O Estudo Integrado de Bacias Hidrográficas (EIBH): um novo caminho para orientar estudos relativos ao patrimônio arqueológico

July 12, 2017 | Autor: Solange Caldarelli | Categoria: Prehistoric Archaeology, Salvage Archeology
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M. F. LIMA Fº & M. BEZERRA (Org.), Os Caminhos do Patrimônio no Brasil. Goiânia, Alternativa, 2006: 127-152.

O Estudo Integrado de Bacias Hidrográficas (EIBH): um novo caminho para orientar estudos relativos ao patrimônio arqueológico Solange Bezerra Caldarelli1 Introdução Um novo instrumento para o licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos, o Estudo Integrado de Bacias Hidrográficas (EIBH), começa a ser aplicado no Brasil. O primeiro deles (o Estudo Integrado de Bacias Hidrográficas do Sudoeste Goiano) revelou-se um caminho extremamente pertinente, desde que bem conduzido, para sintetizar as informações existentes a nível regional e para levantar as problemáticas pendentes ou pouco desenvolvidas, de modo a orientar cientificamente pesquisas independentes que ocorrem numa mesma região. 1. Histórico O EIBH da região do Sudoeste Goiano foi elaborado em atendimento a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado, em julho de 2004, entre os Ministérios Públicos Federal e do Estado de Goiás e a Agência Goiana de Meio Ambiente (AGMARN). A intenção foi compreender os impactos sinérgicos dos diversos aproveitamentos hidrelétricos previstos ou em construção nas bacias dos rios Alegre, Aporé, Claro, Corrente e Verde, ampliando a abrangência dos trabalhos técnicos normalmente desenvolvidos nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) de empreendimentos específicos. Segundo consta do documento (Diversos, 2005), O EIBH reveste-se do caráter de um documento de planejamento a ser utilizado tanto pelos órgãos responsáveis pela implementação da política energética como para os órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental dos empreendimentos previstos na região objeto dos estudos. A idéia que perpassa o EIBH é a necessidade de se conhecer: − o grau de fragilidade que uma área já apresenta, frente às diferentes intervenções humanas que aí se processam; − as dificuldades que a sociedade enfrenta para preservar as riquezas naturais ainda existentes, no cenário que antecede as grandes interferências futuras.

1

Doutora em Ciências Humanas pela USP. Sócia-Diretora da Scientia Consultoria Científica.

No Termo de Referência elaborado para o EIBH do SW Goiano, foi solicitado especificamente que se procedesse a uma avaliação preliminar do potencial que as áreas inseridas no conjunto das bacias em estudo teriam para abrigar sítios e testemunhos arqueológicos. 2. Localização da área de estudo A área de abrangência do EIBH do Sudoeste Goiano, o primeiro elaborado no Brasil, está contida na bacia do rio Paranaíba, Região Hidrográfica do Paraná (figura 1).

Figura 1 - Área de abrangência do EIBH em relação à bacia do rio Paranaíba Fonte: EIBH do SW Goiano, 2005

3. Objetivos do estudo arqueológico Como o patrimônio arqueológico (pré-histórico e histórico) de uma dada região é formado pelos materiais culturalmente significativos remanescentes das atividades desenvolvidas por seus antigos ocupantes, para avaliar seu potencial, considerou-se necessário:

a) identificar os tipos de vestígios materiais que poderiam ter restado dos antigos assentamentos

das populações que ocuparam o território da área de estudo, em tempos anteriores e posteriores à colonização européia; b) verificar as possibilidades reais de esses vestígios ainda se encontrarem preservados e em que

grau de integridade e c) avaliar a significância desses vestígios para a memória regional e nacional.

4. Fontes e Métodos O tema “patrimônio arqueológico” foi tratado exclusivamente a partir de dados secundários, obtidos nas seguintes fontes: informações veiculadas pela Internet; biblioteca do Museu Antropológico da UFG; Arquivos do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia da UCG; arquivos do IPHAN (disponíveis na página do órgão) e consultados na 14ª. SR; arquivos do Laboratório de Arqueologia da UFG; Centro da Memória da CELG; estudos e relatórios de impacto ambiental de empreendimentos localizados nas bacias em estudo (consultados na AGMARN); livros e artigos publicados em periódicos especializados; relatórios, dissertações e teses disponibilizados por pesquisadores e entidades que atuaram nas bacias em estudo. A relação completa das fontes consultadas encontra-se na bibliografia ao final do artigo. As informações obtidas através das fontes acima especificadas alimentaram dois bancos de dados, um relativo à arqueologia pré-colonial, e outro relativo à arqueologia histórica. No caso da história, buscou-se caracterizar o processo de ocupação histórica da área de estudo, enfatizando os dados de cultura material que pudessem ter deixado remanescentes materiais dos processos vividos pela área de estudo, ou seja, sítios arqueológicos do período histórico. No caso da arqueologia, buscou-se cruzar os seguintes dados: tipos de sítios X cultura material X implantação topográfica X proximidade de fontes de matéria-prima x tipos de solos (na tentativa de verificar a correlação entre sítios de horticultores e solos naturalmente aptos a práticas agrícolas). Com os dados etno-históricos, o objetivo também foi tentar fazer os mesmos cruzamentos acima. A idéia era obter subsídios para inferir os tipos e os graus de visibilidade de sítios arqueológicos

remanescentes das ocupações indígenas historicamente registradas. No entanto, os dados etnohistóricos para o Sudoeste Goiano se revelaram extremamente pobres, pouco ajudando na hierarquização de áreas por potencial arqueológico. Os dados integrados obtidos com os cruzamentos que foram possíveis com as fontes disponíveis foram jogados em mapas temáticos, com o objetivo de delimitar nas bacias em estudo áreas com diversos graus de potencialidade arqueológica. 5. A arqueologia regional Pelos limites de espaço do presente artigo, não se vai apresentar aqui a síntese sobre a arqueologia regional produzida para o EIBH, remetendo-se o leitor para as excelentes sínteses elaboradas por Oliveira & Viana (2000) e por Wüst (2001). Os dados obtidos na extensa documentação consultada permitiram organizar o contexto macroregional no qual se insere o SW Goiano (Planalto Central Brasileiro) em cinco cenários, a saber: a) Cenário 1: a ocupação do Planalto Central por sociedades caçadoras-coletoras pré-coloniais; b) Cenário 2: a ocupação pré-colonial do Planalto Central por sociedades com economia de transição (caça e coleta e horticultura incipiente); c) Cenário 3: a ocupação pré-colonial do Planalto Central por sociedades agricultoras, produtoras de cerâmica; d) Cenário 4: as sociedades indígenas do período colonial no sudoeste goiano; e) Cenário 5: a penetração dos conquistadores de origem européia no sudoeste goiano. A apresentação dos cenários que marcam a arqueologia do Planalto Central Brasileiro culminou com a construção de uma linha do tempo, para maior facilidade de percepção cronológica dos dados apresentados (figura 2). Na linha do tempo, só foram marcadas as datas iniciais de cada cenário, uma vez que a idéia não era apresentar o período em que cada sociedade humana mencionada permaneceu atuando na região, mas o período em que cada uma dessas sociedades dominou o cenário macro-regional.

Figura 2 – Posição cronológica dos diversos cenários da ocupação humana do Planalto Central Brasileiro. Fonte: EIBH do SW Goiano, 2005

6. Os sítios arqueológicos da área de estudo Dos dezoito municípios da área de estudo (aqui limitada ao Sudoeste Goiano), o Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) do IPHAN acusava registro de sítios arqueológicos em apenas quatro, a saber: Caçu, Caiapônia, Mineiros e Serranópolis, num total de 89 sítios, todos précoloniais. As consultas feitas às demais fontes levaram a informações sobre a existência de mais 84 sítios arqueológicos em onze municípios do Sudoeste Goiano, sendo 60 pré-coloniais e 24 históricos. O quadro 1, abaixo, apresenta os sítios constantes do CNSA/IPHAN e os sítios registrados nas demais fonte. QUADRO 1 - Sítios arqueológicos do Sudoeste Goiano constantes no CNSA/IPHAN e em outras fontes Município Aporé Cachoeira Alta Caçu Caiapônia Chapadão do Céu Itajá Itarumã Jataí Mineiros Portelândia Rio Verde São Simão Serranópolis Total

CNSA Sítio Précolonial --03 48 ----05 ---33 89

DEMAIS FONTES Sítio PréSítio colonial Histórico 4 2 1 -23 5 --2 2 1 2 10 9 5 1 --1 -1 1 5 2 7 60 24

Total 06 01 31 48 04 03 19 06 05 01 02 07 40 173

A predominância de sítios registrados nos municípios de Caiapônia e Serranópolis, perceptível no Quadro 1, deve-se ao fato de que esses municípios foram objeto de pesquisas acadêmicas entre as décadas de 70 e de 80 do século XX, efetuadas em convênio pelo Instituto Anchietano de Pesquisas (Unisinos/RS) e o Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (UCG). Por essas razões, não se pode em absoluto tomar os números acima como indicativos de que nesses dois municípios existam maior número de sítios arqueológicos que nos demais, mas sim de que eles foram objeto de pesquisas mais aprofundadas.

O pequeno número de sítios históricos 2 registrado também deve ser visto com cautela, pois a atenção a esse tipo de sítio é recente na arqueologia brasileira, tendo a ênfase, no passado, se concentrado sobre os sítios pré-coloniais, objeto das preocupações científicas dos arqueólogos nacionais durante décadas. Certamente, a proporção de sítios indígenas deve superar grandemente a de sítios históricos, mas a proporção visível no quadro 3 e na figura 4 não pode ser tomada como expressão da realidade. Em relação às tradições culturais que dominam os cenários apresentados no contexto macroregional, elas foram identificadas em quatro municípios do Sudoeste Goiano, conforme figura 3,

Distribuição dos sítios das diferentes tradições pelos abaixo: municípios 100%

2

3

80%

8

13

60%

2

3

40%

9

20%

5

Uru Aratu

7 1

Tupiguarani

10

Una Serranópolis Itaparica

0% çu Ca

Ca

ia ôn p a i

ta í Ja

lis po ó n rr a e S

Figura 3 – Distribuição dos sítios arqueológicos cujas tradições culturais foram identificadas, pelos municípios do Sudoeste Goiano.

Com o objetivo de identificar o potencial arqueológico do Sudoeste Goiano, uma série de cruzamentos foi feita, consubstanciada em vários gráficos (não reproduzidos aqui), para facilitar o acompanhamento das análises em que se basearam as conclusões apresentadas no final do diagnóstico. Inicialmente, procurou-se identificar as categorias e tipos de sítios registrados na área de estudo. Para isso, os sítios multicomponenciais foram divididos, aparecendo mais de uma vez no cômputo

2

Está-se adotando, aqui, o conceito de “sítio arqueológico histórico” defendido por Andrade Lima e Pinheiro da Silva

(2002).

feito. Assim, por exemplo, um sítio que apresentava ocupação pré-cerâmica e cerâmica sobreposta foi contado duas vezes, para fins da análise. O mesmo para um sítio que apresentasse um assentamento e arte rupestre. Contá-lo duas vezes teve a intenção de evitar a tendenciosidade de associar a manifestação rupestre ao assentamento. Os resultados podem ser observados no Quadro 2, a seguir. QUADRO 2 - Categorias de sítios arqueológicos identificadas no Sudoeste Goiano Categoria Sítios pré-coloniais em abrigos-sob-rocha

Sítios pré-coloniais a céu aberto

Sítios históricos a céu aberto

Tipo Lítico Cerâmico Arte rupestre Lítico lascado Cerâmico Lítico polido Arte rupestre Cemitério Habitação Ancoradouro Muro de pedra Ponte UHE Lavra de diamante Curral Engenho Tapera

Total

Total 5 33 66 28 53 9 1 8 10 2 2 3 1 1 1 2 2 227

Total 104

91

32

227

Para uma melhor compreensão da contribuição de cada categoria ao conjunto a que pertence, os sítios pré-coloniais foram destacados dos demais. 6.1. Os sítios pré-coloniais do Sudoeste Goiano a) Aspectos culturais No Sudoeste Goiano, foram registrados sítios pré-coloniais representativos dos cenários 1, 2, 3 e 4, identificados no contexto macro-regional da área de estudo. Infelizmente, os dados existentes não permitiram essa correlação para todos os sítios registrados, devido à insuficiência de informações sobre a cultura material nos documentos relativos a esses

sítios. Por esse motivo, apenas os sítios cuja filiação cultural foi definida pelo pesquisador responsável pelo seu estudo, os quais somam 61 sítios, puderam ser objeto da análise a seguir. A figura 5, a seguir, mostra, em números absolutos e em percentuais, como os sítios pré-coloniais se distribuem por cada tradição cultural registrada no Sudoeste Goiano.

11%

20%

12 Itaparica

8% 10%

6 Serranópolis 22 Una 9 Aratu

15%

5 Uru 7 Tupiguarani

36% Figura 8 – Representação percentual das culturas representadas nos sítios arqueológicos do SW Goiano.

Separando-se os sítios líticos pré-cerâmicos, remanescentes dos assentamentos das sociedades caçadoras coletoras descritas no cenário 1 do contexto macro-regional, temos o quadro mostrado na figura 6, a seguir.

33%

67%

12 Itaparica

6 Serranópolis

Figura 6 – Representação percentual das culturas associadas a caçadores-coletores no Sw Goiano.

A figura acima mostra que, com os dados conhecidos até o momento, 2/3 dos sítios arqueológicos associados a sociedades caçadoras-coletoras pertencem à tradição lítica mais antiga (Itaparica), enquanto 1/3 pertencem à tradição lítica Serranópolis. Quando se analisa apenas a distribuição das tradições ceramistas pré-coloniais, tem-se o quadro apresentado na figura 7, a seguir.

16% 12%

51% 21%

22 Una

9 Aratu

5 Uru

7 Tupiguarani

Figura 7 - Representação percentual das culturas associadas a sociedades ceramistas no SW Goiano.

A figura acima mostra que, da totalidade de sítios cerâmicos com filiação cultural conhecida, metade está associada à Tradição Una, de transição entre sociedades caçadoras-coletoras e sociedades agricultoras. Essa constatação se explica pelo fato de que as pesquisas arqueológicas sistemáticas ocorridas no Sudoeste Goiano foram orientadas para os ambientes onde ocorrem abrigos sob rocha, nos quais essa tradição tem uma presença forte. Essa distribuição percentual dos sítios das diversas tradições ceramistas certamente apresentaria uma outra realidade se as pesquisas nos ambientes abertos tivessem sido feitas de modo intensivo. Entre os sítios das demais tradições, há um certo equilíbrio, com um ligeiro predomínio de sítios da Tradição Aratu. b) Aspectos ambientais Para identificar as características ambientais relevantes para a identificação dos sítios pré-coloniais do Sudoeste Goiano, procurou-se cruzar cada sítio registrado com os seguintes dados: bacia hidrográfica; implantação no relevo; classe de solo; geologia (proximidade de áreas com potencial de ocorrência de matéria-prima para confecção de artefatos de pedra ou de vasilhas cerâmicas). A idéia inicial era usar também informações sobre declividade e sobre aptidão agrícola dos solos, o que infelizmente não foi possível, pela indisponibilidade desses dados. Assim, as inferências sobre a aptidão agrícola dos solos basearam-se nas classes de solo e as de declividade na topografia, o que conferiu menor exatidão às análises.

No entanto, o maior problema encontrado foi que a maioria dos sítios registrados não possuía esses dados nas fichas correspondentes. Para poder contar com dados um pouco mais expressivos numericamente, os sítios que não continham essas informações, mas tinham as coordenadas UTM ou geográficas referidas, foram plotados nos mapas correspondentes, para se inferir as associações acima mencionadas. No entanto, a maioria dos sítios, registrada na década de 70 e 80, não possuía informações de coordenadas, uma vez que, nesse período, as equipes de arqueologia não dispunham de instrumentos como GPS. Cartas do IBGE com os sítios plotados não constavam dos documentos analisados. Para conferir maior expressividade numérica aos dados, acrescentaram-se os sítios conhecidos por informação oral, quando se considerou que a qualidade da informação era confiável, e os dados referentes a ocorrências arqueológicas indicativas de sítios de atividades específicas, como as lâminas de machado registradas em campo, consideradas indicativas de antigas roças. Os resultados obtidos são a seguir apresentados. Quanto à implantação no relevo dos sítios pré-coloniais, os resultados obtidos sobre 51 sítios arqueológicos, são apresentados na figura 8, abaixo.

13% 22 baixa vertente 13 média vertente 33%

54%

5 alta vertente

Figura 8 – Implantação, no relevo, dos sítios pré-coloniais do SW Goiano, com informações disponíveis.

Tendo em vista que houve um maior número de pesquisas arqueológicas dirigidas aos abrigos sob rocha de Caiapônia e Serranópolis, considerou-se que os dados acima poderiam apresentar um desvio decorrente do fato de que os sítios em abrigos sob rocha são pré-condicionados à existência dos ditos abrigos. A distorção que podem representar os sítios em abrigos (40, no total) sobre o

universo dos sítios com informações de implantação topográfica disponíveis pode ser observada na

Relação numérica entre sítios pré-coloniais em abrigos e a céu aberto figura 9, abaixo.

40 30 20 10 0 Sítios em abrigos - 40 Sítios a céu aberto - 21 Figura 9 – Representação, percentual, dos sítios pré-coloniais em abrigos e a céu aberto registrados no SW Goiano.

Quando se procura correlacionar as informações sobre implantação no relevo com aquelas existentes sobre as classes de solos às quais os sítios pré-coloniais se encontram associados, encontram-se apenas 57 sítios sobre os quais ambas as informações estão disponíveis. Os resultados das análises podem ser observados na figura 10, a seguir.

40 35 30 25

Cerâmica

20

Lâmina de Machado

15

Lítico Lascado

10 5

Solo

Média Vertente

Baixa Vertente

Plintossolo Argilúvico Distrófico

Latossolo Vermelho Distrófico

Latossolo Vermelho Distroférrico

0

Relevo

Figura 10 - Relação dos sítios pré-coloniais do Sudoeste Goiano com as classes de solos e as formas de relevo

A figura acima demonstra que a maioria absoluta dos sítios pré-coloniais registrados no Sudoeste Goiano até o presente momento encontra-se implantada em baixas vertentes, em áreas de Latossolo Vermelho Distroférrico. Pesquisas sistemáticas na região, abrangendo toda a diversidade topográfica existente, poderão resultar em novas correlações, mas as aqui apresentadas são as possíveis com os dados atualmente existentes. Quanto à geologia da área de estudo, as informações não foram cruzadas com a localização dos sítios arqueológicos conhecidos, mas com as áreas em que matérias-primas registradas nos sítios ocorrem, pois elas indicam áreas potenciais de exploração de matéria-prima, que podem ter sido buscadas em tempos pré-coloniais. Os resultados obtidos foram apresentados em mapa específico. Informações geológicas também foram utilizadas para delimitar as áreas em que abrigos sob rocha podem ser encontrados na área de estudo. Os sítios pré-coloniais em abrigos são importantes testemunhos da arqueologia do Planalto Central em geral, e do Sudoeste Goiano, em especial, inclusive por apresentarem condições favoráveis de preservação de restos orgânicos, que normalmente não se preservam nos sítios a céu aberto. Esses restos são de crucial importância para o conhecimento da dieta alimentar das sociedades pré-coloniais mais antigas e das estratégias empregadas em sua obtenção. Os resultados do estudo realizado também foram apresentados em mapa específico, onde pode ser observado que os abrigos sob rocha estão associados a duas áreas específicas do Sudoeste Goiano, onde ocorrem os Arenitos Eólicos. 6.2. Os sítios históricos do Sudoeste Goiano Quanto aos sítios históricos, sujeitos do cenário 6 do contexto macro-regional, tem-se o quadro apresentado na figura 11, a seguir. Vale ressaltar que se respeitou a designação “sítios históricos” dada pelos pesquisadores que realizaram os diagnósticos, embora muitas vezes esses vestígios coubessem melhor na designação “estruturas históricas”, por não constituírem entidades autônomas, mas parte de unidades maiores, essas sim, sítios históricos.

Lavra diamante

1

Curral

1

UHE

1

Tapera

2

Engenho

2

Muro de pedra

2

Ancoradouro

2 3

Ponte

8

Cemitério

10

Habitação 0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Figura 11 – Tipos de sítios históricos registrados no Sudoeste Goiano.

De poucos dos sítios acima foi possível saber a época, mas é possível supor que sejam todos relativamente recentes, datando do século XIX e do início do século XX. Devem datar do início do século XX as taperas (que têm pouca resistência a períodos prolongados), a usina hidrelétrica e alguns ou, mais provavelmente, todos os cemitérios. A lavra de diamante provavelmente data do século XIX. Os demais, mesmo que tenham sido construídos no século XIX, devem ter continuado a ser utilizados no século XX. 7. Discussão dos dados Conforme já mencionado, as informações pouco precisas sobre boa parte dos sítios arqueológicos registrados na região prejudicaram a qualidade das análises feitas, que certamente estarão incompletas e poderão ser refinadas com um maior número de informações advindas de pesquisas controladas, bem documentadas e sistematicamente realizadas nas áreas de cada hidrelétrica em estudo. Mesmo assim, os dados apresentados e os resultados das análises que eles propiciaram permitiram demonstrar que o Sudoeste Goiano representa uma área de grande significância científica para o conhecimento da ocupação pré-colonial do Planalto Central Brasileiro.

No entanto, trata-se de uma área em que os estudos arqueológicos concentraram-se, inicialmente, em duas áreas específicas (Caiapônia e Serranópolis), das quais provieram a grande maioria das informações relevantes para o conhecimento dos cenários 1 a 4 apresentados no contexto macroregional do diagnóstico. Diagnósticos mais recentes, feitos para avaliar o potencial arqueológico das áreas de influência direta de empreendimentos hidrelétricos, foram extremamente superficiais, não alterando o quadro já conhecido. No geral, a área apresenta um grande vazio de informações, tornando especial e potencialmente grave qualquer tipo de impacto sobre o patrimônio arqueológico regional, pois o impacto poderá incidir sobre localidades praticamente desconhecidas da arqueologia regional, portanto ainda não incorporadas à Memória Nacional. 8. Prognóstico do patrimônio arqueológico Para avaliar as fragilidades do patrimônio arqueológico registrado no Sudoeste Goiano e recomendar as medidas a serem empregadas para salvaguardar ou produzir conhecimento sobre os sítios arqueológicos eventualmente existentes nas áreas de intervenção dos aproveitamentos hidrelétricos projetados para a região, percorreram-se também os seguintes passos: 1) Verificação das informações já produzidas sobre a arqueologia das sub-bacias hidrográficas onde serão implantados os empreendimentos; 2) Verificação das informações já produzidas sobre a arqueologia das áreas de implantação desses empreendimentos; 3) Análise do potencial arqueológico da área de implantação de cada empreendimento; 4) Análise dos fatores que estão atuando na degradação dos bens arqueológicos; 5) Avaliação dos impactos cumulativos do conjunto dos empreendimentos sobre a arqueologia do Sudoeste Goiano; 6) Elaboração de diretrizes para os estudos a serem feitos para o licenciamento ambiental de cada empreendimento. Os resultados das diversas etapas acima listadas são apresentados a seguir.

8.1. Informações já produzidas sobre a arqueologia das sub-bacias hidrográficas onde serão implantados os empreendimentos hidrelétricos do SW Goiano Na verificação das informações acima mencionadas, computaram-se tanto as informações préexistentes na literatura arqueológica, quanto as produzidas em estudos de diagnóstico arqueológico para os empreendimentos projetados. No caso dos estudos de diagnóstico arqueológico, os trabalhos consultados estão listados no quadro 3, abaixo, onde se identifica o empreendimento e o arqueólogo responsável pelo diagnóstico. QUADRO 3 – Empreendimentos do SW Goiano que providenciaram diagnóstico arqueológico e arqueólogos responsáveis

Empreendimento PCH Salto do Pontal UHE Espora AHE Espora UHE Itumirim PCH Irara AHE Olho d’Água AHE Salto AHE Salto do Rio Verdinho PCH Irara AHE Itaguaçu PCH Planalto PCH Retiro Velho PCH Jataí PCH Retiro Velho AHE Foz do Rio Claro PCH Jataí

Estudo ambiental e empresa responsável EIA – Water-GEO EIA - CTE/CELG EIA - CTE/CELG PBA – CELG EIA - CTE/ACESA RAS - CTE/CELG EIA - CTE/THEMAG

Arqueólogo responsável

Ano

Jonas I. S. Melo Maira B. Ribeiro Rosicler T. Silva & J. C. R. Rubin Erika M. R. González Fabiano L. de Paula Rosicler T. Silva & J. C. R. Rubin Rosicler T. Silva

2000 2000 2000 2000 2001 2001 2001

EIA - CTE/THEMAG

Rosicler T. Silva

2001

EIA - CTE/ACESA EIA - CTE/THEMAG EIA - H.Lisboa da Cunha/ACESA EIA- CTE/ACESA RAS- CTE/ACESA EIA- CTE/ACESA EIA - CTE/Queiroz Galvão EIA - Lithotec/ACESA

Rosicler T. Silva Rosicler T. Silva

2001 2001

Emilia M. Kashimoto

2002

Fabiano L. de Paula Rosicler T. Silva Rosicler T. Silva

2002 2002 2002

Rosicler T. Silva

2002

Maira B. Ribeiro

2003

A primeira organização dos dados procurou mostrar quais as sub-bacias do SW Goiano para as quais se dispunha de alguma informação arqueológica. Os resultados demonstraram que, na época do estudo, apenas duas das sub-bacias do Sudoeste Goiano ainda não haviam sido objeto de qualquer diagnóstico arqueológico: as sub-bacias dos rios Ariranha e do Rio Prata Não se procurou avaliar a qualidade ou a suficiência numérica das informações existentes, mas apenas se existia ou não alguma informação sobre a arqueologia da sub-bacia em apreço.

A quantidade de sítios conhecidos em cada uma das outras sub-bacias consta da figura 12, abaixo, onde se percebe que 50% das informações existentes referem-se à sub-bacia do Rio Verde. A subbacia do Rio Claro também está bem representada, enquanto que a sub-bacia do Rio Verdinho comparece com apenas 1% das informações arqueológicas existentes. 3%

1%

Aporé - 3

30%

Claro - 35 Corrente - 19 50%

Verde - 60 Verdinho - 1 16%

Figura 12 – Percentual de informações arqueológicas para cada sub-bacia do SW Goiano Quanto às categorias de sítios registradas em cada uma das sub-bacias, tem-se o quadro 7, a seguir. Quadro 7 - Sítios arqueológicos conhecidos nas sub-bacias do Sudoeste Goiano Sub-bacia

Sítios pré-coloniais Em abrigos

A céu aberto

Sítios históricos

TOTAL

Aporé

3

Claro

27

8

35

1

12

6

19

26

20

14

60

Corrente Verde Verdinho

1

TOTAL

27

3

1 62

28

117

Ao quadro acima, deve-se acrescentar que as informações existentes não atingem em nenhum caso o alto curso dessas sub-bacias. 8.2.Informações já produzidas sobre a arqueologia das áreas de implantação dos aproveitamentos hidrelétricos projetados para o SO Goiano No que se refere aos aproveitamentos hidrelétricos para os quais foram providenciados estudos de diagnóstico arqueológico, na época do estudo 52% deles (15) contavam com diagnóstico arqueológico (vide quadro 3) e 48% (14) não.

8.3. Potencial arqueológico da área de implantação de cada empreendimento Para avaliação do potencial arqueológico da área de cada empreendimento específico, os dados concernentes ao conjunto do Sudoeste Goiano foram individualizados para a área do reservatório de cada empreendimento. Para melhor compreensão dos conceitos empregados, expõem-se, abaixo, os critérios utilizados para o macro-zoneamento do Sudoeste Goiano em áreas de alto, médio e baixo potencial de ocorrência de sítios arqueológicos (visualizáveis no mapa ao final do artigo): a)

áreas de alto potencial de ocorrência de sítios arqueológicos: entraram nessa categoria as áreas onde os dados arqueológicos consultados informam que é grande o número de sítios arqueológicos. Esses sítios, embora numerosos, são em geral recorrentes, correspondendo a sítios funcionalmente semelhantes, tais como: acampamentos de caça; acampamentos de pesca; acampamentos próximos a antigas roças; oficinas líticas (locais com matéria-prima propícia ao lascamento de rochas adequadas à confecção de instrumentos cortantes, perfurantes, etc., ou com matéria-prima apropriada à fricção de objetos de pedra, para polimento ou afiamento de gumes), etc. Essas áreas correspondem às planícies fluviais e às baixas vertentes. É importante ressaltar, aqui, que nos leitos e margens dos rios onde ocorrem afloramentos basálticos podem ocorrer também sitios de petroglifos (sinalações gravadas nas rochas).

b) áreas de médio potencial de ocorrência de sítios arqueológicos: entraram nessa categoria as áreas onde os dados arqueológicos consultados indicam uma ocorrência quantitativamente menor de sítios arqueológicos, porém de grande significância arqueológica, por corresponderem às grandes aldeias das sociedades indígenas agricultoras que ocuparam o Sudoeste Goiano. Trata-se de sítios de médias e grandes dimensões, com média a alta densidade de vestígios arqueológicos, mais diversificados do que os encontrados nos sítios das terras mais baixas, correspondentes à diversidade de atividades executadas num núcleo residencial. Portanto, embora sejam menos numerosos, são sítios extremamente importantes, fundamentais para a compreensão dos sistemas pretéritos de assentamento. Essas áreas

correspondem em geral às médias vertentes, ao abrigo de inundações e com visibilidade favorecida para a defesa do território. c)

áreas de baixo potencial de ocorrência de sítios arqueológicos: entraram nessa categoria as áreas onde os dados arqueológicos consultados informam que é pequeno o número de sítios arqueológicos. Esses sítios, no entanto, são importantes exatamente por causa de sua singularidade. Os topos e altas vertentes, onde se encontram, podem indicar sociedades preocupadas em ocupar locais de acesso mais difícil e estratégicos do ponto de vista da defesa de seus assentamentos. Portanto, são sítios que preenchem lacunas sobre as relações intertribais e com a sociedade colonial no Sudoeste Goiano.

Além das áreas acima, foram ressaltadas as áreas onde podem ocorrer abrigos sob rocha, uma vez que os sítios encontrados nesses locais dependem da existência da formação natural de abrigos. Para identificação dessas áreas, foram utilizados os mapas geológicos produzidos para o EIBH. Os referidos abrigos ocorrem associados aos arenitos eólicos, encontrados na Formação Botucatu. Por sua singularidade e por concentrarem sítios de grande antiguidade e painéis de sinalações rupestres (pinturas e gravuras) de alta relevância científica, essas áreas devem ser objeto de atenção especial, inclusive por causa de sua vulnerabilidade aos fatores de degradação apontados nos diagnósticos do meio físico e do meio biótico. Os resultados obtidos na análise são apresentados, genericamente, na figura 13, abaixo. 35 30

29

25

25

20 15 10 5

3

0 Interseccionam áreas de alto potencial arqueológico

Interseccionam áreas de médio potencial arqueológico

Interseccionam áreas de potencial ocorrencia de abrigos sob rocha

Figura 13 – Interferências dos aproveitamentos hidrelétricos em áreas arqueologicamente vulneráveis

Uma vez que todos os empreendimentos incidiam sobre áreas de alto potencial de ocorrência de sítios arqueológicos, representadas, como explicado atrás, pelas baixas vertentes, esta variável não foi considerada na avaliação de cada empreendimento individualmente. Também não foram utilizados os dados de áreas de potencial de ocorrência de matérias-primas para confecção de artefatos líticos e cerâmicos, pelo fato de que estas ocorrem, em maior ou menor extensão, nas áreas de todos os aproveitamentos hidrelétricos em estudo. 7.4. Fatores que estão atuando na degradação dos bens arqueológicos do Sudoeste Goiano Para essa análise, foram usados os dados do diagnóstico socioeconômico relativos ao uso do solo na área de estudo, em especial as informações referentes a: pecuária, agricultura e atividades extrativas, pelo seu alto potencial de perturbação e destruição de estruturas arqueológicas. a) Pecuária: segundo o diagnóstico socioeconômico feito para o EIBH, a pecuária extensiva é a base econômica das áreas de médio e baixo curso das bacias dos rios Aporé, Corrente, Verde, Claro e Alegre. O potencial destrutivo da pecuária é alto principalmente na fase inicial, quando se dá o desmatamento. Portanto, no caso dessa atividade específica, a maior preocupação é com sua expansão sobre áreas ainda com cobertura de mata e de cerrado. O desmatamento é um fator de alta agressividade na destruição de sítios arqueológicos. Após sua implantação, a pecuária afeta principalmente os sítios superficiais, com camada arqueológica pouco espessa, num processo lento e contínuo de alteração das estruturas arqueológicas. No mapa de uso do solo e cobertura vegetal produzido para o EIBH, em função da escala, de trabalho coerente com um estudo de cunho mais geral como este, a pecuária é apresentada junto com a agricultura, o que torna difícil localizar o processo de degradação acima descrito. b) Agricultura: Segundo o diagnóstico socioeconômico, as áreas agricultáveis nas bacias dos rios Aporé, Corrente, Verde e Claro/Doce situam-se, de modo geral, nas porções de médio e alto curso dos rios, correspondendo aos solos mais férteis e relevos mais planos. No que concerne aos sítios arqueológicos, a agricultura está afetando, portanto, as áreas definidas como de alto e médio potencial de ocorrência de sítios arqueológicos.

No entanto, a atividade agrícola se divide em duas categorias bem diversas, do ponto de vista da tecnologia empregada no cultivo, a saber: agricultura de larga escala e agricultura familiar. Na agricultura de larga escala, com cultivo, por exemplo, de soja e de algodão, a tecnologia mecânica empregada revolve profundamente o solo, atingindo as camadas com maior ocorrência de sítios arqueológicos, que em geral situam-se entre a superfície do solo e 0,40m de profundidade. Na agricultura familiar, de acordo com o diagnóstico socioeconômico, dois procedimentos distintos foram observados: nos municípios em que predomina a pecuária, na agricultura familiar predomina o uso da força manual, enquanto que, nos municípios em que predomina o agronegócio, na agricultura familiar há predomínio de utilização de força animal ou mecânica. O potencial destrutivo da agricultura familiar que usa força predominantemente manual é menor, pois não atinge as camadas mais profundas dos sítios arqueológicos e revolve menos a terra, matriz de sustentação desses sítios. Já o potencial destrutivo da agricultura familiar que usa força mecânica é semelhante ao do agronegócio, só não se igualando a este em termos de escala. Retomando-se os dados referentes ao percentual de cada município ocupado por agricultura, pecuária e matas, temos o quadro apresentado na figura 14, a seguir.

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Lavouras

Pastagens

Matas

Figura 14 – Percentual do território de cada município ocupado por lavouras, pastagens e matas. Fonte: EIBH-diagnóstico socioeconômico (2005).

Pela figura acima, o município onde a agricultura teria comprometido mais fortemente os sítios arqueológicos situados a céu aberto seria o município de Chapadão do Sul, seguido pelos municípios de Rio Verde e de Jataí. Os municípios onde o solo estaria mais preservado seriam os municípios de Serranópolis, Itarumã, Itajá, Aporé e Aparecida do Rio Doce (conclusão tirada pela relação entre menor área cultivada e maior área com matas). No entanto, é preciso relativizar as conclusões acima pelos dados de grau de mecanização empregado na agricultura, o que está diretamente relacionado com a extensão das propriedades. Recorrendo-se aos dados apresentados no diagnóstico socioeconômico do EIBH do SW Goiano, verifica-se que, em termos percentuais, todos os municípios do Sudoeste Goiano possuem mais de 50% de suas áreas ocupadas por grande propriedades, com exceção de Portelândia, onde dominam as pequenas e médias propriedades. De acordo com o mencionado diagnóstico socioeconômico: Chapadão do Céu é o município com maior área ocupada por grandes propriedades, em função da forte presença da agricultura de soja e algodão voltada para exportação. Aporé, Itajá, Itarumã e Paranaiguara possuem características semelhantes, com mais de 80% das terras ocupadas por grandes propriedades rurais, sendo que em Itajá, Itarumã e Paranaiguara a pecuária é a atividade principal. Em Aporé tanto a pecuária como as grandes lavouras estão presentes, concentradas na divisa do município com Chapadão do Céu. Apenas Portelândia foge ao padrão regional, com a maioria do território municipal ocupado por pequenos e médios proprietários.

A partir das informações acima, pode-se dizer que os municípios onde o patrimônio arqueológico provavelmente foi mais afetado foram os municípios de Chapadão do Céu e Aporé. Em Itajá, Itarumã e Paranaiguara, apesar de mais de 80% do território encontrar-se ocupado por grandes propriedades rurais, a pecuária, menos agressiva para os sítios arqueológicos, é a atividade dominante. c) Atividades extrativas: Segundo consta do diagnóstico socioeconômico, o extrativismo vegetal é uma importante atividade comercial nos municípios da região do EIBH, em função da expansão das áreas de pastagens e agricultura, sendo comum a presença de carvoarias em toda a região. Conforme mencionado anteriormente, o desmatamento é extremamente danoso aos sítios arqueológicos, não só destruindo suas estruturas originais, mas também, no caso das áreas de

potencial ocorrência de abrigos sob rocha, destruindo a proteção natural Quanto ao extrativismo mineral, exposto no diagnóstico socioeconômico, as principais atividades que degradam sítios arqueológicos são as explorações de materiais para construção civil - areias, cascalhos, calcários e basaltos – em geral concentradas nas proximidades dos rios, ou seja, no ambiente classificado como de maior potencial de ocorrência de sítios arqueológicos. A exploração de basalto, especificamente, pode estar levando à destruição de sítios pretéritos de exploração dessa matéria-prima, utilizada no passado tanto para a confecção de artefatos de pedra pela técnica do lascamento quanto do polimento. 2.5. Avaliação dos impactos cumulativos do conjunto dos aproveitamentos hidrelétricos sobre a arqueologia do Sudoeste Goiano. Ao avaliar os impactos dos aproveitamentos hidrelétricos sobre o patrimônio arqueológico do Sudoeste Goiano, a avaliação precisa, necessariamente, visualizar o impacto conjunto dos fatores de degradação antrópicos que já vêm atuando na região com as interferências adicionais que decorrerão desses empreendimentos. A análise individual pode induzir a minimizar a significância desses impactos, uma vez que, conforme bem reflete Spaling (1994; 1996), “as alterações ambientais originadas de ações humanas repetidas ou múltiplas podem se somar, resultando em impactos cumulativos significativos”. Para melhor compreender os impactos cumulativos que podem decorrer da implantação de quase 30 aproveitamentos hidrelétricos numa região que já vem sofrendo sucessivas agressões, é importante ter presente, do ponto de vista do patrimônio arqueológico, se este já foi incorporado à Memória Nacional, sob as seguintes formas: −

conhecimento produzido e ao alcance das comunidades regionais e da sociedade nacional;



conservação, em locais acessíveis às comunidades regionais e à sociedade nacional, de exemplares materiais, representativos dos sistemas de sítios remanescentes das sociedades pretéritas que viveram na região.

Num trabalho recente, portanto ainda não alterado pelas parcas informações constantes dos diagnósticos arqueológicos realizados para os aproveitamentos hidrelétricos do Sudoeste Goiano, Wüst (2001) mostra, em dois mapas, um quadro preocupante a respeito da arqueologia dessa extensa região, na qual, apesar da existência reconhecida de importantes sítios pré-coloniais, o conhecimento produzido é quantitativamente muito pobre, com vastos territórios vazios de informações. O conhecimento arqueológico produzido e incorporado à Memória Nacional sobre o Sudoeste Goiano é ainda precário e as possibilidades de reverter esse quadro ficam extremamente comprometidas não só pelas conseqüências que o avanço das frentes de desmatamento e da expansão crescente da fronteira agropecuária já vêm causando aos testemunhos arqueológicos na região em estudo, como também com as alterações ambientais que serão causadas pelos aproveitamentos hidrelétricos em estudo, potencializando os impactos arqueológicos. Os principais impactos previstos com a implantação dos aproveitamentos hidrelétricos em estudo são: a) destruição, total ou parcial, de sítios arqueológicos e b) descaracterização da paisagem de implantação dos assentamentos pretéritos, com todas as conseqüencias negativas que tais impactos podem causar nas possibilidades de conhecimento do passado regional. Uma vez que a destruição física será inevitável, os impactos acima só podem ser mitigados com a execução de projetos de pesquisa arqueológica concebidos em função da problemática científica que envolve a região como um todo integrado e sinérgico. Cada aproveitamento hidrelétrico tem de ser encarado como parte de um quebra-cabeças que só terá sentido quando todas as peças se encaixarem, revelando a pluralidade do passado do Sudoeste Goiano, com o devido respeito por todos os seus agentes, em especial os que não têm poder de lutar pelo resguardo de sua memória. 7. Diretrizes para os estudos arqueológicos a serem feitos para o licenciamento ambiental de cada aproveitamento hidrelétrico do sudoeste goiano.

No final do estudo, foram apontadas diretrizes para os estudos arqueológicos futuros, as quais são de natureza diferente para os empreendimentos que contam com diagnósticos arqueológicos e para os que não contam. No caso dos empreendimentos que não contam com diagnósticos arqueológicos, sua realização deve ser considerada uma condicionante para a obtenção de Licença Ambiental Prévia. Caso já contem com a Licença Prévia, os estudos para a Licença de Instalação devem incluir uma etapa inicial, de levantamento extensivo (varredura), com o objetivo de coletar informações sobre ocorrência de material arqueológico aflorado em superfícies de boa visibilidade; informações sobre o estado de preservação dos solos (matrizes de sustentação dos bens arqueológicos) e informações orais, com antigos habitantes da região, que permitam uma primeira avaliação do potencial arqueológico da área de inserção do empreendimento, e planejamento das etapas de campo sistemáticas a serem executadas durante o Plano Básico Ambiental. Quanto aos empreendimentos que já contam com diagnóstico arqueológico, devem ser realizados, na fase de elaboração do PBA de cada empreendimento específico, levantamentos sistemáticos, com prospecção no solo, para verificar a ocorrência de sítios arqueológicos em risco em todas as áreas de intervenção dos aproveitamentos hidrelétricos em estudo. Essas pesquisas, obrigatórias também para os aproveitamentos hidrelétricos sujeitos a estudos de diagnóstico arqueológico, devem atender as exigências da Portaria IPHAN 230/2002. Para sua execução, a apresentação de projeto de pesquisas ao IPHAN é obrigatória, nos termos exigidos pela Portaria IPHAN 07/1988. É importante que se estabeleça, para essas pesquisas, um cronograma que atenda prioritariamente as áreas que sofrerão intervenção para a implantação de cada empreendimento, tais como: canteiros de obras, acessos novos, áreas de empréstimo, eixo da barragem, etc., a serem decididas de acordo com as características de cada aproveitamento hidrelétrico. Essas áreas precisam ser investigadas prioritariamente pelo fato de que, se nelas ocorrerem sítios arqueológicos, o resgate desses sítios precisará ser providenciado antes do início das obras de instalação.

A área do reservatório deverá ser objeto de levantamento em seguida, o que pode ocorrer inclusive com as operações de resgate das áreas acima mencionadas. Para o resgate, novo projeto de pesquisas precisará ser apresentado ao IPHAN, para obtenção da permissão/autorização de pesquisa. Alguns empreendimentos foram considerados merecedores de cuidados especiais: trata-se daqueles que inter-seccionam áreas com potencial de ocorrência de abrigos sob rocha (UHE Itumirim, PCH Retiro Velho e UHE Tucano). Nesses casos específicos, especial atenção deverá ser dada à verificação de ocorrência de abrigos sob rocha nas áreas a serem afetadas pelos aproveitamentos hidrelétricos mencionados. Se a existência desses abrigos for comprovada, eles deverão ser objeto de prospecção arqueológica dirigida que permita a avaliação arqueológica dos abrigos, em geral com superfícies reduzidas, sem comprometer futuras pesquisas de resgate. É interessante lembrar que os abrigos, na região, ocorrem em baixas e médias vertentes. Caso a existência dos abrigos se confirme, a prospecção arqueológica neles deverá ser incluída nas pesquisas para o PBA. Algumas recomendações de ordem geral se fizeram, enfatizando que, em sua concepção teóricometodológica, em todas as fases, os projetos arqueológicos deverão estar preocupados em direcionar as pesquisas nas áreas de cada aproveitamento hidrelétrico para a produção de conhecimento efetivo sobre a dinâmica sócio-cultural dos dez milênios de ocupação humana de que a região foi palco privilegiado. 8. Considerações finais As vantagens do EIBH, como caminho a orientar os posteriores Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Planos Básicos Ambientais (PBA), são evidentes: a região passa a ser vista como uma entidade em sinergia, onde os impactos numa área ou num local se refletem noutra área, desencadeando impactos cumulativos. Especificamente no que concerne à arqueologia, o EIBH do Sudoeste Goiano permitiu verificar que as diversas pesquisas que ali se têm realizado não têm um fio condutor que enxergue o que cada micro-área significa no contexto mais amplo da arqueologia regional. As pesquisas não buscam,

nem mesmo na elaboração dos diagnósticos, identificar os problemas científicos mais amplos que as áreas de influência de cada empreendimento podem ajudar a solucionar. No final da década de 70 do século 20, King (1977) já chamava a atenção para a necessidade de resolver o conflito existente entre uma arqueologia orientada para a solução de problemas científicos e uma arqueologia voltada ao resgate do maior número possível de dados de uma área a ser impactada por grandes projetos. A solução do conflito, para o autor, estaria no planejamento das atividades de salvamento arqueológico por intermédio de projetos regionais, onde problemas de ordem geral seriam colocados e orientariam as atividades de pesquisa de salvamento arqueológico em cada uma das áreas conectadas à região em apreço. Assim, o salvamento obedeceria à busca de soluções de problemas científicos regionais. O EIBH surge, no Brasil, como um caminho real de orientar as pesquisas arqueológicas em bacias hidrográficas, em busca do bem maior, que é produzir conhecimento científico real sobre o passado regional. Finalmente, um fator preocupante que se revelou na elaboração do EIBH do Sudoeste Goiano foi a marginalidade do IPHAN em relação aos diagnósticos arqueológicos que ali estão sendo executados, o que pode ser considerado um espelho do que acontece, em maior ou menor grau, em outras regiões do País. Cerca de 50% dos sítios arqueológicos registrados na área (exatamente 84 sítios) não foram comunicados ao IPHAN, a maioria deles descobertos exatamente durante os diagnósticos arqueológicos. Em que pese o fato de que pesquisas não interventivas e sem coleta de material possam ser feitas sem permissão oficial de pesquisa, o arqueólogo tem obrigação legal de informar ao IPHAN os sítios arqueológicos descobertos durante suas pesquisas, sob pena de estar infringindo o artigo 18 da Lei Federal 3.924/1961, exatamente a Lei que protege o patrimônio arqueológico nacional, ou seja, nosso objeto de estudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE LIMA, T. & PINHEIRO DA SILVA, R. C. O conceito de sítio arqueológico histórico e suas implicações legais. Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, UNISC, 26 (35/36), 2002. p. 12-20. DIVERSOS Estudo Integrado de Bacias Hidrográficas do SudoesteGoiano. Brasília, Consam/ Engevix/Mais Verde/Naturae/Scientia, 2005. JUNQUEIRA, P. A. Problemas e Causas da Destruição da Arte Rupestre em Minas Gerais. In: Exposição: Pré-História Brasileira – Aspectos da Arte Parietal. Belo Horizonte, UFMG, 1981, p. 31-34. KING, T. Resolving a Conflict of Values in American Archaeology. In: M.B. SCHIFFER & G.J. GUMERMAN, Conservation Archaeology. New York, Academic Press, 1977, p. 87-96. OLIVEIRA, J. E. & VIANA, S. O centro-oeste antes de Cabral. Revista USP, Arqueologia Brasileira I. São Paulo, USP, 2000, p. 142-189 SPALING, H. Cumulative effects assessment: concepts and principles. Impact Assessment, 1994, 12 (3): 231-252. SPALING, H. A avaliação dos efeitos cumulativos – Conceitos e Princípios. Avaliação de Impactos, Rio de Janeiro, IAIA, 1996, 1 (2), p. 55-68. WÜST, I. A ocupação de Goiás antes da chegada do europeu (Goiás pré-colonial). In: L. M. ROCHA, (Org.) Atlas Histórico – Goiás pré-colonial e colonial. Goiânia, Ed. CECAB, 2001, p. 13-25.

Mapa - Potencial de ocorrência de sítios arqueológicos no Sudoeste Goiano, por área.

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