O Estado na relação entre Indivíduo e Sociedade em Montesquieu e Rousseau

May 28, 2017 | Autor: Vinicius de Melo | Categoria: Social Contract Theory, Polical Science
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O Estado na relação entre Indivíduo e Sociedade em Montesquieu e Rousseau
Vinícius Oliveira de Melo
Introdução
O presente trabalho tem por intenção analisar e refletir quanto a relação entre indivíduo e sociedade no pensamento de Montesquieu e Rousseau a partir, principalmente, de O espírito das leis e Do contrato social, tendo por problema principal a questão do Estado, seu conceito, posição e importância deste no pensamento dos autores, vinculando as ideias à outras obras que sistematizam a cerne da questão levantada.
Para tal, serão utilizados textos de comentadores que tratam tanto especificamente da questão em cada um dos autores, quanto paralelamente em ambos. Para organização será inicialmente explicitado o pensamento roussoniano e posteriormente as ideias de Montesquieu, para, enfim, cruzar os conceitos e obter a partir de ambos, uma síntese crítica, confrontando os mesmos. Ao fim são levantadas problematizações e contextualizações com a atualidade das obras e questões em aberto.
De Rousseau
Visto que o autor procura utilizar de um raciocínio hipotético para remontar ao período chamado de estado de natureza, e consequentemente ao estado de guerra, que em outros autores se situam como algo real, é possível utilizarmos esse mesmo raciocínio para, talvez, não nos atermos tanto a ele mesmo. De maneira genérica, enquanto constituinte de um estado em que o conflito se demonstra um empecilho latente à vida de todos, o conceito pode-se reduzir somente à isso. E a urgência de uma ordem em meio ao estado de guerra que viria a conduzir o homem a um acordo de paz, se dá, ou deve-se dar, em qualquer momento que o conflito assim se apresente, sugere-se aqui, pois, uma convenção.
Após se ater sobre o estado de natureza e a origem das desigualdades em seu Discurso, Rousseau versa sobre o "dever/ser", segundo Nascimento, da ação política; sobre a construção de contrato que assegure ao homem as liberdades civis haja visto que perdeu sua liberdade natural, e sobre a legitimidade do mesmo.
A questão apresentada em Do contrato social é, de acordo com Cassirer, como, já que nos é impossibilitada uma volta ao estado natural, podemos seguir rumo em direção a uma sociedade humana e guiada pela liberdade sem cair nos males e perversidades da sociedade convencional (conflituosa e desigual)?
Apesar de comumente mal interpretada, a definição de liberdade em Rousseau é bem clara e instrui ou inicia e guia todo o percurso do livro, sendo essencial sua compreensão da sua pretensão no que fundamenta não só as relações entre os homens quanto a relação com o Estado. A pressuposição da necessidade da liberdade para guiar as relações parte do princípio que a liberdade é, não arbitrariedade, mas "superação e eliminação de toda arbitrariedade, a submissão a uma lei estrita e inviolável que o indivíduo erige acima de si mesmo" (CASSIRER, 2003, p.461), tal lei que deve ser construída e obedecida por todos, constituindo assim uma liberdade real. Quando a lei é construída por todos, em "clima de igualdade" (NASCIMENTO, 2011, posição 3336), que pressupõe também a obediência à vontade geral por parte de todos, constituída não de vontades particulares ou de grupos de indivíduos, a entrega das liberdades ao soberano são se caracteriza como submissão infundada e escravidão, mas, por outro lado, como liberdade real que retorna ao indivíduo com a segurança de obedecer leis criadas por si mesmos, além é claro de disporem da proteção do Estado.
A todo momento é possível perceber o que talvez seja a maior preocupação de Rousseau: a legitimidade. Com a igualdade alcançada pela alienação dos direitos por todos, é constituído um sujeito coletivo, soberano, definidor de normas e dos futuros direitos positivos com base na vontade geral. É, de acordo com Kritsch, o soberano, a vontade geral em ação, portanto indivisível e inalienável. Vontade essa que se dá a partir da deliberação isolada, individual, não de grupos, e se forma com a anulação das diferenças entre as mesmas. O soberano então age de acordo com a lei construída por todos; o processo todo se legitima na igualdade inicial e na garantia da liberdade real.
É interessante notar aqui que bem como é discutido em Émile com seu conceito de educação negativa e o constante recorrer à natureza, comum em todas as obras, a lei deve ser universal e sua constituição não arbitrária, pois só é possível a obediência a uma lei que se compreende, para isso, deve-se conhece-la sendo exposto a ela (e a construindo) e somente evitando e se protegendo das arbitrariedades e tiranias dos homens. Assim como Emile, o soberano deve andar a pé.
Rousseau dá um grande passo ao propor um Estado que se relaciona com a sociedade e os indivíduos de maneira diferente ao tido na época, não mais uma simples dominação que serve a poucos, mas um Estado que, através das leis enquanto vontade geral expressa e realizada, liberta e educa seu povo para o pleno desenvolvimento e realização deste enquanto cidadãos (e porque não humanos). É das leis, pois, que advém grande importância para a vida do Estado, ao passo que, ao se afastarem da vontade geral, adoecem o corpo e levam mais rapidamente ao fim.
Por fim, para a realização plena da convenção, é necessário um governo, este que seja como um funcionário do soberano. É importante que seja redobrado os cuidados com o governo por este, constantemente tentar se confundir com o soberano a fim de realizar vontades particulares, usurpando seu poder. Mesmo assim, Rousseau crê ser especificidade de cada nação e contexto a forma de governo que tem, se importando novamente, mais com a legitimidade enquanto realização da vontade geral e do soberano, pois, independentemente de ser uma democracia, uma aristocracia ou monarquia, bastava haver soberania do povo, mesmo que caracterizada em alguém. Ainda assim, a representação é vista com maus olhos por denunciar uma falta de interesse do povo com o Estado e o possível desvirtuamento da vontade geral visto que representantes podem não respeitá-la ou representa-la.

De Montesquieu
Montesquieu concebe a sociedade de maneira um tanto pessimista ou negativa. É esta a origem da guerra entre os homens por dar a esses um abandono do sentimento de fraqueza, e para não degeneração dos mesmos é necessário haver uma moderação com base nas leis universais que derivam da natureza das coisas. Não é somente, então, necessário regular as relações entre sociedades mas também entre os próprios indivíduos.
Como base inicial são pensadas as leis e motivações que impulsionam as vontades do homem, são essas primeiramente a busca da paz, em segundo a busca por preservação, em terceiro lugar a atração pelos opostos e por último o desejo de viver em sociedade, um derivando do outro.
Logo, para a haver uma sociedade saudável que consiga garantir a paz e a segurança, bem como a liberdade política, é necessário a divisão de poderes a fim de não haver concentração de mais de um poder na mão de um só homem. Para além, é necessário não somente a divisão dos poderes executivo, legislativo e judiciário, mas também certa equidade entre os mesmos e a disputa que contrabalanceie-os, moderando-se umas às outras.
Para além, Montesquieu, utilizando de suas bases de leis naturais, conceitua a possibilidade de três modos de governo: a monarquia, o despotismo e a república (aristocrática e democrática). Com seu raciocínio que beira uma psicologia metafísica do Estado, atribui para cada um, um princípio, que, mais que fundante, representa uma intenção do ideal a se alcançar quando se utilizando do tipo de governo. Primeiro a monarquia sendo seu princípio a honra que ainda pode ser contida e moderada, depois a república que é tida como realização do espirito cívico e da soberania do povo pela virtude, e por fim o despotismo que se baseia no medo e sequer chega a ser de fato um regime pela falta de instituições.
De modo resumido, a sociedade cria a guerra e a desigualdade, que só pode ser remediado pelas leis positivas, que através desta se realiza a liberdade política, desde que haja pluralidade social, moderação e divisão dos poderes, e não haja coação. Para que os objetivos sejam de fato alcançados, é necessário a criação de um Estado moderado.
Diálogo
Apesar da grande preocupação de Montesquieu com os modos de governo, para Rousseau, mais importante é a legitimidade que estes carregam, sendo que, é crido ser possível até mesmo uma monarquia ser de fato legítima quando seus representantes se outorguem empregados da vontade geral.
É visto também o determinismo de Montesquieu ao trabalhar com suas formas de governo, pois, tais formas não dependem somente de uma vontade a partir de uma sugestão e sim são dadas naturalmente a partir do contexto geográfico, social, etc.
Nos dois casos, vale citar a influência de seus temperamentos e história de vida: enquanto Rousseau vê o homem com certo otimismo, Montesquieu não atribui tantas venturas ao mesmo, sendo não o homem bom ou mal, ou melhor dizendo, que isso não faz realmente muita diferença, e sim a forma de governo que é estabelecida. Rousseau preocupado com a igualdade e Montesquieu com a liberdade (GUARCIA-HEVIA, 2000). Enquanto a liberdade, em Montesquieu é alcançada pela obediência às leis, para Rousseau, é resultado de uma sociedade igualitária. Visto que para Montesquieu a igualdade natural e jurídica não impedem a desigualdade social, e nem é esse seu objetivo, sua preocupação é mais com haver instituições que assegurem de fato a liberdade, também de acordo com Guarcia-Hevia.
Rousseau chega ser hostil a separação de poderes bem como a representação política, haja vista enquanto empecilho à vontade geral, é preferida portanto, uma sociedade igualitária e unitária, que se sobressaia ao indivíduo e busque o bem comum, o autor não admite a existência de uma sociedade que não seja democrática, que não se atenha a igualdade enquanto pré-requisito para a liberdade.
Problematização
Apesar de sistematizarem os pensamentos, nenhum dos autores se preocupam em apresentar de fato uma estratégia de implementação. Montesquieu por ter uma visão mais determinista talvez se distancie mais de uma materialidade de implementação por haver uma pouca ou nenhuma possibilidade de se influir nas leis, e seria até mesmo prejudicial ao fazer. Rousseau talvez mais próximo, instigue em alguns a vontade pela vontade geral, e, com sua paixão pela igualdade, seduza muitos até hoje.
Em um mundo onde se questiona a real eficiência das leis pelos seus excessos, pelas judicializações onerosas e também excessivas, fica a dúvida: a lei liberta? É possível confiar nas representações? De um lado entusiastas de uma democracia direta, de outro republicanos que não conseguem sequer garantir a liberdade de seu povo. Cabe o retorno aos clássicos que hoje se apresentam tão atuais quanto outrora para debater a situação atual. Em épocas políticas atribuladas os contratualistas talvez se espantassem com a degeneração dos poderes, na falsa autonomia e moderação, e até mesmo de liberdades perdidas que se devolvem e se perdem constantemente, e que ainda assim sobrevivem.
Referências bibliográficas:
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social ou Princípios do direito político. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011. Edição Kindle.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Porto Alegre: Col. L&PM Pocket. 2008. Edição Kindle.
NASCIMENTO, Milton Meira do. Rousseau: da servidão à liberdade. In:1.ed.; v.l; Os clássicos da política, 1 / Francisco C. Weffort. Organizador. – 14.ed. –São Paulo: Ática, 2011. Edição Kindle.
ALBUQUERQUE, J.A. Guilhon. Montesquieu: sociedade e poder. In:1.ed.; v.l; Os clássicos da política, 1 / Francisco C. Weffort. Organizador. – 14.ed. –São Paulo: Ática, 2011. Edição Kindle.
GUARCIA-HEVIA, José María Vallejo. Poder y liberdad em Montesquieu y Rousseau. Madrid, Fundacion Caja Madrid. 2000. In: Revista de libros de la Fundación Caja Madrid, No. 43/44 (Jul. - Aug., 2000), pp. 21-22.
BRAATZ, Tatiani Heckert; BÚRIGO, Vandré Augusto. A origem do estado moderno – a concepção de estado, de governo e de controle penal nas obras "O espírito das leis" e "dos delitos e das penas": breves percepções. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v.2, n.3, 3º quadrimestre de 2007. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791
KRITSCH, Raquel. Soberania, lei, vontade geral e autoridade legítima segundo Do contrato social de Jean-Jacques Rousseau. Revista Espaço Acadêmico Nº119, Abril de 2011. Ano X – ISSN 1519-6184.
CASSIRER, Ernst. A questão de Jean-Jacques Rousseau. In: O Pensamento Político Clássico: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau / organização, introdução e notas Célia Galvão Quirino, Maria Tereza Sadek. 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
DEDIEU, Joseph. As idéias políticas e morais de Montesqueiu. In: _____. 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MONTESQUIEU, Charles de Secondant, Baron de. O espírito das leis / Montesquieu: apresentação de Renato Janine Ribeiro; Tradução de Cristina Murachco – 3ª Edição – São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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