O fechamento de mina e o desenvolvimento sustentável

May 24, 2017 | Autor: Romeu Thomé | Categoria: Direito Ambiental, Mineração, Fechamento de mina
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Referência bibliográfica do artigo:

THOMÉ, Romeu. O fechamento de mina e o desenvolvimento sustentável. Sete Lagoas: FEMM, Provocações, v. 1, p. 153-166, 2006.

O FECHAMENTO DE MINA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Romeu Thomé

I) INTRODUÇÃO O termo “descomissionamento de mina” ou “fechamento de mina” designa a cessação definitiva das operações mineiras. De uma maneira geral, pode-se considerar o fechamento de mina como um processo de encerramento das atividades de lavra por razões de ordem técnica, legal ou econômica, em virtude de esgotamento ou exaustão da reserva mineral ou em razão da inexistência de condições que permitam a continuidade da lavra de um depósito mineral. 1 A primeira fase da atividade minerária seria a do planejamento; a segunda a da implantação; a terceira seria a do desenvolvimento ou operação; e o fechamento da mina estaria classificado, de acordo com especialistas, como a quarta fase da mineração. Na etapa do fechamento não mais ocorre a extração do minério, devido à exaustão da jazida ou à inviabilidade técnico-econômica. Há apenas a continuidade dos trabalhos de recuperação ambiental da área atingida pelo empreendimento, visando a promover o descomissionamento, em caso de exaustão definitiva, ou o controle dos aspectos ambientais, no caso de paralisação temporária. O descomissionamento é a transição entre o fechamento e o uso futuro da área. Esse uso é considerado como pós-fechamento e não é mais caracterizado como atividade mineral. 2 O uso futuro da mina tornou-se questão essencial no que se refere ao desenvolvimento sustentável da atividade minerária. Não se pode mais conceber a exploração minerária sem a preocupação com o futuro da área explorada, tendo em vista não apenas os aspectos ambientais, mas também os sociais, culturais e políticos do fechamento da mina. Os aspectos ambientais do fechamento da mina, como, por exemplo, a recuperação da área degradada, estão amplamente previstos nas normas de Direito Ambiental, inclusive na própria Constituição de 1988, no art. 225, parágrafo 2o. Tratando-se a mineração de atividade impactante ao meio ambiente, a prevenção e a recuperação dos danos são condições sine qua non para a exploração minerária. Os aspectos sociais devem ser também analisados, pois é comum o surgimento de comunidades e até mesmo de cidades no entorno de empresas exploradoras de minerais. A evasão em massa dos moradores, o desemprego e o desaparelhamento da cidade são algumas das consequências nefastas de um fechamento mal planejado. Para alguns analistas, o principal desafio não é somente a recuperação de áreas degradadas, prática já adotada há algumas décadas, mas a incorporação da questão social. No momento do fechamento de uma mina toda a população pode ser diretamente afetada, tornando-se “órfã” da atividade. A ausência de um planejamento prévio

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REIS & BARRETO, 2001. TAVEIRA, 2003. p. 30.

para o fechamento de minas pode acarretar, portanto, enormes problemas sociais, uma vez que os Planos de Fechamento de Minas existentes nas normas atuais não prevêem o passivo social. 3 Com o aumento da população e o crescimento das cidades, o fechamento das minas traz à tona importantes aspectos culturais. A necessidade de planejamento e do adequado aproveitamento do solo urbano, como previsto na CR 88, art. 182, e no Estatuto da Cidade, determina que às áreas antes ocupadas pela mineração seja dada destinação compatível com as necessidades urbanas, como o oferecimento de cultura e lazer, consubstanciado na construção de parques, lagos, campos de futebol, shoppings e até mesmo novas áreas residenciais. A recuperação das áreas degradadas está prevista no ordenamento infra-constitucional pátrio, ainda que de maneira incipiente. De acordo com o DECRETO Nº 97.632/894, os empreendimentos de mineração estão obrigados, quando da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental, a submeter o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) à aprovação do órgão estadual de meio ambiente competente.5 O PRAD, todavia, não vem conseguindo alcançar efetivamente seus objetivos. Os órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental e pela fiscalização das atividades têm dificuldades de ordem técnica e financeira, deixando as empresas praticamente livres para decidirem sobre o processo de recuperação ambiental. 6

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De acordo com o Decreto Nº 97.632/89, os empreendimentos de mineração estão obrigados, quando da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental, a submeter o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) à aprovação do órgão estadual de meio ambiente competente. Este plano contempla a solução técnica adequada, visualizada pela empresa de mineração, à reabilitação do solo degradado resultante da atividade de extração, para uso futuro. 4

O Decreto Nº 97.632/89, que dispõe sobre a regulamentação do artigo 2º, inciso VIII, da Lei Nº 6.938, prevê:

“Art. 1º - Os empreendimentos que se destinem à exploração de recursos minerais deverão, quando da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental - EIA e do Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, submeter à aprovação do órgão ambiental competente um plano de recuperação de área degradada.” Já o art. 2º define o conceito de degradação: “(...) são considerados como degradação os processos resultantes dos danos ao meio ambiente, pelos quais se perdem ou se reduzem algumas de suas propriedades, tais como, a qualidade ou capacidade produtiva dos recursos ambientais.” Por fim, em seu Art. 3º, o decreto estabelece a finalidade dos PRAD: “A recuperação deverá ter por objetivo o retorno do sítio degradado a uma forma de utilização, de acordo com um plano preestabelecido para o uso do solo, visando à obtenção de uma estabilidade do meio ambiente.” 5

Em decorrência dos dispositivos constitucionais, o exercício da atividade mineradora no País está condicionado a três instrumentos específicos de controle do Poder Público, no que tange aos riscos potenciais de danos ao meio ambiente resultantes da lavra: o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), o Licenciamento Ambiental (LA) e o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD). (DNPM, 2002). 6 “(...) não se tem ainda completamente definido e entendido o conceito de Desativação de Empreendimento Mineiro porque não se teve a oportunidade de vivenciá-lo extensivamente pela novidade que representa, pela inexperiência no assunto, pela falta de dados comparativos. (REIS & BARRETO, 2001)

II) O FECHAMENTO E OS PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL Consoante a interpretação de variados artigos da Constituição de 1988 e mediante a análise dos princípios de Direito Ambiental, depreende-se que o uso futuro das áreas impactadas pela atividade minerária está amplamente previsto no ordenamento jurídico pátrio. De acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável, prima principium do Direito Ambiental7, torna-se essencial ao ser humano o desenvolvimento para atender as necessidades atuais, todavia sem comprometer a capacidade das gerações futuras na satisfação de suas próprias necessidades. Trata-se, portanto, da harmonia entre crescimento econômico, equidade social e equilíbrio ecológico. Ora, o adequado fechamento das minas é essencial tanto para a manutenção do equilíbrio social na região, quanto para a preservação do meio ambiente biológico e cultural, tendo em vista a utilização da área pelas gerações presentes e futuras. Logo, importante ressaltar que o desenvolvimento sustentável da atividade minerária passa obrigatoriamente pelo adequado procedimento de fechamento de mina. O direito de propriedade, um dia absoluto, evoluiu rapidamente e deve hoje ser interpretado em consonância com o princípio da função social da propriedade. O direito à exploração mineral e o lucro decorrente dessa atividade continuam sendo legítimos e assegurados pela Carta Magna. Todavia, deve-se respeitar o direito difuso da preservação do meio ambiente, direito de todos. Importante ressaltar que o Direito continua em evolução. Discute-se hoje os direitos transgeracionais, ou seja, direitos de futuras gerações em receber o meio ambiente em condições de ser por elas utilizado. Extrapolamos a noção de direitos individuais e coletivos, passando a analisar a defesa de direitos de seres que ainda estão por vir. E tendo em vista o bem estar das futuras gerações, o procedimento de descomissionamento de minas deve ser obrigatoriamente observado. Outro princípio diretamente relacionado ao tema em estudo é o do poluidor-pagador. Está expresso na Constituição de 1988, artigo 225, parágrafo 2o: “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado (...)”.Os custos sociais externos decorrentes da poluição devem ser internalizados, ou seja, incluídos nos custos de produção. Os impactos ao meio ambiente decorrentes da atividade minerária devem ser por ela suportados, e não pela sociedade. Deve haver a internalização dos passivos ambientais (externalidades ambientais). A empresa responsável pela exploração da mina é, portanto, responsável também pela recuperação da área explorada, devendo realizar o procedimento de fechamento ou descomissionamento. Aplica-se, ainda, o princípio da prevenção. A partir do momento que se tem conhecimento do impacto (e não restam dúvidas sobre a existência do impacto da mineração) devem ser adotadas medidas preventivas. Desde o início da implementação da atividade minerária, portanto, deve começar a ser executado o plano de fechamento de mina, buscando-se a preservação do meio ambiente cultural, social e biológico. Não restam dúvidas de que o recurso mineral é esgotável, ou seja, pode-se afirmar desde o início da lavra que, um dia, a mina chegará à exaustão, acarretando impactos ambientais. Ora, então por que não pensar no procedimento de fechamento 7

SAMPAIO, 2003.

desde a sua abertura? Isso permitiria uma prevenção muito mais eficaz dos impactos ambientais, sociais e culturais. 8 III) DA RESPONSABILIDADE POR DANOS DECORRENTES DO FECHAMENTO DE MINA III.1) Da responsabilidade do empreendedor Discute-se, no que pertine ao fechamento de mina, a chamada “transferência de custódia”. Depois do encerramento da atividade minerária e da desativação da mina, um terceiro que viesse a explorar aquela área passaria a ser o responsável por danos ambientais futuros? O arcabouço jurídico nacional é de hialina clareza ao estabelecer a responsabilidade civil solidária decorrente de dano ambiental (art. 3o, IV, Lei 6.938/81), considerando poluidor “a pessoa física ou jurídica, de Direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.” De acordo com a teoria predominante no País (responsabilidade objetiva por danos ao meio ambiente), comprovando-se o dano e o nexo causal, haverá responsabilização civil (vide art. 14, parág. 1o, Lei 6.938/81), sendo desnecessária a constatação de culpa ou dolo. Ora, se a Lei considera poluidor o responsável direto ou indireto pelo dano, comprovado-se o nexo causal entre o dano ambiental e a atividade minerária, não há que se falar em “transferência de custódia”, mas em “custódia compartilhada”. A título de exemplo: após o fechamento de uma determinada mina constrói-se no local um campo de futebol para a recreação da população carente e, algum tempo depois, constata-se que crianças que ali se divertiam foram contaminadas com a substância (mineral) extraída na antiga mina. Quem será o responsável pela contaminação das crianças? Obviamente o antigo explorador da atividade minerária o será, tendo em vista tratar-se, no mínimo, de responsável indireto. Não há que se falar em transferência de custódia após o fechamento da mina. Constata-se, portanto, a enorme importância de um correto procedimento de fechamento. O empreendedor responde diretamente pelos danos ambientais ocasionados pela sua atividade, mas continua responsável, ao menos indiretamente, pelos danos ocasionados durante o uso futuro da área, motivo pelo qual deverá tomar todas as medidas necessárias para evitá-los.

III.2.) Da responsabilidade do Poder Público pelos impactos sociais e culturais Questão controvertida e que merece atenção refere-se à quantificação da participação do Estado na desativação do empreendimento mineiro em decorrência do conteúdo social envolvido e da enorme abrangência dos reflexos do fechamento de mina, que inúmeras vezes extrapola ao controle do empresário. 8

“(...) do ponto de vista de gerenciamento empresarial, a desativação de empreendimento nada mais é do que uma consequência previsível de sua criação (...)”. (REIS & BARRETO, 2001)

Desemprego em massa, migração e o consequente agravamento da crise social na região da mina desativada são algumas das consequências perniciosas de um descomissionamento repentino. Indaga-se, tendo em vista os aspectos envolvidos, sobre a responsabilidade compartilhada do Poder Público pelos danos sociais, econômicos e culturais supervenientes. De acordo com a CR 88, são fundamentos da República Federativa do Brasil, dentre outros, a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III), considerando-se como um dos objetivos fundamentais da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3o, III). Ora, basta uma rápida análise dos artigos iniciais da Carta Magna para se afirmar a necessidade de atuação do Poder Público para a implementação de políticas públicas social e culturalmente responsáveis. O fechamento de mina sem planejamento agrava as desigualdades sociais, aumenta a pobreza na região da mina desativada e fere, consequentemente, o princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se, portanto, de norma constitucional e de observância obrigatória pelo Poder Público. O Estado possui uma série de instrumentos de atuação (intervenção) no domínio econômico e social que podem (e devem) ser utilizados no caso em tela (artigo 174, CR 88). Instrumentos como incentivos fiscais às empresas que, desde o início da exploração mineral, financiem atividades educacionais na região, reflorestem ou criem parques de preservação ambiental podem ser altamente benéficos social, cultural e ambientalmente. O planejamento econômico e social do Município é outro instrumento de implementação de políticas públicas sustentáveis, assim como a elaboração de normas visando ao desenvolvimento sustentável local. Outro importante instrumento de atuação do Estado é a fiscalização das atividades minerárias, com o intuito de verificar o respeito ao meio ambiente desde a fase de pesquisa mineral até a de fechamento ou descomissionamento da mina. Depreende-se da Carta Magna a obrigatoriedade de implementação de políticas públicas sustentáveis pelo Poder Público, a fim de garantir o respeito aos fundamentos constitucionais e o alcance dos objetivos de um Estado Democrático de Direito. Como enfatiza o ilustre professor Celso Antonio Pacheco FIORILLO, “a proteção do meio ambiente e o fenômeno desenvolvimentista (sendo composto pela livre iniciativa) passaram a fazer parte de um objetivo comum, pressupondo ‘a convergência de objetivos das políticas de desenvolvimento econômico, social, cultural e de proteção ambiental.”9 Segundo os brilhantes ensinamentos de Cristiana FORTINI e Rúsvel BELTRAME, tanto o administrador público quanto o legislador ordinário não podem omitir-se na concreção dos direitos de segunda geração (direitos sociais, culturais e econômicos), sob pena de exsurgimento de inconstitucionalidade por omissão. Enfatizam que “norma programática não é ´promessa constitucional inconsequente´, não é plataforma de programa político, ao reverso, traduz compromisso do constituinte com os justos anseios da coletividade.”10 Por fim, concluem os autores que “ao Poder Judiciário foi concedido o poder-dever de intervir para fazer cessar qualquer ofensa à Constituição, mesmo que para tanto tenha que determinar ao Executivo que dê concreção aos direitos sociais, econômicos e culturais.” 9

FIORILLO, p. 25, 2004. FORTINI & BELTRAME, 2005.

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Revela-se, assim, imprescindível a participação do Estado nos procedimentos de fechamento de mina, não apenas como agente normativo e regulador da atividade minerária (art. 174, CR 88), implementando políticas públicas sustentáveis, mas também como “sócio” que é, na qualidade de detentor dos recursos minerais (art. 20, IX e art. 176, CR 88).11 III.3) A responsabilidade pelas antigas minas abandonadas A exploração mineral é uma das atividades econômicas mais antigas do nosso País, tendo sido iniciada no Brasil Colônia. Somente a partir da Constituição de 1934, quando surgia a noção de “função social da propriedade”, a preservação ambiental passou a figurar como tema previsto no ordenamento jurídico, firmando-se e destacando-se a partir da Carta Magna de 1988. Portanto, anos de exploração mineral se passaram sem a preocupação com aspectos ambientais, como por exemplo o devido fechamento das minas. Abandonadas, muitas delas continuam a causar impacto negativo. Apesar de encerradas as atividades, tais minas não foram submetidas a qualquer tipo de procedimento parecido com o descomissionamento. Para as denominadas “minas órfãs” não se visualiza outra possibilidade senão o Estado assumir a responsabilidade de reabilitação ambiental destas áreas, já que se desconhece o seu titular.12

IV) PROJETOS DE LEI QUE PREVÊEM O FECHAMENTO DE MINA IV.1) A criação da ANM (Agência Nacional de Mineração) Talvez os problemas decorrentes do fechamento das minas possam ser solucionados ou minimizados com a efetivação de um projeto que vem sendo discutido há algum tempo por especialistas na área da mineração: a criação da ANM (Agência Nacional de Mineração). As agências de regulação constituem instrumentos da política econômica destinada a fazer com que os serviços públicos e as empresas estatais entregues à iniciativa privada atendam à sua função social, sem que frustrem, claro, as expectativas de lucro do agente privado. As agências reguladoras vêm sendo criadas como autarquias sob regime especial, que se distinguem da autarquia comum apenas por lhes conferir a lei maiores privilégios, de modo a ampliar sua autonomia e possibilitar o cumprimento adequado de suas finalidades.13 Os privilégios caracterizam-se basicamente pela estabilidade de seus dirigentes (mandato fixo), autonomia financeira (renda própria e liberdade de sua aplicação) e poder normativo (regulamentação das matérias de sua competência, sem invadir as chamadas reservas da lei).14 11

REIS & BARRETO, 2001. REIS & BARRETO, 2001. 13 SOUTO, 1999. p. 143. 14 AZEVEDO, 1998. p. 147. 12

Os interesses da coletividade devem ser defendidos e protegidos pelo Estado, que desta forma deve atuar no sentido de impedir que os interesses privados se sobreponham aos interesses da coletividade. Ocorre que principalmente no que se refere ao desenvolvimento econômico da atividade minerária no Brasil, o Estado não vem conseguindo implementar de maneira eficaz uma política econômica sustentável. As normas de Direito Econômico, instrumento poderoso do Estado para a regulação, não vêm sendo aplicadas na mineração. As deficiências surgem em decorrência de uma série de falhas jurídico-administrativas dos órgãos ambientais responsáveis. A atividade minerária, desta forma, vem crescendo economicamente, sim, mas deixando um rastro de degradação ambiental, sobretudo no momento da desativação das minas. O Estado, por conseguinte, vem tentando, não só no setor minerário, buscar novas soluções para que os interesses coletivos possam ser defendidos perante o poder econômico privado. A Agência Nacional de Mineração revela-se uma opção viável. É papel do Estado oferecer um ambiente institucional favorável ao desenvolvimento sustentável do setor minerário. Cabe ao governo reestruturar a máquina jurídico-administrativa para que o Estado se torne eficiente e possa propocionar, junto com o desenvolvimento econômico, o bemestar da coletividade. Tal reestruturação vem ocorrendo no Brasil com a criação de agências reguladoras dos mais importantes setores da economia nacional. 15 As Agências Nacionais de Energia Elétrica (ANEEL) e de Telecomunicações (ANATEL) têm como principal finalidade disciplinar as atividades das concessionárias de serviços públicos.16 Já a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANV) e de Saúde Suplementar (ANSS) visam a disciplinar os serviços de saúde, que particulares desempenham no exercício da livre iniciativa. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) tem como fim disciplinar e controlar a exploração da indústria do petróleo pelas empresas contratadas com a União. Frente às inúmeras deficiências apontadas no tocante à atividade minerária no Brasil, discute-se a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM). A ANM poderia reestruturar e reorganizar o desenvolvimento econômico sustentável da mineração, atividade absolutamente essencial à economia da sociedade, assim como o é a exploração do petróleo.17 15

Não será feito juízo de valor sobre a atuação das agências já criadas no Brasil. Críticas vêm sendo formuladas por estudiosos sobre esse novo instituto do Direito pátrio. Alega-se que os resultados visados com a criação das agências são alcançados de forma excessivamente lenta e que os custos da regulação são altos. Outros repudiam a “importação” de modelos norte-americanos para o sistema jurídico brasileiro. Há ainda os que indagam o poder normativo dessas autarquias especiais. Defende-se, aqui, a criação da ANM como instrumento para a implementação políticas econômicas sustentáveis para o setor minerário. Vislumbra-se o aumento da eficiência regulatória estatal, que pode ocorrer com o surgimento da ANM. Reservar-se-ão, para uma próxima oportunidade, maiores esclarecimentos e debates sobre a atuação das agências nos diversos setores da economia nacional, e suas implicações jurídicas. 16 ESCOBAR, 1999. p. 75. 17 AZEVEDO, 1998. p. 145.

Nesse sentido, foi elaborado um anteprojeto de lei que “dispõe sobre o Estatuto da Mineração, redefine a estrutura administrativa da União no setor mineral, instituindo a Agência Nacional de Mineração – ANM, e dá outras providências.”18 O artigo 94 estabelece os objetivos e competências da ANM, destacando-se: “Art. 94 – A ANM tem por finalidade gerir os bens minerais do País em benefício da sociedade (...) competindo-lhe em especial: II – estimular a busca da qualidade, da produtividade e da competitividade da indústria extrativa mineral e assegurar que o aproveitamento dos recursos minerais seja feito de forma racional e segura, em harmonia com o meio ambiente e em benefício da sociedade, em conformidade com as diretrizes e políticas governamentais (...) V – exercer a fiscalização das atividades que integram a indústria extrativa mineral;” Sobressai ainda, nesse projeto de lei, a previsão de normas específicas sobre a relevantíssima questão da desativação e do fechamento de mina (arts. 59 a 62). Determina que o titular de Título de Direito Mineral (TDM) deverá apresentar à ANM plano de desativação e fechamento da mina, compatível com o dimensionamento das reservas e a previsibilidade de sua exaustão (art. 59), prevendo as medidas que deverão ser adotadas para (a) a segurança e a estabilidade física, química e biológica das áreas mineradas e adjacentes; (b) a reabilitação e a remodelagem dos sítios afetados; (c) o controle e o monitoramento contínuos dos resíduos, rejeitos e efluentes provenientes da lavra; (d) a deposição segura de rejeitos e; (e) a limpeza e a reabilitação das áreas industriais. Resta claro que a estrutura administrativa que se pretende atribuir à ANM poderá ser fundamental para sua atuação autônoma e eficiente, em prol da defesa dos interesses da coletividade, dando-se maior atenção aos impactos decorrentes do fechamento ou descomissionamento das minas. IV.2) Projeto de Lei do Estado de Minas Gerais O Projeto de Lei n. 2.194/2005 pretende aperfeiçoar os instrumentos de aplicação do princípio do poluidor pagador em Minas Gerais. Busca tornar mais rigoroso o procedimento para a concessão de licenças ambientais às empresas cujas atividades representam risco de degradação à natureza. Os empreendedores cujas atividades representem risco ao meio ambiente e à saúde humana deverão oferecer bens em garantia no momento do pedido de licenciamento ambiental ou de sua revalidação.

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Este anteprojeto estava, até o dia 28 de fevereiro de 2001, disponível na homepage do Ministério de Minas e Energia (www.mme.gov.br), em processo de consulta pública para fins de recebimento de sugestões dos interessados. Tão logo fosse concluída a fase de consulta pública, seria submetido à Presidência da República para exame e posterior remessa ao Congresso Nacional.

O Projeto prevê a hipoteca ou penhor de bens do empreendedor como garantia para a prevenção e recuperação de danos causados ao meio ambiente. O órgão ambiental competente poderá, ainda, exigir dos empreendedores outros bens em garantia. Além da garantia real, o empreendedor deverá elaborar “Plano de Gestão de Riscos” e apresentálo durante o processo de licenciamento ambiental. O estudo relacionará as medidas de prevenção para os possíveis danos inerentes a cada atividade. O Projeto de lei é ainda mais rigoroso em relação à atividade minerária prevendo, além do Plano de Gestão, o “Plano de Fechamento” das minas, de acordo com as soluções técnicas exigidas pelo COPAM – Conselho de Política Ambiental. O descumprimento total ou parcial das obrigações de prevenção ou reparação voluntária serão, de acordo com o Projeto, condições necessárias e suficientes à execução das garantias apresentadas. O Projeto de Lei prevê, portanto, que aquele que causar danos ambientais decorrentes da inobservância do Plano de Fechamento das Minas será responsabilizado, podendo ter seus bens oferecidos em garantia executados.

V) CONCLUSÃO Apesar da insuficiente previsão infra-constitucional e da incipiente experiência prática dos nossos órgãos fiscalizadores, depreende-se do arcabouço legal pátrio a obrigatoriedade de um ambientalmente correto plano de fechamento de mina, sob pena de responsabilização dos degradadores nas esferas cível, penal e administrativa. Os princípios constitucionais configuram-se normas de aplicação imediata, e já prevêem o fechamento de mina com observância da preservação dos aspectos biológicos, sociais e culturais do meio ambiente. Como se não bastasse, Projetos de Lei vêm sendo discutidos e confeccionados, aperfeiçoando o procedimento e prevendo o uso futuro das áreas exploradas pelas mineradoras. Alguns fechamentos bem sucedidos ilustram o respeito às normas de Direito Ambiental, demonstrando a responsabilidade social das empresas e do Poder Público, e a efetiva implementação do desenvolvimento sustentável: a) Na cidade de Essen (Alemanha), localizada nas proximidades de Dusseldorf e Colônia, houve a transformação de uma usina siderúrgica e de uma mina de carvão desativadas desde 1993 em uma enorme pista de patinação no gelo.19 Hoje pode-se, portanto, praticar o esporte

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“A desativação de empreendimento mineiro deverá ser encarada como mais uma fase ou etapa do empreendimento mineral. Isto já ocorre em alguns países, particularmente os países do Norte da América e da Europa com tradição mineral.” (REIS & BARRETO, 2001. pág. 21)

em um patrimônio cultural mundial. A pista é frequentada por centenas de pessoas, tornandose importante área de lazer e turismo da cidade. 20 b) No Brasil temos um importante processo de descomissionamento de mina em andamento. Trata-se da mina de Águas Claras, em operação desde 1973 e, no momento, em fase de desativação, caracterizando o maior plano de descomissionamento de mina já realizado no País. Com uma área total de aproximadamente dois mil hectares, Águas Claras deverá passar por diversas intervenções de natureza hidrológica, ambiental e de infra-estrutura para transformar-se, após seu fechamento, em um empreendimento urbanístico, globalmente projetado segundo a filosofia do desenvolvimento sustentável, integralmente utilizável em pesquisas ambientais, atividades de desenvolvimento ecológico e uso urbano. Estas formas de aproveitamento permitirão, também, a geração de empregos e renda na região, ao norte do município de Nova Lima/MG. O plano de descomissionamento está sendo submetido aos órgãos ambientais e o próximo passo será o licenciamento ambiental para o empreendimento. c) Na região de Viena, Áustria, um dos pontos turísticos é uma antiga mina de carvão que foi, após sua exaustão, utilizada pelo exército nazista para a fabricação de armamento bélico durante a II Guerra Mundial. Hoje o local abriga um museu de Guerra e outro que trata sobre a atividade de extração de carvão na região.21 Oportuno ressaltar o importante papel dos empreendedores, dos cidadãos e do Poder Público na efetiva implementação do desenvolvimento sustentável da atividade minerária, especialmente no que se refere ao uso futuro da área explorada. Caso contrário, a ofensa aos preceitos e princípios de Direito Ambiental acarretará prejuízos concretos às gerações presentes e, indubitavelmente, às gerações futuras. (*) Mestre em Direito Econômico/Ambiental pela UFMG; Especialista em Direito Ambiental Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de Genebra, Suíça; Coordenador dos cursos de Direito Ambiental da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG; Professor de Direito Ambiental da FADISETE. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AZEVEDO, Eurico de Andrade. Agências reguladoras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 213, p. 141-148, jul./set. 1998. ESCOBAR, J. C. Mariense. O novo direito de telecomunicações. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. FELDEN, Alex; FOHL, Axel. Das Ruhrgebiet. Le bassin de la Ruhr. Hamburg: Ed. Eller & Richter Verlag, 2002.

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FELDEN, 2002. TAVEIRA, 2003.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. FORTINI, Cristiana; BELTRAME, Rúsvel. Poder Judiciário e implementação de Políticas Públicas. In: Quorum – Informativo da Livraria e Editora Del Rey, ano II, n.3. Belo Horizonte: Del Rey. 2005. REIS, Nelson Lara dos. BARRETO, Maria Laura. Desativação de empreendimento mineiro no Brasil. São Paulo: Signus Editora, 2001. SAMPAIO, José Adércio Leite. Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Agências reguladoras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 216, p.125-162, abr./jun. 1999. TAVEIRA, Ana Lúcia Silva. Provisão de recursos financeiros para o fechamento de empreendimentos mineiros. Tese de doutorado. Escola Politécnica da USP. São Paulo, 2003.

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