O fulcrum morfossintático: difusão na palavridade

May 28, 2017 | Autor: Miresnei Oliveira | Categoria: Morphology and Syntax
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IEL – Instituto de Estudos da Linguagem – Pós-graduação Unicamp Resenha apresentada na disciplina “Morfologia” (LL 015) – Prof. Angel Aluno Mestrando: Miresnei Bomfim de Oliveira – RA: 152728

O fulcrum do morfossintático: difusão na palavridade

Numa das boas asseverações sobre estruturalismo, diz-se que este não consiste em colocar cada elemento real numa perspectiva absoluta ou face a uma essência que caberia à ciência definir, mas sim em situar cada fato, cada elemento significante do real lugar-comum de certas relações que o definem num determinado conjunto. Assim, compreender significaria distinguir, classificar, relacionar, situar o relativo em cadeia com outros relativos, e tudo isso sem pretensões metafísicas nem ideológicas. Não obstante a essa relativa constatação, quase um consenso entre linguistas, ainda nos deparamos com abordagens que, acadêmicas ou não, atribuem relativos “créditos” ao progresso histórico da linguística “sem considerar”, ou incluir, nesse domínio, o sistema estrutural da língua no nível morfológico, como comumente o fazem gramáticas normativas. Isto posto, o que ainda se faz, e se faz, nos dias atuais, é a eleição discriminatória dessa ou daquela categoria como objeto a ser analisado no nível sistêmico da língua, por exemplo, o fonológico, o semântico, ou ainda o sintático, em detrimento do morfológico. À guisa da ideia de que nenhum sistema está totalmente fechado sobre si, nem é perfeitamente autônomo, é que o ensaio de Martin Haspelmath, intitulado The indeterminacy of word segmentation and the nature of morphology and syntax, publicado em 2011, propõe uma reflexão analítica sobre temas como a conceituação de palavra (em alguns momentos a distinção palavra-frase), a divisão morfologia-sintaxe e, por fim, o conceito de wordhood, em relação ao qual, traduzo livremente como palavridade, como o fazem alguns autores brasileiros. Divide, pois, seu texto em nove seções abertas, não necessariamente interligadas e dependentes, nas quais discute tais temas de forma mais detalhada. Na primeira (palavras e a divisão morfologia-sintaxe), o autor apõe, como sua base geral de discussão, a ideia de que, apesar do conceito de palavra poder ser definido com linguagem específica, sua definição dependeria ainda de um continuum entre afixos e palavras, ou palavras e frases, admitindo-se, assim, relativa difusão ou obscuridade conceitual desse elemento, uma vez que nessas relações (afixos/palavra; palavra/frase) mesmo apresentando algum agrupamento, não há nenhuma evidência sistêmica. Dessa forma, o autor traz à baila um tema talvez controverso aos linguistas da área: a ideia de que não há sentido em se operacionalizar a divisão da morfossintaxe, isto é, falar em uma “morfologia” e em uma “sintaxe” e, ainda que admita um cross-linguistic studies da palavra, sustenta o proeminente autor que haja cuidado nesse processo. Na segunda, encaminha a discussão das potenciais definições de palavra nas quatro principais áreas: semântica, ortográfica, fonológica e morfossintática, ligadas que estão, de um lado, às discussões sobre o modo como a definição de palavra pode se dar de forma intuitiva e, de outro, ao comportamento de uma semântica não-composicional. Em relação a essas quatro áreas, o autor mostra-se

claramente inclinado às três últimas (mais à última), praticamente deixando de lado aspectos semânticos, por exemplo, o que engendraria uma discussão para um trabalho à parte deste, ainda que admita, à certa altura, que definições de palavra frequentemente incluem uma referência ao significado. A terceira seção (Critérios de palavras morfossintáticas) talvez seja a mais densa e analítica do texto e, por isso, a mais importante do ponto de vista conceitual do tema proposto por Haspelmath. Nela, o autor constrói seu argumento com base na apresentação de dez critérios para o estabelecimento de uma palavridade morfossintática, ou seja, o que faz (quais propriedades?) da palavra ser, efetivamente, palavra? A questão fundamental para o autor é: seria um desses critérios, ou a combinação entre eles, necessário e suficiente para definir um tipo de expressão que nos faria intuitivamente pronunciar palavras? Com efeito, o autor propõe que o linguista não se limite a segmentações comuns do tipo ortográficas, como as praticadas na maioria das línguas ocidentais, nas quais, palavras são identificadas enquanto espaços escritos/produzidos em processos de soletração utilizados por falantes ou em análises técnicas superficiais. Diferente disso, deve o linguista encontrar um nível de segmentação sistemática sustentada num entrecruzamento de critérios específicos que não se assemelhem a uma simples ideia de “nível de palavra”. Dessa forma, o autor expõe nessa seção uma extensa lista em que analisa, caso a caso, de forma consistente e precisa, as implicações e inferências internas relativas a cada critério e a seu conjunto. Dentre estes, destaco dois em nível de relevância: Potential pauses e External mobility and internal fixedness. Na seção seguinte, a quarta, o autor opera a combinação desses critérios, por meio da qual operacionaliza, de forma indutiva, a seleção e aplicação de alguns deles. Com isso, sustenta a não rigorosidade do método, o qual, apesar da importância, não possui evidências sólidas para uma noção unitária de palavra, que se aplique a qualquer idioma. Além disso, defende a não sustentação da aplicação de um conceito universal de palavra, de morfologia e de sintaxe (se pensadas, as duas últimas, separadamente). Para o autor, uma maneira de se resolver problemas relacionados ao conceito de palavra morfossintática é postular um conceito difuso de palavra. As seções 5 e 6 discutem, problematizam e desenvolvem os conceitos acima, isto é, o fato de que há tantos conceitos de palavras (conceito difuso) quanto há línguas no mundo; e também, o fato de que os diversos tipos de fronteiras, por exemplo, entre palavras e frases, afixos e palavras, etc, dão prova de que é o reconhecimento dessa difusão, ou obscuridade, que nos conduzirá a respostas mais profícuas e sólidas. A partir do reconhecimento da existência de uma indeterminação relativa na segmentação da palavra, como a apresentada nas duas seções anteriores, é que a seção 7 apresenta as consequências desse pensamento. Assim, uma vez provado e admitido que a palavra seja de difícil definição, como o reconhece muitos linguistas, consequentemente teremos dificuldades em isolar palavras, o que nos conduz a outra dificuldade, qual seja, a de dividir morfologia de sintaxe. A maestria de Haspelmath está em apresentar, pelo menos, três consequências práticas da indeterminação por ele proposta: i) as palavras [só] existem enquanto uma crosslinguistically identificável, pela qual se deveria buscar formas consistentes de

identificação dessas unidades de análise; ii) linguistas não comprometidos não deveriam se preocupar com a divisão morfologia-sintaxe e, por fim, iii) linguistas de diferentes categorias deveriam se preocupar com afirmações que pressupõem o conceito de palavra; (evoca-se aqui, uma espécie de “força-tarefa” na área). Além disso, o autor ainda defende a ideia de que uma linguística comparativa deveria determinar empiricamente se os vários critérios produzem uma aglomeração distributiva. Nas duas últimas seções, uma dedicada a noção de integridade lexical e a outra dedicada a demonstrar qual o sentido da prática indeterminativa, o autor apresenta o plano histórico do desenvolvimento da ideia de distinção entre morfologia e sintaxe, por exemplo, entre os gerativistas, que só a fizeram a partir dos anos 1970, sob o título integridade lexical. Por fim, o autor, em maior ou menor grau, diz, parafrasticamente, o seguinte: não há problema em continuarmos usando nossa nomenclatura, desde que o nosso pensamento não seja o mesmo. O texto de Haspelmath é um convite, em princípio, a um amontoado de questões sem respostas. Todavia, durante seu percurso, observa-se que o valor do rigor ali, bem como suas benesses, é inconteste, seja para o leigo na área, seja para os “ocupantes” de outras categorias linguísticas que não seja a morfologia. O incessante convite que o autor nos faz à reflexão e à desconstrução de conceitos previamente tidos como prontos, nos conduz a incertezas que nos abrem novas descobertas. Conceitos como cross-linguistically, wordhood, morphosyntactic, entre outros, são (e devem ser) vistos, revistos e repensados de forma a posteriori, i.é, não serem utilizados enquanto categorias apenas aplicáveis como meios e fins em si mesmos, numa única área, e sim como potencialmente adjuntas às demais categorias linguísticas, em cujo escopo esteja prevista sua não permanência no lugar comum.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ANDERSON, STEPHEN R. A-Morphus Morphology. Cambridge Studies in Linguistics n.62. Cambridge University Press, 1992. ARONOFF, M; FUDEMAN, K. What is Morphology? Blackwell Publishing, USA, 2005. HASPELMATH, Martin. The indeterminacy of word segmentation and the nature of morphology and syntax. Folia Linguistica 45.1 (2011): 31-80. LEPARGNEUR, H. Introdução aos estruturalismos. São Paulo, Editora Herder – Universidade de São Paulo, 1972.

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