O éthos do contemporâneo e a necessidade dos Antigos

August 31, 2017 | Autor: Carla Francalanci | Categoria: Ancient Philosophy, Contemporary Philosophy
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O éthos do contemporâneo e a necessidade dos antigos


Carla Francalanci




Dedicado a Cláudio Oliveira da Silva




Quando a profa. Izabela me convidou para este seminário sobre o éthos
no mundo antigo, pensei em alguns temas em Platão, em especial na
República, que poderia desenvolver. No entanto, uma outra questão se fazia
mais presente, algo sobre o qual tenho sentido a necessidade de escrever, e
que diz respeito a um momento anterior ao tratamento de um tema específico
em filosofia antiga. Aproveito aqui, então, o ensejo para fazê-lo. Trata-se
da nossa relação mesma com os antigos através da atividade filosófica e da
necessidade de que aclaremos o modo como nos situamos hoje, a fim de que se
esclareça e justifique uma ida àquilo que para nós é passado, e mais ainda,
no que diz respeito à nossa atividade em especial, àquilo que aparece para
nós como proveniente de nossa origem de pensamento.
Por que estudamos filosofia antiga? O próprio nome disso que fazemos
demanda interpretação, uma vez que deve ser óbvio para todos que não
fazemos, nem jamais poderemos fazer, filosofia "antiga". "Fazer" implica em
fazer agora, em uma ação que se desenrola forçosamente em um presente, no
nosso presente. A atividade da filosofia, ainda que em relação com o seu
passado mais remoto, é sempre, então, atual. Mas a leitura filosófica de
sua história, e no nosso caso, dos antigos, para quem compreende a
filosofia como uma ação interessada, como uma "escrita com sangue", nas
palavras de Nietzsche, não pode prescindir de fazer-se mais do que atual;
ela deve almejar ainda fazer-se contemporânea dos textos que examina.
O que é aqui reivindicado deve ser lido como o contrário de uma
postura historicista, que pretenderia "ir aos antigos", acercando-se para
isso do máximo conhecimento sobre suas condições sociais de vida, os
desdobramentos filológicos de sua língua, os últimos achados da
arqueologia, entre outros, buscando tornar-se "contemporânea" dos antigos –
e isso subentende, desde essa interpretação, algo como um coexistir com
suas condições de pensamento – por pretender, por uma espécie de
identificação afetiva com o seu objeto de estudo, remontar ao passado ou ao
antigo en soi. O que reivindico aqui seria algo outro, uma compreensão de
nossa situação e de nossas questões, das que nos são dadas por nosso tempo
investigar, para que a ida aos antigos, assim situada, possa estabelecer
com eles um verdadeiro diálogo, um diálogo a partir de questões prementes,
como soem ser as questões filosóficas, e que para isso precisam ser
inapelavelmente minhas[1].
Se a exigência para a interpretação que pleiteamos é que sejamos
contemporâneos dos textos com os quais dialogamos, é oportuno perguntar: o
que é ser "contemporâneo"? Ou, para formulá-lo em acordo com a demanda do
seminário: qual é o éthos do contemporâneo? Investigando aquilo que
constitui o habitual, o usual e assim a maneira de ser particular do
contemporâneo, não indagamos, todavia, apenas pelo nosso hoje, mas por um
modo de ser presente em todos os tempos, coexistente com todas as épocas.
Émile Benveniste remete o termo éthos à raiz indo-européia *swe, e mostra
que os termos derivados dessa raiz se dividem em duas linhas conceituais,
que são, contudo, complementares. Se por um lado esses termos especializam
um "si" apreendendo-o como individualidade (como no caso por ex. de ídios e
de idiótes, ou de éthos enquanto característica distintiva e maneira de ser
individual), por outro lado essa individualidade é dada pelo pertencimento
a um grupo ou comunidade de "seus próprios" (o que ocorre por ex. com
hetaíros, ou com todos aqueles que partilham de um mesmo éthos). Os termos
provenientes dessa raiz, conclui o autor, abrangem "a um só tempo a
distinção diante de todo o resto, fechamento sobre si mesmo, esforço para
se separar de tudo o que não seja o *swe – , e também, dentro do círculo
discriminatório assim constituído, uma ligação estreita com todos os que
fazem parte dele"[2]. Desse modo, ao indagarmos por o que particulariza o
contemporâneo enquanto o que traz o seu familiar, distintivo e particular,
não permanecemos, contudo, restritos apenas a nós mesmos, mas antes
encontramos todos aqueles que se posicionaram no tempo como contemporâneos.
Pois do que se trata aqui é precisamente disso: não de uma simples
coexistência no tempo presente ou em algum presente qualquer, mas de um
posicionamento específico com relação ao seu tempo, posicionamento esse que
não designa apenas uma relação com o instante presente, mas que deve ser
compreendido, ao contrário, como uma maneira de acontecimento da
temporalidade, o que implica dizer, como algo que traz consigo, em seu modo
próprio, uma relação com o seu "foi" e com sua origem, bem como com o seu
"será" e as possibilidades que nele se descortinam.
A busca por essa determinação é levada a cabo magistralmente em um
artigo de Giorgio Agamben intitulado "O que é o contemporâneo?"[3]. A
referência inaugural que o autor indica a fim de poder pensá-la provém de
Nietzsche, em suas Considerações intempestivas. A primeira condição
nietzschiana para a intempestividade, aproximada por Agamben da noção de
contemporaneidade que intenta desenvolver, consiste em um descentramento
com relação ao posicionamento histórico – leia-se, historicista –, contra o
qual Nietzsche reiteradamente se manifesta e diante do qual somos
igualmente chamados a nos posicionarmos, uma vez que o herdamos em nosso
hoje. Assim, ser intempestivo ou contemporâneo consiste em ser inatual, em
não se confundir nem coincidir com o seu tempo. Isso quer dizer um não
estar à vontade, em casa, talvez possamos ler, nem com a maneira de
desdobrar-se do presente e muito menos com a maneira pela qual ele é
apreendido e interpretado; isso quer dizer uma incapacidade para adaptar-se
ao fluxo homogêneo do tempo, um não se encontrar situado no continuum da
história, um não estar colado ao seu presente e apaziguado pelas imagens e
representações do passado que esse nos apresenta. Contudo, esse
distanciamento e dissociação com relação ao seu tempo não podem ser senão
uma forma particular de pertencimento a esse, não devendo ser lido como
nenhum saudosismo ou nostalgia por uma época da história com a qual nos
identificamos, mas à qual não poderíamos jamais pertencer. "A
contemporaneidade, portanto, é uma singular relação com o próprio tempo,
que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais
precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma
dissociação e um anacronismo"[4].
O éthos do contemporâneo, o seu caráter distintivo e mais habitual,
parece consistir, paradoxalmente, em uma não habitualidade ou não
familiaridade fundamental com relação ao seu tempo, em uma distância para
com esse. A partir dessa tomada de distância, somente, o contemporâneo se
faz capaz de se relacionar com o seu presente, em uma relação que Agamben
caracteriza como um "olhar a face do seu tempo". Contudo – e esse talvez
seja para mim um dos pontos mais importantes do texto de Agamben – o que
aquele que assim faz vê não é um aclaramento de seu tempo, o ponto em que
ele se faria maximamente visível, mas precisamente o contrário: isso que
ele vê, ao olhar o seu tempo desde o seu ponto de ruptura, desde a sua
impossibilidade de conjugação, é a obscuridade que intrinsecamente pertence
a esse tempo. Em primeiro lugar, cabe a pergunta: o que vê esse olhar que
vê obscuridade, ou o que significa ver, segundo o texto, as "trevas do seu
tempo"? Uma maneira de compreendê-lo parece ser: trata-se de ver o presente
não desde a perspectiva de todos os sucessos e realizações que esse aporta
ou das continuidades que instaura com relação a passado e futuro, mas sim
desde tudo isso que nele aparece como o seu não realizado; como o que nele
resta escamoteado, calado, bem como o que nele se dá a vislumbrar, tanto
como as suas promessas não cumpridas quanto como as ameaças que a partir
dele nos espreitam.
"Pode dizer-se contemporâneo apenas quem não se deixa cegar pelas
luzes do século e consegue entrever nessas a parte da sombra, a sua íntima
obscuridade"[5]. Essa tarefa de visão intrínseca ao contemporâneo aqui
aparece como dupla. Trata-se assim, em segundo lugar, não apenas de ver as
trevas do seu tempo, mas ainda mais, de apreendê-las como suas; isto é,
travar uma relação com a obscuridade em que essa não se dê a ver como o
indiviso, imperscrutável e dessa forma anônimo, impessoal e indiferente,
mas sim como o que me é de certo modo próprio.
Talvez possamos pensar a obscuridade, como vimos propondo, como a
perda dos parâmetros usuais de compreensão do presente e de sua inserção no
tempo, seja no que diz respeito à sua apreensão progressista, seja no
tocante à ilusão de reunião afetiva com o passado, o que Benjamin chamou de
"historiografia burguesa"[6]. Ambas as perspectivas fixam o tempo na ordem
do contínuo e do homogêneo, daquilo que se desenrola sem fissuras. O
fracasso desses modelos cria, para quem o experimenta, um hiato no
presente, e conduz à instauração nesse presente de uma singularidade, onde
o que se faz patente é antes uma falta de ligação, de elo compreensivo com
o passado, bem como uma falta de sentido na perspectiva do futuro aberto
por esse presente esfacelado.
"Contemporâneo é aquele que recebe em pleno rosto o facho de trevas
que provém do seu tempo"[7]. A fratura, o hiato com que o presente se
manifesta para o olhar que lhe é contemporâneo apresenta a face do presente
como "fragmento, enigma e horrendo acaso"[8], ou "(...) na forma de um
'muito cedo' que é, também, um 'muito tarde', um 'já' que é, também, um
'ainda não'"[9]. Essa obscuridade, Agamben a compreende como sendo, em
última instância, a emanação de uma luz que provém do presente, mas que se
mostra constitutivamente incapaz de nos alcançar. É como se a experiência
da perda de sentido promovesse uma demanda por sentido, o aceno por uma
interpretação reunidora; no entanto essa, no mesmo instante em que acena,
mostra também a face de sua inacessibilidade.
Dessa maneira, nessa explosão do agora em fragmentos disjuntos, ele
ganha, contudo, uma nova característica: o presente inatual, que rompe
intempestivamente do tempo cronológico, passa a demandar sua compreensão e
interpretação. Ele impõe desse modo uma tarefa, que ganha caráter de
necessidade, e instaura o intempestivo, o descontínuo, a fissura do
presente, como o que urge e nos preme dentro do desenrolar do tempo
uniforme. Exatamente enquanto obscuro e trevoso é que ele se dirige a nós,
nos interpela. Na demanda por uma recomposição, por reconduzi-lo a uma nova
unidade é que nos enreda em um compromisso, ainda que, por ser uma tal
unidade impossível de ser alcançada, esse seja um compromisso ao qual "se
pode apenas faltar"[10]. A tarefa de encontrar sentido diante da
impossibilidade de recomposição de sentido pode ser vista como a tarefa de
interpretar, que mantém, contudo, a interpretação indissociada de seu
estado originário de fracasso, mantém o fragmentário da história presente
em seu estado de ruína.
O esfacelamento do presente, seu caráter intempestivo, realiza um
redimensionamento não só de si, mas do tempo em sua totalidade. O passado e
o futuro, perdendo o lugar que lhes era designado no fluxo uniforme do
tempo, podem ser lidos como irrompendo agora de maneira igualmente
intempestiva, e passam a relacionar-se com o presente não mais como as
dimensões de seu desdobramento "natural", mas como forças que atuam sobre
ele e contra ele embatem. Esse modo de compreender a relação entre os
tempos, realizada por aqueles que se situam no presente como em um instante
de crise, ao modo de uma relação conflitante, provém de uma outra fonte,
que me parece, contudo, poder dialogar com a interpretação de Agamben e que
pode mesmo ser ouvida ressoar sob as considerações desse autor como um de
seus panos de fundo. Trata-se de um belíssimo texto de Hannah Arendt,
intitulado "A quebra entre o Passado e o Futuro"[11].
O que gostaria de enfocar desse escrito diz respeito a uma parábola
que Arendt toma de Kafka, bem como o que a autora traz a respeito dela
enquanto consideração do tempo histórico. Essa parábola descreve uma luta
que um homem, "ele", quem dá nome ao texto original, trava com dois
adversários simultâneos:
" (...) o primeiro acossa-o por trás, da origem. O segundo bloqueia-lhe o
caminho à frente. Ele luta com ambos. Na verdade, o primeiro ajuda-o na
luta contra o segundo, pois quer empurrá-lo para frente, e, do mesmo modo,
o segundo o auxilia na luta contra o primeiro, uma vez que o empurra para
trás. Mas isso é assim apenas teoricamente. Pois há também ele mesmo, e
quem sabe realmente de suas intenções?"[12].

A interpretação que a autora faz do conto diz respeito à nossa questão
de maneira fundamental.
"A primeira coisa a ser observada é que não apenas o futuro – "a onda
do futuro" – , mas também o passado, é visto como uma força, (...). Esse
passado, além do mais, estirando-se por todo seu trajeto de volta à origem,
ao invés de puxar para trás, empurra para a frente, e, ao contrário do que
seria de esperar, é o futuro que nos impele de volta ao passado. Do ponto
de vista do homem, que vive sempre no intervalo entre o passado e o futuro,
o tempo não é um contínuo, um fluxo de ininterrupta sucessão; é partido ao
meio, no ponto onde 'ele' está; e a posição 'dele' não é o presente, na sua
acepção usual, mas antes, uma lacuna no tempo, cuja existência é conservada
graças à 'sua' luta constante, à 'sua' tomada de posição contra o passado e
o futuro. Apenas porque o homem se insere no tempo, e apenas porque defende
seu território, o fluxo indiferente do tempo parte-se em passado, presente
e futuro; é essa inserção – o princípio de um princípio, para colocá-lo em
termos agostinianos – que cinde o contínuo temporal em forças que, então,
por se focalizarem sobre a partícula do corpo que lhes dá direção, começam
a lutar entre si e a agir sobre o homem da maneira que Kafka descreve"[13].


Utilizando-se de Kafka, Arendt apresenta uma situação em que, ao
posicionar-se no presente como em uma lacuna, isto é, se assim podemos
interpretar, aprendendo nele o que aparece como insólito, avassalador e sem
precedente[14], esse que assim se posiciona instaura uma relação dinâmica
e, ao mesmo tempo, agonística com passado e futuro, que passam a acontecer
como os sentidos do tempo que convergem para esse presente como o seu ponto
de colisão. Esse posicionamento se descortina como uma experiência não
"natural" ou usual. Arendt chama a atenção para a precisão de Kafka ao
referir-se ao homem de sua parábola como "ele" e não "alguém", uma vez que
um tal posicionamento demanda "o homem na plena realidade de seu ser
concreto"[15], ou seja, a efetivação decidida de uma possibilidade de ser.
Contudo, a tomada de posição que sustenta a sua incapacidade de posicionar-
se definidoramente, conceitualmente no presente, descortina o futuro na
angústia de um aberto sem precedentes, o que faz com que esse pressione de
volta ao passado, na demanda por encontrar parâmetros que nomeiem e dêem
sentido ao presente. Por sua vez, o passado responde como o que não poderia
jamais legar ou instaurar esse presente na experiência de uma tradição,
dado o seu caráter inusitado, intempestivo. São, por isso, as próprias
trevas que o passado nos oferece que nos lançam de volta para o presente e
o aberto que a partir dele se descortina sem parâmetros.
Contudo, é possível redimensionar a experiência histórica aberta pelo
contemporâneo de modo que ela não necessite mais acontecer apenas como
embate, sem que, por outro lado, ela tenha que retomar o caráter de
continuidade que o postar-se na fissura do tempo mostra não poder mais lhe
pertencer. Hannah Arendt aponta para um lugar do pensamento em que se
poderia operar um desvio nessas forças, lugar já predisposto pela própria
ocorrência do pensamento: "A inserção do homem, interrompendo o contínuo,
não pode senão fazer com que as forças se desviem, por mais ligeiramente
que seja, de sua direção original, e, caso assim fosse, elas não mais se
entrechocariam face a face, mas se interceptariam em ângulo"[16]. Seria
possível talvez apontar o pensamento, em seu modo de ser necessariamente
interpretação, logo, transformação, o fator responsável por redirecionar
essas forças e assim redimensioná-las, podendo reintegrá-las a cada vez,
recompô-las, em sempre novos contextos.
Penso poder indicar que as considerações de Agamben igualmente podem
ser lidas como convergindo para essa possibilidade. Precisamente porque
fratura o tempo e se coloca em seu ponto de secção é que o contemporâneo é
igualmente aquele convocado a suturá-lo, ainda que essa sutura não possa
mais dizer respeito a uma reunião da unidade perdida. Uma vez que o passado
e o futuro descortinados para o contemporâneo foram abertos pela fenda que
ele representa, eles se dimensionam somente a partir do contato íntimo com
essa fenda e, nesse sentido, a ela pertencem. Assim, se o presente não pode
mais herdar o passado em uma continuidade, ele pode todavia citá-lo,
operando, assim, a sua reatualização. Dessa forma, o presente lacunar,
crítico, do contemporâneo, "pode colocar em relação aquilo que
inexoravelmente dividiu, rechamar, re-evocar e revitalizar aquilo que tinha
até mesmo declarado morto"[17]. É para mim curioso que não apenas Agamben,
mas também Benjamin, tomem a relação com o tempo instaurada pela moda como
paradigma para expressar essa possibilidade ilimitada do contemporâneo de
se apropriar do passado em um movimento de a todo instante transfigurá-lo,
citá-lo, recriá-lo. A moda se posiciona sempre no presente, ainda que seu
presente, sob a forma de um "estar na moda", seja sempre indefinível e
dinâmico; e ainda, ela realiza continuamente um diálogo com o passado,
trazido por ela sempre em uma descontinuidade, como algo recriado, re-
evocado, atual. Nas palavras de Benjamin, "A moda tem um faro para o atual,
onde quer que ele esteja na folhagem do antigamente. Ela é um salto de
tigre em direção ao passado"[18].
O que esse texto vem demandar daqueles que buscam trabalhar com a
filosofia antiga é precisamente esse "salto de tigre". Em primeiro lugar,
um olhar claro sobre a fissura do nosso tempo, isto é, sobre toda a massa
de não-vivido que se encontra no meio de nosso vivido[19], um olhar sobre
isso que resta de não pensado nos volumes do que foi pensado e trabalhado à
exaustão, que se acumulam em nossas bibliotecas. Um olhar crítico, esse
termo tomado em várias acepções: por provir de uma condição de crise, por
retirar dela os parâmetros para julgar, avaliar e por buscar, em certo
sentido, através de suas reflexões, promovê-la, indicando-a como tarefa
àqueles que virão. Em seguida, uma disponibilidade para encontrar esse não
pensado e crítico em outros tempos, presente em estado de profecia ou de
prefiguração, mas diafanamente presente, uma vez que apenas pode ser
evocado como imagem ou metáfora. Platão, Aristóteles, os pensadores
antigos, não dizem o que nós dizemos, seus problemas não são os nossos. Mas
eles são, assim como nós, contemporâneos. Eles têm a capacidade de, a um só
tempo, prefigurar o passado no presente e de encarar o presente já em
estado de ruína. Apenas nesse sentido eles se fazem necessários. Pois eles
são, desse modo, capazes de responder à nossa demanda, apenas na medida em
que essa se fizer demanda não por uma resposta ou solução, mas por como
trilhar caminhos, abrir picadas em meio às trevas; por elas, mas certamente
não para fora delas.
"É como se aquela invisível luz, que é o escuro do presente,
projetasse a sua sombra sobre o passado, e este, tocado por esse facho de
sombra, adquirisse a capacidade de responder às trevas do agora"[20].
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[1] Cf. Gilvan Fogel. "Ser sempre grego".
[2] Benveniste, Émile. O vocabulário das instituições indo-européias. Vol.
I – Economia, parentesco, sociedade. Trad. Denise Bottman. Campinas:
Editora Da Unicamp, 1995, pp. 326-327.
[3] Giorgio Agamben. "O que é o contemporâneo", IN: O que é o
contemporâneo? e outros ensaios. Trad. Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó:
Argos, 2010.
[4] Idem, ibidem, p. 59.
[5] Id., Ibid., pp. 63-64.
[6] Gagnebin, Jeanne-Marie. Introdução a: Walter Benjamin. Obras
escolhidas.
[7] Ibid. Nota 2, p. 64.
[8] Friedrich Nietzsche. "Da redenção", IN: Assim falou Zaratustra. Trad.
Mário da Silva. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987, p. 150.
[9] Id. Ibid., p. 66.
[10] Id. IBID., p. 65.
[11] Hannah Arendt. "A quebra entre o Passado e o Futuro", IN: Entre o
passado e o futuro. Trad. Mauro W. Barbosa de Almeida. São Paulo: Ed.
Perspectiva, 1972.
[12] Kafka. "He". APUD Hannah Arendt. Ibid. nota 9, p 33.
[13] Ibid., PP 36-37. O que buscaremos realizar aqui não é uma
interpretação da passagem de Hannah Arendt desde o modo como essa se insere
em seu texto nem desde as suas categorias de pensamento. Trata-se tão
somente de criar um diálogo entre a passagem e o que vimos desenvolvendo a
partir de Agamben, a partir do que pode ser identificado como as
semelhanças entre ambos, afim de criar, assim, um espaço para que esse
diálogo aconteça.
[14] O assunto principal desse texto é o "tesouro das revoluções", um
acontecimento para o qual se é convocado a partilhar de uma instância
pública e, assim, de um aceno de liberdade, e que contudo aparece como algo
sem precedentes, que não foi herdado desde nenhuma tradição e para o qual
os seus atores não são capazes de encontrar sequer um nome.
[15] Id., Ibid., p. 39.
[16] Id., ibid., p. 38.
[17] Ibid. nota 2, pp. 68-69.
[18] Walter Benjamin. Sobre o conceito da história", IN: Magia e técnica,
arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad.
Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987.
[19] Ibid. Nota 2, p. 70. "O presente não é senão a parte do não-vivido em
todo vivido. O que impede acesso ao presente é a massa daquilo que, por
alguma razão (o seu caráter traumático, sua extrema proximidade), neste não
conseguimos viver. A atenção dirigida a esse não-vivido é a vida do
contemporâneo. Ser contemporâneo significa, neste sentido, voltar a um
presente em que jamais estivemos".



[20] Id., ibid., p. 72.
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