O “ESTADO ISLÂMICO”: PELA MÍDIA E PELA VISÃO DO MUÇULMANO

July 6, 2017 | Autor: Victor Aversa | Categoria: Islam, Comunicação, Religião
Share Embed


Descrição do Produto

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


VICTOR PEREIRA AVERSA







O "ESTADO ISLÂMICO": PELA MÍDIA E PELA VISÃO DO MUÇULMANO








São Paulo
2015


INTRODUÇÃO

Hoje o mundo acompanha de camarote o fenômeno chamado "terrorismo". Com a mídia formadora de opinião cobrindo e nos informando sobre os acontecimentos ligados a este ou aquele grupo "terrorista", nem sempre é possível detectar quando a informação que recebemos é verdadeira ou falsa, e ainda mais, se ela tem um valor ideológico por trás daquela manchete impactante ou está apenas servindo à população fazendo aquilo que define a sua utilidade de "meio de comunicação".
Tratando-se aqui então do "terrorismo", falaremos sobre o grupo jihadista "Estado Islâmico do Iraque e do Levante" (EIIL), ou mais conhecido como "ISIS". Para tanto, foram selecionadas seis reportagens de diferentes sites, e também um site de domínio popular, sendo elas do período entre 2014 e 2015, onde foram reportados diferentes acontecimentos relacionados ao Estado Islâmico. As mídias pesquisadas foram: Portal R7, Carta Capital, O Globo, Veja e Wikipédia. Fizemos também uma entrevista com o Sheikh Jihad Hammadeh na intenção de dar voz aos adeptos do Islã, dessa forma separando os atos do autodenominado "Estado Islâmico" da religião em si.
Por fim foram abordados o problema de tipificar o "terrorismo" e como a mídia não faz questão de esclarecer as diferenças entre religião e terrorismo, dando a impressão de que todo muçulmano compactua com os mesmos ideais daqueles que comentem atos criminosos contra a vida humana.






























O CONTRAPONTO ENTRE A MÍDIA E A REALIDADE RELIGIOSA DO MUÇULMANO


O que leva um grupo, em nome de uma religião ou de uma ideia distorcida, cometer atos violentos contra outras pessoas e extinguir com as próprias mãos milhares de vidas? Qual a motivação dessas pessoas? Seria esse o "cérebro coletivo" de que Freud falava, amparado por uma leitura equivocada de um livro religioso? O problema está talvez em você fazer um recorte daquilo que lhe convém, ou como nos disse o Sheikh Jihad, "tirar o texto do contexto". Da mesma forma com que fazem os críticos de Nietzsche ao entoar o mantra "Deus está morto" ou até mesmo os incansáveis combatentes de Marx berrando "a religião é o ópio do povo"!
Na tradução do Alcorão, na Sura de Muhammad, versículo 4, está escrito:


"Então, quando deparardes, em combate, os que renegam a Fé, golpeai-lhes os pescoços, até quando os dizimardes, então, acorrentai-os firmemente."


Lendo este trecho de forma corrida, sem saber o contexto da história ou mesmo sem abstrair os verdadeiros significados, podemos afirmar que ali está sendo figurada uma ação violenta contra os que não compactuam com a Fé referida. Mas na realidade, acontece que extraímos esse trecho e o colocamos aqui sem mesmo dar a explicação dele ou mostrar como termina esta Sura. Em razão disto, convidamos o Sheikh Jihad a dar voz à religião islâmica, e o mesmo explica:


"Isso ocorreu numa certa guerra em que houve traição de um acordo de paz, então esses versículos vieram bem no meio dessa guerra.
(...) O Alcorão dá regras, ele é uma constituição como a constituição brasileira, por exemplo. Então ele vai ter regras para épocas de paz e regras para épocas de guerra."


Também devemos levar em consideração a época em que o livro foi escrito, onde havia uma cultura diferente com formas de agir, de pensar e de julgar diferentes. Essas considerações devem ser feitas não só em relação ao Alcorão, mas também a todas escrituras consideradas sagradas de diferentes religiões, já que cada uma pertence a uma cultura e época diferente.
Mas e quanto ao papel da mídia nisso tudo? A única forma de sabermos o que está acontecendo em países tão distantes do nosso é por meio da divulgação de informações da mídia nos diferentes meios de comunicação. Quando ocorrem atentados contra monumentos, lugares públicos ou pessoas, a mídia é a encarrega de nos informar. Mas é possível perceber que em cada meio podemos encontrar notícias diferentes, inclusive com conteúdos diferentes. Ora, não sejamos ingênuos, pois cada mídia, dependendo de seu financiamento ou seu alinhamento ideológico nos repassa as informações de forma conveniente.
Por esse motivo, foram selecionadas seis reportagens retiradas de quatro sites diferentes e por fim uma definição de "Estado Islâmico" retirada de um site de domínio popular. A começar pelo "O Globo" com duas reportagens, sendo elas: "Reino Unido fica alerta para possível ataque químico pelo Estado Islâmico, diz 'Times'" e "Jihadistas acusam alto escalão do Estado Islâmico de fazer nepotismo em lista de suicidas". Do site da Veja fora retirado a seguinte matéria: "Terror do Estado Islâmico ameaça até a fauna síria", matéria essa que se refere ao episódio da tomada de Palmira pelo ISIS e de como os guardas que cuidavam dos últimos espécimes de uma ave em risco de extinção fugiram, deixando pra trás os animais à mercê da sorte.
Essas três reportagens, ao nosso ver, apresentam uma falta de compromisso com a seriedade do assunto, pois, nas duas primeiras faltam referências de onde surgiram aquelas informações, tirando o fato de que os assuntos apresentados tornam o tema ISIS, terrorismo e Islã em algo quase bizarro. Isto é, primeiro é dito que um possível ataque químico pode ocorrer. Mas de onde? Quem produziu essa arma química? De onde veio a informação? Como o cloro é misturado aos gases e que gases são esses? De que forma ele é letal? Parece até um calhau. Ou mesmo na segunda reportagem, em que se discute um eventual nepotismo dentro do ISIS. Quem forneceu tais informações? E mesmo que as informações sejam completamente verdadeiras, será que ela é relevante para o que realmente está acontecendo? Em nenhum dessas reportagens vemos a preocupação da mídia em fornecer dados precisos e informações robustas sobre os acontecimentos ou até mesmo a preocupação em demonstrar a verdade face da religião islâmica, que é o problema que abordamos aqui.
Em seguida temos três reportagens do site da "Carta Capital", sendo elas: "De onde vem o dinheiro do Estado Islâmico?", "Em 2014, o mundo tem um califado islâmico. Como isso foi possível?" e "Estado Islâmico é um insulto à fé, dizem líderes muçulmanos". Desta vez, a mídia em questão está aparentemente mais comprometida com a seriedade do tema. Há inclusive a preocupação em desmantelar a ideia de que o Estado Islâmico representa todo o povo islâmico, e ainda mais, deram voz aos adeptos e representantes da religião para explicarem sua própria visão. Não estamos dizendo aqui que o jornal Carta Capital não tem suas ideologias, mas fato é que dessa vez se mostraram mais coerentes na hora de tratar o assunto e trouxeram inclusive uma provocação enriquecedora para àqueles que se põe a contemplar a questão: "Em 2014, o mundo tem um califado islâmico. Como isso foi possível?".
Pode-se perceber alguns pontos importantes também na forma com que se coloca o tema. O autodenominado Estado Islâmico é tratado como "organização radical" e não "grupo religioso". O ISIS também é colocado como uma "herança da desastrosa ocupação do Iraque liderada pelos Estados Unidos em 2003", fato que ocorreu pelas, segundo o jornal, falsas alegações do presidente estadunidense da época, George W. Bush, que fizera acreditar numa possível ligação entre o regime de Saddam Hussein e a Al-Qaeda.
E por fim, a última notícia foi extraída do site R7: "Estado Islâmico é expulso de todos os povos cristãos sírios de Al Hasaka". A notícia começa com as palavras "Recuperamos o controle de um total de 221 povos...", isto é, quem escreveu a notícia se coloca como parte dos povos cristãos, ou seja, uma bandeira religiosa já fora levantada logo no início. A matéria em si não tem nada de ofensivo, porém, essa notícia foi escolhida exatamente pelo fator religioso em si. Fica claro que a guerra não é contra uma organização radical ou um grupo terrorista, mas sim contra um grupo religioso. Novamente a mídia não cumpre com a imparcialidade que uma notícia deve ter, mas ela é voltada justamente a um público alvo fomentando cada vez mais a ideia nebulosa de que o terrorismo está ligado de alguma maneira a uma religião.
Já o Sheikh Jihad vai mais longe. Ele defende a ideia de que talvez o ISIS seja financiado por grupos de países, países esses que sabemos serem verdadeiros impérios, fazendo sua guerra invisível, utilizando-se de marionetes e bodes expiatórios na tentativa de mascarar a grande dança do sistema. Ao ser indagado sobre o que ele acha sobre toda a organização do ISIS e de onde eles tiram tudo aquilo, o Sheikh nos adverte: "Nós precisamos olhar nas entrelinhas". E então prossegue:


"Quando eles (o ISIS) juntaram os cristãos coptas na Líbia, na praia, e entraram todos enfileirados, cada um trazendo um refém. A forma de eles marcharem. Eles estão sendo procurados pelos aviões, pela coalizão e pelos aliados que os combatem. Eles se posicionam na praia, em fileiras, vestidos de preto e os reféns de laranja. Nada mais discreto que isso. Quando eles entram, a filmagem primeira é feita de cima, como se houvessem aqueles braços (referente ao equipamento que segura a câmera no alto). E aí daqui a pouco mostra o outro ângulo, de baixo. Quando mostra o refém, é de cima pra baixo. Quando mostra o soldado do Estado Islâmico, é de baixo pra cima. Técnicas de cinema. O diretor é fantástico. E mais fantástico que o diretor, é o alfaiate deles. Os prisioneiros não têm uma sujeira na roupa deles, limpíssima! De onde eles compram esses tecidos? O que eu conheço de laranja, são os prisioneiros de Guantánamo. As facas que eles usam são todas do mesmo fabricante. Todos eles têm o mesmo porte."


Aqui então nós encontramos outro lado da história. Não é a mídia quem fala agora. Essa é a voz do muçulmano, adepto e fiel à sua religião, se defendendo dos ataques ideológicos e da ignorância. Veja que há certa lógica naquilo em que ele acredita, apesar de não termos provas. A única certeza que temos é a morte de milhares de pessoas e a destruição em massa de locais históricos por um grupo que fala em nome de uma religião que não compactua com esses atos. Na realidade, o Estado Islâmico causa mais mortes de muçulmanos do que qualquer outra coisa.
Ainda mais adiante na entrevista, o Sheikh é indagado sobre o preconceito com o muçulmano e uma possível "islamofobia" que esses acontecimentos possam causar. Ele deixa claro a profunda tristeza em ter o nome do Islã ligado ao terrorismo, pois, não importa a quem o ISIS beneficia, e sim que os mais prejudicados são os próprios muçulmanos, tendo sua cultura e sua imagem difamada pela mídia ocidental e não tendo a quem recorrer em sua própria terra.
Para encerrar, mostramos ao Sheikh as notícias coletadas e o que mais nos chamou atenção foi uma frase em uma das notícias da Carta Capital ("Em 2014, o mundo tem um califado islâmico. Como isso foi possível?") em que diz o seguinte: "Eventualmente, o grupo será esfacelado, pelos EUA, pelo Irã ou por uma união entre os dois". Aproveitando esse gancho, indagamos ao Sheikh como ele acha que isso vai acabar. Até onde vai a situação em que de um lado temos os adeptos islâmicos e de outro os extremistas do grupo ISIS e outros grupos terroristas existentes a mais tempo.


"Os governos hoje, em questão estratégica, trabalham com períodos. Então eu vejo que em 2001 foi o início de uma fase de dez anos, da desconstrução do indivíduo muçulmano. Então atacou-se muito dessa forma. Terrorista muçulmano, muçulmano terrorista, fanático muçulmano, extremista muçulmano, fundamentalismo islâmico. Até que vem o Obama, no discurso da Universidade de Al-Azhar, em 2011, e encerra esse ciclo e já inicio um outro, que é a desconstrução do grupo islâmico, de um grupo islâmico. Por isso da escolha do nome, Estado Islâmico. E agora você vai ver os países islâmicos sendo divididos. Começou com o Iraque, depois a questão da Síria. Estrategicamente isso se dá num novo tipo de colonização. Nós vimos isso depois da Primeira Guerra Mundial quando Inglaterra e França dividiram o império Otomano, e todos os países que eram grandes foram sendo divididos. E o próximo agora é o Egito. Os países ocidentais precisam dos países muçulmanos. O Oriente Médio é muito rico em algumas questões e também estratégico no que se refere à Geopolítica. A gente fala em religião, mas não tem nada a ver com religião... é tudo economia."


Resumidamente, teríamos então os grandes impérios brigando como sempre se fez na história do mundo. Mas hoje em dia as estratégias ultrapassam os simples campos de batalha, atingindo de fato grandes batalhas ideológicas e econômicas por poder. A busca por esse poder se dá por acordos políticos entre grandes nações e outras menores, tornando o inimigo do meu inimigo em meu aliado. O Oriente Médio estaria no meio dessas grandes nações, estrategicamente posicionado, como rota de guerra em que lá será depositado todos os males do mundo, tornando-os uma nação primitiva a ser civilizada. E quem serão os mártires salvadores dessas pobres almas?
Pelo visto então seria preciso uma forma de maquiar as verdadeiras engrenagens dessa grande máquina (o Leviatã de Hobbes), e claro, nada melhor que a religião para tanto. Então, grupos extremistas religiosos são financiados e patrocinados para cometerem suas atrocidades alucinantes ao passo que uma civilização inteira é degradada não só fisicamente, mas também moral e intelectualmente aos olhos do resto do mundo, sendo jogada fora também a sua religião e cultura milenar. Enquanto isso, a civilização fragilizada e açoitada durante anos se torna alvo fácil de um novo tipo de colonização, dessa vez mais sensível para quem vê de fora.
Mas afinal, qual é a realidade dos fatos? Quem é favorecido e quem é prejudicado? A grande mídia continua se servindo como abutre na carniça e nos restos mortais dos inocentes mortos, enquanto alguém se regozija se beneficiando de tudo isso. Mas a única certeza que temos é que, infelizmente, a religião continua sendo desculpa para a profunda frustração do Ser perante a lacuna da Angústia que não se pode trabalhar de forma adequada, para tanto, é preciso tampá-la de alguma forma, mesmo que para isso precisemos matar as pessoas em nome de Deus. Até quando esse nosso desespero kierkegaardiano perante a nossa incompletude diante da incompreensão do divino será a desculpa para travarmos batalhas por muros inventados por nós mesmos?










Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.