O Fórum de Macau e a Diversificação da Economia da RAEM

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O tema da diversificação económica da RAEM vai e vem. Acorda habitualmente com algum pequeno susto embaraçando os ritmos exponenciais de crescimento das receitas do jogo e, ainda que menos frequentemente, com os avisos mais sérios vindos de alguma crise internacional ou de algum significativo abrandamento no expressivo crescimento económico da República Popular da China, notícias normalmente recebidas (mal) como problemas dos outros. É verdade que a palavra forte diversificação se instalou no discurso político, nos textos oficiais, nos planos governamentais, espalhando-se pelas mais diversas propostas, promessas e projectos futuros nem sempre completamente compreensíveis haja em vista a falta de reflexões profundas, a escassez de estudos e ainda mais de investigações sérias. E, no entanto, o 12º Plano Quinquenal do Estado definiu, desde 2011, a visão estratégica mais do que precisa do governo central chinês para a diversificação económica desta Região Administrativa Especial de Macau: a sua transformação num centro mundial de lazer e de entretenimento mais o seu desenvolvimento como plataforma de serviços para as relações económicas e comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Se o primeiro objectivo vai caminhando até porque os avisados multinacionais casinos multiplicaram os investimentos em hotelaria,

lusofonias nº 09 | 19 de Agosto de 2013 Este suplemento é parte integrante do Jornal Tribuna de Macau e não pode ser vendido separadamente

COORDENAÇÃO: Ivo Carneiro de Sousa

TEXTOS: • A Diversificação Económica em Globalização: um processo em complexidade • As Políticas de Diversificação económica na China e nos países de língua Portuguesa • Estudar e Aprender com os outros • A Diversificação como serviço do Fórum de Macau

Dia 26 de Agosto: A China e o Brasil para além dos BRICS

APOIO:

O Fórum deDiversificação Macau ea

da

Economia da RAEM

O Fórum de Macau

e a Diversificação da Economia da RAEM Ivo Carneiro de Sousa

O

tema da diversificação económica da RAEM vai e vem. Acorda habitualmente com algum pequeno susto embaraçando os ritmos exponenciais de crescimento das receitas do jogo e, ainda que menos frequentemente, com os avisos mais sérios vindos de alguma crise internacional ou de algum significativo abrandamento no expressivo crescimento económico da República Popular da China, notícias normalmente recebidas (mal) como problemas dos outros. É verdade que a palavra forte diversificação se instalou no discurso político, nos textos oficiais, nos planos governamentais, espalhando-se pelas mais diversas propostas, promessas e projectos futuros nem sempre completamente compreensíveis haja em vista a falta de reflexões profundas, a escassez de estudos e ainda mais de investigações sérias. E, no entanto, o 12º Plano Quinquenal do Estado definiu, desde 2011, a visão estratégica mais do que precisa do governo central chinês para a diversificação económica desta Região Administrativa Especial de Macau: a sua transformação num centro mundial de lazer e de entretenimento mais o seu desenvolvimento como plataforma de serviços para as relações económicas e comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Se o primeiro objectivo vai caminhando até porque os avisados multinacionais casinos multiplicaram os investimentos em hotelaria, restauração, entretenimento, convenções, exposições, espectáculos e tudo o que se vai mostrar indispensável para continuar a atrair os milhões de visitantes da China continental que escoram o crescimento do jogo de massas, já a segunda ordem estratégica está ainda muito longe de contribuir como devia para a diversificação económica da RAEM. Na verdade, apesar dos dez anos que agora se celebram da fundação do Fórum para as Relações Económicas e Comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa (o nosso conhecido Fórum de Macau), a sua contribuição concreta em projectos, pro-

gramas, parcerias, investimentos e cooperações colaborando para a diversificação económica da relação entre a China e os PLP e, com ela, para desenvolver novas áreas de serviços na RAEM encontra-se largamente por (re)fazer. É que convém esclarecer – de preferência definitivamente – o que se deve entender por esse projecto estrutural maior de desenvolver em Macau uma plataforma de serviços entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Não se trata, em rigor, de uma plataforma de Macau ou sobre Macau, destinada apenas com os abundantes cabedais da RAEM a promover agitadamente entre muitos activismos e convívios com sino-lusófonos sabores a cidade e a sua capacidade de receber, o que mesmo assim conviria fazer a partir da sua história e património absolutamente singulares. Pelo contrário, cura-se de uma plataforma com a China e os Países de Língua Portuguesa, por isso, a fazer obrigatoriamente com e para eles. Escutando, dialogando, intermediando, estudando e investigando com a China e os Países de Língua Portuguesa os serviços que Macau pode oferecer para aprofundar oportunidades comerciais e de investimento, especializar cooperações e ajudas, oferecer formação e capacitação, promover parcerias e facilitar entendimentos em que se mobilizam linguagens, reconhecimento de diversidades e encontros de culturas diferentes para os quais Macau pode e deve mobilizar tanto a sua lusofonia singular e inimitável quanto a sua invejável saúde financeira. É também verdade que os 128,497 biliões de dólares de trocas comerciais em 2012 entre a China e os Países de Língua Portuguesa têm muito pouco a ver com a plataforma de Macau, vazados como estão a 95% no comércio feito com o Brasil e Angola ainda largamente assentando na importação dos recursos naturais e energéticos que a economia chinesa continua a mobilizar gigantescamente. É provável que um objectivo de crescimento razoável em torno de 150 biliões

a aparecer provavelmente no plano de acção para 2013-2016 a circular na próxima Cimeira Ministerial do Fórum de Macau, anunciada para Novembro próximo, seja até facilmente ultrapassável com este mesmíssimo modelo de trocas entre a China e os PLP. Mas os sinais de mudança, de mais competitividade e, sobretudo, muito maior exigência encontram-se em todos os horizontes nacionais desta relação. Do lado dos PLP, incluindo até o Brasil e Portugal, mas muito mais sentidamente nas diferentes economias emergentes e em desenvolvimento de Angola a Timor-Leste exigem-se as parcerias económicas e comerciais, os investimentos e a cooperação que, sobrepujando definitivamente o peso megalítico da procura e exploração de recursos naturais, permitam colaborar na diversificação económica que, das indústrias à formação de recursos humanos, se mostra condição indispensável de sustentabilidade e desenvolvimento social. Ao mesmo tempo, a República Popular da China procura diversificar os mercados das suas exportações, alargar os seus investimentos externos, ultrapassar a dimensão excessiva das produções manufactureiras primárias, ainda dominantes, desenvolver tecnologias e indústrias avançadas, para além de se procurar situar no mundo como um parceiro mais do que credível de cooperação e ajuda internacionais capaz de compreender (aprendendo e respeitando) sociedades e culturas outras concorrendo genuinamente para o seu desenvolvimento. Acresce ainda que a palavra diversificação se tornou referência, senão mesmo sobrevivência, obrigatória face à aceleração de um processo de globalização que se tornou mais complexo, plural, combinando diferentes escalas territoriais, económicas e sociais, pelo que é conveniente, a abrir, tentar perceber do que rigorosamente se fala quando (em Macau, mais de vez em quando...) se fala em diversificação económica.

LUSOFONIAS - SUPLEMENTO DE CULTURA E REFLEXÃO Propriedade Tribuna de Macau, Empresa Jor­na­lística e Editorial, S.A.R.L. | Administração e Director José Rocha Dinis | Director Executivo Editorial Sérgio Terra | Coordenação Ivo Carneiro de Sousa | Grafismo Suzana Tôrres | Serviços Administrativos Joana Chói | Impressão Tipografia Welfare, Ltd | Administração, Direcção e Redacção Calçada do Tronco Velho, Edifício Dr. Caetano Soares, Nos4, 4A, 4B - Macau • Caixa Postal (P.O. Box): 3003 • Telefone: (853) 28378057 • Fax: (853) 28337305 • Email: [email protected]

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m 1952, quando Harry M. Markowitz, prémio Nobel da Economia em 1990, publicou originalmente a sua teoria do Portfolio Selection. Efficient Diversification of Investments, o termo diversificação suscitou de imediato os mais acalorados debates entre académicos e empresários norte-americanos. Se a sugestão da diversificação de investimentos financeiros foi acolhida pacificamente ao provar com complicadas fórmulas matemáticas as vantagens em distribuir um portfolio mesmo por acções de companhias variadas que não se movimentavam em perfeita correlação, já os acenos de Markowitz para a necessidade de diversificação da produção industrial e dos negócios das grandes empresas foram geralmente criticados muito negativamente. Nas décadas de 1950 e 1960, os grandes países industrializados ocidentais pareciam ter estribado a sua prosperidade na especialização e intensificação industriais, acreditando-se mesmo que um país poderia ser rico se soubesse especializar-se convenientemente. Por isso, o apoio e os desenvolvimentos que Markowitz encontrou na célebre economista norte-americana de origem britânica Edith Penrose (1914-1996) não parece terem alterado o rumo dominante no pensamento económico ocidental daquelas épocas. No entanto, o livro que Penrose publicou em 1959 com uma Teoria do Crescimento da Empresa provava claramente que as grandes companhias industriais precisavam para sustentar o seu desenvolvimento de diversificar a sua produção e negócios muito para além dos seus produtos especializados, procurando novas ideias e mercadorias, criando conglomerados atravessando vários sectores e dirigindo-se para os mercados transnacionais. Apresentado como diversificação, este processo parece, à semelhança da teoria do portfolio de Markowitz, definitivamente consagrado com a aceleração da globalização nestas últimas décadas: os investimentos financeiros estabeleceram-se definitivamente à mesma escala global que multiplica por diferentes países as cadeias de produção, a expansão das multinacionais ou a deslocalização transnacional dos modos de produção e consumo. Assim, a diversificação económica em ambien-

A Diversificação Económica em Globalização: um processo em complexidade te de ampliação da globalização não é um processo em que se exige simplesmente a produção empresarial ou nacional de uma mais larga gama de produtos. Não se refere também somente à diversificação dos mercados para exportação ou à diversificação das fontes de rendimentos exteriores às actividades económicas domésticas a conseguir através de proveitosos investimentos no estrangeiro. A diversificação em globalização deixou claramente de se conseguir apenas através da diversidade de actividades económicas e mercados para passar a atravessar (e, assim, desafiar...) os próprios países. Passou definitivamente dos limites da economia para o campo muito mais alargado das políticas: a antiga ideia de diversificação de negócios e mercados já não chega, sendo necessárias políticas de diversificação capazes de desenvolver sectores económicos não-tradicionais, proteger o ambiente, mobilizar constantemente novos parceiros económicos e de desenvolvimento, decidir investimentos, comércios e políticas industriais, sustentar dinâmicas de crescimento através da educação, da formação contínua e da investigação científica e tecnológica, oferecer estabilidade macro-económica, taxas de câmbio competitivas, mas também responsabilidade fiscal e transparência, políticas de combate à corrupção e à fraude, acautelar direitos de propriedade intelectual e, mais ainda, convocar todas as variáveis institucionais que asseguram a boa governação e a permanente negociação em que se funda a ausência de conflitos. O que mesmo assim ainda não basta. A globalização impõe igualmente políticas de diversificação frequentando comunidades económicas e acordos regionais, desafiando também organismos transnacionais e globais tanto como essa abundante proliferação de foruns que se estendem dos BRICS às muitas combinações do G3 ao G20. Em

As Políticas de Diversificação Económica e nos Países de Língua Portuguesa

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ngola (para seguirmos uma cautelosa ordem alfabética...) consagrou no programa do governo de 2012-2017 a diversificação económica como estratégia fundamental de desenvolvimento sustentável. Texto de grande qualidade técnica, este programa destaca no centro das políticas de diversificação o desenvolvimento de vários clusters que, muito pedagogicamente, são explicados como “um sistema dinâmico constituído por um conjunto de actividades interdependentes que tendem a interagir entre si em função de um foco ou actividade central. Um cluster é constituído por actividades de suporte, actividades complementares e actividades de inputs básicos.” Reconhecendo, em seguida, que esta estratégia de clusters obriga a criteriosa planificação governamental, a cruzar o público e o privado, o endógeno e o exógeno, o programa governamental propõe-se criar os clusters da (i)

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na

duas palavras: as políticas de diversificação económica deixaram completamente de poderem vir a ser meramente decididas pelos liberais jogos do mercado para se tornarem num processo vazado em complexidade. E, neste caso, não se deve recear o termo complexidade, mas antes assumir plenamente as suas consequências. Na verdade, existem sistemas e processos no mundo físico, biológico e social que são complexos: mostram-se compostos por diferentes partes que mantêm entre si uma relação dinâmica e imprevisível que não se pode reduzir a causações lineares. Qualquer estudante actual de ciências sociais é introduzido na noção de complexidade com o exemplo evidente da cidade. Com efeito, a cidade é um sistema em que se combinam de forma dinâmica e tantas vezes imprevisível partes como o tráfico, a poluição, o abastecimento, o crime, a densidade populacional, o urbanismo, as funções económicas, a gestão e muito mais que se poderia facilmente continuar a arrolar. Alterações no tráfico da cidade podem ter efeitos na poluição, mas também no urbanismo, nas funções económicas ou na simples possibilidade de se chegar a horas ao trabalho ou à escola. Logo, nestes sistemas complexos como a cidade, mais importante do que a descrição das partes é o entendimento das suas conexões dinâmicas. Assim ocorre agora com os processos e as políticas de diversificação económica que expressam a sua complexidade através de vocabulários conectivos (funcionando geralmente em inglês...) em que se fala de hubs, clusters e afins. Não há mesmo hoje em dia país que se preze em que os programas e planos governamentais não se encontrem carregados das mais variadas promessas de desenvolvimento de hubs disto e daquilo. O que chegou para ficar também aos Países de Língua Portuguesa.

China

Água, (ii) Alimentação e Agro-Indústria, (iii) Habitação, (iv) Transportes e Logística. Definindo pormenorizadamente os meios para desen-

ras, de construção e de energias a 37,5%; o comércio, transportes, seguros, telecomunicações e serviços a 24,5%; diminuindo o peso

volver estas redes, juntamente com outras medidas macro-económicas e sociais, parcerias, investimentos e cooperação externos, Angola procura até 2025 que a agrocultura, florestas e pescas cheguem a 16,5% do PIB; as indústrias transformado-

da extracção e produção de crude para 18,7% quando actualmente é responsável por quase 97% das exportações angolanas. O Brasil é a sexta maior economia do mundo, mas enfrenta nos últimos meses um nítido arrefecimento do

ritmo de crescimento económico da última década a cruzar a uma quase surpreendente multiplicação de maciças manifestações sociais acusando algumas disfunções crónicas do grande país, misturando burocracia e corrupção, limites na mobilidade social e na recompensa salarial, nepotismo muito para as habituais críticas, não raro eivadas de fácil populismo, aos políticos que preferem investir em fabulosos estádios de futebol em detrimento da educação e do desenvolvimento social. Mistura perigosa de reivindicações muitas vezes contraditórias que convém ligar ainda a factores mais estruturais como a falta de transparência comercial, entre as piores do mundo, sentidas dificuldades na integração global ou transformações económicas ainda não totalmente percebidas nas suas implicações sociais. CONTINUA NA PÁGINA SEGUINTE >

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Recorde-se que, por exemplo, no enorme crescimento das exportações brasileiras da última década os produtos tecnológicos passaram de 10,4% para 5% do total, enquanto recursos e produtos agrícolas saltaram de 45% para 63%. Os produtos de alta tecnologia tiveram mesmo nestes últimos dez anos um crescimento modesto de 36% quando entre os dois principais parceiros do Brasil nos BRICS, a China e a Índia, cresceram respectivamente 873% e 389%. Assim, apesar de exibir a pauta de exportações mais diversificada entre os países lusófonos, o debate sobre a necessidade de diversificação da economia brasileira ampliou-se consideravelmente em torno do desenvolvimento de energias limpas, de indústrias verdes ou do comércio digital, correndo a par com mais investigação, criatividade e design. Propostas a que não falta o imaginativo jeito brasileiro ao descobrir-se a crescente procura das redes especializadas na manutenção de jardins, no cuidado e acompanhamento de animais de estimação ou na recolha de células estaminais. A pequena economia de Cabo Verde apresentava em 2012 um PIB de pouco mais de 2 biliões de dólares dominado em três quartos pelo comércio, transportes, turismo e, sobretudo, serviços públicos. O arquipélago sofre, como é consabido, de sérios problemas de abastecimento

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de água, ciclos recorrentes de secas e pobres solos agrícolas. Apesar de 42% da população viver em zonas rurais, a comparticipação da produção agrícola no PIB é muito baixa, cerca de 8,1%, obrigando o país a importar 82% da alimentação que consome. A indústria oferecia cerca de 15,8% ao PIB, assim se gerando condições económicas associadas que têm vindo a produzir um deficit financiado pela ajuda externa e pelas remessas dos emigrantes que chegam a 20% do produto. A diversificação económica fixou-se firmemente nos discursos políticos oficiais e nos planos do governo cruzando hubs e clusters. Cabo Verde projecta poder vir a ser um hub internacional de prestação de serviços, aproveitando a sua importante posição estratégica marítima e aérea em combinação com o desenvolvimento de um cluster do mar, associando pescas, logística, manutenção naval e cruzeiros, um cluster de agro-negócio e um inovador cluster de tecnologias de informação e E-governance. Na Guiné-Bissau a diversificação económica é uma miragem que chegou muito fragmentariamente aos planos de governos breves constantemente dissolvidos e substituídos em recorrentes golpes militares mesmo quando foram eleitos democraticamente: o caju representa 90% das exportações da Guiné-Bissau que é o segundo exportador africano depois de Moçambique e o sexto no mundo. Infelizmente, caro quando chega às prateleiras dos nossos super-merca-

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dos, a importação do caju guineense é largamente monopolizada por empresas indianas que compram a 20 cêntimos de dólar por quilo a produção local, menos de um terço do preço recomendado pelo governo. Mesmo assim, o país tem dificuldade em vender, pelo que elementos primários fundamentais de organização económica, infra-estruturas, comercialização e transportes, entre tantos outros, precisam de ser resolvidos antes que se possa pensar em processos de diversificação que exigem estabilidade política, instituições operacionais e estado de direito. Apesar de uma década de continuado crescimento que se prevê atingir 8.5% em 2013 e 8% em 2014, a economia de Moçambique não conseguiu ainda promover mudanças estruturais profundas com impacto significativo na redução da pobreza e no desenvolvimento humano, entre os mais baixos do mundo. Decobre-se um crescimento impulsionado pela produção maior do que a esperada de carvão nas minas de Moatize, alargamento do investimento estrangeiro, expansão do crédito e um ambicioso programa de infra-estruturas que, juntamente com o necessário desenvolvimento da assistência social, convoca um grande esforço financeiro. Com uma inflação que, em 2012, atingiu os mais baixos níveis históricos com 2,7%, o Banco Central moçambicano parece poder continuar a expansão do crédito indispensável para financiar as empresas locais que asseguram empregos e escoram a diversificação económica. Em rigor, porém, a base produtiva da economia de Moçambique continua largamente dependente dos recursos naturais e de alguns desses megaprojectos em funcionamento, concretização ou projecção nos domínios do carvão, alumínio e nas formidáveis descobertas de reservas de gás na bacia do Rovuna que, entre as maiores do mundo, estimadas em 150 triliões de pés cúbicos (tcf), não devem oferecer produção comercial antes de 2019 devido aos grandes investimentos exigidos na sua produção, tecnologia e rede de transportes. Os desafios primários, estruturais e de diversificação económica encontram em Moçambique também a forma de clusters. O país conhece desde as grandes cheias de 2007, um cluster de protecção e educação, reunindo ao Instituto Nacional de Gestão de Catástrofes (INGC) à UNICEF e à Save the Children, novamente activo nas cheias deste ano. Um cluster debruçado sobre a segurança alimentar associa a WFP e a FAO. Nos últimos anos, foram-se multiplicando os planos e projectos de clusters de agro-negócios, minerais, logísticos e até para o aproveitamento e comercialização do óleo

de palma. A economia de Portugal tornouprogressivamente mais diversifica desde a adesão à União Europeia (à ép ca ainda CEE), em 1986, apesar de centrar no sector dos serviços que co tribui em cerca de 75% para o PIB naci nal. Infelizmente, como se bem sabe, crescimento económico foi fortemen infirmado pela crise global de 2008, co rendo a par com a concorrência oriu da de países com menores custos produção, da Europa do Leste a muit partes da Ásia, espaços que têm vindo atrair muito mais investimento direc estrangeiro. Tudo isto apesar dos ma do que generosos fundos estruturais e ropeus incapazes durante décadas modernizar parte importante do teci industrial português, das verbas ime sas, percentualmente entre as maior da União Europeia, canalizadas pa uma educação e formação muitas vez medíocre em contraste com o desenvo vimento muito mais qualificado de alg mas áreas importantes da investigaç científica e tecnológica. Nada, contud comparável aos colossais investiment em infra-estruturas que, como muit auto-estradas, caras e várias vazia comprometeram sucessivas gerações contribuintes ao seu pagamento e i trincada gestão. O déficit orçamental comercial foi-se alargando tanto como dívida soberana, sendo o resto da nov la de (infeliz) final conhecido: em Ma de 2011, Portugal recebeu da UE e FMI um resgate de cerca de 80 biliõ de euros que, vigiado regularmente p uma estrangeira troika de técnicos, pr curava resolver o problema da dívi portuguesa. Como agora se reconhec não resolveu nem a dívida, nem o d ficit público nem muito menos os con trangimentos estruturais da economi antes multiplicando problemas socia que, entre muitos outros indicador negativos, se expressam dramaticame te numa taxa de desemprego acima d 17% contra os 8% em 2007. A troikia receita voltou a aplicar algumas das s luções que, desde o final da década 1990, exageram os controlos orçame tais (que não existem assim nos EUA no Japão...) e vagas reformas macro conómicas desprezando quase compl tamente as políticas de crescimen económico. Neste contexto de crise, palavra diversidade escuta-se pouco e Portugal (trata-se mais simplesmente sobrevivência...) se exceptuarmos a gumas notícias recorrentes sobre o a mento das exportações que estariam ganhar em volume e precisamente e diversidade. No entanto, os principa destinos das exportações (e das impo tações) portuguesas são a Espanha, Alemanha e a França, sendo a UE re ponsável por 74% das vendas extern de Portugal e 73% das importações, ap recendo os EUA, o Brasil e Angola com os outros principais destinos das lus exportações, mas ainda relativamen marginais. Acresce igualmente que sabe muito pouco e estudam-se ain menos as fontes empresariais das expo tações portuguesas. A maior parte d empresas cotadas em bolsa encontraconcentrada num pequeno número sectores: financeiro, energia, distribu ção, comunicações, construção e indú trias do papel. A maioria das empres destes sectores vendem sobretudo pa

lusofo

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o mercado interno, salvo as indústrias de papel, pelo que não parece poderem contribuir para a diversificação de mercados. Em contraste, muitas empresas exportadoras não se encontram sequer cotadas em bolsa, sendo de presumir que são pequenas, não conseguindo sustentar os custos de abrir os seus capitais a investidores individuais. Não devem também ter a escala, a sofisticação tecnológica e a inovação que certamente atraíria os grandes investidores estrangeiros (o que não acontece...). Neste contexto, não vale a pena procurar os hubs ou os clusters que atravessam sectores, potenciam sinergias, ampliam escalas e qualificam a circulação nos mercados globais. Ficam os onze polos de competitividade e os oito clusters preparados governamentalmente pelo Plano Tecnológico de 2005, reconhecidos em 2009, mas entretanto quase esquecidos entre as austeridades e a continuada recessão que nega ao Estado (mas também à iniciativa privada…) o soberano direito de investir em políticas de crescimento económico de que a diversidade deveria ser processo fundamental. Saltando na ordem alfabética, com a devida desculpa, por cima de São Tomé e Príncipe que, ao continuar a manter relações diplomáticas com Taiwan, não é membro do Fórum de Macau, chegue-se mais longe a Timor-Leste. Anunciado recentemente como o país que mais irá crescer em 2013 na oceânica região da Ásia-Pacífico, as gentes timorenses (ou, pelo menos, as suas elites políticas) vivem a saudável excitação de um bem elaborado Plano de Desenvolvimento Económico para os próximos vinte anos que, até 2030, pretende transformar uma nação ainda pobre num território de rendimento médio. Já várias vezes referenciado, o plano procura mobilizar um enorme investimento de 10 biliões de dólares para transformar a costa sul, em torno de Suai, numa grande área de processamento e produção de petróleo e gás, reunindo refinarias, instalações portuárias e centros logísticos. Numa população de 80% de camponeses, o plano não deixa obrigatoriamente de dirigir investimentos para o desenvolvimento rural, prevendo a exportação de produtos agrícolas e de gados. Em contraste com esta sorte de euforia planificadora, o FMI sublinhou em relatório sobre a sua situação económica e social que Timor-Leste é o país do mundo mais dependente dos recursos petrolíferos, produzindo muito pouco mais do que a venda de 15 milhões de dólares de café, quase inteiramente comprados pela Starbucks, representando 90% das exportações não-petrolíferas. Este e vários outros estudos internacionais destacam também as sérias fragilidades sociais de um país com elevados índices de mortalidade infantil

onias

ou a quarta maior taxa mundial de fertilidade com as suas 6,5 crianças por casal, assim exacerbando a insegurança alimentar e um excessivo desemprego, cerca de 40% entre os jovens. A sociedade timorense precisa, por isso, de melhorar urgentemente a saúde, a segurança social e a educação que apenas recebem actualmente cerca de 10% do orçamento do governo. Mais ainda, os dirigentes políticos estão perfeitamente conscientes de que a maioria dos timorenses não precisa necessariamente de propano ou de combustível diesel, mas de comida e água, formação, apoio e um desenvolvimento social sustentado que exige mais diversificação económica a mobilizar tanto do cada vez mais rico Fundo do Petróleo como da cooperação internacional. Do outro lado da relação que a plataforma de Macau pretende ajudar a interligar através de serviços, a República Popular da China emergiu rapidamente como a segunda economia do mundo aproveitando as oportunidades da globalização e da integração dos mercados financeiros, tornando-se parte central e integral – em rigor, indispensável – da paisagem económica mundial. As sucessivas lideranças políticas chinesas têm vindo a incentivar cada vez mais presença económica internacional e investimentos transnacionais que já não se dirigem apenas para a importação e exploração de recursos naturais, visando rapidamente chegar ao desenvolvimento tecnológico, à inovação e à criatividade necessários para sustentar o desenvolvimento económico e social doméstico. Por isso, a maior parte das gigantescas empresas estatais chinesas encontra-se em processo de diversificação de produções e investimentos muito para além dos seus monopólios tradicionais em petróleo, gás, tabaco e alimentação, ao mesmo tempo que o governo central convida a uma diversificação dos mercados externos face à crise na UE e à tímida recuperação da economia norte-americana, sugerindo uma ainda maior presença nos mercados emergentes da África e América Latina. Seja como for, com a evidente excepção do Brasil, desenvolvendo uma continuada diversificação industrial desde a década de 1930, e com algum patriótico reflexo de boa vontade também de Portugal, os outros Países de Língua Portuguesa e a própria República Popular da China são transeuntes mais recentes dos caminhos das políticas de diversificação com que se ganha a indispensável sustentabilidade económica e social em ambiente de competitiva globalização. Assim, um serviço relativamente simples que o Fórum de Macau ou os muitos Gabinetes que se querem de estudo do governo da RAEM poderiam sistematicamente prestar às relações económicas e comerciais entre a China e os PLP era o de investigarem rigorosamente as muitas experiências bem sucedidas de desenvolvimento de políticas de diversificação noutros países, regiões e cidades, aprendendo com os outros.

Estudar e Aprender com os outros

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iajando para muito perto, Hong Kong encontra-se nestes últimos anos a realizar impressivos esforços de planificação e investimento em políticas de diversificação capazes de escorar um crescimento económico sustentado que, actualmente, continua ainda excessivamente dependente do sector financeiro e do imobiliário. O governo desenhou um plano integrado de diversificação económica centrado em seis domínios fundamentais: (i) alargamento do acesso à educação em especial no ensino universitário; (ii) desenvolvimento de mais hospitais privados de elevada qualidade; (iii) reconhecimento internacional de profissões técnicas e especializadas; (iv) transformação de Hong Kong numa cidade verde; (v) investimento em investigação científica e desenvolvimento; (vi) apoio à circulação internacional das indústrias culturais e criativas. Algumas destas áreas receberam já consagração no 12º Plano Quinquenal da República Popular da China, tendo o governo central em Pequim acordado em sediar doze laboratórios de estado em Hong Kong, abrindo igualmente o mercado continental às indústrias culturais e criativas, incluindo concursos, exposições, muito mais cinema, abundante design e entretenimento digital. Estes esforços de diversificação acolhem-se à Comissão para o Desenvolvimento Económico que, presidida pelo Chefe do Executivo da RAEHK, reúne outros responsáveis governamentais, empresários, financeiros e académicos que têm fundamentalmente produzido uma colecção importante de orientações de diversificação sobretudo apostada na mobilização também dos muitos milhares de activas pequenas e médias empresas de Hong Kong. Ao mesmo tempo, a comissão decidiu apoiar com instrumentos financeiros e técnicos a rápida diversificação dos mercados externos de Hong Kong especialmente no Sudeste Asiático, Médio-

-Oriente, Rússia, Índia e América do Sul. O programa de políticas de diversificação tem-se concretizado nos mais diferentes investimentos, estendendo-se do alargamento do Parque de Ciência à sistemática introdução de veículos eléctricos no governo, tendo chegado a 200 no ano passado. Por vezes, a diversificação ressalta das próprias oportunidades abertas pelo crescimento exponencial das classes altas e médias na China continental: Hong Kong é já o primeiro mercado mundial de leilões de vinho e o quarto de arte, crescimentos que se alargam ao coleccionismo de peças orientais ou ao livro antigo com as suas grandes feiras anuais especializadas. Entre as economias do Sudeste Asiático sobressai actualmente a diversificação económica de Singapura, apesar dos seus apertados limites territoriais. Atingida duramente pela crise financeira regional de 1997, pela pandemia do SARS em 2003 e, mais recentemente, pela recessão quase global de 2008, os responsáveis da cidade-estado perceberam que não poderiam continuar a sustentar a prosperidade económica e social através da fixação de firmas multinacionais, poucos impostos, baixos custos operacionais e uma grande qualidade de vida em ambiente tropical mais ou menos anglófono. Nestes últimos anos, Singapura desenhou e passou a desenvolver planos ousados de diversificação centrados na investigação científica, na requalificação da educação e na atracção dos melhores talentos. No centro das políticas de diversificação encontra-se o agressivo Conselho de Investigação, Inovação e Empreendedorismo dirigido pelo próprio primeiro-ministro que, reunindo três ministérios, quatro agências, várias escolas superiores e institutos de investigação, mobiliza biliões de dólares para atrair investigação internacional e investir em pesquisa no estrangeiro. O ConCONTINUA NA PÁGINA SEGUINTE >

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selho gere actualmente 21 agências em 12 países, seis nos EUA, desenvolvendo investimentos e indústrias que contribuem agora para 40% do PIB de Singapura. Os institutos de investigação agrupados na Agência de Investigação, Ciência e Tecnologia reunem mais de 5000 investigadores e outros trabalhadores em áreas de pesquisa que se estendem do espaço às nanotecnologias, permitindo que empresas multinacionais nos mais diversos sectores económicos possam aceder aos laboratórios subsidiados pelo Estado para desenvolvimento dos seus produtos, transferência de tecnologias e acções de marketing. Estas colaborações têm vindo a ser reagrupadas em projectos de investigação internacionais e na produção de várias patentes originais. Em consequência, diversas companhias internacionais decidiram transferir laboratórios e investigação para Singapura. A Procter & Gamble, por exemplo, está a instalar na cidade-estado um laboratório avaliado em 97 milhões de dólares para o desenvolvimento de produtos para a pele e o cabelo dirigidos ao grande mercado asiático. A Danone investiga nutrição maternal, neonatal e infantil. A chinesa Baidu abriu um laboratório de tecnologias de linguagem especializado nas línguas e dialectos do Sudeste Asiático. A farnacéutica Roche investiga em Singapura o cancro e doenças infecciosas. E a Vestas instalou no território os seus laboratórios e pesquisas avançadas em energias eólicas. Um pouco mais longe, entre os Estados do Golfo Pérsico descobrem-se décadas bem sucedidas de diversificação económica a partir de uma dependência original esmagadora dos rendimentos petrolíferos. O exemplo mais conhecido e melhor estudado é o do Dubai que, com a sua população de pouco mais de dois milhões de habitantes, conseguiu reduzir progressivamente o peso do petróleo até aos curtos 6% que representa agora no PIB do emirato. Definido quase paradoxalmente como uma economia capitalista de livre mercado centralmente planificada, o Dubai implementou as suas políticas de diversificação económica a partir da década de 1970, começando pela construção do porto internacional de Jebel Ali, a maior estrutura portuária artificial do mundo, seguindo-se a a atracção e fixação de serviços bancários e financeiros globais, a oferta de comércio livre de ouro e a criação em 1985 de uma das mais frequentadas e respeitadas companhias aéreas do mundo. A partir dos anos de 1990, gerou-se uma inteligente estratégia

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de desenvolvimento de hubs globais, sobretudo através da Dubai Internet City em combinação com a Dubai Media City  onde se encontram companhias gigantes como a EMC, a Oracle, Microsoft, Sage e IBM, a que se juntaram media globais como a MBC, CNN, Reuters e AP. Esforços de especialização consolidados com uma progressiva qualificação turística, ampla especialização dos transportes comerciais globais, da logística e do retalho, mais trinta anos de cuidados investimentos no desenvolvimento do ensino universitário fazendo com que o Dubai ofereça actualmente 18 universidades internacionais entre as quais se encontram campus de grandes universidades norte-americanas, britânicas, australianas e indianas. Até mesmo em África com os seus imensos desafios de desenvolvimento se podem encontrar exemplos bem conseguidos de diversificação económica. Um paradigma eloquente é o caso do Botswana. Alcançando muito pobre e sub-desenvolvido a independência em 1966, este país com

de inovação desenvolveu uma plataforma de investigação, actividades intensivas de conhecimento e incubadoras de empresas e negócios locais e internacionais; o hub diamantífero partiu da exploração mineira primária para erguer um centro internacional de acabamento e produção de joalharia; o hub da medicina gerou os projectos e programas que, atraindo especialistas de renome, construíram um centro de excelência na provisão de serviços de saúde; por fim, o hub de transporte desenvolveu a rede ferroviária, viária e aérea que suportou a logística, a distribuição e a comercialização. Poder-se-iam multiplicar com utilidade os exemplos de bem conseguidas políticas de diversificação, convocando mesmo entidades sub-nacionais que, como regiões metropolitanas e grandes cidades, souberam mobilizar e integrar adequadamente as oportunidades muitas oferecidas pela globalização, mas existe na literatura da especialidade um recorrente caso de estudo paradigmático que associa o interesse

pouco mais de dois milhões de habitantes, ocupado em 70% pelo deserto do Kalahari, tornou-se numa das economias mundiais de mais rápido crescimento, sendo agora sociedade de rendimentos médios que, com os seus invejáveis 16.800 dólares de PIB per capita em 2012, aparece nos índices de qualidade de vida ao lado do México ou da Turquia. O Botswana tem a mais longa tradição africana de democracia representativa, é segundo no índice de desenvolvimento humano entre os países da África subsaariana e, de acordo com a exigente Transparência Internacional, é o menos corrupto Estado do continente, situando-se nos rankings da especialidade ao lado de Portugal e da Coreia do Sul. No último quarto de século, o Botswana soube com sucesso diversificar a sua economia originalmente muito dependente da exploração diamantífera através do desenvolvimento de seis hubs qualificadamente estudados e planificados: um hub educativo criou a Universidade do Botswana, a Universidade Internacional de Ciência e Tecnologia, o Colégio de Agricultura e o Colégio de Contabilidade, atraindo académicos internacionais e, depois, estudantes de toda a África; um hub

da investigação académica à muita admiração (senão mesmo inveja...) política, económica e social: a Noruega. Com os seus 5 milhões de habitantes, a Noruega encontra-se sempre entre os quatro países mais ricos do mundo, lidera há muitos anos o índice mundial de desenvolvimento humano, é também o primeiro país nos rankings de democracia, possui as mais abundantes reservas monetárias per capita, exibindo um dos melhores sistemas universais de segurança social e de saúde, ensino largamente gratuito, a mais estreita diferença entre altos e baixos rendimentos individuais, tudo isto estribado num sistema económico em que o Estado continua a manter ampla presença e a controlar sectores e companhias fundamentais, o que talvez ajude a explicar porque é que os noruegueses rejeitaram a adesão à UE em referendum por duas vezes, em 1972 e 1994. E, no entanto, a descoberta em 1969 de amplas reservas de petróleo e gás nas águas marítimas norueguesas, entre as maiores do mundo fora do Médio-Oriente, convidava as governações e os noruegueses a descansarem à sombra do oportuno achado e a viver prosperamente graças aos redimentos mais do que

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pingues da exploração e exportação petrolíferas. Ao contrário, a Noruega decidiu acumular esses rendimentos num fundo sistematicamente dirigido para lucrativos investimentos no estrangeiro, canalizando para a economia doméstica apenas os capitais que, evitando pressões inflacionistas e aumentos de custos de produção, podiam ser absorvidos em diversificação industrial e qualificação dos recursos humanos. Assim, o país conseguiu desenvolver outras exportações longe da exclusividade do petróleo e gás: é hoje o segundo maior exportador mundial de produtos piscícolas, o sexto exportador de alumínio e o líder global na exportação de produtos e tecnologias sub-aquáticos, já para não falar nesse fiel amigo que nós, portugueses, associamos precisamente ao bacalhau da Noruega. Paradigma primeiro no sucesso de longa duração no desenvolvimento de continuadas políticas de diversificação, a Noruega investiu sobretudo na qualificação das pessoas, na educação, na participação laboral e na produtividade, fazendo actualmente com que o capital humano represente 82% da riqueza do país contra apenas 7% do petróleo e gás. Infelizmente, não existe ainda investigação suficiente que, cruzando todos os casos, tanto os sucessos quanto os maus exemplos, consiga generalizar as boas orientações em políticas de diversificação. Provavelmente, cada caso é singular, pese embora algumas ideias panorâmicas. A mais importante parece ser a de que, em ambiente de alargamento do processo de globalização, a diversificação económica é um processo, em rigor, um processo político em que se combinam decisões estratégicas, instrumentação e investimentos associando instituições, economia, sociedade civil e oportunidades globais que não se decidem apenas em função do mercado. Mais ainda, não se trata de um processo escorado em nenhum tipo anterior de vantagens comparativas estáticas, mas antes de um processo dinâmico e complexo. O mais importante é mesmo o processo de formulação, no qual é preciso identificar com rigor os problemas e oportunidades que, apenas depois, decidem instrumentos concretos. Seja como for, a diversificação é agora palavra bem instalada em quase todas as políticas económicas nacionais. Encontra-se tanto nos planos da República Popular da China como em programas, projectos e estratégias dos Países de Língua Portuguesa. Por isso, a próxima década é para a RAEM e o seu Fórum de Macau a do desafio da diversidade, encarando a dos outros como uma oportunidade imperdível de realizar a sua.

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como

A

começar, o Fórum de Macau pode oferecer plataforma fundamental a toda uma vasta gama de serviços em que se estudam, organizam e propõem soluções e instrumentos de harmonização em muitos dos sectores económicos em que se movimenta a relação económica e comercial entre a China e o PLP. No campo da engenharia, por exemplo, muitas empresas chinesas têm acesso difícil aos mercados da construção nos países lusófonos por desconhecimento e incapacidade de adaptação a normas, regulamentos e legislações diferentes. O que acontece no domínio da arquitectura, da saúde, da educação, dos investimentos comerciais e financeiros, nas regras de contabilidade ou no reconhecimento de taxas alfandegárias e impostos, podendo multiplicar-se os muitos casos, sectores e ainda mais oportunidades em que os serviços da RAEM através dos seus muitos quadros qualificados lusófonos poderiam oferecer ajuda indispensável aos mais variados investimentos, comércios e cooperações entre a China e os PLP. Em continuação, já pensado em anteriores planos de acção do Fórum de Macau, a RAEM encontra-se também em perfeitas condições de abrigar um centro de arbitragem de conflitos comerciais entre a China e os PLP, aproveitando tanto o seu sistema jurídico especial quanto a enorme competência de advogados e juristas lusófonos activos no território nas mais diferentes áreas económicas e comerciais. Some-se também a cooperação técnica em diferentes áreas especializadas em que a RAEM pode oferecer serviços qualificados, como parecem ser as alfândegas, zonas económicas especiais, áreas jurídicas, serviços

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Serviço

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bancários, tradução e interpretação, formação de pessoal médico e de enfermagem, mais os incontornáveis turismo e indústrias de jogo em que se concretizaram já oportunos acordos para estágios de técnicos dos PLP. A cooperação em serviços de consultadoria e assessoria a ministérios, departamentos e instituições governamentais dos PLP que, podendo convocar muito pessoal especializado de língua portuguesa a trabalhar na RAEM, tem a enorme vantagem de cerzir uma rede de contactos, conhecimento e fraternas cumplicidades com os quadros dirigentes dos diferentes países soberanos lusófonos. A formação de recursos humanos dos PLP tem vindo a receber renovada atenção com a criação do Centro de Formação do Fórum de Macau, em 2011, mas parece necessário concretizar serviços ainda mais comprometidos com o desenvolvimento económico e social dos PLP, os investimentos e a cooperação chineses. Assim, afigura-se importante perceber rigorosamente as necessidades de formação requisitadas pelos países membros do Fórum e passar a deslocar acções para o interior dos próprios PLP, complementando a forma até agora dominante de acolher alguns formandos em Macau. A deslocação de formadores da RAEM aos PLP através do Fórum de Macau permite chegar a um maior número de formandos, especializar também sistematicamente a formação de formadores e atender mais especializadamente às necessidades nacionais e locais. O que permitirá perceber melhor as exigências e desafios que se colocam ao desenvolvimento dos recursos humanos nas relações entre a China e os PLP. A cooperação na área das indústrias cul-

A Diversificação Fórum de Macau

turais e criativas é, como se viu, uma aposta omnipresente em todas as políticas de diversificação. Com o seu património e história singulares, encruzilhado em lusofonias e encontros entre o ocidente e o oriente, Macau pode oferecer experiência, formação, animação de projectos e actividades muitas passíveis de ligarem culturalmente a China e os PLP. Com a vantagem de poder vir a desenvolver novos sectores económicos e oportunidades de circulação de criadores, talentos e ideias. O Fórum de Macau deve ainda dinamizar a colecção de acordos e protocolos estabelecidos entre organismos dos PLP e os meios de comunicação social do território que estarão certamente abertos a receber estagiários, oferecer formação e compartilhar a sua experiência qualificada na produção de noticiários e programas em língua portuguesa. Cooperações que se poderiam alargar a muitas outras áreas, das universidades à gestão urbana, da segurança ao lazer, da adminsitração pública aos empreendedorismo privado. O Fórum de Macau precisa de ganhar as condições para dinamizar, mobilizar e concretizar os serviços que a diversificação das relações económicas e comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa exigirão cada vez mais. É rigorosamente a qualificação desta plataforma de serviços que pode atrair mais empresas lusófonas a instalar-se em Macau, ampliando investimentos, oportunidades e trabalho. Os serviços da plataforma da RAEM para as relações económicas e comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa são uma das mais sérias avenidas para a diversificação económica de Macau. Haja a inteligência de a percorrer.

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O Rio entregue aos franceses

Publica

textos de estudo e opinião sobre a diversidade cultural das Lusofonias

Ideias

Jean Marcel Carvalho França*

“Hoje sabemos, por meio da correspondência mantida entre o Vaca e Duguay-Trouin, que o governador do Rio de Janeiro comportou-se de maneira covarde e subserviente em relação ao inimigo; sabemos, igualmente, que o mediador do acordo de rendição, o jesuíta Antônio Cordeiro, nutria enormes simpatias pelo senhor DuguayTrouin e que sua ordem recebeu muitos elogios nas “Memórias” legadas pelo corsário; sabemos, ainda, o que é pior, que o sobrinho e ajudante do Vaca, um tal Francisco Xavier de Castro Morais, de maneira cínica, obscena e acintosa, trocou, pouco tempo depois do ocorrido, afetuosa correspondência com um dos invasores, o capitão-general e intérprete Louis Chancel de Lagrange.” VIII

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á um episódio curioso da história do Brasil, lamentavelmente pouco ensinado nas escolas, que diz muitíssimo sobre o modo como os administradores deste país zelam pela vida das populações que estão debaixo de sua responsabilidade. O caso é mais ou menos o seguinte. Em 1711, a então próspera cidade do Rio de Janeiro, escoadouro das riquezas que começavam a vir das Minas Gerais, viu-se, numa enevoada manhã de setembro, invadida por piratas franceses, sob o comando do renomado general René Duguay-Trouin. Reza a história que, aproveitando-se de um intenso nevoeiro, os corsários passaram pela embocadura da baía de Guanabara, tomaram a ilha das Cobras e em poucos dias tornaram-se senhores da cidade. Os custos para a população de tão inoportuna visita foram significativos. Além de terem de arcar com um polpudo resgate -condição imposta pelo pirata para não reduzir a cidade a cinzas-, os cariocas viram as suas casas serem saqueadas e destroçadas, suas igrejas vandalizadas e roubadas, seus poucos monumentos destruídos e, sobretudo, alguns vizinhos serem mortos. À primeira vista, tudo leva a crer que as autoridades e a população foram “pegos de calças curtas” e não tiveram nem tempo, nem meios para deter o avanço dos invasores. Uma fatalidade, em suma. A história, porém, é um pouco mais complexa e, porque não dizer, sórdida. Poucos meses antes do ocorrido, em agosto de 1710, a cidade tinha sido atacada por um outro grupo de piratas franceses, liderados por Jean François Duclerc. Nesta ocasião, uma série de erros estratégicos cometidos pelos corsários, livrara a urbe do pior. Duclerc acabou, inclusive, prisioneiro dos cariocas e foi assassinado na cidade, não por razões de Estado, mas por querelas amorosas. Tinha-se, pois, tanto em Portugal quanto no Brasil, ciência de que os franceses alimentavam grande interesse pela cidade e, mais ainda, que desejavam vingar a derrota e a morte de Duclerc. Mas não só. Poucas dias antes de pôr-se a caminho do Rio de Janeiro, a frota de Duguay-Trouin, composta por 17 embarcações e 1.500 homens- havia sido descoberta pelos ingleses, que tentaram deter a sua partida do porto de Brest, obrigando o corsário a reagrupar e partir do porto de La Rochelle. Trocando em miúdos, as administrações metropolitana e colonial estavam cansadas de saber que os franceses tinham organizado uma nova frota corsária e que estavam a caminho do Rio de Janeiro. Apesar disso, todos “relaxaram” e não tomaram qualquer providência. O alemão Jonas Finck, cujo navio -uma embarcação inglesa a caminho da Índia- estava reabastecendo na cidade quando da invasão, dá-nos uma medida do tamanho da despreocupação e do improviso: “No dia 24 de agosto, o governador do Rio de Janeiro foi informado de que uma frota de 15 navios tinha sido vista perto da costa do Brasil. Uns não acreditaram na notícia, outros mostraram-se preocupados, pois temiam que fossem navios franceses, que vinham vingar a derrota sofrida há um ano pelos seus compatriotas. (...) Os portugueses, diante das notícias, começaram a preparar-se para a defesa (...)”. Ora, pelo que se vê, as autoridades não foram vítimas do cruel destino, mas da sua secular imprevidência, do desleixo português. Mas o problema não acaba aí. Os cinco testemunhos da invasão de que dispomos -três franceses, um alemão e um inglês- são unânimes em asseverar que o governador e seus generais perderam diversas batalhas ganhas, ora por covardia, ora por incompetência, ora pelos dois. Ouçamos, a este respeito, o que deixou registrado uma dessas testemunhas do ocorrido, o capitão inglês Joseph Collet. Aos seus superiores na Inglaterra, o capitão, um espectador neutro do episódio, relatou o seguinte: “Quatorze dias depois da nossa chegada, o senhor Duguay-Trouin, à frente de 15 navios de guerra franceses, algumas fragatas e 2 bombardas, entrou no porto e, em menos de 1 hora, dele assenhorou-se. E isso malgrado a oposição dos fortes portugueses e de 4 dos seus navios de guerra. Em 3 dias, os franceses

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se apossaram da cidade e de todos os fortes, os quais eram bastante poderosos. As forças terrestre e naval francesas perfaziam cerca de 3.500 homens. Os portugueses, por seu turno, contavam com 1.000 soldados das tropas de linha, 200 marinheiros, 4.000 cidadãos armados e entre 7 e 8 mil negros. Todos, depois de uma pequena canhonada e sem que houvesse um único ferido, deixaram a cidade durante a noite, mandando à frente suas mulheres e riquezas. E assim procederam não por falta de armas ou munição, que foi deixada para trás em grandes quantidades”. Até mesmo os invasores, que tinham interesse em valorizar a vitória, deixaram escapar reiteradas vezes nos seus testemunhos que as tropas francesas estavam mal preparadas e cometeram inúmeros erros, os quais foram compensados pela inépcia portuguesa. A incompetência foi tanta que o interventor nomeado pela Coroa -um homem decidido, do gênero faça ou vá embora-, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, escreveu ao governador geral do Brasil que, quando chegou ao Rio de Janeiro, a população estava revoltada e queria matar o governador Francisco de Castro Morais, o Vaca -note-se bem, não vaiá-lo, mas matá-lo-, a quem acusavam de covardia, incompetência e, em última instância, de ter vendido e entregue a terra. De facto, Francisco de Castro Morais, depois de uma devassa -a CPI de então-, foi julgado culpado pela perda da cidade e condenado ao degredo, com prisão perpétua, numa fortaleza da Índia. O Vaca, como era conhecido, foi perdoado em 1730 e retornou para Lisboa -com direito a ter seus vencimentos restituídos. Prova de inocência? Nem tanto. Hoje sabemos, por meio da correspondência mantida entre o Vaca e Duguay-Trouin, que o governador do Rio de Janeiro comportou-se de maneira covarde e subserviente em relação ao inimigo; sabemos, igualmente, que o mediador do acordo de rendição, o jesuíta Antônio Cordeiro, nutria enormes simpatias pelo senhor Duguay-Trouin e que sua ordem recebeu muitos elogios nas “Memórias” legadas pelo corsário; sabemos, ainda, o que é pior, que o sobrinho e ajudante do Vaca, um tal Francisco Xavier de Castro Morais, de maneira cínica, obscena e acintosa, trocou, pouco tempo depois do ocorrido, afetuosa correspondência com um dos invasores, o capitão-general e intérprete Louis Chancel de Lagrange. Em missiva datada de 13 de outubro de 1711, Xavier escreve ao amigo Lagrange: “Meu senhor, suponho vive vossa mercê do sentimento do muito que o amo, assim não ignorará o muito que vivo saudoso da sua vista. Razões que me obrigam a pedir a vossa mercê que me dê alívio de novas suas, enquanto o tempo me dilata o de lhe dar muitos abraços, beijar-lhe a mão, e pedir-lhe ocasiões de seu serviço que, suposto os sucessos e termos a que chegamos, me não dêem muito ânimo a ir a essa cidade, vivo tão afeiçoado às prendas e generosidade de vossa mercê, que ainda que seja mais ao tarde, hei de procurar-me dar de satisfação este gosto, que vossa mercê apeteço”. Venhamos e convenhamos, o tom é de cúmplices, não de inimigos recém saídos de uma batalha. Ao que tudo indica, pois, além de imprevidentes e de incompetentes, as autoridades foram corruptas. A dar ouvidos aos lamentos populares coetâneos e às evidências posteriormente descobertas, Castro Morais e os seus apadrinhados realmente venderam a cidade do Rio de Janeiro para os franceses -sabe Deus a que preço. Resta, porém, neste caso todo, ao menos um consolo: à época, não se imputou a culpa pelo desaire a nenhum soldado raso morto em combate, ainda que o Vaca, quando interrogado sobre por que não se preparara devidamente para o ataque e não cuidara para que seus subordinados não agissem de maneira tão covarde durante a batalha, muito provavelmente tenha respondido: “Eu não sabia!”. *É professor do Departamento de História da UNESP-Franca e autor, entre outros, de “Literatura e Sociedade no Rio de Janeiro Oitocentista” (Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999) e “Outras Visões do Rio de Janeiro Colonial” (José Olympio, 2000)

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