, enquanto instituição represen‑ tante do poder supremo, ficava dividida entre o monarca e o herdeiro, a nobreza tomava uma posição procurando a salva‑ guarda dos seus interesses, e perante a perspectiva de poder vir a tirar dividendos, coloca­‑se de um dos lados. Leia­‑se “absolutismo régio”. Ver por todos, Macedo (1985, I: 8­‑14). Por isso não concordamos com a ideia de “Estado absoluto” e/ou de “Absolutismos régio” tradicional e convencionalmente propalada. 45 46

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2ª) As guerras civis e as crises políticas do século XIII a finais do século XV demonstram o quanto foi demorado o processo de subordinação dos poderosos à monarquia e a sua sujeição ao poder político da realeza. A aristocracia tenta por todos os meios, incluindo a contestação, a sublevação, o golpe político e a conspiração, evitar a perda de protagonismo polí‑ tico, de hegemonia social, de autonomia jurídica e de domínio económico (rendas). 3ª) Os momentos de grave conflitualidade analisados (crise) tiveram presentes motivações diversas e foram despoletados por diferentes grupos da sociedade política que manifestaram de forma mais ou menos violenta o seu desagrado em relação às medidas de fortalecimento dos poderes da realeza. 4ª) Na génese do jovem Estado, passados os momentos mais críticos e de fragilidade do poder da realeza, foram cada vez mais sólidas as conquistas posteriormente alcançadas pela auto‑ ridade régia, designadamente ao nível dos mecanismos de exer‑ cício organizado do poder, consubstanciados no recurso à lei, na aplicação da justiça, no concerto entre monarquia e socie‑ dade política e, finalmente, na organização administrativa em geral. Esta é a principal conquista que haverá a ressaltar des‑ te processo genésico e de edificação do Estado no crepúsculo da Idade Média em Portugal. Processo que, conforme vimos, teve avanços e recuos dado os recursos limitados da Coroa. S ociedade política e poder Depois de termos examinado a realeza, o governo e o po‑ der monárquico nos pontos preliminares, abordaremos, bre‑ vemente, as relações entre «sociedade política» e poder políti‑ co, na Idade Média portuguesa. Uma questão inicial se coloca: o que entende a historiografia medieval por «sociedade políti‑ ca»? Qual a sua origem e fundamento teórico? A introdução do conceito em História deve­‑se a Raymond Cazelles num estudo clássico intitulado: La Société Politique et la crise de la Royauté sous Philippe de Valois datado de 1958. Para este 61

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historiador, «sociedade política» corresponde ao conjunto de servidores régios, incluindo os agentes da burocracia, os con‑ selheiros e todos quantos mantêm uma função política de certa importância. Cazelles considera que o conceito de «sociedade política» é indispensável à análise da actividade política do nú‑ cleo de homens ligado às esferas do poder régio (os actores políticos). O conceito é assumido na acepção mais restrita do termo, sublinhando a dependência da intervenção na activida‑ de política dos grupos que compõem a comunidade política. Mais recentemente Philippe Contamine questionou o signifi‑ cado do termo proposto por Cazelles e o respectivo âmbito de aplicação. No seu entendimento, o conceito de «sociedade po‑ lítica» remete para três tópicos essenciais: a existência de uma elite de homens do poder e respectivos laços familiares, cliente‑ lares ou outros; as correntes do pensamento político da época e a noção de opinião pública. Os tópicos são interdependentes, na ausência de um dos vectores não existe «sociedade política», simplesmente um grupo de servidores régios (1991: 261­‑271). Diferente perspectiva de análise é a de Jean­‑Philippe Genet que ao efectuar uma ligação orgânica entre história do Esta‑ do e história social concede um papel vital à «sociedade políti‑ ca» no processo genésico do Estado moderno. Para Genet Esta‑ do moderno e «sociedade política» são realidades indissociáveis, remetendo o segundo destes termos para as relações sociais e de força estabelecidas por todos os membros de uma comu‑ nidade pertencente a um Estado num determinado momento. “Il me semble que c’est donc à travers l’étude de la société politique, c’est­‑à­‑dire de tous les hommes qui, à un degré et selon des formes que‑ lconques, entrent dans un rapport de pouvoir et de force avec nouvelle structure proprement politique de l’Etat moderne que l’on peut atteindre cette réalité extrêmement complexe des pouvoirs multiformes qui pèsent sur les hommes » (Genet, 1999 : 43).

Para J.­‑P. Genet toda a sociedade pode ser considerada «so‑ ciedade política». Por conseguinte, o conceito de «sociedade política» tem um valor instrumental e metodológico relevante quando aplicado à análise da realidade social medieval. Sob este 62

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ângulo de análise norteamo­‑nos por uma apreciação, necessa‑ riamente geral, das relações entre composição social e poder político no período analisado (séculos XII­‑XVI). A primeira ideia que devemos reter é a de que a sociedade tardo­‑medieval é uma sociedade de desiguais, em que a subordinação entre go‑ vernantes e governados não se deve exclusivamente às capaci‑ dades de comando, dever e obediência. O modelo de socieda‑ de era corporativo, organizando­‑se em torno de um discurso de harmonia funcional cujo vértice era o rei, conforme vimos (cfr., supra, p. 37). Apesar da superioridade da realeza em relação às forças sociais do reino, o Poder encontrava­‑se fragmentado entre os corpos sociais. Ao tempo não existe oposição radical entre o poder do rei ­‑ os geralmente designados ‘poderes pú‑ blicos’ ­‑, representados pela monarquia, e os poderes priva‑ dos, representados pelos senhores laicos e eclesiásticos, bem como os poderes locais dos municípios ou as corporações das cidades. Simetricamente, as relações de poder podiam ser ins‑ titucionalizadas e formalizadas nuns casos e noutros não. Por conseguinte, coexistiam laços naturais, de vassalagem e hierár‑ quicos entre os membros da mesma comunidade. A presen‑ ça de poderes difusos dificultava, obviamente, a afirmação da autoridade monárquica. O soberano sabia que tinha que considerar todos os inter‑ locutores: os poderes senhoriais e eclesiásticos, as oligarquias urbanas (aristocracia concelhia), o crescente papel das assem‑ bleias comuns (Cortes e Parlamento) (cfr., infra, 2.3.) e os res‑ tantes grupos sociais e jurídicos (Leroy, 2001: 107­‑186). Da‑ remos especial ênfase às implicações dos poderes senhoriais (laicos e eclesiásticos) e municipais na evolução das estruturas políticas do século XIV aos inícios do XVI. Os

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“Nobreza e clero não são grupos homogéneos. Profundas clivagens existem no seu interior, do mesmo modo que urdiduras complexas mantém as teias das suas relações e interinfluências” (Coelho, 1995: 292­‑293). 63

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O poder da nobreza senhorial surge, geralmente, identifi‑ cado com realidades tais como: linhagem, milícia e terra. Nos séculos finais da Idade Média, a nobreza teve que se ajustar à realidade social e política proporcionada pela mudança di‑ nástica com a eleição de João I (1385­‑1433) e a consequente emergência da conjuntura expansionista, (Oliveira e Rodrigues, 1988: 77­‑114). A nobreza surge qualificada como os “defenso‑ res”, “porque a sua missão consistia em defender o «povo»” (Marques, 1986: 236). Contudo, nos séculos finais da Idade Média, nem todos os nobres exerciam funções militares, detinham terra e provinham de ancestrais linhagens constituindo parte inte‑ grante da fidalguia (Marques, 1986: 237). O que define o no‑ bre é o poder sobre a terra e sobre os homens. Geralmente o nobre recebia tenças, moradias e assentamentos, possuía pa‑ trimónio fundiário, onde detinha direitos de jurisdição cível e crime, cobrava rendas e impostos, garante de uma popula‑ ção de dependentes nobres e não­‑nobres («vassalos», criados, cavaleiros, escudeiros). O poder da nobreza senhorial portu‑ guesa nos séculos XIV­‑XVI, não se encontra igualmente re‑ presentado por todo o território. Tradicionalmente, existiam áreas territoriais de predomínio da nobreza, o Entre Douro e Minho e a Beira Litoral (séculos XII­‑XIV), por contraposição a zonas de organização concelhia e de forte presença dos se‑ nhorios das Ordens Militares, sobretudo a sul do território e nas regiões do interior, por efeito das concessões territoriais efectuadas aos participantes das actividades de conquista de terras ao Islão e de fixação de populações (povoamento) nos espaços de fronteira, facilitando a organização do espaço na‑ cional. Do mesmo modo, a nobreza não constitui um todo homogéneo, existem acentuadas clivagens entre os elementos deste grupo, determinadas pelas distintas posições sociais e in‑ teresses económicos obtidos ao longo do tempo. A nobreza, enquanto grupo, teve que se ajustar à realidade social e política a partir do século XIII, às condicionantes impostas pela géne‑ se da expansão Quatrocentista portuguesa e ao fenómeno de transição da Idade Média para a modernidade (séculos XV e 64

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XVI), alturas em que ocorreram reajustes do sistema do poder e uma redistribuição social da riqueza. A estratificação da no‑ breza conheceu alterações significativas nos séculos finais da Idade Média exprimindo­‑se num dinamismo que confunde a tradicional divisão entre alta, média e baixa nobrezas. Conforme sabemos os séculos XIII e XIV conheceram um processo de acrescentamento da autoridade régia e a sub‑ sequente restrição das jurisdições dos domínios senhoriais laicos (sobretudo) e eclesiásticos. As Inquirições e as Confirma‑ ções, mormente no século XIII­‑XIV, lançadas nos reinados de Afonso III e D. Dinis, procuravam impedir a expansão dos direitos senhoriais e restringir os abusos dos proprietários. Pa‑ radoxalmente, nos séculos seguintes, os grandes senhores (a alta nobreza) conservaram ou vieram a aumentar o seu peso social e político na sociedade, como que representando o úl‑ timo fôlego do senhorialismo, confirmado, designadamente, na constituição das casas dos Infantes e mais algumas poderosas casas senhoriais, verdadeiros potentados que ensombravam o domínio político da realeza. O mecanismo da concessão de senhorios manteve­‑se associado às disputas nobiliárquicas da era quatrocentista levando o monarca a conceder senhorios em troca de apoios políticos. A promoção social de indivídu‑ os de condição nobre com atribuição de distintos títulos no‑ biliárquicos (Oliveira e Rodrigues, 1988: 81), veio a atingir o auge na segunda metade do reinado de Afonso V (1439­‑1481) e durante o reinado de Manuel I (1495­‑1521)47, consolidando o papel social da aristocracia cada vez mais fechada ao ingres‑ so de novos membros (Sousa, 1994: 440­‑465). Com efeito, este sistema social favoreceu o processo de ‘curialização’ da nobre‑ za (Gomes, 1998c: 179­‑187 e Cunha, 2003: 35­‑36). Nos reina‑ dos de Afonso V e de Manuel I constata­‑se um crescimento do número de títulos nobiliárquicos. A estratégia do Africano concebeu catorze (14) novos titulares e a política do Venturo‑ 47 A concessão dos recém­‑criados títulos de «duque», «barão», «marquês e «visconde», para além do título de «conde», constitui um forte indício das transformações por que passa‑ ram os quadros superiores da nobreza quatrocentista e quinhentista.

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so acrescentou­‑lhe mais oito (8), isto para além do restabeleci‑ mento da casa dos Bragança, extinta por João II. Nos finais do século XV, as grandes linhagens ascendiam a vinte e três (23) (Marques, 1986: 244), cada uma com vários ramos familiares. Esta fidalguia desenvolveu um relevante sistema de heranças patrimoniais que incluía, designadamente, a transmissão do senhorio, do título e do ofício. Daí sobrevir, nas mais impor‑ tantes estirpes, um assinalável número de títulos nobiliárqui‑ cos – condes, duques e marqueses –, que conservavam senho‑ rio sobre extensas áreas territoriais e sub­‑regionais. Tal facto originou um crescente peso e influência da alta nobreza junto da Coroa. Esta elite do poder beneficiava do patronado régio que lhe permitia, pelos títulos e cargos obtidos, consolidar po‑ sições sociais. É também certo que esta nobreza, aproveitando a conjuntura expansionista, manteve­‑se especialmente ligada às conquistas no Norte de África, reforçando o respectivo es‑ tatuto pelos serviços prestados à Coroa, na milícia e na admi‑ nistração central, num processo de fortalecimento do que é ha‑ bitualmente designado de «nobreza de serviço». No entanto, é necessário não esquecer que o longo e complexo processo de reagrupamento social da nobreza Quatrocentista e Quinhen‑ tista, manteve­‑se relacionado com o fortalecimento da realeza e o processo de centralidade política das monarquias moder‑ nas, mormente na Península Ibérica (Cunha, 2009: 181­‑208). Os novos segmentos de afirmação da aristocracia laica pro‑ porcionam uma reconfiguração do grupo em função do tipo de relações desenvolvidas com o poder político. A posição da alta nobreza na sociedade política de então é, conforme salien‑ ta Quintanilla Raso, favorável a um poder “protoabsoluto [que] podía resultar conveniente para la nobleza, tanto por razones políticas – para mantener su posición era mejor una monarquia fuerte, en vez de un gobierno monárquico débil, que podía conduzir al desorden social y la alteración de las hierarquias ­‑, como por razones materiales – para soste‑ ner su poder – o incluso, clientelares, ­‑ para sentirse estimados por el rey como patrono” (2005: 544)48. 48

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Sobre o «poder absoluto», cfr., supra, n.

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Em paralelo, há que mencionar o lugar ocupado na socieda‑ de política de então pelos escalões inferiores da nobreza (média e pequena nobrezas). Estes podem, genericamente, ser dividi‑ dos em dois grupos principais: os filhos segundos de núcleos familiares com senhorios jurisdicionais e as linhagens secun‑ dárias a que se junta uma nobreza recém criada. O primeiro grupo, a média nobreza de cavaleiros, confunde­‑se inicial e ter‑ minologicamente com os ricos­‑homens e com os, mais tarde, designados de fidalgos, vassalos, vassalos maiores, grandes senhores (Sousa, 1994: 444), exercendo uma função militar que era re‑ tribuída pelo rei nas então designadas contias. Os segundos não pertenciam à fidalguia tradicional de modo que procuravam outros meios de integração e promoção social, mormente nos serviços da Corte. Os elementos das camadas médias e bai‑ xas da nobreza e da cavalaria urbana foram progredindo num processo de senhorialização de menor intensidade assente na concessão de pequenos senhorios e castelos. Este grupo era constituído essencialmente por linhagens medievais secundá‑ rias ou representantes de uma ‘recente’ aristocracia de serviço. Possuíam pequenos domínios territoriais com os respectivos privilégios pelos quais se produzia uma espécie de substabele‑ cimento da autoridade régia, sendo recebidos como delegação do único poder soberano: o poder régio. Esta distribuição de micro poderes pelas comarcas do reino colocava a média e pe‑ quena nobrezas numa posição social e política relevante e útil face aos interesses de domínio político da monarquia frente à alta nobreza territorial e às elites concelhias. Na base da escala encontram­‑se os escudeiros que, sobretudo a partir do reinado de João I, vieram a constituir um numeroso grupo. O pagamen‑ to de contias, assentamentos e tenças aos vassalos por el rei surgem como forma de compensar os serviços prestados na Corte e na guerra, variando muito o seu peso económico no tesouro do Estado dos séculos finais da Idade Média. A nobreza que, na sequência da crise trecentista, se vira a braços com a perda da respectiva hegemonia económica, em parte provocada pela subida dos preços e o aumento dos gastos, recupera a sua su‑ 67

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premacia com a transformação de importantes áreas conce‑ lhias que despontaram nos séculos XII e XIII em senhorios nos séculos XIV e XV, sobretudo no norte e centro do país. Do mesmo modo, em função do processo de senhorializa‑ ção quatrocentista, assistimos a uma redução da área ocupada pelas terras realengas (territórios e povoações submetidos di‑ rectamente à autoridade do rei ou da rainha). A natureza dos senhorios baixo­‑medievais radicava numa relação hierárquica onde sobressaía a monarquia com poderes fiscais, legislativos e prerrogativas inalienáveis. Porém, esta circunstância não im‑ pede a existência de enorme influência e poder político por parte da nobreza nos séculos finais da Idade Média; originan‑ do uma espécie de autonomias políticas no contexto do poder régio instituído (Monsalvo Antón, 2005: 152 ss.). O s poderes municipais Dentro da estruturação social e política do reino devemos ainda considerar as comunidades de homens livres e vizinhos, entretanto estabelecidas por vontade régia manifestada na con‑ cessão de Carta de foral. A requisição de apoio administrativo, político­‑militar e económico (os forais determinavam a carga tributária dos concelhos) terá sido uma das contrapartidas dos monarcas ao estimularem a formação de cidades e vilas com a outorga daqueles diplomas fundadores. Criados como núcle‑ os de homens livres e vizinhos “ajudaram a firmar o poder do rei e a impor o reino. Logo, em Portugal, nos primeiros séculos, o desenvol‑ vimento do Estado caminhava a par do incremento urbano” (Coelho, 1999: 271). O poder concelhio ocupava um lugar intermédio entre o poder monárquico central e o poder senhorial, deten‑ do certa autoridade sobre as comunidades urbanas e rurais, mas mais limitado se comparado com o poder dos «estados» senhoriais. O crescimento económico e o desenvolvimento ur‑ bano, nos séculos XII e XIII, propiciam o incremento do go‑ verno urbano confirmado pelo surgimento de ofícios, serviços e mecanismos de organização e de gestão concelhia próprios. 68

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Jean Philippe Genet remonta as origens do Estado moderno no Ocidente europeu ao momento em que as cidades ganham maior importância por meio do florescimento do comércio e da crescente ‘industrialização’, provocando uma modificação das relações sociais urbanas com efeitos nas populações ru‑ rais. O Estado moderno é um fenómeno contemporâneo ao de‑ senvolvimento urbano. Os livros de Actas de Vereação, bem como as posturas mu‑ nicipais e os regulamentos (Homem; Homem, 2006: 35­‑50) fornecem­‑nos preciosos elementos sobre a evolução das es‑ truturas sociais e políticas dos concelhos ao longo da Idade Média. Entre o poder régio, os poderes senhoriais e o poder concelhio desenvolveu­‑se um complexo jogo de interacções e solidariedades políticas sustentadas na posse da propriedade (por cavaleiros­‑vilãos, rentistas urbanos, comunidades de vizi‑ nhos, Igreja et al.) e nos poderes jurisdicionais exclusivos do rei e de certos sectores sociais. As clivagens sociais dos concelhos radicavam no diferen‑ te estatuto alcançado pelos vizinhos, onde os vectores princi‑ pais de distinção assentavam no usufruto de regalias fiscais, na posse de terra, no poder e influência socialmente firmados através de clientelas e alianças estratégicas nas quais, não raras vezes, se preservava o governo da urbe (Coelho; Magalhães, 1986; Monteiro, 1996). No topo da pirâmide social encontra‑ mos uma aristocracia urbana (burguesia), auto­‑designada nas fontes de «homens bons» e/ou «cidadãos». Esta aristocracia concelhia ocupava os ofícios de maior prestígio e respeitabi‑ lidade. São juízes, supervisores da fiscalidade municipal, são procuradores às Cortes que defendem os interesses concelhios e contribuem de forma inestimável para a tomada de decisões políticas pela monarquia. No jogo político contam muito, so‑ bretudo quando o monarca deseja impor determinadas restri‑ ções aos poderes senhoriais laicos e eclesiásticos. Constituem, por vezes, o fiel da balança alinhando pelo centro do poder. Hoje dispomos de uma tipologia das elites concelhias, de modo que remetemos para um trabalho de síntese e respectivas refe‑ 69

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rências bibliográficas (Coelho, 1999: 269­‑292). As instituições concelhias, tendo exercido um papel inegável nas acções de povoamento e edificação da nação, ao erigir­‑se como espaço social de organização territorial, nos primeiros séculos da mo‑ narquia, conhecem um processo de elitização nos tempos finais da Idade Média que, aliás, não é exclusivo das oligarquias urba‑ nas portuguesas (Reinhard, 1996; Bulst , 1988 e 1986). A I greja e os poderes eclesiásticos É difícil efectuar um balanço das alterações da organização eclesiástica produzidas em Portugal desde a fundação da nacio‑ nalidade à génese do Estado moderno e proceder a uma avaliação dos reflexos e interacção com o poder régio. Por conseguinte, não é nosso intuito apresentar um estudo sobre o desenvolvi‑ mento das realidades eclesiásticas em Portugal durante a Idade Média, tanto que mais que sabemos que ele encerra um con‑ junto de temas e problemas que não cabem neste ensaio, como sejam: a evolução das dioceses enquanto instituições eclesiás‑ ticas (estrutura e organização internas), evolução da projecção dos bispados e províncias eclesiásticas, a observância regular enquanto movimento reformador do século XIV, as reper‑ cussões da Reforma Gregoriana e das doutrinas conciliaristas na organização interna do clero nacional, entre muitas outras. O que nos interessa é salientar algumas das principais carac‑ terísticas do quadro de desenvolvimento das relações Estado­ ‑Igreja na  Idade Média portuguesa, depois de efectuarmos uma concisa explicação das origens, organização, geografia e cronologia eclesiásticas, tendo por base os estudos realizados sobre o assunto. As principais estruturas eclesiásticas dos finais da Idade Média constituem uma velha herança suévica (século VI), por conseguinte muito anterior à fundação da monarquia, confor‑ me foi devidamente aquilatado por Pierre David (1947), Mi‑ guel de Oliveira (1950), Avelino de Jesus da Costa (1959). José Mattoso executou uma sinopse sobre a história da organização 70

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paroquial em contexto diocesano (2002c, 8: 31­‑45). Confor‑ me salienta este insigne medievista, avocando os autores refe‑ ridos, é no quadro de desenvolvimento da geografia diocesana que devemos entender a criação das igrejas paroquiais funda‑ das directamente pelos bispos ou construídas sob a autorida‑ de do clero diocesano (Mattoso, 2002: 31). Nos primórdios da monarquia portuguesa, os bispos portugueses restauraram e erigiram igrejas urbanas e rurais para assistência espiritual aos crentes e administração dos sacramentos numa determinada comunidade territorial. A organização territorial das dioceses procedia, normalmente, da divisão em terras e arcediagados, que por sua vez podiam agrupar ou não paróquias49. Nos pri‑ mórdios da monarquia tal facto facilitou o povoamento e o de‑ senvolvimento da acção pastoral. As invasões muçulmanas, os movimentos migratórios dos séculos XI e XII, o estabeleci‑ mento dos domínios senhoriais sobretudo na região Norte do país, a administração do território conquistado ao Islão, entre outros factores exógenos e endógenos, condicionaram a evo‑ lução do ordenamento paroquial e diocesano do reino de Por‑ tugal. Com o tempo os arcediagados e os párocos destacam­ ‑se como administradores e cobradores de direitos nas igrejas da sua jurisdição (Rodrigues, 2006: 71­‑84). Após o IV Concílio de Latrão (1215), as igrejas paroquiais urbanas e rurais adop‑ tam o modelo pastoral saído da assembleia conciliar, baseado na ideia de que a igreja devia prover ao alimento espiritual dos cristãos pela administração dos sacramentos. A paróquia de‑ sempenha por isso um papel chave na afirmação da diocese. Existe uma espécie de racionalização da pastoral sustentada na jurisdição territorial paroquial. “Ésta es la base de la parroquia, que se compone de los fieles de un territorio (…) la parroquia lateranen‑ se sirve de base para la percepción de las rendas decimales, que haría a esta iglesia autosuficiente y participe de las rendas decimales del obispa‑ do. Este modelo de parroquia, con la variante de los diezmos, llega hasta la actualidad.” (Nieto Soria e Sanz Sancho, 2002: 160). No caso 49

Existem paróquias que dependem directamente da Mitra e não dos arcediagados.

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português, o reinado de D. Dinis, marca um momento de vi‑ ragem na organização e jurisdição paroquial, pela publicação da lista de igrejas de padroado régio50 de 1320­‑1321, com o objectivo de permitir um maior rigor na cobrança das presta‑ ções fiscais eclesiásticas estabelecidas ao longo dos séculos XI a XIII (Mattoso, 2002c, 8: 41), não obstante a listagem levantar problemas de vária ordem para o estudo das paróquias no sé‑ culo XIV (Rodrigues, 2006: 74), questões que por ora não nos compete abordar. No século XIV, contavam­‑se cerca de 2500 paróquias tributadas (Marques, 1987: 17). Existia um assinalá‑ vel contraste entre a pulverização de pequenas freguesias e a concentração de paróquias situadas na região do Norte Atlân‑ tico, densamente povoado, e a região a Sul do Tejo, onde exis‑ tia uma manifesta dispersão (Rodrigues, 2006: 76). A geografia diocesana dominava sobre um conjunto de pa‑ róquias, a unidade menor da divisão eclesiástica51. No Norte e Centro do país deparamos com a emergência de uma unida‑ de territorial, superior à paróquia – arcediago ou arquidiácono –, que superintendia na administração de uma parte da diocese por delegação do bispo. No extremo oposto encontra­‑se a uni‑ dade territorial maior: a província. A organização eclesiástica repousava numa estrutura que fazia depender as dioceses do Porto, Coimbra, Viseu, Astorga, Tuy52, Lugo, Mondoñedo e Ourense do arcebispado de Braga (Marques, 1988); as dioceses de Lamego, Guarda, Lisboa53 e Évora do arcebispado de San‑ tiago de Compostela e a diocese de Silves do arcebispado de Sevilha (Vilar, 1999). Havia um arcebispado português com jurisdição em território castelhano e um arcebispado galego 50 O rei tinha direitos de padroado que lhe conferem o poder de designação de clérigos para igrejas no âmbito da respectiva jurisdição. 51 Foram estudados os censuais de Braga (Costa, 1959), do Porto (Santos, 1973) e de Coimbra (Costa, 1966). Um censual é um instrumento de administração diocesana utilizado desde a Idade Média pelos bispos, contendo o registo das prestações e impostos devidos pelo elenco de igrejas, mosteiros e capelas ao cabido e ao bispo diocesanos. 52 Durante muito tempo, o território de Entre Lima e Minho pertenceu à diocese de Tuy. No contexto do Grande Cisma do Ocidente, a adesão da diocese de Tuy ao papa de Avinhão provoca a desagregação da parte portuguesa que vem a constituir a comarca de Valença. 53 A Diocese de Lisboa foi restaurada depois da conquista de 1147.

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com jurisdição em Portugal. Uma herança anterior à conquis‑ ta cristã54. No século XII, as dioceses metropolitanas de Braga e de Santiago de Compostela rivalizaram na imposição da res‑ pectiva supremacia sobre as dioceses sufragâneas. A reorga‑ nização das duas metrópoles foi levada a cabo por ocasião do Cisma do Ocidente (1378­‑1417), no contexto do qual foi re‑ composta a geografia diocesana que, entre outras mudanças, ocasionou a elevação de Lisboa, em 1393, a sede metropolitana superintendendo nas dioceses portuguesas que anteriormente estavam sob a égide de Compostela (Lamego, Guarda [Idanha] e Évora). Um ano depois, o arcebispado de Santiago de Com‑ postela passa a integrar as sufragâneas dioceses galegas de As‑ torga, Tuy, Lugo, Mondoñedo e Ourense, até então bracaren‑ ses. Até inícios do século XV não houve alteração do número de dioceses. Por conseguinte, Portugal encontrava­‑se dividido em arcebispados, bispados, arcediagados ou terras que agru‑ pavam várias paróquias e que recebiam os dízimos. A divisão eclesiástica do território não correspondia à divisão civil (co‑ marcas), nem à judicial (julgados), ocasionando, não raras vezes, conflitos de interesse e jurisdição. Ao rei cabia superintender no difícil diálogo a estabelecer entre os poderes divergentes. A crescente expansão colonial e marítima, desde o primeiro quartel do século XV e o povoamento e exploração das ter‑ ras descobertas, determinaram o estabelecimento de bispados além­‑fronteiras, nos séculos XV e XVI. A diocese de Ceuta foi a primeira a estabelecer­‑se em territórios de além­‑mar no ano de 1417, pela bula do papa Martinho V, passando em 1444 a administrar a comarca de Valença, pela bula Romanus Pontifex, promulgada pelo papa Eugénio IV. Os poderes dos bispos, nos séculos XII e XIII, eram em tudo semelhantes aos dos senhores feudais, detendo supre‑ macia sobre senhorios territoriais e jurisdicionais que consti‑ tuíam propriedade da diocese, gozando de enorme projecção intraeclesial (v.g. os juramentos de fidelidade dos bispos sufra‑ 54 A razão histórica para esta aparente ‘anomalia’ encontra-se devidamente explicada em Carl Erdmann (1935).

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gâneos no caso de Braga, a autoridade sacramental e litúrgica, os sacramentos de confirmação da ordem eclesial, etc). Na se‑ quência dos avanços da reconquista e a crescente difusão do direito romano favorável ao reforço do poder régio, a igreja sofrerá uma progressiva perda de capacidade de intervenção no domínio temporal. De finais do século XIV em diante, assiste­ ‑se a um processo de ‘nacionalização’ diocesana em território continental, num movimento de readaptação dos poderes lai‑ co e eclesiástico, que nem sempre foi favorável ao episcopado português. Por outro lado, a crise do século XIV, provocou um declínio das rendas fundiárias dos grandes proprietários. Por tais motivos, o poder senhorial dos bispos virá a decair de forma significativa. A reacção episcopal é, como seria de esperar, vio‑ lenta, procurando travar o incremento territorial e jurisdicional do poder régio com a avocação das prerrogativas que tradicio‑ nalmente lhe eram acometidas, quer relembrando os princípios de direito canónico, quer pela confirmação da jurisdição sobre os clérigos. Ao nível das instâncias superiores da burocracia, o peso dos clérigos vê­‑se paulatinamente reduzido à medida que caminhamos para o final do século XIV55, mantendo­‑se, porém, ligados à Corte56, no desempenho de ofícios mais honoríficos do que políticos, como é o caso do ofício de Chanceler­‑mor (Homem, 1990; Nieto Soria, 1994). De facto, os eclesiásticos sofrem a concorrência de dois grupos que conhecem uma evolução na transição do século XIII para o XIV, por distin‑ tas razões: a nobreza que virá a firmar­‑se no seio da Corte e o grupo constituído pelos legistas chamados a desempenhar preeminentes cargos na burocracia régia, v. g. desembargado‑ res das petições e agravos. Ambos, por diferentes motivos, são defensores da ideia de supremacia do poder temporal sobre 55 O início do processo de laicização das instituições monárquicas recua a tempos ante‑ riores (post­‑dionisinos), porém em termos de irreversibilidade localiza­‑se nos últimos doze anos do reinado de João I (1385­‑1433). Ver por todos Homem (1990: 299­‑300) e Freitas, (1996: 101­‑104). 56 Numa primeira fase, seguindo a perspectiva de Hélène Millet, que estudou o caso fran‑ cês e inglês, a presença de clérigos entre os servidores régios proporcionou a adopção de mo‑ delos de organização que favoreceram o nascimento, no século XV, do Estado moderno e das igrejas nacionais (Millet, cit. in Verger, 1986: 37).

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o poder espiritual nos negócios do reino. Apesar de tudo, as mais altas dignidades eclesiásticas garantem presença no mais recente refúgio das instâncias superiores da Corte: o conselho régio (cfr., supra, ponto 4.1.2.), garantindo influência nos mo‑ mentos decisivos. Feita uma apreciação global da evolução da organização eclesiástica ao longo da Idade Média portuguesa, iremos, de se‑ guida, debruçar­‑nos sobre a história das relações entre a Igreja e o Estado na Idade Média Portuguesa, considerando para o efeito, sobretudo, os momentos de afrontamento político e de aproximação entre os dois poderes. Será de toda a justiça real‑ çar o pioneirismo de Carl Erdmann (1935) no estudo das rela‑ ções entre a monarquia e a Igreja nos primórdios de Portugal e a evocação que faz dos principais responsáveis pelo estabeleci‑ mento dessas relações. Porém, antes de avançarmos devemos alertar para a questão de que ao longo da Idade Média, Igre‑ ja e Estado, mantiveram uma relação dialéctica fundamental ajustando­‑se à respectiva lógica de representação da sociedade. Igreja e Estado interpenetram­‑se. Não existe uma verdadeira distinção entre os poderes espirituais / sagrados e os poderes temporais / profanos, tal como hoje se consigna (Schmitt, 1986: 59 ss). Deste ponto de vista, as relações entre o poder régio e a Igreja secular na génese do Estado moderno estão de tal modo imbricadas que não é possível entender o nascimento e o de‑ senvolvimento do Estado sem considerar o processo de auto‑ nomização da Igreja e o problema de sacralização do poder régio (cfr., supra, p. 37 a teoria teológico­‑política). Neste alinhamento, consideramos, pelo que representa em termos de desenvolvimento inicial de uma concepção po‑ lítica definida pelo poder régio, o conjunto de leis promulgadas no âmbito das Cortes de Coimbra de 121157. Efectivamente, as leis de Afonso II representam um momento de afirmação da autoridade régia na defesa dos bens e dignidade da Coroa, procurando o respeito e a ‘igualdade’ das normas jurídicas (No‑ 57 Uma visão global das relações entre Igreja e Monarquia no período anterior ao Estado moderno pode ver­‑se em Jorge e Vilar (2000: 303­‑314).

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gueira, 2005), no que a Igreja, como é evidente, não assentiu. Todavia, este momento, marcado por um novo estilo de go‑ vernação, constituirá, para a maioria dos actuais historiadores ‘do político’ e iuris­‑historiadores, o primeiro sinal de que uma «nação» começa a organizar­‑se. A realeza afonsina procurou afirmar a hegemonia régia sobre o domínio temporal, palpável na perseguição movida em relação à prepotência do arcebispo de Braga (D. Estêvão Soares), ao aplicar parte das receitas das igrejas em propósitos de utilidade ‘nacional’. Esta disposição de Afonso II, com o intuito de refrear os privilégios da Igreja, valeu­‑lhe a excomunhão lançada pelo arcebispo. A interferên‑ cia do papa Honório III em 1222 conduzirá ao início de uma fase de pacificação nas vésperas da morte de Afonso II (1223). O reinado de Sancho II inicia­‑se “sob o signo do apaziguamento” (Jorge e Vilar, 2000: 315), situação que virá a alterar­‑se nos fi‑ nais da década de 20, quando são retomados os conflitos in‑ ternos entre a realeza e o poder episcopal, v.g. o conflito que opôs o monarca ao bispo do Porto que se repercutiu de forma geral nas relações entre a Igreja e o Estado ao longo do reina‑ do. As preocupações de ambos eram inteiramente divergentes; de um lado, estão as estruturas do poder eclesiástico contra‑ riado, do outro encontra­‑se uma monarquia que deseja definir o seu próprio espaço territorial arremetendo contra os bens e privilégios da Igreja. A manutenção deste clima de suspeição e incompatibilidade conduziu à declaração da incapacidade do rei por bula do papa Inocêncio IV em 1245, acusando­‑o de incompetência para garantir a paz social no reino. O mes‑ mo papa ordenou a sua substituição pelo conde de Bolonha, D. Afonso, irmão de Sancho II, que de imediato se compro‑ meteu a respeitar as liberdades eclesiásticas, situação que ape‑ nas se manteve até à sua coroação como rei de Portugal em 1248. No reinado de Afonso III, o interdito papal surge como consequência dos abusos cometidos pelo Bolonhês e dos anta‑ gonismos gerados com o corpo de bispos portugueses desde 1250, que obrigaram os prelados portugueses seus opositores a refugiar­‑se em Roma a partir de 1267/8 (Marques, 1990). 76

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Uma fase nova de apaziguamento decorre das concordatas celebradas entre o rei D. Dinis e a clerezia (1289, 1292 e 1309), aprovadas pelo papa, que traduzem o desejo de restabelecimen‑ to de relações normais entre o episcopado e a Coroa portu‑ guesa (Marques, 1999). Se nos inícios do reinado houve parti‑ cular intervenção do Papado na nomeação de bispos, sem ser dado conhecimento antecipado ao monarca (Vilar, 2004: 583, n. 7), posteriormente, tal situação veio a alterar­‑se, tanto mais que o reinado dionisino corresponde a um momento de ‘na‑ cionalização’ da Igreja, pela presença maioritária de bispos re‑ crutados nos cabidos diocesanos portugueses (Homem, 1998: 1474­‑1475). Tal circunstância conduziu a um crescendo da “capacidade régia em intervir no espaço eclesiástico e em utilizar os seus membros e os seus conhecimentos ao serviço da construção do aparelho po‑ lítico” (Vilar, 2000: 323). Surge a partir deste reinado um outro contexto histórico particularmente favorável à afirmação da soberania régia. Nos tempos subsequentes, devemos destacar a promulgação por Pedro I do Beneplácito régio (1361) que im‑ pede a circulação de documentos pontifícios no reino sem a autorização do poder régio, restringindo os privilégios e imu‑ nidades eclesiásticas. O Beneplácito, manter­‑se­‑á, não obstan‑ te a forte oposição do clero, até 1487, altura em que João II o abolira. As relações entre o Estado e a Igreja tornam­‑se mais tensas devido à política de concentração de poderes da reale‑ za, tendo atingido um outro momento crítico na primeira me‑ tade do século XV, quando foi relançada a ‘velha’ questão do Beneplácito régio (1419) composto por um conjunto legal que re‑ freava as liberdades eclesiásticas, favorecia o afastamento dos clérigos dos cargos administrativos centrais e a sua substitui‑ ção por legistas laicos (Ventura, 1997 e 2003b), entre outras discórdias que conduziram a uma forte resistência da maior parte da clerezia (Marques, 1988 e Vilar, 1999). Com o avan‑ çar do século XV as tensões afrouxaram, dado a progressiva diminuição da interferência do poder espiritual sobre o domí‑ nio temporal. O processo de burocratização das instâncias su‑ periores da administração régia reverteu a favor de uma pro‑ 77

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pensão para a delimitação das esferas de competência de cada um dos poderes. Há autores que falam da emergência de um novo modelo de bispo para os séculos finais da Idade Média, caracterizando­‑se por ser oriundo da classe média, para além de natural do reino e letrado (Nieto Soria, 1994). Para o final da Idade Média arrastaram­‑se, sobretudo, dois importantes assuntos a resolver: a emergência das igrejas nacionais e a da divisão das competências em matéria judicial entre poder tem‑ poral e poder eclesiástico, mas esses são temas para um estudo com outro propósito. Com esta composição social assente em enormes discrepân‑ cias de intervenção social e de fraccionamento do poder (laico e religioso, senhorial e concelhio…) tornara­‑se difícil a imposi‑ ção interna de uma autoridade soberana e dos delegados do po‑ der monárquico de forma comum e unificada relativamente à sociedade dos governados: a todo o reino. De algum modo, e dependendo das conjunturas políticas, as relações entre go‑ vernantes e governados foram sendo cada vez mais supervi‑ sionadas pelo poder político da monarquia no Portugal tardo­ ‑medievo. Muito embora o rei tenha vindo a reforçar as suas competências político­‑administrativas e as estruturas políticas do Estado tenham conhecido uma organização e eficácia su‑ perior, o rei não detinha o monopólio do poder. Uma maioria dos actuais medievistas e modernistas citados na bibliografia refere­‑se à existência de um «poder múltiplo», remetendo para a instabilidade e mobilidade dos equilíbrios sociais do poder na génese da modernidade política em Portugal. Vivia­‑se “en‑ tre poderes”, conforme salienta Maria Helena Coelho. Por ou‑ tro lado, a construção institucional do Estado moderno não foi um processo linear, esteve dependente da maior ou menor ca‑ pacidade dos governantes de lidar com o privilégio (iludindo­ ‑o, banindo­‑o ou suplantando­‑o), os poderes jurisdicionais dos senhores (laicos e eclesiásticos), os grupos de interesse e a dis‑ pensa da lei. É precisamente deste e de outros aspectos que trataremos nos capítulos seguintes.

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2 M o n a rqu i a , Pa r l a m e n to e Direito

As relações entre a orgânica institucional de funcionamento do poder régio (monarquia), o papel das assembleias represen‑ tativas e o direito legislado constituem os principais enfoques a desenvolver ao longo deste ponto. Antes porém entendemos dever proceder a um explicação prévia do sentido actual e se‑ mântico das expressões: Estado moderno58 e Monarquia moderna, por contraponto a Estado feudal e a Monarquia feudal. F undamentos da Monarquia moderna No título desta rubrica o conceito de moderno é aquele que poderá suscitar alguma dúvida ou perplexidade, e por isso nela nos iremos deter primeiramente. Quanto à monarquia, enquan‑ to forma de governo dos tempos medievais, não nos parece poder haver neste momento margem para dúvidas. Mais de dois séculos separam os inícios do reinado de D. Di‑ nis (1279) dos finais do reinado de D. Manuel I (1521), o tem‑ po suficiente para a instalação de uma nova ordem política a que, por comodidade e actualidade de linguagem, designamos de Monarquia moderna ou Estado moderno. As primeiras obser‑ vações que devemos fazer são de que as designações de Es‑ tado e de moderno não são atribuídas, pelos politólogos, com o significado nominal actual. No entanto, é opinião unânime de 58 O conceito de «Estado moderno» é polissémico tendo uma variedade de utilizações possíveis. O estabelecimento do sentido moderno dos conceitos de «Estado» e de «razão de Estado», conforme comprovou Martim de Albuquerque, ao contrário da opinião generaliza‑ da, não foi uma criação de Nicolau Maquiavel (cfr. Albuquerque, 1984, I: 163­‑211). O uso que dele fazermos no presente texto também não reside na acepção moderna mas antes no sen‑ tido genérico do termo. Mais recentemente, a generalização do uso do conceito aos tempos medievais deveu­‑se a uma crescente influência conceptual da historiografia política moderna.

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especialistas consagrados como Joseph Reese Strayer (1970), Bernard Guenée (1971), René Fedou (1971) ou, entre nós, Martim de Albuquerque (1983) que o Estado­‑realidade prece‑ deu o Estado­‑conceito59. Do mesmo modo, que a soberania­ ‑realidade precedeu a soberania­‑conceito60. O vocábulo moder‑ no, ao longo das últimas quatro décadas, tem suscitado toda uma série de utilizações e apreciações semânticas de que des‑ tacaremos apenas duas. A de Joseph Reese Strayer (1970) e a que tem sido veiculada pela maioria dos elementos da equi‑ pa de investigadores coordenada por Jean­‑Philippe Genet des‑ de 1984. Efectivamente, um dos primeiros autores a avançar com a questão das qualidades intrínsecas do Estado moderno (ou das monarquias modernas), sintetizando­‑as, foi Strayer num estudo clássico intitulado On the Medieval Origins of the Modern State (1970). Strayer avança com as quatro condições essen‑ ciais à existência do Estado moderno: “O aparecimento de unidades políticas persistentes no tempo e geograficamente estáveis; o desenvolvimen‑ to de instituições permanentes e impessoais; o consenso em relação à ne‑ cessidade de uma autoridade suprema; e a aceitação da ideia de que esta autoridade deve ser objecto da lealdade básica dos seus súbditos” (1986: 16). Mais recentemente as aproximações semânticas ao termo moderno foram revistas por Jean­‑Philippe Genet e por vários estudiosos envolvidos no projecto europeu patrocinado pela Fundação Europeia de Ciência, que remonta ao ano de 1984, liderado por aquele historiador, sob o título genérico La genèse de l’État moderne européen (Genet, 1990). A ambiguidade do âmbito de aplicação do termo moderno é alimentada pelas dis‑ tintas visões dos historiadores que têm provocado algumas 59 As formas de organização política e jurídica medievais foram evoluindo, mormente nos séculos finais da Idade Média, no sentido de um “esbatimento das relações pessoais típicas das situações feudais, pré­‑feudais ou para­‑feudais em favor das relações públicas próprias das situações estatais, pré ou para­‑estatais” (Albuquerque, 1983, I: 150). O laicismo e o desenvol‑ vimento das instâncias burocráticas superiores favoreceram a afirmação da autonomia e da supremacia do poder político do rei, mais tarde denominada de «soberania». 60 O termo vem do latim medieval superanus, que corresponde a autoridade política su‑ perior. O conceito é desenvolvido pela primeira vez, em 1576, pelo jurista francês Jean Bo‑ din na sua obra maior: Os Seis livros da República. Sobre o assunto pode ver-se, entre outros, Touchard (1991, II: 54­‑61).

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discussões em torno do respectivo valor semântico e âmbito cronológico. Do ponto de vista do significado, Jean­‑Philippe Genet opta por uma definição tipológica, porque mais operativa ao permitir o estudo comparado e evolutivo das formas na‑ cionais do Estado no Ocidente. Genet consigna um método de avaliação dos critérios determinantes do Estado moderno enquanto estrutura sociopolítica original e distinta que sur‑ giu no Ocidente medieval a partir do último quartel do século XIII na maioria das monarquias europeias. Entre os principais factores implicados no nascimento do Estado moderno destaca, nomeadamente, a existência de uma fiscalidade pública, base material do Estado, ou seja, um sistema de impostos gerais que transcende os diferentes estatutos jurídicos dos homens, numa dimensão superior à cidade dos tempos do Estado Romano61 ou das cidades­‑estado italianas ou flamengas. Esta fiscalidade é aceite e permanente, o que implica um diálogo com a sociedade política; a existência de instituições permanentes (criação dos organismos do Estado); a constituição de um corpo de oficiais próprio e o aumento da complexidade burocrática pelo refor‑ ço e criação de novos dos órgãos do poder central; a afirma‑ ção da soberania territorial do Estado e, the last but not the least, o desenvolvimento de um sistema de organização social que dispõe do monopólio da justiça e da guerra (força militar espe‑ cífica). Para a actual historiografia do político a guerra foi o mo‑ tor do Estado moderno. Ao Estado compete o monopólio legal da violência. Por conseguinte, o Estado é uma forma de orga‑ nização social que em nome da sua autoridade legitimada ga‑ rante a sua segurança e a dos súbditos. Porém, é necessário ter em consideração que esta definição tipológica e operativa não corresponde a uma localização precisa, nem a uma periodiza‑ ção exacta. O Estado de Luís XIV (1638­‑1715) e de Henrique 61 Claude Nicolet em resposta à interpelação que lançou num artigo intitulado: “L’Empire Romain est­‑il un «État Moderne»?”, considera que não basta a existência de fiscalidade pú‑ blica e de aparelho militar para que um Estado seja moderno é necessário a permanência (du‑ ração) no espaço (território) e a aceitação pelos membros da comunidade política. Cfr. Ni‑ colet, 1990: 111­‑127.

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VIII (1491­‑1547) não são mais modernos que os de Eduardo III (1312 – 1377) ou Carlos V (1500­‑1558) pela simples razão de que são posteriores, opinião corroborada por S. E. Finner (2005:1209­‑1242). Para os autores referidos devemos consi‑ derar a existência deste tipo de Estado, desde finais do século XIII, nos reinos ibéricos de Castela, Portugal, Aragão e Na‑ varra, assim como na Inglaterra e Escócia (Genet, 1999: 23­ ‑26). Em França, o arranque do Estado moderno recua ao reina‑ do de Filipe Augusto (1165­‑1223), pelo conjunto de reformas e conquistas efectuadas. O Papa, Inocêncio II, em 1202, pro‑ clama que o rei de França não reconhece, no plano temporal, nenhum poder superior; mas será Filipe, o Belo (1268­‑1314) a  consagrá­‑lo. Os medievistas franceses consideram que só existe França desde os inícios do século XIV, “quand les fron‑ tières se durcissent au contact de l’étranger. Et, encore, elle existe surtout dans l’esprit des gouvernants. Même pour eux, la genèse de la France a été longue.» (Gauvard, 2010: XII). Em complemento, J.­‑Ph. Genet faz questão de salientar que a emergência do Estado moderno está relacionada com três fenó‑ menos que, cronologicamente, a precederam e acompanharam, para além de se relacionarem entre si: ­‑ o desenvolvimento do feudalismo. Os Estados modernos desenvolveram­‑se, na sua maioria, a partir das monarquias feu‑ dais, quer directamente, nas zonas onde o feudalismo aconte‑ ceu de forma consistente, quer indirectamente, por intermédio do papel das elites militares e clericais; ­‑ o novo papel da Igreja na Europa latina (Cristandade me‑ dieval), redefinido pela Reforma Gregoriana (séculos XI­‑XII) ao reconduzir à supremacia o poder do Papa sobre a Cristan‑ dade e o poder da Igreja (poder religioso) sobre o do Estado (poder temporal). As lutas entre o poder temporal e o poder espiritual prolongar­‑se­‑iam durante os dois séculos seguintes, acabando com a vitória do poder temporal sobre o poder re‑ ligioso; ­‑ finalmente, o desenvolvimento da economia europeia (entre os séculos X­‑XIV) que teve consequências políticas 91

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importantes, nomeadamente o surto das cidades e do capita‑ lismo comercial que marca o início da supremacia económi‑ ca do Ocidente frente ao Oriente e aos Otomanos (Braudel, 1985). No Ocidente, Estado moderno e desenvolvimento urba‑ no (elites urbanas) são realidades interdependentes. No caso português, a recuperação demográfica, o desenvolvimento da rede urbana e das cidades portuárias em associação com o de‑ senvolvimento da burguesia comercial e marítima (Gonçalves, 1996), mormente a partir do segundo quartel do século XV, acompanham o incremento do Estado moderno. Porém, te‑ mos que ter presente que o Estado moderno não é a única estru‑ tura sociopolítica do Ocidente cristão. “Il est tantôt en concurrence (interne et externe), tantôt en symbiose, avec d’autres structures de pou‑ voir” (Genet, 1999: 29­‑30), entre as quais destaca o poder das cidades (oligarquias urbanas), o poder da Igreja, o poder dos senhorios eclesiásticos e laicos, e outras forças sociais, depen‑ dendo do espaço e tempo considerados. No que respeita a cronologia do Estado moderno parece não haver absoluta concordância entre os historiadores. O II vo‑ lume da História de Portugal da autoria de José Mattoso e Ar‑ mindo de Sousa dedicado à análise de um longo período his‑ tórico que vai de 1096 a 1480 intitula­‑se A Monarquia feudal, colocando o terminus ante quo do Estado moderno em 1480, início do governo de João II. Os autores justificam o título do vo‑ lume do seguinte modo: “Convém, antes de examinarmos o funcio‑ namento da monarquia portuguesa em si mesma, advertir que se trata de uma monarquia «feudal», isto é, de um poder régio que não distingue claramente o público e o privado (…) O Estado moderno não existe ain‑ da: está em formação. Isto não quer dizer que seja ilegítimo o termo «Es‑ tado» para designar o poder monárquico antes do século XIV” (1993: 269). Para os autores citados os motores fundamentais do Es‑ tado moderno ter­‑se­‑ão concretizado a partir de inícios daquele reinado. Opinião que não é corroborada por alguns especia‑ listas em história dos poderes e das instituições monárquicas (Homem, 1998; Ladero Quesada, 2005) que consideram desa‑ 92

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dequado conglomerar sob a expressão de Monarquia feudal ou Estado feudal, realidades políticas muito diversas, tais como: a formação do reino e a génese e afirmação do Estado enquanto organização social legitimamente aceite pela comunidade po‑ lítica. Para estes autores é importante salientar, do ponto de vista teórico, a décalage entre Estado feudal e Estado moderno, sus‑ tentada em noções de conteúdo político diferente: suserania e soberania. Nas monarquias estamentais, o rei possui um poder superior aos demais poderes do reino. De suserana a autorida‑ de régia vem a transformar­‑se, paulatinamente, em soberana. Deste modo, haverá que distinguir o período de formação do Estado moderno, distinguindo­‑o da fase de vigência do Estado feudal. No caso português as origens da modernidade coinci‑ dem com a proposta internacional de Jean­‑Philippe Genet, i.é podemos fazê­‑las recuar, no que toca alguns aspectos político­ ‑jurídicos ao reinado de Afonso II (1211­‑1223), mas de forma irreversível e consistente aos alvores do reinado de D. Dinis (1279­‑1325), altura em que, conforme iremos demonstrar nos capítulos seguintes, começa a desenvolver­‑se um novo quadro institucional, político e jurídico que, com toda a propriedade, denominamos de moderno. Quanto ao terminus ante quo da Mo‑ narquia moderna tudo indica que seja “localizável já em Quinhentos, pelos finais d’ «O Venturoso»” (Homem, 1998: 41). De acordo com o exposto, o Estado moderno, em termos de história dos poderes e do governo, corresponde, manifestamente, ao período que vai de 1279/80 até finais do primeiro quartel de Quinhentos, ou seja inícios do reinado de João III. Em suma, a nossa Historiografia medievística, no que à uti‑ lização do termo moderno diz respeito, reflecte hesitações se‑ melhantes às das restantes perspectivas historiográficas euro‑ peias62. Tal facto pode suscitar alguma perplexidade que cumpre 62 Na Historiografia espanhola verifica­‑se igual hesitação quanto à utilização do conceito de Estado moderno. Sobre o assunto pode ver­‑se o debate despoletado por Salustiano de Dios (1988) e Ladero Quesada (1991).

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esclarecer devidamente. Interessa por isso definir antes de mais de que ponto é que partimos. O desenvolvimento do Estado moderno repousa sobre a cria‑ ção de um governo e meios de acção próprios. O rei dos finais Idade Média dispõe de outros recursos para pôr em acção o go‑ verno do seu reino. Aperfeiçoa a máquina burocrática e alarga as áreas de competência da governação (cfr., infra, p. 144) que, é certo, se torna mais pesada, mas na qual se distinguem mais claramente os papéis a desempenhar por cada um dos seus co‑ laboradores (oficialato régio). São os colaboradores do rei que asseguram o sucesso do Estado moderno e da realeza triunfante. Neste longo tempo de maturação da Monarquia moderna decor‑ reu um processo de reorganização e ampliação dos poderes da realeza relativamente aos restantes corpos sociais e políticos. Um conjunto de factores foi favorável à paulatina instituciona‑ lização dos poderes soberanos da monarquia: a definição das prerrogativas régias; a afirmação do papel da Corte como um complexo organismo institucional do poder régio63; a consoli‑ dação da Chancelaria enquanto órgão de registo das actividades do Estado; o aparecimento da sociedade política e o seu papel quanto ao reconhecimento da legitimidade de uma autoridade superior (poder régio); a emergência da res publica; a constitui‑ ção das assembleias representativas e o reconhecimento do ius scriptum como prerrogativa régia. C onfiguração

dos poderes da realeza

“Nesta época, que compreende os reinados de D. Afonso III, D. Dinis, D. Afonso IV, D. Pedro I e D. Fernando, o poder real ganha relevo no conjunto das instituições políticas, por duas razões principais: primeiro, porque as circunstâncias vão favorecendo a afirmação da au‑ toridade régia (…); segunda, porque essa afirmação toma consciência 63 No período, comummente, designado de Monarquia feudal, a Corte, do ponto de vista institucional, cobria três sectores diferentes, a saber: a Câmara (organismo que acompanha o monarca); a Capela (organismo clerical da corte, ofícios de escrita, mais tarde designado de Chancelaria) e a Aula (que evoca a reunião periódica do rei com os servidores e vassalos, car‑ gos ligados à justiça e militares). Cfr. supra, ponto 1.2.

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e prossegue como política sistemática e perseverante graças à influência dos legistas na corte.” (Caetano, 1985: 295)

Não obstante a frase apontar para um período histórico que fica aquém do abrangido neste capítulo, ela deixa ‘adivinhar’ as profundas mudanças ocorridas na função, prerrogativas e atri‑ butos da realeza nos tempos imediatamente subsequentes. A dignidade régia é sustentada no princípio da hereditariedade (cfr., supra, p. 18). As qualidades do príncipe advêm primeiro do seu nascimento, depois da função. A função política do rei é perene. Ao rei exige­‑se dignidade e capacidade (Guillot, Ri‑ gaudièrre e Sassier, 2003: 7­‑ 37). A função e a autoridade régias, definidas no plano dos princípios, atribuíam ao rei enormes poderes que se foram ampliando nos finais da Idade Média. O rei não tinha par no seu reino, era o representante de Deus na terra (os reis como cristãos devem obediência ao Papa), colocava­‑se acima de todas as outras autoridades e poderes, muito embora, conforme já salientamos, não os monopolize. O poder régio eleva­‑se acima de todos os súbditos e dos natu‑ rais do reino independentemente do tipo de laços estabeleci‑ dos (vassálicos, pessoais ou hierárquicos). “Nas Côrtes de San‑ tarém de 1331 alega­‑se o serviço do rei e prol da terra, e a mesma dupla preocupação ressalta das resoluções das Côrtes de Lisboa de 1352 (o rei fala de «nosso serviço e prol da nossa terra»; em 1361, nas Côrtes de Elvas, o rei marca como fim satisfazer (…) «o nosso serviço e prol dos nossos naturais»” (Cortes cit. in Godinho, 2009: 138). O binómio rei­‑reino funda­‑se no domínio territorial do primeiro relativa‑ mente ao segundo. Esta noção de superioridade do rei sobre os habitantes do reino vem a ser sinónimo de Coroa ou de Es‑ tado monárquico. A Coroa era uma instituição independente da pessoa do rei, conforme salientou E. Kantorowicz (cfr., supra, p. 45). Não obstante o respeito devido ao poder pontifício, o rei detinha extensas liberdades e regalias inalienáveis, designa‑ das de prerrogativas régias. Nos séculos finais da Idade Média, as prerrogativas do monarca são específicas, numerosas e cada vez mais amplas. Cumpre­‑lhe o poder supremo de chefiar a política externa (gerir a diplomacia), a guerra contra os inimi‑ 95

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gos do reino e da Cristandade, a chefia militar, a legislação do reino e a gestão da fiscalidade do Estado. Compete­‑lhe o exer‑ cício do controlo ordinário da justiça central, incluindo a pena de morte, que dele depende exclusivamente. Estes são alguns dos atributos exclusivos do poder régio. De outro lado, o rei era fiel depositário da liberdade e da graça. Não devemos con‑ fundir liberdade com arbitrariedade (o direito de fazer o que ape‑ tece), mas tão­‑somente o direito de usar da discricionarieda‑ de para atenuar a força da lei e da justiça. O rei tinha o poder de aplicar e derrogar o direito positivo (cfr., infra, p. 105). Do ponto de vista teórico, o rei encontrava­‑se submetido ao direi‑ to divino, ao direito natural e às leis do reino que ele próprio originava e promulgava. Os poderes da realeza estão igualmen‑ te condicionados pelo costume (o direito consuetudinário)64, que tem menor peso à medida que o rei e a elite de governan‑ tes formulam novas leis (direito positivo). Por seu lado, é pelo uso da graça que o rei responde às petições que lhe são dirigi‑ das, cedendo direitos, liberdades, franquias65 e isenções de im‑ postos… ou perdoando culpados. A prerrogativa do perdão constituía um dos mais relevantes aspectos da graça régia. Nas fontes da Chancelaria régia no século XV avultam o número de indultos dos mais diversos crimes (Duarte, 1999). Contudo, os poderes da realeza estavam limitados pelos deveres para com Deus e para com a comunidade política. Conjunturas políticas houve em que estes princípios hierár‑ quicos foram quebrados, nomeadamente por Afonso III que jurara em Paris (1245) obediência à Igreja de Roma, mas pos‑ teriormente veio a fazer­‑lhe frente, ou D. Dinis que afirma estar em lugar de Deus no seu reino para fazer justiça e ga‑ 64 Na acepção medieval, o termo corresponde ao direito de criação não intencional e ao direito não escrito. Ver por todos Albuquerque e Albuquerque (2005, I: 239­‑251). 65 Ruy de Albuquerque e Martim de Albuquerque teorizam sobre as cartas de privilégio, as cartas de povoação, as cartas de foral e os foros, os costumes e os estatutos municipais por se tratar de documentos que estabelecem um regime jurídico específico para uma determi‑ nada comunidade ou território. De acordo com os iurishistoriadores, estes tipos documentais pertencem ao núcleo de documentos medievais que assentam na celebração de uma relação pactuada. Ver por todos Albuquerque e Albuquerque (2005, I: 227­‑238).

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rantir a paz. Esta ideia da autonomia de acção do poder laico torna­‑se corrente em Portugal pouco depois da divulgação das Partidas e do Fuero Real de Afonso X, o Sábio, rei de Castela (1221­‑1284). De acordo com a «nova» ordem jurídica estabe‑ lecida por influência do Direito Romano Justinianeu, compe‑ tia ao Princeps (governante), enquanto representante da cidade terrena, gerir a sociedade política (Caetano, 1985: 339; Silva, 2006: 259). Em 1340, Afonso IV faz questão de salientar que o poder de governar é concedido por Deus no regimento dos reis. Os sucessores irão repeti­‑lo e, nalguns casos, aumentar as prerrogativas régias no campo temporal (Caetano, 1985: 295­ ‑298). Nos finais da Idade Média, caminha­‑se para uma unifi‑ cação dos poderes na figura do rei que detém um maior con‑ trolo dos assuntos do governo e administração do território. O rei torna­‑se imperador em seu reino. A legitimidade da supremacia da realeza A questão presente prende­‑se essencialmente com as quali‑ dades que distinguem o príncipe suserano do príncipe moderno. O conceito de superioridade é indissociável da ideia de Coroa. A doutrina do Estado e da Ciência Política actuais, fazem cor‑ responder o conceito de soberania a poder estatal não hetero‑ determinado (Monsalvo Ánton, 2005: 127), isto é o Estado não conhece autoridade concorrente ou superior. Na ideia medie‑ val, a soberania correspondia apenas a um poder superior aos demais. O rei detinha a, então designada, plenitudo potestatis ou a maiestas; ou seja, no plano temporal, não reconhecia poderes superiores. O poder traduz­‑se numa superioridade e indepen‑ dência sobre a égide das quais se realiza a unidade do reino e se vai edificando o Estado66. Formal e ideologicamente, a no‑ ção de soberano precedeu a de soberania. O rei, como chefe da realeza, era detentor da “soberania”, não devia homenagem a ninguém. O pensamento político europeu no século XIII, por influência dos juristas e legistas da Corte, infunde a ideia 66

Conforme adiantamos a soberania­‑realidade precedeu a soberania­‑conceito.

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da autoridade suprema da realeza (maiestas) no plano temporal. Entretanto, uma nova ordem jurídica, superior e independente, tinha consolidado as regras de sucessão da Coroa e os direitos de transmissão da realeza. À ideia política de continuidade da dignidade régia juntar­‑se­‑ia a praxis política da monarquia que viria reforçar e estender, no âmbito territorial, a autoridade suprema do poder régio. Por conseguinte, o rei estava numa posição superior relativamente a todos os habitantes do reino, todos lhe deviam obediência e lealdade. É verdade que a so‑ berania concedia ao monarca o direito de comando sobre os súbditos, mas a necessidade impedia­‑o de negar o apoio mili‑ tar, mormente, da aristocracia terratenente. Desde os primór‑ dios da monarquia que a fidelidade ao rei era uma obrigação e um dever, ainda que pudesse estar condicionada por interes‑ ses e jogos de poder (cfr., supra, p. 45). Esta lealdade condicionada propicia a criação de um cenário onde outras relações podem surgir e desenvolver­‑se: relações de vizinhança, de parentesco, de serviço ou de domínio entre outros membros da comunida‑ de que não são reis. Por isso, o rei, durante o Estado feudal, era um senhor entre os senhores (suserano). Progressivamente, a fidelidade foi sendo substituída pelo conceito fundamental de soberania, que impôs o princípio da lealdade obrigatória (Hicks, 2002: 32­‑33). Em Portugal, a consciência da superioridade do poder régio foi relativamente precoce, os momentos de ten‑ são e de crise vieram evidenciar a capacidade de recuperação do poder pela realeza. O oposto da fidelidade era a traição. Os reis estavam pro‑ tegidos por leis de traição. As Ordenações Afonsinas (L. V, tit. II: 5­‑2067), por influência das Siete Partidas de Afonso X, o Sábio, reflectem o entendimento de que a traição estaria estreitamen‑ te associada, mas oposta, à lealdade. As codificações posterio‑ res, Ordenações Manuelinas (L. V, tit. III) e as Ordenações Filipinas (Liv. V, tit. VI), sustentadas, estas últimas, na moderna con‑ cepção de autoridade soberana, sugerem a ligação entre a trai‑ 67

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“Dos que fazem treiçom, ou aleive contra ElRey, ou seu Estado Real”.

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ção e o crime de lesa­‑majestade “que em nada contendia com a ideia de lealdade, mas configurava sim um atentado contra a própria maiestas, i. é aquilo que hoje designaríamos por «soberania»” (Leite, 2006: 83). Na Idade Média trair era aderir à facção dos inimigos do rei e do respectivo corpo institucional (rainha, príncipes, séqui‑ to régio…). Trair era igualmente resistir, revoltar­‑se contra o rei ou procurar destruir o rei. Os crimes de traição e aleivosia eram severamente punidos. A punição dos rebeldes era geralmen‑ te a morte e o confisco de bens. A primeira compilação geral do reino refere­‑se ao crime cometido pelos que “Dizem mal de ElRey” (O.A., L. V, tit. III: 21­‑22), a inconfidência, como um delito grave que atenta contra a pessoa do rei ou dos seus pares (Caetano, 1985: 559­‑560). Em síntese, a construção da monarquia moderna repousa na afirmação da supremacia da rea‑ leza porquanto força aglutinadora do reino. Nos séculos finais da Idade Média o reino de Portugal conheceu um processo de estatização que conduziu a uma diminuição das divergências políticas e sociais entre os súbditos e o soberano. Abordada que foi a questão dos fundamentos da Monarquia moderna e das prerrogativas de competência régia, passemos à análise das relações estabelecidas entre realeza e parlamento, como organismo de representação social, e entre realeza e lei. I ntervenção

política em

C ortes

Não nos iremos alongar nas questões relativas às perspec‑ tivas históricas das nossas Cortes, da génese à consolidação, visto tratar­‑se de assunto suficientemente abordado, sobretu‑ do pela história institucional e jurídica. Entendemos, no en‑ tanto, dever fazer referência a estudos importantes, nomeada‑ mente de Cláudio Sánchez­‑Albornoz, que entronca as Cortes na Cúria Régia (Sánchez­‑Albornoz, 1920), do mesmo modo que Marcello Caetano refere que a primitiva “Cúria Régia se foi desdobrando (…) em tribunais e no Conselho Régio” (Caetano, 1985: 312 e Caetano, 2004), e nas reuniões extraordinárias da Cúria. Marcello Caetano define­‑as como assembleias dos três estados 99

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(clero, nobreza e povo) convocadas pelo rei ou em seu nome; tese que levanta a questão de considerar nesta qualidade a reu‑ nião de 1385 que não foi convocada por nenhuma autorida‑ de legitimamente instituída nem por nenhum soberano de jure. Neste como noutros assuntos, a influência das rotinas ins‑ titucionais dos restantes reinos peninsulares na praxis políti‑ ca da  monarquia portuguesa foi uma constante. Nos reinos de Castela e Leão a primeira referência explícita à convoca‑ tória de procuradores das cidades reporta­‑se aos “decreta de 1188, que destacam el carácter representativo (electivo) de los últimos frente a la designación en los obispos y magnates” (Artola, 1999: 72), semelhantemente a assembleia de 1194 contou com a presen‑ ça de bispos, vassalos e representantes das cidades do reino. Ou seja, no reino de Castela e Leão, desde o último quartel do século XII, a representação das cidades é presença, relativa‑ mente, assídua em Cortes. Todavia, se pensarmos em assem‑ bleias plenárias de que se conhecem, actualmente, provas do‑ cumentais, temos que reportar o início das reuniões de Cortes ao ano de 1252, ano a que respeita a primeira referência ex‑ plícita ao chamamento das cidades nos Cadernos das Cortes. Em 1252 reuniram­‑se Cortes pela primeira vez na cidade de Sevilha, onde estiveram os homens bons das cidades. A partir desta data passaram a ser reunidas Cortes com frequência mas sem periodicidade regular. No tempo de Afonso X, o Sábio, (1252­‑1284), rei de Castela e Leão, era costume convocar os delegados das cidades para legislar e decidir sobre questões eco‑ nómicas (servicios ou ayudas). A representação política do povo nas Cortes limitava­‑se às cidades e vilas com direito a voto e à aristocracia urbana que as controlava. No reino de Aragão, as Cortes tinham mais influência e poder, dado que a monar‑ quia estava sujeita a um regime pactista68. Em 1283, Pedro III 68 Jaume Vicens Vives foi dos primeiros historiadores a advertir para o desenvolvimento do «pactismo político» no reino de Aragão nos finais da Idade Média e nos alvores da mo‑ dernidade. Ver por todos, Vicens Vives, 1954. O «pactismo político», corresponde à relação estabelecida entre a soberania e a comunidade política, constituindo uma espécie de versão hispânica do «contractualismo» que domina a teoria política desde o século XVII. Ver por todos, López Rodríguez, 2007: 361­‑402.

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(1276­‑1285), por motivo da revolta da Catalunha liderada por Rogério Berengário III de Foix e pelo conde Ermengol X de Urgel, vê­‑se obrigado a firmar o Privilégio Geral, pelo qual fica obrigado a respeitar os foros, usos e costumes do reino e a convocar as Cortes catalãs. Estabelece­‑se um regime jurídico particular para a celebração das Cortes. Toda a actuação régia passa a depender do consentimento e conhecimento das Cor‑ tes. O Parlamento tinha competência em matérias legislativa e fiscal, dele derivando a aprovação de prestações económicas (serviços e tributos). Entre nós, a mais recente reabilitação historiográfica do ins‑ tituto das Cortes, coube a Armindo de Sousa (1990), que, as de‑ signou de “Parlamento Medieval Português” e de “grandes Assembleias Representativas da Nação, onde a voz do Povo, mais do que a do Clero e da Nobreza, se fez ouvir e se impôs” (1991: 48). Armindo de Sousa de‑ finiu o papel político, as esferas de competência, mormente em matéria legislativa, e atribuiu­‑lhes uma função propagandística. Deste modo, salientou a função política destas assembleias dos estados­‑ordens da sociedade medieval69. De acordo com este Autor “Nas cortes medievais verificou­‑se a representação da comunidade nacional junto do órgão máximo da soberania, que era o rei ou seu substi‑ tuto” (Sousa, 1999: 303). Mais adiante salienta que as Cortes são “uma sub­‑estrutura político­‑administrativa, instância representativa dos povos, foro da autoridade do Estado” (Sousa, 1999: 304). Reunir Cortes, no sentido de assembleia ‘plenária’ e repre‑ sentativa das várias forças sociais ­‑ clero, nobreza e represen‑ tantes concelhios ­‑, passou a costume com o rei Afonso III, no ano de 1254, em Leiria, centro que detinha um papel geoes‑ tratégico e militar relevante nesta altura; transcorridos somente cinco anos da conquista do Algarve (1249). Entre 1254 e 1495 realizaram­‑se setenta e seis reuniões magnas em cidades do Norte, Centro e Sul do país. O Parlamento passa a desempe‑ nhar uma função central na vida política da realeza medieval, 69 Sobre as sucessivas distinções entre estados­‑estatutos, estados­‑ofícios­‑profissões, estados­‑riqueza, estados­‑ordens e estados­‑graus. Ver por todos Sousa, 1993: 399­‑404.

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haja em vista que se tratava de uma assembleia representativa das três ordens da sociedade à qual superintendia o rei. Cada uma das ordens reunia sobre si e votava em bloco. Ora tendo constituído na Idade Média europeia a princi‑ pal instituição política conflitual, no seio da qual se exprimi‑ ram as vontades dos corpos sociais do reino, surge como na‑ tural e imperiosa a sua convocação em momentos de crise que obrigam à validação de decisões. No entanto, devemos realçar os atropelos e a irregularidade das convocatórias de Cortes, bem como a ausência de periodicidade das reuniões ou mes‑ mo de comunicação, convocatória e participação, ao longo da tardo Idade Média portuguesa. João I, no auto de eleição das Cortes de Coimbra de 1385, prometera a sua convocação e consulta regular, facto que não veio a manifestar­‑se (em qua‑ renta e oito anos de reinado, realizaram­‑se dezanove reuniões de Cortes). De igual modo, nas Cortes de 1478 celebradas em Lisboa, faltou a presença do clero, sabendo­‑se à partida que deveriam agrupar os três estados da nação. As Cortes medie‑ vais, de meados do século XIII aos inícios do século XV, man‑ tiveram um acentuado sentido de representação corporativa: apenas algumas comunidades municipais nelas participavam e poucas auferiam de protagonismo. No primeiro banco, geral‑ mente, sentavam­‑se os representantes das cidades de Lisboa, Coimbra, Évora, Santarém e Porto, as cidades mais importantes do reino. Tal facto revela a existência de uma notória assime‑ tria de representatividade. Como adianta Armindo de Sousa, muitos municípios não tinham assento em Cortes, conquanto todos aqueles que nelas participavam (cerca de 80), “se sentis‑ sem e declarassem na assembleia legítimos representantes de todo o tercei‑ ro estado” (1999: 305). A importância política e social destas assembleias magnas deve­‑se igualmente à relevância dos assuntos que nelas eram tra‑ tados, que podemos agrupar, de acordo com a tese do especia‑ lista citado, em três categorias: assuntos de essência legislativa, política e técnica. Por seu lado, o teor dos textos lavrados vem confirmar a importância desta sub­‑estrutura do poder na go‑ 102

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vernança do reino. De entre os tipos documentais produzidos acham­‑se regimentos, decisões tributárias, leis, acordos, assun‑ tos de soberania nacional e tratados, “tudo se fez nestas assembleias” (Sousa, 1991: 48). Ao longo dos dois séculos finais da Idade Média, as matérias legislativa e técnica constituíram as de su‑ perior valor quantitativo. Um dos assuntos para que o consen‑ timento destas assembleias de estados­‑ordens viera a tornar­‑se indispensável fora o lançamento de pedidos e empréstimos, mor‑ mente de impostos extraordinários e concessão de autorização para a desvalorização da moeda, consignando­‑lhes um poder central nos assuntos financeiros. As petições e agravamentos gerais constituíam um dos meios de pressionar o poder a agir con‑ soante os seus intentos, se bem que poucas vezes obtivessem resultados favoráveis. Eram voz da comunidade política, assu‑ mindo, não raras vezes, o papel de resistir, política e socialmen‑ te, ao poder do Estado e dos servidores régios, ou em relação aos estratos privilegiados da sociedade corporativa. De facto, todos os historiadores partilham da ideia de que as cortes, os parlamentos e demais assembleias representativas medievais patenteiam­‑se como instituições de resistência à afirmação do poder régio. Por conseguinte, não estranhemos que algumas das reuniões magnas mais importantes dos séculos XIV e XV tivessem tido como pano de fundo matérias de foro político, caso das Cortes de Coimbra de 1385 de que já falámos, e da assembleia de 1439 em Lisboa em que se discutiu o destino da governação ‘entregue’ ao Infante D. Pedro, duque de Coimbra (cfr., supra, p. 55). As Cortes foram igualmente um espaço de confronto de in‑ teresses e de manifestação das forças sociais da nação. Um ins‑ trumento privilegiado pelo rei na gestão dos poderes múltiplos. As Cortes constituíram um local de negociação, onde o mo‑ narca procurava reduzir ou eliminar conflitos de interesse e diligenciava no sentido de fortalecer a legitimidade das suas decisões (Duarte, 2003: 1­‑12; Coelho, 1997: 35­‑46). A repeti‑ ção das assembleias parlamentares deve­‑se fundamentalmente a imperativos ‘constitucionais’ e a necessidades de controlo fi‑ 103

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nanceiro por parte da monarquia. O rei ora convocava Cortes para legitimar politicamente a tomada de decisões, mormente, de foro fiscal que pudessem colocar em causa a ordem social do reino, procurando nelas o assentimento geral dos súbditos; ora as chamava porque se via constrangido no poder por for‑ ças centrífugas e concorrentes da soberania. A

lei : tradição legal e âmbitos temáticos

O Direito escrito, durante os primeiros tempos da monar‑ quia, foi olhado com desconfiança uma vez que “ele vai surgir para contrariar formas consuetudinárias: em muitos casos, sem dúvida, para corrigir costumes menos razoáveis, mas não raro, também, para proteger ou sancionar prepotências do rei e poderosos” (Silva, 2006:167). De facto, nos primeiros séculos da monarquia, a autoridade do costume como forma de direito era consentida e reconhecida pelos po‑ deres régio e senhorial, designadamente na atribuição de cartas de foral, onde frequentemente se remetia para o forum ou usus terrae. Não nos ocuparemos da questão do direito consuetu‑ dinário e da respectiva projecção medieval, mormente no pe‑ ríodo da fundação da nacionalidade, nem do direito canónico e respectivas fontes70, e da forma como foram influenciando, designadamente o direito escrito, em tempos medievos, mas antes procuraremos reflectir sobre a importância da lei escri‑ ta como prerrogativa de que os monarcas dispõem para dar fundamento jurídico ao próprio poder. O nosso objectivo é o de realçar o papel da lei geral e abstracta na actividade governa‑ tiva e destacar a sua função no processo de unificação do rei‑ no e na génese da modernidade em Portugal. Nos séculos XII­‑XIII, as estratégias de concentração po‑ lítica de que os reis se vão servindo para consolidar o poder confrontam­‑se, inúmeras e avultadas vezes, com resistências 70 Sobre o assunto pode ver­‑se Albuquerque e Albuquerque, 2005, I: 135­‑192 e 261­‑334; e Silva, 2006: 187­‑298 que explanam as questões da recepção­‑difusão do direito romano jus‑ tinianeu e do direito canónico em Portugal, mormente das Decretais de Gregório IX ou do Liber Extra (1234), e a sua adopção como fonte de direito em Portugal.

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nobiliárquicas e eclesiásticas, sustentadas em prerrogativas e pri‑ vilégios entretanto alcançados e que subsistem como traços de ‘feudalidades’ a que o processo estatizante de preparação da lei comum (territorial) vai tentando por cobro. Por conse‑ guinte, a dinâmica de recuperação do poder nas mãos do rei passa pela utilização de vários recursos, de entre os quais se destacam, nomeadamente, o processo de negociação entre as partes interessadas e o uso da força (ou imposição), sobre‑ tudo legislativa. A lei é um instrumento de poder. O rei legis‑ la em concilium, em assembleia ou autonomamente. Ao longo da Idade Média, a criação de direito positivo exerce um papel relevante na luta pela afirmação da identidade do reino, quer interna, quer externamente, frente à Igreja e a outros Estados peninsulares emergentes. A ideia de que o Direito protege o poder é uma ideia de pro‑ veniência teológica que foi sendo introduzida, paulatinamente, nos meios políticos laicos. Conforme mencionam Guillot, Ri‑ gaudière e Sassier (2003: 53­‑73), a Igreja, durante muito tem‑ po, ocupou um lugar de destaque na formação dos governan‑ tes e as suas ideias influenciaram a génese dos Estados modernos na Europa Ocidental. Aqueles autores salientam a importân‑ cia do impacto da teologia na abertura do campo de reflexão política nos séculos XII e XIII, dando origem a uma ciência autónoma dos governantes e dos regimes políticos, de inspi‑ ração aristotélica. O pensamento político nos finais do século XII e a primeira metade do século XIII, conheceu uma «re‑ volução cultural» ao recuperar e divulgar os ideais de gover‑ no patentes em fontes cristãs e bíblicas, de onde extraem as noções de “auctoritas”, “imperium” e “potestas”. Em simultâneo, difunde­‑se a ideia de que «o político» é um campo específico de actuação e de explanação, para a qual muito contribuíram os escritos de jurisconsultos e pensadores que invadiram a cultu‑ ra política dos séculos finais da Idade Média (Padoa­‑Shioppa, 2000). A historiografia actual parece ser consensual quanto ao aparecimento de uma «ciência do Estado» na Europa, desde finais do século XII, que debatia as questões da origem do po‑ der, a natureza da lei, as formas de governação, o papel e os 105

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fundamentos do Estado. Estes são temas recorrentes na filo‑ sofia jurídica e política da época. Mas antes de avançarmos para a caracterização da actividade legislativa dos reis de Portugal, convém remeter para a ampli‑ tude do conceito de «lei» no pensamento político medieval. A lei, na Idade Média, não se reveste das qualidades intrínsecas e jurídico­‑políticas actuais, designadamente as de princípio ge‑ ral (igualitário), abstracto e novo (original), a que estão sujeitos, em iguais circunstâncias, todos os súbditos (o povo). Confor‑ me observamos (cfr., supra, p. 61), a sociedade medieval é uma sociedade estratificada em grupos e forças sociais que desem‑ penham distintas funções e, por conseguinte, detêm diferente estatuto político e jurídico. Mas não esqueçamos, a trifuncio‑ nalidade social ilude a realidade. Os três estratos sociais (clero, nobreza e povo), considerados habitualmente pelos historiado‑ res, não são homogéneos, existem clivagens sociais e jurídicas dentro de cada um deles. Por essa razão, “Não se pode, pois, dizer que há normas para o povo, clero e nobreza, porque de facto podem exis‑ tir para subgrupos desde que o poder o entenda conveniente” (Nogueira, 2006: 159). Ora, isto não quer dizer que não existam disposi‑ ções gerais no sentido lato do termo, ou seja destinadas a todos os súbditos; regulamentos gerais que convivem com prescri‑ ções que incidem exclusivamente sobre grupos sociais, étnicos e religiosos específicos (muçulmanos, judeus…). Do mesmo modo, entendemos as características de preceito “abstracto” e “novo”. As leis medievais são leis­‑medida e não leis­‑regra (Al‑ buquerque e Albuquerque, 2005, I: 204), porquanto partem, o mais das vezes, da necessidade de resposta a casos concretos e específicos, se bem que não se reportem exclusivamente a eles, uma vez que têm uma aplicação prospectiva. Por conse‑ guinte, a legalidade medieval pode fundar­‑se em ordenações e regulamentos pré­‑existentes, na consulta material de textos jurídicos diferentes ­‑ “aculturação jurídica” (Chasseigne e Genet, 2003) ­‑, e na recepção dos princípios de direito canónico ou ci‑ vil71. Quanto ao carácter de “novidade”, que define a natureza 71

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Para além do costume, as fontes do direito medieval são múltiplas, de entre as quais

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legal da norma nos tempos modernos, podemos garantir que na Idade Média há muito direito que procede de prescrições legais anteriores, glosando­‑as, reproduzindo­‑as, copiando­‑as ou trasladando­‑as. A questão não deve colocar­‑se na originalidade, mas na capacidade de intervenção legislativa do rei (o direito ordenado é uma manifestação de poder) e na respectiva legi‑ timidade (Nogueira, 2006: 160­‑161). A filosofia do direito ga‑ rante que o poder de fazer lei, por si só, não é suficiente, pois carece de  validade ou legitimidade. Ao rei compete garantir a ordem, a paz social e o bem comum, no que é coadjuvado, inicialmente, pelos agentes da Cúria régia (assembleia de no‑ táveis), e, posteriormente, pelos membros do seu Desembargo. O rei reclama o exercício da autoridade legislativa (criação de direito positivo) e o controlo da justiça. Legisla para consagrar princípios que lhe conferem o governo dos negócios políticos; mas por outro lado, a lei que define as competências dos ór‑ gãos governativos é um instrumento de regulação dos poderes. Daí que à maturidade da monarquia moderna corresponda um tempo de territorialização da legislação régia – num momento em que poder, sociedade e direito se interligam ­‑, bem como um ímpeto da actividade de recolha, organização e publicação de leis a que adiante nos reportaremos. A actividade legislati‑ va irá favorecer a transferência progressiva do poder pessoal do rei para a instituição régia, num processo de despersonali‑ zação do poder. Porém, os modelos políticos de gestão do poder legislati‑ vo dos monarcas (praxis legislativa) vão sendo incrementados e variam consoante a sua maior ou menor necessidade e sen‑ sibilidade à prerrogativa de legislar. A evolução da relação Poder­‑lei não é linear nem uniforme, por consequência a pro‑ dutividade legislativa também não. Existem perfis legislativos, tal como existem perfis governativos. Uma maior capacidade legislativa nota­‑se sobretudo a partir de finais do século XII, cabe destacar, nomeadamente, o direito justinianeu e o Digesto, a Patrística (filosofia cristã) e as Sagradas Escrituras. Ver por todos, Albuquerque e Albuquerque, 2005, I: 411­‑456.

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evidenciando­‑se ao longo do século XIII, constituindo um im‑ portante sustentáculo da afirmação da superioridade do poder régio. A historiografia e a iuris­‑historiografia peninsulares si‑ tuam nos alvores do século XIII os primórdios da actividade legislativa régia. No caso português, o pioneirismo legislativo coube a Afonso II (1211­‑1223) que, por ocasião Cúria de 1211, promulgou vinte e seis (26) leis (Homem, 1994: 15). A iniciati‑ va legislativa afonsina marca o ciclo fundador da criação de leis gerais no reino. Ou seja, o início do processo legislativo na‑ cional é anterior à génese do Estado moderno (que data de finais do XIII). As prescrições normativas afonsinas visam a proi‑ bição das vindictas, subtrair as imunidades da Igreja e das Or‑ dens Militares (mormente dos Hospitalários), e tendem a con‑ trolar os abusos jurisdicionais do clero, numa época de apogeu do poder pontifício. Neste contexto, foram promulgadas leis de desarmotização que proibiam a aquisição de terras agrícolas pelo clero (bens de mão­‑morta), visando uma reorganização da economia e das finanças ‘públicas’, e, por outro, lançadas as inquirições e as confirmações gerais (1220) que tinham como intuito averiguar os limites do domínio senhorial, mormente na região de Entre o Douro e Minho. Um outro conjunto de leis é de matéria social, incluindo a proibição de casamentos à força e a interdição a judeus e a mouros de manter actividades públicas associadas às finanças (Veloso, 1996: 99­‑102). Todas constituem medidas de salvaguarda dos direitos da realeza e indiciam uma praxis governativa que favorece o processo de organização territorial e administrativa do reino. A criação da lei surge associada à dignidade régia. Numa palavra, a inter‑ venção afonsina patenteia a formação de um “Estado essencial” (Nogueira, 2006: 52). Porém, estamos ainda longe do que, pre‑ sentemente, se designa de Estado moderno. Os historiadores tout court e jushistoriadores consideram que a fase de recepção­‑difusão do direito comum resultante da con‑ fluência do direito romano justinianeu e do direito canónico é um fenómeno reportável a Afonso III (Nogueira, 2005: 66, n. 45), correspondendo o respectivo reinado a um momento 108

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refundador do direito (Homem, 1994). Efectivamente, o arran‑ que do mais intenso e consecutivo período de produção le‑ gislativa nacional ocorre de meados do século XIII em dian‑ te, com um vigor que perdurará até 1366/7, finais do reinado de Pedro I (1357­‑1367); por efeito, ressalve­‑se, da recepção­ ‑conhecimento do direito romano justinianeu na Europa e na Península no contexto da luta entre o poder laico e religio‑ so (Nogueira, 2005: 68­‑69). O processo de recepção do direi‑ to romano foi, no caso vertente, muito próximo do reino de Castela­‑Leão, onde Afonso X, o Sábio, fez promulgar em 1263 as Sete Partidas. Do ponto de vista jurídico, a génese do Estado moderno em Portugal situa­‑se no reinado de Afonso III, visto ter dele partido a intenção de unificar administrativa e juridi‑ camente o território nacional. Afonso III (1248­‑1279) promulga duzentas e trinta e três (233) leis (correspondendo a um aumento significativo da pro‑ dução legislativa), de que se destacam três âmbitos temáticos: o «restabelecimento» da ordem pública, com um conjunto de ini‑ ciativas que visam refrear as vindictas privadas, as prescrições so‑ bre os abusos do direito de padroado e o processo judicial (Ho‑ mem, 1994: 16). O monarca considera a actividade legislativa como especial apanágio para garantir a justiça e a paz. A partir deste período, “o rei, com força crescente, passa a assumir o papel de criador de Direito” (Silva, 2006: 274). O rei é o responsável pelo direito criado e o guardião desse direito. Os monarcas seguintes, D. Dinis (1279­‑1325) e Afonso IV (1325­‑1357), reconhecem no poder de fazer leis um meio extraordinário de actuação política e governativa. Pela lei os chefes políticos vão criar normas de funcionamento institucional e de organização territorial. O po‑ der de legislar passa desde então a constituir parte integrante da função régia e do chefe do poder político. Atinge­‑se o patamar da maturidade legislativa. D. Dinis fez incidir parte significativa da sua actividade legislativa no domínio judicial, promovendo uma reforma processual (Caetano, 1985: 360­‑367 e Marques, 1987: 299); quanto a Afonso IV “as leis respectivas não se desta‑ cam por particulares incidências nesta ou naquela matérias” (Homem, 109

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1994: 25), tendo produzido alguns regimentos (dos corregedo‑ res, dos tabeliães, etc). Especial preocupação legislativa destes monarcas foi a de acompanhar o incremento da burocracia, com legislação sobre taxas e emolumentos da Chancelaria, ou regulação da actividade da escrita desenvolvida por tabeliães públicos. Paralelamente avança­‑se para as áreas de regulação social, patentes na legislação sobre adultério, moral sexual, re‑ lações entre judeus e cristãos. Os monarcas reconhecem na lei uma fonte de disciplina e um poderoso instrumento de afirma‑ ção da soberania e para tanto aperfeiçoam a técnica normativa, associando homens experimentados e conhecedores (legistas, escrivães dos tribunais superiores e tabeliães públicos) na con‑ cepção, redacção e difusão da lei. Por consequência, a perfor‑ mance legislativa surge cada vez mais firmada, manifestando­‑se pelo “desaparecimento do que pudesse restar da ancestral presença tes‑ temunhante de notáveis na promulgação de leis. As individualidades que nos surgem referidas na legislação (…) mais com D. Afonso IV do que com D. Dinis – são­‑no (…) numa função ‘técnica’, que as aproxima dos redactores das cartas, função também ela por esta altura ‘estabilizada’” (Homem, 1994: 26). Pedro I (1357­‑1367), “trouxe um conjunto de medidas importantes que continuam as reformas do tempo de Afonso IV” (Marques, 1987: 506). Por outro lado, e conforme observou primeiramente Marcello Caetano, o aumento da participação dos letrados e legistas da Corte na redacção das leis reflecte a influência do direito romano e canónico (Caetano, 1985: 344­ ‑349). O «Justiceiro» produz um conjunto de doze (12) actos que incidem sobre justiça e burocracia da Corte, regulamenta‑ ção sobre a elaboração de actos escritos e competências dos oficiais da Chancelaria régia “nas quais (…) se configura um orga‑ nograma da governação central e territorial” (Homem, 1999: 114). Uma manifestação tangível das sucessivas reformas legislativas foi sem dúvida o processo de burocratização das actividades de despacho e dos serviços administrativos do Estado (ao nível central, regional e local), contribuindo para o estabelecimento do organograma governativo dos séculos XIII­‑XIV. A ordenação dos desembargos (1361) e a lei sobre os advogados e procura‑ 110

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dores (1362) têm como principal objectivo abreviar o tempo de despacho dos feitos e conceder maior eficiência ao funcio‑ namento do aparelho administrativo. Reforma(s) legislativa(s) e normalização administrativa são processos interdependentes. Para Armando Luís de Carvalho Homem “Pedro I virá a fechar este ‘ciclo’ legislativo” (Homem, 1999: 115). Por seu lado, Fernando I (1357­‑1383) “é ele próprio um rei nota‑ velmente legislador” (Homem, 1999: 115). A actividade legislativa deste monarca foi devidamente acompanhada pela maturidade da máquina administrativa precedente. O monarca legislou so‑ bre quase tudo, com maior incidência na regulamentação das actividades económicas: lei das sesmarias, comércio externo, construção de navios, moeda e tributos sobre compra e venda de produtos, as sisas, os indícios de uma fiscalidade permanente (cfr., supra, p. 89). Mais problemática é a análise da actividade normativa de D. João I (1385­‑1433), cuja maioria dos cento e treze (113) actos produzidos surgem em versões não­‑datadas. A moderna historiografia aponta para uma eventual participa‑ ção dos Infantes como seus coadjutores, designadamente D. Duarte (Homem, 1999: 117), cuja produção legislativa em tem‑ pos de co­‑governação (1411­‑1433) compreende pelo menos vinte e seis (26) actos (Freitas, 1996: 25­‑32; Duarte, 2005: 65). Até agora referimo­‑nos ao processo de criação de direito positivo ‘avulso’ pelos reis de Portugal, a grande maioria des‑ ses documentos foram objecto de compilação, por ordem ré‑ gia, a partir de finais do século XIV. As primeiras colectâneas de leis que chegaram aos nossos dias datam, justamente, dos finais do século XIV e inícios do século XV, tendo sido efec‑ tuadas durante o reinado do rei da “Boa Memória”, são conhe‑ cidas, como Livro das Leis e Posturas e Ordenações de D. Duarte. A designação desta última advém do facto da elaboração da tábua de matérias (índice) ter competido ao rei “Eloquente”. Uma enorme controvérsia, que recua aos séculos XVIII­‑XIX, envolvendo João Pedro Ribeiro [1758­‑1839] e, depois dele, Ale‑ xandre Herculano [1810­‑1877], gira em torno da origem e do 111

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autor material das colecções originais de leis medievais. Mui‑ to recentemente José Domingues (2008), ao proceder a uma recuperação das originais teses Oitocentistas sobre a criação e vigência do direito medieval português, refere “que não restam dúvidas de que, pelo menos desde o ano de 1391, existem livros de orde‑ nações em vigor no reino de Portugal, utilizados pelas instituições régias (oficiais)” (2008: 86), nomeadamente pela Chancelaria e pelo tribunal superior da Casa do Cível. Os livros de ordenações a que se refere este Autor não chegaram inteiros aos nossos dias; por esse motivo são tidas, por quase todos os especialis‑ tas modernos, como compilações primitivas o Livro das Leis e Posturas e as Ordenações de D. Duarte, atrás referidas, ainda que não tenham sido objecto de promulgação oficial. Por tudo o que acabamos de referir, não estranhemos que entre os espe‑ cialistas do direito medievo não exista unanimidade quanto à verdadeira utilidade, difusão e autoria material das colecções. Numa tentativa de síntese das diferentes posições assumidas ao longo do tempo, o que podemos avançar neste momento é a ideia de que as duas colecções referidas terão sido efectuadas para uso dos oficiais superiores da Justiça régia em funções nos órgãos da governação, mormente na Chancelaria régia e nos tribunais superiores de acordo com Marcello Caetano (1987: 346­‑347); que constituem o resultado de trabalhos de pesqui‑ sa e organização prévios à edição das Ordenações Afonsinas leva‑ dos a cabo João Mendes, Corregedor da Corte, segundo Ale‑ xandre Herculano (1856: 147­‑151) e, por último, que resultam do espólio particular de um jurisconsulto constituído a partir dos traslados e cópias de diplomas legislativos conservados na Chancelaria régia e outras instituições do reino, tese defendida por Luís Miguel Duarte (1999: 117­‑118), que José Domingues segue de perto. Não obstante a divergência todos os autores admitem a ideia de que as duas compilações de leis referidas terão tido apertada difusão e reduzido impacto no exercício quotidiano da justiça no reino, “uma vez que se estava a preparar as [Ordenações] Afonsinas, a autêntica e única colectânea oficial” (Do‑ mingues, 2008: 81). 112

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As primeiras colectâneas de leis conhecidas apresentam ca‑ racterísticas, de algum modo, diferentes. O Livro das Leis e Pos‑ turas revela uma total falta de preocupação de sistematização ao juntar desorganizadamente diplomas de conteúdo muito di‑ verso. Compõem­‑no normas de Afonso II (1211­‑1223), Afonso III (1245­‑1279), D. Dinis (1279­‑1325), Afonso IV (1325­‑1357) e Pedro I (1357­‑1367). Por seu turno, as Ordenações del­‑Rei Dom Duarte (1988), uma espécie de colecção privada de leis, reú‑ nem prescrições de Afonso II a D. Duarte (1433­‑1438), mas patenteiam sinais de maior cuidado na organização temática e cronológica. As leis coligidas foram divididas por reinados e subdivididas por matérias, dispondo de um índice geral. Juris­ ‑historiadores (Martim de Albuquerque), diplomatistas e co‑ dicologistas (Eduardo Borges Nunes) e historiadores tout court (Armando Luís de Carvalho Homem) propendem para a ideia de que estas não foram um trabalho preparatório das Ordena‑ ções Afonsinas, como aliás viram nele João Pedro Ribeiro e Ale‑ xandre Herculano, tese que de algum modo é recuperada por José Domingues (2008), muito embora admitam poder ter tido este corpus alguma influência na génese das Ordenações Afonsinas (Albuquerque, 1988: XV). Mediante o que acabamos de referir sinteticamente, deve‑ mos considerar as Ordenações Afonsinas, publicadas em 1446, como a primeira compilação oficial do reino. Esta compilação merece algumas apreciações críticas dado o interesse que, nos últimos anos, tem suscitado entre juris­‑historiadores e histo‑ riadores tout court. A questão que tem provocado mais amplo debate reporta­‑se ao longo tempo de preparação da recolha legislativa (1418­‑1446). A actual historiografia inclina­‑se para a participação de D. Duarte, enquanto Infante e Rei, assegu‑ rando a continuidade aos trabalhos de recolha e organização do corpus legislativo iniciados no reinado de João I, colocando em dúvida a primazia que a tradicional historiografia conferia ao Infante D. Pedro, duque de Coimbra, na direcção e conse‑ cução do plano. As intervenções legislativas de D. Duarte en‑ quanto Infante no âmbito da Justiça, administração militar e 113

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ordem social (Duarte, 2005: 177­‑178) reforçam esta tese de um processo iniciado no reinado de João I (em 1418) e con‑ cluído quase trinta anos depois, durante a regência do Infante D. Pedro (1446). O desígnio da elaboração de uma compila‑ ção oficial do ‘direito nacional’, sustenta­‑se nas antigas reivin‑ dicações das Cortes que reflectem a urgência da promulgação de uma compilação oficial de leis que permitisse acabar com as dúvidas decorrentes de legislação dispersa, desorganizada e bastante confusa (Albuquerque, 1993). O que temos por certo é que o contexto político e ideológico da execução da primei‑ ra colecção oficial de leis – Ordenações Afonsinas ­‑ remete para alguns “desacertos de edificação de um projecto partilhado por dois mo‑ narcas (D. João I e D. Duarte), um regente (Infante D. Pedro), dois le‑ gisladores e três revisores” (Freitas, 2006: 51; Homem, 1999a: 122). Uma outra questão reporta­‑se à autoria material da refor‑ ma das ordenações em cinco livros. Durante muito tempo a historiografia atribuiu a João Mendes, Corregedor da Corte, documentado enquanto tal entre 1402 e 1437, a composição do I livro (Albuquerque, 1993: 61­‑63; Homem, 1999c: 678) e os  restantes quatro foram atribuídos ao Dr. Rui Fernandes, desembargador (1416­‑1436), depois de identificados os estilos redactoriais. Um estudo recente veio colocar em causa as teses precedentes, defendendo a ideia de que “As Ordenações Afonsi‑ nas, ou melhor a reforma das ordenações em cinco livros é, sem qualquer demérito para todo o trabalho antecedente, empreitada do Doutor Rui Fernandes realizada, praticamente toda, durante o reinado de D. Afonso V” (Domingues, 2008: 118). Tese que vem na esteira das cor‑ rentes Oitocentistas e que é questionável atendendo aos de‑ mais actualizados trabalhos sobre o assunto. A ordem legislativa subjacente à organização da recolha de prescrições (codificação) reflecte o processo de amadurecimento dos órgãos do poder central, patente nos regimentos dos ofícios da Corte do I livro das Ordenações (1446) e respectiva especifi‑ cação de esferas de competência. O que de mais saliente so‑ bressai desse elenco de ofícios, para a actual historiografia, é a falta de actualidade de conteúdos (em matéria de ofícios e es‑ 114

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fera de competência dos oficiais da Corte), também designada de «medievalidade» (Homem, 1997: 124­‑137). Esta ausência de actualidade manifesta­‑se, designadamente, na inexistência de estatuto do ofício de Escrivão da puridade, perfeitamente ins‑ titucionalizado, que só conhece regimento próprio em 1450 e na latência das funções do Secretário, quando todos os estu‑ dos sobre burocracia régia deste período apontam um maior protagonismo do oficialato da Câmara régia (Freitas, 2001, I: 122­‑123 e 178­‑185). Daí que a vigência “não seja longa nem plena” (Homem, 1999: 123), cabendo ao rei D. Manuel I (1495­‑1521) a edificação de um novo projecto legislativo em duas primei‑ ras versões que datam respectivamente de 1512/1513 (Orde‑ nações Manuelinas, 2002) e 1514, e a edição definitiva de 1521 (Ordenações Manuelinas, 1984 e Barbas­‑Homem, 2003: 289­‑320), que marca o fim de um processo de actualização normativa no que ao regimento dos ofícios diz respeito, “à especialização burocrática (…), ao processo de decisão, ao procedimento administrativo pelo recurso ao despacho por rol e à institucionalização do corpo de ma‑ gistrados superiores da burocracia com competência para aplicar o direi‑ to e a justiça” (Freitas, 2006: 71). Em 1504, o mesmo monarca manda proceder à elaboração do Regimento dos oficiais das cidades, vilas e lugares destes reinos, demonstrando propensão para as re‑ formas jurídicas e administrativas, através das quais pretende que as autoridades concelhias tivessem um maior conhecimen‑ to das leis vigentes (Regimento dos oficiais…, 1955). O Regimen‑ to de 1504 procura uma maior divulgação do padrão legal dos ofícios da administração local, incorporando matéria contida nas Ordenações Afonsinas. Em suma, a consubstanciação da superioridade da reale‑ za tardo­‑medieval portuguesa esteve estreitamente associada ao desenvolvimento da competência régia em matéria legisla‑ tiva. Conforme afirma José Duarte Nogueira é no Direito que o poder se negoceia. Com o tempo, aumenta o número de es‑ pecialistas em Direito canónico e civil no processo de redacção e composição das leis, bem como nas instâncias superiores da burocracia (cf., infra, p. 146). A emergência de uma elite gover‑ 115

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nativa solidária possibilita o aumento da performance governativa, não apenas no campo da norma, mas também na administra‑ ção territorial do reino, firmando a realeza acima de todos os poderes concorrentes (senhoriais, instituições representativas, oligarquias urbanas e outras forças sociais). O período de con‑ solidação do Parlamento português, com a representação das três forças sociais, coincide, grosso modo, com o início do ciclo de maturidade legislativa no reinado de Afonso III. Por mea‑ dos do século XIII, está em marcha o processo de estatização da função de reger e legislar que implica uma disciplina política quotidiana. Para o rei o diálogo com as forças sociais do reino é crucial nos momentos de tomar decisões importantes (au‑ mento de impostos, decidir sobre a guerra ou paz com outros Estados…). A rede de solidariedades criada ao nível parlamen‑ tar permite uma maior identificação da realeza como um corpo político de que todos os membros esperam o exercício da jus‑ tiça e a defesa dos interesses comuns. De outro lado, o Estado em Portugal dos finais da Idade Média foi legislador, absorveu criações legislativas anteriores e fundou uma ordem jurídica na qual foi aprendendo a mover­‑se e a respeitar os limites por ela impostos. A lei foi, sem dúvida, um meio de afirmação da au‑ toridade do poder soberano nos finais da Idade Média (séculos XIII­‑XVI). Por conseguinte, falar em génese de Estado moder‑ no, no plano legislativo, não implica necessariamente a elabo‑ ração de leis originais e exclusivas, de recente produção, bem pelo contrário, pode remeter para um tempo de reformulação legislativa consecutiva, como vimos. Este como outros aspec‑ tos coincidentes com a problemática do exercício dos poderes régios contribuem para que possamos incluir os tempos do Ventoroso dentro da periodização da Idade Média portuguesa.

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3 E s ta d o , P o d e r e Administração

A monarquia como forma de E stado A teoria das formas de Estado é tão antiga quanto a teo‑ ria do próprio Estado. A teoria das formas de Estado procura dar resposta a três questões essenciais: Que critérios definem as diferentes formas de Estado? Quem participa do exercício do poder estatal? Qual a melhor forma de Estado: a monar‑ quia, a aristocracia ou a democracia? Durante séculos, filósofos, teólogos e príncipes procederam à exegese dos textos antigos recuperando o essencial das ideias políticas dos autores clássicos que primeiramente conceberam a teoria dos regimes. O pensamento político medieval está im‑ pregnado das concepções de Estado dos autores da Antiguida‑ de Clássica (Aristóteles, Platão, Cícero, Séneca et al.). Aristóte‑ les considerou na Política as três principais formas de Estado: a monarquia, quando o soberano governa para o bem de to‑ dos; a aristocracia, quando um pequeno número governa para o bem comum e, finalmente, a democracia, quando a maioria do povo governa para o bem comum. Para Aristóteles mais importante que o tipo de regime político é a forma da gover‑ nação. Tomás de Aquino (1225­‑1274), na linha de Aristóteles, considera o poder político como uma necessidade política na‑ tural, onde a comunidade política é livre de escolher o regime. Monarquia, aristocracia ou democracia72 são formas convenien‑ tes de Estado desde que respeitem o bem comum. Para Tomás 72 Os opostos são, respectivamente, a tirania, a oligarquia e a demagogia, todas formas injustas. Mais tarde, vieram a conceber­‑se outras formas de Estado: absolutismo, autorita‑ rismo e totalitarismo.

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de Aquino o regime monárquico é a melhor forma de gover‑ no, porque uma autoridade una é o melhor garante do bem comum. Todo o governo deve proceder da unidade, daí a jus‑ tificação da monarquia. A oligarquia e a democracia, para este autor, são regimes mais susceptíveis de conduzir à dissensão porque cada um tende a defender o seu interesse particular73. Álvaro Pais, (1275?­‑1348), autor galaico­‑português, retoman‑ do o modelo do bom rei no Speculum Regnum74, distingue clara‑ mente a monarquia da tirania. O rei procura o bem comum, o tirano coloca o seu próprio interesse acima de qualquer outro. A ideia de reino como uma estrutura política organizada tu‑ telada por um chefe carismático chamado a realizar a unidade política de um determinado povo para o bem é uma ideia que se difunde durante os tempos medievais. Toda a acção política deve desenvolve­‑se na salvaguarda do interesse comum. Neste sentido, o conceito de res publica designava a unidade da socie‑ dade cristã e da ordem política que garantia a paz e a justiça no interesse de todos. Por seu turno, o Direito romano teve enorme peso na for‑ mação cultural da Europa. A herança jurídica de Roma re‑ pousa, essencialmente, no Digesto ou Pandectas75, e no que veio a ser designado mais tarde por Corpus Iuris Civilis76. O Corpus constitui a base da doutrina do direito moderno. Os pensado‑ res da Idade Média e do Antigo Regime entendem o poder, o Estado e o direito de acordo com as fontes greco­‑romanas, às quais acrescentam categorias de tradição judaico­‑cristã oriun‑ das da Bíblia. Será dos textos bíblicos que os teóricos da mo‑ 73 Tomás de Aquino defende uma monarquia moderada para evitar cair na tirania, tendo na sua forma representação do elemento aristocrático e democrático. 74 O Espelho dos Reis representa as virtudes cristãs. O espelho é um lugar de contemplação onde os reis recebem a iluminação que reflecte a luz da sabedoria. A metáfora do espelho faz parte da simbologia do poder monárquico e da educação dos príncipes medievais (Buescu, 1997: 38 e Albuquerque, 1969) 75 É a primeira compilação sistemática de leis produzida por jurisconsultos romanos, pu‑ blicada em 533, difundida na Europa a partir do século XII. 76 Constitui a base do direito comum a partir do século XVI.

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narquia cristã, desde a Primeira Idade Média (séculos V­‑X), re‑ tiram a ideia de realeza, da origem divina do poder régio, assim como dos respectivos limites (Carbasse e Leyte, 2004: 5­‑17). Toda a autoridade provém de Deus, por conseguinte toda a autoridade existente é Sua criação. O Novo Testamento trouxe uma importante novidade, a distinção entre os dois reinos: o reino de Deus e o reino dos homens e, consequentemente, a ideia de submissão do segundo à autoridade do primeiro. Daí a sociedade medieval conceber a autoridade do Estado como algo de providencial (a origem divina do poder régio), tendo por finalidade assegurar a justiça e a paz. As tendências culturais do pensamento tardo­‑medieval português manifestam alguns pontos de contacto com o fei‑ xe de ideias referidas. De acordo com o pensamento político medieval, o que faz com que o poder monárquico seja político é o facto de visar o bem comum. Para os autores medievais, o exercício do poder tem como objectivo assegurar a paz, o cumprimento do interesse comum e a prática da justiça, prin‑ cipais qualidades do príncipe. A fundamentação ideológica do ofício régio, a evocação da origem e concepção do poder do príncipe e o ideal doutrinário das funções da monarquia cor‑ respondem a um tempo de afirmação progressiva da monar‑ quia como forma de Estado. Na Idade Média final são muito frequentes as expressões “Estado do Reino”, “Real Estado”, como que traduzindo a ideia de ofício do rei. Ao rei compete assumir a governação do reino. A ideia de ofício régio aplica‑ da ao exercício do poder partia do pressuposto de que inde‑ pendentemente de todos os homens serem iguais por natu‑ reza nem todos reuniam iguais condições para deter o ofício de reger. A sabedoria e a ciência eram essenciais para gover‑ nar (qualidades do que exerce o ofício régio). Daí que a mo‑ narquia, o governo de um só, surja como o tipo de regimento mais apto a tomar decisões em prol da comunidade política. Na ética política medieval, o saber está ligado ao agir virtuoso, garantia da prática da virtude, como defende D. Duarte no Leal 123

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Conselheiro77. A legitimidade do poder régio assenta na capaci‑ dade de administrar a justiça e no agir virtuoso (para o bem e o que é útil). O Infante D. Pedro, na Carta de Bruges (1426), quando escreve a D. Duarte, seu irmão, refere que a sabedoria é a luz da razão. Um pouco mais tarde no Livro da Virtuosa Ben‑ feitoria irá defender a ideia de que é dever moral dos príncipes deterem autoridade sobre os súbditos. Existe um fundamento ético do poder temporal da monarquia. Os príncipes são pais e tutores dos seus próprios súbditos. Como refere Martim de Albuquerque, o paternalismo régio permitiu desenvolver a afeição ao príncipe que repousa na confiança, obediência e lealdade dos que lhe estão sujeitos, superando a concepção jurídica e tecnicista assente na relação «fria» senhor/súbdito (Albuquer‑ que, 1968: 139­‑140). O rei é detentor do poder supremo (im‑ perium), o povo concedeu­‑lhe o imperium e toda a auctoritas que deriva, essencialmente, de uma capacidade moral para o exer‑ cício do poder. Esta ideia virá a ser particularmente desenvol‑ vida por Diogo Lopes Rebelo nos finais do século XV, quando escreve Do Governo da República pelo Rei (1951), no qual alude à imagem virtuosa do príncipe e às qualidades da monarquia hereditária enquanto forma de Estado. O quadro da página seguinte sintetiza as ideias políticas dos principais autores portugueses quanto à origem do poder, fun‑ damento, finalidade, limites e formas de governo (regimes).

77 A ética política medieval recupera as quatro virtudes cardeais provenientes da Anti‑ guidade Clássica: justiça, temperança, força e prudência (virtude moral, tal como Aristóteles a entendia). D. Duarte (1394­‑1438) no Leal Conselheiro disserta sobre as qualidades de cada uma das virtudes cardeais que pertencem ao bom conselheiro e servidor régio (Duarte, Dom, 1982: 248­‑258).

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Quadro I – Teorias Políticas Medievais

(séculos XIII­‑XVI) Álvaro Pais (1275?-1348)

Fernão Lopes (1378-1459?)

D. Duarte (1391-1438)

Infante D. Pedro (1492-1449)

Diogo Lopes Rebelo (finais séc. XV-inícios do século XVI)

Dignidade / ofício / serviço

Dignidade / ofício

Dignidade / ofício

Ofício /«senhorio»

Dignidade / ofício

Origem diabólica do poder; Concilia origem divina do poder (S. Paulo) com o consenso da multidão (soberania popular) pressupondo o consentimento da Igreja

Comunidade delega, de forma activa, o poder no soberano (mediação popular)

Povo / comunidade de súbditos

Uma emanação da razão; Povo / comunidade de súbditos

Tese descendente + Tese ascendente

Tese ascendente

Tese ascendente

Tese ascendente

Concepção do Poder

O Rei está para o reino como Deus para o Universo

Rei é tutor dos súbditos; concepção paternalista

Formas de Governo

Monarquia, Aristocracia e Democracia (república)

Monarquia, Aristocracia e Democracia (república)

Monarquia - garante a unidade sobre a multiplicidade

Monarquia

Autores

Poder Régio

Origem do Poder

Teoria política

Melhor forma de Governo

Rei é tutor dos súbditos / concepção paternalista

Rei é tutor dos Rei é tutor dos súbditos; súbditos; concepção concepção paternalista paternalista Monarquia, Aristocracia e Democracia (república)

Monarquia

Primado da Monarquia; governo de um só

Poder deve residir num Monarquia hereditária só (Monarquia)

Funções da Monarquia

Administrar justiça; Felicidade dos Prática da virtude; Felicidade dos súbditos; «Bem fazer», Justiça, Garantir honra; Proteger súbditos; Justiça, Bem assegurar a Justiça e a Justiça, Bem comum Utilidade Comum o direito; Observar as comum Paz leis

Limites do poder

Usurpação; cumprimento da palavra dada

Principais obras

Speculum Regum ; Status et Planctus Ecclesiae e De Regimine principum

Crónicas (várias)

Cumprimento da palavra dada

Cumprir a palavra dada

Teoricamente: nenhum; na prática: respeitar o Direito

Livro dos Conselhor d'el rei D. Duarte; Leal Conselheiro

Livro da Virtuosa Benfeitoria

De Republica Gubernanda per Regem

Para além das concepções políticas e filosóficas da monar‑ quia há ainda que considerar a realidade política medieval. Tan‑ to as definições dos autores referidos a respeito dos regimes como as respectivas concepções políticas estão longe de conce‑ ber a vivência de tempos medievos. A monarquia é um regime político resultante da incorporação de um ou mais reinos. Por isso devemos distinguir reino de monarquia. A monarquia sur‑ ge como um sistema de governo, isto é uma organização social e política respeitante a uma comunidade territorialmente defi‑ nida cuja cabeça é o rei, que paira acima dos súbditos. A ideia de Estado, tal como a concebemos, tem a sua historicidade a partir de meados do século XIII, quando a realidade política 125

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que postula se define no uso dos termos reino, res publica e coroa, ou seja um poder monárquico estruturado combinado com o princípio da hereditariedade. Foi, conforme já explicamos (cfr., supra, p. 17), durante a Idade Média plena, que o princípio da instantaneidade da sucessão dinástica se converteu na primeira essência da monarquia. Na verdade, o título régio transmitia­‑se naturalmente sem que houvesse regimento escrito. Nos finais da Idade Média, a maioria dos países europeus eram monar‑ quias hereditárias, com excepção de algumas cidades­‑república e dos cantões suíços. A sucessão masculina do filho varão es‑ tava perfeitamente consagrada e a reserva do poder aos mem‑ bros de uma mesma família também. A historiografia política e jurídica, considera que a constituição da monarquia portugue‑ sa resultou da ratificação pelo rei Afonso X de Castela e Leão da soberania de Afonso III sobre os reinos de Portugal e do Algarve. Em sentido estrito, a monarquia portuguesa só terá existido a partir da assinatura do Tratado de Badajoz (1267). Por seu lado, a paulatina distinção entre rei e reino veio dar res‑ posta a uma necessidade política natural. O rei é pessoa física, finita; o reino é ofício permanente, transmissível. O monar‑ ca enquanto detentor do ofício de reger conserva obrigações perante a comunidade de súbditos. As profundas mudanças políticas ocorridas desde finais do século XIII, em consonân‑ cia com o desenvolvimento da doutrina do poder nos séculos XIII e XIV e da alteração do conceito de lei natural78, favore‑ ceram a afirmação do poder secular. O desenvolvimento do laicismo nos negócios do Estado pela substituição progressiva dos oficiais e de alguns conselheiros eclesiásticos por homens de leis (legistas) conduziu ao surgimento de uma burocracia ‘profissional’ de sentido moderno. Na medida em que o poder 78 Nos finais da Idade Média, por força da laicização crescente do pensamento político é admitido que a lei natural seja dada a conhecer através da razão humana. Tomás de Aquino (1225­‑1274), na Suma Teológica, admite a participação do homem na racionalidade de Deus. Daí que a lei humana promulgada pelo chefe da comunidade seja o ordenamento da razão visando a justiça e o bem comum. Tomás de Aquino, restabeleceu a autonomia do Estado no plano temporal.

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da monarquia se seculariza e autonomiza nos finais da Idade Média, relativamente a outros poderes, interna e externamen‑ te79, aumenta a concentração do poder da Coroa. A máxima romana rex est imperatur in regno suo é uma marca distintiva da dominação régia. O monarca detém a autoridade suprema so‑ bre o sistema judicial (missão judicial da monarquia), dele de‑ pende a organização política, criando ou reformando ofícios e definindo as respectivas atribuições em regimentos. Compete igualmente ao monarca tratar de outras matérias: manter a paz, fazer guerra aos inimigos, cunhar moeda, promover a diplo‑ macia entre os reinos, elaborar leis. A consolidação do poder monárquico dependeu da capacidade de superação da concor‑ rência dos poderosos (autonomia do poder monárquico) e da afirmação da superioridade territorial do Estado. A

E stado : centralidade , periferia , governação

construção do

«S’il est vrai qu’État désigne un organe de contrôle et d’organisation d’une société sur un espace donné, on en déduit facilement que la dimen‑ sion spatiale de son analyse est primordiale à deux titres au moins : d’ un côté par les notions liées de frontière et de territoire, d’autre part au travers de la notion complexe de réseaux, emboités, hiérarchisés et/ ou concurrents » (Guerreau, 1986 : 274)

Conforme expressas no excerto em portada presidem a este ponto algumas questões de fundo para que pretendermos cha‑ mar a atenção: Que relação haverá entre a fixação da sede do poder e a afirmação da soberania da realeza? De que modo os limites da autoridade régia são condicionados pelas divisões territoriais e do tecido social e jurídico na transição do senho‑ rialismo para a modernidade? Que providências foram leva‑ das a cabo pela monarquia no sentido de influenciar o destino político e o sentimento identitário da nação? A gestão do ordenamento territorial e o exercício da au‑ toridade régia foram, ao longo da monarquia feudal e da mo‑ 79 Em relação, nomeadamente, aos poderes senhoriais, da Igreja e do Império.

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narquia moderna, inequivocamente desiguais e disseminados, quer no espaço, quer no tempo. Os eixos vitais de deslocação do chefe de condado e, posteriormente, do rei estiveram fun‑ damentalmente relacionados com a trasladação da Corte en‑ quanto pólo aglutinador dos principais poderes administrati‑ vos e civis, em função da dilatação e apropriação do espaço territorial «nacional». Trata­‑se aqui da questão da importância da itinerância régia (da Corte) e dos órgãos decisores na di‑ mensão governativa. Num primeiro momento, Portucale e o noroeste (Guimarães). Posteriormente, destaca­‑se o signifi‑ cado da transferência da sede do Condado Portucalense para Coimbra em 1128; a partir de então esta cidade assume a fun‑ ção de “ponta avançada para a Cristandade e de residirem no Norte as forças que lhe conferiam a combatividade explica o costume de se cha‑ mar «Portugal» a um território que deixa de estar centrado no lugar que lhe deu o nome (…) A centralidade do Condado (e, depois do reino) em Coimbra manteve­‑se até ao fim do século XII” (Mattoso, 2000, III: 156). Para José Mattoso, este primeiro momento pertence a um tempo de definição do espaço útil de actividade e residência da Corte e, por inerência, do pólo aglutinador das instituições e da administração régia; a tal ponto que “A diferença entre Por‑ tucale e Coimbra esquece­‑se completamente na chancelaria régia” (Mat‑ toso, 2000, III: 153). Num momento posterior, a região Sul surge como novo ‘centro’ do poder político, com destaque para o eixo Santarém­ ‑Lisboa, sobretudo após a conquista de Alcácer do Sal (1217), que representa a consolidação da linha do Tejo, do qual não mais se distanciará. Efectivamente, este eixo passa a assumir crescente protagonismo desde o primeiro quartel do século XIII (durante o reinado de Afonso II, 1211­‑1223), só disputado por Coimbra, como que antecipando a fixação dos órgãos da governação fiscais, judiciais e administrativos de Quatrocentos (Galego, Garcia e Alegria, 1988). Deste modo, a via entre Lis‑ boa e Porto veio a constituir­‑se como o eixo primacial do país, pondo em contacto duas das regiões mais povoadas do reino ­‑ o Entre Douro e Minho e a Estremadura ­‑, e de maior rele‑ 128

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vância social (onde predominam os senhorios). Entre uma e ou‑ tra situam­‑se os “centros políticos: o rei e os membros da administração ré‑ gia” (Mattoso, 2000; III: 158). O reinado de D. Dinis (1379­‑1325) corresponde a um tempo decisivo na definição dos principais eixos regionais. Uma política nacional de ordenamento terri‑ torial permitiu a estruturação geral do reino tendo em conta a realidade concreta. A realeza assume­‑se como centro político, compete­‑lhe o controlo das forças sociais do reino e a orga‑ nização do território proporcionando maior coesão e concen‑ tração de poder nas mãos do rei. O sistema de organização e actuação política do monarca contribuíram para a construção da realidade portuguesa. Muito embora não se possa ainda de‑ signar Lisboa de capital, não restam dúvidas quanto ao pro‑ cesso de consolidação deste centro como eixo nevrálgico da administração régia e, simultaneamente, como centro econó‑ mico pelo crescente desenvolvimento urbano e mercantil. De igual modo, acentua­‑se o incremento da importância de po‑ voados e cidades no Entre Douro e Minho e na Estremadura. A par destes surge toda uma constelação de outros lugares. A Sul (Alentejo) uma malha larga de aglomerações, algumas das quais, particularmente ligadas por uma rede de vias comunica‑ ção instigada pelas trocas. Estas diversidades / singularidades locais e regionais repousam em realidades históricas diferen‑ ciadas, determinando o desenvolvimento de relações sociais e económicas distintas entre si e na relação com os poderes da monarquia. Na geografia ‘tradicional’ dos poderes, o Norte era de predomínio senhorial, o Centro e o Sul do país eram cons‑ tituídos por amplas zonas organizadas em  concelhos, terras realengas e senhorios das Ordens Militares, onde a influência senhorial convencional mal se fazia sentir. Para além destas áreas, um imenso espaço intermédio, onde mal chega a auto‑ ridade régia (res nullis) e cuja organização administrativa local era incipiente. Por tudo isto, não se pense que os reis podiam aspirar nes‑ tes tempos ao monopólio do poder, ou mesmo à centralização do seu exercício, num ponto geográfico determinado e defi‑ 129

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nitivamente estabelecido. Haveria concentração de poder nas mãos do rei e dos oficiais da Corte, mas estes deambulavam pelas terras, fixando temporalmente residência por vários lu‑ gares do reino, de Norte a Sul do território. Por conseguinte, o processo de constituição de uma centralidade no reino, do ponto de vista político­‑territorial, foi demorado, assentou na estabilidade e permanência dos organismos da Corte num de‑ terminado lugar (Gomes, 1998: 85­‑105). O poder como reali‑ dade institucional. A tendência para sedentarização dos órgãos do poder, mormente da Chancelaria régia, principal órgão de despacho burocrático, no reinado de Afonso III (1248­‑1279), e do Tribunal Superior da Casa do Cível e respectivo corpo de  oficiais por meados do século XIV, ambos sediados em Lisboa, confirmam esta centralidade. Porém, conforme aler‑ ta José Mattoso, “a monarquia portuguesa tem um carácter feudal até Afonso III, apesar das inovações de Afonso II, não admira que antes de c. 1250 não exista propriamente aquilo a que chamamos de «governo central» do País, mas uma corte constituída por vassalos do séquito real (…)” (Mattoso, 1993: 275). Nos séculos XIV e XV, Lisboa, Santarém e Évora partilham entre si, a estatuto de centro po‑ lítico (Moreno, 1976, 1988 e 1997; Serrão, 1975; Freitas, 2006). Foi­‑se definindo o centro político, sede dos principais ór‑ gãos da administração régia, e simultaneamente dilatando o âm‑ bito da dominação régia à medida que esta se ia fazendo no‑ tar e exercer num programa de medidas de pendor unificador. A extensão do exercício da autoridade régia foi­‑se alargando aos mais diversos âmbitos, do quadro político ao quadro legis‑ lativo, do quadro administrativo e territorial ao económico e fiscal. De acordo com a mais recente historiografia do político, as primeiras acções governativas com objectivos marcadamen‑ te unificadores podem ver­‑se nas Inquirições80 de D. Afonso II 80 As Inquirições “permitem cartografar a propriedade, sobretudo a régia, arrolando as propriedades (casais, herdades, courelas, coutos, etc., os foreiros, os direitos, novos e velhos, de reguengos e de foros, de pa‑ droados de igrejas, e a forma como deviam ser cobrados. Funcionam, igualmente, como fonte para a história

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(1220) e de Afonso III (1258) por propiciarem o conhecimen‑ to dos limites territoriais dos senhorios das regiões de Entre­ ‑Douro­‑e­‑Minho, Trás­‑os­‑Montes e Beiras, com o intuito de salvaguardar os direitos da Coroa e impedir a constituição de novas honras (propriedade rural imune). O rei D. Dinis dá continuidade a este programa de reformas da administração territorial com o lançamento de novas Inquirições (1284, 1288, 1301, 1303 e 1307) não obstante os enormes protestos senho‑ riais, mormente, nas Cortes de Lisboa de 1285 e de Coimbra de 1288. O lançamento de Inquirições é considerado um pas‑ so significativo no processo de unificação governativa ao per‑ mitir conceber uma primeira visão geral do reino, fazer face ao poder concorrente dos senhores, fornecendo um conheci‑ mento da realidade da propriedade das terras, e, finalmente, experimentar a eficácia da relação hierárquica de poder(es) en‑ tre oficiais da administração central, oficiais locais e as pode‑ rosas concessões jurisdicionais dos senhores. Os poderes so‑ bre a terra incluíam amplas regalias jurisdicionais, conforme sabemos. Muitos autores referem­‑se à formação de “estados dentro do Estado”, de “soberanias fragmentadas”, “lealdades divididas” ou “estados senhoriais” uma característica que per‑ manece para além do Estado feudal (séculos XII­‑XIII) (Beceiro Pita, 1988: 293­‑324). O poder senhorial intrometia­‑se entre o poder monárquico e o sistema concelhio das cidades e vilas, num complexo jogo de interacções políticas. A manutenção de privilégios jurisdicionais conduz à coexistência de poderes múltiplos e concorrentes sobre um mesmo território (forças centrífugas). Numa altura em que a monarquia estava em cons‑ trução não se estranhe o emaranhado de relações desenvolvi‑ das entre o poder régio e o poder senhorial, um dos principais concorrentes da monarquia (Andrade, 2001: 55). Ainda no quadro das reformas de política interna levadas a cabo nestes primeiros tempos de maturação da monarquia política, reflectindo os conflitos que opunham a Rei à Igreja, aos concelhos, aos senhores ou cavaleiros vilãos”. Disponível em: http://www.aatt.org/site/index.php?op=Nucleo&id=188

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e na sua sequência, cabe salientar a promulgação por Afon‑ so II de um conjunto de leis (1211), incidindo sobre questões económicas e de finanças públicas que o “colocaram (…) na van‑ guarda das monarquias centralizadas da Europa de Duzentos.” (Velo‑ so, 1996: 100). Afonso III busca a concentração do poder nas suas mãos, subtraindo influência ao clero e refreando os privi‑ légios da nobreza, para além de ter fundido o Norte e o Sul de Portugal (1249­‑50) e ‘consumado’ a mudança da administração central para Lisboa, conforme observamos. Afonso III e, pos‑ teriormente, D. Dinis centraram grande parte da actividade de governação na organização política e administrativa do territó‑ rio (povoamento e defesa do território nacional) e na protec‑ ção dos direitos da Coroa. Neste contexto, os dois monarcas procuraram corrigir alguns dos desequilíbrios regionais e locais pela concessão de Cartas de foral, promovendo o povoamento, a defesa, a coesão social local e regional. Desta feita, foi im‑ plementada uma verdadeira política foralenga, assente no re‑ conhecimento da importância de um conjunto de povoações, no sentido de incrementar a respectiva expansão urbana e mu‑ nicipal (Coelho e Homem, 1996: 529­‑584). Conforme salienta José Marques “a elevação de localidades fronteiriças à condição de mu‑ nicípios, além de estimular o seu ulterior desenvolvimento constituía um poderoso factor aglutinante, do maior interesse para o sistema defensivo, de acordo com as disposições do texto foralengo, quando a este assunto se referia, ou com a prática tradicional, gerida pelas competentes autoridades municipais” (Marques, 1998: 523­‑524). Os concelhos aparecerão, num futuro próximo, como um dos principais interlocutores do poder régio, designadamente em Cortes, instituto que co‑ nheceu um incremento a partir de meados de Duzentos, com a inclusão dos representantes concelhios nas reuniões magnas de convocação régia (Leiria, 1254), conforme referimos (Cfr., supra, p. 103). As Cortes para Vitorino Magalhães Godinho, em conjunto com outras opções governativas, contribuíram para a consolidação de uma visão do “Reino global e diferenciadamen‑ te pelo poder central (…) sobretudo desde que nelas tomaram parte os procuradores dos concelhos” (Godinho, 2005: 20­‑21). Em sentido 132

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inverso, o rei faz­‑se representar pelos juízes de fora e os correge‑ dores no quadro organizativo concelhio, a partir de D. Dinis. No plano dos incentivos à actividade económica e social das municipalidades há que ressalvar a importância das Cartas de fei‑ ra e a instituição de feiras francas (no Douro e Beira, mormente, ao tempo de D. Dinis), generalizadas mais tarde por João I (1385­ ‑1433). À luz do que diz Vitorino Magalhães Godinho, finalmen‑ te “o poder central abarca assim o todo nacional (…) A instituição pelo poder régio de concelhos e feiras e a convocação de Cortes denotam a aproxi‑ mação do centro aos diferentes lugares do Reino” (Godinho, 2005: 16). Na verdade, este conjunto de mudanças reveste­‑se de um profundo significado político e converge num só objectivo: centralizar o espaço para concentrar e autonomizar o poder. É o processo de institucionalização do poder régio aliado ao in‑ cremento da habilidade de governar o todo nacional. Intrica‑ dos neste processo estiveram os fundamentos da burocracia judicial (o aparecimento de serviços de justiça com oficiais pró‑ prios – meirinhos­‑mores ao tempo de Afonso II, sobrejuízes no rei‑ nado de Afonso III e juízes de fora ou juízes por el­‑rei ao tempo de D. Dinis); da burocracia fiscal (serviços fiscais com oficiais próprios ­‑ almoxarifes ­‑1251) e da burocracia administrativa (organização da Chancelaria e do procedimento burocrático com um corpo de oficiais que procede ao registo de diferentes tipos de actos que dimanam do rei) (Coelho e Homem, 1995: 47­‑74). Foram dados verdadeiros passos na afirmação da au‑ toridade régia quando surgem conciliados os poderes de reger (governar), legislar e administrar a justiça. É nesta “perspectiva que o tempo português de D. Dinis se afigura muito menos marcadamen‑ te tradicional e mais decididamente inovador. Aspectos como a relação com o território, o património régio, a legislação, a justiça, alguns ensaios de uma fiscalidade ou a orgânica governativa e a respectiva oficialidade revelam­‑se, a este respeito, concludentes” (Homem, 1996: 103). Estes são, nas palavras de Carvalho Homem, “características de (nas‑ cente) modernidade” (Homem: 1996: 162). “Modernidade” que trataremos especificamente no capítulo IV. 133

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Territorialidade

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E stado

Antes de avançarmos cabe esclarecer que a noção de «ter‑ ritorialidade» não tem o sentido jurídico actual do termo, que remete para a existência de uma lei com aplicação em todo o território do Estado soberano que a instituiu. Na Idade Mé‑ dia não existe um único centro político, com monopólio do poder, tal como hoje o entendemos, conforme temos vindo a explicar. Por conseguinte, a ideia de «territorialidade» que subjaz a este ponto é a noção de um território delimitado e habitado por uma comunidade com a respectiva história. Territorialidade no sentido de «terra», onde se erigiu um reino, depois um Esta‑ do, e isto desde último quartel do século XIII, conforme vere‑ mos. Por conseguinte, devemos entender a questão subjacente ao item proposto como o processo de instituição da autoridade régia enquanto pivot do ordenamento territorial e a consciência progressiva da independência do reino de Portugal. Do mesmo modo, ao utilizarmos as expressões de «centro» e de «periferia», ou «central» e «local» não lhe conferimos o sentido actual, que remete para uma forma de organização territorial nacional que só veio a firmar­‑se no Ocidente europeu por finais do sécu‑ lo XVII ou, para uma maioria dos Estados, no século XVIII. No entanto, por facilidade de descrição recorremos ao uso de «centro» sempre que nos reportamos ao conjunto de institui‑ ções administrativas da monarquia (à Coroa ou ao conjunto de serviços burocráticos superiores) e «periferia» à dimensão sócio­‑espacial de unidades, grupos ou comunidades de dimen‑ são e peso ‘político’ muito variável (Hespanha, 1986: 35­‑60). A questão primacial que preside a este ponto é a de estabe‑ lecer uma relação entre centro político e espaço administrativa‑ mente organizado; ou seja, de que modo o poder régio foi edi‑ ficando os limites territoriais do reino, aquilo a que nos nossos dias designamos de “fronteiras políticas”. O que fundamental‑ mente nos interessa é verificar em que medida a Coroa se vai afirmando como a principal sede de governação do reino, numa amálgama territorial, social, jurisdicional e fiscalmente hetero‑ génea. Referimo­‑nos, intencionalmente, a “limites territoriais 134

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do reino”, porque a ideia medieval de “fronteira” não corres‑ ponde àquela que veio a consolidar­‑se nos tempos modernos e que chegou aos nossos dias. Na Idade Média, a noção de “fronteira” remete para limite político impreciso e inconstante. Alexandre Herculano e Ruy de Azevedo salientaram, primeira‑ mente, a especificidade das “fronteiras” medievais, no período ante quo do Estado moderno. Mais recentemente Rita Costa Go‑ mes, ao chamar a atenção para a questão da “fronteira” na gé‑ nese do Estado moderno em Portugal, sistematizou as principais noções coevas em: “delimitação espacial (termo, raia, demarcação, divisão), (…) espaço fraccionado (partidas), (…) frente ou zona de com‑ bate (frontaria) e, finalmente, talvez um espaço de oposição entre «corpo» do reino e as suas zonas periféricas (estremo) ” (Gomes, 1991: 360). Para além destas noções que apontam para a ideia de limite, marco ou baliza, há, por outro lado, que considerar a percep‑ ção pelo homem medieval dessa realidade. A ideia de “fron‑ teira” era certamente diferente para quem estivesse próximo (populações raianas) e para quem dela vivesse longe (Rêpas e Coelho, 2007). No primeiro caso, a “fronteira” era considerada ponto de passagem, filtro de trânsito (porto­‑seco, alfândega), espaço de atracção útil (com elevado interesse económico); no segundo caso, era, não raras vezes, encarada como uma bar‑ reira de protecção ou um espaço disputado, especialmente em tempos de tensão ou de guerra. Na segunda metade do século XIII, assistimos a um esforço por parte dos chefes políticos de definição dos limites territo‑ riais do reino, no sentido da sua unificação, que é acompanha‑ do pelo desenvolvimento do aparelho da administração central. Em três momentos históricos se traça a construção do espaço político português: a campanha militar de 1249­‑50 de que resul‑ tou a conquista de Silves, representando a consagração da mo‑ narquia resultante da incorporação do reino do Algarve; dezas‑ sete anos mais tarde o Tratado de Badajoz (1267) assinado entre Afonso X, rei de Castela e de Leão e Afonso III de Portugal, que reconhece a soberania da Coroa portuguesa sobre o rei‑ no do Algarve e, finalmente, a celebração da linha de fronteira 135

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nacional na zona do Baixo Guadiana (Garcia, 1983) e de Riba Côa (área ocupada pelos portugueses) (Homem, 2006) e que virá a integrar território nacional desde o Tratado de Alcanizes (1297) (El Tratado de Alcañices…, 1999). Na região Norte, a bar‑ reira natural do rio Minho contribuiu para o estabelecimento de uma linha divisória visível e delimitada, acompanhada pela construção, do lado português, de um enfiamento de povoações fortificadas que, durante os reinados de Afonso III e D. Dinis, foram repetidamente firmadas e defendidas em campanhas de povoamento (Andrade, 1977 e 1998; Marques, 1988). Na zona situada ao longo da fronteira com Castela e a Sul do Tejo, a presença das Ordens Militares (Templo, Hospital, Avis e San‑ tiago), teve grande relevância na definição de limites políticos, na organização social do espaço e no desenvolvimento de re‑ lações inter­‑regionais, para além da relevância em termos de política defensiva e de povoamento. Na região da Beira inte‑ rior, não obstante os esforços originais de Sancho I na sedi‑ mentação da presença portuguesa pela atribuição de cartas de foral, designadamente à Covilhã (1186) e à Guarda (1199), a demarcação definitiva dos limites territoriais tardou, em virtu‑ de da coexistência de complexas práticas de delimitação num mesmo espaço. Os limites jurisdicionais, fiscais, religiosos não coincidem, gerando interposições de forças difíceis de contro‑ lar (centrífugas). Pedro Gomes Barbosa escrutinou as relações entre as comunidades de fronteira e o poder instituído na região da Beira Interior (Barbosa, 1998), Rita Costa Gomes estudou o caso de Sortelha e Sabugal (Gomes, 1987) e Luís Miguel Rêpas e Maria Helena Coelho a situação da Guarda no discurso dos concelhos em Cortes (2007). Posto isto, parece­‑nos conveniente proceder a uma reflexão, necessariamente breve, sobre os efeitos do processo de inte‑ gração dos territórios conquistados na dinâmica da formação do tecido espacial e social, tendo em conta o processo de ex‑ pansão territorial e de unificação do espaço político português. Durante os primeiros séculos da monarquia não existiu uma divisão administrativo­‑ territorial uniforme e distinta; por vezes, 136

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confundiam­‑se divisões civis e eclesiásticas (senhorios e bispa‑ dos, por exemplo). “Foi nos começos do século XIV que se afirmou e precisou uma divisão sistemática do País em seis grandes unidades de natureza civil: as comarcas de Entre Douro­‑e­‑Minho, Trás­‑Os­‑Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve” (Marques, 1987: 295). Esta divisão territorial e civil não correspondia à divisão eclesiástica (cfr., supra, p. 70), nem à divisão concelhia e senhorial. De qual‑ quer modo, a imposição de uma divisão administrativa mani‑ festa uma acrescida autoridade por parte do poder central no sentido de conferir alguma lógica à administração geral do reino. Na comarca actuavam os corregedores de comarca como delega‑ dos régios, desde tempos dionisínos. Detinham prerrogativas judiciais posteriormente acrescidas de responsabilidades ad‑ ministrativas (Caetano, 1985: 322­‑323). O seu pai, Afonso III, tinha definido os limites jurisdicionais do país pelo estabeleci‑ mento dos julgados. Os julgados constituíam a divisão inferior da comarca enquanto circunscrições judiciais locais. Eram es‑ paços de exercício do poder dos juízes régios que visavam su‑ perar as justiças senhoriais tradicionais. “A um Portugal senhorial, dividido em terras, foi sucedendo um Portugal régio, dividido em julgados. Aquele impunha­‑se ao rei, este emanava do rei” (Coelho e Homem, 1996: 554). Estas unidades judiciais podiam coincidir ou não com os concelhos e senhorios. Os concelhos são a unidade base da administração local, mas podiam fazer ou não parte de um senhorio laico ou eclesiástico. Grande parte dos con‑ celhos situados na região Centro e a Sul da linha do Tejo per‑ tenciam às Ordens religioso­‑militares; no final da Idade Mé‑ dia, com a incorporação no domínio régio das propriedades das ordens, aquelas unidades locais de poder passam a obe‑ decer ao monarca. A interferência do poder régio nos conce‑ lhos fez­‑se pela imposição gradual de delegados especiais do poder: os meirinhos­‑mores e os corregedores, estes últimos conhe‑ cem regimento próprio com Afonso IV, em 1332 (Regimento dos Corregedores). De facto, estes oficiais foram os primeiros magistrados municipais com poderes de vigiar o quotidiano das cidades e vilas do reino, nomeados a título permanente ou 137

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extraordinário, providenciavam à manutenção da regularidade da aplicação da justiça. Com o século XIV, surgem os juízes de fora ou juízes por el­‑rei que, como o nome indica, levavam a cabo a administração da justiça régia. Nas povoações acasteladas a autoridade do rei fazia­‑se sentir na presença do alcaide, regra geral de origem nobre. As alcaidarias eram magistraturas ju‑ diciais de nomeação régia que tinham por função zelar pela aplicação da lei e a manutenção da ordem pública. Os abusos cometidos por alguns dos alcaides levam os monarcas a no‑ mear um alcaide pequeno de origem concelhia de forma a vigiar a actividade do alcaide­‑maior. Dentro da organização administrativa e judicial do reino temos ainda que contar com as jurisdições senhoriais (laicas e eclesiásticas). Os senhorios foram conquistando, ao longo da época da Monarquia feudal (séculos XI­‑XIII), uma indepen‑ dência política, económica e judicial, tendo vindo a constituir­ ‑se como verdadeiros potentados jurisdicionais ­‑ uma ameaça à instituição do poder soberano. Os reis D. Dinis e D. Afonso IV incrementaram uma política intersectiva dos poderes senhoriais ao colocarem termo à permissão de serem os senhores a jul‑ gar apelações sobre feitos em terras imunes (Confirmações de 1317 e 1325). Com os finais da Idade Média a competência de julgar em matérias crime (primeiro) e depois em matéria cível veio a incidir cada vez mais nos juízes régios e nos tribunais superiores, designadamente o Tribunal da Justiça da Corte que acompanhava o rei nas suas deslocações e que tinha um cor‑ po de funcionários próprio (cf., infra, p. 153). Com o século XIV conhece­‑se uma divisão sistemática do país em unidades fiscais e terá sido a necessidade de criação de impostos permanentes e gerais, as conhecidas sisas, que des‑ de finais de Trezentos incentivou à instituição dos almoxarifados. Por meados do século XV são vinte e cinco, abraçando todas as comarcas, muito embora não houvesse uma rígida corres‑ pondência entre as fronteiras da comarca e do almoxarifado. Conforme vimos, os meios de que se serve o monarca para afirmação da soberania são muito diversificados. Parece­‑nos 138

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inegável que o processo de consolidação de uma divisão ad‑ ministrativa, jurídica e fiscal radica no desejo e na necessidade de maior supervisão e interferência da principal sede institucio‑ nal do poder – a monarquia e os seus servidores – impondo a soberania sobre o todo nacional. Sabemos, no entanto, que o monarca dispõe de uma limitada capacidade de controlo po‑ lítico e territorial por vários motivos. Em primeiro lugar, pela difícil acessibilidade e comunicação entre governantes e gover‑ nados facto que implica, não raras vezes, a necessidade de exer‑ cício presencial do poder soberano (a itinerância da Corte); em segundo lugar, pelos diferentes modos de entender o poder e o respectivo exercício (coexistem universos muito heterogé‑ neos de poder); e, finalmente, em terceiro lugar, pela circuns‑ tância das estruturas do poder central, os poderes regionais e locais não constituírem um universo de relações hierárquicas unívocas e num único sentido. Muitas vezes, os oficiais locais e os poderosos, ao invés de colaborarem com os oficiais ré‑ gios, oferecem forte resistência ao processo lento de afirmação do Estado frente às ‘feudalidades’ previamente estabelecidas.

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4 Estruturas do poder político: a monarquia r e n o va d a O desenvolvimento da máquina administrativa constitui um dos assuntos de maior interesse para todos quantos se de‑ bruçam sobre a problemática dos poderes e a génese do Esta‑ do moderno, a par da análise da produção legislativa, da criação de órgãos especializados de justiça, da organização de um sis‑ tema financeiro ou da composição do exército. São estes os assuntos que iremos abordar no próximo capítulo. B urocracia e órgãos da monarquia O modelo geral extraído da análise do poder régio, nos fi‑ nais da Idade Média veio colocar em evidência a cristalização, no século XV, de um núcleo de serviços e ofícios da buro‑ cracia régia procedentes do século XIV, no qual se destaca a participação de uma elite de servidores com formação em di‑ reito (legistas). Para a actual historiografia do político tardo­ ‑medieval, o processo de criação dos Estados modernos no Ocidente assenta no estabelecimento de uma estrutura nucle‑ ar do poder central à qual subjaz a criação de ofícios81 e servi‑ ços burocráticos especializados e descentralizados. Conforme observa Carvalho Homem a era Trezentos é “o tempo por exce‑ lência de criação de núcleos, serviços, ofícios no seio da orgânica do poder régio [e] Quatrocentos (…) o tempo por excelência de continuidades” (Homem, 2009: 2). Terminado o processo de consolidação 81 De acordo com António Manuel Hespanha a noção de «ofício» tardo­‑medieval e do Renascimento provém da “teoria feudal” que entende o ofício como benefício e dignidade por junção com a concepção de cargo público como função, patente, nomeadamente, nas expres‑ sões “com carrego de” ou “encarrego” (Hespanha, 1982: 384­‑386).

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das fronteiras territoriais da nação no último quartel do século XIII, impunha­‑se a criação de meios de gestão da comunidade política. O desempenho institucional da administração régia dependia em boa parte de uma máquina burocrática que pro‑ videnciasse ao governo do reino, à aplicação da justiça e à boa cobrança dos impostos. O organograma da governação (cfr., infra, Anexo III) que se foi estruturando ao longo dos séculos finais da Idade Média, tende para a consolidação dos ofícios burocráticos superiores associada a uma maior especialização de funções e, nalguns casos, a um aumento do número de ser‑ vidores por sector burocrático, tornando a máquina adminis‑ trativa mais pesada… de mais difícil movimento. A tendência é para a fixação do centro aglutinador das instâncias adminis‑ trativas superiores em Lisboa, facto que veio a constatar­‑se em pleno século XIV (cfr., supra, p. 128). Em termos de orgânica governativa, os primórdios da modernidade do Estado por‑ tuguês, recuam à segunda metade do século XIII, mormente pelo ressurgimento dos estudos de Direito Romano ainda du‑ rante o reinado de Afonso III (1245­‑1279) e na época de D. Dinis (1279­‑1325) que, conforme temos vindo a salientar, vão reformando paulatinamente o anterior modelo das relações entre o poder régio, o concelhio e o senhorial, impondo um conjunto de medidas que garantem à realeza superior vigilância sobre os diferentes corpos sociais da nação. A organização do Desembargo e o estabelecimento da área de intervenção dos poderes do Estado constituíram, por meados do século XIV, uma das principais preocupações dos governantes. Afonso IV (1325­‑1357) legisla no sentido de demarcar diferentes esferas de competência dos feitos cíveis, feitos crime, feitos do Rei e feitos da Portaria (Homem, 1990: 216). Simetricamente, Pedro I (1357­‑1367) promulga um dos mais relevantes estatutos dos órgãos centrais da administração ­‑ «Ordenações sobre o De‑ sembargos das petições» de 1361 ­‑ (Homem, 1990: 225­‑229 1978: 50­‑54), tendo em vista a regulamentação do procedimen‑ to burocrático do Desembargo régio. Deste modo, a autoridade da realeza manifesta­‑se, nos sécu‑ los finais da Idade Média (meados do século XIII ao primeiro 144

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quartel do século XVI), numa matriz orgânica específica e dis‑ tinta se comparada com a dos séculos fundadores da monarquia (cfr., supra, p. 24). Dessa matriz ressalta a Corte, que compre‑ ende o núcleo duro dos agentes do poder régio, com atribui‑ ções específicas e representadas no organograma dos ofícios do governo central estudadas, designadamente, por Arman‑ do Luís de Carvalho Homem (1990), António Manuel Hes‑ panha (1982), Rita Costa Gomes (1995), Judite A. Gonçalves de Freitas (1996 e 2001), Luís Miguel Duarte (1999a e 1999b), Eugénia Pereira da Mota (1989), entre outros especialistas da História do poder. Poderes , funções e serviços do poder central Sensivelmente a partir de meados do século XIII, dois ór‑ gãos surgem como o pivot central da governação régia: a Chan‑ celaria e a Câmara régias. A actividade da Chancelaria régia, que se transforma num importante órgão administrativo e central do século XIII em diante, recua a tempos anteriores à fundação do reino de Portugal (Reuter, 1938 e Azevedo, 1958). O oficial principal da Chancelaria, inicialmente designado de chanceler e, desde o século XIV, de chanceler­‑mor, superintendia no serviço de redacção e expedição dos diplomas régios e registava os mais importantes negócios do reino. Nos primórdios detinha respon‑ sabilidades domésticas, fazendo parte da Cúria régia (cfr., supra, p. 25), competia­‑lhe a guarda e aposição do selo real. Afonso III reorganizou este sector importante da administração cen‑ tral, retomando a prática de registo das cartas régias em livros próprios (Coelho e Homem, 1995:46­‑76). A consolidação do órgão da Chancelaria concedeu­‑lhe o controlo do registo e ex‑ pedição dos diplomas régios públicos e privados “uma vez que, naquela época não havia verdadeira distinção entre uns e outros” (Cos‑ ta, 1996: 72). O corpo de oficiais que trabalhavam neste servi‑ ço da administração central incluía para além do chanceler, os copistas e notários régios numa primeira fase, e mais tarde, a partir do século XIV, um núcleo de escrivães a quem competia 145

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a produção material dos actos. Regra geral, o chanceler tinha assento no Conselho régio, circunstância que lhe garante enor‑ me influência na condução dos negócios públicos. De acor‑ do com o código Afonsino (1446), o chanceler seria pessoa de “boa linhagem” e “bôo siso natural” que “teem officio de puridade” (Ordenações Afonsinas, L. I, tit. II: 15­‑22). Até ao reinado de Pe‑ dro I, os chanceleres eram recrutados nos meios eclesiásticos, reconhecendo­‑se entre estes bispos, priores, cónegos que, em muitos casos, eram simultaneamente legistas (Homem, 1990: 109). Os letrados surgem com maior incidência nos finais do século XIV e ao longo do século XV. A mesma fonte legisla‑ tiva confere­‑lhe competência na resolução e despacho de uma variedade de provimentos e confirmações de ofícios, especial‑ mente de escrita (nomeação de escrivães das sisas, da Câmara, da Chancelaria, dos órfãos et al.). A Chancelaria encontra­‑se es‑ tabilizada institucionalmente desde o reinado de Afonso III, conforme referimos, transformando­‑se no serviço por exce‑ lência de expediente e registo burocrático. O acto escrito des‑ ponta como um meio de exercício orientado do Poder. Nos séculos XIV e XV, Chancelaria e burocracia, são duas faces de uma mesma moeda. À medida que cresce o volume de produ‑ ção e conservação documental (Coelho e Homem, 1995; Frei‑ tas, 2009), acentua­‑se a especialização dos ofícios e respectivas esferas de competência dos oficiais superiores da burocracia régia. Por seu lado, o aumento do número de actos escritos de diferente natureza tipológica vem atestar o alargamento das es‑ feras de intervenção do poder do soberano e dos seus colabo‑ radores. Numa expressão, a Chancelaria transforma­‑se no “núcleo essencial da governação” (Homem, Duarte, Mota, 1989: 406). Sob a autoridade do chanceler trabalhava um grupo alargado de es‑ crivães, alguns dos quais clérigos, que procediam à composi‑ ção material dos actos. Estes oficiais subalternos não deixam de se afirmar à medida que a importância do escrito aumenta (Freitas, 2001, I: 161­‑186). Por conseguinte, o chanceler veio a alcançar uma função de controlo do expediente burocrático e de aconselhamento uma vez que, competia ao chefe da Chan‑ 146

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celaria, informar o monarca quando uma decisão régia estivesse insuficientemente fundada ou pudesse ir contra a ordem jurí‑ dica do reino. Estão, de igual modo, documentadas as designa‑ ções de vedor da Chancelaria entre 1323 e 1383 e desde meados do século XV a de vice­‑chanceler (1441­‑1483) para o exercício se prerrogativas semelhantes às do chanceler. Os estudiosos das instituições medievais portuguesas manifestam a este respeito opiniões algo diferentes: Henrique da Gama Barros defende que a designação de vedor da Chancelaria era alternativa da de chanceler (Barros, 1946, III: 229­‑230) e, por seu lado, Marcello Caetano admite que as designações de chanceler e vedor da Chan‑ celaria são duas designações da mesma função (Caetano, 1981: 308). Tal desacordo deve­‑se, porventura, ao facto de se tratar de titularidades sem qualquer tratamento no direito medieval português. As Ordenações Afonsinas são omissas relativamente ao ‘cargo’ de vedor da Chancelaria e/ou de vice­‑chanceler. As edi‑ ções das Ordenações Manuelinas de 1512/13 e de 1521 indiciam o modo de resolver, na ausência e impedimento do chanceler­ ‑mor, o desembargo dos requerimentos que a este pertencem, concedendo esse papel a um desembargador das petições e agravos (Ordenações Manuelinas 1512/13, L. I, tit. II: 11 e Or‑ denações Manuelinas 1521, L. I, tit. II: 45). Nas fontes da Chan‑ celaria régia existem situações de interinidade de alguns dos ti‑ tulares do ofício de vedor da Chancelaria e de vice­‑chanceler e de coexistência de ambas as designações (chanceler e vice­ ‑Chanceler) atribuídas a diferentes personalidades, com cursus honorum igualmente dissemelhantes. Ao longo dos reinados de Afonso V (1439­‑1481) e de João II (1481­‑1495), indo de encontro aos preceitos legislativos quinhentistas referidos, os subscritores de cartas régias designados de vice­‑chanceleres são oriundos do desembargo do paço, petições e agravos. O direito legislado do dealbar de Quinhentos verte as praxes ad‑ ministrativas correntes no século anterior. Como subordinado directo do chanceler­‑mor e/ou do vice­‑chanceler, nos sécu‑ los finais da Idade Média, encontra­‑se o escrivão da Chancelaria a quem competia o registo das cartas nos livros deste sector 147

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administrativo e a confirmação do pagamento de todos os di‑ plomas depois de selados. Cabe­‑lhe fazer “todalas Cartas dos de‑ sembargos, que pertencem ao Chanceller” (Ordenações Afonsinas, L. I, tit. X: 74­‑77). A Câmara aparece como um dos órgãos fundamentais de go‑ verno a partir de meados do século XIV. O superior hierárqui‑ co – o escrivão da puridade –, com antecedentes que recuam ao reinado de Afonso III (1245­‑1279), no entanto, surge distinta‑ mente no reinado de Afonso IV (1325­‑1357). No reinado do Justiceiro, a Câmara, e dentro dela a escrivaninha da puridade, firma­‑se como um dos principais departamentos da burocracia régia, disputando a supremacia, como órgão governativo, com a Chancelaria e a respectiva oficialidade. Nas palavras de Car‑ valho Homem o escrivão da puridade, ofício de mais recente criação, “’ameaça’ o tradicional primado do Chanceler entre os oficiais régios” (Homem, 1990: 111). No seio da Câmara, no século XV, temos notícia do ofício de secretário régio, que enquanto vali‑ do do rei, exerce funções similares à do escrivão da puridade. Originalmente o ofício foi ocupado por Rui Galvão durante os governos de D. Duarte (1433­‑1438) e de Afonso V (1449­ ‑1459) (Morato, 1943; Freitas, 2001, II: 515­‑518). O escrivão da puridade e o secretário régio eram oficiais validos e privados do monarca. No plano da política interna, competia aos oficiais da Câmara o assentamento das petições que à Corte chegavam, desempenhando o papel de mediador entre o monarca e os ou‑ tros oficiais da administração central, e nas relações exteriores, competia­‑lhes a guarda dos diplomas e da correspondência ce‑ lebrada com outros países (Tovar, 1961: 161­‑164). Regra geral, os titulares da Escrivaninha da puridade e os Secretários para além das funções enunciadas superintendiam no recrutamento dos besteiros de cavalo a cargo do anadel­‑mor82 e providencia‑ vam a mobilização de forças militares, designadamente, para as expedições além­‑mar. Os primeiros Regimentos da escrivaninha 82 A partir do reinado de João I (1385­‑1433) competia ao escrivão da puridade superinten‑ der no recrutamento dos besteiros de cavalo a cargo do anadel­‑mor (ofício militar criado por D. Fernando, 1367­‑1383).

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da puridade datam, respectivamente, de 1450 e de 1478 (Tovar, 1961: 158­‑161 e 168), em virtude do carácter originalmente do‑ méstico do ofício, que, por meados do século XV, vem a atingir um acréscimo de protagonismo no seio das instâncias superio‑ res da burocracia. O Regimento de 1478 vem reforçar as prerro‑ gativas e liberdades anteriormente concedidas pelo Regimento de 1450, insistindo na necessidade de os titulares superiores da Câmara (Escrivão da Puridade ou Secretário) aprovarem todos os diplomas escritos pelos escrivães da câmara, seus subordina‑ dos. Foram­‑lhe concedidas importantes prerrogativas: a posse do selo grande que possibilitava selar diplomas produzidos pe‑ los auxiliares de despacho (secretário e escrivães da Câmara). À semelhança do chanceler­‑mor, os titulares da escrivaninha da puridade detinham assento no Conselho régio. Para além das prerrogativas políticas e burocráticas com que originalmente apareceu, o titular da escrivaninha da puridade vê aquelas acres‑ cidas de competências na esfera militar, circunstância que os transforma num verdadeiro ministro do governo, coexistindo e disputando com o Chanceler­‑mor a liderança no aparelho da administração régia (cfr., infra, p. 146) No século XV, o escrivão da puridade é o principal ministro do governo. Dentro do processo de estabilização dos oficiais ordiná‑ rios que surgem em torno do monarca e no seio dos serviços da Chancelaria, em virtude das necessidades de pessoal técni‑ co e especializado, temos que considerar os vedores da Fazenda. Na origem e na determinação de funções dos vedores da Fazenda (1372), encontram­‑se os ouvidores dos feitos de el­‑Rei / e da portaria, em número de três, surgidos à época de Afonso IV, que efec‑ tuou a separação entre feitos cíveis, feitos crime e feitos sobre direitos e rendas régias no conhecido Regimento das Audiências de 1334­‑1335 (cfr., infra, Casa do Cível). Aos ouvidores da por‑ taria, mais tarde denominados de vedores da Fazenda, com‑ petia a responsabilidade de subscrever os diplomas de matéria económica em que estivesse em causa a administração do pa‑ trimónio do monarca (Homem, 1990: 119­‑133). A instância da Fazenda régia conhece desde o último quartel do século XIV 149

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um aumento progressivo de importância, atestado pelos estatu‑ tos do ofício e no regimento incluídos nas Ordenações Afonsinas (L. I, tit. III: 23­‑25) que lhe conferem competência no âmbi‑ to do arrendamento dos direitos régios e das rendas do reino (fiscalidade, emprazamentos), no conhecimento dos feitos das sisas e na redacção de provimentos de ofícios com responsabi‑ lidade na cobrança e fiscalização dos direitos régios (almoxa‑ rifes e escrivães de almoxarifados, juízes e escrivães das sisas, contadores da casa dos contos e escrivães, etc) (Freitas, 2001, I: 106­‑107). Os vedores da Fazenda, desde os alvores do século XV, conhecem um acrescido peso no âmbito das actividades governativas (Godinho, 1985: 20­‑40) e, consequentemente, maior autonomia burocrática. Duas circunstâncias de diferen‑ te qualidade comprovam esta dinâmica ascendente: a partici‑ pação de João Afonso de Alenquer (1395­‑1433) nos prepara‑ tivos da ida a Ceuta desde 1407, conforme salienta o cronista Gomes Eanes de Zurara (Crónica de D. João I, [parte III], vol. I, cap. VIII, p. 44 ss.), e a circunstância de se terem consolida‑ do dois titulares em exercício simultâneo a partir de inícios do século XV (Homem, 1990: 111­‑114 e 325­‑329). Por seu tur‑ no, aos escrivães da Fazenda competirá escrever / produzir e, nalguns casos subscrever, os diplomas que se enquadram no âmbito das actividades redactoriais dos titulares da Fazenda. No reinado de Afonso V (1439­‑1481) são vários os titulares da escrivaninha da Câmara que acumulam a escrivaninha da Fa‑ zenda (Freitas, 2001, I: 179­‑180) o que pode indiciar a preocu‑ pação do monarca em assumir o controlo das contas públicas numa época de acentuado acréscimo da actividade mercantil em consequência da expansão quatrocentista. Acompanhando a tendência geral para a criação de órgãos especializados na resolução de questões determinadas, no âm‑ bito das contas públicas, surgem nos finais do reinado de D. Dinis as primeiras referências daquilo que será definido como a repartição dos Contos, na qual actuavam os contadores, entida‑ de que concentrava as contas da Fazenda régia (Virgínia Rau, 2009). Com D. Fernando foi estabelecida a distinção entre 150

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os Contos de Lisboa, serviço que verificava as despesas e receitas de todas as repartições fiscais regionais do reino (almoxarifa‑ dos), e os Contos de el­‑Rei, que apuravam as despesas e receitas da Casa Real. Por conseguinte, a Casa dos Contos era o órgão de fiscalização das receitas e despesas do Estado. Com João I passa a haver um maior controlo da contabilidade pública, designadamente do armazém, do tesouro, das obras na cidade de Lisboa, da sisa, etc. Do mesmo modo, com o sentido de re‑ gulamentar os procedimentos burocráticos e evitar abusos, foi elaborado o primeiro Regimento dos Contos, em 1378, que veio a sofrer uma actualização em 1419 pelo Infante D. Duarte e posteriormente em 1434, enquanto rei. Os Contos têm livros de registo próprios. A expansão marítima e o aumento do tráfico comercial ao longo dos séculos XV e XVI conduziram a um au‑ mento substancial do serviço dos contos. A reorganização da administração fiscal promovida pelo rei D. Manuel reflecte­‑se na promulgação do Regimento das Ordenações da Fazenda (1516) que estabelece a separação entre contabilidade central e local. Em 1530, João III, seu filho, cria a Casa dos Contos de Goa dado o aumento das receitas provenientes do comércio da Índia (Go‑ dinho, 1985: 20­‑40). O corregedor da Corte, vem a sobrepor­‑se aos preexistentes mei‑ rinhos (oficiais judiciais que tinham por função executar os man‑ datos judiciais, citar, penhorar e prender desde Afonso II), com funções judiciais e burocráticas de maior amplitude (Ordenações Afonsinas, L. I, tit. IV: 37­‑57). As primeiras regulamentações do cargo remontam a Pedro I (1361), competindo­‑lhe julgar os feitos cíveis e crimes na presença do monarca (Homem, 1990: 114­‑115). As Ordenações Afonsinas referem que o Corregedor da Corte tomaria o lugar dos corregedores das comarcas, nos lo‑ cais onde a Corte e a Casa da Justiça estanciassem, provendo à decisão sobre os feitos dos órfãos, viúvas e pessoas miserá‑ veis, procedendo ao despacho dos feitos procedentes de cri‑ mes públicos (usura, excomunhão, jogo ilícito, etc), fiscalizan‑ do as contas e rendas dos concelhos, albergarias e hospitais; competindo­‑lhe o provimento dos meirinhos e corregedores de co‑ 151

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marca (Ordenações Afonsinas, L. I, tit. IV: 37­‑57). Objectivamen‑ te, os livros da Chancelaria régia dão­‑nos conta que, ao longo do século XV, os corregedores da Corte, despachavam sobretudo cartas de perdão, legitimações e provimentos de outros oficiais de justiça subalternos: meirinhos e corregedores de comarca, tal como referimos. Os serviços superiores de Justiça são aqueles que conhecem, à semelhança dos ofícios da Fazenda, uma definição das esferas de actuação político­‑burocrática, nomeadamente pelo apareci‑ mento dos desembargadores das petições no primeiro quartel do sé‑ culo XV. Estes titulares destacam­‑se, em termos de actividade burocrática, dos seus antecessores com designação semelhante ­‑ os desembargadores «tout court» ­‑, cujo âmbito de atribuições é indiferenciado e bem menos presente em termos governativos, se considerarmos as fontes da Chancelaria. Destes últimos te‑ mos registo do seu aparecimento, pelo menos, desde o reinado de D. Fernando (Homem, 1990: 133­‑136). A presença dos de‑ sembargadores das petições nos escatocolos83 das cartas régias data, conforme referimos, dos alvores do século XV, competindo­‑lhe a apreciação e despacho das apelações de sentenças do tribunal superior da Casa da Justiça da Corte ao qual estavam adstritos. De acordo com as Ordenações Afonsinas (1446) e as Ordenações Manuelinas (1521) a Casa da Justiça da Corte constituía o tribunal supremo de Portugal. Este organismo superior da justiça régia funcionava paralelamente ao tribunal da Casa do Cível, instituí‑ do por Afonso IV, com sede em Lisboa, que terá sido extinto por Filipe I em 1582. Os oficiais da Casa da Justiça da Corte, de‑ signada no último quartel do século XV de Casa da Suplicação (1475)84, acompanhavam o monarca nas suas deslocações, des‑ pachavam as petições de graça em matéria de apelação judicial 83 Parte final dos documentos régios que contém os elementos e as fórmulas necessárias para a sua autenticação, designadamente: os subscritores e escrivães do documento (quem participou na sua elaboração e escrita), elementos cronológicos e topográficos que indicam a data e o lugar onde se efectuou a respectiva redacção e escrituração. 84 Grosso modo, podemos dizer que a Casa do Cível (ou de Justiça) e a Casa da Suplicação, cor‑ respondem hoje ao Tribunal da Relação e ao Supremo Tribunal de Justiça, respectivamente.

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e apreciavam as apelações para as quais a Casa do Cível não ti‑ nha competência (Albuquerque, 1982). Na primeira compilação oficial do direito português ­‑ Ordenações Afonsinas – encontram­ ‑se os estatutos e o regimento do ofício (Ordenações Afonsinas, L. I, tit. IIII: 26). Nas Ordenações Manuelinas, promulgadas em 1521, a competência destes oficiais encontra­‑se repartida entre os desembargadores dos agravos da Casa da Suplicação, em número de dois, eventualmente três para efeitos de desempate, a quem compete o despacho de petições de agravo ou crime, e os de‑ sembargadores do Paço, em número de cinco, com competência para o despacho de petições de graça em matéria judicial (Orde‑ nações Manuelinas, L. I, tit. III: 48­‑54 e 54­‑64, respectivamente). É importante salientar que na primeira edição das Ordenações Manuelinas (1512/1513), apareça ainda o título compósito de desembargadores do paço das petições e agravos da Casa da Suplica‑ ção, divididos posteriormente, na edição de 1521, conforme as designações mencionadas (L. I, tit. IV, fols. XVI­‑XIX). Os desembargadores das petições e agravos e os mais tarde designados de desembargadores do Paço são presença habitual e maioritária nos protocolos finais dos diplomas registados pelas Chancelarias ré‑ gias, desde o reinado de D. Duarte (1433­‑1438) (Freitas, 1996: 121­‑125) até pelo menos ao reinado de João II (Mota, 1989, I: 72­‑73). O espaço de intervenção estende­‑se a quase todos os tipos de diplomas, porém com o aproximar do fim do século XV a tendência é para uma maior autonomia e especialização de competências dentro do quadro geral dos diferentes secto‑ res da governação palatina. Os oficiais providos ao ofício de desembargador faziam parte da elite de burocratas régios for‑ mados em leis (direito civil e/ou canónico). A prosopografia dos servidores régios85 permite­‑nos afirmar que a ascensão ao 85 A prosopografia é um método de investigação das características comuns de um deter‑ minado grupo político, profissional e/ou social. Sobre a construção de bases de dados proso‑ pográficas e a evolução das concepções metodológicas deve ver­‑se (Homem e Freitas, 2001: 171­‑210; Bulst, 2005: 48­‑68). Sobre a relação entre o estudo das sociedades políticas medie‑ vais portuguesas, diplomática régia e prosopografia ver, nomeadamente, Freitas, 2009a: 1­‑23.

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cargo é, em todos os casos estudados, precedida pela passagem por dignidades judiciais hierarquicamente inferiores: sobrejuí‑ zes, ouvidores ou corregedores da Corte. Constituem presen‑ ça frequente e maioritária nos protocolos finais dos diplomas régios: ca. de ¼ dos registos conservados na Chancelaria ré‑ gia Quatrocentista competiu a duplas de desembargadores, cifra apenas superada pelo número de diplomas da responsabilida‑ de directa do monarca. De acordo com os registos da Chan‑ celaria régia compete a duplas de desembargadores das petições e a desembargadores do Paço a decisão sobre a concessão de cartas de legitimação, de doação, de emancipação, de legitimação, de perfilhação, de perdão ou comutação de pena, assim como re‑ dactam uma maioria dos diplomas que consagram situações de privilégio às vilas e lugares do reino. O juiz dos feitos de el­‑Rei é um magistrado com origens nos finais do século XIV (1391) que só virá a conhecer regimento e estatuto próprios com a promulgação das Ordenações Afonsinas (L. I, tit. VI: 57­‑59) que lhe atribuem o encargo de desembar‑ gar os feitos em que a pessoa do monarca estivesse envolvida. Neste contexto, a presença dos titulares do ofício de juiz dos nossos feitos é frequente no despacho de diplomas de resposta aos almoxarifes sobre bens e direitos régios e nos actos em que se encontram a representar os interesses do monarca em inquirições sobre direitos régios. Nas compilações posteriores (Ordenações Manuelinas e Ordenações Filipinas), o ofício manter­ ‑se­‑á com atribuições similares. O procurador dos feitos del­‑rei, tal como o magistrado referido anteriormente, detinha especiais competências em matérias de alegação dos direitos e bens do rei. As prescrições legislati‑ vas do ofício recomendam que seja “letrado, e bem entendido, pera saber espertar, e allegar as cousas, e razõoes, que a Nossos Direitos per‑ teencem” (Ordenações Afonsinas, L. I, tit. VIII: 71). São os repre‑ sentantes do rei nas inquirições dos feitos sobre direitos pa‑ trimoniais junto dos vedores da Fazenda, dos contadores, dos almoxarifes e outros oficiais de finanças. 154

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Em paralelo, há que realçar o papel e as dignidades perten‑ centes à Casa do Cível, tribunal superior de primeira instância com existência autónoma a partir de Afonso IV pela promul‑ gação do Regimento das audiências já referido. A Casa do Cível teve, inicialmente, sede em Coimbra, numa fase posterior em San‑ tarém, e a partir do reinado de D. Duarte (1433­‑1438), fixa­ ‑se de forma definitiva em Lisboa (Homem, 2009: 6; Caetano, 1981: 485­‑486).. Esta instituição, com livros de registo pró‑ prios desde 1391, superintende ao julgamento das apelações cíveis, uma vez que a apreciação das apelações crime cometia ao tribunal itinerante da Casa da Justiça da Corte. O organogra‑ ma da Casa do Cível, desde finais do século XIV, era compos‑ to por dezasseis magistrados: o regedor, o chanceler, quatro desembargadores, seis sobrejuízes, dois ouvidores, um promo‑ tor de justiça e um solicitador (Mota, 1989, I: 64). O sobrejuíz é ofício específico deste tribunal superior. A consolidação da actividade desenvolvida pelo tribunal do cível e a correlativa sedentarização em Lisboa conduziram ao aumento da auto‑ nomia e independência deste órgão relativamente aos demais órgãos judiciais e à própria Chancelaria régia, expressando­‑se na reserva de livros de registo próprios, mas que infelizmente não chegaram até nós. Daí que a actividade de despacho dos titulares das magistraturas deste tribunal superior não se en‑ contre amplamente registada na Chancelaria régia. No entan‑ to, o provimento e aposentação dos oficiais deste tribunal su‑ perior competiam, uma maioria das vezes, ao monarca ou aos oficiais do tribunal da Casa da Justiça da Corte (Freitas, 2001, I: 120), encontrando­‑se o respectivo registo nos livros da Chan‑ celaria régia. A tendência é para que um número superior dos que exercem a titularidade de desembargadores da Casa do Cível venha a ostentar a formação em leis, tal como os seus congé‑ neres da Casa da Justiça da Corte ou Casa da Suplicação. Como vimos o conhecimento dos trajectos quotidianos da  burocracia régia pode efectuar­‑se a partir das fontes da Chancelaria que constituí a «memória» administrativa do reino, 155

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a partir das quais se pode traçar o organograma governativo relativo ao período da génese do Estado moderno, e que, con‑ forme observamos, se encontra de uma forma geral consig‑ nado no livro I das Ordenações Afonsinas, promulgado em 1446. Um dos mais salientes traços da descentralização adminis‑ trativa pode ver­‑se na autonomia dos sectores da Justiça e da Fazenda régias iniciada, ao nível das instâncias superiores da burocracia, no reinado de Afonso IV, que virá a consolidar­‑se nos reinados subsequentes. Na transição do século XIV para o XV, o sector da Justiça conhece um processo de afirmação e aperfeiçoamento atestado na separação das esferas de inter‑ venção dos Tribunais do Cível e Casa da Justiça da Corte (ou da Suplicação). Este processo foi, evidentemente, acompanha‑ do pela separação entre magistrados com competência cível (sobrejuízes) e magistrados com competência crime (ouvido‑ res). Por seu lado, a Fazenda irá conhecer um processo auto‑ nómico semelhante com a criação dos ouvidores da portaria (1321), mais tarde designados de vedores da Fazenda (1372) e a institucionalização da Casa dos Contos de Lisboa, que tinha por função fiscalizar a receita e a despesa do Estado, se bem que ao tempo, e convém salientá­‑lo, ainda não haja, completa separação da gestão do património régio e da administração dos direitos e bens do Estado (Godinho, 1985). Com João I, os oficiais superiores da Fazenda régia ­‑os vedores da Fazenda­‑, vieram a assumir o controlo dos almoxarifados, restando aos Contos de Lisboa apenas as finanças da capital. À Chancela‑ ria, na sequência do processo de descentralização administra‑ tiva das esferas da Justiça e da Fazenda, restará, a partir de fi‑ nais do século XIV, a redacção e expedição dos negócios de administração geral do reino e de petições em matéria de gra‑ ça. Ou seja, se até àquela data, os assentamentos da Chancela‑ ria nos permitiam conhecer o conjunto das actividades levadas a cabo pelos vários organismos da Corte e respectivo corpo de oficiais, com a progressiva a compartimentação dos secto‑ 156

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res da administração central a esfera de actividade dos oficiais da Chancelaria circunscreve­‑se a competência burocrática em matérias de administração geral do reino. Em síntese, a orgâ‑ nica governativa dos séculos XIV­‑XV remete para a existência quatro principais sectores da governação régia: Chancelaria, Câmara, Justiça e Fazenda. Contudo, devemos alertar para a circunstância de, por um lado, estas áreas não esgotarem total‑ mente o âmbito da intervenção do poder régio e, por outro, se encontrarem ainda longe da especialização rigorosa e da plena autonomia de matérias de foro público e privado, designada‑ mente, situação que só se irá verificar em séculos posteriores (Hespanha, 1982: 345 ss.). C onselho régio O historiador das instituições oitocentista Henrique Gama Barros (1833­‑1925) salienta a falta de fontes medievais relati‑ vamente à índole institucional e à actividade deste organismo da administração central, apesar de radicar no “officio palatino” visigodo a origem do conselho (Barros, II: 235­‑248). Por seu turno, o jushistoriador Manuel Paulo Merêa (1889­‑1976) consi‑ dera que o conselho régio tem origem na Cúria régia ordinária composta inicialmente por “pessoas da família real (…) e funcioná‑ rios palatinos” (Merêa, 2006: 174), vindo a assumir, desde inícios do século XIV, aquilo que o Autor designa de “fisionomia diver‑ sa” quando os conselheiros passam a ser “recrutados na classe dos legistas aos quais o rei confiava de preferência as funções de maior respon‑ sabilidade, e que na generalidade dos casos são quem orienta a política do monarca.” (Merêa, 2006: 175). Marcello Caetano (1906­‑1980) faz remontar o aparecimento dos conselheiros ao reinado de Afon‑ so III, radicando, de igual modo, a sua origem no processo de autonomização das instâncias superiores da administração a partir da original Cúria régia. Marcello Caetano, ao debruçar­‑se sobre a intervenção do conselho, salienta a reclamação enun‑ ciada pelos povos nas Cortes de Coimbra de 1385 para que o rei nomeasse catorze conselheiros provenientes dos quatro 157

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estratos da sociedade (prelados, fidalgos, letrados e cidadãos). Dentro deste quadro de referências valerá a pena recordar as palavras de Salustiano de Dios que, em 1982, desenvolveu a sua dissertação de doutoramento sobre as origens deste or‑ ganismo em Castela, enjeitando as teses «derivacionistas». Sa‑ lustiano de Dios começa por alertar para as incoerências dos autores que pretendem radicar a origem do conselho régio na cúria ordinária pelo facto de valerem­‑se de um procedimen‑ to incorrecto86. Nas suas palavras, “Sin negar el carácter consultivo de la Curia, ni la existencia de consejeros reales, y reteniendo el oficio de consilium como obligación vasallática y necesidad de os reyes de obtener el concurso de obispos, nobles e incluso de las ciudades, debe valorarse aquélla, en alguna medida, como un precedente en el tiempo, pero no pueden ver‑ se en ella los orígenes causales del Consejo de Castilla, lo que significaría una falsa continuidad institucional.” (Salustiano de Dios, 1982: 28). Esta breve incursão pela historiografia reportável ao assun‑ to em epígrafe é suficientemente elucidativa da importância política atribuída ao conselho régio por todos os estudiosos das instituições monárquicas e do Estado na Idade Média fi‑ nal, não obstante a escassez de fontes directas relativas ao seu funcionamento (mormente quanto à periodicidade das reuniões e ao limite da actividade jurisdicional). As abordagens dos es‑ tudiosos referidos permitem­‑nos equacionar três aspectos es‑ senciais à compreensão da evolução do funcionamento deste organismo: ­– o problema de saber se o conselho privado constituía um organismo permanente ou era formado por um conjunto de conselheiros especialmente designados pelo rei a intervir em determinadas circunstâncias (Homem, 1987: 11); ­– a relação a estabelecer entre o processo geral de criação de instituições (judiciais, administrativas, fiscais, parlamenta‑ res e outras), desde finais do século XIII, fundamentalmen‑ 86 Entre os autores mencionados conta­‑se Cláudio Sánchez Albornoz para quem origem do conselho régio radica na Cúria ordinária e as Cortes na Cúria extraordinária. Este autor exer‑ ceu enorme influência sobre os autores portugueses das décadas de 60, 70 e 80 do século XX..

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te, até à estruturação definitiva no século XV, e a constituição do conselho régio como um organismo com uma composição, organização e competências específicas e, porventura, diver‑ sas daquelas que teria assumido antes, na fase em que estaria integrado na Cúria; ­‑ e, finalmente, a questão das etapas de organização e estabi‑ lização do conselho régio, enquanto órgão consultivo, nomeadamente pelo alargamento da representação a todas as for‑ ças sociais do reino. Nas palavras de García de Valdeavellano (1970), numa altura em que se configura o “Estado estamental (Baja Edad Media), cuando todos los estamentos ­‑ nobleza, clero y ciu‑ dadanos – participan junto al príncipe en el gobierno del Estado” (cit. in Salustiano de Dios, 1982: 20). Não intentamos dar respostas definitivas a tais questões, mas tão só chamar à colação alguns aspectos que poderão aju‑ dar a explicar a evolução do conselho por finais da Idade Mé‑ dia em Portugal. Contrariamente a outros órgãos da adminis‑ tração régia a que já nos referimos, – a Chancelaria, a Câmara e os dois Tribunais Superiores que se afirmam como entida‑ des político­‑administrativas autónomas, permanentes e com um corpo de oficiais próprio com remuneração regular (mo‑ radias) ­‑, o conselho régio carece de regimento próprio e os conselheiros de estatuto. O conselho mantendo­‑se como uma reunião de privados, não dispõe, nos finais da Idade Média, de uma arrumação ‘constitucional’ que fixe as competências e as áreas de intervenção respectivas. Com efeito, o conselho régio é uma designação genérica e fluida, geralmente atribuída à reunião dos privados do rei, distinta dos órgãos da adminis‑ tração central devidamente regulamentados. De acordo com o curto texto das Ordenações Afonsinas (1446) os membros do conselho da Corte detêm especial função de aconselhamento “nos grandes feitos, e cousas, de que poderia vir grande dampno a nossa terra” (O.A., L. I, tit. 59: 342). O conselho régio, nos finais da Idade Média, é uma reunião de validos do rei que o aconselha na tomada de decisões e o orienta na defi‑ nição da vontade, ou seja tem funções meramente consultivas 159

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e não deliberativas. A regulamentação, mormente as Ordena‑ ções Afonsinas, deixa transparecer uma indefinição institucional ao reportar­‑se exclusivamente às qualidades dos conselheiros quando refere, de acordo com os preceitos éticos, que o con‑ selho deve ser constituído por homens “que sejam de boo siso, e de boo entendimento” (Ordenações Afonsinas, L. I, tit. LVIIII: 341), com idade de trinta anos em razão da experiência, da competência e da responsabilidade que a prerrogativa acarreta (O.A., L. I, tit. LVIII: 345). A mesma compilação legislativa considera o atentado aos conselheiros como um crime contra a pessoa do rei, dado o peso político que lhes era atribuído (O.A., L. V, tit II: 8). Ou seja, se tomarmos apenas em conta o texto das Or‑ denações Afonsinas, ficamos a saber que o conselho não corres‑ ponde a um órgão permanente, nem tão pouco a actividade do conselheiro a um ofício pelo qual teria que receber moradia. Do mesmo modo, sabemos que nem sempre são chamados todos os conselheiros a reunião, depende, nomeadamente, dos assuntos em agenda. O conselho, apesar do silêncio documental sobre os aspectos formais do seu funcionamento (não existem registos de actas e de deliberações tomadas em conselho, ao contrário do que acontece com as assembleias parlamentares, por exemplo), tais como a periodicidade das reuniões, os critérios de escolha dos conselheiros, o estatuto, a importância e a competência de cada membro, é uma instituição bastante presente nas fon‑ tes cronísticas, na literatura política e na documentação régia. Por estas fontes ficamos a saber que os conselheiros recebem embaixadores, assinam tratados, aprovam e preparam leis, ze‑ lam pela aplicação da justiça, testemunham actos diplomáti‑ cos de primeira grandeza, pronunciam­‑se sobre as condições de fazer guerra ou conservação da paz. Podemos dizer que as competências do conselho são político­‑administrativas. A dig‑ nidade de conselheiro confere enorme prestígio social e com‑ parável protagonismo político. Por outro lado, é igualmente a partir da concatenação das informações recolhidas nas fontes referidas que os especialistas concebem as etapas de evolução 160

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deste organismo durante a génese do Estado moderno, séculos XIII­‑XVI. O estado actual dos conhecimentos aponta o reinado de Afonso III como o início do processo de desvinculação do gru‑ po de validos do rei relativamente à Cúria ordinária87, tendo vindo a conhecer uma fase de estabilização como corpo social e institucional, no reinado de D. Dinis. Efectivamente, com Afonso III (1248­‑1279), o conselho passou a ter um papel ful‑ cral nos negócios internos e externos (Ventura, 1992: 55 ss). Durante o reinado de D. Dinis, o órgão assumiu uma certa co‑ legialidade pelo aparecimento no protocolo final das cartas ré‑ gias da expressão “pela Corte ou por conselho de sua Corte”; ao que tudo indica este tipo de disposição protocolar prolongou­‑se até meados do século XIV (Homem, 1987: 26). À época têm assento no conselho privado pessoas gradas e influentes da so‑ ciedade política de então que, nalguns dos casos, são titulares dos ofícios maiores do reino: o alferes­‑mor, o mordomo e o chanceler88, para além de alguns bispos e mestres das Ordens Militares. Nos reinados de Afonso IV e Pedro I, decorre uma fase de estruturação do conselho durante a qual este órgão se afirma no complexo orgânico e funcional mais vasto da ad‑ ministração central do reino a que já nos referimos (cfr., supra, p. 146). Daí talvez a maior incidência da actividade dos conse‑ lheiros isoladamente ou em parceria. Do mesmo modo, veri‑ ficamos existir uma tendência para se destacar um núcleo res‑ trito de conselheiros mais próximo do monarca e um conselho mais alargado chamado a intervir de acordo com a vontade do rei e a pertinência das questões em análise. O aparecimento do Escrivão da puridade e a sua afirmação enquanto ofício palatino constitui um dos indícios do papel crescente do conselho régio. Este fenómeno, enquadra­‑se no movimento geral de criação de 87 Em todo o caso, há que salientar que não se vê aqui uma relação de causa­‑efeito: Cú‑ ria ordinária­‑ conselho régio. 88 Por exemplo, Dom João Pires de Aboim, mordomo­‑mor e valido de Afonso III; Dom Gonçalo Garcia de Sousa, alferes­‑mor, e Dom Numo Martins de Chacim e Dom João Afonso Tello II, mordomos­‑mores de D. Dinis, entre outros (Pizarro, 1993: 91­‑102).

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instituições da administração central (judiciais, administrativas e fiscais), facto a que o conselho enquanto reunião individua‑ lidades com peso político na Corte não será por certo imune. A composição social deste organismo irá sofrer algumas trans‑ formações ao longo do tempo. Tradicionalmente, da reunião de validos do rei constavam prelados, dignidades eclesiásticas, mestres das Ordens Militares, destacados elementos da nobre‑ za, numa altura em que não existia separação nítida entre os vá‑ rios sectores da administração régia. Com o desenvolvimento e as reformas das estruturas da administração régia e, porven‑ tura, por influência do direito romano, a partir de meados do século XIV, torna­‑se cada vez mais frequente a presença de le‑ trados e juristas, conforme demonstram os estudos prosopo‑ gráficos (Homem, 1990; Freitas, 1996 e 2001). Dispomos de estudos sobre a composição e a actividade do conselho duran‑ te os reinados de D. Fernando (1367­‑1383) (Freitas e Cunha, 2009: 121­‑139) e de João I (1385­‑1433) (Homem, 1987: 9­‑66); uma reflexão comum a estes estudos é a de que o conselho constituiu um núcleo dinâmico e interventivo nos momentos de crise política e de pré­‑conflito militar, mormente com o rei‑ no de Castela. D. Fernando manteve no seu conselho alguns dos titulares provenientes da Corte de Pedro I, sendo a maio‑ ria representantes da alta nobreza. Para além deste núcleo de agentes, haverá que ressaltar a presença de eclesiásticos e de elementos da comummente designada nobreza de serviço; estes últimos acumulam as funções de burocratas e de conselheiros. No conselho fernandino manifestaram­‑se diferentes correntes de opinião e grupos de pressão, “com diferente protagonismo conso‑ ante as conjunturas políticas. De um modo geral, podemos concluir da fac‑ ção pró­‑castelhana, dentro do Conselho régio, faziam parte essencialmente nobres de linhagem e fidalgos com ligações familiares e interesses em ambos os lados da fronteira.” (Freitas e Cunha, 2009: 132). Os membros da aristocracia de serviço foram essencialmente chamados a desempenhar missões diplomáticas no contexto do Grande Cisma do Ocidente e da necessidade de afirmação política de Portugal no contexto peninsular, junto do rei de Inglaterra. 162

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Num período posterior, durante o Interregno, os conselheiros nomeados por João I irão manter a dignidade por longo tem‑ po “saindo apenas por morte ou acentuada veterania” (Homem, 1987: 34). Aliás, João I, em cortes de 1385, comprometera­‑se a asse‑ gurar a representação dos corpos sociais da nação nas Cortes (assembleias parlamentares) e no conselho privado, o que nem sempre veio a acontecer ao longo do reinado. O conselho joa‑ nino será constituído por núcleos de nobres nomeados duran‑ te o interregno a que se segue, a partir 1420, o recrutamento de novos elementos dentro de “numa nova geração de nobres – ou nobilitandos – curiosamente descendentes de individualidades repartidas pelos dois campos em confronto em 1383­‑85.” (Homem, 1987: 37). Daqui resulta um conselho com poucos clérigos, presença muito discreta de letrados e de ‘cidadãos’. Em termos gerais, o conselho, ao contrário do que se poderia pensar, prima pela conservação em termos de composição social e um “limitado grau de institucionalização” (Homem, 1987: 41) durante os anos finais do reinado joanino. Posteriormente, após a morte do rei D. Duarte (1433­ ‑1438), no quadro das Cortes de Torres Novas realizadas a 9 e 10 de Novembro de 1438, ao abrigo das quais se discutiu e aprovou o Regimento do Reino, proposto pelo Infante D. Henrique, irmão de D. Duarte, destinado a vigorar até à maior idade de Afonso V; o Regimento de 1438 dividiu o governo do reino entre a rainha viúva, D. Leonor de Aragão, e o In‑ fante D. Pedro, tio do monarca, e estabeleceu um modelo de governo assente em seis partes: “a creança del Rei e de seus jrmãa‑ os e manteença e governança de ssua casa; (..) o consselho; (…) a fazen‑ da das rrendas do rregno; (…) a justiça; (…) defenssom e a guerra e o carrego de Çepta.” (Monumenta Henricina, vol. VI, doc. 96: 265). À rainha viúva foi incumbido o papel de curadora e tutora do filho e ao Infante D. Pedro ficou acometida a defesa do rei‑ no. A proposta aprovada em Cortes, pelos representantes dos três estados, concebia que os regentes deveriam tomar conse‑ lho antes da decisão dos feitos e petições e, do mesmo modo, previa a convocação anual de Cortes, circunstância que, natu‑ 163

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ralmente, implicava uma restrição dos poderes dos regentes. Um ano mais tarde, o compromisso estabelecido foi quebra‑ do, na sequência de desinteligências entre o Infante D. Pedro e a rainha D. Leonor de Aragão (cfr., supra, p. 55). Nas Cortes de Évora de 1442, a rainha foi afastada definitivamente do po‑ der e o Infante D. Pedro, tio de Afonso V, passou a ocupar in solidum o cargo de regente (Pina, Afonso V, cap. LXXIV: 335­ ‑36; Moreno, 1979, I: 211). De acordo com o Regimento aludido, o conselho régio, que assistia os regentes ­‑ D. Leonor e o Infante D. Pedro ­‑, seria constituído por seis membros que girariam consoante o que fosse determinado em Cortes e mais três representantes das forças socais (um bispo, um fidalgo e um cidadão). O bispo recebia de moradia duzentas libras, o fidalgo cento e cinquen‑ ta e o cidadão cem libras. O assento no conselho dependia da nomeação para o respectivo giro. No Regimento do Reino de 1438 foi estabelecido o sistema de rotatividade (giro) dos conselheiros que devia efectuar­‑se do seguinte modo: 1º) Que cada giro de seis conselheiros ande por quatro meses; 2º) Que o primeiro giro inclua 4 nobres, 1 legista e 1 mili‑ tar; que o segundo giro compreenda 3 nobres, 1 legista, 2 elementos da aristocracia de serviço; que o terceiro giro tenha 4 nobres e 2 elementos da nobreza de serviço e, fi‑ nalmente, no quatro giro estejam presentes 2 nobres e 4 elementos da nobreza de serviço. Prevê­‑se a nomeação das individualidades de cada um dos giros. 3º) Do conselho constam o bispo de Évora, o fidalgo João Alvares Pereira e o cidadão Martim Afonso da Boca da Lapa. O conselho dispunha de um secretário que não tinha ‘voz’, tendo os desembargos que passar pela rainha e pelo regente (Monumenta Henricina, VI, doc. 96: 266). Esta preocupação com o estabelecimento do regime de fun‑ cionamento do conselho régio está, por certo, relacionada com a delicada situação política da altura em razão da co­‑governação 164

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entre a rainha viúva e o Infante D. Pedro. A co­‑regência reco‑ mendava a tomada de precauções acrescidas na salvaguarda da manutenção da paz no reino. Da leitura do regimento res‑ salta a necessidade de assegurar a estabilidade do funcionamen‑ to das instituições monárquicas que, para a sociedade política da época, dependia da intervenção do conselho de privados e do reforço do papel das Cortes. Daí a justificação da necessi‑ dade de um conselho ‘permanente’, rotativo e com represen‑ tantes dos vários estratos da sociedade. A introdução da rotati‑ vidade constitui uma novidade que visa, porventura, assegurar isenção e representatividade social, não obstante se verificar a continuidade da presença maioritária de nobres. Efectiva‑ mente, os nobres e os clérigos mantêm­‑se no principal orga‑ nismo de aconselhamento do monarca. Nos assuntos a tratar com a Santa Sé, por exemplo, são, naturalmente, chamados a reunião de conselho as altas dignidades eclesiásticas do reino. A crescente complexidade administrativa assinalável des‑ de meados do século XIII em diante, por força da ampliação e definição do território de Portugal, veio a consubstanciar­‑se na especialização da actividade burocrática em diferentes sec‑ tores e serviços, até então desempenhados pelos oficiais da Cúria régia. Em tempos posteriores, nos séculos XVI e XVII, em resultado da evolução da orgânica administrativa patente na “contínua diminuição do âmbito de matéria em que o rei decide pessoal‑ mente ou através dos seus oficiais de confiança” (Hespanha, 1982: 345), aumenta a separação e especialização de órgãos da adminis‑ tração central, visível, nomeadamente, no surto dos conselhos de Estado, da Índia e da Mesa da Consciência e Ordens, dos tribunais superiores da Casa da Suplicação, Relação do Porto e Desembargo do Paço, da Junta dos Contos e outros organis‑ mos ligados à gestão dos negócios ultramarinos (Subtil, 1993: 78­‑80; Hespanha, 1982: 345­‑346). Por conseguinte, no século XVI, os negócios do ultramar e a gestão territorial do Estado pluiricontinental conduziram a uma crescente especialização e autonomia dos serviços da administração régia e ao apare‑ cimento de ofícios e serviços especializados na administração 165

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e aconselhamento dos negócios internos e ultramarinos89. Mas esse é assunto que no presente ensaio não nos compete abordar. O número de servidores A inclusão neste estudo da questão do número de servido‑ res reside na importância que consideramos dever dar a esta variável conexa ao desenvolvimento do Estado moderno na Ida‑ de Média europeia. A actual historiografia «do político» con‑ sidera fundamental o estabelecimento de uma relação entre dois vectores indissociáveis na explicação do funcionamento da orgânica administrativa régia: 1) o número de servidores e a eficácia ou fraqueza da go‑ vernação, e  2) o processo de individualização dos ofícios e serviços da bu‑ rocracia central em relação à pessoa do rei (realeza). Estas constituem as duas vertentes subjacentes às perspec‑ tivas de análise que aqui desenvolveremos. O discurso legisla‑ tivo, político e administrativo concede importância numérica aos servidores, oficiais e conselheiros quando indica o número de responsáveis por cada um dos sectores da governação. O re‑ gimento dos ofícios palatinos contido nas Ordenações Afonsinas e nas Ordenações Manuelinas define as atribuições burocráticas e/ ou políticas de cada ofício, acentuando a relevância numérica dos oficiais superiores e dos oficiais subalternos como garante da proficiência dos serviços da administração central. Trata­‑se aqui de expor, de forma breve, o significado político, prático e simbólico da existência de preceitos que definem o número e a função dos servidores régios na Câmara, no Conselho e nos principais órgãos governativos; constatar eventuais discrepân‑ cias entre o número de recrutamento preceituado pelos tex‑ tos legislativos e o número de indivíduos no activo; verificar a presença de intervenções que visem alterar os efectivos e 89 O rei Manuel I, durante o seu reinado (1495­‑1521), produziu um conjunto vasto de reformas administrativas que se tradiziram, nomeadamente, na promulgação de um conjunto de regimentos que viabilizaram uma organização dos serviços régios no novo quadro de de‑ senvolvimento do Estado moderno (cfr., supra, cronologia, reinado de Manuel I).

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averiguar de que modo os efectivos, individuais ou de gru‑ po, são mencionados nas fontes administrativas e legislativas. Está, portanto, excluído propositadamente desta abordagem o grupo de cortesãos que gravitam na «entourage» do prín‑ cipe e estão associados à sua pessoa por laços de fidelidade, de clientelismo ou de favor, bem como o significado da res‑ pectiva presença nos actos oficiais ou cerimoniais da realeza. Interessa­‑nos, por ora, abordar a importância do «quantita‑ tivo» na constituição dos órgãos domésticos e governativos da realeza tardo­‑medieval portuguesa. Nos finais da Idade Média, poder e servidores régios cons‑ tituem duas realidades coexistentes e indissociáveis de que re‑ sultou uma dupla afirmação. É uma evidência, à primeira vista paradoxal, que o processo de concentração do poder nas mãos do príncipe esteve especialmente associado à multiplicação das instâncias administrativas e de registo dos actos régios: Chancelaria, Câmara, Fazenda (Casa dos Contos) e Tribunais Superiores (Casas do Cível e da Suplicação). Efectivamente, a especialização administrativa viabilizara a consolidação de núcleos de servidores régios experimentados na resolução de determinadas questões, promovendo o desenvolvimento do “espírito de corpo”. Como salienta Françoise Autrand «La plupart du temps ils agissent dans le cadre d’une institution, en groupe, en corps» (Autrand, 1999:300). A repartição das actividades po‑ líticas e administrativas facultou o desenvolvimento do pro‑ cesso de consolidação de identidades grupais por efeitos da especialização dos serviços régios em relação ao soberano. Os príncipes, na Idade Média e no Renascimento, demonstram a amplitude do seu poder pela importância numérica dos seus servidores e pela grandeza da respectiva Corte. O quadro seguinte estabelece o número de oficiais redactores por serviço do Desembargo régio de acordo com o estipulado nas Ordenações Afonsinas de 1446 (doravante OA) e nas Ordena‑ ções Manuelinas de 1521 (doravante OM).90 90 Na sequência da reorganização administrativa levada a cabo durante o reinado de Ma‑ nuel I (1495­‑1521), a Vedoria da Fazenda passa a ter regimento próprio (Regimento dos Vedores da Fazenda de 17 de Outubro de 1516). A necessidade de colocar em prática uma adminis‑

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Quadro II – Ofícios Superiores da Burocracia nas Orde‑ nações Afonsinas e nas Ordenações Manuelinas Ofícios

OA 1446

Ofícios

OM 1521

Regedor da Casa da Justiça da Corte

1

Regedor da Casa da Supli‑ cação

1

Chanceler­‑mor

1

Chanceler­‑mor

1

Vedores da Fazenda

3

Não incluído

1

Desembargadores do Paço

Desembargadores do Paço

Não aplicável

Desembargadores do Agravo da Casa da Suplicação

2+1

Corregedor dos feitos crimes

1

Corregedor dos feitos cíveis

1

Corregedor da Corte Juiz dos feitos d’el Rei

1 1

Ouvidores Ouvidores das terras da Rainha

Procurador dos feitos d’el Rei

Juiz dos feitos d’el Rei Ouvidores

1

1

2

1 2+1

Ouvidores das terras da Rainha

1

Procurador dos feitos d’el Rei

1

Promotor da Justiça da casa da Suplicação

1

Governador da Casa do Cível

1

Chanceler da Casa do Cível

1

Desembargadores dos agravos

4

Sobrejuízes

6

Ouvidores do crime

1

Promotor da Justiça

1

Que ideias podemos extrair do quadro apresentado? Não há a registar mudanças assinaláveis numa maioria dos sectores da governação, pelo menos no quadro legal, que nos permitam concluir pelo aumento significativo do núme‑ ro de oficiais redactores. Tal facto está relacionado com a cir‑ cunstância de uma maioria dos ofícios ser de criação anterior, tração da Fazenda Régia eficiente que incluísse o controlo dos negócios da Mina e da Índia, conduziu à prática de uma gestão autónoma dos bens da coroa e respectivos rendimentos. Nesta altura, os vedores da Fazenda são três em exercício simultâneo competindo a cada um a gestão das contas do Reino, da Índia e da África e dos Contos, respectivamente.

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mormente, do século XIV, fixando­‑se à época o número de servidores e as atribuições dos serviços administrativos (cfr. Anexo III). Existem excepções à regra. Nas magistraturas su‑ periores, os Desembargadores do Paço permanecem com nú‑ mero e funções idênticas de uma para outra das compilações. Não obstante, as Ordenações Manuelinas remetem para uma re‑ organização deste sector ao incluir os Desembargadores dos agravos da Casa da Suplicação em número de dois e mais um para efeitos de desempate; este último, frequentemente, desig‑ nado na documentação como Terceiro dos agravos. Por seu lado, a  Corregedoria da Corte desdobra­‑se em corregedoria dos feitos crimes e dos feitos cíveis, no texto legislativo da edi‑ ção final das Ordenações Manuelinas, aumentando para o dobro a oficialidade adstrita (redactores e escrivães). Na verdade, a descentralização administrativa e a especialização burocrática conduziram a um aumento relativo do número de especialistas em alguns sectores da governação. Para além do desdobramento pontual de alguns ofícios, nas Ordenações do “Venturoso” detectamos a presença de no‑ vos ofícios, designadamente os Desembargadores das Ilhas, os Promotores da Justiça da Casa da Suplicação e o Solicitador da Justiça, isto para além da inclusão do elenco das dezasseis titularidades da Casa do Cível, que remontam ao século XIV e que estão ausentes, inadvertidamente, da primeira compila‑ ção legislativa afonsina. Os estudos que procedem a um exame comparativo dos regimentos dos ofícios nas duas compilações “dá­‑nos desde logo a ideia de que algo se complexificou, pelo aumento do número de ofícios e serviços, eventualmente pelo desdobramento dos preexistentes.” (Ho‑ mem, 1997: 126). Contudo, este aumento, de acordo com a actual historiografia do ‘político’, não tem o significado que a priori seriamos induzidos a atribuir­‑lhe. As Ordenações Afonsinas incluem um total de nove (9) títulos de ofícios superiores da bu‑ rocracia, o regimento da guerra com o elenco da oficialidade adstrita (condestável, marechal, almirante, capitão­‑mor de mar e alferes­‑mor d’el Rei), os ofícios domésticos (mordomo­‑mor, camareiro­‑mor, aposentador­‑mor) e o regimento dos coudéis, 169

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apontando para uma matriz administrativa bem anterior à data da conclusão da codificação legislativa (1446). Por seu turno, as Ordenações Manuelinas, na edição definitiva de 1521, proce‑ dem a uma arrumação actualizada dos ofícios régios, elencan‑ do os magistrados da Casa da Suplicação, num total de quinze (15), e um número aproximado para a oficialidade da Casa do Cível, catorze (14) no total, que, pela primeira vez, está consig‑ nada na mais recente codificação geral do reino. Os estudos sobre burocracia régia dos finais da Idade Mé‑ dia confirmam a tendência para a estabilização do número dos titulares que ocupam os ofícios hierarquicamente supe‑ riores da burocracia. No seu conjunto o total de oficiais das instâncias superiores do Desembargo, isto é do corpo superior de burocratas régios, era de ca. de três dezenas de indivíduos a que temos que juntar os dezasseis oficiais da Casa do Cível. No seu conjunto, consoante o reinado, andariam entre os qua‑ renta e cinco e os cinquenta indivíduos. A eficácia dos serviços do Desembargo régio parece depender mais da especialização dos órgãos da governação, pela especificação das áreas de in‑ tervenção de cada um dos ofícios, do que do aumento do nú‑ mero de recursos humanos da administração régia; e isto não obstante o aparecimento de «novos» ofícios burocráticos su‑ periores, a que fizemos referência. Por seu lado, o staff permanente e efectivo de escrivães ul‑ trapassa os quantitativos que estatutariamente vieram a ser consignados nas Ordenações Afonsinas (1446)91 e nas Ordenações Manuelinas (1521). Um núcleo estrito de escrivães detém uma carreira institucional estável e duradoura, pautada pela regu‑ laridade e especialização de funções associando­‑se a diferen‑ tes áreas da governação (Freitas, 2001, I: 178­‑186). Um assi‑ nalável número dos oficiais escreventes passa pelos serviços de produção e registo dos actos por períodos bastante curtos (um ou dois anos). 91 A primeira compilação oficial de leis gerais do reino – Ordenações Afonsinas (1446) –, para os especialistas, aponta para uma matriz governativa de meados do século XIV, consubs‑ tanciando os principais ofícios régios e respectivas competências políticas e burocráticas, o número de titulares por sector do Desembargo, arrolando o número de escrivães associados a cada sector da governação.

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Os estudos comprovam o aumento do número de escribas providos por diploma régio, bem como o surto de escrivães supranumerários que escrevem diplomas despachados por dife‑ rentes sectores da administração central. Por meados do século XV, 37% dos escrivães identificados no protocolo final das car‑ tas régias surgem de forma circunstancial e esporádica, sendo chamados a intervir ocasionalmente (Freitas, 2001, I: 166)92. O quadro seguinte apresenta o total de escrivães do núme‑ ro por sectores da governação, segundo as Ordenações Afonsinas (1446) e as Ordenações Manuelinas (1521): Quadro III – O número de oficiais escreventes nas AO e nas OM  Escrivão da Chancelaria

OA 1446 1

OM 1521 1

Escrivães da Câmara2

4+2

­‑

Escrivão da Corte

1

1

Escrivão dos feitos d’El Rei

1

1

Escrivão das Malfeitorias

1

1

Escrivães do ofício do Paço e agravos

5

4

Escrivães perante os juízes dos feitos

2

1

Escrivães perante o Corregedor da Corte

4

6

Escrivães perante os Ouvidores da Corte

3

3

Escrivão da Chancelaria da Casa do Cível

­‑

1

Escrivães do Desembargo da Casa do Cível

­‑

2

Escrivão perante o Ouvidor da Rainha

1

1

Oficiais escreventes

As Ordenações Afonsinas são omissas quanto ao número de es‑ crivães da Chancelaria e do Tribunal da Casa do Cível, do mes‑ mo modo que as duas compilações não prescrevem o número de escrivães da Câmara, já que a oficialidade deste organismo deteve Regimento avulso em 1450. 92 O número de Escrivães da Câmara é mencionado no Regimento do Escrivão da Puridade de 1450, que não conheceu, neste âmbito, nenhuma actualização posterior. O Regimento de 1478 vem reforçar as prerrogativas e liberdades anteriormente concedidas pelo Regimento de 1450 ao Escrivão da puridade e ao Secretário régio, insistindo na necessidade de os titu‑ lares superiores da Câmara aprovarem todos os diplomas escritos pelos escrivães da câmara, seus subordinados

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Não obstante o estabelecido na lei, o número total de ofi‑ ciais escreventes em exercício de funções excede o estipulado nas compilações gerais de leis de 1446 e 1521. Por meados do século XV, a Câmara, contou com 24 escrivães em servi‑ ço, ultrapassando em muito o número estipulado na lei93. De facto, como já salientamos, o peso político e burocrático da oficialidade da Câmara, mormente a partir do segundo quar‑ tel do século XV, que vem a superar a tradicional influência da oficialidade da Chancelaria que passa a assumir funções essen‑ cialmente burocráticas. Não obstante, a Chancelaria conheceu períodos em que o total de escrivães em exercício ultrapassou o número estabelecido na lei. Por meados do século XV, são, pelo menos, três os escrivães da Chancelaria94. Os estudos sobre burocracia régia no século XV têm reforçado a ideia da existência de um avultado número de escribas com carrei‑ ras de curta duração, não ultrapassando um ou dois anos. Ou seja, um número significativo dos oficiais escreventes é cha‑ mado à produção escrita de cartas pontualmente ou por bre‑ ves períodos, proporcionando o aparecimento de escrivães de ocasião, supranumerários, substitutos e/ou interinos com uma presença discreta nos escatocolos das cartas régias. Por seu tur‑ no, o aumento do número de oficiais escreventes parece estar em sintonia com o crescimento do expediente burocrático e o peso relativo das instâncias da governação, havendo lugar a um reforço das estruturas anteriores. Se relacionarmos o número dos oficiais em serviço nos diferentes sectores com o núme‑ ro e qualidade de intervenções encontramos algumas ligações que pronunciam, de algum modo, relações hierárquicas nos serviços de administrativos. A descentralização envolveu uma distribuição de responsabilidades entre os oficiais redactores e entre estes e os oficiais escreventes dos respectivos serviços. 93 “O número dos Escrivães da Câmara, auxiliares ‘privados’ do titular da puridade, chega a atingir, [no reinado de Afonso V] (…) vinte e quatro indivíduos. Evidentemente que nem todos se encontram em exercício simultâneo.” (Freitas, 2001, I: 179). 94 Diogo Álvares 1439­‑1452; Diogo Lopes 1439­‑1459 e Gomes Borges 1432­‑1478, este últi‑ mo o superior hierárquico (Freitas, 2001, II: 569­‑571, 576­‑577 e 606­‑607).

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Em resumo, as reformas do sistema administrativo, judicial e fiscal decorreram na longa segunda metade do século XIV, tendo vindo a consolidar­‑se na primeira metade do século se‑ guinte. Ou seja, a matriz do aparelho burocrático permanece, no essencial, inalterada desde o último quartel do século XIV até finais do século XV. C ooperação ,

coexistência e acumulação de funções

Ao nível da governação central as possibilidades de acumu‑ lação de funções e de substituição de funções (logotenência) são bastante numerosas a avaliar pelos indícios deixados nas fon‑ tes. A proximidade do centro do poder facilita a cooperação, a permuta e a intervenção de agentes próximos do monarca com laços clientelares e de favor solidamente estabelecidos. Por seu lado, as qualificações dos oficiais da administração palatina permitem as permutas e a obtenção de cargos suplementares que concorriam para um acréscimo das moradias e a obten‑ ção de benesses. De um modo geral, a lei proíbe a acumula‑ ção de ofícios e de benefícios ao estipular as funções confia‑ das a cada titular, porém a realidade administrativa transpõe, em muitos casos, o plano teórico das prescrições legislativas. Se, conforme comprovou Luís Miguel Duarte (1999: 185), subsistem as mais diversas acumulações nos níveis intermé‑ dios da administração régia e concelhia95, também as encon‑ tramos nos ofícios superiores da burocracia, conforme referi‑ remos adiante. De igual modo, a lei interdita a substituição, a renúncia, a transmissão e a venda de ofícios públicos, cabendo ao rei a dispensa da lei. Nas Ordenações Afonsinas (L. IV, tits. VIII e XIII: 68­‑69 e 109­‑110) e nas Ordenações Manuelinas de 1521 estabelece­‑se com maior pormenor que os “officiaes nom possam vender os officios que (…) teverem a ninhua pessoa, nem os trepassem, 95 Chanceleres de comarcas acumulam “procuradorias, escrivaninhas da correição, pro‑ motorias de justiça…” (Duarte, 1999: 185).

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nem renunciem em outrem sem nossa [régia] especial licença” (OM, L. 1, tit. 74: 553­‑556). Os exemplos são múltiplos e com justificações distintas. A substituição ocorre o mais das vezes por doença ou por ausência do titular, mas pode igualmente dever­‑se a denún‑ cia96 de corrupção e erros cometidos no exercício do cargo. A venalidade pública e privada (Reinhard, 1998: 143­‑153), a re‑ signação e a patrimonialização dos ofícios seculares e religio‑ sos era igualmente proibida, mas havia formas disfarçadas de as concretizar com êxito que entre nós foram estudadas por António Manuel Hespanha (1999: 386­‑390) e Judite de Frei‑ tas (2001, I: 208­‑215). Os povos em Cortes, cientes do prejuí‑ zo ‘público’ de tais abusos e sobreposições, erguem voz firme contra aquelas práticas (Sousa, 1990, II: 386). Tendo como pano de fundo esta caracterização geral, de se‑ guida, iremos debruçar­‑nos sobre os modos de actuação da ofi‑ cialidade subscritora (redactores) e produtora (escrivães) dos actos régios, procurando averiguar os sinais de cooperação, de sobreposição de competências ou acumulação de funções entre os sectores da administração palatina, nomeadamente dos oficiais de justiça (desembargadores do Tribunal da Supli‑ cação) relativamente à Chancelaria e da oficialidade da Câmara em relação à Fazenda régia. As situações a que nos reportare‑ mos são frequentes, consentidas e encontram­‑se legitimadas, constando explicitamente do protocolo final dos actos régios. Os séculos finais da Idade Média correspondem a um tempo de desenvolvimento da cultura escrita e de aumento da activida‑ de de expediente burocrático dos serviços da Chancelaria, con‑ forme já adiantamos. A actividade da oficialidade da Chancelaria régia superintende no registo escrito e na validação da maioria dos actos da administração central. As suas funções são buro‑ cráticas e políticas, pois trata quotidianamente com os oficiais palatinos associados à governação. O chanceler dispunha de um corpo de escrivães próprio que assegurava a passagem a registo escrito dos diplomas régios. Por meados do século XV, em ní‑ 96

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São as cartas “se asi he” estudadas por Duarte (1999: 30­‑35).

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tida associação à Chancelaria, aparecem titulares de cargos sem tratamento específico nas Ordenações Afonsinas e nas Ordenações Manuelinas: os vice­‑chanceleres97. Aparentemente, o surto dos Vice­‑chanceleres parece associado ao impedimento e à ausên‑ cia do chefe da Chancelaria e às necessidades derivadas do au‑ mento de expediente, se bem que nunca surjam na qualidade de interinos ou oficiais substitutos (com carrego de). Quer dizer, por todo o século XV, os vice­‑chanceleres são titulares de ofícios sem personalidade jurídica, não obstante desenvolverem uma intensa actividade de despacho burocrático. A nomeação dos vice­‑chanceleres ir­‑se­‑á manter sem regulamentação específica até à publicação das Ordenações Manuelinas de 1521. As Ordenações Manuelinas referem­‑se pela primeira vez às condições de escolha dos vice­‑chanceleres, muito embora não lhes concedam um re‑ gimento específico. Assim estipulam que por impedimento do Chanceler­‑mor, compete aos Desembargadores do paço, peti‑ ções e agravos, isto é aos juízes do Tribunal da Casa da Suplica‑ ção, assumir a função de vice­‑chanceleres. Conforme tivemos oportunidade de comprovar os vice­‑chanceleres em activida‑ de no século XV provêm daquele tribunal superior, manten‑ do uma dupla actividade de redacção diplomática, como vice­ ‑chanceleres e juízes98. Surgem na qualidade de magistrados e titulares da vice­‑chancelaria, atributos com que são designados nos protocolos finais dos diplomas régios (ex: vassalo, do De‑ sembargo e petições e vice­‑chanceler). Os vice­‑chanceleres são laicos, a maioria das vezes juristas e letrados, bem como expe‑ 97 Sucessores dos antigos Vedores da Chancelaria (século XIV), não têm estatuto nas primeiras ordenações do reino (Ordenações Afonsinas). Existe um vazio legal a respeito das atribuições e condições de provimento de alguns dos ofícios. De igual modo, desconhece‑ mos diplomas de provimento ao ofício facto que pode indiciar uma situação de interinidade. 98 O Dr. Rui Gomes de Alvarenga, Desembargador das petições, desempenha o lugar de Vice­‑chanceler entre 1441­‑1452. A actividade burocrática encontra­‑se repartida entre as fun‑ ções de Desembargador das petições e a de Vice­‑Chanceler. O Dr. João Fernandes da Silveira, também Desembargador das petições é chamado a intervir circunstancialmente como vice­ ‑chanceler no ano de 1443. O Dr. Pedro Lobato, Desembargador das petições é chamado à vice­‑chancelaria entre 1450 e 1469. Estes exemplos reiteram as prescrições das Ordenações Manuelinas que remetem aos magistrados superiores o despacho dos diplomas da competên‑ cia do Chanceler­‑mor no caso do impedimento deste, mas na qualidade de vice­‑chanceleres, o que indica a qualidade de interinidade.

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rimentados magistrados. Tal facto indicia uma relação de vizi‑ nhança e cooperação entre dois sectores, à altura bem distin‑ tos, da administração palatina e uma acumulação de funções dos titulares mais experimentados do Tribunal da Suplicação, nos reinados de Afonso V (Freitas, 2001, I: 94­‑98) e de João II (Mota, 1989, II: 53­‑55). Os diplomas subscritos na qualida‑ de de vice­‑chanceleres correspondem à tipologia de assuntos consignada na lei como atribuição dos titulares da Chancelaria propriamente ditos: provimentos de ofícios associados à fixa‑ ção de actos administrativos (tabeliães, escrivães entre outros). Simetricamente os documentos que redactam na qualidade de juízes do Tribunal da Corte são sobreponíveis aos tipos diplo‑ máticos prescritos na lei. Para além dos casos de titulares sem qualquer tratamento no direito régio português, caso dos vice­‑chanceleres a que já nos reportamos, os registos da Chancelaria régia apontam para a existência de uma outra realidade que traduz uma rela‑ ção de cooperação Câmara versus Fazenda régias. A partir de meados do século XV em diante, surgem no‑ vas fórmulas de validação documental que se interpõem entre os tradicionais papéis do redactor e do escrivão, dando indí‑ cios de que os trâmites da burocracia estão a mudar. Para além da fórmula tradicional de dupla intervenção na execução do acto entre o redactor (Fulano a fez escrever) e o escrivão (Sicra‑ no a fez); surge no escatocolo dos actos um terceiro elemen‑ to, na fórmula: “Eu fulano a fiz escrever e subscrevi por minha mão”, em diplomas emanados da Câmara régia. Esta fórmula é assu‑ mida por um terceiro elemento, sobretudo nas cartas de subscri‑ ção régia, elemento que surge como que a convalidar o regis‑ to do documento. Estas situações apelidámo­‑las de subscrição intermédia. A maioria dos diplomas com subscrição intermédia competira a escrivães que acumulavam a Escrivaninha da Câ‑ mara e Fazenda régias (Freitas, 2001, I: 43­‑46) e a Secretários, ou seja a oficiais ligados à Câmara. Os estudos sobre burocracia régia de meados do século XV em diante parecem demonstrar o crescente papel da oficialidade da Câmara como mediado‑ 176

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ra entre o produtor e o escrivão dos actos. Tal circunstância coloca a questão de saber até que ponto pode a Fazenda régia se encontrar invadida pela intervenção da oficialidade da Câ‑ mara? Constituirá este facto um indício do desejo e/ou ne‑ cessidade do monarca ter um maior controlo, por intermédio da oficialidade da ‘puridade’, sobre os assuntos de fazenda e de finanças, designadamente pela nomeação e escolha da ofi‑ cialidade da Câmara que acumula cargos na escrivaninha da Fazenda? Se sim, que motivos a impulsionam? Pensamos que o estreitamento das relações de cooperação entre a Câmara e a Fazenda régias, terá sido estimulado pela vontade de maior intervenção e controlo régios da Fazenda régia e, simultanea‑ mente, da Fazenda ‘pública’, em ordem ao crescimento dos negócios internos (retoma do crescimento económico nas décadas de 1440/50) e dos negócios ultramarinos ao longo do século XV. Certo é que os titulares das Escrivaninhas da Câmara e da Fazenda certificam a existência de uma partilha de competências, circunstância que é totalmente estranha à lei vigente. Por seu lado, os escrivães da Câmara e da Fazenda ré‑ gias estão vinculados, na qualidade de subscritores intermédios, a disposições de foro económico, designadamente a nomeação de escrivães e juízes das sisas, agentes de almoxarifados, con‑ tadores e recebedores e demais oficiais associados à gestão do património do monarca. A Câmara, desde inícios da década de 60 do século XIV (rei‑ nado de D. Pedro I), surge como um dos órgãos da governa‑ ção em afirmação crescente, tendo vindo a consolidar e alcan‑ çar maior protagonismo ao longo do século XV, tornando­‑se num dos principais departamentos da governação régia, dis‑ putando a primazia, como órgão de despacho, com a Chan‑ celaria e a respectiva oficialidade. A oficialidade da Câmara só terá regimento próprio em 1450, numa altura em que al‑ cança especial relevo no seio dos organismos da Corte. À Câ‑ mara superintendia o Escrivão da puridade99 secundado pelo 99 Ao longo do século XV ocuparam o ofício: Gonçalo Lourenço, Nuno Martins da Sil‑ veira, Lopo Afonso, Diogo da Silveira, Nuno Martins da Silveira (filho) e Dr. João Teixeira.

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Secretário régio100, ofício de recente criação, assessorados por um núcleo próximo de escribas. Oficiais validos do monarca, Escrivão da puridade e/ou Secretário, em especial durante as difíceis conjunturas políticas de 1438 a 1449101, assumem fun‑ ções de coordenação da administração régia. Oriundos da re‑ centemente criada nobreza de serviço, acompanhavam o rei ao Conselho, à Relação e à Fazenda, um indício de que seriam homens em quem o monarca confiava e a quem exigia sigilo e competência na gestão dos negócios públicos. A conquista de prerrogativas de despacho associadas ao uso reservado de selo próprio permitia­‑lhe selar diplomas produzidos pelos au‑ xiliares de despacho (secretários ou escrivães da câmara), “sem influência dos Chanceleres­‑mores” (Morato, 1839: 22), excepto nos actos que necessitavam de registo nos livros da Chancelaria. Em jeito de fecho, podemos avançar com as principais ila‑ ções. Ao longo do século XV, verifica­‑se uma maior profis‑ sionalização do aparelho judicial (legista, laico e preparado) e a uma reorganização das estruturas administrativas que tendem a harmonizar­‑se com o processo de afirmação da superiori‑ dade do poder régio, mormente numa época de incremento da administração escrita. À estabilidade do aparelho judicial, contrapõe­‑se a mobilidade nos serviços da Câmara e da Chan‑ celaria régias, órgãos que, pela grande proximidade ao rei, são de superior vulnerabilidade política. Nas difíceis conjunturas políticas de 1439­‑40 e 1448­‑49, os oficiais superiores da Câmara e da Chancelaria são os primeiros a sofrer o impacto da alter‑ nância governativa. A oficialidade da Câmara, com o Escrivão da Puridade primeiro, e depois com o Secretário régio, sur‑ ge como o organismo melhor posicionado para exteriorizar a 100 Cargo recentemente criado, no primeiro quartel do século XV, será inicialmente ocu‑ pado por Rui Galvão, na qualidade de secretário do infante D. Duarte (1431), posteriormente transitará para os reinados de D. Duarte (1433­‑1438) e D. Afonso V (1438­‑1448). 101 Nuno Martins da Silveira por ter apoiado a rainha D. Leonor de Aragão, durante a disputa pela regência com o Infante D. Pedro nos anos de 1438 a 1439, é destituído do car‑ go e substituído por Lopo Afonso em finais de 1439, tendo regressado em 1447, o secretário passará a ser Rui Galvão que de acordo com a documentação da chancelaria terá sido um dos primeiros secretários nomeados.

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imagem de ’modernidade’ que os monarcas do século XV pre‑ tendem conferir às estruturas da governação. A oficialidade da Câmara, nos seus três níveis (escrivão da puridade, secretário e escrivães da câmara), encontra­‑se profundamente envolvida na vida política, social e económica portuguesa ao longo do século XV. Por seu lado, o processo de descentralização das instâncias superiores da burocracia conduziu à proliferação de oficiais com competências para a verificação e selagem dos documentos, revertendo a favor do aparecimento do selo de camafeu (ou da ‘puridade’) que, consequentemente, conduziu à perda de monopólio do selo pelo Chanceler­‑mor. Esta situação conduzirá à autonomia de competências entre estes dois pilares da administração régia no século XV – Câmara e Chan‑ celaria ­‑, não obstante haver sinais de atrito entre eles. Por seu lado, existem novidades ao nível das relações en‑ tre as instâncias da burocracia régia consubstanciadas no apa‑ recimento de subscritores intermédios que acumulam os ofícios de escrivães da Câmara e Fazenda, apontando para uma inter‑ dependência e cooperação entre alguns sectores da burocra‑ cia. De igual modo, sobressai a influência dos oficiais validos do monarca ­‑ a oficialidade da Câmara –, e os magistrados da Casa da Justiça da Corte, enquanto titulares do cargo de Vice­‑chanceleres, em sectores que não eram da sua tradicional competência jurisdicional. Uma renovada dinâmica administrativa proporcionada pela primazia dada à competência decorrente da ideia do ofício como dignidade e, posteriormente, função102 delegada pelo so‑ berano. A intensificação do recrutamento de juristas e letrados entre a oficialidade régia e o alargamento do respectivo campo de actuação burocrática é um sinal de modernização das instân‑ cias administrativas. Juízes do principal tribunal do reino – Tri‑ bunal da Suplicação ­‑ acumulam funções na Vice­‑chancelaria, mais por competência e mérito do que por favor ou benefício régio. Estes fazem parte de uma nova categoria do aparelho 102

Sobre a noção de «ofício público» na tardo­‑Idade Média cfr. o que foi dito na p. 143, n. 81.

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administrativo ­‑ a nobreza de serviço ­‑ que fomenta a profis‑ sionalização dos serviços régios. Imbuídos da cultura jurídica da época, quase todos frequentaram universidades europeias, onde absorvem «novos» modelos culturais e políticos, e fa‑ zem questão de lembrar a supremacia do poder do príncipe. Letrados e/ou legistas ascendem por mérito a ofícios que exi‑ gem preparação jurídica que os ajuda a fixarem­‑se na Corte e a desenvolver longas carreiras, só interrompidas por doença ou aproximação da morte. A ausência de práticas de transmis‑ são linguística de ofícios nas magistraturas superiores, é um si‑ nal claro de modernidade. Porém, a entrada no serviço régio faz­‑se igualmente pela via hereditária e patrimonial como se o ofício de um bem pa‑ trimonial se tratasse. A partir do segundo quartel do século XV, consolidam­‑se as formas de patrimonialização de alguns ofícios superiores da burocracia recorrendo ao instituto da re‑ signatio in favorem103 ou ao mecanismo da sobrevivência104 (Freitas, 2001, I: 208­‑212). Os cargos superiores da Câmara (escrivão da puridade), da Fazenda (Vedores da Fazenda, almotaçaria) e os  ofícios militares e paramilitares (Coudéis e Monteiros­ ‑mores) são aqueles que se fazem substituir familiarmente, con‑ servando o desempenho do ofício dentro de uma mesma rede de parentes próximos. Ao longo do século XV, desenvolve­‑se uma nobreza de serviço, composta por diferentes estirpes, que criam os seus próprios círculos de poder na Corte, e reforçam a rede de solidariedades familiares ao estabelecer “dinastias de oficiais” (Freitas, 1996: 108 e Idem, 2001, I: 212). Em sín‑ tese, e de acordo com o exposto, os sinais de modernização que despontam com maior força a partir de meados do sécu‑ lo XV prendem­‑se com o desenvolvimento de novas práticas burocráticas patentes, nomeadamente, no incremento do papel dos Secretários régios e dos magistrados que assumem o cargo 103 Traduz­‑se na opção que um titular faz de renunciar (resignar) às suas funções nas mãos de outrem ou, eventualmente, de indicar o sucessor. 104 Trata­‑se de um favor estabelecido com acordo do monarca que permite a um oficial resignar a favor de um terceiro, conservando, enquanto vivo, os direitos e o usufruto do ofício.

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de Vice­‑chanceler e dos subscritores e Escrivães da Câmara. A presença maioritária dos Secretários e Escrivães da Câma‑ ra em diplomas de subscrição régia atesta o peso político da oficialidade da Câmara em relação à oficialidade da Chancela‑ ria, que é chamada a assumir funções preferencialmente buro‑ cráticas. Podemos, neste contexto, afirmar que terão existido preferencialmente relações de cooperação entre a oficialidade da Câmara e da Fazenda régias, do mesmo modo que é mani‑ festa a coexistência de atribuições da oficialidade da Casa da Suplicação junto da Chancelaria régia, atestada pelo desem‑ penho do cargo de Vice­‑chanceler pelos magistrados daquele tribunal superior. Numa expressão, o Estado português de finais da Idade Média apresenta­‑se como um misto de formas pré­‑modernas, patentes na especialização, ‘profissionalização’ e laicização dos ofícios régios e de formas tradicionais (domésticas) associadas à natureza dinástica do regime. A eficácia administrativa A proficiência dos serviços da administração régia nos finais da Idade Média encontra­‑se relacionada com factores de natu‑ reza quantitativa (número de servidores por sector da gover‑ nação, quantidade de petições, conjunto de actos produzidos, conservados e registados) e factores qualitativos (organização dos serviços da administração régia, especialização das áreas de intervenção burocrática, qualificação dos recursos huma‑ nos, mormente em leis, profissionalização da oficialidade, lai‑ cização dos serviços). Sem nos determos em pormenor sobre a relação de cada um destes indicadores, até porque este não é o intuito deste ensaio, iremos salientar alguns aspectos que sobressaem das fontes sobre a eficácia administrativa. Se con‑ siderarmos os segmentos institucionais do poder e o suporte legal a que até aqui temos vindo a fazer referência, tendemos a concluir que o aperfeiçoamento do organograma governati‑ vo ao tempo da monarquia moderna, teria em vista a afirmação do poder régio e o fomento da capacidade de resposta dos ser‑ 181

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viços administrativos às petições chegadas à Corte. Confron‑ tados com as fontes medievais que traduzem o entendimento do homem medieval sobre a administração régia, na verten‑ te judicial, fiscal e administrativa, a ideia que retemos é outra. Com alguma frequência deparamos com queixas em Cortes sobre a morosidade dos procedimentos administrativos, mor‑ mente dos processos judiciais, a complexidade burocrática e a cobrança de emolumentos e taxas. Temas que de tão coevos teremos que ter redobrado cuidado para não projectar as nos‑ sas actuais categorias mentais. Comecemos pela questão da morosidade da administração, tomando como referente a morosidade judicial. Modernamen‑ te, António Manuel Hespanha, Luís Miguel Duarte e Eugénia Pereira da Mota, demonstraram de forma inequívoca a subsis‑ tência deste problema no sistema administrativo tardo­‑medieval e moderno alertando para a existência de “marcadíssimas assi‑ metrias regionais” na aproximação ao centro de decisão, a coe‑ xistência da jurisdição régia, senhorial e concelhia (Hespanha, 1982; Duarte, 1999: 209 e ss.) e, finalmente, as dificuldades de‑ vidas ao desencontro espacial entre as diversas instâncias ad‑ ministrativas (Freitas, 2006: 503­‑505). Por outro lado, o facto da distância das periferias variar consoante a fixação tempo‑ rária da morada da Corte conduzia a uma distribuição assimé‑ trica do acesso à administração e à justiça régias. Como refe‑ re Eugénia da Mota: “Ainda que a mobilidade da Corte seja neste período (…) de âmbito geográfico mais circunscrito, não seria indiferente do ponto de vista do peticionário que a Casa da Suplicação [o tribunal mais importante do reino] sedeasse em Abrantes ou Vila Viçosa, Coimbra ou Évora.” (Mota, 1989, I: 124). Efectivamente, a ten‑ dência geral nos séculos XV e XVI é para a Corte se fixar no Alto Alentejo e no Ribatejo, sendo poucos os monarcas que se deslocam às zonas ‘extremas’ do país, o Entre Douro e Minho e Trás­‑os­‑Montes e o Baixo Alentejo e o Algarve. Existe uma “rede residencial menos ampla, portanto, no que diz respeito sobretudo à região da Estremadura que é também o centro do reino, na óptica da realeza” (Gomes, 1998: 110). 182

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Ao decompor o tempo médio de resolução de um perdão, de uma legitimação ou de um provimento, nos inícios do rei‑ nado de João II, Eugénia da Mota destacou a subsistência de um sistema administrativo lento. No reinado de João II, uma carta de perdão passaria cerca de um ano na Casa da Suplica‑ ção, uma legitimação rondaria os dois meses e um provimen‑ to de ofício, muito embora dependendo do ofício a prover, aproximava­‑se de um mês. Assim, concluiu que “Não é, em qualquer dos casos e segundo as experiências burocráticas institucionali‑ zaras das nossas categorias de pensamento acerca da burocracia, desme‑ surado o lapso temporal exigido pela inércia administrativa e judicial.” (Mota, 1989, I: 122). A organização administrativa desde finais do século XIII tornara­‑se bastante mais complexa do que a do anterior período. Durante a formação do Estado moderno constituíram­‑se unidades administrativas, financeiras e judiciais independentes, cada uma das quais com um aparelho administrativo próprio. Esta administração, conforme vimos, compreende núcleos de funcionários permanentes que desempenham um conjun‑ to de funções prescritas na lei. O desenvolvimento do sistema burocrático central ocasionou a emergência de uma categoria de funcionários especializados, experimentados e competentes. Não obstante tudo isto, havia atritos, justaposições e desequilí‑ brios entre os diferentes níveis dos poderes instituídos e as su‑ bestruturas administrativas do reino (comarcas, julgados…). Os povos nas assembleias dos Estados, ao longo do  século XV, pronunciavam­‑se contra o «falimento de justiça» (Sousa, 1990, II. 335), desejando que fossem criados além dos Tribu‑ nais do Cível e da Suplicação outros dois, um em Évora, com jurisdição cível e crime, servindo as comarcas de Entre Tejo e Odiana e  o Algarve, e outro com a mesma jurisdição em Coimbra, para as comarcas da Beira, Trás­‑os­‑Montes e Entre Douro e Minho (Sousa, 1990, II. 447); porém, o rei indefe‑ re o pedido. De igual modo, protestam contra a morosidade dos despachos, a negligência e a corrupção dos juízes (Sousa, 1990, II: 448), a manutenção das tenças graciosas e dos pode‑ 183

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res discricionários dos senhores, e ambicionam que os oficiais da justiça, da fazenda e da Câmara sejam “bons homens letrados, de sã consciência, experientes e bem retribuídos” (Sousa, 1990, II: 458) para que se evite o suborno… Estas denúncias indiciam as fra‑ gilidades de um poder que se encontra em crescente afirma‑ ção, mas por outro lado reflectem uma percepção da sociedade tardo­‑medieval relativamente às mudanças ocorridas no apare‑ lho da administração central com vista a garantir os equilíbrios sociais e políticos, norteadas pela salvaguarda do bem comum e pelo respeito dos direitos particulares. Para

uma lógica do sistema governativo

“Todo o poder e conservaçon da republica procede principalmente da raiz e virtude de duas cousas, a saber ar‑ mas e leyx.” Ordenações Afonsinas, L. I, fl. 3.

A monarquia e os seus agentes, entre os quais se conta, nos tempos finais da Idade Média, um número assinalável de legis‑ tas, formados em direito canónico ou civil, não deixam de ex‑ pedir uma quantidade e qualidade crescente de diplomas onde se expressam as prerrogativas e as decisões da realeza fundadas num ou mais conjuntos normativos. Ao acto de criação nor‑ mativa subjaz uma manifestação de autoridade da soberania sobre os poderes concorrentes (senhorios, concelhos, Igreja). Cabe ao monarca a prerrogativa de legislar e exercer a justiça, por conseguinte recai sobre ele o controlo das fontes do direi‑ to, que vai ajustando de acordo com princípios de direito pre‑ existentes (o costume), ou recuperando normas de direito ro‑ mano justinianeu. O monarca do século XIV e XV inclina­‑se para a elaboração de uma jurisprudência coerente, no respeito pela autonomia dos corpos sociais. Mas para que o rei exerça um maior controlo sobre o reino, mesmo dispondo da justiça maior, tem que contar com a colaboração dos órgãos centrais da governação, meios essenciais da política de convergência de poderes sob a sua égide. Aos servidores régios da adminis‑ 184

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tração palatina cabe o despacho de um número significativo de petições de tipos muito variados e de apelações judiciais que chegam à Corte e cujas decisões finais têm que ser devidamente legitimadas na ordem jurídica existente. A unidade do Estado depende da eficácia da actividade burocrática e de governação destes agentes que, para garantir a credibilidade, não devem ir contra a ordem jurídica estabelecida. Ao rei, supremo dos juízes e legislador, compete a obrigação de proteger os súbdi‑ tos com a execução de boas leis e fazer respeitá­‑las. Por seu lado, os poderes da soberania são progressivamen‑ te limitados pela lei e regimentos entretanto promulgados (v.g. as Ordenações d’el Rei D. Duarte, as Ordenações Afonsinas e, nos al‑ vores do século XVI, as Ordenações Manuelinas), por actos públi‑ cos em que se estabelecem compromissos políticos, pela praxis da Chancelaria régia e do corpo de oficiais que nela trabalham, pela actividade dos diferentes sectores da burocracia. Os sécu‑ los finais da Idade Média estão marcados pelo crescimento das actividades da governação assentes no escrito, escrito que cada vez mais se escora no poder normativo da realeza. De facto, ao aumento do número de actos escritos destinados à resolução de questões ‘privadas’ ou individuais corresponde um incre‑ mento do número de actos ‘colectivos’, dirigidos a um número alargado de indivíduos, sobrepondo­‑se, nas mais das vezes, à resistência da geografia senhorial e concelhia. Um sinal de que o rei dispõe de um poder soberano sobre um conjunto terri‑ torial cada vez mais amplo e uno. G uerra Sobre a administração central e territorial já tivemos opor‑ tunidade de escrever, iremos agora dedicar­‑nos exclusivamen‑ te ao factor que, na opinião avalizada de Jean­‑Philippe Genet, é o motor do Estado moderno: a guerra e o monopólio da vio‑ lência (Genet, 1999: 23 e ss.). Ao longo dos séculos XI a XIII, duas formas de serviço ga‑ rantiam a defesa e serviço militar feudal: a cavalaria e a hoste. Ou seja, de um lado estavam aqueles que praticavam a guerra 185

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como actividade principal (bellatores), e detinham um papel bem definido na sociedade de ordens, e de outro, o conjunto de ho‑ mens que geralmente não combatiam mas que o rei ou os se‑ nhores recrutavam para irem à guerra. A nobreza constituía, nos primeiros tempos da monarquia feudal, a única tropa de elite a que vieram associar­‑se, no século XII, os efectivos das ordens militares, uma maioria deles oriundos de estirpes aristocráticas (Barroca, 2003: 79). Os cavaleiros da nobreza e das ordens mi‑ litares constituíam o exército ofensivo, eram os que realizavam operações de fossado e de conquista de território ao invasor. A todos os outros competia a defesa das fortificações e po‑ voações amuralhadas (a peonagem) (Barroca, 2003: 80­‑85)105. A condição de homem livre e a aptidão militar (idade inferior a 60 anos) eram as únicas restrições ao serviço militar medie‑ val. Por conseguinte, a estrutura militar do reino feudal e da reconquista privilegiaram a cavalaria e não dispunham de um exército permanente composto por profissionais. A partir do reinado de D. Dinis e até meados do século XV ocorreu uma profunda evolução em termos de organiza‑ ção territorial e de política de defesa. A governação dionisina marca o início do fim de um período de instabilidade, desig‑ nadamente com os reinos peninsulares, conduzindo, de algum modo, a um clima de estabilidade e paz que em combinação com o declínio do serviço vassálico, essencialmente marcado pela lógica da Reconquista, circunstância que proporciona o desaparecimento das formas de recrutamento típicas da arma‑ da feudal. O papel na consolidação da fronteira luso­‑castelhana estabelecida em 1297 deve­‑se à acção dionisina de reconstrução dos castelos e edificação de fortalezas raianas. “Assim, quando chegamos aos meados do século XIV, pode dizer­‑se que o sistema físi‑ co de protecção militar do reino de Portugal tinha alcançado um elevado grau de coerência e de intencionalidade” (Monteiro, 2003a, I: 164). Por conseguinte, o reinado dionisino é um tempo de mudança 105 Sobre as diferenças entre exército «ofensivo», fossado, e exército «defensivo», apelido, nos tempos da monarquia feudal (Barroca, 2003: 80­‑85).

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não apenas, conforme vimos, no campo político, social e eco‑ nómico, mas também do ponto de vista da organização ter‑ ritorial, na estruturação militar e na defesa do território, pelo estabelecimento e consolidação da linha de fronteira. O esgo‑ tamento do sistema defensivo anterior coloca em evidência as graves carências em termos de organização militar. Em respos‑ ta a este problema foi­‑se constituindo uma mancha densa de castelos e fortificações, mormente nos tempos das malogra‑ das guerras fernandinas e à época joanina. Optou­‑se por uma estrutura militar régia contínua e mais consistente próximo à linha de fronteira (Monteiro, 1999: 24­‑25). Por todas estas ra‑ zões, os anos pós­‑dionisinos (1325) até à Batalha de Alfarro‑ beira (1449) constituem uma fase de transição no que toca a organização do exército, a defesa do território e, the last but not the least, os modos de mobilização das tropas. Tendo em conta as novas condicionantes estruturais do Es‑ tado moderno uma questão importante, à partida, pode colocar­ ‑se: Que interesse tinha o serviço militar para a nobreza e ou‑ tros grupos sociais na tardo­‑medievalidade portuguesa? O serviço militar em tempos feudo­‑vassálicos surgia como a consequência natural de uma relação estabelecida entre o rei e os nobres, pela atribuição de terras ou préstamos. Porém, com o findar do século XIV e sobretudo a partir do século XV existem outras formas de conservar influência, garantir o prestígio e aumentar riqueza ­‑ os ofícios públicos e os ser‑ viços régios ­‑, correndo menores riscos e implicando gastos inferiores. Daí também a apropriação de ofícios da adminis‑ tração pela aristocracia e o desenvolvimento da nobreza de serviço. Por seu lado, a monarquia, desde meados do século XIV, acompanhando um movimento geral de toda a Europa Ocidental, designadamente do reino de Castela e do reino de França ao tempo de João o Bom (1350­‑1364), com a criação das grandes companhias106 que participaram na Guerra dos Cem 106 Entre nós o exemplo aproximado do modelo de companhias à francesa é, na opi‑ nião de José Mattoso o exército comandado por D. Nuno Álvares Pereira, como fronteiro­ ‑mor da comarca de Entre­‑Tejo­‑e­‑Guadiana e, posteriormente, como condestável do reino (Mattoso, 2001: 218).

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Anos107, procura viabilizar o apetrechamento e disponibilida‑ de do exército, quando necessário, pelo pagamento em moe‑ da dos serviços. No entanto, durante muito tempo coexistiram formas diversas de recrutamento militar; a’ tradicional’ pela concessão de feudos e a atribuição de contias anuais para sal‑ vaguarda de um número certo de vassalos e participação das respectivas lanças no exército. A preocupação de regular o ser‑ viço militar como um serviço do reino remonta, pelo menos, ao reinado de D. Fernando (1367­‑1383). De acordo com o re‑ lato coevo de Fernão Lopes, competiu ao «Formoso» a cria‑ ção das condições para a emergência de uma nova forma de organização militar: “E isso meesmo fez veer os castellos que de guisa estavom, e mandou­‑hos repairar de muros e torres e da cavas d’arredor e poços e cisternas omde compriam; e as portas paredes travessas e pontes levadiças e cadafaises, e fornece­‑llos d’armas e cubas e d’outras vasillas” (Lopes, cap. I, 2004: 11). A engrossar as fileiras do exército régio encontramos des‑ de inícios do século XIV os aquantiados e os besteiros oriundos dos concelhos e seleccionados pelo Coudel e alguns ilustres concelhios. O Coudel local era o oficial de nomeação régia que procedia à avaliação do património dos ‘aquantiáveis’ e em fun‑ ção do valor respectivo estipulava o arsenal militar que cada homem deveria prover (Monteiro, 2003b, I: 195­‑196). Os di‑ plomas que concediam licença de serviço militar a aquantiados em cavalo e/ou armas são dirigidos ao Coudel­‑mor de acordo com os registos da Chancelaria régia. Regra geral estas cartas de nomeação concediam privilégios e isenções diversos como contrapartida dos serviços militares prestados, porém não são raros os homens que solicitam ao monarca a isenção de serviço militar que, como sabemos, obrigava à manutenção de condi‑ ções ideais de participação na guerra, que implicava a posse e a manutenção de cavalo, armas, entre outros (Monteiro, 1998: 107 Guerra que marca o fim dos conflitos feudais entre dois Estados em construção – a França dos Capetos e a Inglaterra dos Plantagenetas (1338­‑1453) –, na disputa pela suprema‑ cia na Cristandade ocidental (Favier, 1980).

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51­‑54). Quanto ao corpo de besteiros ele subdividiu­‑se a partir de D. João I em besteiros do conto e besteiros de cavalo, sem‑ pre presentes nos registos da Chancelaria. Os primeiros inte‑ gram uma milícia que remonta ao tempo de D. Dinis atingindo um grau de profissionalização assinalável com o Regimento dos Coudéis de D. Duarte (1418), posteriormente inserto no orde‑ namento geral do reino ­‑ Ordenações Afonsinas (L. I, tit. LXIX: 437­‑447) ­‑, onde se estipula o número total de besteiros por unidade de recrutamento. Já os segundos constituíam o corpo militar de elite concelhia, dispunham de isenção de pagamen‑ to de jugada e outras regalias económicas e sociais. Tanto uns como outros recebiam o soldo de campanha, estipêndio pago pelo monarca em recompensa da prestação de serviço militar e proporcional à qualidade e duração do serviço. As hostes régias, para além da nobreza e dos aquantiados e besteiros, contavam ainda com elementos provenientes das ordens militares, muito embora em menor número, a sua importância nas acções de Reconquista e consolidação de fronteira foram ao longo dos séculos XII e XIII evidentes108, tendo continuado a desenvol‑ ver um importante papel na vigilância das nossas fronteiras pós Alcanises. Depois destes vinha toda uma amálgama de merce‑ nários e homiziados (indivíduos que tinham cometido crimes vários) que podiam tomar parte na hoste régia. O Estado tardo­‑medievo tende a melhorar a sua performan‑ ce militar, quer pelas formas de recrutamento das milícias e de organização do aparelho do exército, quer pela melhoria dos recursos disponíveis para subsidiar esta actividade. O fi‑ nanciamento da guerra foi, em parte solucionado por João I, mestre de Avis, quando transformou o imposto sobre as tran‑ sacções comerciais – as sisas – num imposto geral e permanente da Coroa nas Cortes de Coimbra de 1398. A par das sisas ou‑ 108 As Ordens Militares (Avis, Santiago e Hospital) desempenharam um papel muito im‑ portante na organização defensiva e ofensiva dos territórios situados a Sul do Tejo, bem como realizaram importantes acções de povoamento. A Batalha de Navas de Tolosa (1212) com a vitória da coligação cristã marca o início do declínio do poderio almóada na Península (Costa, 2006).

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tros impostos podiam vir a complementar as necessidades de financiamento das campanhas militares (pedidos, fintas, talhas, entre outros), não apenas na Península Ibérica, mas também no Norte de África, mormente a partir de 1415. Face ao exporto podemos concluir que a organização da de‑ fesa, a crescente profissionalização da guerra, para além da evo‑ lução da táctica militar, a que não nos referimos especialmen‑ te (Monteiro, 2003c, I: 216­‑244), constituem os três principais eixos relacionados com o processo de afirmação da soberania régia no campo militar. O monarca assume­‑se como o chefe da organização da defesa do território, apoiado em corpos de elite e em profissionais (besteiros) que dispõem de uma regula‑ ção superior conducente a uma institucionalização progressi‑ vamente mais eficaz e estável. Por outro lado, a profissiona‑ lização militar deve correlacionar­‑se com o aperfeiçoamento do sistema administrativo em geral e do sistema financeiro em particular. Sistemas que conheceram um maior desenvolvimen‑ to pela introdução de impostos gerais e permanentes, e uma melhoria dos meios de cobrança. Mas este é assunto de que falaremos no ponto seguinte. Fiscalidade e Fazenda A política fiscal dos séculos XIII­‑XVI radica numa lenta evolução das estruturas fiscais, a que se juntam progressiva‑ mente indispensabilidades derivadas do aumento da burocracia em termos de organização administrativa, judicial e defensiva. O direito de julgar e o de cobrar impostos, durante os tempos da monarquia feudal, esteve distribuído pelos vários senhores que usufruíam de rendas de há muito tempo fixadas. O rei, por seu lado, detinha rendimentos próprios distribuídos geografica‑ mente por extensos domínios patrimoniais (reguengos). Sobre as suas terras o rei exercia vários direitos, mas igualmente sobre terras que não conheciam outro senhor. “O rei é senhor daqueles que não têm outro senhor” (Gonçalves, 1999: 92). Por outro lado, o direito feudal pressupunha que todo o vassalo, nobre, eclesiás‑ tico, morador de uma comunidade urbana ou vila, deveria con‑ 190

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ceder ajuda ao respectivo senhor de acordo com os respectivos meios e possibilidades. Esta ajuda era concedida em géneros, serviços e/ou dinheiro e fazia parte do contrato de lealdade estabelecido. Com o tempo o rei vem a afirmar a centralidade e preeminência do direito de julgar, legislar (criar direito), lançar impostos e desvalorizar a moeda como prerrogativas exclusivas da Coroa. Esta é uma lenta passagem da senhorialidade fiscal para a fiscalidade do Estado. À superioridade do poder régio sobre o senhorial irá corresponder a afirmação da fiscalidade pública sobre a privada, muito embora saibamos que uma das características da medievalidade do Estado assenta na falta de separação rigorosa entre o domínio público e privado. Será pois com estas restrições que partimos para a análise das finanças públicas e tributação no Estado dos finais da Idade Média em Portugal aos alvores da modernidade. O reino necessita de homens e de recursos materiais a que a senhorialidade fiscal, com o tempo, não concede resposta. O tesouro régio vê­‑se a braços com uma escassez de recursos financeiros para fazer face ao engrandecimento do aparelho burocrático, judicial e militar, conforme vimos. De outro lado, o erário régio mostra­‑se bastante sensível às crises económi‑ cas dos séculos XIV e XV, particularmente durante o reinado de Fernando (1367­‑1383) e de João I (1383­‑1433). Os monar‑ cas recorrem, o mais das vezes, às prerrogativas de que dis‑ põem, para impor a boa cobrança de receitas e aumentar as receitas da Coroa, que permitem suportar o aparelho do Esta‑ do. Os historiadores destacam a importância da introdução em Portugal do Fuero Viejo de Castela, conjunto legislativo tradu‑ zido no século XIII, que estipula como prerrogativas exclusi‑ vas da realeza: a justiça, o lançamento de moeda, a fossadeira109 e os  jantares110 (Gonçalves, 1999: 97; Godinho, 1978). Luís Miguel Duarte procedeu, recentemente, a um balanço sobre o peso de cada uma destes direitos régios na Idade Média tardia (Duarte, 2006: 433­‑445). 109 110

Direito do rei de exigir serviço militar, a quem compete garantir a paz. Privilégio de aposentadoria, garantia de cama e mesa ao rei e respectiva comitiva.

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Desde os primeiros tempos da monarquia a cunhagem, a desvalorização monetária, a afirmação do direito de decretar impostos directos extraordinários (nomeadamente para supor‑ tar despesas de guerra com os muçulmanos primeiro, depois com Castela e finalmente com o Norte de África111) e a cons‑ tituição de uma fiscalidade de Estado (a criação dos Contos com D. Dinis e a cobrança das primeiras sisas), foram algumas das principais vias que o monarca encontrou para conceder ao erário público as receitas de que este carecia. A fiscalidade permanente e geral só veio a sentir­‑se depois da crise de 1387 (Duarte, 2006: 441), se bem que o aparecimento das sisas recue ao reinado da Afonso IV que, em 1336, lança a sisa sobre o comércio de vinho. Posteriormente a sisa virá a constituir um imposto que incide sobre as transacções comerciais de qual‑ quer bem. Foi na reunião de Cortes de Coimbra de 1387 que a sisa de imposto concelhio veio a alcandorar­‑se a receita ge‑ ral. A tendência é para a fiscalidade indirecta (sisas) substituir a fiscalidade directa (talhas). Naturalmente que para isso muito contribuíram as neces‑ sidades de reorganização das finanças da Coroa com o findar da Idade Média e o aumento da actividade mercantil interna associada ao desenvolvimento económico e urbano. Como en‑ fatiza Vitorino Magalhães Godinho “Que o Estado português teve desde então o seu alicerce nesta fonte de receita, prova­‑o o facto de já em 1402 representar ¾ da receita total” (1978: 52). A sisa constitui o primeiro imposto geral porque atinge a dimensão territorial do reino, e geral porque é independente da diversidade de estatu‑ tos políticos e jurídicos dos homens, clero e nobreza incluídos. Ninguém dele ficava isento. A política fiscal da Coroa foi por diversas vezes discutida nas reuniões magnas dos três Estados (Cortes), onde os procuradores concelhios tentavam persua‑ 111 Veja­‑se por exemplo o pedido e meio lançado à cidade de Lisboa e seu termo por D. Duarte, na sequência das Cortes de Évora de 1436, para custear a armada a enviar a Tânger. O con‑ sentimento dos povos era um costume que devia ser respeitado no lançamento de pedidos (receitas extraordinárias).

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dir o rei a diminuir as despesas do Estado no sentido de evi‑ tar o lançamento de impostos extraordinários (Duarte, 2006: 438). Contudo, a partir do século XV a sisa transforma­‑se num dos mais importantes suportes financeiros da Fazenda régia e, por inerência, da Coroa, para além dos que tradicionalmente eram pagos, de entre os quais se contam: portagens, costuma‑ gens, dízimas e aduanas, pensões dos tabeliães, direitos de cir‑ culação, muito frequentes nos diplomas de foral, bem como os emolumentos de Chancelaria e as penas de justiça (Marques, 1986: 305­‑306). Em paralelo, tomaram ainda forma de imposto sobre tro‑ cas comerciais internacionais as dízimas alfandegárias. Para Iria Gonçalves, “Portugal foi (…) ao lado da Inglaterra [um dos países europeus] que mais cedo se apetrechou com uma estrutura aduaneira homogénea” (Gonçalves, 1999: 106), envolvendo o conjunto dos portos marítimos e portos secos. Remonta a Afonso III a im‑ posição da reserva, enquanto direito régio, das receitas alfande‑ gárias, ou seja o desenvolvimento de uma fiscalidade aduaneira. Cada vez mais importantes em volume e número, elas neces‑ sitam da organização de uma verdadeira administração finan‑ ceira e económica, tanto mais que a partir do primeiro quartel do século XV o poder tem que organizar­‑se, do ponto de vista financeiro, político­‑militar e judicial à escala intercontinental, na sequência da expansão e incremento das conquistas e es‑ tabelecimento de relações além­‑mar. Um Estado mercantilis‑ ta prima por uma mentalidade quantitativa e a organização de uma contabilidade pública (Godinho, 1978: 53). Data de 1477 o primeiro relatório de contas públicas e desde o primeiro quar‑ tel do século XV as cartas de quitação (Gonçalves, 1985: 228) deixam antever a abrangência da arrecadação dos dinheiros públicos. Do mesmo modo que a Casa dos Contos é o primeiro órgão de fiscalização das receitas e despesas. Os Contos consti‑ tuem o reflexo do aumento da complexidade da contabilidade pública e acompanham a sedentarização dos órgãos centrais da administração régia (cfr., infra, p. 152). Muito embora com origens que remontam ao reinado de D. Dinis, conhecem o 193

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primeiro regimento em 1389, a que D. Duarte juntou mais dois diplomas de 1419 e de 1434, respectivamente. Fixam­‑se em Lisboa a partir de inícios do século XV, cabendo­‑lhes o registo em livros próprios das receitas e despesas da cidade de Lisboa e seu termo, ficando acometidas aos Vedores da Fazenda os restantes diplomas em matéria fiscal. A normalização do fun‑ cionamento dos Contos, com um corpo de oficiais próprio sob a responsabilidade do Contador­‑mor, demonstra a preocupação dos monarcas em garantir a conferência dos recebimentos das rendas e receitas da Coroa (Rau, 2009). Mais tarde, no reinado de Manuel I o Regimento e Ordenações da Fazenda d’El Rei pro‑ mulgado em 17 de Outubro de 1516 distingue três organismos superiores da Fazenda: Reino, África, Contos e Índia que fun‑ cionavam com um corpo de oficiais próprio e independente, constituindo três tribunais distintos (Magalhães, 1993: 83­‑85). Em resumo, a fiscalidade régia foi­‑se sobrepondo lentamen‑ te à fiscalidade senhorial e concelhia. O sistema fiscal régio parte do exercício de prerrogativas que lhe são conferidas pelo direito de lançar impostos directos (receitas ordinárias) em di‑ recção a uma fiscalidade indirecta e extraordinária que, modi‑ ficada e evoluída, virá a constituir o grosso das receitas desde, pelo menos, inícios do século XV. As necessidades de receita do Estado moderno e pluricontinental em desenvolvimento nos séculos XV e XVI conduzem ao alargamento da aplicação dos tributos indirectos e à reforma da cobrança dos réditos régios por diferentes instâncias administrativas fiscais112. O rei e a suprema justiça A justiça constitui um mecanismo de afirmação do poder e uma das principais prerrogativas e dever que ao rei competia assegurar. A justiça é origem e garantia da paz. Os textos co‑ evos associam com frequência a aplicação da justiça e a con‑ 112 D. Manuel I (1495­‑1521) conferiu importância fulcral ao sector da Fazenda, promul‑ gando, em 1516, o Regimento dos Vedores da Fazenda, oficiais com competências de supervisão dos negócios ultramarinos.

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servação da paz. Ao rei compete fazer justiça de duas formas, pelo estabelecimento de normas gerais113 (cfr., supra, p. 105), preceitos particulares (legislar) e pela aplicação de regras par‑ ticulares (julgar). Consequentemente, governar, nos tempos medievais, é administrar a justiça. Com o pulsar dos tempos um novo modo de governo veio a edificar­‑se, fazendo coincidir no ‘modelo’ do bom rei uma mescla de características antigas e novas. Para os séculos XI­ ‑XII o ideal do príncipe sustentava­‑se na valentia e na destreza militares patenteadas na guerra, para o caso peninsular, como chefe militar da reconquista. Com a segunda metade do século XII, e por influência e adopção das teorias de governo dos filó‑ sofos no pensamento medieval, as virtudes capitais do príncipe são: a prudência (associada à sabedoria), a justiça, a temperança e a fortaleza. Como salienta D. Duarte “O saber por prudência se rege, o querer por justiça, e o poder por temperança nas cousas deleitosas e por fortaleza em contradizer, cometer e suportar os feitos de temer” (Du‑ arte, Dom, 1982: 249­‑250). Paralelamente o Infante D. Pedro no Livro da Virtuosa Benfeitoria realça como uma das qualidades do verdadeiro Príncipe ser o “ministro de deos pera se fazer o bem” (Pedro, Infante Dom, 1910: 28). A prudência é a sabedoria, a virtude dos Príncipes. “Aos príncipes [como refere D. Duarte] cumpre reger e encaminhar seu povo” (Duarte, Dom, 1982: 257). A representação do rei sábio que age com prudência porque recebeu de Deus um entendimento superior ao dos homens convive com a ideia de um rei justo, que zela pelo bem comum. Nas palavras do Infante D. Pedro “E pois os senhores som mais chegados a deos que os outros homees [e remata dizendo] em o stado moral que pertencee a governança do mundo, possuem os príncipes singular perffeyçom” (Pedro, Infante Dom, 1910: 62). Consequentemente, um rei sábio faz leis justas. Existe uma identificação do príncipe com a lei. O rei não pode ir contra a lei natural (normas uni‑ 113 Para os juristas e pensadores políticos da época medieval e moderna, o carácter de gene‑ ralidade das leis não tem o sentido coevo. A ordem jurídica medieva e moderna, conforme refe‑ rimos, assenta no respeito pelos direitos e normas particulares, de cada um dos corpos sociais.

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versais, absolutas, intemporais e superiores), nem contra a lei positiva (de criação humana, sujeitas às vicissitudes do tempo, dependentes do legislador). De igual modo, os magistrados que redigiram o texto das Ordenações Afonsinas fazem questão de salientar que “o Rey justo justifica realmente seu nome, e conserva longamente seu Real estado e senhorio, e por isso he chamado Rey, pêra que haja de reger justamente seu Reyno, e manter seu povoo em direito, e justiça” (Ordenações Afonsinas, L. V, tit. I: 2). José Manuel Nieto Soria salienta esta vertente quando escre‑ ve: “la justicia, aplicada a la imagen jurídico­‑política del rey­‑juez, tiene dos interpretaciones distintas (…). Por un lado, se concibe como minis‑ terio judicial, por el que el rey dicta sentencias sobre pleitos particulares puntuales. Por outro lado, se entiende también como equivalente de la idea de governar. El rey­‑juiz modélico, en este segundo sentido, es el que bien rige, el que gobierna a su pueblo” (1988: 159). José Manuel Nieto Soria enumera as quatro qualidades do rei medieval: o rei jus‑ ticeiro, o rei protector, o rei legislador e o rei juiz, reiteradas, entre nós, por Luís Miguel Duarte (1999: 84­‑91). Existe uma relação entre elas, muito embora nem todas tenham igual va‑ lor semântico. O rei justo é aquele que actua em conformida‑ de com a lei, que decide com firmeza, que instiga o respeito, a estima e o temor dos súbditos. Por isso compete ao rei a pro‑ tecção e a guarda de todos os habitantes do reino, acautelando a sua segurança e dos respectivos bens. Por outro lado, o rei é criador de direito. Nos primórdios da monarquia era reconhe‑ cida ao rei a capacidade de chefia militar, qualidade que o se‑ parava dos demais, paulatinamente, foi­‑lhe conferido o poder de legislar e de exercer justiça. O poder legislativo do rei deri‑ va da prerrogativa de decidir, não é uma limitação do poder, porque procede da vontade individual do rei, cuja autoridade, conforme vimos, se encontrava legitimada pela graça de Deus. Formalmente, na Idade Média, toda a lei requer uma sanção régia. Por conseguinte, ao tempo do Estado moderno, a ideia de rei juiz descrita por Nieto Soria, convive com a noção de rei justiceiro que concebe parte das suas prerrogativas como um poder delegado aos seus directos colaboradores que detém 196

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um importante papel no sistema medieval de administração ju‑ dicial. As relações privadas que o monarca mantém com os ju‑ ízes que o acompanham nas deslocações de terra em terra, e de onde se destaca o corpo daqueles que trabalham na Casa da Suplicação (instância judicial itinerante, reunia os oficiais da justiça suprema), são a prova de que o direito de apelação à Corte do rei constituía um direito consagrado, a que todos os moradores do reino, em domínios do rei ou fora deles, ti‑ nham igual acesso. No entanto, convém ressalvar que o recurso escrito à justiça régia era deveras dispendioso, envolvendo ta‑ xas de Chancelaria, retribuições, pagamento de serviços a ma‑ gistrados, escrivães e outros oficiais do Desembargo régio, facto que confina o número das apelações (Duarte, 1999: 209­‑252). Este corpo especializado de oficiais judiciais reunia alguns dos mais categorizados magistrados, visto que lhes eram acome‑ tidas, uma maioria das vezes, as questões de difícil resolução, os julgamentos dos agravos e as apelações de feitos­‑crime. A complexidade do aparelho judicial foi aumentando à medida que ia crescendo a amplitude e a abrangência do despacho dos negócios do reino. Do mesmo modo que o estabelecimento de impostos gerais e permanentes surge como uma necessida‑ de ordinária que vem normalizar e ‘nivelar’ as relações de to‑ dos os súbditos para com o soberano, a justiça, pelo respeito individual que impõe através da norma estabelecida e o risco de tropeçar no castigo, constitui o garante da coesão da comu‑ nidade de súbditos. Na Idade Média tardia e na época moder‑ na, as principais apelações que vinham à Corte régia reflectiam problemas jurídicos114, facto que acentuou a relevância política e social dos especialistas em direito civil e canónico. Para os séculos XIV e XV, a função e o papel dos magistrados (bacha‑ réis, licenciados ou doutores) – os então denominados letrados ­‑, nas instâncias administrativas encontram­‑se devidamente es‑ 114 Homicídios, agressões, roubos, falsificações de documentos, crimes contra o rei e a autoridade, difamação, adultério… constituem crimes recorrentes nos livros de registos da Chancelaria régia. Sobre a criminalidade e o processo judicial na Idade Média tardia veja­‑se sobretudo Duarte, 1999. Para a época moderna ver por todos Hespanha (1994: 227­‑256).

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tudados entre nós (Homem, 1990; Mota, 1989; Freitas, 2001). De algum modo, como fazem salientar esses estudos, o movi‑ mento das universidades e colégios desde finais do século XII em diante veio conceder resposta a uma progressiva exigência das sociedades ocidentais em geral (Serrão, 1962; Verger, 2001: 149­‑176) e das sociedades políticas em particular: a formação e a profissionalização dos servidores da Coroa. Efectivamente, a obtenção de graus universitários aumentou as possibilidades de ascensão política e social, instituindo nos sectores do Estado uma aristocracia de serviço pelo ingresso na carreira burocráti‑ ca e, designadamente, nos ofícios superiores de justiça os mais credenciados e bem pagos (Duarte, 1999: 133­‑150). Em sín‑ tese, rei, burocratas e legistas consignam o princípio de que toda a justiça deve emanar do rei para o bem da comunidade.

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Balanço final: sistema político e c o n s t r u ç ã o d o E s ta d o

A construção moderna do Estado implicou um conjunto de modificações lentas, edificadas dentro dos limites do do‑ mínio territorial da monarquia. Na nossa opinião, não existiu transição entre a Monarquia feudal (sécs. XI­‑XIII) e a Monar‑ quia moderna (sécs. XIII­‑XVI), mas continuidade. Não se operou um corte, uma separação entre uma e outra, num momento preciso, nem tão pouco se verificou o aparecimento em for‑ ça de novas formas de realeza e de exercício do poder monár‑ quico nos seus vários níveis. Conforme tivemos oportunida‑ de de escrever a incorporação da Monarquia pelo Estado foi ocorrendo lentamente, coexistindo ao longo dos tempos finais da Idade Média antigas formas de convivência social e política e relações de poder com novos ‘modelos’ administrativos de‑ senvolvidos pelo aparelho do poder régio. Falámos de génese do “Estado moderno no Portugal tardo­‑medievo” no sentido de construção e não de consolidação. Na expressão de Wim Blockmans e Jean­‑Philippe Genet exposemos uma “visão sobre o desenvolvimento” do Estado português dos primórdios ao dealbar do século XVI. Neste Estado em construção, governar, administrar, legislar, julgar, cobrar impostos e defender o território supõem a cria‑ ção de meios e uma disponibilidade de homens mais eficazes (porque mais ‘sábios’) do que fidalgos ou honrosos. Esta liga‑ ção entre saber e poder faculta o aparecimento nas instâncias superiores do Desembargo régio de indivíduos de origem social modesta a quem o serviço ao Príncipe proporciona um con‑ junto de privilégios políticos, militares e fiscais, e de doações patrimoniais que os enquadra na aristocracia de serviço emer‑ gente. A ligação entre o rei e os legistas favoreceu o incremen‑ to da especialização e da laicização das instâncias administrati‑ vas, mas também proporcionou o desenvolvimento de novos 202

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modos de pensar o exercício do poder, que tende a surgir para os súbditos de forma mais abstracta, afastando­‑se paulatina‑ mente da ideia de relações de carácter pessoal, de tipo feudal. A construção ideológica do Estado repousa na actividade des‑ tes homens que, sob o pretexto da necessidade de reformas no reino, justificam a restrição das liberdades e privilégios in‑ dividuais, em benefício de uma concepção alargada da sobe‑ rania régia. A lei é uma prescrição abstracta escrita que emana da autoridade soberana aplicável à comunidade de súbditos. Por seu lado, a monarquia foi incrementando a distintos ní‑ veis uma malha burocrática de superior amplitude, mas igual‑ mente mais pesada, menos móvel, com tendência a fixar­‑se num centro. Como reflexo do processo de concentração dos poderes sob a égide do monarca (soberano), esta burocracia é composta por um número crescente de oficiais especializa‑ dos cujas funções estão devidamente regulamentadas. Admi‑ nistradores dos bens régios, magistrados nos seus diferentes graus e estatutos e oficiais de finanças régios, vão­‑se implan‑ tando sobre a malha administrativa territorial herdada. Com a  definição de fronteiras (desde 1297), às funções militares dos grupos de homens constituídos sob a chefia régia e/ou dos senhores locais (ricos­‑homens, infanções ou cavaleiros), para levar a bom termo as campanhas militares de reconquis‑ ta, veio substituir­‑se uma armada de formação régia em vias de organização defensiva e protectora do Estado. Com o dealbar do século XV ocorreu, também a este nível, uma alteração de padrões de recrutamento, nas formas de organização militar e no modo de fazer guerra. A ordem social da nobreza veio a abrir­‑se à participação nas funções governativas. Entre o gru‑ po de oficiais da Corte régia figuram alguns ricos­‑homens e ca‑ valeiros, são primeiros indícios da apropriação de ofícios pela aristocracia e uma patrimonialização dos ofícios régios pela in‑ tegração linhagística de alguns grupos familiares, tal como os estudos prosopográficos demonstram. A história do Estado é feita deste conjunto de acertos sociais e políticos que ultrapas‑ sa, não raro, as questões relativas à determinação da origem do respectivo modelo de organização política, seja de raiz imperial romana seja do Estado­‑nação. 203

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A N E X O S 

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Anexo I  Organograma das instituições monárquicas (século XII)

Anexo II Organograma das instituições monárquicas (século XIII)

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Anexo III Organograma das instituições monárquicas (séculos XIV­‑XV)

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Anexo IV Cronologia dos principais acontecimentos políticos A formação da nacionalidade (antecedentes) 868

873 878 905­‑925 910

– Afonso III, o Grande (848­‑910) conquista o Porto e em 878 a cida‑ de de Coimbra. O conde Vímara Peres participa da reconquista da zona entre o Minho e o Douro e toma conta dos territórios recém conquistados sob presúria designados de terra portucalense. – Morte do conde Vímara Peres. – Coimbra é integrada no reino das Astúrias por acção do Conde Her‑ menegildo Guterres. – Reinado de Sancho I de Navarra.

953

– Partilha de territórios entre os filhos de Afonso III, das Astúrias pelos filhos: Garcia, primogénito, ficou com o Reino de Leão, Or‑ donho fica com a Galiza e tem apoio dos Condes Portucalenses e Fruela com as Astúrias que acabaram por se tornar parte integrante do reino de Leão. – O papa Leão X envia um legado à Península Ibérica, reconhecendo a liturgia visigótica mantida pelos moçárabes. – Notícia do casamento de Mumadona Dias com o conde Hermene‑ gildo (Mendo) Gonçalves. – Mumadona Dias, à morte do marido, reparte os territórios pelos fi‑ lhos. Gonçalo Mendes fica com a Terra Portucalense. – Incursão muçulmana na Galiza.

955

– Ordonho III investe sobre Lisboa.

c. 962

982

– Revolta de Gonçalo Mendes, conde de Portucale, contra Sancho I de Leão. – O conde de Coimbra, Gonçalo Moniz, revolta­‑se contra Sancho I de Leão. – Campanhas do Almançor levam à conquista de Coimbra (987) e San‑ tiago de Compostela (997). – Os condes galegos elegem Bermudo II.

987

– Gonçalo Mendes revolta­‑se contra Bermudo II. Derrota dos revoltosos.

999

– Referências à morte de Mumadona Dias.

924 926 950

966 981­‑1002

1028

– Afonso V morre durante o cerco de Viseu. Sucede­‑lhe Bermudo III à frente do reino de Navarra. 1035-1063 – Reinado de Ramiro I de Aragão. 1051

– O reino do Algarve é anexado ao reino de Sevilha.

1057­‑58

– Fernando I de Leão e Castela conquista Lamego e Viseu.

1064

– Reconquista de Coimbra pelo moçárabe Sisnando. Fernando I nomeia­ ‑o governador.

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1065 1070 1071 1072 1073 1077 1080 1085 1087 1090 1093 1096

1100

1101 1103

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de

Freitas

– Com a morte de Fernando I de Castela e Leão, são divididos os rei‑ nos pelos seus três filhos. Sancho (II) ficou com Castela, Afonso (VI) ficou com Leão e Garcia recebeu a Galiza e Portucale. – Nuno Mendes revolta­‑se contra Garcia II da Galiza e reclama a in‑ dependência e o título de rei de Portugal. – Restaurada a Sé episcopal de Braga. – Batalha do Pedroso – Morte de Nuno Mendes, o sétimo e último conde Portucalense descendente de Vímara Peres, por Garcia II da Galiza. – Afonso VI de Castela despoja Garcia II de todo o poder e reino. – Afonso VI concentra na sua pessoa as coroas de Leão, Castela, Ga‑ liza e Portucale. – Afonso VI (1039 –1109) proclama­‑se imperador de toda a Espanha, depois de conquistar os reinos de Castela e da Galiza. Leão assume o estatuto de principal «Estado» entre os reinos peninsulares. – Restabelecimento do bispado de Coimbra. – Afonso VI de Leão e Castela conquista Toledo, porta avançada con‑ tra o domínio taifa no Sul da Península. – Vinda do conde D. Raimundo à Península. Esponsórios com Urra‑ ca, filha de Afonso VI. – Raimundo de Borgonha (1080 – 1107) casa com Urraca, filha legítima e herdeira de Afonso VI de Leão e Castela, e recebe o reino da Galiza. – Henrique da Borgonha (1066 – 1112) casa com Teresa de Leão (10801130), filha ilegítima de Afonso VI de Leão e Castela. – Henrique de Borgonha por casamento com Teresa, filha de Afon‑ so VI, rei de Leão e Castela, recebe como dote as terras a sul do rio Minho (condados Portucalense e de Coimbra). É restaurado o Condado Portucalense. – Viagem a Roma do arcebispo de Braga, D. Geraldo, para obter do papa, Pascoal II a dignidade metropolitana para a Sé de Braga. A autonomia eclesiástica de Braga é o prenúncio da independência do condado Portucalense. – Delimitação papal das fronteiras da diocese de Coimbra. – Deslocação a Roma do bispo de Braga, D. Geraldo, para obtenção da jurisdição sobre as dioceses da Galiza, Astorga, Mondoñedo, Orense e Tui, bem como em Portugal, sobre o Porto, Coimbra, La‑ mego e Viseu. – Pacto sucessório entre o conde D. Henrique e D. Raimundo, pelo qual, o primeiro reconhecia o segundo como legítimo herdeiro dos reinos de Leão, Castela e Galiza, e o segundo prometia conceder a Henrique o território de Toledo ou o reino da Galiza. – Nascimento de Afonso Raimundes, filho do conde D. Raimundo e de Urraca, posterioremente coroado rei da Galiza e imperador Afonso VII. – Morte de Raimundo da Borgonha.

o estado em portugal

1108

– Morte de Soeiro Mendes da Maia, o mais prestigiado auxiliar do con‑ de D. Henrique. – Morte do arcebispo de Braga, D. Geraldo. 1109 – Morte de Afonso VI, filho de Fernando I. Foi rei de Leão, Castela e Galiza e intitulado imperador de Espanha. 1109­‑1110 – Viagem do conde D. Henrique a França acerca das decisões tomadas nas Cortes de Toledo, onde se procurou resolver o problema da su‑ cessão ao trono, após a morte do conde D. Raimundo. 1111 – Afonso Raimundes (1105 – 1157), filho de Raimundo da Borgonha e Urraca de Leão, torna­‑se rei da Galiza. 1112 – Atribuição pelo Conde D. Henrique dos forais de Sátão, Soure, Ta‑ vares e Azurara da Beira para encorajar o povoamento e a defesa do território cristão. – [Abril] – Morte do Conde D. Henrique, pai de Afonso Henriques. – Teresa é designada regente na menor idade de seu filho, Afonso Hen‑ riques (1112 – 1128), tendo governado o condado como rainha (re‑ gina) e sido reconhecida como tal pelo papa e pela irmã, Urraca de Leão e Castela, bem como, posteriormente, por seu sobrinho Afon‑ so, futuro Afonso VII, rei de Leão e Castela. 1112? – Instalação da Ordem do Hospital em Portugal. 1116

– Teresa de Portugal e Fernão Peres de Trava, nobre galego, organizam uma revolta galaico­‑portuguesa contra as pretensões hegemónicas de Urraca de Leão e Castela. 1120­‑1121 – Início de funções governativas no Condado Portucalense por Fernão Peres de Trava, membro da nobreza galega, que viveu maritalmente com D. Teresa, mãe de Afonso Henriques. – Invasão e derrota de Teresa, Regina de Portugal, pelas tropas de D. Urraca, rainha de Leão e Castela e de Diego Gelmírez, arcebispo de Compostela. – Tratado de Lanhoso pelo qual Teresa salvaguarda o Condado Por‑ tucalense. – Afastamento da Corte de Teresa dos representantes das famílias no‑ bres do Condado Portucalense, designadamente dos senhores de Sousa (Soeiro e Gonçalo Mendes), de Ribadouro e da Maia favore‑ cidos pelo Conde D. Henrique. 1122 – Afonso Henriques e Paio Mendes, arcebispo de Braga, pretendem garantir a autonomia do Condado Portucalense. 1125 – Investidura de Afonso Henriques como cavaleiro em Zamora (data provável). 1126 – Morte de Urraca e coroação de Afonso Raimundes, como Afonso VII, rei de Leão, Castela e Toledo. 1127 – Afonso VII invade a Galiza e submete as forças de Teresa, que recu‑ sava prestar vassalagem ao imperador de Espanha. 1128 – [Março] Tentativa de pacificação entre Teresa, Fernão Peres de Trava e a nobreza portucalense revoltada.

209

Judite A. Gonçalves

de

Freitas

– Teresa e Fernão Peres de Trava abandonam o governo condal. – Instalação da Ordem do Templo em Portugal. 1128­‑ 1140 I nfantado

de

A fonso H enriques

1129

– Afonso Henriques proclama­‑se soberano de Portugal. Surge docu‑ mentado pela primeira vez o substantivo «Portugal». 1130 – Expedição de Afonso VII a Portugal, juntamente com o arcebispo de Compostela, para exigirem de Afonso Henriques o abandono das regiões galegas de Límia e Toronho. – Morte da condessa D. Teresa, mãe de Afonso Henriques. 1135 – Afonso VII, é coroado Imperador de toda a Hispânia, na catedral de Leão. 1136­‑1145 – Egas Moniz, originário de uma poderosa família do Entre Douro e Minho, desempenha o ofício de alferes­‑mor de Afonso Henriques. 1137 – Paz de Tui. Um pacto feudal. Após lutar com Afonso VII no Alto Minho, Afonso Henriques promete ao imperador “fidelidade, segu‑ rança e auxílio contra os inimigos”. 1139­‑1140 – Batalha de Ourique. As forças henriquinas obtém a sua primeira gran‑ de vitória contra os muçulmanos. Afonso Henriques ganha enorme prestígio (carisma) e autoridade, passando a intitular­‑se rei.

1140­‑ 1185 R einado 1140

de

A fonso H enriques

1146

– Afonso Henriques concede carta de couto e privilégios à Ordem do Hospital. – Conferência de Zamora, celebra a paz entre Afonso Henriques e o primo, Afonso VII, rei de Leão e Castela, perante o delegado papal Guido de Vico, pela qual é reconhecida a soberania de Afonso Hen‑ riques sobre o reino de Portugal. – D. Afonso Henriques presta vassalagem ao papa Inocêncio II, colocando­‑se a si e ao reino de Portugal sob protecção de Roma. – Formação dos reinos taifas no sul de Portugal. – Casamento de Afonso Henriques com Mafalda, filha do Conde de Sabóia e Piemonte. – Casamento de Afonso Henriques com Mafalda de Sabóia (1125­‑1157).

1147

– Conquista Santarém e Lisboa por Afonso Henriques.

1148 1153

– Reestabelecimento das dioceses de Lisboa, Viseu e Lamego, a con‑ selho do arcebispo de Braga, João Peculiar, pertencentes outrora à diocese de Mérida. – Fundação da Abadia de Alcobaça.

1154

Nascimento de Sancho, filho de Afonso Henrqiues e Mafalda de Sabóia.

1157

– Morte de Afonso VII, rei de Leão e de Castela. Divisão dos reinos de Leão para Fernando II e de Castela para Sancho III que morre um ano depois (1158).

1143

1145

210

o estado em portugal

1157­‑1169 – Concessão de forais a vários concelhos de fronteira (designadamen‑ te Marialva, Moreira e Trancoso) com o reino de Leão. Objectivo: constituir uma malha defensiva contra possíveis ofensivas organiza‑ das a partir de Cidade Rodrigo. 1158 – Afonso VIII, filho de Sancho III de Castela herda o reino. Era neto paterno de Afonso VII, rei de Leão e de Castela. ­ – Conquista de Alcácer do Sal. 1160

– Edificação do Castelo dos Templários em Tomar.

1161

– Évora, Beja e Alcácer do sal caiem em posse dos muçulmanos.

1162

– Reconquista de Beja.

1163 1165

– Início do conflito entre Fernando II de Leão e Afonso Henriques após ocupação de Limia e de Toroño por Afonso Henriques. – Afonso Henriques devolve os territórios ocupados a Fernando II.

1166

– Casamento de Fernando II, rei de Leão, com Urraca Afonso, filha de Afonso Henriques. – Reconquista de Évora. – Doação do foral a Évora. – Fundação da Ordem da Calatrava.

1172 1174

– Cunhagem das primeiras moedas portuguesas. – Instalação da Ordem de Santiago em Portugal. – Casamento de Sancho I com D. Dulce de Aragão.

1175­-76

– Instalação da Ordem de Avis em Portugal.

1179

1184

– O Papa Alexandre III pela Bula «Manifestis Probatum». – Outorga dos forais a Coimbra, Santarém e Lisboa – Final dos conflitos com Fernando II, de Leão, pela posse de terras na região da fronteira e litoral da Andaluzia. – Os muçulmanos voltam a dominar até ao Tejo.

1185

– Morte de Afonso Henriques na cidade em que nasceu.

1180

1185­‑ 1211 R einado 1185

de

S ancho I

1185

– Sancho I inicia o projecto de repovoamento do reino com estrangei‑ ros oriundos da Borgonha e da Flandres. – Derrota de Sancho I frente a Abu Yusuf Al­‑Mansur, perdendo terras no Algarve e no Alentejo. – Nascimento de Afonso II de Portugal, em Coimbra.

1186

– Forais de Gouveia e Covilhã.

1187

– Forais de Bragança e Viseu.

211

Judite A. Gonçalves

1188

de

Freitas

1190

– Redacção do 1º testamento de Sancho I, pelo qual disponibilizava os castelos de Alenquer, Montemor, Viseu, Guimarães e Santa Maria para a sua mulher D. Dulce e para as suas filhas e deixava à sua filha maior D. Teresa o castelo de Montemor e Cabanões, e à mais nova, Sancha, Bouças, Vila do Conde e Fão. ­– Sancho I reconquista Silves e outras terras algarvias com a ajuda de cruzados a caminho da Terra Santa. ­– Muçulmanos reconquistam Alcobaça, Évora, Leiria, Tomar e Tor‑ res Novas. – Sancho I passa a intitular­‑se rei de Portugal e dos Algarves.

1191

– Muçulmanos tomam Almada, Alcácer do Sal e Palmela.

1192

– Foral de Penacova.

1194

– Foral de Marmelar e Pontével.

1195

– Foral de Povos e S. Vicente da Beira.

1196 1199

– Conflito entre os reis de Leão e de Castela. Sancho I toma o parti‑ do de Castela. – Foral da Guarda.

1200

– Sancho I assina a paz com o rei de Leão, Afonso IX (1188­­‑1230).

1207

– Início das hostilidades entre Sancho I e o bispo do Porto, Martinho Rodrigues. O litígio resultava da indefinição da esfera de influência entre os dois poderes. – Revolta burguesa contra o bispo do Porto. – Nascimento de Sancho II em Coimbra.

1189

1209 1210 ­

1211

– O Papa Inocêncio III troca correspondência com Martinho Rodrigues a propósito das injúrias e opressões lançadas por Sancho I contra o clero da cidade do Porto. ­– Nascimento de Afonso III em Coimbra. ­– Testamento de Sancho I, pelo qual o rei isenta o clero de serviço mi‑ litar, excepto no caso de ataque muçulmano. Concórdia entre San‑ cho I e os prelados. ­– Sancho I deixa em testamento um legado a ser dividido entre as suas filhas, a Igreja e o povo. – [Março] Morte de Sancho I.

1211­‑ 1223 R einado 1211

212

de

A fonso II

– Cortes de Coimbra procede à reorganização jurídico­‑administrativa do reino, inspirando­‑se nos princípios do direito romano. – Promulgação das primeiras leis gerais: contra os abusos das classes privilegiadas (clero e nobreza) e de discriminação dos judeus e dos muçulmanos.

o estado em portugal

–­­ Afirma a superioridade da justiça régia relativamente à senhorial. ­– Reclama autonomia do poder civil perante o poder eclesiástico. ­– Promulga cartas de confirmação pelas quais ratifica concessões efec‑ tuadas pelos monarcas anteriores. ­– Conflito entre Afonso II e as irmãs (Teresa, Sancha e Mafalda) a pro‑ pósito das prerrogativas que lhes tinham sido atribuídas por Sancho I. A contestação de Afonso II leva as irmãs a pedir auxílio a Afon‑ so IX de Leão com o qual se defronta na região norte de Portugal. 1212 – Batalha de Navas de Tolosa – Afonso VIII de Castela lidera uma co‑ ligação de forças cristãs (Sancho VII de Navarra, Pedro II de Ara‑ gão e Afonso II de Portugal, juntamente com cavaleiros do reino de Leão e das ordens militares de Santiago, Calatrava, Templários e Hospitalários) que derrota os mouros almóadas. De fora ficou Afon‑ so IX, rei de Leão. Marca o início da hegemonia cristã na Península. ­– Tratado de Coimbra – Acordo entre Afonso II, Fernando II de Leão e Afonso VIII de Castela para erradicação do perigo dos muçulma‑ nos na Península. 1216­‑1221 – Lançamento de Confirmações, demonstração do poder e sobera‑ nia da Coroa. 1220 ­ – Inquirições gerais lançadas sobre os territórios acima do Douro e na Beira, permitindo ao rei confiscar terras que não fossem aprovei‑ tadas e simultaneamente proceder ao cadastro dos bens da Coroa. 1221 – O exército de Afonso II saqueia a casa do arcebispo de Braga, Es‑ têvão soares. – O Papa Honório III intervém no conflito entre o clero e a Coroa re‑ ferente às Inquirições gerais e excomunga Afonso II. 1223 – Morte de Afonso II. Por testamento Sancho II ficaria sob tutela, até à idade de governar (14 anos), do chanceler, Gonçalo Mendes, do mordomo­‑mor, Pedro Anes e do deão de Lisboa, Mestre Vicente. Estas personalidades influenciam o jovem monarca a reconciliar o poder régio com a Igreja. 1223­‑ 1248 R einado 1223

1226

1228 ­ 1230

de

S ancho II

– Sancho II procura negociar com o Deão de Lisboa, Mestre Vocente, a forma de resolver o conflito entre a Igreja e a Coroa. ­– É solucionado o «arrastado» problema com as infantas, irmãs de Afonso II. – O conflito entre Coroa e Igreja atenuado em função do reinício das campanhas militares contra os muçulmanos no Alentejo. ­– Queixas do bispo do Porto, Martinho Rodrigues, ao papa de que o rei usurpava o direito de jurisdição sobre a cidade, que dependia da Sé. ­– Conquista de Elvas aos muçulmanos – reconquistada por estes no ano seguinte. – Cortes de Coimbra. ­– Foral de Castelo Mendo. – Ocupação e concessão de foral a Elvas. Conquista de Juromenha.

213

Judite A. Gonçalves

1231

1232­­‑38 1238 1239 1240 1242 1243 1244 1245

1246 1248

de

Freitas

– Conflito entre Sancho II e o Abade de Pombeiro. ­– Tratado de Sabugal – Acordo entre Sancho II e Fernando III de Cas‑ tela e Leão de ajuda mútua na defesa contra os muçulmanos. Fer‑ nando III devolve Chaves a Sancho II. – Campanhas militares de conquista do Alentejo (Beja, Moura, Serpa, Aljustrel, Mértola) aos muçulmanos com a participação dos cavalei‑ ros da Ordem Militar de Santiago. – O bispo do Porto levanta queixas contra o rei e o bispo de Salaman‑ ca lança um interdito que o papa confirmou. – Casamento de Afonso II com Matilde de Bolonha. – Conquista de Alvor aos muçulmanos. ­– Casamento de Sancho II com Mécia Lopes de Haro, neta de Afon‑ so IX de Leão. – Conquista de Tavira e Paderne. – Bispos portugueses apresentam ao papa Inocência IV queixa sobre a desordem que grassava o país. Acusavam os oficiais régios de abu‑ sos de autoridade. – Em assembleia realizada em Paris, entre prelados e nobres portugue‑ ses, o Infante Afonso jurou a guarda de todos os privilégios, foros e costumes dos municípios, da nobreza e do clero secular do reino. – [Fevereiro] ordem do papa para a separação de Sancho II de Mécia Lopes de Haro por terem casado sem dispensa de consanguinidade. ­– [Março] Publicação da Bula Inter Alia Desiderabilia responsabilizan‑ do Sancho II pela desordem em Portugal. ­– [Junho] O Infante Afonso (futuro Afonso III) é proclamado Regen‑ te (1245­–1248). ­– Sancho II exila­‑se em Toledo. ­– [Julho] Concílio de Lião, o Papa Inocêncio IV depõe Sancho II, rei de Portugal declarando­‑o «rex innutilis» e Frederico II, Imperador do Sacro Império Germânico. ­– [Setembro] O Infante Afonso, Conde de Bolonha, celebra pacto com os bispos portugueses onde faz promessas genéricas. ­– [Dezembro] – Afonso chega a Lisboa em plena guerra civil. – A Igreja toma refém a rainha, Mécia Lopes de Haro. ­– Guerra civil: confrontos entre as forças partidárias de Sancho II e de Afonso III pela Coroa de Portugal. – Sancho II morre no exílio em Toledo, subindo ao trono, o seu irmão, Afonso, o conde de Bolonha

1248­‑ 1279 R einado

de

A fonso III

1248

– Fernando III de Castela conquista Córdova e Sevilha.

1249

– Afonso III reconquista do Algarve (tomada de Faro, Albufeira, Por‑ ches e Silves) marcando o fim da reconquista portuguesa e adopta o título de “rei de Portugal e dos Algarves”. Título contestado pelo rei de Castela que considerava que o Algarve lhe pertencia.

214

o estado em portugal

1250­­‑1251 – Guerra pela posse do Algarve entre Afonso III de Portugal e Fer‑ nando III de Castela. 1252 – Reunião em Badajoz entre Afonso III e Fernando III de Castela para iniciar as negociações que estabelecerão os limites territoriais entre os dois reinos. 1253 – Casamento de Afonso III com Beatriz de Castela, filha de Afonso X, o Sábio. O casamento acabou por funcionar como uma aliança que pôs termo à luta entre Portugal e Castela pelo reino do Algarve. ­– O papa Alexandre IV pressiona Afonso III a manter o seu matrimó‑ nio com Matilde. O rei não obedeceu. ­– Lei do Tabelamento dos preços dos produtos comerciáveis. ­– Lei almotaçaria que proíbe a exportação de cereais e metais preciosos. ­– Reunião em Chaves entre Afonso III e Fernando III de Castela para definição das fronteiras entre os dois reinos. 1254 – [Fevereiro­–Março] Cortes gerais de Leiria (Clero, nobreza e procu‑ radores dos concelhos). A presença dos procuradores dos conce‑ lhos passou a ser habitual tal como já acontecia no reino de Leão. ­– Afonso III estrategicamente procura colocar eclesiásticos da sua con‑ fiança à frente das dioceses. 1255 – Os serviços da administração central são progressivamente transfe‑ ridos de Coimbra para Lisboa, onde a Corte passou a residir mais tempo. ­– Foral de Vila Nova de Gaia para incrementar a actividade comercial. 1258 – Morte de Matilde, mulher de Afonso III. ­– Lançamento de Inquirições gerais que procuram restringir os abusos das classes privilegiadas. 1261 – Nascimento de D. Dinis em Santarém. ­– Nomeação do primeiro meirinho­‑mor do reino, ofício que detinha por função salvaguardar a intervenção do poder régio no plano ju‑ dicial, mesmo em terras de regime senhorial. ­– Cortes de Coimbra com uma intensa actividade legislativa, designa‑ damente sobre a questão da desvalorização da moeda, o rei decide substituir a desvalorização da moeda pelo lançamento de um impos‑ to. Questiona­‑se a apropriação indevida dos direitos régios pelos es‑ tratos elevados da população. 1264 – Afonso X de Castela renúncia à sua pretensão sobre o reino do Al‑ garve. 1265 – Afonso III de acordo com as Inquirições gerais confisca terras ao clero. 1267 – Tratado de Badajoz ­‑ Castela renuncia em definitivo à posse do Al‑ garve que é integrado na monarquia portuguesa. Castela fica com as localidades de Arouce e de Aracena. 1268 – Continuam as hostilidades entre a Coroa e o Clero, circunstância que leva os bispos de Portugal a deslocarem­‑se a Roma e apresentarem ao papa 43 artigos e acusações contra Afonso III. Afonso III é exco‑ mungado pelo arcebispo de Braga e os bispos do Porto e de Coimbra, e pelo papa Clemente IV à semelhança dos reis que o precederam.

215

Judite A. Gonçalves

1272

de

Freitas

– Os bispos lançam o interdito sobre o reino, posteriormente levanta‑ do pelo papa Clemente IV sob pressão dos delegados régios envia‑ dos à Cúria pontifícia. – Fundação da Ordem dos Cavaleiros de Santiago de Espada.

1273

– Criação de uma comissão por Afonso III que procura averiguar abu‑ sos cometidos contra a Igreja. 1275­­‑1280? – Nascimento de Álvaro Pais, em Lisboa. 1275­­‑1290 – Publicação da Constituição apostólica De regno Portugaliae obrigan‑ do à reparação dos agravos feitos à Igreja, sob pena de interdito do reino. Estas obrigações não surtiriam efeito o papa morre em 1276. 1278 – Afonso III entrega o governo do reino a D. Dinis, seu filho. 1279

– Juramento de submissão à Santa Sé por Afonso III que continua‑ va excomungado, tendo mandado elaborar um documento onde se submete ao papa e ordena a entrega de terras à Igreja.

1279­– 1325 R einado 1281

1282 1286

de

D. D inis

– D. Dinis é aclamado rei em Lisboa. ­– Estabelecimento do contrato de casamento entre D. Dinis e Isabel de Aragão. ­– Início das negociações com os bispos para resolver “velhas” ques‑ tões com o clero nacional. ­– O reino permanece interdito até Janeiro de 1290. – Confronto entre D. Dinis e o Infante Afonso, seu irmão, no Alente‑ jo, na disputa pela sucessão no poder. – Casamento de D. Dinis com Isabel de Aragão, em Trancoso.

1288

– D. Dinis com apoio de Sancho IV de Castela cerca o irmão, Infante Afonso, em Arronches. A luta é interrompida pela intervenção de Beatriz de Castela, mãe dos infantes e as mulheres dos monarcas, Isabel de Portugal e Maria de Castela. – Reunião no Sabugal entre D. Dinis e Sancho IV de Castela para to‑ marem medidas conjuntas contra os nobres revoltosos nas respec‑ tivas Cortes. – Realização de Inquirições gerais.

1289

– Finalmente diluem­‑se as dissensões entre a Coroa e a Igreja.

1290

– Nasce Afonso IV em Lisboa.

1291

– Casamento de Afonso IV com Beatriz de Castela.

1293

– Sancho IV de Castela depois de ter feito um acordo com o rei de França tenta conquistar Portugal e o Algarve. ­– D. Dinis protege João Nunes de Lara, um adversário do rei de Castela. – Conflito com Castela pela disputa dos castelos de Arronches, Mar‑ vão e Portalegre.

1287

1295

216

o estado em portugal

­– Sancho IV de Castela ocupa as localidades da Guarda e Pinhel. Em resposta D. Dinis ocupa Alfaiates, Almeida, Castelo Branco, Castelo Melhor, Monforte, Castelo Rodrigo, Sabugal e Vila Maior. 1296 – D. Dinis desloca­‑se em auxílio dos adversários do rei de Castela e ocupa Salamanca, Tordesilhas e Simancas. As forças do monarca português aproximam­‑se de Valhadolid e conquistam terras na re‑ gião de Ribacoa. ­– Adopção da língua vulgar, português, pela Chancelaria régia. c.1296 – Surge a menção à existência dos “Contos”, uma repartição onde se concentravam as contas da fazenda régia. No reinado de Afonso IV surgem inúmeras referências ao Sacador dos direitos reais e ao Re‑ cebedor dos dinheiros da Chancelaria régia. A tendência é para a se‑ paração entre os Contos de Lisboa e os Contos de el­‑Rei. Somente com João I é instituída oficialmente a Casa dos Contos, organismo da fazenda «pública». 1297 – Tratado de Alcanices – Fixação dos limites fronteiriços entre Castela e Portugal. Portugal toma posse de Campo Maior, Ouguela e S. Féliz de Galegos e desiste da posse de Aracena, Aroche, Ferreira, Esparregal, Valência e Aiamonte.O pacto é ratificado com a promessa de casa‑ mento de Fernando IV com Constança, filha de D. Dinis, e de Afon‑ so, herdeiro do trono de Portugal, com Beatriz, infanta de Castela. 1298 – Fundação do Condado de Barcelos em favor de João Afonso de Al‑ buquerque (1º condado português). 1299 – D. Dinis cerca novamente o seu irmão, o Infante Afonso, em Por‑ talegre, e mais uma vez a batalha é evitada pelos mesmos elemen‑ tos das famílias reais que estiveram em Aronches (cfr., supra, 1286). c.1300 – Criação dos primeiros corpos de besteiros, a fornecer pelos conce‑ lhos. Os concelhos passam a ter a obrigação de fornecer e armar um certo número de besteiros. Objectivo: D. Dinis pretende dispor de um exército «independente» e fiel. 1301­­‑1307 – Lançamento de Inquirições gerais, no Minho e parte da Beira. 1302 1304 1305 1307 1308 1308 1309

– Casamento de Constança de Portugal com Fernando IV de Castela e Leão selando as pazes de Alcanices. – D. Dinis arbitra o conflito entre Castela e Aragão. Acordos de Tor‑ relas e Tarazona. – Publicação do Regimento dos tabeliães: regulariza a actividade deste grupo de profissionais que tinham por incumbência lavrar, reprodu‑ zir e autenticar documentos garantindo a respectiva autenticidade. – Nacionalização do comércio marítimo com o provimento do primei‑ ro almirante português, Nuno Fernandes Cogominho. – Primeiro tratado comercial entre Portugal e a Inglaterra. Projecção da actividade comercial portuguesa em direcção ao Norte da Europa. – Criação do Almirantado português para controlo do trato comercial com a Inglaterra. – Concordata entre o rei, o bispo e o cabido de Lisboa.

217

Judite A. Gonçalves

de

Freitas

1312

­– Casamento de Afonso (IV) com Beatriz de Castela, irmã de Fernando IV e filha de Sancho IV de Castela e de Maria Molina. – Extinção da Ordem dos Templários.

1314

– Demarcação da fronteira na zona de Moura e de Noudar.

1315

– Solicitação ao para João XXII para a criação da Ordem Militar de Cristo para gestão dos bens da extinta Ordem dos Templários. ­– O Infante Afonso (futuro Afonso IV de Portugal) incompatibiliza­ ‑se com o pai, D. Dinis, por razões relacionadas com o valimento na Corte de seus meios­‑irmãos: Afonso Sanches, João Afonso e Fernão Sanches. – Início dos conflitos de D. Dinis com os bispos do porto e de Lisboa. ­– Confirmação da sentença contendo as apreciações relativas às In‑ quirições de 1307. – Exílio dos bispos do Porto e de Lisboa em Avinhão, pelo conflito que mantinham com a Coroa. – Nascimento de Pedro I em Coimbra. ­– Criação da Ordem de Cristo com os bens dos extintos Templários. ­– O Infante Afonso (IV) ordena o assassinato do Bispo de Estremoz aliado do pai, D. Dinis. – Aprovação dos primeiros estatutos da Ordem de Cristo.

1316 1318 1320

1321 1322

1323

– Estabelecimento da paz com intervenção da rainha Isabel de Ara‑ gão, mulher de D. Dinis e mãe de Afonso IV que recebe os senho‑ rios da cidade de Coimbra, de Montemor­‑o­‑Velho e os castelos da Feira, Gaia e Porto. – Os exércitos de D. Dinis e Afonso IV, seu filho, encontram­‑se em Alvalade. O conflito é evitado pela intervenção da rainha Isabel.

1325­‑ 1357 R einado 1325 1325 1326 ­ 1328 1332

218

de

A fonso IV

– Cortes de Évora – Afonso IIV defende a lei sobre os direitos dos padroeiros. ­– Afonso Sanches, seu irmão, é enviado para o exílio em Castela. – Afonso Sanches invade Portugal e toma Bragança com apoio do exér‑ cito castelhano, enquanto o seu filho derrota no Alentejo o exército de D. Dinis em Ouguela. – Tratado de Toro – Convenção entre os embaixadores de Portugal e de Castela para unirem forças no combate aos muçulmanos. – O Infante Pedro (I) casa com Branca de Castela, a qual veio a ser re‑ pudiada e o casamento anulado em 1336. – É promulgado um conjunto de dezoito leis sobre processos, resolu‑ ções, magistrados e procuradores, duas das quais estabelecem a se‑ paração entre os feitos cíveis (a cargo de dois sobrejuízes) e crime (a cargo de dois ouvidores). ­– Regimento dos Corregedores – Justiças régias impõem diminuição da autonomia dos concelhos.

o estado em portugal

1334­­‑1435 – Regimento das Audiências – Reitera a separação entre juízos dos feitos crime (a cargo de três ouvidores), juízos dos feitos cíveis (a cargo de sobrejuízes) e juízos sobre direitos régios (a cargo de três ouvidores da portaria). ­– Surgimento do ofício de Ouvidor da portaria que cuidavam dos fei‑ tos relativos aos direitos régios. 1336 – Casamento por procuração do Infante Pedro (I) com sua prima Cons‑ tança Manuel da Galiza. O futuro rei acabará por se apaixonar pela aia galega da mulher, Inês de Castro, após a chegada destas a Portu‑ gal após a chegada destas a Portugal quatro anos depois do enlace. – Morte da rainha Isabel de Aragão, mulher de D. Dinis, em Estremoz. – Afonso IV declara guerra (1336­–1338) ao genro, Afonso XI de Cas‑ tela por menosprezar a filha Maria de Portugal envolvendo­‑se com Leonor de Gusmão, sua amante. ­– Cerco de Afonso IV a Badajoz e tentativa falhada de invasão da Galiza. 1337 – Início da Guerra dos 100 anos (1337­–1453) na Europa, que opôs a Inglaterra e a França envolvendo Portugal e Castela. 1339 – Abd al­‑Malique organiza uma ofensiva muçulmana na tentativa de reconquistar a Península Ibérica, mas é morto em combate. 1340 – Derrota naval das forças aliadas cristãs pela armada muçulmana co‑ mandada por Abu Halaçane. ­– Afonso XI de Castela separa­‑se de Leonor de Gusmão. ­– Batalha do Salado – Portugal e Castela fazem as pazes e combatem lado a lado na defesa de Castela contra os muçulmanos. ­– Regimento dos Corregedores – Impõe restrições à autonomia municipal. 1341­­‑1344 – Álvaro Pais redige o Speculum Regnum onde exalta a acção de Afonso IV na luta contra os mouros na Batalha do Salado. 1341 – Descoberta das ilhas Canárias. 1345

1348 1349 1353 1355

1357

– Nascimento do Infante D. Fernando em Coimbra. ­– Afonso IV solicita ao papa Clemente VI a posse das ilhas Canárias, mas Castela opõem­‑se e a questão arrasta­‑se até à assinatura do Tra‑ tado de Alcáçovas­‑Toledo (1479­–1480). – Peste Negra dizima cerca de 1/3 da população portuguesa. – Estabelecimento do trabalho rural obrigatório devido à escassez de alimentos provocada pela pandemia. – Casamento secreto entre Pedro I e Inês de Castro, não reconheci‑ do pelas Cortes. – Assassinato de Inês de Castro por ordem do rei Afonso IV, pai de Pedro I por tê­‑la considerado uma ameaça para o reino de Portugal. – Tratado de Paz de Canavases – reconciliação entre Afonso IV e o In‑ fante Pedro (I) depois do assassinato de Inês de Castro. – Nascimento de João I em Lisboa, filho de Pedro I e de Teresa Lourenço.

1357­– 1367 R einado 1358

de

Pedro I

– O Infante Pedro (I) coroa Inês de Castro de rainha depois de morta. ­– Assinatura de um tratado de aliança entre Pedro I de Portugal e Pe‑ dro, o Cruel, de Castela.

219

Judite A. Gonçalves

de

Freitas

1360

– Nascimento de Nuno Álvares Pereira (1360 –­ 1431) na Sertã.

1361

– Cortes de Elvas ­– Instituição do «Beneplácito Régio» pelo qual o monarca português pre‑ tende aumentar a autonomia do poder régio relativamente à Santa Sé. Por este documento os textos pontifícios (bulas, breves et al.) só poderiam ser divulgados no reino de Portugal depois de obtida a autorização régia. ­– Ordenação sobre o Desembargo régio – reestruturação e organiza‑ ção das instâncias da administração central. ­– É criado o ofício de Escrivão da Puridade, oficial superior da Câmara régia. ­– Regulamentação sobre Justiça. – O Infante João, filho bastardo de Pedro I e de Teresa Lourenço, é consagrado Mestre da Ordem de Avis. ­– A amizade entre Pedro I de Portugal e Pedro I de Castela leva­‑os a lutar lado a lado contra Aragão e Valência. – Procurando reforçar os laços dinásticos entre as famílias reais de Portugal e Castela, Pedro I de Portugal estabelece com Pedro I de Castela, e depois com Henrique de Trastâmara (futuro Henrique II de Castela), um tratado que estabelece as condições de casamento do Infante Fernando com uma infanta de Castela. – [Janeiro] – Morte de Pedro I e subida ao trono de Fernando I.

1363

1366

1367

1367­‑ 1383 R einado 1369

1370 1371

1371 1372

220

de

Fernando I

– Cortes de Lisboa – o rei é censurado por não respeitar as Leis de Desamortização e por comprar vinhos e mantimentos sem pagar. ­– Em resultado das alianças e rivalidades desenvolvidas no contexto da Guerra dos Cem Anos e da guerra civil surgida em Castela na sequên‑ cia do assassinato de Pedro I, o Cruel, D. Fernando declara guerra a Henrique II de Castela pela pretensão da sucessão do trono de Castela. ­– as forças portuguesas invadem a Galiza e as castelhanas invadem e tomam Bragança, Braga e Outeiro de Miranda. – A armada portuguesa bloqueia a entrada do rio Guadalquivir cortan‑ do o acesso a Sevilha e procura tomar Cidade Rodrigo. – Tratado de Alcoutim – D. Fernando de Portugal depois de derrota‑ do por Henrique II de Castela compromete­‑se casar com Leonor de Castela. Pouco depois infringe o acordo e casa com Leonor Teles, natural da Galiza. Sucedem­‑se revoltas populares em Lisboa contra o casamento do rei. – Nascimento de Afonso, filho ilegítimo de D. Fernando e Inês Pires, que veio a ser o primeiro duque de Bragança (1371­–1461). – Contestação popular em relação ao casamento de D. Fernando com Leonor Teles (neta ilegítima de Sancho I) que se casou e divorciou no mesmo ano com João Lourenço da Cunha. – Tratado de Tagilde [Julho] ratificado em Junho de 1373 ­– Represen‑ tantes de Fernando I e do duque de Lencastre rubricam um tratado pelo qual a Coroa portuguesa se compromete a apoiar a Inglater‑ ra contra Henrique II de Castela e contra a França, no âmbito da Guerra dos Cem Anos.

o estado em portugal

­– Criação do ofício de Vedor da Fazenda – Dois titulares incumbidos de tratar do provimento dos oficiais fiscais e da administração do património régio e da fazenda «publica». Oficiais subalternos: um Tesoureiro­‑mor e um Vedor da casa. 1372­‑1373 – Segunda guerra com Castela resultante do apoio prestado por Por‑ tugal à Inglaterra e de acções militares realizadas contra interesses mercantis castelhanos. A cidade de Lisboa é cercada e ocupada pe‑ las forças castelhanas. 1373 – [Março] – Assinatura de Tratado de Paz entre Portugal e Cas– tela, comprometendo­‑se o rei de Portugal a apoiar Castela e a França na Guerra dos Cem Anos. – [Junho] – O rei de Portugal assina um acordo de colaboração político­ ‑militar e comercial com o rei de Inglaterra contrariando os compro‑ missos anteriormente assumidos com Castela. ­– Lançamento de Inquirições na região do Alto Alentejo. 1373­­‑74 – Revoltas populares contra a política régia de Fernando I, mormente de guerra sucessiva com Castela, de desvalorização monetária e au‑ mento sucessivo dos preços. 1377­‑80

– Legislação sobre a actividade mercantil. Fundação da Companhia das Naus que concedia empréstimos à construção de navios e reforçou os apoios concedidos aos mercadores nacionais.

1378

– Estabelecimento de um arquivo das contas públicas nos então de‑ signados “Contos” ­‑ organismo que controlava os rendimentos e receitas da Coroa.

1380

­– Tratado de Estremoz – Confirmação da aliança entre Portugal e a Inglaterra. ­– No contexto do Grande Cisma do Ocidente (1378 ­– 1417), Fernando I altera a sua posição inicial de apoio da Igreja portuguesa ao papa de Avinhão, Clemente VII (patrocinado pela França e por Castela), para a obediência ao papa de Roma, Urbano VI (apoiado pela Inglaterra). – João II de Castela invade Portugal, iniciando­‑se a III guerra fernandi‑ na. O infante João, filho de Pedro I e de Inês de Castro, invade Por‑ tugal juntamente com o rei de Castela. Os portugueses são derrota‑ dos de novo. Lisboa é mais uma vez cercada mas resiste à conquista. – [Abril] – Tratado de Salvaterra de Magos – que estabelece que a infan‑ ta Beatriz filha de Fernando I de Portugal casaria com o herdeiro da coroa de Castela. Em virtude da morte precoce da rainha de Caste‑ la, Beatriz de Portugal, desposa com 11 anos o rei João I de Castela. ­– [Outubro] – Morte de Fernando I de Portugal, com apenas 38 anos. Leonor Teles assume o cargo de regente de Portugal em nome de Beatriz e João I de Castela. ­– [Novembro­–Dezembro] – Depois do acto de aclamação dos novos monarcas sucedem­‑se revoltas e contestação popular. O Mestre de Avis apoiado por membros da pequena nobreza, burguesia e povo da cidade de Lisboa aceita, depois de hesitar, ser proclamado Rege‑ dor e Defensor do Reino.

1381­­‑82

1383

221

Judite A. Gonçalves

1384

1385 ­

1386­­‑87 1387 1389

1391 1392

1393 1395 1396­‑98 1401

1402

1403

222

de

Freitas

– João I de Castela invade Portugal e cerca mais uma vez Lisboa e resiste. ­– No Alentejo, Nuno Álvares Pereira, derrota na Batalha dos Atoleiros os castelhanos. Organização militar, corpos de besteiros e archeiros permitiram a vitória atestando a superioridade do exército português. – Cortes de Coimbra – Afastados os outros candidatos (Beatriz, João e Dinis, os dois últimos filhos de Pedro I e de Inês de Castro), o ju‑ rista Dr. João das Regras faz a apologia de João, Mestre de Avis que é aclamado rei de Portugal em Cortes. ­– Batalha de Aljubarrota, Trancoso e Valverde, com auxílio de merce‑ nários ingleses, as forças militares portuguesas derrotam sucessiva‑ mente as castelhanas. – Tratado de Windsor – Representantes de Inglaterra e de Inglaterra assinam o tratado de reconhecimento do novo rei de Portugal (João I) e da nova dinastia (dinastia de Avis). ­– Casamento de João I com Filipa de Lencastre. – Cortes de Lisboa ­– João I faz aprovar legislação que aumenta a capa‑ cidade de intervenção da administração régia. Transfere para a Coroa o mecanismo de recrutamento dos besteiros do conto inicialmen‑ te da responsabilidade dos municípios. Reforço do aparelho militar pela crescente autonomia e especialização. ­– Início da tarefa de compilação e sistematização das leis vigentes que só será concluída no reinado de Afonso V (1446). ­– Primeiro Regimento da Casa dos Contos. – Nascimento do Infante Duarte, em Viseu, herdeiro do trono. – Separação da Casa do Cível (sediada em Santarém ou em Lisboa) da Casa da Justiça da Corte (que acompanhava o rei nas deslocações e constituía suprema instância de recurso, caucionando a imagem do rei­‑juiz). – Criação do arcebispado de Lisboa. – Inquirições gerais na região da Beira Alta e de Trás­‑os­‑Montes para verificar os títulos de propriedade e os direitos senhoriais. – O Infante Dinis (filho de Pedro I e de Inês de Castro), proclama­‑se rei de Portugal. Marcha sobre a Beira onde encontra oposição das forças comandadas por Nuno Álvares Pereira. – Casamento do filho ilegítimo de João I (I duque de Bragança), Afon‑ so (conde de Barcelos e duque de Bragança) com a filha de Nuno Álvares Pereira, Brites. Constitui­‑se uma das maiores casas senho‑ riais portuguesas. – Promulgação de legislação que proíbe a exportação de metais pre‑ ciosos. ­– Assinatura de um acordo de paz entre os reis de Portugal e de Cas‑ tela ratificado posteriormente em 1411. – Casa dos Contos – João I estabelece por carta a primitiva separação entre o arquivo régio e os Contos que virão a estabelecer­‑se com re‑ gimento próprio em 1408.

o estado em portugal

1407

– Início dos preparativos da armada levada a Ceuta.

1408

– Cortes de Évora – Concessão de «assentamento» aos filhos segun‑ dos dos nobres permitindo­‑lhes viver na Corte sem perda de esta‑ tuto social e económico. ­– Separação entre a Casa dos Contos de Lisboa, à frente dos quais es‑ tava o Contador­‑mor, e os Contos de el­‑Rei, à frente dos quais esta‑ vam os Vedores da Fazenda. – Tratado de Paz – Termo do conflito prolongado entre Portugal e Castela. – Data provável da associação do Infante Duarte às actividades da go‑ vernação por João I. – Escrito por Duarte o Livro da Ensinança de bem cavalgar a toda Sela.

1411 1411­‑12 1412? 1415

1414­­‑33 1418

1419 1420 ­ 1422 1426 1427 1428 1431 1432 1433

– Morte de Filipa de Lencastre, em Odivelas. ­– Tomada da cidade de Ceuta. Marca o início da expansão portuguesa. Depois da conquista de Ceuta, os reis são «reis de Portugal do Al‑ garve e senhores de Ceuta». ­– Após o regresso de Ceuta, são concedidos os títulos de duque de Coimbra e de Viseu, respectivamente ao Infante Pedro e ao Infan‑ te Henrique. – Livro da Montaria, de João I. – Regimento dos Corregedores ­‑ Primeiro documento legislativo de D. Duarte, enquanto Infante. Estabelece o regime eleitoral dos ofícios concelhios, designadamente dos coudéis, que efectuavam o apura‑ mento militar. ­– Ordem Militar de Santiago é entregue ao Infante João, filho de João I. Representa o início da incorporação do património das Ordens Religiosas e Militares na família real. – Descoberta do Arquipélago da Madeira por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira. – Ordem de Cristo é entregue ao Infante Henrique, o Navegador, fi‑ lho de João I. – Adopção do calendário Cristão nos documentos oficiais. – Carta de Bruges, redigida pelo Infante Pedro a D. Duarte, apresen‑ tando um verdadeiro programa de administração pública. – Descoberta da parte Oriental do Arquipélago dos Açores por Dio‑ go de Silves. – Casamento do Infante Duarte com Leonor de Aragão. – Tratado de Paz de Medina del Campo – Pacificação das relações en‑ tre Portugal e Castela. – Nascimento do Infante Afonso (V). – [Agosto] Morte de João I. ­– Livro da Virtuosa Benfeitoria – tratado ético­‑político, escrito para edu‑ cação dos príncipes por Frei João da Verba e o Infante Pedro, ir‑ mão de D. Duarte.

223

Judite A. Gonçalves

1433­– 1438 R einado 1434

1436 1437 1437­­‑38 1439 1442 1443 1446

1447 1449

1455 1456 1458 1459 1460 1469 1470 1471

224

de

de

Freitas

D uarte

– Lei Mental – Determinou que todos os bens da Coroa passassem para o herdeiro varão, procurando defender o património da Coroa. Foi inicialmente aplicada por João I. ­– Gil Eanes ultrapassa o Cabo Bojador. ­– A Ordem de Avis é entregue ao Infante Fernando, filho de João I. – Portugal solicita ao papa Eugénio IV permissão para ocupar as ilhas Canárias. ­– Conselho de Leiria – O Infante Pedro é contra a conquista de Tânger. – Desastre de Tânger, abre uma crise no reino. O Infante Fernando, irmão do rei, é feito prisioneiro e morre mais tarde (1443) em cativeiro em Fez. – É concluída a compilação de apontamentos ético­‑políticos realizados ao longo da vida pelo rei D. Duarte conhecida por Leal Conselheiro, dedicada a Leonor de Aragão, sua mulher. – O Infante Henrique, o navegador, ordena a colonização das ilhas dos Açores. – Afonso, filho ilegítimo de João I, é nomeado Duque de Bragança. – O Infante Henrique, o Navegador, adquiriu o monopólio da navega‑ ção, guerra e comércio das terras além Cabo Bojador. – Cortes de Lisboa – Aclamação do Infante Afonso (V) por ter atingi‑ do a maior idade, como rei de Portugal. Afonso V pede ao tio que o ajude na administração do reino. Só a 9 de Junho de 1449 assumirá o governo directo do reino. – Publicação das Ordenações Afonsinas – Primeira compilação oficial do Direito Régio. O início dos trabalhos de organização desta colec‑ tânea recua ao reinado de João I, a cargo de João Mendes, Correge‑ dor da Corte e, posteriormente, do Dr. Rui Fernandes. – Afonso V casa com a prima Isabel (1432­­‑1455), filha do duque de Coimbra, seu tio e regente entre 1439­­‑1449. – Batalha de Alfarrobeira – Afonso V com apoio do 1º Duque de Bra‑ gança combate o exército do tio, Infante Pedro, que é morto em pleno campo de batalha. A vitória da facção senhorial e palaciana e o regresso à política de conquista de praças no Norte de África. – Nascimento do Infante João (II), em Lisboa. – Diogo Gomes descobre Cabo Verde. – Conquista de Alcácer Ceguer. – Início da Leitura Nova ­‑ é efectuada a leitura e cópia dos documentos régios da chancelaria para novos registos dos livros de Chancelaria dos reinados anteriores ao ano de 1433. – O Infante Henrique, o Navegador, chega à Serra Leoa e à Guiné. Morre neste mesmo ano. – Nascimento de Manuel (I), em Alcochete. – Descoberta da ilha de S. Tomé. – Casamento do Infante João (II) com Leonor, filha do Infante Fer‑ nando, Duque de Viseu. ­– Conquista de Arzila e ocupação de Tânger.

o estado em portugal

1475 ­

1476 1479 ­ 1480

1481

– Regimento da Casa da Suplicação – Estatuto do Tribunal superior que, no século XV, substituí a Casa da Justiça da Corte, a quem com‑ petia o julgamento das apelações para as quais a Casa do Cível não tinha alçada. Marca um momento de afirmação do direito nacional e de consolidação do sector da Justiça. – Batalha de Toro – entre Afonso V e os Reis Católicos, integrando a guerra de sucessão de Castela. Derrota do exército português. ­– Auto de juramento do Príncipe Afonso, filho de João (II). – Tratado das Terçarias de Moura ­– Alcáçovas­‑Toledo – Pôs fim à guerra de sucessão de Castela. Afonso V reconhece a realeza de Castela e abandona a pretensão às Canárias. Portugal fica com a posse do senhorio da Guiné, Madeira, Açores e Cabo Verde e a conquista do reino de Fez. – Morte de Afonso V.

1481­­‑1495 R einado 1481 1482

de

João II

– Instalação da Casa da Mina em Lisboa. ­– João II aniquila tentativa de revolta na Corte. – Início da construção da feitoria de S. Jorge da Mina. ­– Cortes de Santarém.

1482

– Expedição de Diogo Cão á Costa Ocidental Africana.

1483

– Julgamento do Duque de Bragança e execução do 3º duque de Bra‑ gança, D. Fernando, acusado de traição. Fuga do Marquês de Mon‑ temor, do Conde de Faro e de outros acusados. ­– Tratado de aliança entre João II e Caros VIII de França.

1484

– João II executa Diogo, Duque de Viseu, acusado de traição.

1485

– Oração de obediência ao papa Inocêncio VIII, pelo jurisconsulto Vas‑ co Fernandes de Lucena, magistrado superior da Casa da Suplicação. ­– João II rejeita proposta de Cristóvão Colombo para viajar à India.

1487

– Abolição do Beneplácito Régio, no entanto, a Coroa manteve o con‑ trolo indirecto sobre certos documentos e actos eclesiásticos. – Bartolomeu Dias dobra o Cabo da Boa Esperança.

1488 1492 1494 1495 1495

– Cristóvão Colombo chega a terras da América Central em viagem patrocinada pelos reis de Castela. – Tratado de Tordesilhas – define as esferas de influência no mundo entre Portugal e Castela, tendo como linha divisória um meridiano. – João II redige testamento em Alcácer do Sal e nomeia seu sucessor Manuel (I), Duque de Beja, irmão da rainha. – [Outubro] ­– Morte de João II.

1495­­‑1521 R einado 1496

de

M anuel I

– Promulgação do decreto de expulsão dos judeus de Portugal caso estes não se convertessem ao Cristianismo. ­– Edição da obra De republica gobernanda per regem de Diogo Lopes Rebelo.

225

Judite A. Gonçalves

1497

de

Freitas

– Promulgação de lei que proíbe o culto judaico e muçulmano. ­– Casamento de Manuel I com Isabel, viúva de Afonso, filho de João II.

1498

– Chegada de Vasco da Gama a Calecute.

1500

– Achamento do Brasil por Pedro Álvares Cabral. ­– Casamento de Manuel I com Maria, filha dos Reis Católicos.

1501

– Início da construção do Mosteiro dos Jerónimos.

1502

– Reforma dos pesos e medidas.

1503

– Nascimento do Infante João (III), em Lisboa.

1504

1505

– Início da actividade da Leitura Nova que só terminará no reinado de João III (1552) – Tarefa que viabiliza a transcrição e salvaguar‑ da de documentos e textos dos reinados anteriores obedecendo a uma arrumação temática, por vezes, diversa da original. Da comis‑ são de oficiais encarregues de tal tarefa fizeram parte os sucessivos guardas­‑mores da Torre do Tombo, a saber: Rui de Pina (504­­‑1510), Tomé Lopes (1510­­‑1529), Fernão de Pina (1529­­‑1548) e Damião de Góis (1548­­‑1554). – Regimento dos oficiais das cidades, vilas e lugares destes reinos – re‑ organização das atribuições e responsabilidades dos oficiais locais. – Nomeação de D. Francisco de Almeida como Vice­‑Rei da Índia.

1507

– Conquista de Ormuz.

1509

– Regimento das Casas da Mina e da Índia.

1510­­‑12?

– Reforma dos Forais permitiu a actualização dos encargos tributá‑ rios dos concelhos. – Conquista de Malaca por Afonso de Albuquerque.

1504

1511

­– Conquista de Goa. 1511­­‑1512 – Regimento dos artigos das sisas. 1512­­‑1513 – Primeira Edição das Ordenações Manuelinas, uma edição de Valen‑ tim Fernandes. 1513­­‑1514 – Segunda edição das Ordenações Manuelinas, uma edição de João Pedro Bonhomini. 1514 – Regimento dos Contadores das Comarcas. 1516

1518

– Regimento dos Vedores da Fazenda (Ordenações da Fazenda) – institucionalização da fazenda pública em resposta às necessidades criadas pela actividade económica ultramarina. Aos oficiais da Fa‑ zenda ficavam agora acometidas funções de supervisão dos negó‑ cios ultramarinos. – Casamento de Manuel I com Leonor, irmã de Carlos I de Espanha.

1519

– Viagem de circum­‑navegação de Fernão de Magalhães. ­– Vasco da Gama é nomeado Conde da Vidigueira.

226

o estado em portugal

1520

– Ordenações da Índia.

1521

– Edição definitiva e oficial das Ordenações Manuelinas.

1521

– [Dezembro] Morte de Manuel I.

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Judite A. Gonçalves

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de

Freitas

o estado em portugal

Índice

Prefácio  Introdução  1. Realeza, governo e poder dinástico  A instituição da realeza  O governo do reino  A Corte  As dignidades da Corte  Governo e Conselho  O poder judicial da Corte  As Cortes  A governação da fazenda  Imagem do rei e imagem do reino  Raízes políticas da comunidade nacional  As crises políticas reforçam a unidade?  Sociedade política e poder  Os poderes senhoriais  Os poderes municipais  A Igreja e os poderes eclesiásticos  Fontes e Bibliografia  2. Monarquia, Parlamento e Direito  Fundamentos da monarquia moderna  Configurações dos poderes da realeza  A legitimidade da supremacia da realeza  Intervenção política em Cortes  Lei: tradição legal e âmbitos temáticos  Fontes e Bibliografia  3. Estado, Poder e Administração  A monarquia como forma de Estado  A construção do Estado: centralidade, periferia e governação  Territorialidade e Estado  Fontes e Bibliografia  4. Estruturas do Poder político: a monarquia renovada  Burocracia e órgãos da monarquia  Poderes, funções e órgãos do poder central  Conselho régio  O número de servidores  Cooperação, coexistência e acumulação de funções 

5 9 13 13  22 22 24 27 29 30 32 34 45 45 61 63 68 70 79 88 88  94  97 99 104 116 121 121 127 134 139 143 143 145 157 166 173

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Judite A. Gonçalves

de

Freitas

A eficácia administrativa  181 Para uma lógica do sistema governativo  184 Guerra  185 Fiscalidade e Fazenda  190 O rei e a suprema Justiça  194 Fontes e Bibliografia  198 Balanço final: sistema político e construção do Estado moderno  202 Anexos  204

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