O Fenômeno da Globalização sob a perspectiva da Teoria Crítica, Teoria Construtivista e Teoria Normativa

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Centro de Integração do MERCOSUL
Curso de Relações Internacionais




Teoria das Relações Internacionais II
O Fenômeno da Globalização sob a perspectiva da Teoria Crítica, Teoria Construtivista e Teoria Normativa


Andrey Silva Manchaca
Fernanda Machado Ribeiro
Isadora Garcia Mallmann
Luiz Gustavo Müller Pereira


Profº Daniel Carvalho


2015








Introdução:

Nesse trabalho, iremos abordar o fenômeno da Globalização sob a perspectiva da Teoria Construtivista, Teoria Critica e Teoria Normativa, fomentando um debate entre as diferentes teorias sobre o tema.



Construtivismo

Num contexto de fim de Guerra Fria sem a eclosão de um conflito direto, mesmo após tensões emblemáticas, entre as grandes potências EUA e URSS, muitos acreditaram numa nova ordem mais harmônica, como o autor Fukuyama, que pensava que através da educação universal, de uma economia de livre comércio e da soberania popular significasse uma garantia de paz permanente entre as nações. Porém, com o surgimento de novos temas ganhando espaço na agenda internacional como meio ambiente, direitos humanos, e temas relacionados à construção da identidade (culturais e religiosos) houve também um crescimento do nacionalismo com apelo étnico e religioso em paradoxo a globalização, pois ao mesmo tempo que a globalização interliga os interesses nacionais e diminui as diferenças culturais e religiosas, também reforça discursos e debates sobre a identidade, fomentando o discurso nacionalista. Com esses novos temas na agenda, observa-se a limitação dos Estados como atores principais regentes nesse cenário internacional.
Nesse mundo pós Guerra Fria, os atores não se resumem ao poder dos Estados. Novos agentes surgem nesse contexto, transformam a nova ordem, gerando discussões acerca de questões ideológicas e concepções de sociedades que formam os Estados. O impacto da globalização na cultura e na diversidade étnica e religiosa explica as atitudes políticas das comunidades conjuntas e das eventuais influências na política internacional. Dentro desse quadro, durante a década de 1990 nasce a Teoria Construtivista, que ficou conhecida no mundo acadêmico primeiramente com o artigo "Anarchy is what make of it" de Alexander Wendt e depois o autor publicou o livro "Social Theory of International Politics". O foco do construtivismo está na construção social da política internacional. A principal questão que envolve a teoria é: Como são formados os interesses dos Estados?
Diferente das teorias tradicionais que acreditavam na natureza pré-social dos Estados, o construtivismo acredita que a sociedade modifica seus agentes, e com isso os Estados também se modificam e se transformam. E nesse processo as ideias e normas possuem um papel importante tanto na construção da realidade quanto na formação das identidades e interesses.
O ponto chave da discussão construtivista para esse trabalho é qual a posição da teoria construtivista no fenômeno da globalização, uma vez que a sociedade modifica seus agentes no plano doméstico, como ela se estabelece no plano internacional?
John Ruggie, autor construtivista neo-clássico, entende que a globalização é a matriz essencial das Relações Internacionais contemporâneas, contextualizando a vida social, mesmo reconhecendo os problemas econômicos e sociais presentes no processo da globalização. Para o autor é "necessário alcançar maior consistência entre políticas macroeconômicas, comerciais, auxiliares, financeiras e ambientais, para que todos apoiem o nosso objetivo comum de difundir os benefícios da globalização", assim como questões de assistência humanitária, prevenção de conflitos e das políticas de desenvolvimento deve ser interligadas igualmente, afim de melhor gerenciamento, pois a difusão desses benefícios causaria novas guerras. Para o autor as grandes ameaças não são inter-estatais, mas intra-estatais diretamente correlacionadas e estariam causando problemas como doenças globais, problemas ambientais, criminalidade internacional, entre outros.
Os construtivistas, apesar de reconhecerem a existência de outros atores no cenário internacional, pontuam a importância do papel do Estado. No entanto, Ruggie reconhece que os problemas atuais não podem ser superados de forma isolada, Assim, somente através de uma ação multilateral esses problemas poderiam ser vencidos, ou seja, o autor defende uma ação de dois ou mais estados. Para isso, no momento da ação desconsiderariam seus interesses particulares ou exigências estratégicas, caso houvesse.
Na transição pacífica do pós Guerra Fria, se reconhece que embora a importância das instituições e normas multilaterais, John Ruggie acredita que a esfera pública global está para se reestruturar devido às novas exigências para a governança. Uma das exigências seria enquadrar os novos atores, pois esses implicam em novas agendas globais. No alargamento da esfera pública global apresentam-se com maior enfoque as empresas transnacionais e as organizações da sociedade civil. Embora os atores não-estatais não tenham uma agenda com interesses em comum, suas ações e políticas estão cada vez mais presentes no globo. E os envolvimentos de vários atores transnacionais vão se estabelecendo novas regras e interações complexas. Interação que contribui para a construção global de uma entidade que se assemelha a sociedade civil, contribuindo para a difusão dos benefícios da globalização, no qual Ruggie descreve.
No ponto de vista de John Ruggie: "o sistema inter-estatal de governança global tradicional está a ser integrado numa esfera pública global mais vasta – uma arena de discurso, contestação e ação organizada em torno da criação das regras globais e que simultaneamente afeta a capacidade para estabelecer e concretizar as regras globais."
Em vista disso, o construtivismo descreve a globalização como uma verdadeira construção. Não é um fenômeno estático, e sim, em constante mudança e construção pelos agentes que nele participam. A teoria entende que a globalização pode causar conflitos, como problemas ambientais, criminalidade internacional, doenças globais, entre outras, no entanto seus benefícios podem ser maiores que seus prejuízos, através do uso das normas e leis pelos atores, e da colaboração dos Estados, das Organizações Internacionais e dos atores não–estatais, para que não se leve a guerra. Com o fenômeno da globalização outros atores ganharam espaço no cenário internacional, mesmo o Estado ainda mantendo a sua importância. Para os construtivistas Estados devem se adaptar a essa nova formação do espaço internacional que se mantem em construção, para que o produto da globalização no âmbito internacional seja positivo.

Teoria Crítica

A Teoria Crítica surgiu a partir do século XX, pelos filósofos da Escola de Frankfurt. A ideia atrás dessa teoria passou a ser incorporada aos questionamentos filosóficos da época, por um processo emancipatório que buscava a eliminação das mais diversas formas de dominação na sociedade.
Por estar conectado à Escola de Frankfurt, o conhecimento desenvolvido pela Teoria Crítica é considerado neomarxista ou pós-marxista, pois considera que o homem pode construir sua própria história, mas "crítica a sua ênfase nas condições materiais e na luta de classes, ignorando os aspectos cognitivos da dominação social, além de outras formas de dominação diferentes das classes exploradas." (SARFATI, 2005)
Fazendo uma crítica ao positivismo científico, a Teoria Crítica liga as concepções sociais e políticas para construir uma perspectiva pós-positivista crítica a respeito das relações internacionais, sendo a percussora do pós-positivismo e lançando novos espaços para as teorias posteriores.
Assim são visíveis duas vertentes dentro da teoria. A primeira, tendo como principal personagem Robert Cox - responsável por introduzir a teoria nas Relações Internacionais e que popularizou a diferença entre a "concepção tradicional da teoria" e a "concepção crítica da teoria", elaborada por Horkheimer e Adorno - prega "a utilização crítica do método do materialismo histórico com base na relação dialética entre a consciência e as circunstâncias materiais." (JATOBÁ, 2013), questionando as estruturas de produção, o papel da ideologia e a hegemonia na ordem mundial. Já a segunda vertente, protagonizada por Andrew Linklater e influenciada pela segunda geração da Escola de Frankfurt, acredita em uma Teoria Crítica cosmopolita, em que há uma defesa pela construção de valores para a convivência global.
O tema globalização, antes evitado pelas teorias tradicionais, é frequentemente debatido pela Teoria Crítica nas suas contribuições para as Relações Internacionais.
Vista pela primeira vertente, a globalização é pautada pela internacionalização do Estado, isto é, "forças materiais do Estado atreladas a uma específica ideologia que levam a uma institucionalização do ideário do Estado". (SARFATI, 2005)
Segundo Cox, a internacionalização do Estado se dá em três fases: a primeira, em 1930, quando os Estados eram fechados; a segunda, a partir de 1945, quando o sistema de Bretton Woods foi criado para o fortalecimento da economia global; e a terceira quando houve uma globalização do Estado, ou seja, a diminuição das fronteiras entre a política doméstica e a internacional.
A globalização do Estado está altamente ligada à produção em escala global, já que a mesma alterou a natureza do Estado e suas relações, e, por esta razão, o Estado está submetido à dominação da economia capitalista mundial.
Para lutar contra esta hegemonia da economia capitalista mundial, Cox acredita que seja possível mudar o sistema internacional com a criação de um movimento social global, ou seja, com a união de países do Terceiro Mundo e apoio de organizações internacionais não governamentais.
Enquanto Cox se volta para a questão da internacionalização do Estado e da dominação hegemônica, Linklater se preocupa com a formação do Estado, isto é, com as barreiras que formam quem está dentro e fora da sociedade.
A identidade cultural nacional dos Estados é rompida pela globalização, fazendo com que exista uma única cultura global cosmopolita. Sarfati cita que o terrorismo poderia ser visto, nessa percepção, como uma reação contrária a esta cultura cosmopolita, ao mesmo tempo em que a existência de grupos nacionais de resistência os quais se unem internacionalmente pode criar novas concepções de cidadania, sociedade e soberania.
As rígidas fronteiras dos Estados enquanto comunidades morais limitadas são contestadas pela Teoria Crítica, ressaltando que, por serem assim, os Estados promovem desigualdades, injustiças e exclusões entre as sociedades nacionais. "Isso quer dizer que o Estado nacional poderia ser transcendido sem que a liberdade dos cidadãos seja submetida a uma instância supranacional". (SARFATI, 2005)
Deste modo, a Teoria Crítica traz a tona o tema da globalização para as Relações Internacionais, uma vez que as teorias tradicionais evitavam, e constrói uma critica a partir da visão hegemônica do capitalismo, acreditando numa sociedade globalizada, mas sem perder sua autodeterminação.


Teoria Normativa

O processo de globalização teve seu surgimento no momento em que a tendência histórica e mundial passou a ser de aproximação entre os povos, propiciada pelo desenvolvimento tecnológico e das novas descobertas que através dele se tornaram cada vez mais presentes no cotidiano da população dos mais diferentes Estados, fazendo com que barreiras antes existentes como a cultural, econômica, social, midiática e entre outras, caíssem frente ao novo processo que passou a permitir e melhorar a inclusão e troca de informações entre os povos. Entretanto, a globalização não é um tema de simples compreensão e estudo, de acordo com Gilberto Sarfati, "... a globalização representa um profundo desafio a todas as explicações clássicas de Relações Internacionais e, mais profundamente, ao próprio sistema internacional, ao colocar em jogo os conceitos clássicos, como o poder do Estado, a territorialidade e, principalmente, a soberania. A globalização transcende as tradicionais distinções entre local, nacional e global e entre os assuntos domésticos e internacionais." (SARFATI, 2005, p. 319). De acordo com David Held, na década de 1970 os governos considerados autoritários passavam de dois terços, sendo esse dado caiu drasticamente ao longo das décadas seguintes e o que passou a se observar foi um número cada vez mais crescente de regimes democráticos que garantiam a soberania dos nacionais. Fica evidente então, que a globalização requer um complexo estudo para entendimento de suas normas que estão em constante evolução em acompanhamento ao Sistema Internacional e suas transformações sejam elas territoriais, sociais, econômicas ou políticas.
Apesar dos benefícios da globalização ela trás problemas por ser um processo que aprofunda a interdependência entre os atores e não foca em uma universalização entre os mesmos. Isto abre o precedente para que o abismo social se amplie cada vez mais, mesmo com a transferência de tecnologias e propagação das mesmas pelo mundo não permitindo assim que ocorra um mínimo nivelamento social entre as classes.
Para David Held, a globalização é uma palavra contestada devido ao fato de que existem pessoas que acreditam numa ordem de integração global onde os processos sociais e políticos de cada Estado são considerados como "decision takers" (David Held, Democracy and Globalization, p.12), e por outro lado existem aqueles que creem que ainda existam Estados dotados de um forte processo de integração nacional, dotados de grande poder e que detêm grandes áreas de influência política e este último grupo acaba por observar a globalização com certo ceticismo no que tange a questão da integração global. David Held afirma ainda, que a globalização não é algo singular e sim um fenômeno multidimensional que envolve diversas atividades e interações entre os atores, fato este que impossibilitaria que uma simples teoria geral pudesse explicar todas as interações dentro da globalização e para isto seria necessário uma teoria que explicasse cada atividade para que se obtivesse um pleno conhecimento das interações da globalização e ele cita como principais pautas para ponto de partida para esta elaboração teórica, as trocas comerciais, finanças globais, corporações multinacionais, tendências culturais e de comunicação, meio-ambiente, política, leis e segurança. Sendo que todas estas questões são abordadas suas vitais importâncias na esfera que diz respeito ao Estado-nação, regional e global e amparadas por organizações internacionais.
David Held toma como exemplo em seu texto, a ONU, e afirma que mesmo ela tendo suas limitações por ser relativamente nova, pode ter sua estrutura organizacional melhorada e fortalecida cada vez mais ao longo do tempo, pois ela proporciona os recursos normativos para que os países membros possam cooperar para a resolução de seus problemas em comum. Ele trás uma teoria democrática cosmopolita como solução para um mundo onde cada vez mais os Estados-nação estão interligados entre si e onde os assuntos domésticos acabam refletindo fora das fronteiras nacionais, as ações da democracia cosmopolita atuariam em nível regional e global como um complemento das ações locais e nacionais dos Estados.
O grande propósito que uma democracia cosmopolita busca, é o de que a garantia dos direitos dos cidadãos seja cumprida não só no âmbito de seu Estado-nação mas também que possa exercer os mesmos direitos em um âmbito global por meio de organizações internacionais, visto que uma das grandes problemáticas é a de que grandes empresas transnacionais possam descumprir normas trabalhistas e/ou ambientais dos Estados e fato que se agrava em virtude de má fiscalização pelo poder estatal. Entretanto, para se constituir uma democracia cosmopolita forte é preciso consolidar desde sua base no Estado nacional dos indivíduos, através da inclusão de toda a sociedade nas diversas questões públicas que dizem respeito aos cidadãos, que vão desde os direitos humanos, justiça mais eficaz e igualitária, proteção do meio ambiente, segurança e saúde.
A teoria normativa busca, portanto, propor um processo de democratização das organizações internacionais e da formulação da política externa dos Estados com o intuito de tornar mais presente à participação dos cidadãos no âmbito de assuntos diplomáticos internacionais que venham a ser relevantes para seus Estados-nação.


Bibliografia
Construtivismo:
NOGUEIRA, João Pontes & MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. RJ: Elsevier, 2005.

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RUGGIE, John (2000) Globalization and Global Community: the Role of the United Nations. Ontario, Canada: Queens University School of Polity Studies

RUGGIE, John (1993) Multilateralism: The Anatomy of na Instution.In Ruggie. J (Ed) Mutilateralism Matters: The Theory and Praxis of an Institutional Form. New York; Columbia University Press, 3-39

RUGGIE, John (2004) American Exceptionalism, Exemptionalism and Global Governance. Cambrige. MA: John F. Kennedy School of Government

Teoria Crítica:
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HORKHEIMER, Max. Traditional and Critical Theory. In: HORKHEIMER, Max. Critical Theory: Selected Essays. New York: Herder&Herder, 1972
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.
NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
LINKLATER, Andrew. The achievements of critical theory. In: SMITH, Steve; BOOTH, Ken; ZALEWSKI, Marysia (Eds.). Internacional theory: positivism&beyond. Cambridge: Cambridge University Press, 1996
Teoria Normativa:
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.
HELD, David. Democracy and globalization.
CORRÊA, Darcísio & ZEIFERT B. Anna Paula. DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO: em busca de uma cidadania global (https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/download/668/410)
HERZ, Mônica. Teoria das Relações Internacionais no Pós-Guerra Fria. (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000200006)




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