O FESTIVAL DE ALMADA – DO DESENVOLVIMENTO LOCAL À AFIRMAÇÃO INTERNACIONAL

May 20, 2017 | Autor: Rita Henriques | Categoria: Cultural Studies, Public Sphere, Festivals
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O FESTIVAL DE ALMADA – DO DESENVOLVIMENTO LOCAL À AFIRMAÇÃO INTERNACIONAL

Rita Isabel dos Santos Henriques (Mestre em Práticas Culturais para Municípios pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa)

Resumo O presente artigo parte do trabalho de projecto “O Festival Internacional de Teatro de Almada. Um Estudo de Caso”, realizado no âmbito do mestrado em Práticas Culturais para Municípios, e apresenta uma análise da evolução espacial e temporal do Festival de Teatro de Almada, delineando as linhas gerais da sua programação. Procurase perceber de que forma este Festival se ligou à cidade de Almada, contribuindo para a sua evolução ao nível do aumento de equipamentos culturais, recuperação e revitalização urbana e reestruturação da esfera pública. A par destes assuntos, dá-se igualmente conta da expansão geográfica do Festival de Almada para cidades como Lisboa e Porto e afirmação do seu carácter internacional, tentando-se perceber o que esteve nas bases das mesmas e de que forma o Festival equilibrou esta necessidade de crescimento com a manutenção do vínculo com a cidade de Almada.

Palavras-Chave: Festival Internacional de Teatro de Almada; Esfera Pública; Cidade; Práticas Culturais; Festivais.

1. Introdução

As manifestações culturais, particularmente as de maior vulto, têm sido vistas como catalisadoras

do

desenvolvimento

local

em

três

sentidos

diferentes,

mas

complementares: no sentido da manutenção da coesão do tecido social, no sentido do estabelecimento de relações que irão, eventualmente, levar ao desenvolvimento e crescimento económico e, por fim, no sentido da melhoria de determinada cidade. O

Festival,

enquanto

prática

de

cultura

particularmente

visível

e

construída,

simultaneamente, segundo uma estratégia de desenvolvimento local e de expansão e diálogo, constitui-se como um momento em que tensões políticas, económicas, ideológicas e sociais se intensificam, decorrendo daqui o seu interesse enquanto objecto de estudo. Neste contexto, o Festival Internacional de Teatro de Almada (FITA), com mais de três décadas de existência, torna-se um caso de enorme interesse, uma vez que, quer pela sua longevidade, quer pelos efeitos positivos que trouxe à cidade de Almada, ilustra bem o modo como uma prática cultural de base local e municipal se consegue afirmar nacional e internacionalmente, sem por isso perder o foco e a ligação à sua comunidade. De modo a perceber a forma como se constrói este equilíbrio, foi feito um levantamento e análise exaustivos da programação do Festival, complementados com uma consulta dos dossiers de imprensa, desde 1984 até 2014. Como resultado, foi elaborado um conjunto de gráficos que permitem traçar os moldes do crescimento do Festival de Almada, desde uma pequena mostra de teatro amadora, passando pelo contágio das salas de Lisboa e do Porto, até ganhar o estatuto, que hoje detém, de festival internacional, colocado ao lado dos mais prestigiados do circuito europeu.

2. A Cidade Pós-Moderna e o Lugar da Cultura

A passagem de um paradigma industrial para uma economia assente no sector terciário levou a uma recomposição na textura sócio-espacial das cidades. A intensificação da suburbanização da indústria e recentralização dos serviços traz à cidade uma nova classe de trabalhadores: a classe criativa (Pratt 2008), naquele que é conhecido como processo de gentrificação. Esta nova classe é constituída por trabalhadores jovens, mais qualificados, com maior disponibilidade para usufruir das práticas culturais, em especial as que valorizam o eclectismo e a participação. Por sua vez, a cidade passa a movimentar uma massa muito heterogénea de indivíduos, tornando-se um ponto de encontro entre culturas e pertenças muito diversas. A cidade pós-moderna é, pois, uma cidade fragmentada (Salgueiro 1999), onde o “próximo” deixa de ser necessariamente o “mesmo” e em que o uso do espaço é cada vez mais pontual e transitório. Há uma certa desvinculação do território e um afastamento de pessoas e grupos de bases sociais concretas, pondo em risco a vitalidade do espaço público (Lopes 2000), podendo falar-se quase numa crise identitária criada pela experiência contemporânea de fragmentação e polivalência. Coloca-se ainda em causa a

legibilidade da cidade, ou seja, a capacidade que determinada cidade tem de produzir uma imagem clara, que terá uma importância decisiva nos laços pessoais, solidificando vivências e práticas. Neste sentido, ganham especial importância, tanto a nível social como económico, as práticas culturais que, nos últimos anos, têm vindo a adquirir uma maior centralidade nas políticas e esquemas de renovação urbana (Costa 2000), não só ao nível de infraestruturas e equipamentos, mas também da revitalização do espaço público urbano. As práticas culturais, em particular as de maior vulto, são vistas como catalisadoras dos processos de regeneração das cidades e de construção de uma imagem favorável, aliciante e persuasiva do território, uma vez que são capazes de fundir estratégias de turismo e de planeamento urbano, fomentando simultaneamente a confiança e coesão das comunidades locais (García 2004).

3. O Festival: Um Tempo e Um Espaço de Diálogo A evolução dos padrões de consumo cultural e o crescimento da “economia do simbólico” levaram a que as cidades deixassem de ser apenas locais de produção para serem também locais de consumo (Quinn 2005). Os festivais fazem, então, parte dos modos de consumo cultural através dos quais uma cidade se procura diferenciar num mercado global e cada vez mais competitivo. Inicialmente vinculado à prática religiosa, o significado do Festival evoluiu ao longo dos tempos, mantendo sempre o sentido de celebração colectiva num tempo extraordinário (Falassi 1987). Numa altura em que as práticas culturais são cada vez mais vistas em função do seu produto económico, o Festival começa também a ser visto como uma forma de atrair capital. Construídos numa óptica de interrelações e diálogo, vão contribuir para o desenvolvimento de relações que, eventualmente, levarão ao desenvolvimento económico local e regional. Paralelamente, o Festival ganha um significado político: o seu ritmo cíclico sugere coerência e legitima os poderes que o patrocinam. Por sua vez, ao transformar paisagens e lugares em ambientes temporários de celebração, o Festival torna-se um cenário de imagens positivas capazes de construir ou reabilitar a imagem de determinada cidade e contribui para a sua capacidade de atracção de capital (humano, económico e simbólico). Paralelamente, sendo um espaço onde a cultura é (re)produzida e consumida, implicando o processamento activo da mesma, o Festival torna-se uma forma de determinado grupo se manter culturalmente,

ao mesmo tempo que lhe oferece oportunidades de diálogo com o que lhe é exterior. Ao intensificar as relações sociais, o Festival cria um espaço crítico próprio que contribuirá para a revitalização do espaço urbano e para a reestruturação da esfera pública (Habermas 1991; Arendt 2001).

4. O Festival Internacional de Teatro de Almada

Ao longo de três décadas, o Festival Internacional de Teatro de Almada veio a afirmar-se como um dos maiores e mais importantes encontros das artes de palco no nosso país, sendo hoje considerado uma referência essencial do circuito dos grandes festivais de teatro da Europa, ao lado de Edimburgo e Avignon. Não obstante esta vocação internacional, o Festival de Almada assume, antes de mais, uma responsabilidade local. Esta prende-se sobretudo com a vontade, presente desde o seu início, em 1984, de descentralizar e democratizar o acesso à fruição cultural, procedendo paralelamente à revitalização do espaço público da cidade. Almada é um exemplo de uma cidade fragmentada, querendo isto dizer que se trata de uma cidade que concentra em si indivíduos de pertenças sociais muito distintas e que, portanto, se apropriam do espaço público de formas igualmente diversas. Ao mesmo tempo, esta é uma cidade situada a poucos quilómetros da capital cultural que é Lisboa, tornando-se difícil perceber, à primeira vista, como poderá ser conseguido o objectivo de se afirmar como um pólo cultural independente. A aposta na cultura, não só ao nível de equipamentos, mas sobretudo ao nível da criação e incentivo de práticas culturais sólidas e continuadas, assume-se como um factor de regeneração urbana, económica e social, contribuindo para o aumento do valor simbólico da imagem da cidade e para a recuperação das sociabilidades na esfera pública. Neste sentido, o FITA pode ser visto como um contributo valioso para a melhoria da imagem de Almada e na sua afirmação perante Lisboa. Nascido como correlato da actividade anual da Companhia de Teatro de Almada, o Festival começou por ser um encontro de grupos amadores, maioritariamente oriundos do concelho. Os espectáculos eram montados ao ar-livre nas ruas de Almada Velha, como o Beco dos Tanoeiros ou o Pátio do Prior do Crato, indo de encontro à vontade de revitalizar esta zona esquecida e desconhecida da cidade. O mote desta “Festa do Teatro” era na altura, e continua a ser, o da descentralização e democratização cultural. O objectivo era chegar ao “nãopúblico”, ou seja, a todos aqueles que não têm hábitos culturais enraizados ou que se

interessam pela cultura mas que a ela não têm acesso. Durante estes primeiros anos, entre 1984 e 1986, o Festival viveu uma fase de implementação e enraizamento. Conservando um carácter de improviso e informalidade, o Festival contava, nesta altura, com a solidariedade da comunidade de Almada, que se voluntariava para ajudar a montar os palcos, chegando mesmo a acolher os participantes em suas casas. Esta base sólida de voluntariado foi chave para o sucesso do Festival, tornando visível um forte espírito comunitário e reforçando a ideia de que este é, com efeito, um festival da cidade. Embora contando sobretudo com grupos amadores da região, os espectáculos pautavam-se já por uma elevada exigência no nível da qualidade. É ainda de referir que, logo na segunda e terceira edições, o Festival de Almada começa a abrir-se à participação de companhias vindas de lugares mais afastados, como Évora e Lisboa, em 1985, e Porto e Faro, em 1986. A participação de companhias da capital como A Barraca e o Teatro Nacional Dona Maria II demonstra o interesse e o reconhecimento que começava a ser atribuído ao Festival de Almada. A partir do ano de 1987, o FITA experienciou uma fase de definição e internacionalização, que se estendeu até 1996. A programação começa a internacionalizar-se logo em 1987, ano em que o Festival trouxe aos palcos de Almada cinco companhias estrangeiras, entre as quais o Teatro del Norte e o Teatro Margen (Espanha), o Arte Livre (Brasil), Le Globe (França) e o Teatro Maya (Polónia). Denotase uma certa inclinação para o teatro experimental ou para linguagens mais ousadas, ficando claro que, embora preocupado em levar o teatro ao não-público, o Festival de Almada não aborda esta questão com paternalismo, mas antes com respeito. Esta fase é ainda a da afirmação da fórmula do FITA no panorama dos festivais nacionais, tornando marcas suas a homenagem todos os anos prestada a uma figura representativa do teatro, a reposição do chamado Espectáculo de Honra, escolhido todos os anos pelo público, a animação e revitalização do espaço público e, por fim, a realização de colóquios, encontros, workshops, entre outras actividades paralelas. A aposta em intervenções de carácter formativo e em linguagens teatrais mais experimentais são a tradução de uma vontade de responder aos gostos moventes dos públicos e à cada vez maior afluência de público jovem. Embora um tanto variável, o número de sessões de espectáculos manteve uma tendência ascendente, com picos em 1988 e 1994, anos em que se registaram aumentos de 30% e 92%, respectivamente, em relação aos anos anteriores. Foi ainda durante esta fase que ficou clara a importância do Festival como um dos catalisadores da

regeneração urbana de Almada. 1992 foi o ano da recuperação de 14 quarteirões na zona de Almada Velha, estando englobado nestas obras o restauro do Palácio da Cerca, um dos palcos habituais do Festival. Estas obras obrigaram a uma restruturação da distribuição dos espectáculos, sendo que, pela primeira vez, o Festival pôde contar com a disponibilidade da Escola D. António da Costa, onde foi montado um palco para a ocasião, que viria a tornar-se indispensável para as restantes edições do Festival de Almada. Durante esta fase, o FITA afirma-se como algo mais do que uma mostra de teatro. Ao trazer companhias das mais diversas zonas do globo, ao colocar lado a lado companhias consagradas e emergentes, e linguagens clássicas e contemporâneas, ao promover o diálogo e o debate, pretende ser um espaço de reflexão. Com propostas heterogéneas e uma cada vez maior afluência de público (sobretudo jovem), o Festival começa a ser visto pela imprensa portuguesa e estrangeira como um dos grandes festivais de teatro da Europa. O FITA continuou a crescer e expandir-se no período seguinte, que se estende desde o ano de 1997 ao de 2005. Aquele foi o ano em que o Festival se alargou aos palcos de Lisboa, numa colaboração com a Inatel e o Teatro da Trindade. Na origem desta parceria estaria a necessidade de divisão de custos de produção. Por outro lado, ela surge também da necessidade de suprir a falta de um equipamento cultural que, à altura, não existia em Almada. Com uma maior margem de manobra ao nível do financiamento (o Ministério da Cultura passa a financiar o Festival através do Instituto Português das Artes e do Espectáculo), o Festival de Almada consegue aumentar o número de espectáculos apresentados, assim como o número de assinaturas vendidas. Este aumento na afluência de público acabou por acarretar problemas, como a sobrelotação de certos espectáculos, que levou a Câmara Municipal de Almada a comprometer-se com a construção de um novo teatro. Entretanto, as parcerias com Lisboa alargam-se e o Festival consegue associar-se a instituições como o Centro Cultural de Belém, a Culturgest, o Teatro Municipal São Luiz, o Teatro do Bairro Alto, conseguindo ainda associar-se à Cena Lusófona e aos festivais de Teatro de Barcelona e Avignon. Torna-se evidente que as peças de maior nomeada são tendencialmente apresentadas em palcos da capital, o que evidencia mais uma vez a necessidade de um novo espaço em Almada capaz de albergar espectáculos de montagens mais exigentes. A título de exemplo, o Festival de Almada trouxe, durante este período, nomes como Peter Brook (1998) ou a Schaubühne (2002), cujas peças tiveram lugar em palcos lisboetas. No entanto, apesar

do reconhecimento da necessidade de um espaço com melhores condições em Almada, abdicar de palcos tradicionais e, de certa forma, artesanais, como o Palco Grande da Escola, nunca foi uma questão a equacionar, uma vez que este funciona como um espaço aglutinador do Festival. É ainda importante referir que, em 2000 e 2001, a programação do FITA estendeuse a outros concelhos da Margem Sul (Barreiro e Sesimbra) e às periferias de Lisboa (Cascais). Estas parcerias não foram, contudo, continuadas por razões que parecem prender-se com questões de competitividade entre cidades. Num momento em que as cidades competem cada vez mais entre si por fundos e pelo poder de atracção de capital, os concelhos em questão poderiam ver-se absorvidos por uma “marca” que não é a sua. Já as parcerias com Lisboa mantiveram-se, aumentando, aliás, uma vez que esta cidade, pela sua dimensão e pela presença e peso dos seus equipamentos culturais, não se vê ameaçada por esta questão, vendo no Festival uma forma de se inserir num circuito artístico internacional. Inaugurado em 2005, o novo Teatro Municipal de Almada, hoje Teatro Municipal Joaquim Benite, dota a cidade de uma das melhores salas do país, marcando o início de um novo ciclo para o FITA, caracterizado pela sua institucionalização e reconhecimento. No entanto, as parcerias com Lisboa continuam e alargam-se, sendo sobretudo justificadas na base da divisão de custos de produção. Para além das parcerias com Lisboa, é de referir que o Festival de Almada começa ainda a colaborar com o Porto, levando espectáculos ao Teatro Nacional São João durante os anos de 2010 e 2011. Embora esta parceria tenha sido descontinuada, por questões de financiamento, ela denota bem a importância que este Festival começa a ganhar a nível nacional, afirmando-se perante as duas maiores cidades do país. Todavia, já em 2012, o Festival de Almada insere-se na rede Acto5. Esta, estabelecida entre 2009 e 2013, ligava as programações da Companhia de Teatro de Almada, do Cine-Teatro Constantino Nery (Matosinhos), do Teatro Aveirense e do Theatro Circo de Braga, facilitando a circulação de espectáculos e a repartição de recursos. Esta foi a fase em que se registou um maior número de sessões de espectáculos, sendo de assinalar os anos de 2010 e 2011, em que aquele subiu drasticamente, fixando-se nas 87 e 77, respectivamente. É de assinalar que, durante esta fase, existe uma tendência para uma cada vez maior concentração do número de sessões em Lisboa. Paralelamente, a utilização dos espaços de acolhimento em Almada tende para uma maior concentração, quase exclusiva à Escola D. António da Costa, ao Fórum Romeu Correia e ao Teatro Municipal Joaquim Benite, ao passo

que em Lisboa tende-se para uma cada vez maior pulverização dos equipamentos. É notório o caso de 2012:

Número de Sessões por Espaço de Acolhimento em 2012. Dados recolhidos e tratados por Rita Henriques (2015)

Este foi, de facto, um ano de grandes dificuldades orçamentais que levaram a uma descida abrupta no número de sessões (neste caso, desceram 39% em relação ao ano anterior) e a uma consequente descida na afluência de público. Face a este cenário, que levou a que mais de um quarto dos espectáculos se concentrasse em Lisboa, assim como às parcerias com o Teatro Nacional São João e os teatros da rede Acto5, questiona-se se o Festival de Almada não correria o risco de descaracterização. Esta questão é relativizada pela direcção do Festival, que assegura ser sua preocupação manter o maior número de produções em Almada, sendo que a concentração do maior número de sessões em Lisboa prende-se com o facto de algumas companhias da capital escolherem as datas do Festival para fazerem as carreiras dos seus espectáculos. Esta opção alivia o encargo financeiro do Festival e assegura um maior número de público nas salas.

Paralelamente, este risco de descaracterização é contrariado pela manutenção do vínculo com Almada, que reside sobretudo nas experiências que o Festival oferece ao seu público: os concertos, as exposições, os colóquios, enfim, todo o conjunto de actividades paralelas que o Festival promove para atrair e fidelizar a população de Almada. Certas “imagens de marca” do Festival, como o restaurante comum montado na Escola D. António da Costa, onde se cruzam artistas e público, também contribui para esta relação de proximidade, informalidade e fidelidade para com o público que continua a legitimar a orientação deste Festival para com a sua comunidade.

Número de Sessões por Espaço de Acolhimento em 2014. Dados recolhidos e tratados por Rita Henriques (2015)

Tanto assim é que já em 2013, esta tendência começa a ser contrariada. Nesse ano, o número de sessões em Lisboa desceu em percentagem e, no ano de 2014, Almada recupera quase três quartos das sessões. Para além das razões já referidas, é possível que este movimento de recuperação de Almada se prenda em muito com perdas de financiamento das próprias instituições culturais que co-produziam com Almada.

5. Considerações Finais

Pode afirmar-se que, embora o Festival seja um espaço e um tempo dinâmicos, o FITA manteve-se fiel a uma linha de pensamento que orienta a programação, conservando traços originais que se mantiveram ao longo de três décadas. São traços como a vontade de descentralizar a participação e fruição cultural, visível na captação e formação de públicos, na colaboração com escolas e grupos de teatro amadores; são traços como a vontade de ocupar e revitalizar o espaço público; são traços como a fidelidade e respeito para com o público, a informalidade, a suscitação do diálogo, a diversidade de linguagens artísticas. Embora o Festival de Almada tenha crescido segundo um dinamismo próprio, estes ideais mantêm-se e são eles que orientam a programação desde 1984. É ainda de referir que, para além de objectivos estéticos e artísticos propriamente ditos, o Festival de Almada demonstra uma série de preocupações, entre as quais está uma preocupação social, que se prende sobretudo com a já referida vontade de levar o teatro aos não-públicos; uma preocupação urbanística, que diz respeito à revitalização do espaço de Almada e que levou à recuperação do Palácio da Cerca e ao ajardinamento de alguns espaços, culminando na dotação de Almada com uma das melhores salas de espectáculos do país. Outra preocupação demonstrada pelo Festival de Almada prendese com a revitalização da esfera pública. Ao promover uma atmosfera de encontro e diálogo, o Festival cria um espaço crítico próprio, recuperando as sociabilidades na esfera pública. Por fim, o Festival demonstra ainda uma preocupação com a legibilidade da cidade de Almada. Todos os pontos anteriores culminam na melhoria da imagem de Almada, ajudando à sua afirmação como pólo cultural independente, no contexto da Grande Lisboa e também internacional, aumentando a sua competitividade. Estes foram objectivos que guiaram o Festival de Almada desde a sua primeira edição, em 1984, continuando hoje a guiá-lo por uma estética da diversidade, pela subordinação da quantidade pela qualidade, pela vontade de ser palco de um “teatro de elite para todos”.

6. Bibliografia Arendt, H. 2001. A Condição Humana. Lisboa: Relógio D’Água Editores. Falassi, A. 1987. Time out of Time. Essays on the Festival. Albuquerque: University of Mexico Press. Fléchet, A., dir. 2013. Une histoire des festivals. XXe-XXIe siècle. Paris: Publicacions de la Sorbonne. Habermas, J. 1991. The structural transformation of the Public Sphere. Massachusetts: MIT Press. García, B. 2004. “Urban Regeneration, Arts Programming and Major Events”. International Journal of Cultural Policy 10:103-118. Giori, L.; Sassatelli, M.; Delanty, G. 2011. Festivals and the Cultural Public Sphere. Londres: Routledge. Gomes, R. T., Lourenço V., Neves J. 2000. Públicos do Festival de Almada. Lisboa: Observatório das Actividades Culturais. Landry, C., Greene, L., Matarasso, F., Bianchini, F. 1996. The Art of Regeneration. Urban Renewal through Cultural Activity. Londres: Da Costa Print. Lopes, J. T. 2000. A Cidade e a Cultura. Um estudo sobre práticas culturais urbanas. Porto: Edições Afrontamento. Pratt, A. C. 2008. “Creative Cities: the cultural industries and the creative class”. Geografiska Annaler: Series B – Human Geography 90: 107-117. doi: 10.1111/j.1468-0467.2008.00281.x Quinn, B. 2005. “Arts Festivals and the City”. Urban Studies 42: 1-17. Salgueiro, T. B. (1999). “Cidade Pós-Moderna. Espaço Fragmentado”. III Congresso da Geografia Portuguesa 3: 39-53 Serôdio, M. H. 2013. Joaquim Benite desafiou Próspero… e inscreveu no mundo o seu teatro. Almada: Companhia de Teatro de Almada.

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