O estudo experimental do magnetismo na Idade Média: a contribuição de Petrus Peregrinus

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Encontro de Licenciatura em Física IFUSP

“O estudo experimental do magnetismo na Idade Média: a contribuição de Petrus Peregrinus" Roberto de Andrade Martins Prof. aposentado UNICAMP Prof. colaborador FESB, UNIFESP Roberto de Andrade Martins

Física Medieval Esta palestra apresentará um episódio sobre a história da física no período medieval, que é muito importante (mas pouco conhecido) para compreendermos os conceitos básicos do magnetismo e o próprio método experimental. Roberto de Andrade Martins

Experimentação Costuma-se dizer que foi Galileo quem iniciou o uso da experimentação no estudo da física. Antes dele, as pessoas só sabiam repetir cegamente as ideias erradas de Aristóteles, sem inovar nada, porque não observavam a natureza. Roberto de Andrade Martins

Experimentação No entanto, a verdadeira história é outra... Existe experimentação desde a Antiguidade. Pitágoras e seus seguidores fizeram experimentos sobre sons e música. Aristóteles fazia experimentos com animais. Arquimedes fez experimentos sobre mecânica. Roberto de Andrade Martins

Experimentação Heron de Alexandria e outros fizeram experimentos sobre líquidos e gases. Ptolomeu fez medidas experimentais de reflexão e refração da luz. Os médicos de Alexandria fizeram experimentos com escravos e inimigos condenados à morte. Roberto de Andrade Martins

Experimentação No período medieval, os pensadores islâmicos (“árabes”) fizeram experimentos sobre propriedades medicinais de plantas, sobre mecânica e sobre óptica. Além disso, eles discutiram os aspectos filosóficos do método experimental. Roberto de Andrade Martins

Autores europeus Robert Grosseteste (aprox. 1168-1253) e seu aluno Roger Bacon (aprox. 1214-1292) foram fortemente influenciados pelo estudo dos autores islâmicos – especialmente na óptica. • Indução • Experimentação Grosseteste Roberto de Andrade Martins

Experiências medievais Houve grandes experimentadores europeus no período medieval • 1269 – Pierre de Maricourt (Petrus Peregrinus) – elogiado por Roger Bacon – estudos sobre ímãs naturais e bússolas

Roberto de Andrade Martins

Esta palestra Vamos analisar alguns aspectos da história do magnetismo, desde a Antiguidade, dando ênfase especialmente ao trabalho escrito por Pierre de Maricourt (Petrus Peregrinus) no século XIII. Roberto de Andrade Martins

Esta palestra Será publicado um artigo sobre o assunto na Revista Brasileira de Ensino de Física.

Roberto de Andrade Martins

Antiguidade Desde a Antiguidade já se conheciam os ímãs naturais (magneton = magneton) e sua capacidade de atrair o ferro. Sabia-se também que o ferro encostado em um ímã ou atritado com ele adquiria suas propriedades de atração. Roberto de Andrade Martins

Antiguidade Também se sabia que o âmbar (lektron = elektron) atritado era capaz de atrair objetos leves, como penas, sementes pequenas e palhas.

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Antiguidade Essas propriedades geravam muita especulação. Tales de Mileto se referiu à atração do ferro pelo ímã como uma indicação de que ele está vivo, ou tem uma alma. Tales de Mileto Roberto de Andrade Martins

Antiguidade Todas as explicações antigas se referiam apenas ao poder de atração dos ímãs e do âmbar. Talvez a repulsão magnética tivesse sido observada, mas ainda não eram conhecidos os polos magnéticos. Roberto de Andrade Martins

Idade Média Eram muito comuns as analogias entre os efeitos dos ímãs e a “atração” amorosa. “Aimant”, em francês, tem um duplo significado. Também se comparavam os efeitos dos ímãs às forças dos astros e aos poderes das feiticeiras. Roberto de Andrade Martins

Idade Média No período medieval foram construídas as primeiras bússolas (talvez na China), utilizadas pelos navegadores.

As bússolas passaram a ser conhecidas na Europa a partir do final do século XII. Roberto de Andrade Martins

William Gilbert Em 1600 o médico inglês William Gilbert explicou o funcionamento das bússolas supondo que a Terra possuía polos magnéticos que produziam sua orientação. Antes disso, a explicação era bem diferente.

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Árabes Alguns pensadores islâmicos, como Masha’allah ou Messahalla (aprox. 762815), atribuíam a orientação das bússolas às estrelas da região polar celeste – uma interpretação astrológica. Roberto de Andrade Martins

Idade Média Roger Bacon (século XIII) e outros autores medievais europeus foram fortemente influenciados pelos autores islâmicos e suas ideias sobre o magnetismo. Bacon descreveu experimentos com ímãs e afirmou que o melhor experimentador da época era “Mestre Pedro”, de Maricourt. Roberto de Andrade Martins

Petrus Peregrinus Sabe-se muito pouco (quase nada) sobre Pierre de Maricourt, conhecido nos textos latinos por Petrus Peregrinus. “Maricourt” não é sobrenome; é o nome da vila onde ele nasceu, na Picardia francesa. Roberto de Andrade Martins

Maricourt

Petrus Peregrinus O epíteto “Peregrinus” indica que ele provavelmente participou de alguma das cruzadas contra os “infiéis” (muçulmanos).

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Petrus Peregrinus Era, certamente, uma pessoa educada (estudos universitários) mas provavelmente não foi professor. Escreveu uma obra sobre o astrolábio (tinha bons conhecimentos astronômicos) e outra sobre óptica, que não foi conservada. Roberto de Andrade Martins

Petrus Peregrinus Sua principal obra que foi conservada se refere ao magnetismo e foi escrita em 1269, quando ele participava de um cerco militar à cidade de Lucera (Itália) realizado por Charles d’Anjou, rei da Sicília.

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“Carta de Petrus Peregrinus, de Maricourt, ao cavalheiro Sieger de Foucaucourt, sobre o magneto” (8 de agosto de 1269)

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“Carta sobre o magneto” Petrus Peregrinus introduz o conceito de polos magnéticos através de uma analogia com os polos da esfera celeste – os pontos em torno do qual ela giraria em torno da Terra. Observação: Como se supunha que a Terra não girava, ela não tinha polos. Roberto de Andrade Martins

“Carta sobre o magneto” O polo celeste norte era definido como o ponto em torno do qual as estrelas giram, no hemisfério norte. Os conceitos de “norte” e “sul” eram astronômicos (e não magnéticos), desde a Antiguidade. Roberto de Andrade Martins

“Carta sobre o magneto” Pierre de Maricourt torneava os ímãs naturais para torná-los redondos. Um arame ou agulha de ferro equilibrado sobre a esfera magnética indicava a direção em que estavam seus polos.

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“Carta sobre o magneto” Para determinar a posição exata dos polos era necessário repetir o procedimento várias vezes, traçando círculos máximos sobre a esfera magnética. Os pontos de encontro dos círculos indicavam a posição dos dois polos. Roberto de Andrade Martins

“Carta sobre o magneto” Outros modos para encontrar os polos: ver onde pequenos pedaços de ferro se prendiam mais fortemente ao magneto; e verificar em que pontos um pedaço de agulha aderia perpendicularmente à superfície da esfera. Roberto de Andrade Martins

“Carta sobre o magneto” Depois de encontrar os polos, a pedra magnética era colocada para flutuar sobre a água, com os polos alinhados com o horizonte. Ela girava até parar, permitindo identificar os polos norte e sul. Roberto de Andrade Martins

“Carta sobre o magneto” Ele chamava de “polo norte” o ponto do magneto que apontava para o norte celeste, e de “polo sul” o que apontava para o sul celeste. Nós utilizamos os nomes opostos.

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“Carta sobre o magneto” Utilizando um ímã flutuante e um outro, ele descreveu a atração entre polos opostos e a repulsão entre polos do mesmo tipo – um resultado que era desconhecido antes. Roberto de Andrade Martins

“Carta sobre o magneto” Indicou o modo de magnetizar uma agulha de aço, encostando suas pontas aos polos de um ímã; e o modo de construção da bússola, colocando essa agulha para flutuar na água, presa a um pequeno pedaço de madeira (isso era conhecido). Roberto de Andrade Martins

“Carta sobre o magneto” Analisou o que acontece quando se quebra um magneto ao meio, em um ponto entre seus polos. Indicou o surgimento de novos polos, identificando qual era norte e qual era sul.

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“Carta sobre o magneto” Segundo Petrus Peregrinus, o magneto recebe suas propriedades do mundo celeste. Suspendendo delicadamente um ímã esférico por seus polos, ele giraria acompanhando o movimento da esfera celeste em 24 horas. Roberto de Andrade Martins

Descreveu a construção de dois novos instrumentos, mais sofisticados do que as bússolas, para encontrar o azimute do Sol e de outros astros. Roberto de Andrade Martins

“Carta sobre o magneto” Descreveu também a construção de um moto perpétuo magnético (impossível, é claro) que depois levou vários outros autores a proporem invenções semelhantes (até Newton...). Roberto de Andrade Martins

“Carta sobre o magneto” De um modo geral, o trabalho de Petrus Peregrinus é correto e mostra que ele realizou de fato os experimentos que descreveu de forma muito detalhada. Não se sabe o que é original, em sua obra. Roberto de Andrade Martins

Repercussão e influência A obra de Petrus Peregrinus circulou sob a forma de manuscrito, sendo citada desde o século XIII por diferentes autores. Foi impressa pela primeira vez depois de dois séculos, em 1558. Roberto de Andrade Martins

Repercussão e influência Até 1600, era a melhor descrição sobre as propriedades magnéticas. Foi superado pelo livro de William Gilbert, em 1600. Gilbert se baseou, em grande parte, na obra de Petrus Peregrinus, que citou em muitos pontos. Roberto de Andrade Martins

Repercussão e influência Os principais resultados de Petrus Peregrinus se tornaram aceitos por todos, mas o autor foi praticamente esquecido. Só foi redescoberto pelos historiadores da ciência no século XIX. Roberto de Andrade Martins

Repercussão e influência Até hoje, infelizmente, é pouco conhecido. Em grande parte, isso se deve à ignorância e ao preconceito contra o período medieval. Roberto de Andrade Martins

A experimentação na Idade Média A ideia popular de que Galileo foi “o pai do método experimental” é totalmente equivocada. Devemos conhecer melhor e valorizar os experimentadores do período medieval. Roberto de Andrade Martins

FIM

[email protected] Roberto de Andrade Martins

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