O Fluxo Comunicacional e a Crise Escolar (resenha)

July 3, 2017 | Autor: Richard Romancini | Categoria: Teaching and Learning, Social Media, Education and communication
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Richard Romancini Jornalista, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo Professor adjunto da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Email: [email protected]. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq. br/8558430008210817

RESENHA O fluxo comunicacional e a crise escolar

C&S – São Bernardo do Campo, v. 35, n. 2, p. 399-406, jan./jun. 2014 DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2175-7755/cs.v35n2p399-406

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Submissão: 18/05/2013 Decisão editorial: 23/03/2014

SIBILIA, Paula. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. 222 p. ISBN: 978-85-7866-069-7 Algo que chama a atenção no livro da pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense Paula Sibilia, Redes ou paredes, é a adequação entre forma e conteúdo. Ao optar pelo formato do ensaio na discussão dos modos como a escola tem sofrido abalos nos dias de hoje, a autora desenvolve um discurso ensaístico exemplar. Como notara Max Bense: “Escreve ensaisticamente quem compõe experimentando; quem vira e revira o seu objeto, quem o questiona e o apalpa, quem o prova e o submete à reflexão; quem o ataca de diversos lados e reúne no olhar de seu espírito aquilo que vê” (apud ADORNO, 2003, p. 35-36). Esse raciocínio multifacetado enfoca uma indagação geral bastante complexa – “será que a escola se tornou obsoleta?” (p. 9) –, entretanto, a argumentação do trabalho prima pela clareza. É possível discordar das avaliações ou ênfases do diagnóstico de Sibilia, mas é necessário reconhecer que existe um ponto de vista que organiza o discurso, o que lhe dá coerência. Essa estrutura, ainda que tenha por C&S – São Bernardo do Campo, v. 35, n. 2, p. 399-406, jan./jun. 2014 DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2175-7755/cs.v35n2p399-406

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vezes o tom tentativo do ensaio, é favorecida por uma perspectiva teórica esclarecedora. Com base nas discussões de conceitos e temáticas ligadas às subjetividades, aos corpos, às instituições e à educação, as contribuições de autores como Foucault e Deleuze, entre outros, combinam-se a um olhar para aspectos da realidade que reforçam a validade das interpretações. O que justifica o interesse do trabalho para os pesquisadores da área comunicacional é, principalmente, a premissa de que as tecnologias de comunicação se relacionam a transformações sociais que, de uma forma ou de outra, afetam a escola. As tecnologias são “mais fruto dessas mudanças que uma de suas causas – embora uma vez inventadas e adotadas, não parem de reforçá-las” (p. 176). Nesse sentido, elas têm alcançado forte adesão das crianças e dos jovens por estarem relacionadas com os modos de vida das novas gerações. Ao contrário, a escola parece uma tecnologia, isto é, “uma ferramenta ou um intrincado artefato destinado a produzir algo” (p. 13), em menor sintonia, se não incompatível, com as subjetividades atuais. O exame desse ponto é feito com base em uma descrição histórica da instituição escolar e seu contexto social. Nessa análise, evidencia-se que a escola “foi concebida com o objetivo de atender a um conjunto de demandas específicas do projeto histórico que a planejou e procurou pô-la em prática: a modernidade” (p. 16-17). A educação formal constituiu um dos instrumentos do Iluminismo, com suas preocupações de desenvolver uma sociedade racionalizante e secularizada, capaz de unificar culturalmente os indivíduos, sob a tutela de um Estado. Em seu processo

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de desenvolvimento, o Estado cresceu, a ponto de tornar-se uma espécie de megainstituição que dotava de sentido as demais (família, fábrica, escola, etc.) que organizam a vida moderna. Por isso, o enfraquecimento do Estado é, também, um ingrediente dos problemas da escola, já que as instituições referidas funcionavam a partir de engrenagens disciplinares articuladas, hoje sem a mesma eficácia. Desse modo, aflora uma sensibilidade menos afeita às práticas tradicionais da escola, como a aula expositiva, a leitura textual e a escrita como meio de argumentação, do que às atividades típicas dos chamados “nativos digitais”: ler imagens, jogar videogames, lidar de maneira rápida com informações abundantes. Essa subjetividade, conjugada a um ambiente no qual o consumo e a diversão tornaram-se as linguagens e expectativas gerais, enfraquece a instituição escolar. Agora, “a tríplice aliança entre meios de comunicação, tecnologia e consumo costuma competir com fortes chances [...] por conquistar a atenção e as graças do alunato do século XXI” (p. 66). Os usos dos aparelhos de informática ou telecomunicações constituem, assim, “estratégias que os sujeitos contemporâneos põem em jogo para se manter à altura das novas coações socioculturais, gerando maneiras inéditas de ser e estar no mundo” (p. 51). De modo que, se o modelo analógico da sociedade disciplinar foi a prisão – decalcada para outras instituições como a escola –, a instância que marca o mundo atual é o das redes de conexão global, intensamente utilizadas pelos jovens e “que já vêm se infiltrando nas paredes da escola sem necessidade de derrubá-las fisicamente” (p. 174). C&S – São Bernardo do Campo, v. 35, n. 2, p. 399-406, jan./jun. 2014 DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2175-7755/cs.v35n2p399-406

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A inserção de novas lógicas nas escolas, de modo a reinventá-las, para “dar densidade à experiência, despertando entusiasmo e vontade de aprender” (p. 210) seria, em vista disso, uma necessidade. Porém, a mudança não deveria se esgotar na adoção das novas tecnologias. Essa ação seria apenas um primeiro (e mais fácil) passo. Sobre essa dimensão do problema, o questionamento de fundo é “até que ponto a tecnologia se integrará a um projeto realmente inovador, capaz de concentrar de novo a atenção do conjunto de alunos na aprendizagem” (p. 184). Essa meta, para o qual o trabalho de Sibilia aponta, implica transformar as escolas, de modo a “redefini-las como espaços de encontro e diálogo, de produção de pensamento e decantação de experiências capazes de insuflar consistência nas vidas que as habitam” (p. 211). Os desafios são diversos, conforme discute a autora, particularmente no que diz respeito às diferentes lógicas do dispositivo pedagógico e das redes informáticas. Pares como confinamento/dispersão, conhecimento/transbordamento de informação, discussão/conexão exemplificam algumas das zonas de conflito. De qualquer modo, como o ambiente de hiperestimulação em que vivem os jovens é o contexto atual, e a escola não conseguirá mudar isso, parece sensata a reflexão sobre a mudança na dinâmica escolar. Além disso, é importante notar que as questões e impasses destacados no trabalho, no caso de países que não viveram de modo pleno sob um sistema educativo digno da qualificação “moderna”, como o Brasil, tornam as dificuldades mais acentuadas. As condições socioeconômicas possuem um papel im-

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portante na educação e, no panorama de um mundo em que a desigualdade se acentua ou ressurge, problemas tradicionais (formação e remuneração dos professores, estado das instalações escolares, etc.) somam-se aos contemporâneos. Desse modo, o jovem Souleymane, do filme Entre os muros da escola (2008), no coração de um sistema educativo (público) de qualidade, em sua condição familiar precária de inserção à sociedade francesa, é bem o exemplo dos tradicionais excluídos ou evadidos da educação formal. O dado interessante é que, num momento do filme em que excepcionalmente parece sentir-se bem na escola, ele trabalha com fotografias no computador, se expressa com a utilização das novas tecnologias, de um modo que não consegue fazer com palavras. Como tantos jovens, sobretudo dos países subdesenvolvidos, entra diretamente no mundo “pós-moderno” sem ter alcançado as potencialidades da modernidade que a escola buscava transmitir. No entanto, a complexa questão relacionada com a “falta de sentido” da escola – sentida por tantos estudantes, conforme destaca Sibilia – parece não ser algo muito diferente quanto a outras dimensões da vida de jovens como Souleymane. Assim, percebe-se o enorme dilema em que vivemos: as tentativas são tão necessárias quanto incertas, por motivos macroestruturais. A educação e sua instituição privilegiada, a escola, representam momentos de preparação para outras esferas de ação das pessoas. Elas só têm função plena na medida em que favorecem projetos individuais e coletivos, que se relacionam frequentemente com conquistas de médio e longo prazos. Como a época atual valoriza a dispersão, o tempo C&S – São Bernardo do Campo, v. 35, n. 2, p. 399-406, jan./jun. 2014 DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2175-7755/cs.v35n2p399-406

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presente, o consumo e os prazeres efêmeros, não é apenas a escola como instituição que é posta em xeque, mas a própria educação. A tendência – numa mirada pessimista, levando o argumento de Redes ou paredes ao extremo – é que tenhamos que indagar, em algum momento, se a própria ideia de educação não se tornou obsoleta.

Referências

ADORNO, T. W. Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003. ENTRE os Muros da Escola (Entre les Murs). Direção: Laurent Cantet. Produção: Simon Arnal, Caroline Benjo, Barbara Letellier e Carole Scotta. Intérpretes: François Bégaudeau, Agame Malembo-Emene, Angélica Sancio e outros. Roteiro: Laurent Cantet, Robin Campillo e François Bégaudeau. Paris, França: Haut et Court, 2008. 128 min., son., color.

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