O estágio em música no contexto escolar: busca por PONTES e experiências celebradas

July 14, 2017 | Autor: Flávia Narita | Categoria: Estágio Supervisionado, Formação de Professores de Música
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O estágio em música no contexto escolar: busca por PONTES e experiências celebradas Ariana Elizabeth Ferreira Ribeiro Universidade de Brasília [email protected] Flávia Motoyama Narita Universidade de Brasília [email protected] Resumo: A estruturação e atuação em um projeto de música no contexto escolar podem ser muito complexas, mas quando estas estão ligadas ao Estágio Supervisionado funcionam como elemento importante para a formação do professor. Para a atuação em tal projeto foi preciso considerar as PONTES (Oliveira, 2009) necessárias para se chegar a experiências celebradas (Green, 1997) utilizando a integração de diversos conhecimentos musicais. Por meio de questionários, reflexão e pesquisa, para conhecer o cotidiano do aluno (Souza, 2000), é possível confirmar a prática consciente baseada em teóricos da educação musical, como Swanwick (2003). Tendo como foco o planejamento das aulas e a avaliação constante das atividades é possível obter o resultado esperado: interligar o por que fazer, o que fazer e como fazer no contexto da educação musical para aproximar a música do aluno. Palavras-chave: Cotidiano, Estágio Supervisionado em Música, Pontes.

Introdução Neste artigo, pretendo relatar minhas experiências no projeto ““Música na Escola Integral”” e a busca por PONTES (Oliveira, 2009) para promover experiências musicais celebradas (Green, 1997). O projeto existe desde 2008 e, em 2009 foi proposta uma nova estrutura utilizando as idéias de Souza (2000), tendo o cotidiano dos alunos como um elemento motivador e, por conseqüência, uma ponte entre a aula de música e os alunos. Segundo Green (1997), experiências musicais celebradas são aquelas em que o Significado Delineado (fatores simbólicos relacionados à música) é positivo e o Significado Intersônico (materiais sonoros) é afirmativo. Durante todo o projeto, buscamos essa celebração a partir do envolvimento direto com a prática musical explorando os materiais sonoros e contextualizando as músicas trabalhadas. Logo nas primeiras aulas percebi que o planejamento não era apenas um mapa do que fazer primeiro, mas toda a estrutura da aula que determina por que fazer (objetivo), o que fazer (atividades), como fazer (procedimentos). É no planejamento que posso estruturar as primeiras PONTES (Oliveira, 2009) entre aquilo que pretendo ensinar para os alunos e aquilo que conheço deles que pode ajudar a construir o conhecimento significativo. No início, achei

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surpreendente como era mais difícil e demorado fazer o planejamento do que realizar a aula. Com o tempo, consegui pensar nas diversas possibilidades e escrever o planejamento mais rápido; mas isso só começou acontecer quando eu me convenci que deveria partir dos objetivos e não das atividades. Utilizando o próprio princípio do (T)EC(L)A (Swanwick, 2003), que propõe a integração das diversas modalidades da música (composição, apreciação e execução), constrói-se uma ponte tanto para o meu desenvolvimento como educadora quanto para o desenvolvimento do conhecimento musical dos alunos. Ao planejar uma aula em que todas as modalidades da música estão integradas foi necessário recorrer aos meus saberes musicais e refletir sobre formas que facilitassem a construção do conhecimento musical dos alunos, ou seja, a integração das modalidades da música auxiliou a construção do músico e do professor. Cada momento da aula exigia uma reflexão cuidadosa. Após definirmos o repertório, as outras integrantes do projeto e eu tivemos que recorrer aos saberes como musicistas para criarmos atividades que colaborassem com o que pretendíamos ensinar. Para desenvolver a habilidade de cantar em conjunto e a afinação, por exemplo, a cada aula era planejada uma atividade diferente de aquecimento. Para elaborarmos os arranjos, recorríamos ao nosso estudo de Harmonia, para ensinar e conduzir os arranjos, recorríamos ao que aprendemos de regência. Durante a execução dos arranjos e mesmo quando ensinávamos a técnica da flauta recorríamos ao nosso saber como instrumentistas. Na minha opinião, um aspecto muito importante durante a reflexão para a construção das aulas foi a análise que eu fiz do meu processo de aprendizagem enquanto musicista. Lembrando de como foi minha formação e do que considerei efetivo nas aulas a que eu assistia, pude selecionar alguns momentos e estratégias para planejar a aula de modo que apenas as coisas que foram proveitosas para mim enquanto estudante de música fossem reproduzidas enquanto eu atuava, sempre adaptadas ao contexto do projeto e não apenas reproduzindo modelos, concordando assim com Pimenta e Lima (2004) que defendem a reflexão a partir da realidade. Segundo as autoras, a reflexão sobre a própria prática é uma possibilidade de formação e desenvolvimento de professores.

Construindo pontes Para melhor conhecermos a realidade dos alunos e estabelecermos pontes entre o conhecimento deles e o que iríamos trabalhar, elaboramos dois questionários. O primeiro visava investigar a familiaridade, o gosto e a preferência musical dos alunos; enquanto o

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segundo procurava saber que tipo de influência a família, a escola, os amigos e a mídia exerciam no gosto musical das crianças. Para a elaboração do primeiro questionário fizemos uma pesquisa de um mês e meio ouvindo rádio, assistindo a programas de televisão e conversando com algumas pessoas conhecidas que acompanham as tendências da mídia (como meu irmão de 17 anos) para saber o que estava fazendo sucesso nos diversos meios de comunicação e onde pesquisar. Após o levantamento dos locais de pesquisa, dividimos os canais de televisão e as estações de rádio entre as integrantes do grupo. Minha parte da pesquisa foi realizada a partir da programação noturna (18h-00h) da Rede Globo e da programação diurna das estações 'Antena 1', 'Club FM' e 'Nova Brasil FM'. As demais integrantes ficaram responsáveis pela programação da Rede Record e SBT, ouviram outras estações de rádio como Mix, Trans América, Jovem Pan e Brasília Super Rádio FM. Esporadicamente, consultei outras estações. Além disso, pesquisei músicas de filmes destinados ao público infanto-juvenil. A partir disso, selecionamos quatorze músicas que possivelmente seriam do cotidiano dos alunos. Entre essas, havia músicas que estavam tocando frequentemente nas rádios, temas de filmes, de abertura de novela, de personagens, dentre outras. Já pensando na integração entre as músicas do cotidiano dos alunos e as músicas que queríamos trabalhar, selecionamos outras onze músicas. Dentre elas havia música instrumental, ópera, jazz e músicas infantis. Assim, elaboramos um quadro com três perguntas referentes às vinte e cinco músicas selecionadas. As perguntas eram: Você conhece essa música? O quanto você gosta dessa música? Onde você espera ouvir essa música? Com essas perguntas esperávamos descobrir quais eram as músicas do cotidiano dos alunos, o quanto a mídia influenciava no gosto e preferência deles, e ainda se aquela não restringia o conhecimento dos alunos a poucos estilos musicais. Além disso, eu esperava descobrir qual concepção eles tinham sobre os estilos musicais que pensávamos serem desconhecidos para eles (ópera, jazz, música instrumental etc.). Na semana seguinte, aplicamos um segundo questionário composto por dezessete perguntas a respeito do cotidiano dos alunos em relação à música. As perguntas eram para averiguar onde eles tinham contato com a música, o tipo de contato que era estabelecido, quem influenciava no gosto musical, onde eles ouviam música e o conhecimento deles acerca de um instrumento ou do canto. Assim, partindo do repertório do cotidiano dos alunos, poderíamos construir uma ponte entre sua vivência musical e o trabalho com a diversidade,

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proposto pelo projeto ““Música na Escola Integral””. Os dados sobre as preferências musicais continham elementos que relacionamos principalmente aos significados delineados da música. Assim, analisando as respostas afirmativas sobre as preferências dos alunos, planejamos práticas musicais que pudessem promover experiências musicais celebradas. As respostas do primeiro questionário trouxeram dados interessantes para a nossa pesquisa. As músicas presentes na mídia eram conhecidas por quase todos; as canções populares infantis eram conhecidas por todos (já haviam escutado na escola); e as de estilos variados selecionadas por nós, não eram conhecidas. Algumas crianças tinham uma vaga idéia da possível origem das músicas, mas nenhuma delas sabia realmente que estilo musical era aquele ou quem era o compositor. Já nas músicas da mídia, eles foram capazes de identificar todos os intérpretes. Assim, após análise deste questionário concluímos que, neste público, a mídia determina muito no conhecimento e gosto dos alunos em relação à música. A partir desses dois questionários foi possível conhecer melhor os alunos para planejarmos aulas que fossem mais interessantes para todos, uma vez que pretendíamos partir do cotidiano dos alunos sem, contudo, nos restringirmos àquele. Segundo Souza 'Alunos, em qualquer tipo de escola, estão prontos para o aprendizado musical impulsionados pelas músicas que gostam de ouvir e que desejam executar'. Tão importante quanto a inclusão ou utilização do repertório de música popular em classe, é não perder de vista os referenciais que conferem a ela sentido e significado. (SOUZA, 1993, apud GROSSI, 2000 p.42 )

Assim, não é suficiente apresentar músicas conhecidas, tem-se que discutir seu contexto e seu significado. Entretanto, é importante não apenas utilizar o repertório que os alunos conhecem, mas também um repertório diversificado que atenda ao objetivo proposto: oferecer atividades pedagógico-musicais significativas de modo a enriquecer a vivência escolar dos alunos e desenvolver suas habilidades musicais.

Pontes e a Celebração Uma aula que eu considero muito significativa e onde certamente houve celebração (tanto por parte dos professores quanto dos alunos) foi a das músicas do mundo, descrita a seguir. Podemos dizer que a celebração ocorreu porque as crianças se identificaram com as delineações trazidas pelo contexto da aula, com a apresentação das músicas por meio de uma história. Esse envolvimento com a história possibilitou um interesse em (re)conhecer músicas

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variadas e responder afirmativamente aos estilos musicais apresentados, buscando entender o que ocorria em cada uma das músicas. Com o objetivo de finalizar o primeiro módulo, que objetivava explorar a diversidade musical por meio da apreciação e execução expressiva de músicas de diferentes contextos, propusemos uma aula bem diferente. Dissemos às meninas que na semana anterior àquela havíamos viajado de avião, mas, por problemas técnicos, tivemos que pousar numa ilha no meio do oceano Atlântico e passar a noite ali. Segundo aquela história, havia várias pessoas com diferentes culturas e línguas que não entendíamos, com exceção de um pequeno grupo de nordestinos que estava no fim do avião. A maior parte dos passageiros montou barracas para passar a noite e uns poucos permaneceram na aeronave. A pedido da aeromoça, teríamos ido de grupo em grupo para distribuir alimentos. Em cada grupo que passamos as pessoas estavam ouvindo ou executando diferentes estilos musicais. Todos nos deram presentes e permitiram que gravássemos suas músicas para que pudéssemos mostrar às alunas. Para atestar a veracidade de nossa história, levamos as gravações e objetos de cada grupo visitado para ilustrar a aula. As crianças se envolveram com a história e rapidamente se interessaram pelas músicas. O repertório era variado: Três Cantos Nativos dos índios Kraó, de Villa-Lobos, representando índios brasileiros; El verano, de Adria Esteves, representando espanhóis; Elegia às Vítimas de Hiroshima, de Penderecki, fazendo alusão aos japoneses; Baião, de L. Gonzaga & H. Teixeira, ao nordeste brasileiro; 4'33'', de John Cage, mencionando compositores contemporâneos; e Babayetu, de C. Tin, relacionando com a música africana. Fizemos a apreciação de todas as músicas, analisamos os objetos e discutimos o contexto de cada música. Não houve rejeição imediata de nenhuma música. As alunas ficaram muito atentas ao que estava sendo contado. Depois de ouvirmos tudo propusemos a criação de uma única música que englobasse todas aquelas e todas concordaram. Escolhemos a ordem das músicas e combinamos que elas determinariam que hora parar a música e o que seria acrescentado a cada uma (material sonoro e expressividade, etc.). Durante a criação, as alunas tocaram chocalho e flauta doce ou fizeram percussão corporal, além de dançar e interpretar as músicas por meio de gestos. Elas escolheram a ordem das músicas, dançaram e interpretaram a letra de cada uma. A única música que elas não quiseram ouvir por muito tempo foi a de Penderecki porque, segundo elas, ““a música é muito triste”” e ““dá pesadelo de noite””.

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Nesta aula, utilizamos a apreciação como forma ativa e criativa de envolvimento com o fazer musical. As meninas não apenas ouviram as músicas, mas incorporaram a elas expressividade dançando, tocando e interpretando. Esta foi a primeira aula em que não ficamos presas aos materiais e trabalhamos os diversos aspectos da música. Agora percebo que poderíamos ter começado o projeto desta aula, pois teria sido um caminho mais compatível com o que propusemos, uma vez que trabalhamos realmente as diversas músicas e mostramos suas semelhanças e diferenças e a validade de todas como música. Outra aula que considero de muita importância foi a aula da música ““Oh Happy Day””, pois mais uma vez percebi que o ““como fazer”” é o mais importante do que ““o que fazer””. Logo no início da aula, quando apresentamos a música ““Oh Happy Day””, as meninas reconheceram-na e disseram não gostar, pois já haviam cantado na aula de inglês e, desde então, passaram a detestar a música. O grande desafio para mim nesta aula passou a ser tornar a experiência celebrada sabendo que o significado delineado da música era negativo. No início, as meninas não acreditaram muito, mas deram sugestões para ““melhorar a música””. Uma dessas sugestões foi cantar em português. Adaptamos o arranjo e colocamos a segunda voz cantando ““dia feliz””. Cantamos assim duas vezes, mas logo as mesmas meninas que pediram para cantar em português acharam melhor cantar em inglês, por isso voltamos ao arranjo original. Mostramos o vídeo do filme ““Mudança de Hábito”” e ensinamos a parte da flauta. Dividimos a turma em dois grupos: enquanto um grupo cantava o outro respondia cantando e depois fizemos o mesmo com a flauta. Ao final da aula, todas haviam aprendido a música e saíram da sala cantando. Aparentemente, houve celebração por termos focado nos elementos intersônicos (GREEN, 1997) e, assim, modificado o significado delineado que as alunas tinham em relação à música. Na minha opinião, a abertura às sugestões das meninas foi uma das PONTES (Oliveira, 2009) que nos ajudou a chegar à celebração nesta aula. Segundo a abordagem PONTES (Oliveira, 2009) é necessária ao professor a reflexão teórica sobre a prática, pois, por meio desta o professor desenvolve um ensino personalizado que se adequa às características de cada aluno, considerando seus interesses, habilidades e preferências. Esse ensino personalizado foi a principal ponte que tentamos construir entre o aluno e a música.

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Considerações Finais O estágio foi com certeza uma experiência muito significativa e importante para minha formação. Mesmo que soe comum, o que aprendi de mais importante foi que não existe a fórmula ideal para ensinar, mas diversos caminhos que podemos tomar para chegar a um bom resultado. Para tanto, precisamos conhecer o contexto dos nossos alunos, o significado da música para eles, ser flexíveis e ter objetivos muito claros. Assim, podemos construir pontes que nos levem a estratégias diversificadas e customizadas de ensino para então conseguirmos experiências musicais celebradas. Tudo o que aprendi e descobri durante este ano de prática eu já havia lido em algum texto ou ouvido de algum professor, mas apenas após as experiências reais e as situações que vivi em sala de aula percebi que a prática era muito semelhante ao que descreviam. Os autores que foram mais relevantes para esta fase da minha formação foram Green (1997), Swanwick (2003) e Oliveira (2009). O conceito de celebração de Green (1997) contribuiu para que eu percebesse que era possível construir uma aula interessante e satisfatória independentemente do repertório utilizado, desde que aquela apresentasse elementos suficientes para que as crianças compreendessem a música e pudessem assim experienciar a celebração. Swanwick (2003) contribuiu para que eu buscasse uma aula que integrasse os diversos elementos da música e ficasse sempre atenta para não fazer uma aula ““sobre música”” ou muito focada em apenas um dos elementos da música (o que eu fazia muito no início), aprendi ainda a importância de explorar a criação. Oliveira (2009) me abriu os olhos para diversas possibilidades de interação entre o aluno e a música que eu não havia considerado anteriormente. Desde que comecei a busca por PONTES (Oliveira, 2009) percebi que não havia situação sem solução, mas falta de conhecimento, reflexão e prática em relação aquela. Minha formação durante o Estágio Supervisionado e atuando no projeto ““Música na Escola Integral”” foi certamente muito importante, pois conheci diversos aspectos que contribuíram para a formação da minha identidade como professora. Entendi que é necessário ao professor ser também pesquisador de sua prática (Pimenta e Lima, 2004), pois refletindo sobre a atuação e aplicando a ela aquilo que se vi nos livros foi possível aprimorar e repensar os conhecimentos e ações em sala de aula. Acredito que um bom professor é aquele capaz de entender o contexto de seu trabalho e estruturá-lo a partir disso, de analisar as necessidades individuais de cada aluno sem se esquecer das necessidades do grupo, transmitir o conhecimento de modo que este seja significativo e resulte em uma experiência celebrada, ser

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criativo e inovador, sentir-se realizado com seu trabalho. O bom professor de música, além de tudo isso precisa ser músico.

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Referências GREEN, Lucy. Pesquisa em Sociologia da Educação Musical. In: Revista da ABEM. v.4, Salvador, 1997, pp. 25-35; GROSSI, Cristina. Categorias de Respostas na Audição da Música Popular e suas Implicações para a Percepção Musical. In: Anais do 7º Simpósio Paranaense de Educação Musical. Londrina, 2000, pp. 37-64 OLIVEIRA, Alda de. A Abordagem Pontes. Apostila do Curso sobre a Abordagem Pontes. 2009. PIMENTA, Selma G. E LIMA, Maria Socorro L. Estágio: Diferentes Concepções. In: Estágio e docência. Coleção Docência em Formação. Série Saberes Pedagógivos, São Paulo, Cortez, 2004, pp. 33-57 SOUZA, Jusamara. Educação Musical e Cotidiano: Algumas Considerações. In: Música, cotidiano e educação. pp. 163-171. SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente, São Paulo, Moderna, 2003.

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