O etnógrafo da Belle Époque: Livro articula antropologia urbana, história e literatura na obra de João do Rio (resenha)

October 8, 2017 | Autor: P. Thiago de Mello | Categoria: Antropología
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O GLOBO

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PROSA & VERSO

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AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

PÁGINA 6 - Edição: 24/05/2008 - Impresso: 22/05/2008 — 13: 06 h

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Sábado, 24 de maio de 2008

PROSA & VERSO [COMPORTAMENTO][COMPORTAMENTO][COMPORTAMENTO][COMPORTAMENTO]

Ler, hábito da infância Pesquisa inédita revela que leitura no Brasil se restringe sobretudo ao período escolar Marizilda Cruppe/23-08-2006

Rachel Bertol

OS DEZ ESCRITORES MAIS

o momento em que a obra de Monteiro Lobato volta às livrarias, por intermédio da editora Globo, e tem sido revista pelo olhar politicamente correto que a condena por um teor racista, a maior pesquisa sobre leitura já realizada no país revela que o autor de “Reinações de Narizinho” é o mais admirado pelos brasileiros. Lobato é o primeiro numa lista em que só aparecem brasileiros, e cujo segundo nome é Paulo Coelho, o terceiro Jorge Amado e o quarto Machado de Assis. Esses quatro autores receberam quase metade das indicações. A informação é uma das muitas reunidas na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada por encomenda do Instituto Pró-Livro, criado em 2006 por entidades do mercado editorial. Os detalhes da pesquisa serão divulgados quarta-feira, em Brasília, mas dados preliminares sugerem que, por mais otimista que esteja seu coordenador, Galeno Amorim, a situação da leitura no país permanece precária, como um hábito ligado sobretudo à infância. No que se refere a Lobato, o escritor aparece também na lista dos livros mais importantes na vida dos brasileiros. Embora citado dez vezes menos que a Bíblia, o “Sítio do Pica-pau Amarelo”, nome do programa televisivo que se inspira na obra infantil de Lobato, ficou em segundo lugar, lembrado dessa forma espontaneamente por muitos leitores. — Claro que o efeito TV tem papel importante, mas uma fatia muito grande leu Lobato quando era criança. Todo mundo que é leitor é leitor de Lobato — afirma Amorim, que dirige o Observatório do Livro e da Leitura, contratado para coordenar a pesquisa.

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Atualização da pesquisa será trienal A Retratos da Leitura abrange universo de 172 milhões de brasileiros (92% da população) e foi executada pelo Ibope, que entrevistou 5 mil pessoas no fim de 2007 em 311 municípios, com margem de erro de 1,4%. É bem mais abrangente que sua primeira versão, de 2000, feita em 44 municípios e referente a 49% da população. A partir de agora, a idéia é atualizá-la trienalmente e sua metodologia, inédita, deve ser usada como modelo na América Latina. Entre dez os livros mais importantes, predominam os títulos infantis: além da referência à obra de Lobato, lá estão “Chapeuzinho vermelho”, Harry Potter, o protagonista da série criada pela escocesa J.K. Rowling, “Os três porquinhos” etc. Em parte, esse perfil se dá porque a

ADMIRADOS PELOS BRASILEIROS

1. MONTEIRO LOBATO 2. PAULO COELHO 3. JORGE AMADO 4. MACHADO DE ASSIS 5. VINÍCIUS DE MORAES 6. CECÍLIA MEIRELES 7. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE 8. ERICO VERISSIMO 9. JOSÉ DE ALENCAR 10. MAURÍCIO DE SOUZA

OS LIVROS MAIS IMPORTANTES 1. BÍBLIA 2. O SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO 3. CHAPEUZINHO VERMELHO 4. HARRY POTTER 5. O PEQUENO PRÍNCIPE 6. OS TRÊS PORQUINHOS 7. DOM CASMURRO 8. A BRANCA DE NEVE 9. VIOLETAS NA JANELA 10. O ALQUIMISTA CRIANÇA LÊ no Salão do Livro para Crianças e Jovens, no Museu de Arte Moderna (MAM), em 2006

pergunta foi respondida apenas por quem se disse leitor — ou seja, declarou ter lido pelo menos um livro nos últimos três meses. E, entre os leitores, a presença de crianças com mais de 5 anos e adolescentes até 13 anos, também ouvidos, é significativa. Em outra tabela, constata-se que a infância e a adolescência são apontadas como períodos da vida em que mais se leu. — A pesquisa aponta de cabo a rabo a importância da escola na formação de leitor. É importante investir em ações para formar professores e bibliotecários, para que sejam agentes de fomento à leitura. A leitura decres-

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ce a partir da saída dos leitores da escola, e o uso de bibliotecas se concentra basicamente na vida escolar — diz Amorim. Os quatro títulos não infantis na relação dos dez mais importantes são, além da Bíblia, “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, “Violetas na janela”, do espírito Patrícia, e “O alquimista”, de Paulo Coelho. A preferência pelos livros religiosos é outra marca do leitor brasileiro, especialmente entre os de mais idade. Os cinco gêneros mais lidos são a Bíblia, livros didáticos, romance, literatura infantil e poesia. Segundo Galeno, a presença da poesia surpreendeu, pois o gênero, preferido pe-

Fonte: Retratos da Leitura no Brasil do Instituto Pró-Livro

los adolescentes, não costuma ser best-seller. A pesquisa mostra que as mulheres lêem mais que os homens, os quais, pragmáticos, superam-nas apenas quando o gênero é história, política e ciências sociais. Além disso, quanto mais escolaridade e nível de renda, mais sofisticado se torna o leitor. Mesmo que os dados sejam também retrato da precariedade do país, Amorim está otimista. A nova pesquisa, só por ter sido realizada, já é bom motivo para isso, pois sem informação é impossível formular políticas públicas. — O país está num processo importante de desenvolvimento da leitura — afirma. I

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O etnógrafo da Belle Époque

2252-3247 / 2232-9234

Livro articula antropologia urbana, história e literatura na obra de João do Rio De olho na rua — A cidade de João do Rio, de Julia O’Donnelll. Jorge Zahar Editor, 204 páginas. R$ 39,90 Paulo Thiago de Mello

s narrativas de João Paulo Barreto, o João do Rio, sobre a vida nas ruas do Rio de Janeiro da Belle Époque — quando a cidade amadurecia seu caráter cosmopolita — evidenciam uma sensibilidade etnográfica extraordinária. A partir dessa constatação a antropóloga Julia O’Donnell costurou um ensaio epistemológico que amarra antropologia urbana, história e literatura, usando as crônicas do popular escritor carioca como se fossem anotações de campo de um etnógrafo. Com isso, ela extrai material para uma análise da cidade, num momento em que o fenômeno urbano transformava o modo de vida e as relações sociais no início do século XX. O ensaio, originalmente uma dissertação de mestrado defendida no Museu Nacional da UFRJ, estabelece um diálogo entre o autor de “A alma encantadora das ruas” e Robert Ezra Park, um dos fundadores da

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chamada Escola Sociológica de Chicago, responsável por uma importante tradição de pesquisa de campo sobre a cidade. Contemporâneo de João do Rio, Park desenvolveu com seus colegas da Universidade de Chicago uma metodologia etnográfica voltada para a vida citadina. O grande laboratório desses p es q ui s ad o re s era a própria Chicago, um dos principais centros metropolitanos dos Estados Unidos, onde estava o maior entroncamento ferroviário do país, área de milhões de imigrantes e de problemas sociais, como pobreza, crime e racismo, que ganhavam nova expressão no espaço urbano. Atento à vida nas ruas, Park desenvolveu o conceito de ecologia humana, afirmando que a cidade não é um mero aglomerado de bairros e ruas, fruto das intenções de arquitetos e planejadores urbanos, mas sim o resultado das trocas sociais entre

as pessoas que nela vivem, constituindo moralidades que se alternam sucessivamente conforme suas interações. Bairros que se transformam conforme o uso que se faz deles. São, portanto, o resultado do encontro de sonhos, desejos e visões de mundo de seus moradores. João do Rio, por sua vez, expressa a mesma agudez de análise, quando chama a atenção para a alma das ruas, comparando-as ao próprio homem. As ruas, diz ele, nascem, crescem, se transformam e morrem. Algumas dão para a alegria, outras para o medo. Traz em suas crônicas a idéia do flâneur, que percorre as ruas atento. Flanar é antes de tudo, segundo João do Rio, “um perambular com inteligência”. Ao considerar o cronista como seu informante, Julia também faz uso de uma metodologia de análise histórica, recorrendo a documentos como tes-

temunho da “dimensão social do pensamento” do período. Julia abre o livro traçando a conjuntura histórica da cidade e de João do Rio. No segundo capítulo, se debruça sobre a rua “como protagonista da observação” do escritor e faz as aproximações com Park e a Escola de Chicago. Em seguida analisa as observações do cronista em relação ao comportamento humano nas ruas do Rio. E conclui com generalizações sobre uma idéia de carioquismo a partir das observações do escritor. A afinidade entre João do Rio e Ezra Park talvez explique o prestígio que o método de pesquisa urbana de Chicago tenha alcançado no Brasil, ao passo que na França, por exemplo, só nos anos 70 os textos de Chicago foram traduzidos e abriram-se linhas sistemáticas de pesquisa. No Rio, além do Museu Nacional, núcleos de pesquisa antropológica voltados exclusivamente para a cidade se multiplicam, como o Laboratório Metropolitano de Etnografia (LeMetro), do IFCS/UFRJ, o Núcleo de Pesquisas Fluminense (Nufep), da UFF, entre outros. I

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