O FMI e Ideologia de Mercado

July 25, 2017 | Autor: InÊs Garcia | Categoria: Capitalism, Neoliberalism, IMF, Portugal, Troika
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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS – UNIVERSIDADE DE LISBOA

O FMI e Ideologia de Mercado O sucesso do Capitalismo neoliberal Inês Garcia 27-11-2013

Resumo Com este texto pretende-se estudar as causas do sucesso do neocapitalismo, abordando-se a ação do FMI no mundo e o conteúdo dos seus programas de restruturação económica, juntamente com a devida contextualização teórica, procurar-se-á demonstrar que a ideologia de mercado não é hegemónica e que atualmente existem outros discursos alternativos à globalização neoliberal. Palavras-chave: neoliberalismo, ideologia de mercado, Fundo Monetário Internacional, Escola de Chicago de Economia, alter-globalização.

FMI e Ideologia de Mercado

ÍNDICE Introdução ..................................................................................................................................... 3 Nota Metodológica ........................................................................................................................ 4 1.

Contextualização Teórica ...................................................................................................... 4 1.1.

Liberalismo Clássico ..................................................................................................... 5

1.1.1. 1.2.

A Reforma do Liberalismo ............................................................................................ 6

1.2.1.

Escola de Chicago de Economia ........................................................................... 7

1.1.1.

Consenso de Washington ...................................................................................... 8

1.2. 2.

Ideologia de Mercado .................................................................................................... 9

O FMI .................................................................................................................................. 10 2.1.

A Criação do FMI ....................................................................................................... 11

2.2.

A reforma do sistema .................................................................................................. 12

2.2.1. 2.3.

3.

Teorias do Equilíbrio da Balança de Pagamentos ................................................. 6

Crise da década de 70 .......................................................................................... 12

A constituição do FMI................................................................................................. 13

2.3.1.

Estrutura Orgânica............................................................................................... 13

2.3.2.

O Sistema de Quotas ........................................................................................... 14

2.4.

Funcionamento do Fundo ............................................................................................ 16

2.5.

Resultados das ajudas do FMI ..................................................................................... 18

Alternativas à Globalização Capitalista .............................................................................. 18 3.1.

Fórum Social Mundial ................................................................................................. 18

3.2.

“Ajustamento Humano” .............................................................................................. 19

4.

Estudo de caso Portugal – ir para além da TROIKA .......................................................... 20

5.

Conclusão ............................................................................................................................ 24

Bibliografia ................................................................................................................................. 26

Ilustração 1 Funcionamento FMI ................................................................................................ 14 Ilustração 2 Taxa de desemprego em portugal ............................................................................ 22

Tabela 1 Comparação quotas e situação econoómica das 10 economias mais poderosas em 2011 ..................................................................................................................................................... 15

Inês Garcia

INTRODUÇÃO A supremacia do sistema neoliberal não é contestada ou falada no quotidiano da população em geral. Embora haja um debate sobre se este modelo é realmente o melhor para o desenvolvimento e libertação dos povos, esse é escondido e é lhe retirada a seriedade. Após a Guerra Fria deixou-se de pensar numa alternativa ao neoliberalismo, ou capitalismo. Estes tinham-se demonstrado como mais eficazes que o Socialismo ou Marxismo, e tomando várias variantes, o neoliberalismo foi-se adaptando às várias realidades, e foi instrumentalizando instituições como o FMI, o Banco Mundial e outras. Parece não existir uma alternativa viável ao neoliberalismo, uma alternativa que traga desenvolvimento, que traga liberdade aos povos, que permita que o individuo se desenvolva. Naturalmente ela existe, no entanto está escondida e oprimida pelas elites políticas e económicas, a quem as instituições e o neoliberalismo servem. Para compreender como o neoliberalismo se mantém praticamente incontestável nos dias de hoje temos que procurar, como nos chama à atenção Julie Mueller, saber quem está por detrás dos mecanismos que o defendem e impõem no mundo. Na primeira parte iremos fazer o enquadramento teórico e conceptual necessário à correta compreensão do restante trabalho, enquanto na segunda parte iremos analisar os métodos de funcionamento e financiamento do FMI e tomar também atenção àqueles que o integram e dirigem, às políticas adotadas e aconselhadas e ainda aos resultados obtidos pelos países intervencionados por esta instituição. Iremos procurar demonstrar que há uma tendência para a reificação desta doutrina na sociedade através da academia e da educação. Ou seja, a educação dos dirigentes políticos e económicos de estados que não são ocidentais é muitas vezes concluída em instituições académicas ocidentais, nomeadamente dos EUA e Reino Unido, e quando isto não acontece, o modelo educacional é copiado, levando o neoliberalismo quase como modelo económico único no mundo. Na terceira parte iremos analisar de que forma tem reagido a sociedade civil internacional em relação às políticas desenvolvidas pelo FMI e quais as formas alternativas de desenvolvimento que têm sido desenvolvidas aplicadas em todo o mundo. Para tal iremos procurar analisar a atividade do Fórum Social Internacional e analisar de que forma. Na quarta parte é feito um estudo de caso, sobre Portugal e as políticas propostas pelo FMI, tendo em atenção os seus resultados sobre a sociedade. Por último faremos a análise dos resultados procurando chegar a respostas às perguntas propostas inicialmente.

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NOTA METODOLÓGICA Considerando que a metodologia é um passo muitíssimo importante para a cientificidade de um trabalho será adiante referidos quais os métodos que permitiram responder às perguntas propostas. Para a realização deste trabalho a metodologia utilizada baseou-se na análise de fontes bibliográficas, como artigos científicos e monografias dedicadas ao estudo das ciências económicas, às ciências sociais e políticas. Para compreender melhor o funcionamento e organização institucional do Fundo Monetário Internacional recorreu-se à análise do seu site oficial. Para a realização do estudo de caso recorreu-se à análise de documentação indireta, como artigos de jornais e de opinião. Recorreu-se ainda à realização de pequenas entrevistas informais a alunos da licenciatura de economia e a professores que permitiram deter algumas direções e opiniões diversificadas sobre o tema.

1. CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA A ideologia procura justificar os interesses de grupos humanos, assumindo uma forma sistemática ou lógica (Moreira, 2012). São o conjunto de conceitos existenciais que orientam a luta pela captura, manutenção e exercício do poder político. No fundo será uma ideia, uma teoria, que no seu processo de aplicação é interpretada, degradada e deformada, de acordo com as circunstâncias da realidade política. Grupos de interesse, segundo Adriano Moreira (2012), são algo semelhante a “uma vizinhança ocasional” que tem apenas o interesse de defender os interesses protegidos, ou não, pela lei. Se não estiverem protegidos pela lei será necessário que o grupo de interesse intervenha no processo político. Assim, um grupo de interesse, ao intervir no processo político, o grupo de interesses passa a ser um grupos de pressão. Definidos como organizações ou instituições que procuram difundir conhecimentos para influenciar transformações públicas, económicas ou científicas, é óbvio, o longo das leituras feitas, a pressão feita pelos académicos norteamericanos junto da políticas desenvolvidas no seio do FMI, nomeadamente a Escola de Chicago de Economia. Na forma de atuação dos grupos de pressão interessa saber que estes atuam reciprocamente tanto em oposição como em cooperação com o Poder. Os processos utilizados para alterar a forma como as decisões políticas são feitas são: a ação do poder financeiro, para corrupção ou persuasão; a ação de informação e mobilização da opinião daqueles ligados ao grupo ou dentro dele. Os grupos de pressão procuram alterar a opinião pública, dentro dos parlamentos, chegando assim ao aparelho administrativo (Moreira, 2012).

Inês Garcia O Libertalismo é uma ideologia que coloca o indivíduo e a liberdade individual acima de tudo, em especial acima do Estado, sendo o individuo mais importante que a coletividade, que a sua própria comunidade. Apoiando a Sociedade Civil, como a expressão da vontade privada, considera que esta é mais eficaz que o Estado. A Liberdade de mercado é fortemente protegida, como a forma voluntária entre as pessoas, não devendo o Estado ditar o que produzir, construir ou não e que os desequilíbrios serão naturalmente e espontaneamente resolvidos, defendendo ainda que a liberdade de mercado levará à redução da pobreza (Ashford, 2011).

1.1. LIBERALISMO CLÁSSICO Os economistas clássicos preocupam-se com o comércio internacional, assim como com o bemestar dos indivíduos, que têm uma grande importância dentro deste pensamento, juntamento com a grande relevância dada à gestão dos recursos da nação, vendo-se as exportações como forma de adquirir produtos importados. O liberalismo clássico surge em oposição ao mercantilismo. Adam Smith surge como o pai do liberalismo clássico com a sua obra bastante conhecida “A Riqueza das Nações”, publicada em 1776. Do seu trabalho sobressai a sua atenção à liberdade do comércio, a divisão do trabalho internacionalmente, a fixação dos preços de acordo com as leis da procura e da oferta sem quaisquer interferências dos governos, no sentido em que a livre concorrência, juntamento com o interesse individual, quando prosseguido, levaria à promoção do bem-geral. Adam Smith vai influenciar diversos pensadores ao longo dos séculos, tendo, ainda hoje, muitíssimos defensores. O liberalismo distingue-se pela importância que dá ao individualismo e ao papel do individuo na economia. É através da livre ação deste que, através das leis da procura e da oferta, ao procurar os bens que necessita ao preço mais reduzido possível se chega ao bem-estar geral. A eficiência das trocas é enfatizada, sendo que se considera que a divisão do trabalho internacional é a forma melhor forma de empregar os recursos. Adam Smith desenvolve a teoria da vantagem absoluta, que advoga que os países com vantagens absolutas em produção devem especializar-se na produção desse bem. David Ricardo reformula essa teoria, advogando a teoria das vantagens relativas, na qual os estados devem especializar-se na produção do bem em que têm vantagem relativa, neste sentido, mesmo que um Estado seja mais eficiente na produção de dois bens, será mais rentável especializar-se naquele em que há maior produção no mesmo espaço de tempo, deixando a produção do outro bem para outro Estado. Esses dois Estados ficariam a ganhar pela redução do preço de produção de ambos os bens, devido à especialização industrial.

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1.1.1. TEORIAS DO EQUILÍBRIO DA BALANÇA DE PAGAMENTOS É com os mercantilistas dos séculos XVI e XVII que surgem as origens das teorias clássicas e modernas do equilíbrio da balança. Estes advogavam uma balança de pagamentos excedentária, caracterizada pela entrada, importação, constante de metais preciosos. Este era um modelo que não resultava inteiramente uma vez que levava ao aumento dos preços internamente, levando a uma diminuição das exportações. É então, no século XVIII que David Hume surge com a primeira formulação da teoria do equilíbrio automático da balança de pagamentos, pela via dos preços (Medeiros, 2003), criticando os mercantilistas por se preocuparem demasiado com o stock monetário, deixando esquecida a influência da taxa de câmbio para o reequilíbrio da balança. É também durante este século que se determina a influência dos fluxos metais preciosos sobre os preços, nos rendimentos e consumo. Nos tempos mais modernos chega-se à conclusão que a Balança de Pagamentos de todos os estados deve estar em equilíbrio externo. A balança de pagamentos quantifica os pagamentos e recebimentos dos residentes de um país nas suas transações. Para estar em equilíbrio esses pagamentos e recebimentos devem ser iguais. Equilíbrio externo conduz ao estudo da balança corrente de um país, tendo como objetivo honrar os seus compromissos com o estrangeiro. O equilíbrio nas Relações Internacionais tem em consideração que a atividade económica é um sistema organizado, não isolado, em que os desequilíbrio parciais afetam um ou mais elementos constituintes do conjuntos da atividade económica. (Medeiros, 2003). Segundo Herbert Stein (2001) uma défice na balança de pagamentos pode ser resultado de uma taxa de inflação excessiva, baixa produtividade ou de uma taxa de poupança insuficiente, mas não necessariamente de uma má política económica.

1.2. A REFORMA DO LIBERALISMO O liberalismo teve que se adaptar às alterações da realidade conjuntural, surgindo o neoliberalismo, ou escola neoclássica de economia (Weintraub, 2001). Tal como no liberalismo clássico, considera-se que a economia tem o seu curso, natural e livre, determinado pelo preço, sendo que agora se considera que para que o preço sirva como mecanismo de regulação da economia devem haver as condições necessárias para o bom funcionamento do mercado. É aqui que entra o papel do Estado, que ao contrário do que se passa no liberalismo clássico, onde o Estado não deve intervir de todo na economia, se considera que este tem um papel regulador, supervisionando os excessos na livre concorrência, controlando monopólios, oligarquias,

Inês Garcia cartéis, entre outras formas de concorrência desleal, assim como o ajustamento de possíveis desequilíbrios sociais advindos do capitalismo, através de legislação. A grande diferença passa pela visão da economia através dos agentes económicos: famílias, empresas, Estado, que vão procurar otimizar, de acordo com o lei da marginalidade, que entende qua cada unidade acrescentada vale menos que a unidade anterior. Enquanto os indivíduos, inseridos nas famílias, procuram a utilidade, as empresas procuram o lucro. Os pressupostos do neoliberalismo têm em conta que essa procura pela utilidade e pelo lucro levarão a um ajuste de possíveis desequilíbrios entre as ordens de compra e as ordens de venda (Weintraub, 2001) Este pensamento económico advoga a focalização dos apoios à educação, saúde e outros bens essenciais, provenientes do Estado, para as empresas como a melhor forma de obter bons salários e mais emprego. Nessa medida, o Estado deve reduzir os custos nos serviços públicos, como privatizações ou através do controlo de gastos públicos, mas fazendo investimentos públicos, de forma a garantir o emprego e proteger os mais pobres (Lara, 2011). A liberalização do mercado de trabalho também é uma das bandeiras assinaladas por estas teorias, que consideram que políticas como a de levar a um maior nível de emprego. Weintraub (2001) refere que esta escola é de tal forma hegemónica que não é de todo seguro demonstrar opiniões contra ela. Refere ainda que esta é a vertente económica mais lecionada em todo o mundo e que considera que todas as outras escolas que se opõem (marxismo, economia austríaca, economia pós-keynesiana, entre outras) são desacreditadas e referidas como anticientíficas e mal fundamentadas.

1.2.1. ESCOLA DE CHICAGO DE ECONOMIA É a Escola de Chicago que mais influencia as políticas definidas pelo FMI. É assim determinada pela inovação feita pelos académicos do Departamento de Economia da Universidade de Chicago, tal como Hayek, Milton Friedman ou George Stigler. Vêm refutar veemente o Keynesianismo e todas as formas de intervenção do Estado na economia. Enfatizam a economia positiva, ou seja, o estudo empírico, baseado no uso de estatísticas, dando então maior relevância à análise de dados, que deu um grande impulso a esta escola pela publicação de resultados surpreendentes em revistas importantes da área. Para Hayek a saída da recessão dependia da diminuição da procura de bens de consumo, que levaria ao aumento da poupança para a retoma do investimento. Para Hayek a desigualdade faz parte da natureza humana e necessária ao correto funcionamento da economia. Milton Friedman considera, chegando a essa conclusão através de dados empíricos, que a Grande Depressão da 7

FMI e Ideologia de Mercado década de 1930 resultou do excesso de intervenção do Estado na economia, resultado dos erros de pequenos grupos de homens que dispõem de vastos poderes sobre o sistema monetário de um país. Firedman apoia a desregulação do mercado de trabalho, como forma de diminuir o desemprego, coincidindo com a redução do poder sindicalista e a proteção social. Em contexto de recessão era desejável a redução dos salários, algo que os sindicatos com poder não deixariam. É também contra o subsídio de desemprego na medida em que levaria a que os desempregados recusassem trabalhos com remunerações mais baixas. As teorias da Escola de Chicago surgem na década de 1970 com os Chicago Boys, antigos alunos de Friedman, tendo sido posteriormente adotadas na década de 1980 por Margaret Tatcher no Reino Unido e por Ronald Reagan nos Estados Unidos da América. A Escola de Chicago, uma instituição académica, que alterou verdadeiramente a realidade internacional e que desenvolveram políticas económicas intervencionistas, com o objetivo de estabilizar e criar desenvolvimento nos países subdesenvolvidos.

1.1.1. CONSENSO DE WASHINGTON Formulado em 1989, com o pensamento liderado por John Wiliamson, é com ele que o neoliberalismo ganha força. Este é um conjunto de 10 medidas, que têm o objetivo de ser recomendações políticas económicas. Baseava-se num conjunto de regras básicas com o objetivo de formular quais as melhores regras para garantir o desenvolvimento em países em atual ou possível desequilíbrio ou em falta para com os seus compromissos económicos internacionais. O pacote de medidas saídas deste consenso passaria a ser a política por excelência do FMI, durante a década de 1990. Essas regras passavam pelo reforço da estabilidade macroeconómica e a integração no contexto da economia internacional, uma visão neoliberal de globalização (World Health Organization, s.d.). Esse pacote de medidas era o seguinte: 

Disciplina fiscal para limitar dos défices orçamentais;



Repriorização dos gastos público, dando menos atenção a subsídios, por exemplo, e maior atenção ao investimento;



Reforma tributária - alargamento da base tributária (o que significa aumentar os impostos e cobrar impostos a quem antes não pagava);



Liberalização financeira – as taxas de juro não terão interferência do Estado e são determinadas pelas regras do mercado;



Liberalização do comércio

Inês Garcia 

Taxas de câmbio devem ser geridas para levar a uma rápido aumento do fluxo de exportações



Fomento do Investimento Direto Estrangeiro



Privatizações



Desregulamentação – fim de regulamentos que possam impedir a entrada de novas empresas, ou restringir a concorrência



Reforço dos direitos de propriedade intelectual

Hoje estas regras são fortemente contestadas, mas também já foi feita uma reformulação do Consenso de Washington, que se pode entender como uma atualização à conjuntura atual. Essa atualização acrescenta algumas novas regras às anteriores: governação cooperativa, anticorrupção; flexibilização dos mercados de trabalho; redes de segurança social; redução da pobreza (Center of International Development at Harvard University, 2003).

1.2. IDEOLOGIA DE MERCADO Desde sempre, o Homem procurou encontrar a melhor forma de governo, baseando-se em considerações éticas, religiosas, indicações ideológicas ou doutrinais. No entanto essas considerações para criar uma sociedade “perfeita” foram substituídas pelo pragmatismo da técnica e da eficácia numa sociedade tecnológica, em que a tecnocracia e o cosmopolitismo capitalista levaram à despolitização da própria política (Lara, 2011). A massificação da sociedade de consumo trouxe a estabilização do capitalismo avançado, da democracia liberal e da sociedade de bem-estar ao nível da ideologia do Estado. Essa massificação da sociedade a nível internacional e a criação de uma nova cultura popular de massas uniformizadora de consumos, de atitudes e de valores funcionais (Lara, 2011) dá-se devido à grande mediatização dos problemas internacionais. Os media têm uma enorme relevância neste processo de massificação, usando o seu poder e persuasão de forma a massificar tendências, opiniões, selecionando aquilo que é transmitido (Donovan, 2013). A estabilização das sociedades de consumo pós-industriais e massificadas faz-se através de novos ópios do povo, geradores de novos viciosos de sustentação do sistema (Lara, 2011) e levados ao individuo através dos media cada vez mais presentes e mais poderosos no quotidiano. Na verdade podemos mesmo ser levados a pensar que hoje não existem ideologias, a grande “preocupação” com a vertente económica é aquilo que guia todas as políticas, o discurso político, em todas as fações é dominado pelo económico. O sistema sobrevive graças à legitimidade histórica e sociológica da democracia pluralista, da sociedade de Direito, da sociedade dos Direitos Humanos que fundamenta a civilização ocidental, a que se associa, como 9

FMI e Ideologia de Mercado sendo fundamental para a verificação desses valores. É a elevação do capitalismo a ideologia global, incontestável, devidamente legitimada e publicitada em todo o mundo, o neoliberalismo levado ao seu expoente máximo. Devemos reter que a ideologia de mercado prima sobre a supremacia de valores como eficiência, lucro, sobre outros valores, a supremacia do discurso económico sobre o discurso político, a supremacia da eficácia económica sobre a ética social, ou seja, a eficácia na saúde deixa de ser medida pela quantidade de doentes tratados, redução de mortalidade ou inoculação infantil, para ser vista a partir de indicadores económicos. Dessa forma, como diz António de Sousa Lara, “o primado da técnica, da eficiência, do bem-estar, do consumo, do ter, da imagem, do sucesso, do pragmatismo não quer ser ideologia. Mas é”. (Lara, 2011).

2. O FMI Para sustentar o modelo liberal que o Reino Unido tinha protegido e levado a todos os cantos do mundo, através do comércio marítimo, e para manter alguma da sua hegemonia alcançada até às Grandes Guerras, e a hegemonia dos EUA alcançada durante as duas Guerras Mundiais, era necessário manter os mercados abertos ao exterior, prevenir a autarcia que durante a década de 1930 tinha levado à Grande Depressão. Após a II Guerra Mundial, na impossibilidade de se voltar ao padrão-ouro, tornava-se premente um acordo internacional que pudesse, através de um conjunto de regras consensuais e credíveis (Porto & Calvete, 1999), permitir as trocas internacionais e a sua liquidez. As primeiras negociações para definir qual o seria o novo sistema internacional começaram antes ainda do fim da II Guerra Mundial, em 1941. As conversações foram feitas entre o Reino Unido e os Estados Unidos da América (EUA), tendo sido, cada estado, representado por um economista. Keynes, inglês, que vem defender a intervenção do Estado como forma de garantir a estabilidade do capitalismo maduro (Oliveira, 1985), aparece com uma proposta de união monetária que serviria esse interesse, com a criação de um banco de compensação internacional, com o poder de cunhar a sua moeda-bancária, convertível em ouro, em relação à qual todas as moedas do mundo teriam um preço (Porto & Calvete, 1999). O modelo proposto por Keynes determinava que um país com uma balança de pagamentos excedentária teria uma conta em débito, enquanto os países com uma balança de pagamentos deficitária teria uma conta em crédito, à qual seriam impostos juros. O plano era claro, fomentar a livre troca de bens entre países, e note-se que os principais percussores nesta etapa foram o Reino Unido e os EUA. Já Harry White, norte-americano, propõe, contemporaneamente com Keynes, um outro modelo, constituído por um Banco e um Fundo de estabilização, com a responsabilidade de reservar o

Inês Garcia papel do ouro e coordenar a política monetária e cambial, uma unidade de contas, a unita, que serviria como padrão para estabelecer a cotação das moedas participantes e permitia aumentar a disponibilidade de divisas dos países aderentes (Porto & Calvete, 1999). O Fundo de Estabilização Internacional deveria estar a serviço das Nações Unidas e deveria servir como uma instituição para a cooperação monetária. Os objetivos de todo o plano passavam por estabilizar as taxas de câmbio, que desde o fim do padrão ouro estavam incontroláveis, permitindo assim um mais estável equilíbrio das balanças de pagamentos, impor o equilíbrio financeiro ao nível de cada economia e disciplina no plano da estabilização financeira internacional dos países deficitários e, claro, estimular o comércio externo. O plano proposto pelo americano, por ser aquele que se revelava mais conveniente para a economia dominante dos EUA acaba por triunfar, levando ao Acordo de Bretton Woods (Medeiros, 2003), ainda que tivesse tido algumas alterações.

2.1. A CRIAÇÃO DO FMI Os trabalhos para a criação do FMI e do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) iniciaram-se a 1 de Julho de 1943, tendo sido convocados 43 países, sob o nome de Conferência Económica e Monetária da Nações Unidas que teve lugar em Bretton Woods, New Hampshire, EUA. Verificaram-se alguns confrontos durante as negociações entre Reino Unido e EUA, sendo que pelo menos sobre dois deles a proposta norteamericana prevaleceu. É o caso da proposta sobre a sede das novas instituições e sobre quais as quotas de participação dos vários países, destacando-se o grande cuidado dos negociadores norte-americanos em impor que a sua quota de participação fosse sempre superior à de todos os países da Commonwealth, salvaguardando dessa forma a sua participação maioritária. Também o facto de o preço do ouro ser indexado ao dólar demonstra a supremacia e hegemonia norteamericana, que com muito mais poder que o Reino Unido consegue fazer prevalecer a sua posição. Inicialmente o Acordo de Bretton Woods procura implantar a doutrina de mercado, baseando-se em três princípios: a convertibilidade das moedas; a paridade das moedas; e o equilíbrio da balança de pagamentos. Embora institucionalizasse a livre convertibilidade das moedas, levando à liberdade de trocas, jogava-se no entanto, pela assimetria, já que eram os EUA que mais ganhavam com este sistema, tendo-se, inclusivamente em 1945, tornado no maior país exportador de produtos manufaturados (Medeiros, 2003). De acordo com os estatutos iniciais cada membro participava no Fundo através de uma quotaparte, em função do seu peso relativo na economia mundial, que representava um “depósito e

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FMI e Ideologia de Mercado um “direito de crédito” (Medeiros, 2003). Os seus principais objetivos passavam então pela promoção da cooperação monetária internacional, a facilitação da expansão e crescimento equilibrado do comércio internacional, a promoção da estabilidade dos câmbios e reduzir o grau de desequilíbrio das balanças de pagamentos dos seus membros.

2.2. A REFORMA DO SISTEMA Ao longo das décadas o sistema foi sofrendo várias provações devido a crises que se instalaram num país ou região e que rapidamente, devido à interdependência económica que se foi gerando e, devido à frágil confiança de que depende este sistema, se alastraram para variadas partes do globo. Embora a crise de 1970 não tenha sido a única crise que este sistema enfrentou, tendo-se observado uma vaga de desconfiança liderada pelo Reino Unido, que levou à desvalorização da libra, aquela é a que a mais reformas obrigou.

2.2.1. CRISE DA DÉCADA DE 70 Durante a década de 60 pode-se mesmo dizer que se assiste a uma verdadeira renegociação do Acordo de Bretton Woods (Medeiros, 2003), levando à criação do direito de saque especial (DSE), que deveria ser um complemento do dólar, assim como um substituto do ouro, procurando-se reforçar a moeda norte-americana. A França, por um lado, exigia a conversão dos dólares em ouro, propondo uma nova unidade monetária que funcionasse com a mesma função mas contra o dólar. Por outro lado, a acumulação dos eurodólares em circulação e o défice da balança de pagamentos norteamericana que se tornava demasiado alto levam a que em 1971 (por vários fatores, sendo um deles o grande peso do esforço militar na economia norte-americana) chegue-se à conclusão que já não é possível converter dólares em ouro, levando à necessidade de reformar o sistema vigente, sendo mesmo considerado que foi criado um novo sistema monetário internacional (Medeiros, 2003), consubstanciado no Acordo dos Açores, que tenta salvar o Acordo inicial de Bretton Woods. Perante os choques petrolíferos de 1974 acaba-se definitivamente com o preço do ouro indexado ao dólar, reajustam-se as reservas do FMI e redefinem-se as quotas de participação dos países da OPEP e dos EUA, passando-se para o sistema de taxas flutuantes. O FMI que até à altura tinha como objetivo manter as taxas de câmbio das várias moedas nacionais dentro dos limites impostos, aconselhando políticas de correção dos desequilíbrios das balanças de pagamentos fica agora sem missão. Esta medida só foi feita uma vez que a continuidade do antigo sistema iria criar grandes desvantagens aos EUA (Mueller, 2011).

Inês Garcia Após os choques petrolíferos de 1970 e da crise da dívida de 1980 o FMI encontra uma nova raison d’être, passa da assistência financeira a curto prazo para a intervenção estrutural, observando-se um alargamento dos mecanismos de financiamento e extensão do prazo de intervenção (Porto & Calvete, 1999), com a adoção de medidas neoliberais, fortemente influenciadas pela Chicago School of Economics, com um pacote que se conhece como saído do Consenso de Washington, já referido acima. 2.2.2. REVISÕES DO SISTEMA A primeira revisão dos Estatutos deu-se em 1969, tendo passado pela criação dos DSE’s, que permitiu resolver a questão dos meios de pagamento, mediante a controvérsia que se enfrentava durante a década de 1960 - a falta de liquidez mediante a evolução do comércio mundial. A segunda revisão, em 1978 conduziu a uma reforma da Organização e funcionamento do FMI, que leva à redução, através da venda, de um terço do stock de ouro do FMI, e à criação de um novo regime de taxas de câmbio flexíveis. Por ultimo, em 1990, resolve-se, através de uma resolução, adequar as sanções impostas aos membros em caso de incumprimento das suas obrigações. Desde a sua fundação que os objetivos do FMI passam pela estabilização, crescimento, paz, democracia e segurança. No entanto estes não têm sido os benefícios que os países intervencionados por esta instituição têm tido (Mueller, 2011). Este facto deve levar-nos, segundo Julie Mueller (2011), a questionar a quem serve o FMI. Em primeiro lugar serve, naturalmente, os países com maiores cotas mas também os interesses de classes transnacionais privadas.

2.3. A CONSTITUIÇÃO DO FMI Para compreender a quem serve o FMI e que interesses defende devemos procurar saber quem está “à cabeça” desta instituição, ou seja quem gere e determina medidas em nome do Fundo. O Fundo é considerado como uma instituição especializada das Nações Unidas, sendo no plano prático, uma organização independente com carácter universal (Medeiros, 2003). As instituições como o FMI são dirigidas por ocidentais, normalmente membros da sociedade política norte-americana ou europeia, e procuram impor normas liberais de comércio, como a abertura dos mercados e a supremacia do mercado sobre o estado (Mueller, 2011).

2.3.1. ESTRUTURA ORGÂNICA

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FMI e Ideologia de Mercado A estrutura orgânica do FMI é composta pelo Conselho de Governadores, pelo Conselho de Administração, Corpo Técnico e Comité do Desenvolvimento.

ILUSTRAÇÃO 1 FUNCIONAMENTO FMI

O Conselho de Governadores é a autoridade suprema da organização, onde cada Estadomembro é representado pelo seu ministro das finanças e/ou representante do banco central. Reúne-se, ordinariamente uma vez por ano, de forma a examinar as atividades do Fundo e definir as grandes orientações para o ano seguinte (Medeiros, 2003). O Conselho de Governadores tem o poder de aprovar alterações das quotas dos Estados-membros, a admissão de novos membros, assim como as alterações aos textos constitutivos do Fundo (IMF, ?). O Conselho de Administração é o órgão responsável pela gestão corrente e pela conduta geral do Fundo (Medeiros, 2003). Apresenta anualmente um relatório sobre o funcionamento do Fundo, exercendo todas as funções do Conselho de Governadores exceto aquelas que à luz dos Estatutos não podem ser delegadas. O Corpo Técnico, presidido pelo diretor-geral eleito pelo Conselho de Administração, possui vários departamentos, nomeadamente: o Departamento dos Bancos Centrais, que fornece assistência técnica e apoia o desenvolvimento dos sistemas financeiros dos países-membros; o Departamento das Finanças Públicas, que fornece assistência no quadro de programas de ajustamentos financeiros; o Departamento Jurídico; o Departamento de Estatísticas. Por último temos o Comité do Desenvolvimento, órgão conjunto do FMI e do Banco Mundial que se ocupa de transferir para os países em vias desenvolvimento recursos.

2.3.2. O SISTEMA DE QUOTAS

Inês Garcia É também importante ter em conta que as quotas de cada Estado são definidas pelo Conselho de Governadores, por aprovação de maioria de quatro quintos do total dos votos (Oliveira, 1988), o que significa que a alteração das quotas vai sempre depender da aprovação daqueles que detêm a maioria, que é o caso dos EUA, que detêm 17,69% das quotas, o que representa 421,956 votos. Segundo os Estatutos do Fundo, as quotas de cada estado são determinadas quanto ao peso relativo das respetivas economias mundiais, a importância do PNB na economia mundial e o peso de cada economia no comércio mundial. No entanto, como podemos verificar nas tabelas abaixo, é constatável que os países com maiores quotas de votação no seio do FMI, não são propriamente aqueles que têm maior poder económico. Tendo em conta que a percentagem de votos dos EUA dá-lhe poder de veto, conclui-se aqueles que têm mais poder no seio do FMI têm-no porque este Estado assim o quer. Então quais serão as razões para essas escolhas? Terá que ver com proximidade ideológica, ou histórica, que detêm com os EUA? Quotas dos Das 10 Maiores Economias Mundiais Posição no ranking das economias mais fortes do mundo

Estado

Quota

1

Nº de Votos

Dívida Pública (%PIB)

1

EUA

17,69%

421,961

68%

3

Japão

6,56%

157,022

212%

4

Alemanha

6,12%

146,392

82%

7

Reino Unido

4,51%

108,122

86%

5

França

4,51%

108,122

85%

2

China

4,00%

95,996

44%

8

Itália

3,31%

79,560

120%

9

Rússia

2,50%

60,191

8%

10

Índia

2,44%

58,952

49%

6

Brasil

1,79%

43,242

TABELA 1 COMPARAÇÃO QUOTAS E SITUAÇÃO ECONOÓMICA DAS 10 ECONOMIAS MAIS PODEROSAS EM 2011

As quotas determinam, aparte do poder de decisão de cada Estado-membro, a quantidade de recursos financeiros que cada Estado é obrigado a providenciar ao Fundo, mas também, a quantidade de recursos financeiro a que tem acesso, neste sentido, cada Estado tem direito a 200% da sua quota anual.

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Dados de 2011, data da última revisão de quotas do Fundo. Disponível http://www.sitedecuriosidades.com/curiosidade/top-10-paises-mais-ricos-do-mundo.html

em:

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FMI e Ideologia de Mercado É interessante referir que o Japão, o segundo Estado com maior poder de voto no Conselho de Governadores, tinha, 2011, uma dívida de 212% do seu PIB, sendo o segundo país com a maior dívida pública em percentagem do mundo relativamente ao produto interno bruto. Já a Alemanha apresentava em 2011 uma dívida de 82% do PIB2. Embora a existência de dívida pública não seja necessariamente um mau indicador, uma vez que significa o recurso ao crédito para fazer face a défices orçamentais poderá levar à ocorrência de um incumprimento. A acumulação dos créditos poderá levar a que os credores percam a confiança, levando a que o país fique em incumprimento internacional

2.4. FUNCIONAMENTO DO FUNDO As funções do FMI, de acordo com o próprio fundo, passam pela supervisão, a que todos os Estados-membros se sujeitam quando decidem entrar, assistência técnica e fornecimento de empréstimos a países com grandes dificuldades financeiras, de forma a manter o equilíbrio da balança de pagamentos e dessa forma, a estabilidade do sistema financeiro internacional. Os empréstimos do FMI pretendem ajudar os Estados a saírem de crises, a enfrentar choques, a desbloquear outras formas de financiamento, pelo aumento de confiança que dá e ainda ajudando a prevenir crises, atuando prontamente antes que se essa crise se propague a outros cantos do mundo. É então, em primeiro lugar, importante compreender quem, e como decide, quem irá receber as ajudas do Fundo Monetário Internacional. Como foi referido acima, quem faz essa decisão é o Conselho de Governadores, onde estão representados os Estados-membros, através de um sistema de quotas em que os EUA têm poder de veto, sendo analisadas algumas questões: se o Estado está numa crise atual ou se está em risco de entrar numa crise; se o Estado apresenta vontade em se comprometer e adotar as medidas necessárias (IMF, ?). No entanto, existem autores que admitem a possibilidade de existir um outro fator que poderá determinar quem recebe ou não as ajudas do FMI, sendo admitida, tendo em conta o poder dos EUA dentro desta instituição, a aproximação ideológica, ou política dos Estados em relação àquela grande potência. Para reforçar esta ideia é dado o exemplo do Equador, que foi ajudado pelo FMI devido à necessidade dos EUA em utilizar as suas bases militares para combater o narcotráfico, sendo o FMI o veículo para atingir determinados fins (Andersen, et al., 2006). 2.4.1.1.

COMO SÃO APLICADOS OS PROGRAMAS DO FUNDO?

Os programas de reestruturação são aplicados pelo Fundo juntamente com uma quantidade enorme de condicionantes, que protagonizam o programa de ajustamento estrutural. Esses 2

Dados relativamente a 2011, disponíveis em: http://www.indexmundi.com/map/?v=143&l=pt

Inês Garcia programas são aplicados a pedido dos Estado em situação de desequilíbrio e devidamente aprovadas em Conselho de Governadores de acordo com o sistema de quotas. Esses programas são muitas das vezes, senão todas, considerados excessivos, tendo em conta a necessidade geral de reestruturação. Isto justifica-se pela necessidade em acabar rapidamente com a crise antes que esta se propague a países vizinhos. Mas essa austeridade leva a uma redução da capacidade produtiva, do crescimento e ao desemprego. Os países em desenvolvimento chegam a ficar numa situação tão precária que reduzem drasticamente as suas importações, apenas para conseguir assegurar o pagamentos dos juros e das obrigações adjuntas ao financiamento do Fundo (Didszum, 1988). Os problemas existentes a nível de desenvolvimento humano e institucional não são resolvidos, sendo que muitas vezes são inclusivamente agravados, não se observando qualquer investimento ao nível da educação, antes pelo contrário, por exemplo, o que leva à maior dificuldade em sair da crise, e da situação que levou em primeiro lugar ao resgate (World Health Organization, s.d.). É assim que Didszung (1988) chega à conclusão que o resgate e o programa de ajustamento estrutural do FMI têm basicamente como critérios apenas os de eficiência e crescimento económicos, não sendo tidos em conta quaisquer cuidados ou atenções relativamente à saúde, nutrição e educação, necessárias à melhoria da produtividade e ao crescimento a longo prazo. É então considerado que a atuação do FMI leva a: uma redução dos programas de bem-estar social; ao aumento dos preços e taxas dos recursos energéticos, que normalmente afeta mais os mais pobres, o que tem levado a uma reação exigindo a diferenciação de taxas de acordo com as classes sociais; um aumento do preço dos bens alimentares que leva à desnutrição e doenças relacionadas com esta, debatendo-se com maior intensidade nas crianças (Didszum, 1988) (World Health Organization, s.d.). Ao nível da Democracia, que tanto o Fundo, como o movimento neoliberal prometem proteger, Didszum (1988) refere que nas democracias a austeridade tem o efeito perverso de levar à destabilização social e ao respeito das leis sociais, uma vez que na falta de alimentação adequada e condições mínimas de vida, os indivíduos passam a respeitar as leis da sobrevivência e vez das leis de ordem pública, que perdem a sua legitimidade. É ainda questionável o apoio dado às autocracias, onde se deram os programas de ajustamento mais importantes. A intervenção do FMI e o seu plano de estruturação económica leva também à queda dos preços das matérias-primas, devido ao aumento das exportações (aumento da oferta) - levando os

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FMI e Ideologia de Mercado lucros destas transações para os países desenvolvidos, perpetuando dessa forma o declive entre países ricos e países pobres.

2.5. RESULTADOS DAS AJUDAS DO FMI Os Programas de Ajustamento Estrutural do FMI têm tido efeitos negativos no que toca ao desenvolvimento humano dos países em que intervém. É importante referir que muitas das vezes os programas não são adotados na sua integridade por serem considerados demasiado agressivos para as economias e populações. Os Programas de Restruturação do Fundo têm-se revelado inadequados aos países em desenvolvimento. A focalização na eficácia económica leva à degradação dos investimentos já precários na saúde e na educação, essenciais ao crescimento ao longo prazo. Para além disso, o incremento das exportações, em países em vias de desenvolvimento, que muitas das vezes estão dependentes de apenas um procuto, uma matéria-prima, com pouco ou nenhum valor acrescentado, leva a uma redução do preço desses bens, que posteriormente leva à relativa redução dos lucros destes Estados. Esses lucros são transferidos para os países desenvolvidos, que compram o mesmo a um preço mais reduzido (Didszum, 1988). Esta é uma situação que vai gerar pobreza e dependência entre os países ricos e pobres. Estes são alguns dos condicionalismos impostos pelo Fundo aquando é concedido aos Estados o empréstimo necessário para a saída da crise, ou pagamento da dívida pública. É também por causa destes condicionalismos e das consequências que têm tido, tanto nos países menos desenvolvidos, como nos países menos desenvolvidos, que se desenvolveram algumas respostas que serão trabalhadas já de seguida.

3. ALTERNATIVAS À GLOBALIZAÇÃO CAPITALISTA 3.1. FÓRUM SOCIAL MUNDIAL O Fórum Social Mundial surge em 2001, como uma evolução do movimento anti-Davos, na cidade Brasileira Porto Alegre, em contraposição ao Fórum Económico Mundial e todas as instituições neoliberais. Reúne a sociedade civil internacional, tendo por objetivo a planificação de uma globalização mais concentrada em questões sociais que económicas. É caracterizado pela realização de fóruns anualmente. É a prova de que a ideologia de mercado e o capitalismo não são as únicas ideologias existentes, ou o sistema global possível, criando espaço para discussões e reflexões sobre a justiça social no mundo e por isso mesmo seu lema é “um outro mundo é possível”

Inês Garcia O Fórum Social Mundial (FSM) tem as suas raízes no movimento cívico da América Latina, quando em 1996 se realizou o “First International Encuentro for Humanity and Against Neoliberalism”, que levou posteriormente à decisão de expandir a ideia para um encontro mais regular e formal. É considerado como uma instituição emergente que alimenta a democracia global. Dessa forma pode ser visto como um ator das relações internacionais, no entanto permite a outros atores, como ONG’s, a construção de espaços de debate, discussão e criação de projetos (Teivainen, 2002)Preocupa-se com a criação de um sistema alternativo de globalização, um sistema alternativo ao Capitalismo, não sendo de todo contra a globalização, mas sim contra os princípios devastadores do capitalismo, e poder-se-á dizer, contra os princípios da ideologia de mercado, tendo em consideração que o social é mais importante que o económico. Reunindo-se anualmente, com membros da sociedade civil internacional, como organizações nãogovernamentais, coloca em debate temas que muitas vezes são esquecidos na agenda internacional. Pretende demonstrar às pessoas que há uma alternativa e levá-las a fazer uma escolha, porque consideram que essa escolha é possível. O Fórum já ganhou uma determinada consistência institucional, contando, desde 2001, com a presença da UNESCO. Aqui falam-se de temas que ultrapassam o económico, temas semelhantes àqueles analisados pelo Fórum Económico Mundial, como a migração, que para os neoliberais é vista como um resultado de uma situação económica, sendo aqueles humanos migrantes apenas fatores de produção, bem-vindos em contexto de expansão económica, enquanto o FSM analisa a migração de uma forma mais humana, tendo em conta a necessidade receber os refugiados económicos. Os temas debatidos vão desde o ambiente, aos direitos sociais e políticos. No entanto a atividade do Fórum Social Mundial passa despercebida pela população em geral. Isto deve-se naturalmente à atenção e cobertura que lhe é dada pelos media. Uma das suas ações mais importantes e recentes relacionava-se com a empresa Monsanto que produz transgénicos, quando os ativistas destruíram grande parte da plantação da empresa. É importante revelar que pelo menos em Portugal esse a acontecimento não teve qualquer cobertura mediática. Nos jornais encontrava-se modestamente apresentada. Apenas nas redes sociais era possível encontrar facilmente. Dentro deste Fórum existe quem deseje ver a sua ação reforçada. Tendo começado como um movimento em contraposição, “anti”, tendo em consideração que para ser credível tem que apresentar alternativas, o Fórum alterou-se, de contra globalização passou a defender uma outra globalização (Teivainen, 2002). É o exemplo prefeito que existe alternativas, que embora dificilmente venham a ser impostas, terão sempre alguma influência.

3.2. “AJUSTAMENTO HUMANO”

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FMI e Ideologia de Mercado Na sequência dos resultados das Políticas de Ajustamento Estrutural do FMI, e do relatório da UNICEF de 1987, que refletia sobre o impacto negativo dessas políticas sobre a educação e na saúde, surgem alternativas que pretender dar uma face mais humana ao ajustamento, ao crescimento económico. É assim que a Organização Mundial de Saúde (OMS) aparece com recomendações para alterar esses programas, recomendando a proteção da ação do estado em setores sociais, e cruciais ao desenvolvimento a longo termo, como a saúde e a educação. Isto quereria dizer que as medidas referidas acima saídas do Consenso de Washington teriam que ser refreadas, mantendo-se os gastos públicos em matérias de saúde, alimentação, educação primária e não só. Graças ao relatório da UNICEF, assim como todos aqueles que criticaram e refletiram sobre os Programas de Ajustamento Estrutural do FMI, estão agora a substituir esses programas por novos programas intitulados “Poverty Reduction Strategy Paper (PRSP)” que procuram ser mais equitativos no impacto dos programas de ajustamento (World Healt Organization, s.d.), baseando o crescimento sustentável associado à redução da pobreza, priorizando gastos relacionados com a saúde, em vez de cortes. Isto advém do reconhecimento que para ter um desenvolvimento e crescimento a longo prazo, a saúde é um dos mais importantes fatores.

4. ESTUDO DE CASO PORTUGAL – IR PARA ALÉM DA TROIKA A Maio de 2011 Portugal seguia o mesmo caminho que a Grécia, assinando o Memorando de entendimento com a Comissão composta pelo Banco Europeu, FMI e Comissão Europeia. A discórdia política era imensa, as alternativas passavam pela marginalização em relação ao sistema internacional e simplesmente não podiam ser aceites. Na verdade não existia alternativa, Portugal não tinha capacidade para cumprir com as suas obrigações tanto a nível externo como a nível interno, nomeadamente no pagamento de salários. Desde esse momento a discussão e controvérsia tem sido intensa, entre o governo e sindicatos, entre partidos. Os choques entre as leis propostas pelo governo para dar cumprimento às obrigações feitas para com a TROIKA e a constituição têm sido frequentes. Há muito que se falava em Portugal de uma necessária revisão constitucional, devido ao excesso de “socialismo” no documento, ou devido à desadequação do texto constitucional português à realidade atual. O FMI, com os seus parceiro europeus: Banco Central Europeu e Comissão Europeia vieram impor à classe política portuguesa uma mudança estrutural radical. No entanto é com veemência e orgulho que Pedro Passos Coelho diz: “queremos ir para além da Troika”.

Inês Garcia O memorando de entendimento entre o governo português e o FMI propunha 3 grandes objetivos que deveriam ser alcançados (International Monetary Fund, 2011): 

Competitividade e crescimento: que deveriam ser obtidos através da flexibilização do mercado de trabalho, a redução das contribuições à segurança social;



Sustentabilidade fiscal: através da consolidação credível para mitigar o impacto do crescimento sobre a inflação, com o objetivo de conseguir alcançar um défice fiscal de 3% do PIB em 2013, quando em 2010 se observava um défice de 9,1% do PIB;



Estabilidade Financeira:

O partido político português PSD juntamente com o CDS são vistos pelo FMI como grandes e importantes aliados do programa (International Monetary Fund, 2011). O seu discurso político, e não só, é completamente dominado pelo económico, pelo otimismo e nunca esquecendo a importância que os credores internacionais têm para a própria saída da crise. A eficácia, a produção, o crescimento económicos parecem ter mais relevância que fatores como a qualidade da educação, do atendimento na saúde. A expressão de Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro português, “ir para além da Troika”, poderá também vir a revelar que a intervenção do FMI em Portugal pode ter sido uma forma de legitimar uma reforma estrutura há muito desejada, podendo dessa forma utilizar o FMI e a Troika como bodes-expiatórios, para justificar determinadas políticas. (Dreher, 2006) Na opinião do FMI Portugal tinha grandes problemas estruturais no que toca ao mercado de trabalho, que se revela demasiado protetor, com um excessivo e desproporcional uso de contratos de termo fixo, com um mecanismo de ordenados desconectado dos desenvolvimentos de produção. A nível do mercado de produtos, as barreiras de entrada de bens deveriam ser reduzidas, de forma a aumentar a competitividade. É ainda reforçada a necessidade de privatizar o setor energético. O processo de privatizações foi dado como completo em Novembro de 2013, com a privatização da EDP, REN e ANA, estando previstas outras privatizações, desejo político do atual governo: CTT, TAP E CP Carga (Campos, 2013). A nível do investimento direto estrangeiro o FMI tem procurado "desligar os bancos" do sector público, fortalecendo os bancos através de “medidas baseadas de mercado” (Lusa, 2011). Além disso, as privatizações já com sucesso parecem ter despertado a atenção dos principais operados mundiais do setor energético. Os responsáveis do FMI consideram a economia portuguesa bastante atraente devido “à qualidade dos ativos que estão a ser privatizados, ao sucesso da estratégia que está a ser seguida pelas companhias e também às relações privilegiadas que Portugal tem com economias de rápido crescimento” (Sequeira, 2012). Entre essas economias de “rápido crescimento” podemos encontrar a China e a Angola.

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FMI e Ideologia de Mercado Em relação ao aumento da carga fiscal, esse foi acentuado. As famílias portuguesas desde 2011 passaram a pagar mais 30% de IRS, enquanto as empresas passaram a pagar mais 9% de IRC, para fazer face aos juros de 6849 milhões de euros que têm que ser pagos aos credores (Revista de Imprensa, 2013). Segundo o esperado por muitos teóricos e pelos especialistas do FMI, uma maior flexibilização do mercado de trabalho levaria a um aumento do emprego. Essa flexibilização requer também uma redução dos salários mínimos, que permitiriam às empresas reduzir os seus custos com cada trabalhador. No entanto, ao contrário do que era esperado, o emprego subiu exponencialmente, sobretudo no seio da população mais jovem (com menos de 25). A taxa de desemprego encontra-se atualmente nos 15,6% (dados referentes ao 3º trimestre de 2013), valor idêntico ao de 2012, tendo aumentado relativamente a 2011, quando a taxa de desemprego era 12,7%. 40 35 30 25

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