O Evangelho que Fala ao Coração

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EVANGELHO

QUE FALA AO CORAÇÃO: OS DESAFIOS DA COMUNICAÇÃO TRANSFORMADORA ATRAVÉS DA IGREJA LOCAL

Por Gabriel Stein de Stervi, José Rodrigues Flores Júnior, Valdecir Tilvitz e Marcelo E. C. Dias foco na pessoa 8 www.foconapessoa.org.br

princípios de crescimento

N

O Evangelho Contextual a sua essência, a missão envolve um processo de comunicação. David J. Hesselgrave afirmou que a comunicação é o problema missionário par excellence e que há pelo menos 16 verbos diferentes no Novo Testamento para descrever o processo de comunicação do Evangelho.1 O fundamento desse conceito está na compreensão da própria natureza missionária de Deus que, no princípio, Se expressou e continua Se comunicando. Deus busca um relacionamento com aqueles a quem criou e que têm a habilidade de responder à comunicação divina. No contexto do grande conflito entre o bem e o mal, a resposta desejada pelo Criador é a Sua aceitação através de um relacionamento, resultado que só pode acontecer genuinamente através da compreensão da comunicação divina.2

A comunicação do Evangelho apresenta as características típicas: uma fonte emissora, um receptor, um canal, um código e uma mensagem. No entanto, o elemento mais negligenciado talvez seja o contexto cultural no qual esse processo acontece. A comunicação reflete a cosmovisão das pessoas envolvidas na interação, bem como os símbolos e códigos de determinada cultura, entre outros aspectos.3 Em toda comunicação eficiente, o objetivo não se resume em emitir uma informação, mas receber a reação desejada de compreensão, motivação e atitude. Portanto, é essencial se certificar de que o processo está minimizando os ruídos, superando barreiras e atingindo o resultado. No caso do Evangelho, isso equivale a dizer que ele não deve ser apenas transmitido, uma comunicação parcial e superficial do Evangelho, que não alcança o coração do receptor e não abrange todas as áreas da vida, produzindo expressões do cristianismo que não são autênticas, mas secularizadas, sincréticas e superficiais. O Evangelho deve ser proclamado de forma que seja compreendido e que seu significado correto seja percebido no contexto cultural do receptor para que proveja a oportunidade real de as pessoas responderem à mensagem de salvação com todo o seu poder. Essa compreensão a respeito da natureza contextual da comunicação leva à conclusão de que o Evangelho, a fé e o reino de Deus não devem ser

efetivamente compartilhados da mesma maneira em todas as culturas.4 É necessária a prática da contextualização da mensagem, em cada encontro entre o Evangelho e o ser humano.5 Logo, o processo de contextualização do Evangelho é justamente o encontro entre a sua universalidade supracultural e a particularidade de cada cultura.6 Segundo a Declaração Oficial da Igreja, cujo título é “Mapa para a Missão”, contextualização é “a tentativa intencional e cuidadosa de comunicar o Evangelho de modo culturalmente significativo”7. Sendo assim, a comunicação contextualizada da mensagem divina se torna fundamental para a evangelização eficaz.8 O Desafio da Igreja Local Compreender a comunicação contextualizada do Evangelho tem inúmeras implicações para o dia-a-dia da igreja local. Através do exemplo de três igrejas adventistas brasileiras reais, é possível ilustrar parcialmente essa nova percepção. Cada caso está dividido em três partes: descrição do contexto, descrição da congregação e uma breve análise. Igreja Central de Arapoti (Paraná) O contexto. A maioria dos quase 28 mil habitantes do município de Arapoti, localizado a 250 km da capital do Paraná, é composta por imigrantes holandeses. Esses imigrantes transformaram o município num polo de alta tecnologia em agricultura e pecuá-

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ria, especialmente para a criação de porcos e vacas leiteiras. Uma cooperativa e um banco de crédito, entre outras organizações, apoiam a comunidade holandesa. Pelo menos uma escola e duas igrejas também servem aos imigrantes e seus descendentes, e de forma especial ajudam a manter a cultura europeia. Uma igreja ministra em português e a outra em holandês. Os filhos dos imigrantes passam algum tempo na Holanda para aprender o idioma familiar. Até se casarem, moram com os pais. Depois, moram em casas separadas, mas no mesmo terreno, para manter os laços familiares e a homogeneidade cultural. A congregação. Há cinco igrejas adventistas em Arapoti, sendo três na cidade, uma na zona rural e outra a 19 quilômetros da cidade. A Igreja Adventista está presente nessa cidade há mais de 70 anos. Hoje, a Igreja Central é a mais estrategicamente localizada e acessível aos holandeses. Dos 360 adventistas da cidade, cerca de 100 compõem a Igreja Central, sendo um terço de idosos e um terço de jovens com menos de 25 anos. Vários membros trabalham

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como funcionários dos holandeses nas suas fazendas. A missão. A Igreja Adventista Central de Arapoti tem buscado contextualizar as suas iniciativas junto à comunidade holandesa. Dois projetos principais são a distribuição de livros, já que eles valorizam o desenvolvimento intelectual, e a participação do coral dos holandeses em programas musicais da Igreja Adventista. Outras iniciativas incluem os Clubes de Desbravadores e de Aventureiros e a TV Novo Tempo, que esteve por mais de sete anos em canal aberto nesse lugar. A análise. Apesar das iniciativas para comunicar o Evangelho de forma contextual para a comunidade holandesa, o sentimento é de insucesso. Após 70 anos de presença adventista em Arapoti, todos os membros da igreja são brasileiros. Uma das únicas ocasiões em que os holandeses vão à Igreja Adventista é para o culto fúnebre de algum funcionário que era adventista. Várias barreiras podem ser observadas nessa tentativa de identificação com a comunidade: primeira, a forma do culto adventista tradicional não é atrativa

para os holandeses. Eles estão mais acostumados a leituras responsivas nos cultos e um ambiente caracterizado pelo silêncio. As discussões de uma classe da Escola Sabatina, onde os irmãos falam livremente, bem como o costume brasileiro de conversar paralelamente e entrar e sair durante o culto comunica, para eles, uma ideia de irreverência na igreja. A segunda barreira é que os prédios das igrejas adventistas em Arapoti, até recentemente, não eram os mais apresentáveis e confortáveis para adorar a Deus e receber visitas. Na compreensão dos holandeses, as igrejas devem ser bem mantidas em boas condições. Terceira, a igreja não tem encontrado maneiras criativas de ajudar os holandeses a reorientar suas atividades a fim de não conflitarem com doutrinas adventistas, como a guarda do sábado. Eles têm dificuldade de conciliar seus trabalhos de cuidado de vacas leiteiras e criação de porcos com as expectativas da igreja, ainda que contribuam financeiramente com os Clubes de Desbravadores e Aventureiros e gostem de participar de projetos de assistência social.

Igreja de Ubatuba (São Paulo) O contexto. A estância balneária de Ubatuba, São Paulo, é habitada por pouco mais de 80 mil pessoas. A população local é composta por descendentes de tribos indígenas, quilombolas, caiçaras e pessoas de outras partes do país, além da população flutuante de turistas. Os habitantes dessa cidade turística, com cerca de 100 praias e 83% da sua área localizados no Parque Estadual da Serra do Mar, vivem do turismo, comércio, pesca, artesanato, educação e da prefeitura. As atividades são determinadas pela sazonalidade típica da região, que tem alto movimento turístico entre novembro e março. A falta de incentivo à industrialização em conjunto a uma compreensão rasa da preservação da natureza têm limitado as opções de emprego, assim como a falta de universidades tem motivado os jovens a se mudarem de lá. A congregação. Ubatuba possui cinco congregações adventistas. Duas delas inseridas em comunidades de tradição caiçara: as igrejas de Ubatumirim e Picinguaba. Esta última, situada numa vila de pescadores, foi a primeira igreja da cidade. Há ainda igrejas nos bairros de Perequê-açu, conhecido pelas casas de veraneio; Ipiranguinha, o bairro mais populoso da cidade, e no Centro, onde fica a maior igreja. Uma característica das igrejas de Ubatuba é o constante êxodo jovem, que se mudam de lá em busca de opções de estudo e postos de trabalho que não conflitem com a guarda do sábado. No ano de 2013, a igreja central do município perdeu 40 pessoas que se mudaram da cidade. A análise. Apesar das iniciativas missionárias em Ubatuba, algumas dinâmicas internas e externas têm desafiado a comunicação do Evangelho de forma não-contextualizada. A observação aponta que não tem havido iniciativa de se comunicar eficazmente com a população caiçara, apesar de ela se apresentar sempre de forma amiga e prestativa para com os adventistas, após a quebra do preconceito. A arquitetura e decoração das igrejas em nada faz referência aos valores caiçaras, dando assim sempre a impressão de que pertence a uma religião estrangeira, de outra cultura. O distanciamento é ainda maior em relação aos quilombolas. Percebe-se, portanto, que os líderes das igrejas de Ubatuba poderiam ser beneficiados por uma compreensão mais efetiva a respeito da comunicação contextual do Evangelho. A prática de apresentar o Evangelho da mesma forma, em qualquer contexto, é a norma. Porém, essa situação se complica à medida que muitos talentos se mudam de lá e ocasionam uma falta de líderes capacitados. Os valores tradicionais que incluem a valorização da família, da amizade, das tradições, o respeito pelos mais idosos, a simplicidade e prestatividade se desenvolvem dentro de um contexto caracterizado por certa timidez latente. Somado a esse perfil está o bairrismo, representado pelo impulso de se proteger dos que vêm “de fora” para se apossar da terra e da cultura local. Isso impede que as pessoas sejam receptivas em relação aos visitantes e se mostrem resistentes às novas ideias. Como resultado, da mesma forma que em outros

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lugares, as igrejas tendem a se tornar cada vez menos relevantes a despeito de todo o esforço local para que isso não aconteça.

Conclusão

Igreja de Vila Yara, Osasco (São Paulo) O contexto. O bairro de Vila Yara localiza-se em Osasco, cidade metropolitana da região de São Paulo, com 700 mil habitantes, que possui um dos maiores índices de desenvolvimento do Estado (4º maior PIB estadual, 11º maior PIB nacional). A Vila Yara é conhecida pelo seu centro financeiro e seus condomínios de luxo. Situa-se próxima do centro da cidade e de vários outros estabelecimentos, shoppings, hipermercados, teatros e universidades. A congregação. A Igreja Adventista de Vila Yara tem cerca de 350 membros ativos, sendo 45% de mulheres adultas, 30% de homens adultos, e 25% de jovens e crianças de ambos os sexos. O índice de desemprego entre os membros é bem pequeno e a maioria possui formação acadêmica. Sendo que destes, pelo menos 10% fez algum curso de especialização. Uma vez que o edifício da igreja está dentro do complexo estrutural do Colégio Adventista de Vila Yara (com aproximadamente 1800 alunos), ela é conhecida como a “igreja do colégio” e recebe muitas visitas. A missão. Diante desse cenário, a igreja tem concentrado os esforços em dois projetos:

séries evangelísticas contextualizadas e Pequenos Grupos de jovens. As séries evangelísticas são realizadas desde 2011, às sextas-feiras, com o nome de “Sexta-Viva”. Mensagens bíblicas são apresentadas por meio de séries de um mês de duração, com uma abordagem menos tradicional, sem dogmatismo, a fim de servir como uma porta de entrada para os interessados, que futuramente se aprofundam nas doutrinas da religião. A nutrição dos relacionamentos no processo de conversão é valorizada com momentos de confraternização pós-culto (lanches, brindes, etc.) e contatos semanais por meio sistemas de comunicação virtual. O Pequeno Grupo de jovens foi ambientalizado, primeiramente no espaço virtual, com uma página do Facebook intitulada “Canal do Jovem Adventista”. O grupo, então, passou a se reunir no meio da semana para estudar temas ou livros específicos e traçar planos de ação. Essa é uma iniciativa dos jovens com a intenção de criar oportunidades para relacionamentos, interatividade e comunhão, além dos cultos congregacionais regulares. Apesar de recente, esse grupo de 20 pessoas, criado em 2013, já realizou programações em outras igrejas, cultos ao ar livre em parques públicos, campanhas sociais em bairros periféricos e favelas (doação de alimentos e entrega de literatura).

A análise. A Igreja Adventista de Vila Yara é um exemplo de uma congregação que tem procurado desenvolver iniciativas evangelísticas que tentam comunicar o Evangelho de maneira contextualizada. A observação identifica, no entanto, que os aspectos missionais ainda estão concentrados apenas em um grupo de jovens e em programações e cultos específicos, enquanto que o ideal seria que essa ênfase estivesse presente em tudo que acontece na igreja e em todos que a compõem. A escola, por exemplo, representa uma oportunidade missionária tanto como campo, como parceira ainda não explorada. É necessário, portanto, fazer uma reestruturação de sua cultura missional como igreja. Processo que, de forma geral, tem sido dificultado por existir um público assistente rotativo e falta de preparo teológico e educacional da igreja como um todo. Maior empenho dos líderes da igreja em mentorear e discipular os membros quanto à importância da comunicação contextual possivelmente permitirá que essa congregação consiga impactar sua comunidade de forma mais eficaz. Essa perspectiva se dá em função do núcleo de jovens que já demonstra preocupação em levar em consideração o contexto urbano pós-moderno nas suas iniciativas missionárias.

A apresentação do Evangelho envolve cruzar barreiras culturais em maior ou menor escala. Mesmo dentro de um país, como o Brasil, é possível notar a importância de levar em consideração os princípios da comunicação transcultural. Até certo ponto, cada congregação está inserida num contexto diferente e desenvolve uma identidade diferente. Ellen White afirmou que:

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Muitos não compreendem a necessidade de se adaptar às circunstâncias, e ir ao encontro do povo. Não se identificam com aqueles a quem desejam auxiliar em atingir a norma bíblica do cristianismo. Alguns deixam de ter êxito, porque confiam unicamente no poder do argumento, e não clamam sinceramente a Deus em busca de Sua sabedoria para dirigi-los, e de Sua graça para lhes santificar os esforços.9

BIBLIOGRAFIA

A reflexão sobre essas três igrejas e seus pastores servem de exemplo para as demais. Uma sugestão é que o exercício aqui representado em três contextos diferentes seja realizado por líderes de igrejas em todos os lugares.  Ao descrever o contexto, a congregação e os esforços missionários em busca de pontos

de identificação, a análise se evidencia de maneira relativamente simples. Essa ferramenta demonstra que não existe um “método de tamanho único” e ajuda a estimular o desenvolvimento de iniciativas que apresentem o Evangelho de forma contextualizada para alcançar o coração das pessoas.

1 HESSELGRAVE, David J. Communicating Christ Cross-Culturally: An Introduction to Missionary Communication. 2a ed. Grand Rapids, MI: Zondervan, 1991, pp. 23-25. 2 KRAFT, Charles H. Communication Theory for Christian Witness. Ed. Revisada. Maryknoll, NY: Orbis, 1999, pp. 11-13. 3 Hesselgrave sistematiza sete pontos que devem ser analisados em um processo de comunicação transcultural do evangelho: cosmovisão, processos cognitivos, formas linguísticas, padrões de comportamento, estruturas sociais, influência dos meios de comunicação e fontes de motivação. Hesselgrave, pp. 163-168. 4 HIEBERT, Paul G. A Comunicação Transcultural do Evangelho: Comunicação, Estruturas Sociais, Mídia e Motivação. 1a ed. São Paulo, SP: Vida Nova, 2010, p. 141. 5 NICHOLLS, Bruce. Contextualization: a Theology of Gospel and Culture. 1a ed. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1979, p. 53. 6 KRAFT, Charles H. Christianity in Culture: a Study in Dynamic Biblical Theologizing in Cross-Cultural Perspective. Maryknoll, NY: Orbis Books, 1992, p. 122. 7 Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Declarações da Igreja: aborto, assédio secual, homossexualismo, clonagem, ecumenismo e outros temas atuais. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012, p. 23. 8 NIDA, Eugene A. Message and Mission: the Communication of the Christian Faith. Pasadena, CA: William Carey Library, 1990, p. 269. 9 WHITE, Ellen G. Obreiros Evangélicos. p. 381.

Gabriel Stein de Stervi é Pós-graduando em Missiologia no Unasp-EC e estagiário na igreja da Vila Yara, Osasco, São Paulo.

Valdecir Tilvitz é Pós-graduando em Missiologia no Unasp-EC e pastor em Arapoti, Paraná.

José Rodrigues Flores Júnior é Pós-graduando em Missiologia no Unasp-EC e pastor em Ubatuba, São Paulo.

Marcelo E. C. Dias é Doutorando em Missiologia pela Universidade Andrews, nos Estados Unidos.

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