O FENÔMENO DA REPRESSÃO SEXUAL: GÊNESE FORMAS E MECANISMOS DE UM COMPLEXO SISTEMA

September 6, 2017 | Autor: Williams Nunes | Categoria: Michel Foucault
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WILLIAMS NUNES DA CUNHA JUNIOR R. A: 1045916 Licenciatura em Filosofia

O FENÔMENO DA REPRESSÃO SEXUAL: GÊNESE FORMAS E MECANISMOS DE UM COMPLEXO SISTEMA

Orientador: Prof. Ms. Rubens Arantes Correa

Centro Universitário Claretiano

BATATAIS 2011

“Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir” “Mas o que é filosofar hoje em dia – quero dizer, a atividade filosófica – senão o trabalho crítico do próprio pensamento sobre o próprio pensamento? Se não consistir em tentar saber de que maneira e até onde seria possível pensar diferente em vez de legitimar o que já se sabe? Existe sempre algo de irrisório no discurso filosófico quando ele quer, do exterior, fazer a lei para os outros, dizer-lhes onde estar sua verdade e de que maneira encontrá-la, ou quando pretende demonstrar-se por positividade ingênua; mas é seu direito explorar o que pode ser mudado, no seu próprio pensamento, através do exercício de um saber que lhe é estranho”

Michel Foucault

O FENOMÊNO DA REPRESSÃO SEXUAL: GÊNESE, FORMAS E MECANISMOS DE UM COMPLEXO SISTEMA

RESUMO: O presente artigo visa apresentar como teve inicio o fenômeno da repressão sexual, como se desenvolveu em nossa sociedade ocidental desde a antiguidade aos nossos dias, quais os mecanismos utilizados para a manutenção deste fenômeno e como ele se reproduz na consciência dos sujeitos. Partindo da leitura de alguns estudiosos em sexualidade, dentre eles o filosofo francês Michel Foucault, pretendemos mostrar como de diferentes formas a repressão se desenvolveu, passando de uma regulação das práticas sexuais em sua intensidade e momento, para uma regulação valorativa entre certo e errado. A própria repressão traz consigo conseqüências diversas para a sociedade e cabe nos perguntar se poderíamos um dia estar livres dela.

Palavras-chave: Repressão Sexual, Foucault, Educação Sexual, Sexualidade

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INTRODUÇÃO

A sexualidade desde muito tempo foi vista, como um mal a ser combatido, como algo a se esconder e camuflar. Sobre esta importante esfera da vida humana sempre se estabeleceram normas, regras e valores, com o intuito de estabelecer um domínio sobre o que não tem governo e talvez nunca tenha. Estas regras, valores, interdições que se impõem sobre o sexo é o que aqui chamamos de repressão sexual. Em toda a história de nossa civilização ocidental vemos uma incessante preocupação com a atividade sexual. Embora nas diferentes épocas essa repressão se manifeste de diferentes maneiras. A família, a Igreja e o Estado aparecerão aqui como sustentadores e mantenedores desta repressão, cada qual a sua maneira regulando o exercício da atividade sexual. O lícito e o ilícito, o certo e o errado serão os limites para se dizer algo sobre o sexo. E o corpo será o alvo constante das ações destes mecanismos, uma vez que é aí que a sexualidade se manifesta. Para que estes dispositivos alcancem sucesso, um elemento aparece como reprodutor dessa repressão, agindo de modo sutil, introjetando nos indivíduos esta concepção negativa a respeito do sexo: a educação. Em todos os dispositivos e desde o período clássico ela irá fazer ecoar na consciência dos sujeitos os ideais da sociedade em que se encontra. Isso se tornará mais eficaz com o surgimento da escola e o desenvolvimento das práticas pedagógicas. É isso que pretendemos demonstrar neste trabalho, como surge, se organiza e age a repressão desde a Antiguidade aos nossos dias, quais os mecanismos que ela utiliza e de que forma esses mecanismos ecoam seus ideais. Nosso objetivo não é estabelecer uma valoração sobre a repressão, como sendo ela boa ou ruim, mas apenas dizer que ela existe, como se manifesta e quais suas conseqüências.

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1. GÊNESE E ATUAÇÃO DO FENÔMENO

A repressão do sexo teria seus primeiros indícios, segundo alguns estudiosos com o tabu do incesto, momento em que o sexo passa de “natural” a “cultural”. Que ela existe, é algo que não se pode duvidar, pois como afirma Foucault, “Dizer que o sexo não é reprimido, ou melhor, dizer que entre o sexo e o poder a relação não é de repressão, corre apenas o risco de ser um paradoxo estéril1”. Sendo assim, o que podemos entender por repressão sexual? Segundo Chauí, podemos entender repressão como sendo “um conjunto de interdições, permissões, normas, valores, regras estabelecidas histórica e culturalmente para controlar o exercício da sexualidade (...) significa ocultar, dissimular, disfarçar”.2 Este jogo de controle da atividade sexual pode-se percebê-lo desde a Antiguidade até os dias atuais. Trata-se de um fenômeno muito antigo, embora seu conceito seja recentíssimo, bem como seu estudo3. “O próprio termo “sexualidade” surgiu tardiamente, no inicio do séc. XIX4” Se quisermos avançar nos significados da repressão sexual, poderemos encontrar diversos significados5, porém o que é preciso saber é que nela, todos os sentimentos tidos como destoantes com os valores e regras de nossa sociedade, serão a todo custo negados, disfarçados. 1.1. A Repressão na História A sexualidade6 é vista como algo que é preciso combater a todo custo, ela é “um dos problemas que mais agita nosso sistema social”7. Isto se deve ao fato de ser esta dimensão

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FOUCAULT. História da Sexualidade: a vontade de saber. 1988. p. 13 CHAUÍ, Marilena. Repressão Sexual: essa nossa (des)conhecida. 1985. p. 11 3 Ibidem. p. 11 4 FOUCAULT. História da Sexualidade: o uso dos prazeres. 1984. p. 09 5 A psicologia, por exemplo, traz algumas definições como sendo “um mecanismo de defesa mediante o qual, as lembranças dolorosas ou impulsos desacordes com o meio social são mantidos fora do campo da consciência”. Ou ainda, “operação psíquica tendente a fazer desaparecer de consciência um conteúdo desagradável ou inoportuno, conteúdo que pode ser uma idéia ou um afeto”; “frear algo ou alguém que iria, por si mesmo, numa direção não aceita ou não desejada” (CHAUÍ, 1985, p. 12). 6 Sexualidade podemos entender, segundo a definição de Nunes, como “uma dimensão da condição humana, a vivência da capacidade amorosa, a expressão da subjetividade, o meio e a realidade da autonomia e identidade estética e da identidade original de cada pessoa, constitui uma das mais intrigantes dimensões da condição humana. (NUNES apud ROMEIRO, 2008, p. 08) 7 BERNARDI, Marcello. A Deseducação Sexual. 1985. p. 12 2

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algo intrínseco ao ser humano, constituindo-se como objeto de sua moral e portadora de inúmeros significados para o entendimento das relações humanas. É assim que já na antiguidade, encontramos indícios do que hoje entendemos por repressão sexual, dentro do significado apresentado anteriormente. Já podemos encontrar aí uma série de recomendações a respeito do uso dos prazeres, como atesta Foucault: o esgotamento progressivo do organismo, a morte do individuo, a destruição de sua raça e, finalmente, o dano causado a toda a humanidade, foram, regularmente, ao longo de uma literatura loquaz, prometidos para aqueles que abusassem de seu sexo8

Todavia aquela repressão não pode ser comparada com esta de nossos dias, ou mesmo com a de épocas posteriores a antiguidade, pois lá “a divisão está entre o menos e o mais: moderação ou incontinência”9 e não entre o certo e o errado, o permitido e o proibido. Não é, portanto, “a partir da natureza do ato, com suas variantes possíveis, mas a partir da atividade e de suas graduações quantitativas”10 que se estabelecerá a linha divisória no campo dos aphrodisia11. Platão em sua obra, A República, no livro IV, exalta a temperança (Areté), como qualidade de todos os cidadãos. É preciso saber dominar os prazeres, para não ser dominado por eles. Portanto, “o perigo que os aphrodisia trazem consigo é muito mais a servidão do que a mácula12. Assim também se expressa Aristóteles: “A temperança deve relacionar-se com os prazeres corporais (...) pois, que o excesso em relação aos prazeres é intemperança e é culpável”13. Podemos observar como para os gregos, a medida dos atos é que vai ser importante, pois a temperança é exatamente essa virtude do controle das paixões. Mais adiante nesta mesma obra, escreve Aristóteles: “os apetites devem ser poucos e moderados, e não se oporem de modo algum ao principio racional”14. Apesar do anteriormente exposto, é preciso ter em vista, que mesmo sob uma perspectiva diferente da que se dará com o surgimento do cristianismo, “a atividade sexual é

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FOUCAULT. História da Sexualidade: o uso dos prazeres. 1984. p. 19 Ibidem. p. 43 10 Ibidem. p. 44 11 Este termo seria usado pelos gregos para descrever coisas relacionadas ao sexo (FOUCAULT, 1984, p. 38) 12 FOUCAULT. História da Sexualidade: o uso dos prazeres. 1984. p. 74 13 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 1973. P. 295 14 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 1973. P. 295 9

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objeto de uma suspeita constante15”, já aí entre os antigos. Em diversos textos pode-se perceber a inquietação que há no tocante ao sexo16. Com o advento do cristianismo, esta ótica qualitativa se transformará em valorativa, pois o sexo será tratado como mal, como objeto de pecado e condenação. A base desta moral será bem precisa principalmente nos escritos de São Paulo e Santo Agostinho.

Para Agostinho a sexualidade tinha uma finalidade estritamente delimitada: simbolizava um único e decisivo acontecimento dentro da alma. Ecoava no corpo a conseqüência inalterável do primeiro pecado da humanidade17

No mito do pecado original, temos toda uma gama de significados repressores, pois a descoberta do sexo, do corpo, é causa de vergonha e de dor futura18. “O sexo é mal porque é a perpetuação da finitude”19. É neste sentido que quanto mais se contém a intensidade dos desejos, mais se ascende espiritualmente. Num texto de São Gregório de Niza, percebemos claramente esta concepção:

quando a morte, depois de haver reinado desde Adão até Maria Virgem, nela encontrando uma barreira intransponível, também dela se aproximou, batendo num rochedo, quebrou-se. Assim também, em toda alma que ultrapassa a vida carnal pela virgindade, o poder da morte se quebra e se dissolve, por não saber onde enfiar seu dardo20

Daqui é que a virgindade será exaltada como um dos remédios eficazes contra as paixões, seguida depois pelo casamento, pela oração e pelo trabalho. Com o advento da burguesia e a estruturação do capitalismo, com a Reforma Protestante e o surgimento do Estado, a atividade sexual passará por uma nova ótica e sua repressão se dará de forma variada. A moral burguesa “exalta o trabalho como ocasião de purificação”21, ideal este que será posto em voga pelo capitalismo. Como explicita Aranha e Martins, o sistema capitalista “faz com que o trabalho não seja apenas um freio para o sexo, mas que promova uma

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FOUCAULT. História da Sexualidade: o uso dos prazeres. 1984.. p. 108 Ibidem. p. 114 17 ROMERO, Sheila. O corpo e a renúncia da carne na Idade Média Cristã presentes nos Concilios Ibéricos dos séculos V- VI d.C e do século XII d. C. p. 03 18 CHAUÍ, Marilena. Repressão Sexual: essa nossa (des)conhecida. p. 86 19 Ibidem. p. 87 20 Ibidem. p. 88 21 ARANHA, Maria Lúcia de A.; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução a Filosofia, 2003. p. 342. 16

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dessexualização e deserotização do corpo, por ter-se tornado uma atividade da qual foi retirado todo prazer”22. Aqui é o trabalho que passa então a ser o remédio mais eficaz, sendo considerado mais repressivo que o casamento, pois investidas todas as energias em sua realização, esgota-se as energias para o sexo23. Ele mata o prazer, não apenas o substitui ou atrasa. Nessa sociedade moderna, alguns ideais antigos da repressão irão permanecer, mesmo que sob nova roupagem, como a ascese, alcançada agora por meio do trabalho e por uma nova docilização dos corpos. Como diz Chauí “Em muitas sociedades, e particularmente na nossa o corpo é uma das entidades privilegiadas para o exercício da dominação (...) o corpo é o lado menor, a parte inferior, curiosamente útil, carente e perigosa”24 Esta concepção negativa, este temor com relação ao corpo, é herança da antiguidade. Já em Platão se pode encontrar esta dicotomia entre corpo e alma. Sendo esta última a parte superior e aquela a parte inferior. É necessário, portanto que a parte superior domine a inferior, daí que se “o corpo é sinal de pecado e degradação, a sua purificação é feita pelas práticas de ascetismo”25. O século XVI marca segundo Foucault “o inicio de uma época de repressão própria das sociedades burguesas”26. A partir deste século, “o sexo é açambarcado e como que encurralado por um discurso que pretende não lhe permitir obscuridade nem sossego”27. Até o século XX esta produção discursiva a respeito da sexualidade será algo constante, não dizendo o certo e o errado, não o que se deve tolerar ou condenar, mas apenas administrar28. Já no século XVIII, até mesmo a sexualidade infantil, que até então era negada, tida como inexistente, passa a ser considerada e posta no jogo dos discursos, um risco a saúde dos futuros adultos, portanto do futuro da sociedade mesmo29. O sexo então se torna algo “que se deve dizer, e dizer exaustivamente, segundo dispositivos discursivos diversos, mas todos constrangedores, cada um à sua maneira”30. Posteriormente com o surgimento das ciências sexuais, no século XIX, a sexualidade então passará por um processo de “catalogação” criando assim diversas perversões e

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Ibidem. p. 342 CHAUÍ, Marilena. Repressão Sexual: essa nossa (des)conhecida. p. 152 24 Ibidem. p. 168 25 ARANHA, Maria L. de A.; MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando: Introdução a Filosofia, 2003. p. 327 26 FOUCAULT. História da Sexualidade: a vontade de saber. 1988. p. 21 27 Ibidem. p. 23-24 28 Ibidem. p. 27 29 Ibidem. p. 137 30 Ibidem. p. 32 23

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especificações de indivíduos, a partir de sua maneira de lidar com seu sexo31. “O sexo passa a ser de interesse da medicina, para começar a ser tratado, estudado suas “aberrações” e para incentivo pedagógico e terapêutico de suas formas “normais”32 Toda esta excessiva produção de discursos sobre a sexualidade fez com que se multiplicassem “as condenações judiciárias das perversões menores, anexou-se a irregularidade sexual à doença mental”33, portanto, nova repressão. Tudo isso conduzirá a uma nova forma de repressão e talvez mais perversa, uma repressão da repressão. Isto se dará com a Revolução Sexual34 que ocorre em 1960. Aqui aparece a valorização do corpo, a critica a moral, os movimentos feministas, a linguagem mais livre35. Este estado de liberalidade do erotismo leva a uma falsa sensação de desaparecimento ou fim da repressão. Contudo, a sexualidade é reduzida a genitalidade, pois concentrada aí toda a energia sexual, o resto do corpo está livre para produzir, não afetando assim o sistema capitalista. A sexualidade é reduzida em seu sentido lato, não sendo valorizada mais enquanto erotismo e na possibilidade de expressar-se em atos não propriamente sexuais36. Como podemos observar, e como já dizia Freud, “a história do homem é a história de sua repressão”37. Desde a Antiguidade até nossos dias a repressão da sexualidade é uma constante, mesmo que de diferentes formas e ao que parece ela “sempre existirá em sociedades nas quais persistirem relações de poder baseadas na exploração”38, como é o caso da nossa que “só se libertará caso possa ser desfeito o nó da dominação social”39.

2. SISTEMAS DE PODER A SERVIÇO DA REPRESSÃO

Como vimos há uma estreita relação entre sexualidade e poder. Durante a história, a repressão se utilizou de vários mecanismos para se fazer sentir, bem como foi ao mesmo

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Ibidem. p. 43-44 CHAUÍ, Marilena. Repressão Sexual: essa nossa (des)conhecida. p. 16 33 FOUCAULT. História da Sexualidade: a vontade de saber. 1988. p. 37 34 A revolução sexual (também conhecida globalmente como uma época de "liberação sexual") é uma perspectiva social que desafia os códigos tradicionais de comportamento relacionados à sexualidade humana e aos relacionamentos interpessoais. O fenômeno ocorreu em todo o mundo ocidental dos anos 1960. Muitas das mudanças no panorama desenvolveram novos códigos de comportamento sexual. 35 ARANHA, Maria L. de A.; MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando: Introdução a Filosofia, 2003. p. 343 36 Ibidem, p. 343 37 MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização, 1981. p. 33 38 ARANHA, Maria L. de A.; MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando: Introdução a Filosofia, 2003. p. 345 39 Idem. p. 345 32

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tempo objeto para estes manterem-se na dominação dos indivíduos. Veremos agora três principais mecanismos: A família, a Igreja e o Estado.

2.1. A Família

A Família seria o primeiro mecanismo repressor e talvez o mais complexo, pois, ela será sujeito de repressão, enquanto a reproduz e ao mesmo tempo objeto, já que no seu seio a repressão é sempre uma constante. Como vimos anteriormente, a repressão da sexualidade tem sua origem com o tabu do incesto. Nem sempre as famílias foram como conhecemos hoje, pois segundo Engels, no inicio existiam várias mães e vários pais para um único filho40. Também existiam nesta época os matrimônios por grupo (portanto a monogamia também foi algo posterior). Assim Engels se expressa: “Não só na época primitiva irmão e irmã eram maridos e mulher, como também, ainda hoje, em muitos povos é licito o comercio sexual entre pais e filhos”41. Durante a história da humanidade teria então a família, passado por várias etapas até chegar a que conhecemos hoje. A primeira delas seria a família consangüínea, onde os grupos conjugais se classificam por gerações, onde todos são maridos e mulheres de todos, exceto entre os pais e filhos ascendentes e descendentes42. Em seguida surge a família punaluana, onde já nem entre pais e filhos, nem entre irmãos, nem entre primos é permitida relações sexuais recíprocas. É daí que surge a gens, que seria um “círculo fechado de parentes consangüíneos por linha feminina, que não se podem casar uns com os outros”43. É a partir das gens, que teria inicio a monogamia (que será aí, de fato, só para as mulheres), mais precisamente com o surgimento da família sindiásmica. Nesta fase

um homem vive com uma mulher, mas de maneira tal que a poligamia e a infidelidade ocasional continuam a ser um direito dos homens, embora a poligamia seja raramente observada, por causas econômicas; ao mesmo tempo exige-se a mais rigorosa fidelidade das mulheres, enquanto dure a vida em comum, sendo o adultério destas cruelmente castigado. O vínculo

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ENGELS, 1891, p. 27 Ibidem. p. 32 42 Ibidem. p. 33 43 Ibidem. p. 36 41

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conjugal, todavia, dissolve-se com facilidade por uma ou outra parte, e depois, como antes, os filhos pertencem exclusivamente a mãe44

Nessa família sindiásmica, é possível encontrar alguns elementos pertencentes a família como nós conhecemos hoje. Se antes a gens se estruturava sobre a figura feminina, agora a figura masculina se apodera da direção da casa e a mulher será convertida em escrava da luxúria do homem45. Com este poder exclusivo do homem a poligamia volta a se estabelecer para ele (embora desde sempre ela só fosse válida para a mulher), agora de maneira legal. Como podemos ver, os diferentes significados de família se darão por meio das relações sexuais, em suas diferentes formas e objetos. Em seu próprio significado está intrínseco o que ela virá a ser, pois entre os romanos, esta palavra aplicava-se apenas aos escravos, designava o conjunto de escravos pertencentes a um mesmo homem46. É assim que a família será convertida em uma “escola de submissão, de obediência e de resignação”47, onde o pai será o senhor, e a sexualidade das crianças e das mulheres será negada48. Lugar ideal para fazer ecoar a voz aniquilante da repressão.

2.2. A Igreja

A moral cristã, com claros fundamentos na filosofia grega, principalmente no que diz respeito à renúncia dos prazeres para elevação da alma, constituirá por muito tempo um instrumento de repressão da sexualidade. Esta moral será assumida primariamente pela Igreja Católica. Segundo Foucault

Por moral entende-se um conjunto de valores e regras de ação proposta aos indivíduos e grupos por intermédio de aparelhos prescritivos diversos, como podem ser a família, as instituições educativas, as Igrejas, etc. (...) por moral entende-se igualmente o comportamento real dos indivíduos em relação a regras e valores que lhes são propostos49

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Ibidem. p. 40 ENGELS, 1891, p. 48 46 Ibidem. p. 49 47 BERNARDI, Marcello. A Deseducação Sexual. 1985. p. 25 48 Ibidem. 47 49 FOUCAULT. História da Sexualidade: o uso dos prazeres. 1984.. p. 26 45

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O peso desta moral e desta instituição se fará sentir de duas formas: primeiro sobre o corpo, enquanto lugar privilegiado de manifestação do impulso sexual e depois sobre o discurso, que será cada vez mais estimulado, mas em um lugar determinado: a confissão. Desde o início, “os filósofos ocidentais tenderam a explicar o ser humano como composto de duas partes diferentes e separadas: o corpo (material) e a alma (espiritual e consciente)”50. Essa concepção será adotada pela Igreja, e ao longo da história da Cristandade o controle dos desejos pela renúncia aos prazeres do corpo será uma constante “o que podia ser feito pela mortificação, por meio do jejum, abstinência e flagelações, por exemplo, chicoteando o próprio corpo”51. Num texto de Clemente de Alexandria, nos primeiros séculos da Igreja, podemos encontrar

certo número de referencia às Escrituras, mas também num conjunto de princípios e preceitos diretamente tomados à filosofia pagã (...) uma certa associação entre a atividade sexual e o mal, a regra de uma monogamia procriadora, a condenação das relações de mesmo sexo, a exaltação da continência52

É assim que se desenvolverá, principalmente no Ocidente, todo um aparato de técnicas para docilizar os corpos e acuar os impulsos sexuais, práticas estas revestidas de um ideal de elevação espiritual, pois “quem cede à sexualidade perde a vida espiritual”53. A partir da Idade Média, a confissão se estabelecerá “entre os rituais mais importantes de que se espera a produção da verdade”54. É a partir daí, que a ascese corporal será unida a confissão, talvez por isso mesmo, este sacramento receberá o nome de penitência. Aqui, o sexo, será matéria privilegiada. Temos então, uma imbricação entre poder-prazer-saber, onde há prazer em contar, mas também em ouvir, trata-se de relação de poder, pois há quem submete e quem é submetido e há ainda toda uma produção de verdade, contida no próprio discurso, no próprio ato de falar sobre o próprio sexo. Este dispositivo discursivo permanecerá até os dias atuais55, porém não mais numa situação ritual e exclusiva, pois assim como a ascese, ganhará uma nova roupagem, sendo incorporada de forma significativa pela psicanálise.

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ARANHA, Maria L. de A.; MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando: Introdução a Filosofia, 2003. p. 326 Ibidem. p. 327 52 FOUCAULT. História da Sexualidade: o uso dos prazeres. 1984.. p. 18 53 BERNARDI, Marcello. A Deseducação Sexual. 1985. p. 103 54 FOUCAULT. História da Sexualidade: o uso dos prazeres. 1984.. p. 58 55 FOUCAULT. História da Sexualidade: o uso dos prazeres. 1984.. p. 62 51

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Há na confissão, uma dupla hermenêutica56, uma exegese do próprio sujeito57. Primeiro, quando o confessante diz a verdade sobre si mesmo, quando decifra em si os movimentos dos impulsos que aí agem e em um segundo momento, quando o confessor, busca o sentido oculto nos discursos, quando busca decifrar o sujeito que confessa58. No século XVI, com o Concilio de Trento, haverá um desenvolvimento dos procedimentos de direção espiritual59, que estabelecerá entre o sexo e o discurso uma relação inédita60. Se o objetivo era restringir a produção dos discursos sobre sexualidade, ao contrário disto, nenhuma outra instituição teria incitado tanta produção discursiva sobre o sexo, quanto a Igreja. Como demonstra Foucault

O essencial é bem isso: que o homem ocidental há três séculos tenha permanecido atado a esta tarefa que consiste em dizer tudo sobre seu sexo (...) Censura sobre o sexo? Pelo contrário, constitui-se uma aparelhagem para produzir discursos sobre o sexo, cada vez mais discursos, suscetíveis de funcionar e de serem efeitos de sua própria economia61

É assim que a Igreja estabelecerá o controle do exercício da sexualidade. É importante salientar, que algumas dessas práticas serão retomadas pela reforma protestante e pelo puritanismo vitoriano do século XVIII. 2.3. O Estado Vejamos agora, mais um mecanismo que sustenta o controle do exercício da sexualidade. Para isso, devemos primeiramente entender como surge o Estado. O Estado surgiria como um meio de controlar os indivíduos e suas paixões, a fim de se estabelecer uma convivência harmônica entre os homens. Engels estabelece três momentos de ereção do Estado, sobre a ruína da gens62, desde Atenas até os povos germânicos, pondo que

Atenas representa a forma que podemos considerar mais pura, mais clássica: ali, o Estado nasceu direta e fundamentalmente dos antagonismos de classe 56

A palavra HERMENÊUTICA é derivada do termo grego HERMENEUTIKE e o primeiro homem a empregá-la como termo técnico foi o filósofo Platão. A hermenêutica é a ciência que estabelece os princípios, leis e métodos de interpretação. Em sua abrangência trata da teoria da interpretação de sinais, símbolos de uma cultura e leis. Aqui usamos no sentido de interpretação ou decodificação do discurso. 57 SECH Jr. A Hermenêutica do Sujeito em Michel Foucault. 2009. p. 101 58 Ibidem. 101 59 Idem. p. 120 60 FOUCAULT. Microfísica do Poder, 1984, p. 267 61 FOUCAULT. História da Sexualidade: o uso dos prazeres. 1984.. p. 26 62 Refere-se ao modelo primitivo do que hoje chamamos família, como exposto acima, no tópico que falamos sobre a família.

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que se desenvolviam no seio mesmo da sociedade gentílica. Em Roma, a sociedade gentílica se converteu numa aristocracia fechada, em meio a uma plebe numerosa e mantida à parte (...) a vitoria da plebe destruiu a antiga constituição da gens, e sobre os escombros instituiu o Estado (...) Entre os germânicos, por fim, vencedores do império romano, o Estado surgiu em função direta da conquista de vastos territórios estrangeiros que o regime gentílico era impotente dominar63

Esta teoria o leva a concluir que o Estado, não é um poder que se impôs à sociedade de fora pra dentro, mas faz parte de seu desenvolvimento, é a prova que ela atingiu um patamar tal de contradições e antagonismos que não consegue mais conciliar64. Mais ou menos sob esta mesma ótica, encontram-se as teorias políticas que tentam explicar o surgimento do Estado, em Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacque Rosseau. Embora haja pontos divergentes, nestas três teorias, um ponto convergente nelas, é o contratualismo, donde o Estado nasce de um consentimento do povo, ou seja, não é algo imposto. Para Hobbes (1588-1679), o homem tem direito a tudo, no estado chamado de natureza, cada homem faz da sua vida o que quiser e usará dos meios que lhe aprouver para defender sua vida. Neste estado, não há paz, o que gera angústia, insegurança e medo. O egoísmo é a lei e por isso o homem se torna lobo do homem, há uma guerra de todos contra todos, o que impediria o desenvolvimento. É aí que os indivíduos decidem renunciar a este direito natural e dá-los a um homem ou a uma assembléia de homens. Este poder transmitido deve ser total, absoluto e indivisível. Aqui, “o individuo abdica da liberdade ao dar plenos poderes ao Estado, afim de proteger a sua própria vida65. Em Locke (1632-1704), perdura a idéia do contrato social. Porém, para ele, no estado de natureza, os homens não vivem em guerra. Para ele, cada indivíduo neste estado é juiz de si, correndo o risco de se guiar por suas paixões, o que levaria a desestabilização entre as relações, por isso a necessidade do Estado. Para o pensador inglês, os homens não perdem o direito natural ao entregá-lo ao soberano, mas é nele que se limita o poder do Estado. Portanto, caso este poder não vise o bem comum, é licito destituí-lo e oferecê-lo a outrem66. Por fim, Rosseau (1712-1778) também utilizará a concepção do contrato social. Porém, ele acreditava que no estado de natureza os homens eram bons e viviam felizes, até que surge a propriedade privada. A partir daí o homem se torna um corrompido pelo poder e esmagado

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ENGELS, 1891, p. 135 Ibidem. p. 135-136 65 ARANHA; MARTINS, 2003, p. 239 66 Ibidem. p. 247 64

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pela violência. O contrato para ser válido, tem que se assentar sob o consentimento de todos, sem exceção. Aqui “o individuo abdica de sua liberdade, mas como ele próprio é parte integrante e ativa do todo social, ao obedecer à lei, obedece a si mesmo e, portanto, é livre”67. Como vimos, o Estado nasce da sociedade, donde os próprios indivíduos conferem a ele todo o poder sobre suas vidas. É assim que ele agirá até o máximo grau de subjetividade dos indivíduos, controlando-os por meio da força ou de forma bem sutil, quase imperceptível. Sendo a sexualidade uma das dimensões intrínsecas do ser humano, aí também, este Estado irá fazer-se sentir. Como diz Foucault

Que o Estado saiba o que se passa com o sexo dos cidadãos e o uso que dele fazem, e também que cada um seja capaz de controlar sua prática. Entre o Estado e o individuo o sexo tornou-se objeto de disputa, e disputa pública68

Até o final do século XVIII, o poder do Estado juntamente com a Igreja irá reger as práticas sexuais, fixando cada qual a seu modo, a linha divisória entre o lícito e o ilícito69. É este Estado que irá, num momento posterior regulamentar a família. E oferecer-lhe a devida proteção. “Entre o regime político e o costume sexual há uma relação particularmente estreita”70.

3. SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO

Como estes mecanismos conseguem agir sob os indivíduos fazendo-os incorporar seus ideais a ponto de fundi-los nestes sujeitos? Um dos meios mais sutis e talvez o mais eficaz seja sem dúvida a educação. “Por educação, em sentido restrito, entende-se todo aquele processo com o qual se molda o aluno de maneira a prepará-lo para viver em harmonia com as regras codificadas da sociedade na qual está inserida”71. Aceitando este conceito de educação, poderemos ver que a mesma, é socialização, é o processo no qual entramos na “forma” da sociedade. Sendo assim, ela será sempre transmissora dos valores da sociedade na qual o individuo está inserido.

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Ibidem. p. 250 FOUCAULT, 1988, p. 29 69 Ibidem. p. 38 70 BERNARDI, 1985, p. 141 71 Ibidem. p. 15 68

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Podemos lançar mão de conceitos de educação, tais como o de Durkhein, que diz que a educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto72

E de Max Weber, que concebe educação como “o modo pelo qual os homens – ou determinados tipos de homens em especial – são preparados para exercer as funções que a transformação causada pela racionalização da vida lhes colocou a disposição”.73 Daí podemos perceber uma necessária “adequação” a ser feita pela educação. E o mesmo pode-se encontrar em Karl Marx, pois para ele a educação transmite os valores a fim de manter a ordem social, todavia a diferença é que ele acreditava que ela poderia servir tanto como alienação ou como um meio de promover a emancipação do indivíduo.74 Durante a história, a educação se reveste de novas roupagens de acordo com a sociedade da época. E ao que parece, em todas as épocas ela serviu para formar sujeitos dóceis e submissos (ou “adequados”). Porém, “É na idade moderna que a educação pode se fundamentar e planejar suas práticas educativas”75, práticas estas que ao invés de preparar o individuo para a vida molda-o para viver a vida desta sociedade em que estamos inseridos.76 Este será, portanto, o papel da escola moderna. Isso também ocorrerá com a educação sexual dos indivíduos, onde tudo aquilo que diz respeito ao sexo, suas práticas e suas verdades, deverá seguir o padrão exigido pelo corpo social. Será, portanto, uma educação para o certo e o errado, o lícito e o ilícito apenas. “Não existe nenhuma intenção de educar para o exercício da sexualidade, mas unem-se todos os esforços numa educação para a repressão da sexualidade”77. A educação aparece, portanto como uma das melhores formas de controlar dos discursos de verdade, ela é

o meio privilegiado em que saber e poder estão mais explícitos para a implantação de uma técnica institucional: de vigilância, de hierarquia, de disciplina e de controle (...) o espaço pedagógico é um campo aberto, cortado pelas relações de poder que passam desde os primeiros passos da

72

RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação: o que você precisa saber sobre. 2001. p. 34 Ibidem. p. 75 74 Ibidem. p. 35 e 49 75 JARDIM, 2006, p. 104 76 BERNARDI, 1985, p. 28 77 Ibidem p. 22 73

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aprendizagem, onde o poder regula, molda indivíduos, fabrica imagensmodelos e avalia78

Há aqui uma imbricada relação de saber e poder. Pois é na educação que se faz a transmissão destes saberes com relação ao sexo e suas práticas, dentro de uma pedagogia que está a serviço de interesses de uma determinada sociedade, que deseja criar uma espécie de indivíduos. E se durante tanto tempo, nossa sociedade foi reprimida, com certeza os indivíduos provindos desta educação, tornam-se sujeitos reprimidos. A escola será aqui de fundamental importância, pois é lá que os sujeitos serão controlados, com relação ao espaço que ocupam, no uso devido do tempo e na apreensão dos códigos para uma boa conduta. É neste sentido que “o modelo do convento se impõe pouco a pouco; o internato aparece como o regime de educação senão o mais freqüente, pelo menos o mais perfeito”79. Toda essa subjetivação terá um alvo muito especifico e que dele já falamos anteriormente: o corpo. É também pela educação que “a razão investe sobre o corpo com a intenção de dominá-lo e fazê-lo produzir”80. A escola utilizará ainda de outro elemento, a fim de produzir a repressão: a vigilância. “O próprio edifício da escola devia ser um aparelho de vigiar”81. Para isso a arquitetura dos edifícios escolares será propositadamente bem definida, devendo garantir que esta vigilância se faça cumprir. Devemos considerar ainda, que a marca de repressão destas instituições pedagógica não será de forma alguma o silêncio sobre o sexo e suas verdades. Na verdade a repressão típica da sociedade moderna não tem como característica calar-se sobre o sexo e sua verdade, mas pelo contrário, sua característica é a produção exaustiva de discursos cada vez mais freqüentes sobre o sexo e o certo e o errado acerca dele82.

Consideremos os colégios do século XVIII (...) basta atentar para os dispositivos arquitetônicos, para os regulamentos de disciplina e para toda a organização interior (...) tudo fala da maneira mais prolixa da sexualidade das crianças83

78

JARDIM, 2006, p. 105 FOUCAULT, 2007, p. 122 80 JARDIM, 2006, p. 108 81 FOUCAULT, 2007, p. 26 82 FOUCAULT, 1988, p. 31 83 FOUCAULT, 1988, p. 40 79

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Tudo nesta forma de repressão passa pela dicotomia do certo e do errado. Assim é ensinado ao individuo que seu corpo é sujo e que “a sexualidade é uma ocorrência vergonhosa, obscena, suicida e revoltante”84. É assim que se estabelecerá a relação entre sexualidade e educação, onde a vigilância, a subjetivização, a disciplina, os discursos será uma constante no que toca a sexualidade. Uma educação a serviço dos mecanismos de poder, que sustentam e reproduzem a repressão da sexualidade.

84

BERNARDI, 1985, p. 52

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, durante muito tempo vivemos sob o peso da repressão de uma dimensão importantíssima para a vida humana. De diferentes formas e através de diferentes mecanismos, compondo um complexo sistema, a sexualidade foi encurralada, posta sempre como um mal a ser combatido, a ser refreado e por vezes, ocultado e dissimulado. Em conseqüência disto, vemos surgir uma série de perversões e classificação de sujeitos, novas espécies rotuladas conforme o uso que fazem dos prazeres. A produção de práticas ocultas, escondidas são consequências de nossa sociedade repressiva. Nem mesmo a revolução sexual de 1960, pode libertar-nos desta opressão. Pois ali, a repressão ganhou apenas uma nova roupagem. A sexualidade é vista apenas como genitalidade, seu sentido amplo é reduzido aos órgãos sexuais. Nem no século XVIII, quando parece explodir uma produção discursiva sobre o sexo, teríamos alguma liberação, pois o que se diz sobre o sexo é apenas o certo e o errado, o permitido e o proibido, uma série de regras e valores, portanto repressão. E nesse jogo de sujeição o corpo será a vitima sempre, o lugar que é preciso macerar, docilizar, fazê-lo produzir, pois só assim será útil. Em nossos dias, vivemos uma verdadeira ditadura do corpo, onde há uma exacerbação valorativa deste que durante tanto tempo foi oprimido. Ao que parece, tanto com relação ao corpo, quando a própria regulação da atividade sexual, teríamos passado de um extremo ao outro, sem conseguirmos alcançar a justa medida das coisas, sem alcançarmos de fato uma libertação, mas apenas uma liberalidade ou uma libertinagem. Isso fica bem claro, nas poses, risos e reticências que muitas vezes é presente quando se fala de sexualidade, dos codinomes para identificar os órgãos e coisas relacionadas ao sexo, numa tentativa de dessexualizá-los ao menos no discurso. Cabe então ao homem usando de sua razão, buscar os meios necessários para se libertar deste regime repressor e assim passar a ver a sexualidade como aquilo que ela de fato é: algo natural e dimensão constituinte de seu ser.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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