O fenômeno cultural do Youtube no percurso educacional da juventude ciborgue

July 3, 2017 | Autor: Marco Polo Silva | Categoria: Youtube, Educação, Juventude, Tecnologias Digitais
Share Embed


Descrição do Produto

O FENÔMENO CULTURAL DO YOUTUBE NO PERCURSO EDUCACIONAL DA JUVENTUDE CIBORGUE Marco Polo Oliveira da Silvaa,b,* Shirlei Rezende Salesa a

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil. b

Centro Universitário Newton Paiva, Brasil. * E-mail: [email protected]

Identificar e investigar fatores socioculturais que interferem na escola é o objetivo de muitas pesquisas em educação, permitindo a este campo de estudos compreender como as mudanças culturais, sociais, tecnológicas e econômicas que ocorrem na sociedade podem alterar a ecologia dos processos e das relações educacionais. Uma das mudanças tecnológicas e culturais mais importantes da atualidade, iniciada em meados do século XX, foi o desenvolvimento da tecnologia de processamento digital de dados. Com a criação da web na década de 1990, novas possibilidades de comunicação, interação e produção se tornaram realidade, influenciando inclusive o cenário educacional. A partir do início do século XXI também surgiram na web, entre outras ferramentas digitais, as redes sociais digitais, as ferramentas de construção colaborativa e os compartilhadores de vídeo. A popularização de tais ferramentas produziu alterações no modo de comunicar e se relacionar com outras pessoas e também com a informação e o conhecimento. A fim de acompanhar tais mudanças, este trabalho apresenta resultados de pesquisa que investiga as relações entre os elementos culturais que caracterizam a juventude ciborgue e o fenômeno da utilização do Youtube para estudar os conteúdos curriculares. O argumento norteador deste trabalho, que é fruto dos resultados aqui apresentados e discutidos, é que a juventude ciborgue, que têm o seu modo de existência alterado pelas tecnologias digitais, se apropria culturalmente do Youtube e o insere no processo educacional, ampliando a multiplicidade das formas de aprender.

1 YOUTUBE, JUVENTUDE E EDUCAÇÃO

1

O Youtube1, desde sua criação em 2005, é o maior site de armazenamento e compartilhamento de vídeos da web. Desenvolvido nos moldes culturais da web 2.02, o Youtube, além de ter se tornado um ícone da cultura colaborativa na web, chama a atenção pela facilidade desburocratizada que os/as usuários/as do site têm para hospedar e divulgar seus vídeos. De acordo com Burgess & Green (2009), o Youtube foi fundado em junho de 2005, com a pretensão de ser um repositório de vídeos. Segundo os autores, ele foi comprado pelo Google em outubro de 2006 e em pouco tempo evoluiu para um espaço onde os/as usuários/as “se transmitem”3. A integração do Youtube com redes sociais, blogs e outros sites que aderiram à cultura da web 2.0 tornou-o uma ferramenta ainda mais popular. Para o Youtube, “a cultura participativa não é somente um artifício ou um adereço secundário, é seu principal negócio” (BURGESS & GREEN, 2009, p.23). Grande parte do sucesso do Youtube vem da exibição de vídeos produzidos para fins de entretenimento e lazer, que são assistidos predominantemente pelo público jovem, que assistem mais tempo de vídeos no Youtube que outras faixas etárias. De acordo com a pesquisa realizada pela Comscore (2013), jovens brasileiros/as de 15 a 24 anos correspondem a 18% dos/as usuários/as da internet e utilizam 22,3% do tempo total de conexão com a web, quando comparados ao tempo de conexão de outras faixas etárias. Com relação à audiência global no Youtube, jovens de 15 a 24 anos são responsáveis por 28% do tempo consumido assistindo vídeos no site, que representa quase um terço do tempo total de visualização (COMSCORE, 2013). Portanto, é possível perceber que os/as jovens representam uma parcela importante dos/as usuários/as da internet e do Youtube. Hoje a presença do Youtube e outras ferramentas da web 2.0, como as redes sociais digitais, em programas televisivos, no rádio, em revistas e jornais impressos e no diaa-dia das pessoas não pode mais ser ignorada e sua participação na cultura, no comportamento e nas ações dos indivíduos torna-se cada dia mais perceptível. Essa participação também adentra o espaço escolar à medida que os/as jovens estudantes inserem a web 2.0 em sua rotina diária. Atualmente educadores/as, instituições de ensino e de divulgação do conhecimento estão investindo tempo e recursos financeiros na produção e divulgação de

1

Disponível em: Acesso em: 12 de Abril de 2015. Web 2.0 foi o nome dado à web após a mudança cultural e social que alterou a forma de se utilizar a rede mundial de computadores. Na web 2.0 os/as usuários/as podem ser, além de espectadores/as ativos, produtores/as de conteúdo. 3 Tradução livre da expressão “Broadcast yourself” utilizada como slogan pelo Youtube. 2

2

vídeos de caráter educacional no Youtube. Tal fato ocorre a partir do momento que iniciativas pioneiras como a da Khan Academy4 atingem grande repercussão e inspiram outros/as educadores/as a divulgarem e popularizarem o conhecimento no Youtube. A Khan Academy é uma organização sem fins lucrativos criada pelo norte americano Salman Khan em 2008. A história da Khan Academy começou em 2004 quando Salman começou a gravar vídeos para ajudar uma prima que tinha dificuldade para aprender matemática (TEMPLE, 2009). Em 2005 decide hospedar os seus vídeos no Youtube (TEMPLE, 2009). Hoje a Khan Academy se mantém por meio de doações de pessoas, empresas e fundações que apoiam a educação5. Existem também muitos canais6 brasileiros no Youtube que são dedicados à divulgação e produção de vídeos de caráter educacional. Como exemplo podemos citar os canais ‘O Kuadro’7, ‘Ponto Ciência’8 e ‘Me Salva!’9, que possuem centenas ou milhares de acessos a cada vídeo postado. Atualmente existem dezenas de milhares de vídeos em português que tratam de temas relacionados aos conteúdos curriculares no Youtube, totalizando milhões de visualizações (YOUTUBE, 2015). O Youtube, motivado por este grande número de vídeos produzidos por professores/as brasileiros/as, lançou em 2013 o compilado de canais intitulado ‘Youtube Educação’10. Este espaço conta com mais de 12.000 vídeos de professores/as brasileiros/as, devidamente selecionados e organizados, sobre diversos conteúdos curriculares (AGRELA, 2013). Tais investimentos na divulgação e produção de vídeos de caráter educativo no Youtube mostram a importância dada ao potencial educacional desta ferramenta na atualidade. Os resultados de pesquisa aqui apresentados confirmam que as mudanças culturais produzidas pelos vídeos online alteraram a relação que a juventude ciborgue tem com o conhecimento. Foi possível observar que os vídeos auxiliam nos estudos dos conteúdos curriculares, pois possuem elementos comuns às características culturais da juventude ciborgue. Os resultados também indicaram que há a necessidade do/a professor/a para orientar os estudos daqueles/as que, mesmo assistindo aos vídeos, não conseguem compreender plenamente o conteúdo. Concluímos, portanto, que os vídeos online, se inseridos na cultura escolar, podem auxiliar alunos/as e professores/as no percurso educacional. 4

Disponível em: Acesso em: 12 de Abril de 2015. Informações disponíveis em Acesso em: 12 de Abril de 2015. 6 Canais são páginas onde usuários/as ou organizações divulgam todos os vídeos de sua autoria. É possível para um/a mesmo/a usuário/a ter mais de um canal, que geralmente vão apresentar temáticas diferentes. 7 Disponível em: Acesso em: 12 de Abril de 2015. 8 Disponível em: Acesso em: 12 de Abril de 2015. 9 Disponível em: Acesso em: 12 de Abril de 2015. 10 Disponível em: Acesso em: 12 de Abril de 2015. 5

3

Para alcançar tais resultados ao investigar as relações entre os elementos culturais que caracterizam a juventude ciborgue e a utilização do Youtube por este grupo para estudar os conteúdos curriculares, a metodologia de investigação utilizada nesta pesquisa foi a netnografia, que é derivada da etnografia11, mas que é utilizada em pesquisas aplicadas ao “universo ciberespacial para a análise da cibercultura” (SALES, 2012, p. 116). A fim de delimitar material a ser analisado do amplo universo dos vídeos educacionais disponíveis no Youtube, foram investigados apenas canais que tratam especificamente de conteúdos curriculares. De acordo com Pedra (1993), os conteúdos curriculares são conhecimentos que atravessam e constituem parte de uma ou mais disciplinas escolares. Eles compreendem um conjunto de conhecimentos que os/as alunos/as estudam no percurso escolar, independente da disciplina que majoritariamente o aborda no currículo escolar (PEDRA, 1993). A partir do compilado de canais Youtube Educação, foram selecionados dois canais com destaque dentro da plataforma gerenciada pelo Youtube: ‘Khan Academy em Português’ e ‘Me Salva!’. A partir de ferramentas de busca e classificação do próprio site, em cada canal foram selecionados, dentro da categoria ‘vídeos mais populares’, que são aqueles com maior número de visualizações, os quatro vídeos mais assistidos de cada canal. Em cada vídeo foram arquivados em forma de texto e imagem, dentro da categoria ‘principais comentários’, cerca de 10% dos comentários dos/as usuários/as. Os comentários foram organizados e classificados de forma a possibilitar uma análise crítica dos mesmos, como apresentados nas próximas seções.

2 A APROPRIAÇÃO DAS VIDEOAULAS NO YOUTUBE PELA JUVENTUDE CIBORGUE

O primeiro resultado da pesquisa aqui apresentada é a significativa aprovação e apropriação das videoaulas pela juventude ciborgue no estudo dos conteúdos curriculares. Este processo de inserção das videoaulas do Youtube na cultura da juventude ciborgue pode ser inicialmente observado a partir da audiência dos canais pesquisados. O canal ‘Khan Academy em Português’ foi criado em 16 de Maio de 2011 e no dia 12 de Março de 2015 contava com 77.268 usuários/as inscritos/as12 no canal e 10.325.051 visualizações. O canal 11

A etnografia pode ser definida como a construção de uma narrativa sobre uma cultura (SALES, 2012). As inscrições são vínculos criados entre os/as usuários/as do Youtube e os canais, de forma que os/as usuários/as passam a receber notificações sobre as principais atualizações e postagens dos canais em que se inscreveram. 12

4

‘Me Salva!’ foi criado em 13 de Setembro de 2010 e no dia 12 de Março de 2015 ele contabilizava 374.103 usuários/as inscritos/as, 1.073 vídeos publicados e 35.664.648 visualizações, que correspondem a uma média de aproximadamente 33 mil visualizações por vídeo publicado. A relevância de tais canais pode ser percebida pelo número de acessos e de inscrições, indicando que a audiência de vídeos que abordam os conteúdos curriculares não pode ser ignorada. Ao analisar individualmente os vídeos investigados na pesquisa, podemos identificar na tabela 1 o número de visualizações, comentários e avaliações dos/as usuários/as para cada vídeo. Inicialmente é possível observar que o número de avaliações positivas, para todos os vídeos analisados, supera o número de avaliações negativas. Em termos numéricos, ao calcularmos a porcentagem de usuários/as que ‘não gostaram’ em função dos que ‘gostaram’, o vídeo com menor reprovação foi ‘Me Salva! MDS06 - Multiplicação de matrizes passo a passo!’, com 0,6%, e o vídeo com maior reprovação foi ‘Química Balanceando Equações Químicas (Khan Academy)’, com 3,0% de reprovação. Tais resultados indicam que a aprovação dos/as usuários/as é muito maior que a reprovação, sugerindo que a utilização e a aprovação dos vídeos do Youtube para estudar os conteúdos curriculares é uma marca cultural da juventude contemporânea, um elemento que faz parte dos múltiplos modos de ser jovem.

Tabela 1: Vídeos investigados na pesquisa

5

TÍTULO DO VÍDEO Me Salva! Enem- As questões de matemática que você deve saber Biologia - Anatomia de um neurônio (khan Academy) Me Salva! MDS06 Multiplicação de matrizes passo a passo! Me Salva! Álgebra Linear Escalonamento de matrizes para solucionar um sistema linear Me Salva! Integração por Substituição udu Química - Balanceando Equações Químicas (Khan Academy) Biologia - Estrutura Celular (Khan Academy) Biologia - Introdução à seleção natural (Khan Academy)

CANAL

VISUALIZAÇÕES

MS

464.481

5.253

113

666

KA

446.612

3.316

22

972

MS

330.090

6.575

40

301

MS

285.774

4.523

45

295

MS

243.196

1.903

24

165

KA

170.681

1.492

45

284

KA

140.161

1.178

21

171

KA

131.742

1.412

13

325

COMENTÁRIOS

Legenda: MS – ‘Me Salva!’; KA – ‘Khan Academy em Português’;

– Gostaram;

– Não gostaram.

Para compreender o fenômeno apresentado pelos dados apresentados acima, assumimos que a juventude contemporânea, conectada com o ciberespaço, o espaço que tem sua existência constituída pela rede mundial de computadores (LÉVY, 1999), e que se apropriaram dos conhecimentos e habilidades ciberculturais, segundo Sales (2010), constituem a juventude ciborgue. A presença dos/as jovens no ciberespaço produz novas maneiras de vivenciar a identidade juvenil e de produzir uma cultura própria do ciberespaço, a cibercultura. É importante considerar que cultura, segundo Hall (1997), é o conjunto de todas as práticas sociais que requeiram um significado para funcionar, o qual é contingente e historicamente situado. Por ser uma construção histórica ela é dinâmica e móvel, isto é, se modifica no tempo e no espaço (HALL, 1997). Lévy (1999) define a cibercultura como um conjunto de técnicas, práticas, atitudes, modos de pensamento e valores que se desenvolvem no ciberespaço. Sales (2010, p.34) também destaca que “na cibercultura surgem diferentes formas de se divertir, de fazer rir, de se relacionar, de se comunicar, de viver, de falar de si e da/o outra/o, de exercer poder e de resistir”. Com o surgimento e disseminação das tecnologias digitais de informação e comunicação, novas relações dos usuários com tais tecnologias e com outros indivíduos modificaram os hábitos sociais e a maneira de se compartilhar a cultura produzida por distintos grupos sociais. 6

Mesmo com os dados apresentados anteriormente, que retratam uma mudança cultural no modo da juventude ciborgue alcançar o conhecimento, analisar os comentários dos/as usuários/as nos vídeos pode trazer elementos mais sólidos para a discussão. A figura 1 mostra alguns comentários extraídos dos vídeos investigados na pesquisa.

Figura 1: Comentários de gratidão, alívio e contentamento extraídos dos vídeos investigados. Fonte: Youtube. Acessos entre 07 de Dezembro de 2014 e 12 de Março de 2015.

É possível observar sentimentos de gratidão, alívio e contentamento nos comentários da figura 1. Tais evidências indicam que além dos/as jovens ciborgues utilizarem os vídeos em seus estudos, eles/as acreditam que as videoaulas do Youtube, contribuem para o 7

seu processo de aprendizagem, indicando a ciborguização do processo educacional. Tais indícios de ciborguização são reforçados quando observamos afirmações como “agr e bom estudar” (agora é bom estudar), “aprendi o que eu nunca iria aprender” e “Me fez entender a matéria realmente”. Essas afirmações sugerem que somente com o suporte das videoaulas do Youtube os/as jovens ciborgues que teceram os comentários acima foram capazes de compreender o conteúdo curricular abordado pelo vídeo online, que é um dos elementos que caracterizam a juventude ciborgue. Analisando o fenômeno observado na figura 1, é possível refletir sobre o processo de ciborguização da juventude contemporânea. Para este grupo, que já nasceu imerso nas tecnologias digitais, as fronteiras entre o humano e o digital são ainda mais tênues. Por isso ela pode ser considerada um ícone nesse processo de ciborguização, ou seja, neste processo de fusão com o digital, com o tecnológico (HARAWAY, 2000). É ela que interage crescentemente com as tecnologias e, nessa mistura, “se produz, orienta seu comportamento, conduz a própria existência” (SALES, 2010, p.37). Portanto, a juventude está a cada dia mais ciborguizada, pois, “ao se vincularem às tecnologias, as/os jovens se constituem como híbridos tecnoculturais” (SALES, 2010, p. 37). Sales (2010) também afirma que “a juventude ciborgue opera o próprio pensamento e conduz as suas ações constituindo uma certa simbiose com as tecnologias” (p. 37). Neste contexto existem muitas possibilidades de orientação da vida, em que o uso das tecnologias age sobre as ações da juventude ciborgue, interferindo na maneira como este grupo atua sobre os espaços que frequenta, como o ciberespaço e a escola. E a atuação da juventude não se resume apenas em absorver passivamente tudo o que chega a ela por meio do Youtube. A partir dos dados da tabela 1, que nos mostram que até 3,0% dos/as usuários/as ‘não gostaram’ dos vídeos pesquisados, foram localizados e agrupados, na figura 2, comentários com críticas aos vídeos que compõe o corpus da pesquisa. Tais críticas evidenciam que não há unanimidade na opinião dos/as usuários/as quanto aos vídeos analisados.

8

Figura

2:

Comentários

críticos

extraídos

dos

vídeos

investigados.

Fonte:

Youtube.

Acessos entre 07 de Dezembro de 2014 e 12 de Março de 2015.

Ao ler comentários como “entendi nada”, “Vc complica bastante”, “sua voz me dá agonia” e “isso irrita muito” e compará-los aos comentários da Figura 1, somos levados a refletir sobre a multiplicidade do ‘ser jovem’, inclusive no que se refere aos processos de aprendizagem. Silva & Silva (2012) e Sposito (1994) afirmam que ser jovem não significa viver experiências de maneira uniforme, uma vez que o cotidiano está marcado pelas condições sociais, econômicas e culturais, tornando as vivências dos/as jovens bastante heterogêneas, permeadas por diferentes culturas juvenis. Neste contexto, a diversidade das culturas juvenis têm demonstrado, de forma bem marcante, o quanto é equivocada a visão homogeneizadora da juventude, uma vez que esta categoria, desde o século XX, passou a ser percebida em sua pluralidade (SILVA & SILVA, 2012). Analisando sob esta ótica as críticas aos vídeos investigados, é possível inferir que as diferentes vivências juvenis produzem nos/as jovens, diferentes efeitos sobre o uso do Youtube no percurso educacional, sugerindo que nem todos/as irão se apropriar da mesma maneira deste processo de aprendizagem ciborgue. 9

Nogueira e Padilha (2014) ampliam a discussão acerca das tecnologias digitais na escola ao afirmarem que tais tecnologias já fazem parte da vida dos/as jovens. Assim, as tecnologias não podem ser vistas como concorrentes dos métodos de ensino tradicionais, mas compreendidas como as “novas demandas da Cultura Digital da qual os jovens estão incluídos" (NOGUEIRA & PADILHA, 2014, p. 73). E o Youtube, de acordo com os dados da pesquisa, já faz parte deste processo de ciborguização juvenil. Uma vez que tais elementos da cultura juvenil façam parte da cultura escolar, os conteúdos curriculares podem fazer mais sentido para os/as jovens ciborgues, como discutiremos a seguir.

3 KAMEHAMEHA! ELEMENTOS DA CULTURA JUVENIL NAS VIDEOAULAS DO YOUTUBE

Além da inserção do Youtube no percurso escolar da juventude, a presente investigação também foi capaz de perceber a influência de outros elementos da cultura juvenil agindo na produção de sentidos de conteúdos curriculares através de um vídeo no Youtube. A partir dos comentários dos/as usuários/as do Youtube no vídeo intitulado “Biologia Anatomia de um neurônio (khan Academy)” do canal Khan Academy em Português (Figura 3), foi possível perceber a marca da cultura juvenil na audiência deste vídeo. Diferente da maioria dos vídeos que abordam conteúdos curriculares no Youtube, os quais são geralmente produzidos por professores/as, os vídeos da Khan Academy em Português são dublados por pessoas que fazem da dublagem a sua profissão. No caso do vídeo citado acima, o dublador da aula de biologia é Wendel Bezerra, muito conhecido pelos/as jovens por ser o dublador oficial do personagem Goku nos animes13 Dragon Ball Z e Dragon Ball Kai. Goku é o personagem principal da série de animação japonesa que tem uma grande audiência televisiva no Brasil desde 1989. A série é exibida até hoje em um canal de televisão por assinatura.

13

Anime é o nome das séries de animação japonesas, muito populares em todo o mundo. Nestas animações os/as personagens possuem olhos maiores e cabelos exóticos, com cores incomuns e vibrantes.

10

Figura 3: Comentários do vídeo “Biologia - Anatomia de um neurônio (khan Academy)”. Fonte: Youtube. Acesso em 12 de Março de 2015.

Os comentários do vídeo mostram que um grande número de jovens foram motivados/as a assisti-lo por conta da dublagem da aula de biologia ter a voz de um personagem de um anime que é ou foi assistido pela juventude. Este personagem é, portanto, um elemento cultural que permeia a cultura juvenil. Elementos culturais, de acordo com Silva & Silva (2012) e Moreira & Candau (2014), podem participar da produção da cultura juvenil. No caso do vídeo da Khan Academy, há indícios de que a voz do personagem produziu uma maior afinidade entre os/as jovens e o vídeo, motivando e cativando a audiência. Este elemento da cultura juvenil atuou na produção de sentidos para o conteúdo curricular abordado no vídeo. Esta conexão entre a cultura juvenil e o conteúdo curricular melhorou, e em alguns casos até criou, a relação entre os/as jovens e o conhecimento de biologia abordado no vídeo. Historicamente, a escola tende a não reconhecer o/a jovem existente no/a aluno/a, muito menos compreender a diversidade, seja étnica, de gênero ou de orientação sexual, entre outras expressões, com a qual a condição juvenil se apresenta (DAYRELL, 2007). Dayrell (2007) ainda afirma que cabe à escola se perguntar se ainda é válida uma proposta educativa 11

de massas, homogeneizante, com tempos e espaços rígidos, numa lógica disciplinadora, em um contexto em que a juventude é dinâmica, marcada pela flexibilidade e fluidez, de individualização crescente e de identidades plurais. Parece-nos que os/as jovens alunos/as, nas formas em que vivem a experiência escolar, estão dizendo que não querem tanto ser tratados/as como iguais, mas, sim, reconhecidos/as como jovens, na sua diversidade, em um momento privilegiado de construção de identidades, de projetos de vida, de experimentação e aprendizagem da autonomia (DAYRELL, 2007). Ainda segundo o autor, se a escola se afasta da cultura juvenil, mais ela fica sem sentido para os/as jovens. O resultado da pesquisa mostra que a compreensão sobre a anatomia de um neurônio fez mais sentido para os/as jovens quando a voz de um personagem que permeia a cultura juvenil foi utilizada na videoaula. Isso demonstra a possibilidade de produção de sentidos para um conteúdo curricular por meio da inserção de elementos da cultura juvenil no processo de ensino-aprendizagem desse conteúdo.

4 ALGUÉM

ME AJUDA COM ESSA DÚVIDA?

A

IMPORTÂNCIA DO PROFESSOR PARA A

APRENDIZAGEM CIBORGUE

Além do conteúdo curricular fazer sentido para os/as jovens nas videoaulas do Youtube, as aulas online ainda podem produzir uma fusão entre a cultura escolar e a cibercultura, que é uma marca cultural da juventude ciborgue. Para chegarmos a esta conclusão é importante estarmos atentos a um elemento comum também observado nos comentários que acompanham os vídeos, que é o significativo número de perguntas e solicitações de maiores esclarecimentos, referentes aos conteúdos curriculares abordados nas videoaulas. Em todos os vídeos investigados os/as usuários/as fazem perguntas ou expressam dúvidas quanto ao conteúdo. Parte das dúvidas pode estar associada a conhecimentos que os/as jovens ainda não construíram e os vídeos não abordem. Tal fenômeno, que ocorre no Youtube, está em aberto para futuras investigações em educação. Na conversa observada na figura 4, usuários/as interagem nos comentários do vídeo “Me Salva! Integração por Substituição udu”. Nesta interação fica clara a necessidade do/a usuário/a 1 por maiores esclarecimentos para a compreensão do conteúdo curricular abordado no vídeo. Após o/a usuário/a 2 responder à pergunta, o/a usuário/a 1 agradece e informa que o seu professor já havia lhe esclarecido a dúvida.

12

Figura 4: Comentários do vídeo “Me Salva! Integração por Substituição udu”. Fonte: Youtube. Acesso em 07 de Dezembro de 2014.

Esta conversa permite a reflexão sobre um fenômeno que permeia as salas de aula da atualidade: os/as alunos/as demandam orientação e conhecimentos que vão além dos vídeos para os compreenderem completamente e, em alguns casos, eles/as levam as suas dúvidas sobre os conteúdos curriculares abordados nos vídeos para a sala de aula. Na figura 4 é possível perceber que o professor do/a usuário/a 1 esclareceu a dúvida a respeito do conteúdo abordado pelo vídeo, promovendo a aprendizagem do aluno. Tal situação pode oferecer a professores/as, a partir das videoaulas assistidas pelos/as jovens, novas formas de interação e aproximação com a construção cognitiva do/a aluno/a no processo de ensinoaprendizagem. Além disso, tal fenômeno indica um processo de hibridização entre a cultura escolar e a cibercultura, processo que é desencadeado no contato entre os/as professores/as e a juventude ciborgue. A cultura escolar, que é entendida como “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar”, além de “práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos” (JULIA, 2001, p. 10), sofre a influência das relações entre as pessoas que transitam no ambiente escolar. Essa influência é mútua e mediada pela tradução cultural, que é o processo de negociação entre novas e antigas matrizes culturais (HALL, 2003). O destaque da conceituação de hibridização para Hall (2003) encontra-se no seu entendimento dos processos hibridizadores como formas potenciais de fontes criativas, isto é, formas criadoras de novas percepções de mundo. Estas novas percepções de mundo podem minimizar os desajustes, ainda presentes na escola (NOGUEIRA & PADILHA, 2014), entre a cultura juvenil e a cultura escolar, favorecendo as

13

relações e produzindo sentidos capazes de reduzir a incompatibilidade existente entre a escola e os/as jovens ciborgues.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados da pesquisa, podemos perceber que utilizar o Youtube para estudar os conteúdos curriculares é um dos múltiplos elementos que caracterizam a juventude contemporânea. Assim, a certeza de que parte dos/as alunos/as se valem dos recursos oferecidos pelo Youtube para estudar pode trazer contribuições para o percurso escolar, ampliando o interesse e a motivação no aprendizado dos conteúdos curriculares dentro e fora da sala de aula. Os resultados da pesquisa indicaram também que inserir elementos da cultura juvenil nas aulas presenciais pode ampliar a motivação e a atenção dos alunos, assim como ocorreu no vídeo com a voz do personagem de animação Goku. Também foi possível observar que os/as jovens demandam presencialmente dos/as professores/as um auxílio no processo de estudar assistindo a videoaulas no Youtube. Tais fenômenos demonstram que o hibridismo entre cultura escolar, cultura juvenil e cibercultura é uma realidade que não pode mais ser ignorada. Neste contexto, o uso do Youtube pelos/as alunos/as no percurso educacional se insere em um processo de mudança cultural que permeia as atitudes e comportamentos da juventude ciborgue. Tais mudanças podem alterar de maneira significativa a ecologia das relações entre as culturas juvenis e a cultura escolar, que precisa se alinhar às expectativas e aos anseios de uma juventude sempre em mutação e que assimila as inovações tecnológicas da atualidade a uma velocidade que a escola, de modo geral, ainda não consegue acompanhar.

6 REFERÊNCIAS

AGRELA, L. Youtube lança plataforma de educação com 8 mil vídeos de professores brasileiros. INFO Online, 2013. Disponível em: BURGESS, J. & GREEN, J. Youtube e a revolução digital: como o maior fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. São Paulo: Aleph, 2009.

14

COMSCORE. Pesquisa sobre o perfil do usuário da internet no Brasil, 2013. DAYRELL, J. T. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização juvenil. Educação & Sociedade, Campinas, n. 100, v. 28, p. 1.105-28, 2007. DAYRELL, J. T. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, n. 24, p. 4053, 2003. HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, v. 22, n. 2, p. 15-46, 1997. HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003. HARAWAY, D. J. Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: SILVA, T. T. (Org.). Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, n. 1, 2001. LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. MOREIRA, A. F. & CANDAU, V. M. (Orgs.) Currículos, disciplinas escolares e culturas. Petrópolis: Editora Vozes, 2014. NOGUEIRA, M. G. & PADILHA, M. A. S. Cultura digital jovem: as TIMS invadem as periferias, e a gora? ETD – Educação e temática digital. Campinas, SP v.16 n.2 p.60-78 maio/ago, 2014. PEDRA, J. A. Currículo e conhecimento: níveis de seleção do conteúdo. Em Aberto, v. 12, n. 58, p. 30-37, 1993. SALES, S. R. Etnografia+netnografia+análise do discurso: articulações metodológicas para pesquisar em educação. In. MEYER, D. E. & PARAÍSO, M. (Orgs.). Metodologia de pesquisas pós-crítica em educação. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012. SALES, S. R. Orkut.com.escol@: currículos e ciborguização juvenil. Tese. Universidade Federal de Minas Gerais, 2010. SILVA, C. R. & SILVA, P. C. Juventude e cultura: Reflexões acerca das culturas juvenis no currículo escolar. Artifícios, v. 2, n. 3, 2012. SPOSITO, M. P. A sociabilidade juvenil e a rua: novos conflitos e ação coletiva na cidade. Tempo Social - Revista Sociologia da USP, v. 5, n. 1-2, p. 161-178, 1993 (editado em nov. 1994). 15

TEMPLE, J. Salman Khan, math master of the Internet. SF Gate, 2009. Disponível em: YOUTUBE. Disponível em: . Acesso em: 12 de Abril de 2015.

16

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.