O FENÔMENO DAS LÍNGUAS EM CONTATO NA COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL

June 12, 2017 | Autor: S. Costa Kurtz do... | Categoria: Code Switching, Languages in Contact, Languages and Cultures in Contact
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REFERÊNCIA: KURTZ-DOS-SANTOS, S. C. ; MOZZILLO, Isabella . O fenômeno das línguas em contato na comunicação intercultural. In: BRAWERMAN-ALBINI, A.; MEDEIROS, V. S. (Org.). Diversidade cultural e ensino de língua estrangeira. Campinas, SP: Pontes, 2013, p. 163-177

O FENÔMENO DAS LÍNGUAS EM CONTATO NA COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL

Sílvia Costa KURTZ-DOS-SANTOS1 Isabella MOZZILLO2

Introdução Dentre os vários fatores a serem considerados quando se objetiva definir metodologia de ensino de língua estrangeira (LE), não raro nos deparamos com uma questão que há muito divide opiniões e se mantém atual como tema de reflexão entre professores e alunos: o uso da língua materna (LM) no ensino de LE. A questão, também tratada como uso de primeira língua (L1) no ensino de segunda língua (L2) e cada vez mais encontrando apoio em pesquisas desenvolvidas nas áreas de línguas em contato e bilinguismo, sobre temas como code-switching, alternância de códigos/linguística e comunicação bilíngue, ainda é vista em determinados contextos como “uma manobra evasiva para ser usada apenas em casos de emergência” (BUTZKAMM, 2003, p. 29). No Brasil, costuma ser bastante comum associar excelência em ensino e aprendizagem de inglês ao não uso do português, bem como considerar o falante nativo sempre o melhor professor da língua estrangeira alvo, sem que a falta de conhecimento da L1 compartilhada por seus alunos provoque qualquer tipo de abalo a essa apreciação. Crenças desse tipo são constantemente alimentadas através de publicidade feita por

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Professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) – Centro de Letras e Comunicação – Área de Língua Inglesa e de Linguística Aplicada. [email protected] 2

Professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) – Centro de Letras e Comunicação – Área de Língua Francesa e de Linguística Aplicada. [email protected]

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cursos livres de inglês, que seguem sendo apontados como o único lugar onde é possível aprender a língua estrangeira. E se no Brasil a força de trabalho dos cursos livres é formada exclusiva ou predominante por brasileiros, os “professores nativos” são a grande diferença em um mercado de grande competitividade, mesmo quando os nativos são pessoas sem qualquer formação docente ou experiência no ensino da sua L1 como L2. Sendo o nativo o melhor, a busca do mercado passa a ser por instrutores, formados ou não como professores, que também possam ser anunciados como melhores por serem “quase nativos”, por terem “pleno domínio” da língua inglesa e “experiência internacional”. Além disso, devem ser capazes de seguir a metodologia imposta, que muitas vezes implica não usar a língua portuguesa em sala de aula e convencer os alunos, entre outras coisas, a “não pensar em língua materna”. Em contextos desse tipo, professores e alunos simplesmente desconsideram o fato de que Usando a língua materna, nós (1) aprendemos a pensar, (2) aprendemos a nos comunicar e (3) adquirimos uma compreensão intuitiva da gramática. A língua materna é, portanto, o maior recurso que as pessoas trazem para a tarefa de aprendizagem de língua estrangeira (…)3 BUTZKAMM, 2003, p. 29.

Felizmente, contudo, cada vez mais encontramos instrutores de cursos livres que têm formação de professor ou estão em formação em Curso de Licenciatura em Letras, muitos deles comprometidos com a incessante caminhada em busca do horizonte idealizado da competência profissional. Nesse sentido, cabe então aos professores formadores que atuam em cursos de graduação, de pós-graduação e de atualização profissional trabalhar com foco no desenvolvimento

da

capacidade

de

reflexão

crítica

daqueles

que

almejam

profissionalismo no ensino de línguas. E uma vez que o uso da língua materna na sala de aula de língua estrangeira para muitos ainda não deixou de ser, na expressão usada por Prodromou (2002, p. 6) um “esqueleto no armário”, usamos este espaço para refletir sobre a questão. Partimos de uma breve retrospectiva sobre o tratamento dado ao tema na literatura de metodologia de ensino de línguas, para então ultrapassar os limites 3

Using the mother tongue, we have (1) learnt to think, (2) learnt to communicate and (3) acquired an intuitive understanding of grammar. The mother tongue is therefore the greatest asset people bring to the task of foreign language learning (...) BUTZKAMM, 2003, p. 29.

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impostos e observar o fenômeno da alternância linguística entre inglês e português na sala de aula do professor não-nativo, bem como na comunicação intercultural do English Teaching Assistant – ETA.

Primeira Língua no Ensino de Línguas Estrangeiras Em perspectiva histórica e considerando como expoentes de métodos ou abordagens de ensino de línguas (1) Gramática e Tradução, (2) Direto, (3) Audiolingual e (4) Abordagem Comunicativa, temos claros na literatura os princípios em relação ao uso da primeira língua apresentados em relação a (1): usada para instrução, ensino de regras gramaticais e de vocabulário; bem como em relação a (2): como banida da sala de aula, uma vez que a língua alvo deve ser meio e fim, como acontece na aquisição da L1. Em relação a (3), recomenda-se que o uso da L1 seja mínimo por parte do professor, até porque se espera formação de hábito e imitação de modelos pelos alunos. Contudo, é interessante observar uma espécie de abertura no movimento de (2) para (3), uma vez que a L1 do aluno passa a ser considerada em função dos princípios da análise contrastiva subjacente ao método, permitindo a previsão de erros provenientes da interferência da língua materna e que devem ser evitados em L2. Em relação à Abordagem Comunicativa (4), não há restrições ao uso da L1, no entanto, como a questão não é apresentada na literatura da forma doutrinária característica da dogmática cultura dos métodos, cria-se espaço para posicionamentos nem sempre claros e, até mesmo, para a absoluta falta de posicionamento. Uma vez que o movimento comunicativo de ensino de línguas começa a tomar corpo na Europa da década de 1970 a partir da visão de língua como um sistema para a expressão de sentido e não mais como um sistema de estruturas, seus princípios passam a ser apresentados na literatura através da comparação com os princípios do Método Audiolingual. A comparação feita em Finocchario & Brumfit (1983) passou a ser amplamente reproduzida na literatura e tornou-se clássica. Na tabela de 22 princípios comparativos entre o Método Audiolingual e o ensino comunicativo de línguas apresentada em Brown (1994), são dois os que se relacionam ao uso da L1.

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São apresentados “o uso da língua nativa do aluno é proibido” e “a tradução é proibida em níveis iniciais”, em relação ao Método Audiolingual, enquanto que, em relação ao ensino comunicativo de línguas, os princípios contrastivos são “o uso criterioso da língua nativa é aceitável quando viável” e “a tradução pode ser usada onde os alunos precisem ou se beneficiem dela”. Não há dúvidas de que o contraste entre as proibições do Método Audiolingual e as possibilidades do ensino comunicativo de línguas dá espaço para a tomada de decisões pelo professor, a quem até então cabia proceder de acordo com os preceitos dos especialistas. Entretanto, o sentimento de culpa em relação ao uso da L1 no ensino da L2 se manteve, quer pela transgressão do professor que usa ou permite o uso de L1 e de tradução em sala de aula, quer pela insegurança daquele que se questiona em relação ao que venha a ser criterioso, aceitável, viável, necessário ou benéfico. A década de 1980, a segunda da era comunicativa, foi bastante fértil em publicações dedicadas à avaliação da então revolucionária Abordagem Comunicativa no ensino de línguas, abrindo-se assim espaço para a necessária reflexão sobre o uso da língua materna na aprendizagem de língua estrangeira, como se vê em Swan (1985) e em Atkinson (1987). No segundo dos seus dois artigos que tem como foco alguns aspectos pedagógicos, Swan (1985) discute o papel crucial da LM na aprendizagem de LE e questiona a sua evidente ausência da teoria e da metodologia da Abordagem Comunicativa. O

autor

refere-se

com

ironia

à

metodologia

comunicativa

que

enfatiza a abordagem de apresentação e prática exclusivamente em inglês como sendo uma característica bastante importante da tradição britânica de ensino de inglês como língua estrangeira, talvez por ter tornado possível “ensinar Inglês em todo o mundo sem a necessidade desagradável de ter de aprender outras línguas?” (SWAN, 1985). Segundo observa, é experiência comum os alunos estarem sempre traduzindo para e das suas línguas e os professores sempre dizendo a eles que não façam isso. No entanto, Swan (1985) salienta que o fator língua materna está presente nas interlínguas não apenas através dos erros causados pela sua interferência, mas também em uma grande proporção de características corretas não percebidas. Ao defender a “suposição da equivalência”, ou seja, a suposição de que, até prova em contrário, significados e estruturas na nova língua que começamos a aprender

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vão ser muito semelhantes aos da nossa própria língua, Swan (1985) observa que, apesar de nem sempre funcionar, esse tipo de estratégia "nos coloca à frente do jogo, tornando possível aprendermos um novo idioma sem ao mesmo tempo retornarmos à infância e aprendermos a categorizar o mundo mais uma vez” (p. 85-86). Atkinson (1987) faz referência a Swan (1985), dizendo que o colega fez apenas uma breve menção ao que ele entende ser o “verdadeiro corpus de língua que todos os aprendizes trazem para a sala de aula”, que é a sua língua materna (ATKINSON, 1987, p. 241), e assume uma postura ainda mais enfática quanto à importância da língua materna na sala de aula. Em seu texto publicado há quase três décadas, Atkinson (1987) diz ser verdade que a proibição total da língua nativa dos alunos está fora de moda, mas que o potencial do seu uso em sala de aula precisa ser mais explorado. Ele cita publicações de cursos introdutórios ao ensino de inglês como língua estrangeira, referindo-se à maioria delas como ignorando totalmente a questão, inclusive em materiais destinados a professores não-nativos e nos de enfoque “humanístico”. Segundo afirma, Esta lacuna na literatura metodológica é provavelmente em parte responsável pelo mal-estar que muitos professores, experientes e inexperientes, sentem sobre o uso ou permitir o uso da língua nativa dos alunos em sala de aula.4 ATKINSON, 1987, p. 241.

É interessante considerarmos que, ao apresentar possíveis motivos para essa falta de atenção ao uso da língua nativa do aluno na sala de aula de língua estrangeira, Atkinson (1987, p. 242) faz referência ao “grau de status desproporcional” atribuído aos falantes nativos em instituições de ensino de língua, que frequentemente foram treinados também por nativos e provavelmente monolíngues, dentro da perspectiva do falante nativo ensinando uma turma multilíngue na Grã-Bretanha ou nos Estados Unidos. Considerando sua experiência de professor de inglês para grupos monolíngues Atkinson (1987) faz referência aos seguintes usos da L1 em sala de aula de L2: para elicitar língua; para checar compreensão; para dar instruções; para cooperação entre aprendizes; para discussão sobre metodologia de sala de aula; para checagem de sentido; para testagem e para o desenvolvimento de estratégias de aprendizagem úteis. Ao concluir o artigo em questão, o autor diz ter tentado argumentar em favor dos vários papéis que a língua nativa dos alunos pode desempenhar, especialmente porque, 4

This gap in methodological literature is presumably partly responsible for the uneasiness which many teachers, experienced and inexperienced, feel about using or permitting the use of the students’ native language in the classroom.

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em grupos monolíngues, ele sente que ignorar a língua materna dos alunos certamente seria ensinar com menos eficiência. Além de destacarmos dois artigos da década de 1980 que colocam em pauta a questão do uso da L1 em sala de aula de L2 em metodologia de ensino de língua estrangeira informada pela Abordagem Comunicativa, também é importante registrar a importância da publicação de Rossner & Bolitho (1990), uma coletânea de artigos sobre metodologia e formação de professores publicados no ELT Journal, como fechando a década, caracterizada pela avaliação do que se convencionou chamar de última revolução no ensino de línguas. A próxima década inicia marcada pela conclusão estampada no título do artigo de Prabhu (1990), de que não há o melhor método, mas que o autor se propõe a questionar quando apresentada como uma declaração feita em discussões sobre ensino de línguas, provocando diferentes efeitos de sentido. A proposta do autor passa a ser a de analisar a declaração não como uma forma de encerrar a discussão ou de legitimar a falta de resolução de questões metodológicas, mas sim de entendê-la como um convite para o início de uma nova fase da discussão. Prabhu (1990) então analisa e rejeita duas explicações correntes dadas para a declaração de que não há o melhor método: a de que métodos diferentes são melhores para contextos diferentes de ensino e a de que todos os métodos são parcialmente verdadeiros ou válidos. Aliás, ao rejeitar a segunda explicação, o autor se posiciona contrário ao argumento favorável ao ecletismo/ecleticismo na pedagogia de ensino de línguas, já que a mistura do que parece ser verdade de cada método pode ser feita de forma indiscriminada, até mesmo entre métodos conceitualmente incompatíveis, e nada acrescentando ao nosso entendimento pedagógico. Assim, considerando equivocada a própria noção de métodos bons e ruins, o autor apresenta o conceito bastante amplo de “senso do plausível” de um professor, uma espécie de compreensão subjetiva que o professor tem em relação ao seu ensino e de como ele conduz à aprendizagem, que se constitui a partir de uma série de experiências individuais, tais como as de aluno, de professor em formação ou em atividade. Segundo o autor, o valor da atividade de ensino está em torná-la informada pelo senso do plausível do professor, que, estando envolvido nas atividades, envolve também os alunos, criando-se um relacionamento harmonioso em sala de aula e um ambiente propício à aprendizagem.

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Segundo Prabhu (1990), o objetivo que vale a pena para o esforço profissional de quem trabalha com professores em formação ou em processo de atualização seria o de ajudá-los a ativar e desenvolver os variados sensos do plausível, promovendo a interação entre percepções pedagógicas em prol de um ensino mais real. Posicionamentos da mesma natureza, que valorizam o papel do professor informado e que avalia a própria prática na construção da sua pedagogia, são fundamentos importantes no movimento da pedagogia pós-método de ensino de línguas. Conforme observado em Kurtz-dos-Santos (2003), a discussão apresentada por Kumaravadivelu (2001) sobre o que o autor denomina “pedagogia pós-método” destaca a importância de os programas de formação passarem a ser orientados pelo questionamento acadêmico e não pela transmissão de informação, como era característico durante o período da pedagogia dos métodos. Nesse sentido, há espaço para a reflexão crítica dialogada entre professores formadores e professores em formação ou em aperfeiçoamento sobre inúmeras questões pertinentes ao contexto brasileiro de ensino e de aprendizagem de inglês como LE, como é o caso do uso da língua portuguesa em sala de aula.

Alternância linguística na formação docente De acordo com Mozzillo (2005), a sala de aula de língua estrangeira coaduna diversos sistemas linguísticos, tais como: a LM do professor e dos alunos, a qual pode não ser a mesma, a língua alvo, e outras línguas que por acaso os membros da sala de aula venham a conhecer. Ainda segundo a autora, essa coexistência de línguas pode ocorrer de diversas maneiras, dentre elas, com o uso do code-switching, ou seja, a alternância linguística entre a LM e a LE. Nessa perspectiva, a alternância entre LE e LM passa a ser considerada como um fenômeno natural, como um recurso pragmático acionado por motivações e propósitos diversos, tanto em situação artificial como natural (TANG, 2002). Conforme observado em relação ao trabalho de Atkinson (1987), a LM possui um papel de extrema relevância na sala de aula de LE, podendo ser considerada uma importante ferramenta utilizada pelo professor na otimização dos processos de ensino e de aprendizagem da língua alvo. Em estudo realizado pelo Grupo de Pesquisa Línguas em Contato da Universidade Federal de Pelotas - UFPel, foram coletados dados de interações orais

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entre professores e seus alunos, durante aulas das disciplinas de Língua Inglesa IV e V, em turmas do Curso de Licenciatura em Letras Português e Inglês e Respectivas Literaturas da instituição. Os dados foram inicialmente analisados de forma a selecionar trechos nos quais professores universitários que fazem uso prioritário da língua alvo em suas aulas apresentassem alternância linguística entre inglês e português. Em um segundo momento, o foco da análise passou a ser o levantamento de hipóteses quanto às possíveis razões para a alternância de códigos e o papel que o fenômeno possa ter desempenhado na interação entre professores e alunos em aula de língua inglesa. Com base na análise dos dados, foram observadas as seguintes razões para a alternância de códigos por parte dos professores: 1. Apresentar o significado de uma palavra ou expressão em inglês, como se vê no seguinte exemplo: - “Do you know what GDP is? It’s the same as PIB – “Produto Interno Bruto”. Ao invés de explicar em inglês, o professor optou pela tradução, apresentando a sigla e seu significado em português. Isso pode ser explicado por vários motivos, tais como: facilitar a compreensão, pois, mesmo após uma explicação detalhada o professor não estava certo de que o conceito havia sido plenamente entendido por todos os alunos ou para economizar tempo. Uma explicação em inglês sobre o significado de GPD (Gross Domestic Product) poderia levar muito tempo, eliminando, assim, tempo de aula que poderia ser mais bem utilizado para fins mais relevantes. Além disso, a utilização da sigla PIB, proveniente da língua portuguesa e parte do léxico dos alunos, fez com que, por associação, o professor otimizasse a compreensão e a aprendizagem da sigla estrangeira GDP. 2. Para checar a compreensão Durante vários exercícios, após explicar vocabulário ou pedir que os alunos tentassem explicar o sentido de palavras/expressões em língua inglesa, o professor também recorreu à tradução, com o intuito de checar a compreensão. Em um caso observado, no qual o professor (P) estava explicando o sentido do substantivo smuggler, ao perguntar aos alunos qual seria o termo em português, um dos alunos (A1) demonstra compreensão, enquanto outro (A2) parecia ter alguma dúvida em relação ao melhor significado dentro do contexto apresentado. Assim, o professor opta

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por não dar continuidade à explicação na LE, repetindo o termo em português, já dado por outro aluno. A1: “Contrabandista”. P: Yeah, that’s right. A2: “Atravessador”? P: “Atravessador” would not be right for this word. “Contrabandista” would be the best. Ao fornecer o significado em português, o professor não somente elimina a confusão do aluno, como também mostra o significado certo. Também evita qualquer desperdício de tempo, como também foi explicitado na seção anterior. 3. Para se adequar ao código que o aluno está usando Em um final de aula, o professor, que havia falado em inglês a maior parte da aula, continua se dirigindo aos alunos na língua estrangeira. No entanto, ao receber uma pergunta de um aluno em português, o professor faz a alternância para a língua materna em sua resposta. P: Does anyone have any questions? A: Como que eu desenvolvo essa habilidade? (se referindo à habilidade de perceber certos aspectos linguísticos como adequados ou inadequados, mesmo antes de conhecer as regras gramaticais). P: Tendo bastante contato com a língua, através de leitura, de músicas, filmes ou qualquer outro meio. Depois que tu tens contato o suficiente tu vês que algo pode ou não pode ser, porque te parece muito estranho. Claro, que não é 100% infalível. O professor poderia ter continuado sua fala na LE, respondendo a pergunta do aluno em inglês, mas sua opção pela resposta na LM pode ter sido para estabelecer empatia com aluno, deixando-o à vontade para se manifestar, para interagir com ele. Ao continuar falando em inglês, o professor talvez inibisse o aluno, até mesmo provocando inibição em participações de sala de aula. Ao falar em português, o professor não somente esclarece a dúvida do aluno, mas também evita a desnecessária imposição da língua inglesa na interação, como se repreendesse o aluno por ter recorrido à LM. Ao usar a língua materna, o professor está também estabelecendo um laço afetivo com o aluno, mostrando-se membro da mesma comunidade universitária e linguística. É importante que os professores de língua estrangeira em formação tenham a oportunidade de estudar e refletir sobre o fenômeno natural da alternância linguística que estejam vivenciando como alunos.

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Ao chamarmos atenção para o fato de que o uso da LM na sala de aula de LE se dá por razões de ordem pragmática e com efeitos benéficos, acreditamos estar contribuindo para o entendimento de que, assim como tem sido demonstrado em estudos recentes, a alternância linguística não é necessariamente sinônimo de baixa competência na LE.

Línguas e culturas em contato na interação ETA e professores em formação Ao considerarmos nossos interesses de pesquisa, é importante salientarmos a contribuição que a presença das English Teaching Assistants têm dado às reflexões do Grupo de Pesquisa Línguas em Contato da UFPel. De forma a não interferir no processo de adaptação das ETAs aos alunos e às atividades que desempenham, não realizamos observações estruturadas e tão pouco coleta e análise formal de dados. No entanto, é especialmente através dos depoimentos das ETAs e de seus blogs e relatórios que nos foi possível abrir uma pequena janela para a reflexão acerca da comunicação intercultural, um elemento de grande importância na formação dos nossos alunos, muitos dos quais já atuam como instrutores em cursos livres do município de Pelotas-RS. Uma vez que os alunos passariam a contar com o auxílio das ETAs para o desenvolvimento de suas habilidades linguísticas e conhecimento cultural, naturalmente criaram a expectativa de exposição máxima e, até mesmo, exclusiva à língua inglesa. No entanto, foram surpreendidos de forma bastante positiva pelo desejo e capacidade que as cidadãs americanas que vieram ao Brasil para promover sua língua e cultura tinham de usar a língua portuguesa como uma ferramenta benéfica na construção conjunta do conhecimento mútuo em língua e cultura. Os fatores que em muito contribuem para a reflexão acerca da comunicação intercultural entre as ETAs e os seus alunos brasileiros são os seguintes: (i) a instrução recebida pelas ETAs foi a de que fizessem máximo uso da língua inglesa com os alunos, até para que eles pudessem fazer mais uso de estratégias compensatórias das suas limitações linguísticas na comunicação em LE, sem fazerem da alternância para o português sua única estratégia; (ii) a formação das ETAs como bacharéis, a primeira em Espanhol e Antropologia e a segunda em Italiano e Português, a primeira também mestre nas áreas de graduação, sem formação para o ensino do inglês, sua LM, como LE.

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Esses fatores aparentemente contribuem para o não espaço à LM do aluno. No entanto, foi relatada a prática da alternância linguística pela ETA e pelos alunos, apoiada em motivos variados como de ordem afetiva (alunos muito nervosos se sentiam mais à vontade esclarecendo dúvidas em português; ETAs preferindo conversar um pouco em português antes de iniciar o trabalho para criar um clima menos formal e intimidador para os alunos); de ordem didática (alunos fazendo perguntas sobre o conteúdo em português para se certificarem de que haviam entendido), e de ordem cultural (o ganho linguístico e cultural se beneficiava da alternância de códigos e da comparação entre o que/como acontece nos EUA e o que/como acontece no Brasil, observado nas atividades do Ciclo de Palestras sobre aspectos da cultura americana, que abre espaço para a participação dos ouvintes). Certamente houve momentos em que a opção pelo uso da língua portuguesa por parte dos alunos brasileiros se dava em função de limitações linguísticas, mas não se pode apenas enxergar a comunicação bilíngue sob esse aspecto. A alternância de códigos se dá também por razões de ordem pragmática e com efeitos benéficos para os interlocutores, tanto em situações naturais como nas artificiais de sala de aula. Considerando o uso da primeira língua no ensino da segunda língua e sempre enfatizando que a exposição máxima de aprendizes à língua alvo é incontestavelmente benéfica, Cook (2001) refere-se ao code-switching como uma característica normal de uso entre participantes que compartilham duas línguas, não havendo razão para que os alunos não devam alternar códigos. Como fenômeno natural entre falantes bilíngues que se reconhecem como detentores do mesmo par de línguas, a alternância linguística não é um fenômeno casual ou fortuito, o que significa que o falante passa de um idioma para outro obedecendo a regras estritas e segundo restrições contextuais rígidas (MYERS-SCOTTON, 1993). Com base em Grosjean (1982), Mozzillo de Moura (1997) classifica o codeswitching

como

resultado

de

diferentes

tipos

de

motivação:

linguísticas,

sociolinguísticas, estilísticas, cognitivas, emocionais, ambientais, de disponibilidade na memória, de solidariedade com o interlocutor, de demonstração de poder, de lealdade a uma cultura, de manutenção de código, de mudança de tópico, de realização de digressões, de comicidade e de preferência pessoal por um dos idiomas. É muito importante para a pesquisa em bilinguismo o registro de exemplos desses tipos de motivações subjacentes à alternância linguística inglês/português nas

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interações com as ETAs e um dos objetivos dos pesquisadores para os próximos dois anos.

Considerações Finais Acreditamos que este texto possa contribuir para a consciência de que os processos de formação e de atualização dos professores de línguas estrangeiras no Brasil têm muito a se beneficiar de olhares informados a respeito de questões pertinentes à prática pedagógica. Ao elegermos o tema uso de LM no ensino de LE e aproximá-lo dos estudos em bilinguismo, esperamos ter demonstrado ao longo do texto que, se de fato queremos ensinar inglês com base em princípios comunicativos e com ênfase na construção de sentidos, não podemos desconsiderar um fenômeno natural, chamado pejorativamente de “mistura de línguas”. Na conversação bilíngue é normal alternar línguas, em interlocuções com nativos ou não, dentro ou fora da sala de aula.

Referências Bibliográficas ATKINSON, D. The mother tongue in the classroom: a neglected resource? ELT Journal, Oxford University Press, vol. 41/4, 1987. BROWN, H. D. Principles of language learning and teaching. New Jersey: Prentice Hall Regents, 1994. BUTZKAMM, W. We only learn language once. The role of the mother tongue in FL classrooms: death of a dogma. Language Learning Journal, n. 28, p. 29-39, Winter 2003. COOK, V. Using the First Language in the Classroom. Canadian Modern Language Review, v. 57, n. 3, March 2001. FINOCCHIARO, M.; BRUMFIT, C. The last century in language learning and teaching: a brief overview. In: ______. The functional-notional approach: from theory to practice. Oxford University Press, 1983. GROSJEAN, F. Life with two languages. An Introduction to Bilingualism. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1982.

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KUMARAVADIVELU, B. Toward a postmethod pedagogy. TESOL Quarterly, vol. 35, n. 4, p. 537-560, Winter, 2001. KURTZ-DOS-SANTOS, S. C. Articulando Linguística e Linguística Aplicada: Semântica Argumentativa e Ensino de Inglês. Porto Alegre-RS: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, 2003 (Tese de Doutorado). MOZZILLO, I. La interlengua: producto del contacto lingüístico en clase de lengua extranjera. Pelotas: Ed. da UFPel. Caderno de Letras. n. 11, 2005. MOZZILLO DE MOURA, I. Traição lingüística e lealdade cultural. A alternância de código no discurso bilíngue. 177 f. Dissertação (Mestrado em Letras) Escola de Educação. Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1997. MYERS-SCOTTON, C. Social motivations for code-switching. Evidence from Africa. Oxford: Clarendon Press, 1993. PRABHU, N. S. There Is No Best Method-Why? TESOL Quarterly, Vol. 24, No. 2. p. 161-176, Summer, 1990. PRODROMOU, L. The role of the mother tongue in the classroom. IATEFL ISSUES, p. 6-8. April-May, 2002. ROSSNER, R.; BOLITHO, R. (eds). Currents of Change in English Language Teaching. Oxford University Press, 1990. SWAN, M. A critical look at the Communicative Approach (2). ELT Journal 39/2, p. 76-87, 1985. TANG, J. Using L1 in the English Classroom. English Teacher Forum, 40, 2002.

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