O funcionamento das visitas canónicas e o desvio à norma no quotidiano franciscano (Portugal, 1725-1831)

May 24, 2017 | Autor: B. Rodrigues Cabral | Categoria: Franciscan Studies, Religious History, Religious Orders
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Beatriz Rodrigues Cabral

O funcionamento das visitas canónicas e o desvio à norma no quotidiano franciscano (Portugal, 1725-1831) Dissertação de Mestrado em História: Época Moderna, orientada pela Doutora Maria Antónia Lopes, apresentada ao Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra 2017

Faculdade de Letras

O funcionamento das visitas canónicas e o desvio à norma no quotidiano franciscano (Portugal, 1725-1831) Ficha Técnica: Tipo de trabalho Título

Autor/a Orientador/a Júri

Identificação do Curso Área científica Especialidade/Ramo Data da defesa Classificação

Dissertação de Mestrado O funcionamento das visitas canónicas e o desvio à norma no quotidiano franciscano (Portugal, 1725-1831) Beatriz Rodrigues Cabral Doutora Maria Antónia Lopes Presidente: Doutora Maria Alegria Marques Vogais: 1. Doutor José Pedro Paiva 2. Doutora Maria Antónia Lopes 2º Ciclo em História História História Moderna 27-01-2017 18 valores

Sumário Agradecimentos ..................................................................................................................................... 5 Resumo ................................................................................................................................................... 6 Abstract .................................................................................................................................................. 7 Introdução.............................................................................................................................................. 8 Siglas e Abreviaturas .......................................................................................................................... 14 Capítulo 1 – Abordagens de estudo: visitas canónicas e desvio à norma ....................................... 15 1.1 – Origem e evolução do instrumento de visita canónica a mosteiros e conventos ............... 15 1.2 – Perspetivas de investigação e estado de arte ........................................................................ 23 1.3 – Fontes ...................................................................................................................................... 27 1.3.1 – Estatutos provinciais (séculos XVII e XVIII) .................................................................. 27 1.3.2 – Normas e fórmulas jurídicas (século XVIII) .................................................................... 29 1.3.3 – Livros de visitas (1725-1831) ........................................................................................... 30 Capítulo 2 – A Ordem dos Frades Menores em Portugal................................................................ 33 2.1 – Evolução institucional (1217-1891) ....................................................................................... 34 2.2 – As províncias franciscanas portuguesas no final do Antigo Regime ................................. 54 2.2.1 – O governo provincial e a hierarquia interna ..................................................................... 55 2.2.2 – As províncias .................................................................................................................... 57 Capítulo 3 – Visitas a conventos franciscanos. A norma (séc. XVIII) ............................................ 60 3.1 – Visita do Guardião ................................................................................................................. 60 3.2 – Visita do Ministro Provincial ................................................................................................ 63 3.3 – Visita do Comissário Visitador ............................................................................................. 69 Capítulo 4 – Visitas a conventos franciscanos. A prática (1725-1831) ........................................... 76 4.1 – Assiduidade e agentes ............................................................................................................ 76 4.2 – Procedimentos. Inspeção dos espaços conventuais e inquirição dos religiosos ................ 83 4.3 – Estrutura, conteúdo e frequência de termos e capítulos de visita ..................................... 86 4.4 – Articulação de três visitas por três poderes ......................................................................... 90 Capítulo 5 – Da visita ao processo jurídico (séc. XVIII) .................................................................. 93 5.1 – Condições para proceder juridicamente .............................................................................. 93 5.2 – O processo: inquirição jurídica ou devassa e sentença ....................................................... 98 5.2.1 – Inquirição das testemunhas contra o réu........................................................................... 98

5.2.2 – Depoimento do réu, apresentação de descargos e inquirição de testemunhas de defesa 102 5.2.3 – Sentença e apelação ........................................................................................................ 105 Capítulo 6 – Imperfeição e transgressão no quotidiano franciscano (1725-1831) ....................... 109 6.1 – A Província da Piedade. Um século de gradual debilitação (1725-1825) ........................ 110 6.1.1 – O Convento de Santo António de Fronteira através dos capítulos das visitas ................ 110 6.1.2 – A Província da Piedade através da documentação provincial ........................................ 111 6.1.2.1 – A fronteira com o século: igreja, coro e portaria ..................................................... 112 6.1.2.2 – A clausura: refeitório, dormitórios e celas, enfermaria, livraria e oficinas ............. 114 6.1.2.3 – Convivência, lazer e instrução ................................................................................ 116 6.1.2.4 – Vestuário, calçado, acessórios e tonsura ................................................................. 119 6.1.2.5 – Bens, dinheiro e favores .......................................................................................... 121 6.1.2.6 – Vagueação, pernoita e residência fora da clausura.................................................. 123 6.1.2.7 – Administração da comunidade e obediência aos superiores ................................... 124 6.1.2.8 – A gradual degradação da Província da Piedade ...................................................... 127 6.2 – O Convento de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos (1778-1826) ..................... 131 6.3 – O Convento e Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes (1746-1831) ........ 132 6.4 – A divergência informativa entre capítulos de visita e documentação provincial ........... 133 Conclusão ........................................................................................................................................... 136 ANEXOS ............................................................................................................................................ 141 ANEXO 1 – Visitas ao Convento de Santo António de Fronteira, Província da Piedade, Mais Estreita Observância (1725-1825) ............................................................................................... 141 ANEXO 2 – Visitas ao Convento de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos, Província de Portugal, Regular Observância (1778-1826) .............................................................................. 147 ANEXO 3 – Visitas ao Convento e Seminário Apostólico de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes (1746-1831) ................................................................................................................. 148 Fontes e estudos ................................................................................................................................. 150 Fontes manuscritas ....................................................................................................................... 150 Fontes impressas ........................................................................................................................... 151 Instrumentos auxiliares ................................................................................................................ 153 Estudos ........................................................................................................................................... 153

Agradecimentos Antes de apresentar o resultado de cerca de um ano de trabalho, que não foi isento nem de entusiasmos nem de dificuldades, devo agradecer a todos os que de alguma forma contribuíram para que ele não fosse meramente um conjunto de ideias nem ficasse pelo caminho, mas se concretizasse numa investigação e dissertação de mestrado. Antes de mais, sem grandes particularidades, agradeço aos funcionários dos arquivos e bibliotecas em que trabalhei, a sua prestabilidade e simpatia, nomeadamente da Torre do Tombo e do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. O bom ambiente existente nestes espaços tornou bem mais agradável a minha rotina na capital. Pela sua disponibilidade, partilha de conhecimentos e ainda sugestões de leitura e de contactos, agradeço aos Doutores José Pedro Paiva, Saul António Gomes e Isabel dos Guimarães Sá. Um agradecimento especial dedico a D. Frei António Montes Moreira, estudioso franciscano, que se disponibilizou em conversar e partilhar comigo um pouco do seu saber sobre a Ordem dos Frades Menores. Por estarem a viver a mesma situação, agradeço às minhas amigas Mariana Pires e Nádia Lopes, toda a sua amizade e a troca de experiências, que me serviu sempre de motivação e conforto. Por razões semelhantes, agradeço ainda ao Kevin Soares. Um agradecimento muito especial faço à minha orientadora, Maria Antónia Lopes, uma professora que me conquistou nas aulas do primeiro ano da licenciatura em História. Foi com o seu incentivo que comecei a estudar visitas a conventos femininos, trajeto que me inspirou para esta dissertação. A admiração que tenho por esta mulher e historiadora, a boa relação que com ela fui construindo e todos os estímulos, sugestões e correções que me proporcionou ao longo não só desta investigação, mas de todo o meu percurso como aluna de História, levam-me a agradecer-lhe o quanto contribuiu para a minha formação. Também aos meus pais, Carlos e Lúcia Cabral, agradeço toda a paciência com que me ouviram falar sobre franciscanos e visitas a conventos, sobre os meus sucessos e também obstáculos, dia após dia, à distância, lembrando-me, por vezes, que as dificuldades fazem parte da vida e que eu, ainda que mais devagar, era capaz de levar este trabalho a bom porto. Por fim, agradeço ao meu namorado, Filipe Martins, que também de longe acompanhou bem de perto todo o progredir deste trabalho. Acompanhou e sentiu, mais que ninguém, todos os meus entusiasmos e dificuldades e procurou ajudar-me, quanto mais não fosse ouvindo-me diariamente. A todos os que referi, reafirmo o meu sincero agradecimento. 5

Resumo Na Ordem dos Frades Menores, a observância da regra e estatutos era incutida e fiscalizada através das visitas canónicas dos superiores minoritas aos conventos, um privilegiado instrumento de vigilância, correção e disciplinamento das suas comunidades. No séc. XVIII e até 1834, os ministros provinciais deveriam visitar as casas da sua província anualmente, realizando-se, posteriormente, a visita de um comissário visitador, delegado pelo prelado geral. Estas visitas, que incluíam a inspeção dos espaços conventuais e a inquirição individual dos religiosos, estavam regulamentadas nos estatutos provinciais e gerais franciscanos. Também os prelados locais deveriam cumprir procedimentos em parte semelhantes às visitas canónicas. Em todos estes atos, priorizava-se a intervenção paternal dos prelados, guardando-se o foro jurídico, cujas formas se apresentavam em compêndios de normas jurídicas da ordem, para situações mais graves e concretas. Apesar dos claros preceitos que regiam as visitas, a sua prática efetiva, entre 1725 e 1831, especialmente no que se refere à sua periodicidade, distanciou-se do ordenado nos estatutos. Um pouco da realidade visitacional da época em estudo manifesta-se, fortuitamente, nos registos preservados das visitas canónicas. Entre estes, salientam-se os livros, analisados nesta investigação, dos conventos de Santo António de Fronteira, Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos e Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, cujos termos de visita permitem conhecer quando e quem os visitou. Também incluem, ainda que parcamente, capítulos de visita, ou seja, determinações corretivas deixadas à comunidade. Estas revelam, indiretamente, imperfeições e transgressões praticadas pelos frades. A parcimónia destes capítulos leva a crer que ou as normas eram observadas com rigor e pouco havia a corrigir ou que os agentes de visita eram negligentes no seu dever fiscalizador e corretivo ou, então, que se preferia silenciar, por escrito, as práticas incorretas. Na verdade, as determinações capitulares e as patentes dos provinciais da província da Piedade, integradas nos mesmos livros onde se encontram os termos e capítulos das visitas ao Convento de Fronteira, revelam, de forma bem mais esclarecedora e autêntica, através da presença de várias determinações corretivas e de comentários críticos, que a inobservância era uma realidade na província. Para além disso, essa documentação atesta, exemplarmente, a sua gradual degradação temporal, espiritual e moral, no final do Antigo Regime.

Palavras-chave: Franciscanos; séc. XVIII-XIX; visitas canónicas; conventos; inobservância.

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Abstract

In the Order of Friars Minor, the observance of the rule and statutes was inculcated and inspected through canonical visitations of the Minorites’ superiors to the convents. This was a favoured instrument of control, admonition and disciplining of the communities. In 18th century and until 1834, provincial ministers were required to visit annually their province’s houses. Later on these houses would be visited by a visitor commissioner delegated by the general prelate. These visitations, which included an inspection of the conventual spaces and the individual enquiry of the friars, were regulated on the provincial and general franciscan statutes. Moreover, the local prelates were also required to perform procedures partly similar to canonical visitations. In all these acts the priority was the prelates’ paternal intervention. The legal procedures, which were regulated on compendia of the Order’s jurisdictional norms, were left to more concrete and graver situations. Notwithstanding the clear precepts which regulated the visitations, its actual practice distanced itself between 1725 and 1831 from what was ordained in the statutes, especially concerning its periodicity. A little of the visitation’s reality at the time studied appears fortuitously in the preserved records of canonical visitations. The books which stand out among these are the ones of the convents of Saint Anthony of Fronteira, Our Lady of the Immaculate Conception of Matosinhos and Our Lady of the Angels of Brancanes, whose terms of visitation permit one to know who visited them and when. These books analysed in the study also include, albeit sparsely, visitation’s chapters, that is, corrective resolutions left to the community, which reveal indirectly the imperfections and transgressions practised by the friars. The scarcity of this kind of chapters suggests that either the norms were strictly observed and little was left to correct, or that the visitation agents were negligent in their inspection and correction duty, or that the incorrect practices were rather silenced in writing. In fact, capitular resolutions and provincial ministers’ patents of the Piedade Province, included in the same books where one can find the visitation terms and chapters of the Convent of Fronteira, reveal that the inobservance was a reality in the province. This is shown far more clearly and authentically by the presence of various corrective resolutions and critical comments. In addition, this documentation attests perfectly the gradual temporal, spiritual and moral degradation of the Order at the end of the Ancien Régime. Key words: Franciscans; 18th-19th centuries; canonical visitations; convents; inobservance.

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Introdução O desvio à norma no quotidiano das comunidades regulares, sobretudo femininas, nas quais imperava a austeridade e a clausura, tem, recentemente, suscitado algum interesse por parte dos historiadores modernistas portugueses. Foi no âmbito dessa temática, que no meu primeiro ano de mestrado realizei um pequeno trabalho, no qual explorei um livro de visitas de um convento beneditino feminino com o intuito de identificar transgressões cometidas pelas religiosas. Ao longo da sua execução comecei a colocar novas questões e a deparar-me com alguns problemas, perante os quais, apenas soube ter vontade de os esclarecer ou pelo menos dar algum contributo para a sua resolução. Foi, no encalço deste primeiro estudo, que surgiu a motivação de investir neste campo de investigação, de forma mais abrangente. Disso resultou esta dissertação de mestrado, intitulada O funcionamento das visitas canónicas e o desvio à norma no quotidiano franciscano (Portugal, 1725-1831), a qual espero que venha a contribuir para complementar o conhecimento pré-existente. Ao definir o âmbito e os objetivos desta dissertação, sabia claramente que queria prosseguir na senda da identificação de transgressões ocorridas em ambiente monásticoconventual e que queria privilegiar como fonte documental os registos das visitas às instituições regulares, nomeadamente os livros de visitas, que contêm os termos de cada ato visitacional realizado e os capítulos ou determinações deixadas em cada um deles pelo agente que o realizou. Tais capítulos fornecem informação útil, ainda que usualmente indireta, sobre imperfeições e transgressões decorridas no quotidiano das comunidades. Para essa abordagem, inspirei-me, fundamentalmente, nos trabalhos dos historiadores Leila Algranti, Artur Teodoro de Matos, Saul António Gomes, Maria Margarida Caeiro, Antónia Fialho Conde, Isabel Drumond Braga e Ricardo Silva. Acrescento ainda Maria Antónia Lopes, que tem estudado a transgressão das enclausuradas seculares em recolhimentos portugueses. Porém, a falta de estudos, inclusivamente na historiografia estrangeira, acerca do funcionamento das visitas a mosteiros e conventos, quer sob a perspetiva da sua regulamentação quer da sua prática efetiva, impulsionou-me a querer dedicar-me a esta vertente, que se me afigurava imensamente importante. Desejava esmiuçar o instrumento visitacional em si, no contexto de uma instituição regular e do seu disciplinamento, na Época Moderna. Desta forma, poderia alargar a análise da documentação visitacional além do mero estudo do desvio à norma, este inserido na história da vida privada. Se Paolo Prodi, Federico Palomo, José Pedro Paiva e Jaime Gouveia, entre outros, têm desenvolvido o conceito de

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disciplinamento social focando as comunidades do século, propus-me alargar o conceito para o claustro. Embora inicialmente pretendesse estudar uma ordem ou comunidade religiosa feminina, a consciência de que a história da vida privada tem privilegiado o quotidiano das mulheres, levou-me a querer estudar uma comunidade de monges ou de frades. Impôs-se, então, encontrar documentação visitacional relevante de ordem religiosa masculina. Para isso, impunha-se a consulta dos fundos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, onde sabia que existiam livros de visitas de várias ordens e, decerto, documentação diversa relacionada com visitas a casas regulares. Tendo encontrado fontes relevantes da Ordem dos Frades Menores, decidi debruçar-me sobre essa instituição mendicante, cujas normas não implicavam clausura total devido à vocação apostólica e assistencial que lhe era inerente, necessariamente praticada no século junto das populações. O período cronológico em análise é, consequentemente, aquele que os livros de visitas permitem estudar e que se estendem de 1725 a 1831. Ainda se entrou em contato com todos os arquivos distritais do país, acima de tudo em busca de mais livros de visitas franciscanos. As respostas, porém, foram sempre negativas ou muito pouco esperançosas. Privilegiei, assim, a análise dos livros de visitas de três conventos franciscanos que se encontram na Torre do Tombo, sendo que um deles, neste momento, já não pode ser consultado, por ter sido entretanto classificado como em mau estado. Os livros explorados respeitam aos conventos de Santo António de Fronteira, Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos e Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, este último simultaneamente convento e seminário. Os livros de Fronteira contêm também documentação emitida pelo governo provincial, a qual foi muitíssimo relevante e complementar. Também se analisaram alguns compêndios jurídicos da ordem que aludem parcamente ao funcionamento das visitas. Estes referem-se, principalmente, ao modo como deviam decorrer os processos jurídicos na ordem. Uma vez que encontrei bastante informação sobre a regulamentação destes processos e sobre devassas ou inquirições jurídicas, senti-me incentivada a dedicar uma parte da dissertação ao assunto, ainda que sem qualquer pretensão de aprofundamento. Ainda explorei, adicionalmente, um registo de inquirição de visita ao convento e seminário de Varatojo e outro de devassa ao convento de Tavira. Estas foram as fontes franciscanas manuscritas a que recorri. Quanto às fontes impressas, foi fundamental a leitura dos estatutos das províncias franciscanas portuguesas, no que se referia ao funcionamento das visitas em cada uma delas. Se bem que a intenção fosse examinar apenas a documentação da própria ordem religiosa,

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pesquisei ainda alguma documentação da Junta do Exame das Ordens Regulares, onde encontrei informações complementares. Nesta investigação, dedicada à Ordem dos Frades Menores em Portugal no período que se estende de 1725 a 1831, pretende-se, pois, e em síntese, explicar: como se realizavam as visitas canónicas aos conventos franciscanos, confrontando norma e prática, em torno de aspetos como os seus agentes, frequência, procedimentos, registos e possíveis consequências judiciais; identificar algumas imperfeições, inconveniências e transgressões praticadas pelos frades minoritas, procurando, além disso, avaliar o estado temporal e espiritual da ordem. Muitas questões se foram colocando à medida que a análise da documentação avançava. Foram elas, por outro lado, que guiaram o rumo que a investigação tomou e modelaram a estrutura do presente trabalho. Quando surgiram, como evoluíram e em que consistiram as visitas, designadas canónicas, aos institutos regulares? Porque eram realizadas? Segundo a norma, quando e como deveriam as visitas ocorrer na Ordem dos Frades Menores? Quais os agentes visitacionais franciscanos? Eram, de facto, as visitas realizadas como prescreviam os estatutos? Na prática, com que periodicidade eram empreendidas e que procedimentos integravam? Evidencia-se alguma diferença significativa entre a periodicidade visitacional num convento da Regular Observância como Matosinhos e noutro da Estreita Observância como Fronteira? Como se redigiam habitualmente os termos das visitas? Com que frequência se exaravam determinações corretivas? Quando se podia abrir um processo jurídico na Ordem dos Frades Menores? Qual a relação entre as visitas e os processos? Que fases compunham um processo? O que distinguia uma devassa de uma visita? Que imperfeições e transgressões revelam ou deixam adivinhar as visitas aos conventos de Fronteira, Matosinhos e Brancanes? Que imperfeições e transgressões transparecem nas determinações capitulares e demais documentação da Província da Piedade contida nos mesmos livros de Fronteira? Há uma considerável diferença de informação entre as determinações das visitas de Fronteira e as emitidas para toda a província? Em caso afirmativo, por que motivo existe essa discrepância informativa? Os erros apontados são recorrentes? E se assim era, porque são esses erros recorrentes? Seriam os agentes visitacionais negligentes e as visitas ineficazes na deteção e correção de práticas inobservantes e logo insuficientes para o disciplinamento das comunidades? Vivia a Ordem dos Frades Menores um tempo de degradação temporal e espiritual, no final do Antigo Regime? Estas são só algumas questões a que esta pesquisa pretendeu responder e nem todas o foram plena e devidamente.

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As opções tomadas na escolha da ordem religiosa e na abordagem feita às fontes, face à escassez de estudos sobre visitas a institutos regulares, já conferirão alguma relevância ao presente trabalho. Por estar a estudar algo novo, estas escolhas serviram, sem dúvida, de grande motivação para continuar. Contudo, elas também acarretaram dificuldades inesperadas que, por vezes, resultaram em alguma insegurança e desmotivação. Felizmente, intensificaram também o esforço para superar os obstáculos que surgiram e não desistir. Compreender a evolução tão complexa da Ordem dos Frades Menores, desde a sua fundação, foi um dos maiores desafios que enfrentei e que demorou o seu tempo a superar. Outra grande dificuldade foi encontrar uma forma coerente de articular todos os assuntos, especialmente o conteúdo relativo aos processo jurídicos, que, no futuro, deverá ser aprofundado. A estrutura atual da dissertação foi, assim, resultado de muitas alterações e, longe de ser perfeita, foi a melhor forma que eu, com a ajuda da minha orientadora, consegui conceber, para não excluir informação que considerei importante. A leitura de bibliografia sobre a história dos Frades Menores e a sua organização em Portugal – embora tenha sido uma tarefa árdua apreender uma evolução tão cheia de conflitos, reformas e cisões e uma organização em províncias distintas entre si – foi fulcral, como é óbvio, já que o estudo se concentra nesta ordem. Destaco as obras de Frei Fernando Félix Lopes, de D. Frei António Montes Moreira e de Vítor Gomes Teixeira como aquelas que, de forma mais completa, me elucidaram sobre os Franciscanos em Portugal. Como obra de caráter geral, recorri à Historia Franciscana do capuchinho espanhol Lázaro Iriarte. Por outro lado, a inexistência de um texto em português acerca da origem e evolução das visitas canónicas em contexto monástico-conventual levou-me a redigir um, como contextualização ao estudo deste instrumento de disciplinamento das comunidades. Essa síntese assentou fundamentalmente em duas obras, o Dictionnaire de Droit Canonique e o Dizionario degli Istituti di Perfezione. Antes de dar a conhecer o modo como está estruturada a presente dissertação devo ainda referir que, tendo já apontado, de forma breve, os objetivos e perspetivas adotadas nesta investigação bem como a sua pertinência, o estado de arte subjacente aos temas centrais tratados e ainda as fontes exploradas, tudo isto se encontra mais desenvolvido no primeiro capítulo, que pode ser considerado, por esta razão, uma extensão desta introdução. Por fim, esclareça-se que a dissertação se reparte em seis capítulos e contém, em anexo, algumas tabelas que indicam as datas e os agentes visitacionais das visitas que tiveram lugar nos três conventos, já citados, de Fronteira, Matosinhos e Brancanes.

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No primeiro capitulo, Abordagens de estudo: visitas canónicas e desvio à norma, dividido em três partes, começa-se por oferecer uma síntese acerca da origem e evolução do instrumento de visita em contexto monástico-conventual, ao que se segue, como se referiu no parágrafo anterior, uma exposição sobre os objetivos definidos e abordagens encetadas neste estudo, assim como a justificação da sua pertinência. Simultaneamente, apresenta-se o estado de arte das investigações acerca das visitas que, abarcando inspeção, inquirição e correção, foram praticadas em várias instituições na Época Moderna. Depois, explica-se sucintamente em que consistem e como se exploraram as fontes privilegiadas nesta investigação: os estatutos provinciais, os compêndios jurídicos e os livros de visitas, alguns deles mistos. Este capítulo é, portanto, uma contextualização para o almejado estudo das visitas aos conventos e um espaço onde melhor se aclara o que se pretende investigar e que metodologia se utilizou. Há que conhecer a instituição na qual se centra o objeto de estudo. Assim sendo, no segundo capítulo, A Ordem dos Frades Menores em Portugal, dividido em duas partes, contase, em primeiro lugar, como evoluiu esta instituição no nosso país, desde a fundação no séc. XIII até à restauração da Província de Portugal em 1891. Após esta longa exposição, que dá nota das mais importantes reformas ocorridas no seio da ordem, explica-se como estava o instituto franciscano organizado no país no séc. XVIII e até à sua extinção em 1834, em particular, a organização hierárquica em três níveis de poder (local, provincial e geral) e a repartição em províncias. Este capítulo serve, pois, de contextualização para o estudo de caso que se pretende fazer no âmbito desta ordem religiosa. O terceiro capítulo, Visitas a conventos franciscanos. A norma (séc. XVIII), é o primeiro que assenta firmemente na análise documental executada e visa explicitar, de forma pormenorizada, como deveria funcionar o sistema visitacional franciscano, conforme as normas prescritas nos estatutos provinciais da ordem. Uma vez que se identificaram três tipos de visitas distintas, o capítulo divide-se em três partes, de modo a diferenciá-las. Na primeira, dá-se a conhecer a ação visitacional dos guardiães dos conventos. Embora não efetuassem as designadas visitas canónicas, executavam outro género de visitas e procedimentos que as complementariam. Na segunda parte, apresentam-se as visitas canónicas anuais dos ministros provinciais e, na terceira, as canónicas trienais empreendidas por comissários visitadores em nome dos ministros gerais franciscanos. O quarto capítulo, Visitas a conventos franciscanos. A prática (1725-1831), é complementar ao terceiro, pois dá a conhecer um pouco da realidade visitacional, aquela que foi possível apreender, permitindo assim comparar norma e prática. Repartindo-se em quatro partes, nas primeiras três procura-se expor aspetos concretos que se evidenciaram da prática 12

visitacional: a sua periodicidade e agentes; os procedimentos habituais, salientando a inspeção dos espaços conventuais e a inquirição dos religiosos; e a estrutura, conteúdo e frequência dos termos e capítulos de visita. Na quarta parte, faz-se uma síntese conclusiva sobre norma e prática visitacional franciscana, articulando os três tipos de visitas. O quinto capítulo, Da visita ao processo jurídico (séc. XVIII), que consiste numa excursão às normas que regiam a execução de processos jurídicos no seio da ordem, a qual surge intercalada na temática das visitas, divide-se em duas partes. Explica-se, primeiro, que condições precisavam de estar reunidas para se proceder juridicamente e, de seguida, como procediam as várias partes que compunham o processo e auto judicial de especial inquirição, o qual abrangia a devassa e culminava na sentença. Um processo jurídico podia desencadearse numa visita e, assim, justifica-se a inclusão do assunto nesta dissertação. Porém, não se procurou aprofundá-lo, por ser secundário face ao protagonismo das visitas. O sexto e último capítulo, cujo titulo é Imperfeição e transgressão no quotidiano franciscano (1725-1831), compõe-se por quatro partes. Na primeira, dedicada à Província da Piedade, começa-se por identificar imperfeições e transgressões decorridas no Convento de Fronteira, que dela faz parte, a partir dos seus capítulos de visita. Seguidamente, dá-se nota de muitos outros casos de inobservância perpetrados na referida província, realçando ainda sintomas da sua deterioração temporal e espiritual, sobretudo a partir de determinações capitulares e patentes de provinciais. Nas segunda e terceira partes expõem-se as imperfeições e transgressões vividas nos conventos de Matosinhos e de Brancanes, conforme o que transparece nos respetivos capítulos de visitas. A quarta parte é, finalmente, uma reflexão acerca da divergência informativa, no que respeita à ocorrência de desvios à norma, nitidamente evidenciada nos livros analisados de Fronteira, entre os termos e capítulos das visitas e a documentação de foro provincial. Por fim, permito-me expressar a esperança que tenho de haver produzido algo que possa contribuir para ampliar o conhecimento historiográfico, alargar perspetivas de investigação e ainda incentivar e alicerçar futuros estudos.

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Siglas e Abreviaturas ANTT

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

BPMP

Biblioteca Pública Municipal do Porto

OFM

Ordem dos Frades Menores

CNSCMatosinhos

Convento de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos

CNSEVConde

Convento de Nossa Senhora da Encarnação de Vila do Conde

CSAFronteira

Convento de Santo António de Fronteira

CSAVCastelo

Convento de Santo António de Viana do Castelo

CNSABrancanes

Convento (e Seminário) de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes

CSFTavira

Convento de São Francisco de Tavira

CSAVaratojo

Convento (e Seminário) de Santo António do Varatojo

ML

Manuscritos da Livraria

MNEJ

Ministério dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça

NE

Negócios Eclesiásticos

cx.

caixa

cit.

citado

coord.

coordenação

dir.

direção

ed.

editor

fl.

fólio

lv.

livro



número

p.

página(s)

séc.

século

vol.

volume

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Capítulo 1 – Abordagens de estudo: visitas canónicas e desvio à norma O presente estudo, como já se indicou na introdução e melhor se explicará neste capítulo, desenrola-se em torno das visitas dos superiores franciscanos aos conventos portugueses da ordem, entre 1725 e 1831, sob duas perspetivas fundamentais: o modo como estas funcionavam, confrontando norma e prática, e a identificação de algumas imperfeições e transgressões 1 ocorridas no quotidiano franciscano. Julga-se conveniente, por um lado, justificar a pertinência desta abordagem, suscitada inicialmente por interrogações propostas pela nova história da vida privada e, por outro, delinear o estado de arte das investigações sobre visitas na Época Moderna. É igualmente fundamental apresentar com maior pormenor a documentação a que se recorreu, sumariando a finalidade da sua produção, o seu conteúdo e o modo como foram explorados nesta investigação. Porém, uma vez que não se encontra em português qualquer síntese acerca da evolução do instrumento de visitas canónicas a mosteiros e conventos2, afigura-se ainda necessário, mesmo como contextualização prévia a um estudo de caso sobre visitas, compor uma síntese do assunto. Este capítulo, que pode ser entendido como uma extensão da introdução, começa com uma síntese sobre visitas canónicas a mosteiros e conventos. De seguida, clarificam-se os objetivos e perspetivas que guiam esta abordagem ao estudo de visitas e traça-se o seu estado de arte. Por fim, dão-se a conhecer as fontes exploradas nesta investigação.

1.1 – Origem e evolução do instrumento de visita canónica a mosteiros e conventos A visita canónica aos mosteiros e conventos3, foi, desde a sua origem, um instrumento “di controlo, di communicazione e di correzione” 4 da vida quotidiana das comunidades

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Optou-se por distinguir imperfeição e transgressão, uma vez que se reconhece uma clara diferença entre violar ou quebrar uma norma, ou seja transgredi-la, e executar defeituosamente uma tarefa, logo de maneira imperfeita. 2 Adotou-se o conceito de “mosteiro” como casa das ordens monásticas, de monges e monjas, localizado habitualmente em áreas rurais, encerrando a comunidade no seu interior e afastando-a do mundo, e de “convento” como casa das ordens mendicantes, de frades e freiras, desde muito cedo inserido nas cidades, devido à vocação apostólica dos seus religiosos, que era precisamente contrária à fuga mundi monástica. É certo que, após Trento, muitos mosteiros, mormente femininos, foram transferidos para ambiente citadino e que a clausura, parcial ou total, se estendeu a todos os regulares, inclusivamente aos mendicantes. Perante uma maior igualdade das comunidades monásticas e mendicantes, os termos adquiriram sentidos cada vez mais próximos, até se perderem socialmente os critérios da sua distinção e se cair, comumente, no erro de entender os mosteiros como instituições masculinas e os conventos como femininas. Optou-se por respeitar, neste trabalho, as justas diferenças destas duas designações, uma vez que os documentos institucionais da época também o fazem. 3 Para aprofundar a evolução destas visitas canónicas ver, BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique du Supérieur Religieux”, em NAZ, R. (dir.) – Dictionnaire de Droit Canonique, vol. 7. Paris: Librairie Letouzey et Ané, 1965, p. 1512-1594; GILCHRIST, J. – “Visitation, Canonical, History of”, em New Catholic Encyclopedia, vol. 14, Washington: The Catholic University of America, 1967, p. 718-719; HOLLAND, S.; OBERSTE, J.;

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religiosas, com o claro intuito de “veiller au maintien de la discipline et de la bonne administration” 5 ou, por outras palavras, “foster religious discipline, to see the proper administration of temporal goods and, where necessary, to take mesures to correct defects and promote better observance” 6 . O seu objetivo último era promover o bom funcionamento espiritual e temporal destas comunidades7. Embora, na Época Moderna, se possam identificar diferentes visitas, empreendidas por diversos poderes, a estas instituições 8 , abordar-se-ão somente as canónicas, empreendidas regularmente pelos superiores das ordens ou pelos bispos, dependendo de quem detinha a jurisdição para as efetuar. A origem das visitas canónicas aos institutos religiosos remonta à Alta Idade Média e não pode ser dissociada da origem, mais antiga, das visitas pastorais e também elas canónicas às paróquias, pois o direito eclesiástico medieval tão simplesmente não as distinguia9. Durante a Idade Média, ao mesmo tempo que se foi ampliando o ministério pastoral e a autoridade paternal dos bispos sobre a comunidade cristã, as suas visitas, dentro das suas dioceses, tornaram-se uma parte indispensável desse ministério, com propósitos declaradamente pastorais e corretivos. A legitimação desta prática, na verdade, enraizou-se fundo nos primeiros séculos da história da Igreja. Com efeito, o dever de visitarem a sua diocese já era reconhecido no Concílio de Laodiceia (381). Os concílios seguintes, nomeadamente o de Tarragona (516), prosseguiram orientando esta prática, inspirada no exemplo apostólico, conferindo maiores direitos de visita a estes baluartes da cristandade medieval, os bispos10. Uma vez que nos mosteiros também habitava uma parte da comunidade cristã, coube, em primeiro lugar, aos prelados diocesanos a responsabilidade de visitar as comunidades religiosas de modo a zelar pelo seu bem físico e espiritual. De facto, desde os primórdios do

ROCCA, G.; TORRES, J. – “Visita: La visita canonica”, em PELLICCIA, Guerrino (dir.), ROCCA, Giancarlo (dir.) – Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. 10. Roma: Ed. Paoline, 2000, p. 112-135. 4 Idem, ibidem, p. 121. 5 BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1596. 6 QUINN, S. – “Visitation, Canonical”, em New…, vol. 14, cit., p. 717. 7 CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul do Tejo: o Mosteiro de S. Bento de Cástris e a Congregação Autónoma de Alcobaça (1567-1776). Lisboa: Edições Colibri, 2009, p. 324. 8 Podem diferenciar-se quatro tipos de visitas aos institutos religiosos: as realizadas pelos superiores das ordens religiosas (canónicas), pelos bispos (pastorais ou canónicas), pelo Papa (apostólicas) e pelo rei ou outro governante temporal (estatais). HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 113. 9 Idem, ibidem, p. 116. 10 COULET, Par Noe – Les Visites Pastorales. Turnhout: Brepols, 1977, p. 19, 21; GARCÍA ORO, José; SILVA, Maria José Portela – “Visitas a la Universidad de Alcala en vida del Cardenal Cisneros”, Archivo IberoAmericano, vol. 217-220. Madrid: Franciscanos Españoles, 1995, p. 7-8; HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p.115; CARVALHO, Joaquim Ramos de; PAIVA, José Pedro – “Visitações”, em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) – Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. 4. [Lisboa]: Círculo de Leitores: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2001, p. 365; LUÍS, Maria dos Anjos dos Santos Fernandes – Vivências religiosas e comportamentos sociais: Visitas Pastorais ao concelho da Lourinhã no século XVII. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade de Lisboa, 2009, p. 67.

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monaquismo, até ao séc. XII, as visitas canónicas aos mosteiros foram somente da sua jurisdição e qualquer isenção a este poder foi excecional e limitada11. Dito isto, esclareça-se que a legislação sobre visitas pouco inovou até à Baixa Idade Média12 e que a sua evolução não foi uniforme em todo o Ocidente Medieval, dispondo de particularidades regionais13. No séc. XII, pela primeira vez, uma ordem religiosa, Cister, organizou um sistema interno e autónomo de visitas canónicas, através do seu governo geral e sem qualquer intervenção episcopal. O seu modelo de visitas, no qual era o abade geral ou um representante seu que visitava, anualmente, todos os mosteiros da ordem14, foi depois, progressivamente, adotado e adaptado por outras ordens, especialmente a partir do papado de Inocêncio III, nos inícios do séc. XIII, e do IV Concílio de Latrão (1215)15. Diversas ordens religiosas como Cluny 16 , as próprias comunidades não isentas 17 e as recém-criadas ordens mendicantes 18 , todas em busca de maior autonomia, começaram a seguir o exemplo de Cister e a desenvolver sistemas internos e autónomos de visita, em que os visitadores eram os próprios prelados regulares. Esta transformação, que verdadeiramente contribuiu para a crescente autonomia das ordens e para o reanimar da prática da visita canónica, a qual conheceu assim a sua primeira COULET, Par Noe – Les Visites..., cit., p. 19, 21; BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1595; HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 115-116. 12 Só na Baixa Idade Média, devido a conflitos jurisdicionais e também à resistência das paróquias e mosteiros às visitas, é que a Santa Sé e os concílios começam a legislar sobre o instrumento visitacional com maior pormenor. COULET, Par Noe – Les Visites..., cit., p. 22-23. 13 Idem, ibidem, p. 27. 14 La Charte de Charité de 1119 instituiu as visitas anuais do abade pai de Cister aos mosteiros da ordem. Nelas, por meio de caridade fraterna, deveria fazer interrogatórios, recolher denúncias e corrigir defeitos, com o fim último de preservar a paz monástica. Não tardou que as competências do abade aumentassem durante a visita, tornando-se obrigatório o seu registo. BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1595; HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 115, 117, 121. 15 No IV Concílio de Latrão, constatou-se a falta de disciplina monástica, intensificou-se a ação de controlo sobre paróquias e mosteiros e reforçou-se o poder dos bispos, bem como dos capítulos gerais trienais das ordens religiosas, determinando-se que cabia a estes últimos nomear visitadores internos para visitarem trienalmente os mosteiros. COULTON, George Gordon – “The last generations of Medieval Monasticism”, Revista Speculum, vol. 18, nº 4. Chicago: University Press: Medieval Academy of America, 1943, p. 440; BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1595; COULET, Par Noe – Les Visites..., cit., p. 24; GILCHRIST, J. – “Visitation, Canonical…”, cit., p. 718; HOLLAND, S. et al. – “Visita...”, cit., p. 116. 16 Cluny adotou o modelo cisterciense em 1200. Idem, ibidem, p. 117. 17 No IV Concílio de Latrão, exigiu-se que os bispos, nas comunidades não isentas, sobre as quais continuavam a exercer a sua autoridade e a visitar, instaurassem sistemas autónomos de visitas, a exemplo dos mosteiros isentos. GILCHRIST, J. – “Visitation, Canonical…”, cit., p. 718; HOLLAND, S. et al. – “Visita...”, cit., p. 116. 18 Entre os Frades Menores, cujo caso se achou por bem particularizar, a adesão a um sistema autónomo de visitas, já de caráter mais provincial, data do IV Concílio de Latrão. O próprio S. Francisco insistiu, na sua Regra, que os ministros estavam obrigados a visitar, admoestar e corrigir os religiosos com humildade e caridade. No entanto, a legislação particular das visitas só foi encetada nas Constituições de S. Boaventura, de 1260. Nelas definiu-se que as províncias deviam ser visitadas de três em três anos por um frade externo à província visitada, que seria coadjuvado por um companheiro. Esta visita, como se verá no capítulo seguinte, corresponde, na Época Moderna, à visita trienal do comissário visitador. Já os dominicanos começaram a nomear visitadores em capítulo geral, em 1228. IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 137; HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p 119, 121; LIPPINI, Pietro – La vida cotidiana de un convento medieval: dependencias, reglas, horario y ofícios de los frades domínicos del siglo XIII. Salamanca: San Esteban, 2012, p. 294-296. 11

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época de ouro, só foi possível, graças a uma maior concessão de isenções face à autoridade episcopal19. Devido à grande extensão territorial das ordens, os capítulos gerais e provinciais começaram, ainda na centúria de Duzentos, a determinar visitas à escala provincial20. No final do séc. XIII, a maioria das ordens religiosas masculinas encontrava-se já livre da intervenção episcopal e habilitada para realizar visitas canónicas de forma autónoma. Os bispos 21 passaram a só poder visitar as comunidades isentas, na condição de visitadores papais 22 . Já as femininas, mantiveram-se sob jurisdição episcopal durante toda a Idade Média23. Tal facto deveu-se, acima de tudo, à resistência das congéneres masculinas, que não as aceitaram nas suas congregações para evitar encargos, como o de visitar as casas femininas. Essa situação ocorreu, por exemplo, entre Franciscanos e Clarissas24. Embora as normas que regiam as visitas canónicas dos superiores das ordens tenham evoluído de maneira diversa em cada ordem, pois numas visitava o superior geral ou seu representante e noutras visitadores nomeados em capítulo geral ou provincial25, no séc. XIV, introduziu-se um sistema alternado de visitas, no qual coexistiam ambas as visitas 26 . No entanto, em Trezentos, houve uma decadência geral da prática visitacional, que se tornou menos frequente e afrouxou os seus intuitos de controle e reforma. Simultaneamente, verificou-se um aumento da indisciplina regular27. Foi para aplacar esta desordem que, no séc. COULET, Par Noe – Les Visites..., cit., p. 23; GILCHRIST, J. – “Visitation, Canonical…”, cit., p. 718; HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 116. 20 BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1596; LIPPINI, Pietro – La vida..., cit., p. 295. 21 A documentação das visitas anterior ao século XIV é rara. É em Inglaterra que se preservam mais registos desta época, especialmente de visitas a mosteiros por bispos. Tais registos foram pioneiramente estudados, nas primeiras décadas do século XX, por Coulton, Cheney e Reilley. COULET, Par Noe – Les Visites..., cit., p. 23; GILCHRIST, J. – “Visitation, Canonical…”, cit., p. 718; HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 116. 22 GILCHRIST, J. – “Visitation, Canonical…”, cit., p. 718; GARCÍA ORO, José; SILVA, Maria José Portela – “Visitas a la Universidad...”, cit., p. 8. 23 Raríssimos foram os casos em que as próprias abadessas puderam nomear visitadores. Praticamente todas as comunidades femininas ficaram sujeitas à visita canónica dos bispos. GILCHRIST, J. – “Visitation, Canonical…”, cit., p. 718; HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 119. 24 Desde a fundação da Ordem de Santa Clara, os Minoritas insistiram em não se responsabilizar pelas Clarissas, o que gerou confusões jurisdicionais até ao século XVI. Só em 1565, assumiram oficialmente a tutela do ramo feminino, obrigando-se os provinciais franciscanos à visita trienal dos conventos de Clarissas da sua província. MARTINEZ RUIZ, Enrique – “La visita en los conventos clarianos de la Ilustracion. El Convento de Santa Isabel de Valladolid”, Archivo Ibero-Americano, vol. 213-214. Madrid: Franciscanos Españoles, 1994, p. 392; HOLLAND, S. et al. – “Visita...”, cit., p. 129-130; CAEIRO, Maria Margarida Castro Neves Mascarenhas – Clarissas em Portugal. A Província dos Algarves. Da Fundação à Extinção. – Em busca de um Paradigma religiosos feminino, 2 vol. Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2006, p. 428. 25 O modelo das visitas canónicas às comunidades religiosas que, na Baixa Idade Média, ditava que não deveriam durar mais que três dias, diferiu pouco na Época Moderna. Sobre o modo como deveriam suceder, nos séculos XIII a XV, ver BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1596-1597; COULET, Par Noe – Les Visites..., cit., p. 29-30; HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p.115. 26 HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 118. 27 No século XIV, a desordem causada pelas guerras, pestes e fomes desfavorecereu o exercício e eficácia do controle canónico e contribuiu para a instabilidade e degradação das comunidades religiosas. BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1597; COULET, Par Noe – Les Visites..., cit., p. 25,27. 19

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XV, se empreenderam diversas reformas institucionais e disciplinares nos institutos regulares. Nesse âmbito, tornou-se fulcral confirmar regularmente se as normas que regiam as comunidades eram, de facto, cumpridas, e, se não, induzir ao seu cumprimento. As visitas canónicas, um meio privilegiado para esse fim reformador, tornaram-se, então, mais bem definidas, organizadas, estáveis e, cada vez mais, de caráter provincial. Houve um renascimento da prática visitacional, que se tornou imprescindível28. Embora as necessárias reformas no interior da Igreja tenham começado antes do séc. XVI, foi o Concílio de Trento (1545-1563) que traçou as grandes diretivas de reforma que orientaram a Igreja Católica e a Cristandade na Época Moderna, desenhando um “paradigma tridentino”, com uma influência social bastante duradoura29. Para isso, os decretos conciliares fomentaram um uso mais incisivo, pelos poderes religiosos, de meios de fiscalização e disciplinamento da sociedade

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. Trento deu, nesse contexto, nova ênfase às visitas

canónicas31, quer às comunidades quer às professas, consagrando uma diretiva particular às que eram feitas aos institutos religiosos. Os superiores das ordens isentas do poder episcopal deveriam visitar, preferencialmente em pessoa, mas também por meio de delegados, os mosteiros e conventos de sua jurisdição, ficando a sua regularidade e procedimentos ao arbítrio da própria ordem32. Para além disto, Trento incentivou uma profunda reforma das comunidades religiosas, mormente no que tocava à sua organização e disciplina interna. Manteve também as suas isenções à autoridade episcopal, por se considerar que essa 28

Os superiores das ordens, os visitadores eleitos em capítulo e os bispos, ao longo dos séculos XV e XVI, foram ativos instrumentos da reforma monástico-conventual, usando as suas visitas com esse propósito. COULET, Par Noe – Les Visites..., cit., p. 25-26; GARCÍA ORO, José; SILVA, Maria José Portela – “Visitas a la Universidad...”, cit., p 8-9; HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 117, 120-121. 29 José Pedro Paiva refere o conceito de “paradigma tridentino” em PAIVA, José Pedro – “A recepção e aplicação do Concílio de Trento em Portugal. Novos problemas, novas perspetivas”, em GOUVEIA, António Camões; BARBOSA, David Sampaio; PAIVA, José Pedro (coords.) – O Concílio de Trento em Portugal e nas suas conquistas. Olhares novos. Lisboa: Centro de Estudos na Universidade Católica Portuguesa, 2014, p.13-14, citando PRODI, Paolo – Il paradigma tridentino: un’ época della storia della Chiesa. Brescia: Morcelliana, 2010, p. 7. 30 A Reforma Católica e, nesse contexto, as diretivas tridentinas assentaram sobre quatro pilares: reorganização da doutrina católica e da Igreja a partir de Roma; interação profunda entre política e religião; disciplinamento e vigilância da experiência religiosa e comportamento dos fieis; encontro do catolicismo europeu e do resto do mundo. A reforma disciplinar incidiu no funcionamento institucional da Igreja, na vida quotidiana dos fiéis e também na formação e disciplina do Clero. PAIVA, José Pedro – “A recepção...”, cit., p. 16-17. 31 CRAIG, Harline; PUT, Eddy – “A Bishop in the Cloisters: The Visitations of Mathias Hovius (Malines 15961620)”, The Sixteenth Century Journal, vol. 22, nº 4. 1999, p. 616; LUÍS, Maria dos Anjos – Vivências religiosas..., cit., p. 68. 32 BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1597-1598; GOMES, Saul António – “Duas visitações a Mosteiros Cistercienses Femininos: S. Dinis de Odivelas (1532) e Santa Maria de Celas de Coimbra (1640)”, em FARIA, Ana Leal (coord.); BRAGA, Isabel Drumond (coord.) – Problematizar a História – Estudos de História Moderna em Homenagem a Maria do Rosário Themudo Barata. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2007, p. 555. Para conhecer com maior pormenor os decretos conciliares sobre a reforma dos regulares e a visita canónica ver, REYCEND, Joaõ Baptista – Concilio de Trento Em Latim, e Portuguez, tomo II. Lisboa: Na Officina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1781, p. 345-499 (Sessão XXV).

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imunidade era fundamental para a coesão das ordens. Os regulares não tardaram a implementar com rigor esta e outras diretivas tridentinas, nomeadamente nos capítulos provinciais e gerais33. Anote-se, contudo, que, desde então, as visitas dos prelados provinciais tenderam a tornar-se mais importantes do que as dos gerais34. No séc. XVI, a grande maioria dos institutos regulares estava, portanto, isenta da intervenção ordinária episcopal. Os bispos podiam visitar, na íntegra, os isentos, porém só na qualidade de delegados apostólicos, de forma extraordinária. Também podiam e deviam visitar, ordinariamente, todos os anos, como parte das suas visitas pela diocese35, as igrejas e benefícios eclesiásticos anexos aos mosteiros e conventos, inclusivamente dos isentos. Ainda era da sua competência visitar as casas submissas à Santa Sé, na maioria femininas, e, além destas, os institutos não congregados36. Acrescente-se que os clérigos regulares em exercício fora dos seus mosteiros e conventos tinham também de se sujeitar às visitas às paróquias. Os delitos detetados nelas pelos antístites diocesanos deviam ser remetidos para os superiores das ordens, pois a estes cabia julgá-los 37 . É também importante referir que a maior parte das ordens femininas, alvo de especial preocupação pela Igreja Católica na Época Moderna, passou, depois de Trento, para a jurisdição dos ramos congéneres masculinos, que se encarregaram de visitá-las canonicamente38. Poucas permaneceram sob domínio diocesano. 33

Na maioria dos institutos centralizados, ou seja, nas grandes ordens, os superiores gerais eram obrigados a visitar todas as casas sob sua jurisdição. Devido à extensão territorial, tornou-se muito comum nomearem visitadores gerais ou comissários no seu lugar. Excecionalmente, a Companhia de Jesus tinha visitadores permanentes. BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1597-1599. 34 HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 113, 122. 35 O Concílio de Trento, na sessão XXIV, também emitiu linhas mestras para as visitas dos antístites às paróquias, isto para uma melhor manutenção da ortodoxia e dos bons costumes. Definiu jurisdições mais amplas, condições mais rigorosas, uma regularidade anual, objetos de inspeção e inquirição mais alargados e uma organização mais burocrática. Deixou-se ao critério dos concílios sinodais e provinciais a determinação mais concreta dessas matérias. CARVALHO, Joaquim Ramos de; PAIVA, José Pedro – “Repertório das visitas pastorais da diocese de Coimbra. Séculos XVII, XVIII e XIX”, Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra, vol. VII. Coimbra: Arquivo da Universidade de Coimbra, 1985, p. 113; CARVALHO, Joaquim Ramos de – As visitas pastorais e a sociedade de Antigo Regime. Notas para o estudo de um mecanismo de normalização social. Trabalho de síntese apresentado à Faculdade de Letras de Coimbra, como prova de capacidade científica, Coimbra, 1985, p. 34-35; SOARES, António Franquelim Sampaio Neiva – A Arquidiocese de Braga no século XVII (1550-1700): sociedade e mentalidades pelas visitações pastorais. Tese de Doutoramento em História apresentada à Universidade do Minho, 1997, p. 216-217; LUÍS, Maria dos Anjos – Vivências religiosas..., cit., p. 68. 36 BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1597-1598; CARVALHO, Joaquim Ramos de – As visitas pastorais..., cit., p. 38; SOARES, António Franquelim – A Arquidiocese de Braga..., cit., p. 217; CRAIG, Harline; PUT, Eddy – “A Bishop in…”, p. 616; HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 134. 37 SOARES, António Franquelim – Visitações..., cit., p. XXIV; CARVALHO, Joaquim Ramos de – As visitas pastorais..., cit., p. 44. 38 GOMES, Saul António – “Duas visitações...”, cit., p. 555; BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades nos Conventos Femininos ou das Dificuldades em deixar a Vida Mundana (séculos XVII-XVIII)”, Revista de História da Sociedade e da Cultura, vol. 10, tomo 1. Coimbra: Palimage, 2010, p. 306; HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 134. A Igreja Católica esforçou-se por consumar e preservar a total separação entre o mundo secular e claustral, insistindo numa clausura feminina rigidamente total e em conformar as vontades das religiosas a práticas extremamente disciplinadas. As visitas regulares, para uma mais cerrada vigilância e

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A visita canónica às paróquias e às comunidades religiosas, aperfeiçoada nos séculos XV e XVI, não era nova. Tornou-se apenas mais bem legislada e regular e alargou o seu campo de observação e inquirição 39 . A própria legislação tridentina, que em Portugal foi implementada logo após o Concílio 40 , não lhe trouxe nada de novo. Na verdade, só generalizou e promoveu o que já se fazia41. Simultaneamente, também estendeu a autonomia das ordens religiosas e restituiu o poder dos bispos nas suas dioceses 42. Remate-se que as visitas dos prelados tornaram-se, naquela época, o elemento fundamental da Reforma Católica, com a sua periodicidade, rigor e cuidado mais apurados 43 , constituindo um mecanismo disciplinador das comunidades do século e do claustro44. Nas centúrias seguintes, não se emitiu qualquer documentação pontifícia com vista a regulamentar essas visitas, mantendo-se as normas precedentes. Nas ordens isentas, essa matéria era definida, de forma particular, nas suas constituições, estatutos e leis próprias e, nas comunidades sob jurisdição

imposição de mentalidades e comportamentos que anulava qualquer vontade individual, foram parte vital desse disciplinamento. Sobre a particularidade da visita a casas femininas ver, BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1600; CRAIG, Harline; PUT, Eddy – “A Bishop in…”, p. 611-639; HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 131-132; GOMES, Saul António – “Duas visitações...”, cit., p. 554. Sobre a evolução da clausura monástico-conventual feminina ver, FERNANDES, Maria Eugénia – “Século e clausura no Mosteiro de Santa Clara do Porto em meados do século XIX”, Revista de História, vol. 13. Porto: Centro de História da Universidade do Porto, 1995, p. 140-143; CAEIRO, Maria Margarida – Clarissas..., cit., p. 373-375; CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 100-105. Sobre a intensidade da disciplina claustral feminina e eficácia da sua imposição na Época Moderna ver, ALGRANTI, Leila – Honradas e devotas: Mulheres da colônia. Estudo sobre a condição feminina através dos conventos e recolhimentos do sudeste (1750-1822). Tese de doutoramento apresentada à Universidade de São Paulo, 1992, p. 208-231; FERNANDES, Adília – O Recolhimento de Santo António do Sacramento de Torre de Moncorvo (1661-1814). Clausura e destinos femininos. Coimbra: Palimage, 2015, p. 92-144; CONDE, Antónia Fialho – “O reforço da clausura no mundo monástico feminino em Portugal e a ação disciplinadora de Trento”, em BRAGA, Isabel Drumond (coord.); TORREMONCHA HERNÁNDEZ, Margarita (coord.), As Mulheres perante os Tribunais do Antigo Regime na Península Ibérica. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, p. 235-257; ATIENZA LÓPEZ, Ángela – “Las grietas de la clausura tridentina. Polémicas y limitaciones de las políticas de encerramiento de las monjas...Todavía con Felipe IV, Hispania, vol. 74. Madrid: s.n., 2014, p. 807-834. As religiosas estiveram sob tutela masculina até ao Concílio Vaticano II, HOLLAND, S. et al – “Visita...”, cit., p. 113. 39 SILVA, Ricardo – Casar com Deus: vivências religiosas e espirituais femininas na Braga Moderna. Tese de doutoramento apresentada à Universidade do Minho, 2011, p. 366, 384-385. 40 A implementação das orientações tridentinas em Portugal foi promovida na menoridade de D. Sebastião, pelo regente do reino, o Cardeal Infante D. Henrique, que congregava na sua pessoa o poder temporal e espiritual do reino. Foi ele o primeiro a publicar os decretos no país. CAETANO, Marcelo – “Recepção e Execução dos Decretos do Concílio de Trento em Portugal”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. 19. Lisboa: Faculdade de Direito, 1965, p. 7-87; POLÓNIA, Amélia – “Recepção do Concílio de Trento em Portugal: As normas enviadas pelo Cardeal D. Henrique aos bispos do reino, em 1553”, Revista da Faculdade de Letras, vol. 7. Porto: Faculdade de Letras, 1990, p. 133-143; Idem – “A recepção do Concílio de Trento em Portugal”, em GOUVEIA, António Camões et al. (coord.) – O Concílio de Trento..., cit., p. 41-58. 41 ARAÚJO, António de Sousa – “Visitas pastorais na Arquidiocese de Braga. Assiduidade dos Visitadores nos séculos XVI-XIX”, Itinerarium: coletânea de estudos, vol. 98. Braga: Editorial Franciscana, 1977, p. 285. 42 BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1597. 43 SOARES, Franquelim Neiva – “A administração bartolomeana do Arcebispado de Braga através das visitas pastorais”, IV Centenário da Morte de D. Frei Bartolomeu dos Mártires. Congresso Internacional. Actas. Fátima: Movimento Bartolomeano, 1994, p. 442. 44 PALOMO, Federico – A contra-reforma em Portugal (1540-1700). Lisboa: Livros Horizonte, 2006, p. 57.

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episcopal, esta era enquadrada pela legislação diocesana45. Contudo, nem sempre as visitas aos mosteiros e conventos produziram o efeito disciplinador desejado46. Devido à particularidade das visitas canónicas em cada ordem, não se pode definir um padrão de regularidade nem de procedimentos de visita. Na Época Moderna, uma das formas frequentes era o superior provincial visitar anualmente os mosteiros ou conventos e o superior geral visitar trienalmente, como acontecia entre os Frades Menores47. Depois de um anúncio prévio de visita, dar-se-ia a receção do prelado ou visitador nomeado com um determinado cerimonial. Se fosse delegado, apresentaria a sua patente de comissão, explicitando os seus poderes, se fosse prelado, simplesmente afirmaria o seu poder legítimo. Depois, faria um discurso para a comunidade reunida capitularmente admoestando à visita. Inspecionaria os lugares e objetos sagrados, bem como as diversas áreas e dependências do mosteiro ou convento. Analisaria a administração da comunidade, lendo os diversos livros de finanças, inventários, regulamentos, determinações, espiritualidade e apostolado. Passaria, de seguida, a inquirir individualmente os religiosos, pelo menos a maior parte da comunidade, de forma paternal e prudente, começando pelos superiores locais e depois do mais velho para o mais novo. Os religiosos deveriam, em verdade, revelar as faltas dos companheiros e as suas, principalmente as graves, para que o agente da visita pudesse aconselhar e corrigir o que fosse conveniente. Terminados os interrogatórios, o mesmo devia redigir e entregar ao prelado local observações e decretos para reforma da comunidade. Por fim, faria um discurso de exortação à observância da disciplina regular 48 . A forma como decorriam estas visitas não é muito diferente do modo como se realizavam as visitas pastorais às paróquias49. Aqueles que executavam os atos de visita às comunidades religiosas deviam ainda privilegiar uma conduta paternal para repreender e corrigir os defeitos dos religiosos, privada HOLLAND, S et al – “Visita...”, cit., p. 122. CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 326; BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades...”, cit., p. 322. 47 BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1601, 1603. 48 Sobre os procedimentos gerais de visita canónica às comunidades regulares após Trento ver, BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1601-1602. Acerca do ritual das visitas aos mosteiros cistercienses portugueses ver, GOMES, Saul António – Visitações a mosteiros cistercienses em Portugal: séculos XV e XVI. Lisboa: Ministério da Cultura: IPPAR, 1998, p. 52-53. 49 As visitas pastorais em Portugal, ao contrário das visitas canónicas aos institutos religiosos e das próprias visitas pastorais noutros países, eram um ato jurídico por direito, como explicou Joaquim Ramos de Carvalho em CARVALHO, Joaquim Ramos de – “A jurisdição episcopal sobre leigos em matéria de pecados públicos: as visitas pastorais e o comportamento moral das populações do antigo regime”, Revista Portuguesa de História, vol. 24. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1990, p. 133-135. No entanto, os dois tipos de visitas assemelhavam-se em várias etapas da sua realização. Sobre os procedimentos das visitas pastorais ver, SOARES, António Franquelim – Visitações e inquéritos paroquiais da comarca da Torre de Moncorvo de 1775 a 1845. Braga: s.n., 1981, p. XXII-XXV; Idem – A Arquidiocese..., cit., p. 243-257; CARVALHO, Joaquim Ramos de; PAIVA, José Pedro – “Repertório...”, cit., p. 113-115; LUÍS, Maria dos Anjos – Vivências religiosas..., cit., p. 70-80. A mesma postura paternal era exigida aos prelados nas visitas pastorais, SOARES, António Franquelim – Visitações e inquéritos..., cit., p. XXII. 45 46

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ou publicamente, conforme se conhecesse a culpa. Só em casos excecionais deviam recorrer ao foro jurídico, cujas sentenças permitiam a apelação por pena excessiva ou injusta50. Assim evoluiu a visita canónica aos mosteiros e conventos até ao séc. XIX, um instrumento que se pretende conhecer melhor, no âmbito da Ordem dos Frades Menores, como se elucida nas próximas páginas.

1.2 – Perspetivas de investigação e estado de arte Nesta investigação, relembre-se que se pretende sobretudo: explicar, confrontando norma e prática, como se realizavam as visitas canónicas aos conventos franciscanos, em torno de aspetos como os seus agentes, frequência, procedimentos, registos e possíveis consequências judiciais; e identificar algumas imperfeições, inconveniências e transgressões praticadas pelos frades, procurando ainda avaliar a situação moral e institucional da ordem. A pertinência do que aqui se propõe estudar pode ser justificada por quatro motivos, a par dos quais se delineará o estado de arte dos assuntos mencionados. Primeiramente, esta investigação pretende ser um contributo para o estudo maior do disciplinamento social na Época Moderna. Entenda-se que, para isso, consideraram-se as visitas canónicas às comunidades religiosas um meio privilegiado de disciplinamento social, pois nelas, como já se explicou, os prelados e visitadores nomeados apreendiam a realidade quotidiana e detetavam e corrigiam as faltas cometidas pelos religiosos, sempre com o fim último de promover a manutenção da austera disciplina e o bom funcionamento institucional. Estas visitas foram, assim, um mecanismo disciplinador das gentes dos claustros, tal como as visitas pastorais às paróquias e outras visitas a diversas instituições o foram para as populações do século51. Como foi, anteriormente, dado a entender, as visitas foram, indubitavelmente e de forma geral, um instrumento intensamente usado na Época Moderna, por diversos poderes e agentes, para disciplinar, através da deteção, correção e punição de culpas, as gentes do século e do claustro e modelá-las a um padrão uniforme, rígido, católico e ortodoxo de pensar e agir. No mundo católico, a Igreja, acima de qualquer outro poder, embebida no espírito BACCABÈRE, Georges – “Visite Canonique...”, cit., p. 1602-1603. Maria Margarida Caeiro relevou a importância das visitas pastorais ou canónicas às ordens religiosas como um dos vários mecanismos de controlo e disciplinamento da sociedade pós-Trento, CAEIRO, Maria Margarida Castro – Clarissas..., cit., p. 478. Também Isabel Drumond Braga as referiu como instrumento para conduzir condutas de leigos e eclesiásticos, citando as visitas pastorais e inquisitoriais e ainda outros meios de disciplinamento usados pela Igreja e também procurando realçar as visitas às comunidades religiosas como instrumento para disciplinar o comportamento da população conventual, BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades...”, cit., p. 308. Igualmente, Ricardo Silva assinalou as visitas aos mosteiros e conventos como um mecanismo disciplinador dessas comunidades religiosas e ainda de imposição da autoridade externa sobre elas, tal como como as visitas paroquiais foram para os leigos, SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 366, 384-385. 50 51

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contrarreformista que teve em Trento o seu maior propulsor, soube empreender esse disciplinamento nos séculos seguintes52. Porém, tanto no estrangeiro como em Portugal, tem-se dado mais atenção ao disciplinamento da sociedade laica do que ao das comunidades regulares. Isso reflete-se nos estudos sobre visitas e devassas, que giram quase sempre em torno da sociedade do século. Neste contexto preciso, vários trabalhos têm sido realizados no país acerca de visitas pastorais. Na maioria, pretendem conhecer o seu intimo funcionamento, geral e de caso, os seus efeitos sociais e ainda identificar comportamentos imorais e desviantes da população53. Também se reconhecem estudos, estes mais recentes, que exploram visitas e devassas a recolhimentos femininos, realizadas pelos seus responsáveis masculinos

54

. Procuram,

essencialmente, perscrutar a realidade quotidiana das recolhidas para demonstrar que esta, muitas vezes, se afastava de perfeição desejada55. Também se encontram estudos dedicados a 52

O abrangente conceito de disciplinamento social, introduzido por Gerhard Oestreich e Wolfgand Reinhard, tem sido amplamente difundido e alvo de estudo, mormente no que diz respeito à Época Moderna, póstridentina, e à ação disciplinadora convergente de confessores, bispos e Inquisição. Sobre o assunto ver, REINHARD, Wolfgang – “Disciplinamento sociale, confessalizzazione, modernizzazione. Un discorso storiografico”, em PRODI, Paolo (ed.) – Disciplina dell’anima, disciplina del corpo e disciplina della società tra medioevo ed età moderna. Bologna: il Mulino, 1994, p. 101-123; SHILLING, Heinz – “Chiese confessional e disciplinamento sociale. Un bilancio provvisorio della ricerca storica”, em PRODI, Paolo (ed.) – Disciplina..., cit., p. 125-160; PALOMO, Federico – “Disciplina christiana. Apuntes historiográficos en torno a la disciplina y el disciplinamento social como categorias de la história religiosa de la alta edad moderna”, Cuadernos de Historia Moderna, vol. 18. Madrid: Universidad Complutense, 1997, p. 120-136; Idem – A contra-reforma..., cit.; PAIVA, José Pedro – Baluartes da fé e da disciplina: o enlace entre a Inquisição e os bispos em Portugal: 1536-1750. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2011, p. 261-309. 53 Embora se possam citar diversos estudos sobre visitas pastorais, desde os de Isaías da Rosa Pereira, nos anos 60, citar-se-ão alguns que se distinguem pelo seu aprofundamento, síntese ou inovação de abordagem. SOARES, António Franquelim – Visitações..., cit.; CARVALHO, Joaquim Ramos de – As visitas pastorais..., cit.; CARVALHO, Joaquim Ramos de; PAIVA, José Pedro – “Repertório...”, cit.; PAIVA, José Pedro – Inquisição e visitas pastorais: dois mecanismos complementares de controle social?”, Revista de História das Ideias, vol. 11. Coimbra: Faculdade de Letras, 1989, p. 85-102; CARVALHO, Joaquim Ramos de – “A jurisdição episcopal sobre leigos em matéria de pecados públicos: as visitas pastorais e o comportamento moral das populações do antigo regime”, Revista Portuguesa de História, vol. 24. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1990, p. 121-163; SOARES, António Franquelim Sampaio Neiva – A Arquidiocese..., cit.; CARVALHO, Joaquim Ramos de; PAIVA, José Pedro – “Visitações”, cit.; PAIVA, José Pedro – “Pastoral e evangelização”: “As visitas pastorais”, em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) – História Religiosa..., vol. 2, cit., p. 250-255; CARVALHO, Joaquim Ramos – “Confessar e devassar: a igreja e a vida privada na Época Moderna”, em MATTOSO, José (dir.); MONTEIRO, Nuno Gonçalo (coord.) – História da Vida Privada em Portugal. A Idade Moderna, vol. 2. [Lisboa] : Círculo de Leitores: Temas e Debates, 2011, p. 32-57; SILVA, Lisbeth Marilin – As visitas pastorais na diocese do Porto: (1675-1800): os comportamentos desviantes censurados. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade do Porto, 2007; LUÍS, Maria dos Anjos – Vivências religiosas..., cit. 54 Os recolhimentos das pecadoras eram geralmente de jurisdição episcopal e os de virtuosas das Misericórdias. LOPES, Maria Antónia – “Transgressões femininas no Recolhimento da Misericórdia do Porto, 1732-1824”, em Saúde, Ciência e Património – Atas do III Congresso de História da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Porto : Santa Casa da Misericórdia do Porto, 2016 p. 103. 55 Os estudos que já abordaram este assunto são ALGRANTI, Leila – Honradas e devotas..., cit., p. 208-261; MATOS, Artur Teodoro de – “Vivências, comportamentos e percursos das recolhidas de Santa Bárbara de Ponta Delgada nos séculos XVII a XX. Contributos para uma monografia”, Colóquio Comemorativo dos 450 Anos da Cidade de Ponta Delgada. Actas. Ponta Delgada: Universidade dos Açores: Câmara Municipal de Ponta Delgada, 1999, p. 141-152; LOPES, Maria Antónia – “Repressão de comportamentos femininos numa

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visitas da Inquisição, procurando definir melhor a grande capacidade de ação desta poderosa instituição56. Todas as visitas aludidas, com as suas particularidades, funcionavam de forma similar, com base em inspeções, inquirições, denúncias, punições e correções, e com os mesmos fins de vigiar, corrigir e disciplinar. Eram, por isso, complementares no efeito disciplinador que tinham sobre a sociedade. Ao esclarecer como se realizavam as visitas no caso franciscano, contribuir-se-á, portanto, não só para o conhecimento de como os superiores regulares intervinham para manter a disciplina nas suas comunidades, mas também para o conhecimento sobre o disciplinamento social na Época Moderna. Em segundo lugar, as visitas e também as devassas executadas aos mosteiros e conventos, carecem significativamente de estudo, tendo em conta que existe documentação, ainda que parcelar, que permite conhecê-las melhor, inclusivamente em Portugal 57 . Esta investigação servirá, assim, para ajudar a colmatar o vazio existente acerca deste assunto e incentivar a realização de outros trabalhos nesta área. Em tempos, em relação às visitas pastorais, Joaquim Ramos de Carvalho considerou que a prioridade dos trabalhos sobre elas comunidade de mulheres – uma luta perdida no Recolhimento da Misericórdia de Coimbra (1702-1743)”, Revista Portuguesa de História, vol. 37. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2005, p. 189-229; JESUS, Elisabete Maria Soares de – Poder, caridade e honra: o Recolhimento do Anjo do Porto: 1672-1800. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade do Porto, 2006, p. 75-110; LOPES, Maria Antónia – “Dominando corpos e consciências em recolhimentos portugueses (séculos XVIII e XIX)”, em PÉREZ, Laureano Rubio (coord.) – Intituiciones y centros de reclusión colectiva. Formas y claves de una respuesta social (siglos XVI-XX). León: Universidad de León, 2012, p. 99-130; FERNANDES, Adília – O Recolhimento de Santo António..., cit., p. 270-275; MACHADO, Carla Manuela Sousa – Entre a clausura e o século: o recolhimento de Santo António do Campo da Vinha sob a administração da Misericórdia de Braga (séculos XVII –XVIII). Tese de mestrado apresentada à Universidade do Minho, 2014, p. 117-151; LOPES, Maria Antónia – “Transgressões femininas...”, cit. 56 As visitas realizadas pela Inquisição em Portugal tiveram lugar sobretudo entre meados do século XVI e meados do XVII. Alguns estudos sobre estas visitas são MEA, Elvira – A Inquisição de Coimbra no século XVI. A instituição, os homens e a sociedade. Dissertação de doutoramento apresentada à Universidade do Porto, 1989, vol. 1, p. 403-559; LOURENÇO, Maria Paula Marçal – “Para o estudo da actividade inquisitorial no alto Alentejo: a visita da Inquisição de Lisboa ao bispado de Portalegre em 1578-1579”, A Cidade, nova série, vol. 3. Portalegre: s.n, janeiro-junho 1989, 109-138; Idem – “Uma visita da Inquisição de Lisboa: Santarém. 16241625”, I Congresso Luso-Brasileiro sobre Inquisição, vol. 2. Lisboa: s.n, 1989, p. 567-595; OLIVAL, Fernanda – “A Inquisição e a Madeira: a visita de 1618”, Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, vol. 2. Funchal: Governo Regional da Madeira – Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Imigração, 1990, p. 764810; Idem – “A visita da Inquisição à Madeira em 1591-92”, Actas do III Colóquio Internacional de História da Madeira. Funchal: Secretaria Regional do Turismo e Cultura, 1993, p. 493-519; BRAGA, Isabel Drumond – “A Visita da Inquisição a Braga, Viana do Castelo e Vila do Conde em 1565”, Revista de la Inquisición, vol. 3. Madrid: s.n, 1994, p. 29-67; FERREIRA, Lúcia Alexandra – “História de uma visita: última entrada da inquisição nas Beiras - 1637”. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade do Porto, 1998; BETHENCOURT, Francisco – “A Inquisição”: “Visitas”, em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) – História Religiosa..., vol. 2, cit., p. 118-121; OLTEAN, Crina Adriana – A denúncia ao serviço da fé ou da vingança? A delação inquisitorial e os seus efeitos. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade de Lisboa, 2014. 57 De acordo com o que a presente investigação tem permitido perceber, a devassa, no contexto monásticoconventual, era um ato jurídico de inquirição sobre alguma culpa ou culpado em particular, feita, extraordinariamente, conforme o direito jurisdicional, pelos superiores da ordem, bispos ou seus delegados, a determinados religiosos de uma comunidade, quando havia suspeitas concretas, resultantes ou não das visitas, que se pretendiam averiguar e confirmar. Isto justificava, desde logo, a sua realização. Estas devassas diferenciavam-se das que integravam as visitas pastorais e as realizadas a recolhimentos, como no quinto capítulo melhor se explica em nota.

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era a de obter uma visão geral sobre a atividade visitacional 58 e Francisco Bethencourt salientou que elas “carecem de um estudo sistemático que permita apreender toda a extensão do fenómeno”, para obter uma imagem de conjunto59. Sugere-se, pois, que o mesmo é preciso quanto às visitas canónicas a mosteiros e conventos em Portugal, avaliando cada ordem com a sua particularidade e todas como parte de um mesmo fenómeno. Em terceiro lugar, uma das abordagens que aqui se propõe ao estudo das visitas canónicas é, de certa forma, nova, pelo menos na historiografia portuguesa, pelo que se conseguiu averiguar. Embora se conheçam alguns trabalhos, em Portugal e no estrangeiro, que explicam como funcionavam as visitas numa ou mais ordens religiosas, são sempre exposições muito sucintas ou genéricas. Esta constatação foi, sem dúvida, uma das mais fortes motivações para a realização desta investigação. Na verdade, a maioria dos estudos que se dedica, muitas vezes parcialmente, a estas visitas e, por vezes, também a devassas, explora a documentação preservada, somente para identificar infrações cometidas em ambiente monástico-conventual. Com isto pretendem demonstrar que o quotidiano nos claustros se pautava também pela indisciplina e pela resistência às normas, não sendo melhor nem pior do que o dia-a-dia no século. Em alguns casos, também se limitam à publicação de documentos produzidos nas visitas e devassas60. Neste trabalho pretende-se não só identificar imperfeições CARVALHO, Joaquim Ramos de – As visitas pastorais..., cit., p. 174. BETHENCOURT, Francisco – “As visitas pastorais. Um estudo de caso (entradas, 1572-1593)”, Revista de História Económica e Social, Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, janeiro-abril, 1987, p. 95. 60 Optou-se por referenciar somente os estudos encontrados que abordam, de alguma forma, visitas canónicas e devassas a mosteiros e conventos em Portugal ou que são sobejamente complementares ao seu estudo. MANSILHA, João de – Historia Escandalosa dos Conventos da Ordem de S. Domingos em Portugal extrahida fielmente do inédito de frei João de Mansilha encarregado pelo grande estadista Marquez de Pombal da reforma da mesma ordem de 1774 a 1776. Lisboa: Livraria Antiga e Moderna de Francisco Maria dos Santos, 1901, p. 8-275; ASSUNÇÃO, Lino – As monjas de Semide: reconstituição do viver monástico. Coimbra: França Amadao, 1900, p. 67-87; DIAS, Pedro – Visitações da Ordem de Cristo de 1507 a 1510. Aspectos artísticos. Coimbra: Coimbra Editora, 1979; MARQUES, José – “Os mosteiros cistercienses nos finais do século XVIII”, IX Centenário da Dedicação da Sé de Braga. Congresso Internacional. Actas. Braga: Universidade Católica Portuguesa em Braga: Câmara Municipal de Alcobaça, 1991, p. 351-380; ALGRANTI, Leila – Honradas e devotas..., cit., p. 231-261; FERNANDES, Maria Eugénia Matos – O Mosteiro de Santa Clara do Porto em meados do século XVIII (1730- 1780). Tese de mestrado apresentada à Universidade do Porto, Arquivo Histórico: Câmara Municipal do Porto: Porto, 1992, p. 131-208; CASTRO, Maria de Fátima – “Aspectos de vida conventual das religiosas de S. Bento da Vila de Barcelos através de uma devassa de 1744”, Revista Barcelos, 2ª série, vol. 6. Barcelos: Câmara Municipal de Barcelos, 1995, p. 43-76; MATOS, Artur Teodoro de – “Virtudes e Pecados das freiras do Convento da Glória da Ilha do Faial (1675-1812): uma devassa à sua intimidade”, em O Faial e a Periferia Açoriana nos séculos XV a XX. Atas. Horta: Núcleo Cultural da Horta, 1997, p. 155-170; GOMES, Saul António; SOUSA, Cristina Maria André de Pina e – Intimidade e encanto. O Mosteiro Cisterciense de Santa Maria de Cós (Alcobaça). Leiria: Edições Magno, 1998, p. 101-136; GOMES, Saul António – Visitações..., cit.; GOMES, Saul António – “Duas visitações...”, cit., p. 547-549, 554-555; CAPELO, Ludovina Cartaxo – “Inventário do arquivo do Convento de Nª Sª do Carmo de Tentúgal”, Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra, vol. XXIII-XXIV. Coimbra: Arquivo da Universidade de Coimbra, 2003-2004; 2005-2007, p. 221-257; CAEIRO, Maria Margarida – Clarissas..., cit., p. 429-472; CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 323-419; BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades...”, cit.; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 366, 383-451; CONDE, Antónia Fialho – “O reforço...”, cit. A bibliografia estrangeira sobre o assunto, não sendo copiosa, é mais extensa. Alguns historiadores a destacar, cujas obras se encontram referidas na 58 59

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e transgressões, mas também dar uma nova dimensão à forma de explorar a documentação das visitas aos institutos religiosos, mais institucional, que é a de conhecer com pormenor como elas funcionavam numa determinada ordem religiosa, conhecendo tanto a norma que as regulava como, dentro do possível, a sua aplicação prática. Finalmente, acrescente-se que, face à notória preferência por estudar a vida privada feminina, sempre sujeita a normas rígidas e à tutela masculina, decidiu-se dedicar este estudo ao sexo masculino, a uma ordem religiosa específica, mendicante, que embora seguisse preceitos austeros, tinha uma vocação apostólica que impedia uma clausura total como a das ordens monásticas. Talvez a informação encontrada nas fontes até seja diferente da que se encontra na documentação monástica. Há que mencionar que o estudo de caso sobre as visitas aos conventos franciscanos, como aqui se propõe, acha-se por fazer. Apenas poucas, breves e dispersas informações se encontraram sobre o assunto. Salientam-se dois artigos em português. Um reporta-se ao Convento de S. Francisco de Coimbra, no séc. XVI, e o outro à vida conventual nos Açores no final do Antigo Regime61.

1.3 – Fontes 1.3.1 – Estatutos provinciais (séculos XVII e XVIII) Os estatutos provinciais franciscanos, concebidos nos capítulos provinciais, eram adaptações dos estatutos gerais da ordem, inspirados na Regra, às circunstâncias práticas de cada província62. Consistiam, portanto, num conjunto de normas e explicações, repartidas em capítulos e estendendo-se sobre diversos assuntos, que regia a organização, disciplina e

bibliografia final, são George G. Coulton, Christopher R. Cheney, Harline Craig, Eddy Put, Christian D. Knudsen, Enrique Martinez, Afonso Esponera, Francisco Campos y Fernández, Arturo Morgado e Josep Galobart i Soler. 61 GOMES, Saul António – “O Mosteiro de S. Francisco de Coimbra nos alvores de Quinhentos”, Arquivo Coimbrão : Boletim da Biblioteca Municipal, vol. 40. Coimbra : Câmara Municipal, 2008, p. 385-407. O Convento de S. Francisco de Coimbra, no século XVI, pertencia aos Franciscanos Conventuais. A visita publicada no artigo citado ilustra a sua degradação moral e institucional. ENES, Maria Fernanda – “A vida conventual nos Açores – regalismo e secularização (1759-1832), Lusitania Sacra, 2ª série, vol. 11. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 1999, p. 323-351. Este artigo faz referências aos frades franciscanos nos Açores, denotando a sua considerável inobservância. 62 Pelo menos nas províncias portuguesas, estes estatutos resultavam necessariamente da simultânea, embora separada, aprovação de propostas pelas juntas do definitório e do discretório no capítulo provincial. Sem a aprovação de ambas as juntas, os decretos aprovados eram somente temporários. Estatutos da Provincia de Santa Maria da Arrabida da mais perfeyta Observancia de nosso Seraphico Padre S. Francisco, Lisboa: Officina de Miguel Deslandes, 1698, p. 121; Estatutos da Provincia da Conceyçaõ no Reyno de Portugal, Coimbra: Officina de Luiz Seco Ferreyra, 1735, p. 105; Estatutos da Provincia de Santo Antonio dos Capuchos do Reyno de Portugal. Lisboa: Officina da Congregaçam do Oratorio, 1737, p. 152.

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funcionamento das províncias e seus conventos63. Em Portugal, na Época Moderna, todas as províncias franciscanas, à exceção da dos Algarves, tinham estatutos impressos. Os das cinco províncias capuchas ou da Mais Estreita Observância, muito semelhantes entre si em estrutura e conteúdo, eram consideravelmente maiores, mais abrangentes e pormenorizados que os da Província de Portugal da Regular Observância, que provavelmente regeriam também a dos Algarves, por ser dessa mesma observância. Habitualmente analisados com outras preocupações, os estatutos provinciais são muito úteis para obter informação acerca do modo como deveriam decorrer as visitas canónicas aos conventos de cada província, referindo quem os visitava, quando, com que poderes e de que forma. Elucidam também sobre outros aspetos no horizonte da deteção, correção e punição, tanto paternal como jurídica, de defeitos e delitos64. Há, porém, que salientar que, se os vários estatutos das províncias capuchas, elucidam, de facto, acerca destas visitas e assuntos afins, os da Província de Portugal nada mencionam sobre isso. Por este motivo, para além dos estatutos das províncias da Mais Estreita Observância, recorreu-se a estatutos gerais da Regular Observância, cuja informação acerca do funcionamento das províncias, mais genericamente apresentada, serviu para colmatar o referida insuficiência informativa e comparar, as normas da Regular e da Estrita Observância, que, na verdade, muito pouco diferem65. 63

Os estatutos das províncias da Estrita Observância começavam por explicar qual o estatuto de noviços, coristas, leigos, ordenantes, sacerdotes, colegiais, confessores de frades e de seculares e pregadores. Pormenorizavam o modo de eleição ou nomeação e as funções e deveres dos discretos, porteiros, presidentes, guardiães, definidores, custódios, visitadores da província, provinciais e vigários provinciais. Esclareciam as precedências existentes e o modo de realizar eleições, capítulos provinciais e capítulos intermédios. Regulamentavam a disciplina que regia a vida dos frades, particularizando ofícios divinos, oração mental, silêncio, disciplina, jejum, trato entre frades, trato com seculares, acesso ao mosteiro de freiras, conversas suspeitas, entrada de mulheres nos conventos, ócio, agasalho dos frades, saídas dos conventos, idas a Lisboa e aos povos, andar a cavalo, vestes e camas, esmolas, hospedagem, provimento das comunidades, condição e composição dos edifícios, horta, cerca, capelas, livraria, arquivo e ainda sepulturas, hábitos e esmolas dos religiosos defuntos. Explicavam como deveria funcionar o depósito, a cargo do síndico, a enfermaria, os sufrágios e a ordem terceira e ainda o modo de correção de delinquentes, tendo em conta vários delitos e penas. Finalizava-se exortando à guarda dos estatutos. 64 Nas normas definidas para a realização das visitas canónicas, os estatutos provinciais aproximam-se das regulamentações sinodais e conciliares diocesanas e regimentos de visitadores para as visitas pastorais, referidas em SOARES, António Franquelim – A Arquidiocese..., cit., p. 183-229; PAIVA, José Pedro – “Uma instrução aos visitadores do Bispado de Coimbra (século XVII?) e os textos regulamentadores das visitas pastorais em Portugal”, Revista de História das Ideias, vol. 15. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1993, p. 637-661. Também os capítulos provinciais franciscanos e as juntas do definitório legislavam para melhor coordenar as visitas canónicas, pois isso transparece nas suas atas e determinações, documentação que poderia complementar este estudo. Já Antónia Fialho Conde alertou para a diversidade legislativa destes órgãos sobre a atividade visitacional no caso da Ordem de Cister, CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 324. 65 Estatutos da Provincia de Santo Antonio dos Capuchos do Reyno de Portugal. Lisboa: Impressão Real por Antonio Craesbeeck de Mello, 1673; Estatutos da Provincia de Santa Maria da Arrabida da mais perfeyta Observancia de nosso Seraphico Padre S. Francisco, Lisboa: Officina de Miguel Deslandes, 1698; Estatutos da Provincia da Piedade. Primeyra Capucha de toda a Ordem de Nosso Seraphico Padre S. Francisco da mais estreyta, e regular observancia. Lisboa Occidental: Officina de Pedro Ferreyra, 1726; Estatutos da Provincia da Conceyçaõ no Reyno de Portugal, Coimbra: Officina de Luiz Seco Ferreyra, 1735; Estatutos da Provincia de Santo Antonio dos Capuchos do Reyno de Portugal. Lisboa: Officina da Congregaçam do Oratorio, 1737;

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1.3.2 – Normas e fórmulas jurídicas (século XVIII) Nos arquivos das províncias e conventos franciscanos e, por vezes, anexados aos estatutos provinciais, encontravam-se compêndios ou manuais de normas, fórmulas e formulários jurídicos que os prelados e visitadores delegados podiam usar para se orientarem nas visitas, devassas e processos jurídicos que executavam66. Informam-nos, portanto, sobre as normas que regulamentavam todos estes atos. Analisaram-se quatro destes compêndios, produzidos no séc. XVIII67. Embora a ordem de apresentação da informação e a forma de discurso não seja igual nos quatro, os conteúdos pouco diferem, sendo certos aspetos mais pormenorizados nuns que noutros, o que permite que se complementem. Embora facultem dados sobre visitas, na verdade, estes compêndios são compostos, quase totalmente, por normas e fórmulas jurídicas que explicam como se podia abrir um processo jurídico dentro da ordem e como devia ele decorrer formalmente, englobando as inquirições jurídicas, igualmente designadas devassas68, até à sentença. Também incorporam frequentes advertências para que fosse possível apurar-se a verdade e, depois, agir com justiça face ao réu. Com estas informações, complementa-se o estudo das visitas, expondo a fronteira entre o procedimento paternal dos prelados e visitadores, que deveria ser sempre privilegiado nas visitas, e o jurídico, a que se recorria apenas em circunstâncias mais graves e específicas. Compreenda-se que os processos jurídicos podiam estar vinculados às visitas, se fossem abertos no decorrer delas. No entanto, falecido um frade processado e sentenciado, o seu processo devia ser queimado no arquivo da província e o seu nome riscado do livro de sentenças69. É, pois, improvável que se encontrem muitos autos destes processos, os quais

Compilaçaõ dos Estatutos da Provincia de Santa Maria da Soledade da Ordem do N. P. S. Francisco da Regular Observancia dos Descalços no Reyno de Portugal, Porto: Officina Episcopal de Manoel Pedroso Coimbra, 1751; Estatutos Generales de Barcelona, para la Familia Cismontana de la Regular Observancia de Nuestro Padre San Francisco, Madrid: s.n., 1705. 66 Estatutos Arrábida, p. 182. 67 ANTT – OFM, Província da Conceição, Convento de Santo António de Viana do Castelo, livro 1, Fórmulas jurídicas para uso do convento, século XVIII; ANTT – Manuscritos da Livraria, nº 80, Modo de visitar conventos, 1780-1790; ANTT – OFM, Província de Portugal, Convento de Nossa Senhora da Encarnação de Vila do Conde, livro 6, Livro das obrigacoíns e custumes deste Convento de Nossa Senhora da Incarnaçáo de Villa do Conde, reformado no anno de 1789, 1789; Estatutos Santo Antonio, 1737, p. 216-263. 68 Analisou-se também o registo de uma devassa de 1797 ao Convento de São Francisco de Tavira. Ele consiste numa inquirição jurídica de frades como testemunhas juradas, depoimento seguido de depoimento, sobre delitos específicos. Embora uma devassa pudesse ser realizada tanto dentro como fora de um processo jurídico, todos os processos tinham que a englobar, porquanto esta inquirição de testemunhas era fundamental. Neste caso concreto, crê-se que o registo está desassociado de um processo, pois não inquere sobre um determinado infrator que seria réu, mas somente sobre delitos concretos com o intuito de detetar infratores. Ainda assim, como o procedimento seria o mesmo, é um exemplo prático de inquirição jurídica ou devassa, que complementa as normas sobre como deveria decorrer um processo jurídico, ANTT – Documentos de conventos por identificar, caixa 19, Devaça do Convento de S. Francisco da Cidade de Tavira da Provincia dos Algarves, 1797. 69 Estatutos Santo António, 1673, p. 51; Estatutos Santo António, 1737, p. 60; Estatutos Conceição, p. 63.

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possibilitariam conhecer realmente como funcionavam na prática e ainda perscrutar os maiores delitos cometidos pelos frades.

1.3.3 – Livros de visitas (1725-1831) Todos os conventos possuíam, preservem-se eles ou não, livros de visitas70. Neles era registada a ocorrência das visitas canónicas ao convento através de um termo que englobava, se os houvesse, determinações de correção ou reforma de práticas, comummente chamados capítulos de visita71. Estes livros podem ser fontes muito ricas e, dependendo do seu conteúdo e também objetivos e cuidados de análise, ser muito úteis à história social, religiosa, institucional, política, cultural, da vida quotidiana e das relações entre poderes

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Particularmente, podem permitir “penetrar en algunas de las dimensiones más íntimas de la vida conventual”73, oportunidade que muito alicia os investigadores. Os cinco livros de visitas da Ordem dos Frades Menores analisados nesta investigação, que, na verdade, não integram somente registos de visitas, pertenceram a três conventos bem distintos entre si: Santo António de Fronteira da Província da Piedade, Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos da Província de Portugal e o Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, independente das províncias minoritas 74 . São, porém, menos ricos do que se esperava, se deles procurarmos extrair imperfeições e transgressões decorridas no mundo conventual, buscando apreender esse seu lado mais íntimo. Apesar disso, não deixam de fornecer informação relevante, dessa ou de outra natureza.

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Não sendo estes livros abundantes nos arquivos portugueses, existem exemplares para diversas ordens, especialmente dos séculos XVIII e XIX. Para o caso franciscano, identificaram-se alguns na Torre do Tombo. Já os arquivos distritais do país indicaram não possuir qualquer documentação ligada a visitas e devassas a conventos franciscanos. Mesmo assim, poderão existir livros ou registos isolados de visita nestes arquivos. Não estarão, no entanto, devidamente catalogados ou então encontram-se misturados com outro tipo de documentação, o que torna a sua identificação uma tarefa penosa. 71 Os livros de visitas dos conventos, por serem compostos por termos destes atos, nos quais, por vezes, se integram capítulos ou determinações dadas pelos prelados ou visitadores nomeados, assemelham-se aos livros de visitas às paróquias. Tenha-se em conta, contudo, que as tipologias de livros de visitas pastorais eram quatro: de visitas, de devassas, de termos de culpados e roteiros de culpados. SOARES, António Franquelim Sampaio Neiva – Visitações..., cit., p. XXXIV; SOARES, António Franquelim – A Arquidiocese de..., cit., p. 264. 72 HOLLAND, S. et al – “Visita: La visita...”, cit., p. 112-113. 73 MARTINEZ RUIZ, Enrique – “La visita...”, cit., p. 291. 74 ANTT – OFM, Província da Piedade, Convento de Santo António de Fronteira, livro 2, Livro das Vizitas deste convento de Santo Antonio de Fronteira, 1725-1773; ANTT – OFM, Província da Piedade, Convento de Santo António de Fronteira, livro 3, Livro de visitas, determinações e patentes, 1774-1825; ANTT – OFM, Província de Portugal, Convento de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos, livro 7, Livro dos Capitulos das Vizitas deste nosso Convento da Conceição de Mathozinhos, 1778-1826; ANTT – OFM, Missionários Apostólicos, Convento de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, livro 1, Livro de atas capitulares e de visitas, 1746-1831; ANTT – OFM, Missionários Apostólicos, Convento de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, livro 9, Livro para as actas e determinaçoens, 1752-1768.

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Assim sendo, através dos simples termos de visita, que fornecem um registo em série da ocorrência das visitas, é possível determinar sobretudo os agentes e a frequência das visitas, ao longo de algumas décadas, para cada um dos três conventos referidos. Evidencie-se ainda que, além de permitirem confrontar a prática efetiva das visitas com as normas que as regulamentavam, facultam comparar essa prática entre um convento da Regular Observância, um da Estrita Observância e outro que é também seminário apostólico e, por isso mesmo, particular. Nesse sentido, a divergência documental pode ser considerada positiva. Os capítulos ou determinações de visita anexos, que, na verdade, raramente foram dados nas visitas analisadas, revelam, por seu turno, um pouco do que precisava ser corrigido ou reformado nos conventos. Comparativamente a outros livros já estudados, dão a conhecer poucos factos da realidade conventual 75 . Além disso, as culpas nunca são declaradas explicitamente. Através do que era genericamente ordenado, e não o seria se não houvesse necessidade, é que, de facto, se torna possível identificar alguns desvios às normas franciscanas. Só os registos das inquirições de visita, com os ditos dos próprios religiosos, poderiam revelar, de forma mais direta, os seus erros. Esses são, porém, documentos mais escassos76. A carência de capítulos não significa, porém, que nada houvesse a corrigir ou melhorar. Talvez os Minoritas preferissem não deixar registo dos erros ou os agentes das visitas fossem negligentes no seu dever. Por outro lado, a inobservância, caso se confirme, pode ser interpretada como sintoma de ignorância, pouca vontade, cansaço, desprezo, contragosto, discordância ou mesmo rebeldia dos religiosos face à disciplina regular. No

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Os livros não são tão ricos acerca da vida quotidiana quando comparados, por exemplo, com os de S. Bento de Cástris, que denunciam diversos desvios à norma, estudados por CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 328, ou como os de Nuestra Señora de la Piedad, que atestam uma plena perfeição claustral, analisados por MORGADO GARCÍA, Arturo – “Modelos de comportamento religioso en la España del siglo XVIII. El caso del convento de concepcionistas franciscanas descalzas de Nuestra Señora de la Piedad (Cádiz)”, Archivo IberoAmericano, vol. 201-202. Madrid: Franciscanos Españoles, 1991, p. 213. A ausência de problemas muito graves nas comunidades foi também detetada nos livros de visitas das clarissas do Convento de Santa Isabel de Valladolid, por MARTINEZ RUIZ, Enrique – “La visita en los conventos clarianos de la Ilustracion. El Convento de Santa Isabel de Valladolid”, Archivo Ibero-Americano, vol. 213-214. Madrid: Franciscanos Españoles, 1994, p. 392. 76 Analisou-se também o registo de inquirições de uma visita de 1788 ao Convento e Seminário de Santo António do Varatojo, porém os religiosos nada indicaram que devesse ser corrigido. Ainda assim, o documento ilustra como se efetuava, na prática, uma inquirição durante a visita, ANTT – OFM, Província de Santo António, maço 7, macete 12, Vezita Do Seminario de Santo Antonio do Varatojo, 1788. Caso o investigador tenha a sorte de encontrar documentação muito rica em capítulos e inquirições de visita, é de todo o interesse comparar ambos os registos, pois nem sempre as determinações dadas pelo visitador correspondem aos erros denunciados pelos religiosos. Craig encontrou alguma discrepância entre as declarações das religiosas e as determinações dadas pelos bispos em visita em CRAIG, Harline; PUT, Eddy – “A Bishop…”, cit., p. 624.

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entanto, nenhum caso de incumprimento deve ser generalizado, sobrevalorizado nem entendido como comum. Os graves desregramentos seriam bem mais exceção que regra77. Entre os livros de visita analisados, são particularmente interessantes os dois de Santo António de Fronteira, que, estendendo-se por um século, não contêm apenas os registos dos termos das visitas com ou sem capítulos, mas também patentes dos provinciais 78 , determinações capitulares (exclusivamente do definitório; do definitório e do discretório; e do provincial), cartas régias e breves apostólicos79. Esta diversidade documental, respeitante à Província da Piedade, além de ter sido a fonte mais profícua para identificar imperfeições, inconveniências e transgressões cometidas face à disciplina conventual, concedeu a oportunidade de acompanhar o estado da província ao longo de um século até 1825, através dos muitos e bastante elucidativos comentários e também determinações, por certo baseados no que os superiores e visitadores nomeados franciscanos avaliavam durante as suas visitas80. Esclarecida a origem e evolução das visitas canónicas, as abordagens adotadas e as fontes exploradas nesta investigação, esboça-se a história da Ordem dos Frades Menores em Portugal. O assunto, útil para empreender este estudo de caso, ocupa o próximo capítulo.

CARVALHO, Joaquim Ramos de – As visitas pastorais..., cit., p. 192; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 389-390; KNUDSEN, Christian – Naughty nuns and promiscuous monks: Monastic sexual misconduct in Late Medieval England. Tese de doutoramento em Filosofia apresentada à Universidade de Toronto, 2012, p. 81-85. 78 Estas patentes, escritas pelo ministro provincial, distintas das patentes de delegação de poderes, eram enviadas a todos os conventos da província pouco depois da sua eleição. Numa primeira parte, de caráter pastoral, o ministro fazia exortações à observância regular, e numa segunda, redigia ordenações particulares. Na Província da Piedade, as patentes deviam ser copiadas para os livros de visita ou de atas, depois de lidas em plena comunidade. ANTT – CSAFronteira, lv.3, “Determinações do Definitório”, a quo 1774 ad quem 1775, p. 8; “Patente Antonino de Castelo de Vide”, abr 1803, p. 151; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 241. Nos livros de Santo António de Fronteira, todas as visitas estão datadas. Já a data dos restantes documentos, frequentemente em falta foi, por isso mesmo, muitas vezes calculada entre a visita anterior e a seguinte. 79 Ordenavam os Estatutos da Província da Piedade que cada convento tivesse um livro onde se registassem conjuntamente as ordens dadas nos capítulos e congregações, os mandamentos do provincial e ainda as determinações dadas nas visitas, Estatutos Piedade, p. 84. Numa patente do provincial da Piedade, este mandava também que as determinações do definitório e do discretório bem como as do provincial fosse lançadas no livro da visita de cada convento “para que em nenhum tempo se possa alegar ignorancia” deles, ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações Provincial”, a quo 1736 ad quem 1737, fl. 7r. 80 Maria Margarida Caeiro apontou as atas capitulares e as patentes dos provinciais como denunciadoras da vida quotidiana e transgressões das Clarissas, pois elas baseiam-se nas realidades conhecidas a partir das visitas realizadas pelos superiores franciscanos. CAEIRO, Maria Margarida – Clarissas..., cit., p. 428-429. 77

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Capítulo 2 – A Ordem dos Frades Menores em Portugal

Singular e inovadora na sua origem, a Ordem dos Frades Menores evoluiu ao longos dos séculos entre divergências, reformas e cisões. Começando por se distanciar na sua missão e modo de vida das ordens monásticas, a fraternidade mendicante fundada por Francisco de Assis, tendeu, desde muito cedo, a desvirtuar os radicais ideais do fundador e a assemelhar-se às restantes ordens religiosas. Esta tendência, favorável para muitos, motivou sempre alguns frades a encetar reformas para que se retomasse rígida e integralmente a observância da Regra de São Francisco. Perante a convivência de interpretações diversas quanto à prática da Regra, a história desta ordem, inclusivamente em Portugal, desenrolou-se, de forma complexa, numa quase constante tensão entre a fraternidade social das origens e a ordem religiosa de cariz quase monástico em que ela se tornou, entre intuição e instituição81. Em Portugal, os Franciscanos, depois de se estabelecerem no país ao longo do séc. XIII, começaram a pender para a conventualidade e para a redução da austeridade da disciplina regular. Face a esta degeneração, desencadeou-se, a partir do final do séc. XIV, a crucial reforma da Observância, que renovou e fortaleceu a ordem, preparando-a para a Modernidade. Caminhando também a Observância Franciscana para a conventualidade e afrouxamento da disciplina, medraram no seu seio, ao longo do séc. XVI, novas reformas rigoristas, ditas da Estrita ou Mais Estreita Observância. No final de Quinhentos, depois de apurada uma maior estabilidade institucional nas províncias portuguesas, a ordem floresceu por todo o mundo português, realidade que começou, contudo, a declinar na transição para o séc. XVIII. Com efeito, na segunda metade de Setecentos, intensificou-se um desajuste entre Igreja e Estado e, articuladamente, uma acentuada decadência espiritual e material das ordens religiosas, a que os Franciscanos não escaparam. Em 1834, o governo liberal decretou a extinção de todas as instituições regulares masculinas. Este capítulo divide-se em duas partes. Na primeira, delineia-se a evolução institucional da Ordem dos Frades Menores em Portugal 82, da fundação em Itália (1209) e sua introdução em terra lusa (1217) à supressão pelo governo liberal (1834) e posterior restauração (1891). Na segunda, como o objeto de estudo desta investigação se reporta ao período entre 1700 e 1834, sistematizam-se alguns aspetos da sua organização institucional TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância franciscana em Portugal (1392-1517): história, património e cultura de uma experiência de reforma religiosa, Porto: Centro de Estudos Franciscanos, 2010, p. 88 e 473. 82 Apenas se fará menção à Primeira Ordem de São Francisco (Franciscanos ou Frades Menores), masculina e regular. A Segunda Ordem (Clarissas), feminina e regular, bem como a Ordem Terceira, com uma vertente regular e outra secular, não serão abordadas. 81

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nessa mesma época, em torno de três aspetos: o modo como funcionava o governo provincial franciscano, a hierarquia interna existente nas províncias e conventos e ainda a identificação das províncias portuguesas no final do Antigo Regime.

2.1 – Evolução institucional (1217-1891) Corria o ano de 1209, quando Francisco de Assis se dirigiu ao Papa Inocêncio III para pedir a aprovação da Regra que escrevera para regulamentar a vida daqueles que integravam a fraternidade que ele próprio, anos antes, fundara informalmente. A iniciativa mendicante de caráter essencialmente leigo reunia homens que procuravam viver a sua fé de forma mais ativa e profunda, imitando Cristo e os apóstolos. Estes homens, os Franciscanos ou Frades Menores, a par dos Dominicanos ou Frades Pregadores, encabeçaram, nos alvores do séc. XIII, uma revolução religiosa que procurou dar resposta aos anseios da nova sociedade urbana que exigia, entre outras coisas, oportunidades de vida espiritual mais ativa para leigos 83. A comunidade franciscana tinha, então, como missão pregar o Evangelho às populações 84 e assistir aos pobres e aos doentes, como lugar de ação o mundo secular, particularmente as cidades, como vestuário pano áspero e ausência de calçado e como sustento o fruto do seu trabalho manual e esmolas. Viviam, para além disto, na mais absoluta pobreza 85 e em itinerância86. Em propósitos, modo de vida e dinâmica social, o Franciscanismo diferenciavase notavelmente da vida monástica87.

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No século XII, o renascimento dos centros urbanos gerou grandes transformações sociais, as quais alimentaram novas preocupações religiosas. A mensagem de Cristo, incompreendida e pouco acessível às populações iletradas e detida pelo clero, que se fazia intermediário forçoso entre Deus e os homens, começava a ser reclamada pelos fiéis, mais conscientes da sua ignorância e inatividade espiritual e também mais bem preparados para colmatar esse vazio. Por outro lado, as ordens monásticas degradavam-se, exigindo reformas. O antigo ritmo religioso precisava de acertar-se com o novo ritmo urbano. Novas formas de viver a fé cristã, que oferecessem oportunidades de vida espiritual ativa aos leigos, eram ansiadas. Consequentemente, leigos começaram a empreender diversos movimentos de aprofundamento espiritual, uns marginalizados e outros, como o Franciscanismo, acolhidos na hierarquia da Igreja. Sobre o contexto social em que surgiu o Franciscanismo, ver, por exemplo, BONNET, Henry Marc – Histoire des ordres religieux. Paris: Presses Universitaires de France, 1949, p. 37-47; LAWRENCE, C. H. – Medieval monasticism: forms of religious life in Western Europe in the Middle Ages. London: Longman, 1984, p. 193-203; BOLTON, Brenda – A reforma na Idade Média: século XII. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 19-85; KRÜGER, Kristina – Órdenes religiosas y monasterios: 2.000 años de arte y cultura cristianos. Königswinter: H. F. Ullmann, 2008, p. 284-287. 84 A fórmula de pregação dos Franciscanos, que pretendia ser acessível e cativante para todos os ouvintes, fundamentava-se no exemplo e no entusiasmo, não na ciência e na persuasão. MURRAY, Bruno – As ordens monásticas e religiosas, Mem Martins: Europa-América, 1989, p. 128. 85 A maior inovação de Francisco de Assis, terá sido, como sugere Workman, a sua concepção de pobreza absoluta, que não era só individual, como acontecia nas ordens monásticas, mas também comunitária. WORKMAN, Herbert B. – The Evolution of the Monastic Ideal. London: C. H. Kelly, 1913, p. 302-303 86 Acerca do modo de vida dos Franciscanos, ver LOPES, Fernando Félix – “Franciscanos de Portugal antes de formarem província independente e ministros provinciais a que obedeciam”, Colectânea de estudos de história e

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Inocêncio III deu, em 1209, a sua aprovação verbal à regra de Francisco, legitimando assim a ortodoxia da fraternidade franciscana 88 . Ordenou, nesse momento, que os irmãos recebessem a prima tonsura e autorizou-os a pregar livremente. Por certo, a Santa Sé procurou associar e integrar os Franciscanos na hierarquia da Igreja89. Por um lado, isto facilitaria a sua aceitação como ordem aprovada entre os povos a quem pregavam e, por outro, possibilitaria moldá-los e torná-los uma arma de unificação da Cristandade, que, na época, se encontrava mutilada por heresias e guerras90, sob a égide da Santa Sé. Nos anos seguintes à aprovação papal, houve uma grande expansão da instituição franciscana, fruto do seu imenso sucesso social, o que impôs a necessidade de estabelecer meios mais eficazes de organização. O crescente número de irmãos e o vasto território de implantação da ordem começavam a exigir um governo central com representantes locais e uma regulamentação mais precisa que assegurasse a disciplina interna. Neste sentido, o Capítulo Geral de 1219 criou as províncias como unidades administrativas, dirigidas por ministros provinciais, subordinados diretamente ao ministro geral91. Com o fim de aperfeiçoar as normas internas, em 1221, Francisco pediu a aprovação para uma nova versão da Regra que, por ser demasiado austera, não foi aprovada. Uma terceira versão, mais moderada e definitiva, uma aquiescência do Poverello de Assis à Cúria Papal, foi aprovada em 1223 por

literatura. vol. 2. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1997, p. 5; KRÜGER, Kristina – Órdenes religiosas y monasterios..., cit., p. 284-286. 87 Os Franciscanos tinham uma vocação secular, urbana e de interdependência, o seu culto era de comunicação, pela palavra e exemplo, procuravam a perfeição dos homens e do mundo, assistiam leprosos, vagabundos, mendigos e salteadores e tinham uma ação socialmente exposta. As ordens monásticas tinham uma vocação transecular, rural e de autossuficiência, o seu culto era de reflexão e silêncio, procuravam a perfeição pessoal, acolhiam nobres, viajantes, penitentes e artistas e tinham uma ação socialmente opaca. SOUSA, Armindo de – “Beneditinos e mendicantes no final da Idade Média (Uma questão de prestígio)”, Actas: Comemoraç ões do 4º Centenário da Fundaç ão do Mosteiro de S. Bento da Vitória. Porto: Arquivo Distrital, 1997, p. 171. 88 Para conhecer sucintamente a evolução institucional da Ordem dos Frades Menores, ver LYNCH, C. J. – “Franciscans”, em New Catholic Encyclopedia, vol. 6. Washington: The catholic University of America, 1967, p. 38-46; FONZO, L. Di – “Francescani”, “Frati Minori”, em PELLICCIA, Guerrino (dir.), ROCCA, Giancarlo (dir.), Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. 4. Roma: Ed. Paoline, 1977, p. 463-511, 823-838; Para aprofundar o conhecimento sobre a ordem, ver MOORMAN, John – A history of the Franciscan Order from its origins to the year 1517. Oxford: The Clarendon Press, 1968; IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana. Nueva Edición. Valencia: Editorial Asis, 1979. 89 LANDINI, Laurentino C. – The causes of the clericalization of the Order of Friars Minor: 1209-1260 in the light of early fraciscan sources. Dissertação de doutoramento apresentada à Facultate Historiae Ecclesiasticae Pontificiae Universitatis Gregorianae, Chicago: Pontificia Universitas Gregoriana, 1968, p. 30-33. 90 Entre as heresias que eclodiram nesta época na Cristandade e que motivaram a ação dos Franciscanos, estavam os Cátaros e os Albigenses, ver DIAS, José Sebastião da Silva – Correntes de sentimento religioso em Portugal, vol. 1. Coimbra: Universidade de Coimbra; Instituto de Estudos Filosóficos, 1960, p. 2-3; LOPES, Fernando Félix – “Franciscanos de Portugal...”, cit., p. 9; Idem – “Escolas públicas dos franciscanos em Portugal antes de 1308”, Colectânea..., cit., vol. 2, p. 355. 91 Idem – “Franciscanos antes de...”, cit., p. 12-13.

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Honório III através da bula Solet Annuere92. Anote-se, ainda, que foi por meio desta mesma bula que a fraternidade minorita foi, de facto, confirmada como uma ordem religiosa. A relação próxima que se firmou, desde 1209, entre Francisco e a Santa Sé permitiu uma intensa intervenção papal na ordem, pelo menos desde que esta começou a crescer consideravelmente na década de 20. Esta intervenção, feita por meio da outorga de privilégios e isenções 93 , foi, em parte, responsável por, gradualmente, desvirtuar a radicalidade dos preceitos franciscanos e transformar a primeira fraternidade numa mais tradicional ordem religiosa94. Há que referir três aspetos fundamentais desta transformação: a clericalização da ordem95, a secundarização dos irmãos leigos96 e a adulteração da pobreza absoluta97. O rumo tomado pela Ordem dos Frades Menores, ao longo do seu primeiro século de existência, não agradou a todos os que a integravam. Mesmo antes da morte de Francisco de Assis, em 1226, germinaram diferentes olhares sobre a vivência prática da Regra e dos ideais franciscanos, os quais, por séculos, conviveram e combateram entre si. Os Franciscanos entraram em Portugal, muito provavelmente, em 121798, ano em que fundaram as suas primeiras duas casas no país, uma no Sul, em Alenquer, e outra no Norte, 92

A Regra de 1223, Regula Bullata, foi escrita com a colaboração do Cardeal Hugolino, mais tarde, Papa Gregório IX, que Francisco de Assis admirava e a quem nomeou Protetor da ordem antes de morrer. Acerca das Regras de 1221 e 1223 e do Testamento de Francisco de 1226, ver LYNCH, C. J. – “Franciscans”, cit., p. 40; LANDINI, Laurentino C. – The causes of the clericalization..., cit., p. 36-41; MOORMAN, John – A history of the Franciscan..., cit., p. 56-59; IRIARTE, Lazaro – História Franciscana, cit., p. 60, 63-70. 93 Uma completa exposição dos privilégios e isenções concedidos à ordem pela Santa Sé, no século XIII, e suas consequências é apresentada em LANDINI, Laurentino C. – The causes of the clericalization..., cit., p. 58-74. 94 VILAR, Hermínia Vasconcelos – “As instituições e o elemento urbano”: “Os frades mendicantes”, em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) – História Religiosa de Portugal, vol. 1. [Lisboa]: Círculo de Leitores: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000, p. 228. 95 Logo em 1222, o Papa autorizou os Franciscanos a celebrar missas. Poucas décadas depois, o ministério dos frades passava a integrar tarefas exclusivas do estado clerical, como a celebração da Eucaristia e da confissão, o que, se por um lado assinalava a presença de clérigos na ordem, por outro fomentava o seu aumento. O ministério pastoral acabou por se tornar fundamental na sua missão. Para conhecer em pormenor o processo de clericalização da ordem no século XIII, ver LANDINI, Laurentino C. – The causes of the clericalization..., cit. 96 Dada a primazia aos clérigos, os irmãos leigos foram secundarizados, tomaram o estatuto de servos e deixaram de poder participar no governo da ordem. Acerca da desigualdade entre leigos e clérigos, ver Idem, ibidem, p. 41-70. 97 Em 1229, o Papa promulgou a bula Quo Elongati, que distinguiu a posse e o uso dos bens pela ordem. Desde então, os bens que lhe eram doados permaneceram na posse dos doadores e aos frades apenas foi permitido o seu uso. Além disto, a gestão desses bens passou a ser realizada por núncios e mais tarde síndicos. Em 1245, a posse dos bens doados à ordem foi integralmente transferida para a Santa Sé. Acrescente-se que a completa anulação da pobreza comunitária materializou-se em 1322, quando o Papa João XXII impôs a propriedade de todos os bens doados e a sua administração à ordem, rompendo com a diferença entre uso e posse. Sobre a adulteração da pobreza absoluta, ver RÍOZ RODRÍGUEZ, María Luz – “Franciscanismo y movimentos heréticos”, Cristianismo marginado: rebeldes, excluídos, perseguidos: del año 1000 al año 1500: actas del XII Seminario sobre Historia del Monacato. Aguilar de Campoo, Palencia: Fundación Santa María la Real ; Madrid: Ediciones Polifemo, 1999, p. 73-99. 98 A data da entrada dos Franciscanos em Portugal é discutida entre 1214, 1216 e 1217. Algumas crónicas da ordem referem que o próprio Francisco de Assis esteve em Portugal, no decorrer de uma peregrinação a Santiago de Compostela, em 1214, e que teria, então, fundado um convento em Bragança. ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja em Portugal (Nova edição preparada por Damião Peres), vol. 1. Porto: Livraria Civilização:

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em Guimarães, a que se seguiram as fundações de Lisboa e Coimbra 99 . Reconhece-se, respetivamente, nas primeiras duas fundações, um papel relevante aos frades Zacarias e Gualter, e a proteção de mulheres da Casa Real portuguesa100. Em 1219, as casas até então estabelecidas foram integradas na recém-formada Província da Espanha, que englobava as casas franciscanas dos cinco reinos cristãos ibéricos. Em 1233, devido ao aumento do número de assentamentos, esta província foi repartida em três: Castela, Aragão e Santiago. As casas portuguesas formaram a Custódia de Portugal que ficou dependente da Província de Santiago, a qual compreendia também as custódias dos reinos de Leão, Galiza e Astúrias101. Desde o começo, larga foi a expansão da ordem, numa vertente eremítica, na custódia portuguesa, o que evidencia o sucesso social dos frades minoritas, resultado da próxima relação que estabeleciam com as populações102. Similarmente ao que ocorreu por todo o Ocidente europeu, os franciscanos que procuraram implantar-se em Portugal, com enfâse na década de 30, sofreram resistências e, por vezes, violência por parte de bispos e cabidos bem como das ordens monásticas e de cónegos regulares. Nesta época, como já se deu a entender anteriormente, a ordem de S. Francisco começava a robustecer-se de privilégios, isenções e concessões à regra outorgadas Portucalense Editora, 1967, p. 136; MORENO, Humberto Baquero – “O poder real e o franciscanismo no Portugal medievo”, I –II Seminário. O Franciscanismo em Portugal. Actas. Lisboa: Fundação Oriente, 1996, p. 87; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 7. Para identificar as datas de fundação e reformas de todos os conventos franciscanos portugueses ao longo do tempo em tabelas, ver Idem, ibidem, p. 1215, 24, 29-30, 35-40. 99 Para conhecer de forma concisa a evolução institucional da Ordem dos Frades Menores em Portugal, ver LOPES, Fernando Félix – “Franciscanos”, em Verbo: enciclopédia luso-brasileira de cultura, vol. 8. Lisboa: Verbo, 1969, p. 1546-1555; MOREIRA, António Montes – “Franciscanos”, em Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. 2. [Lisboa]: Círculo de Leitores: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000, p. 273-280; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos em Portugal”, em FRANCO, José Eduardo (dir.), Dicionário: Família Franciscana em Portugal: ordens e outras formas de vida consagrada, Cascais: Lucerna: Principia Editora, 2015, p. 7-52. Para o aprofundamento de questões acerca da ordem, encontram-se artigos integrados em atas de colóquios, revistas científicas e coletâneas de estudos, entre as quais deve citar-se a coletânea de estudos da OFM em Portugal, Itinerarium, e a sua congénere espanhola, Archivo Ibero-Americano. Não existe, porém, uma obra aprofundada com a história da ordem em Portugal, dos primórdios à atualidade. É ainda de salientar uma outra coletânea de estudos, em três volumes, acerca dos Franciscanos em Portugal, que engloba um catálogo de fontes franciscanas portuguesas, fruto do labor do historiador franciscano Fernando Félix Lopes. 100 Acerca das primeiras fundações franciscanas em Portugal, ver LOPES, Fernando Félix – “Franciscanos de Portugal...”, cit., p. 11; OLIVEIRA, Miguel de – História Eclesiástica de Portugal (Actualização de Artur Roque de Almeida). Lisboa: Publicações Europa-América, 1994, p. 106-107; MOREIRA, António Montes – “Implantação e desenvolvimento da Ordem Franciscana em Portugal, séculos XIII-XVII”, I–II Seminário. O Franciscanismo..., cit., p. 14-15; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 7. 101 LOPES, Fernando Félix – “Franciscanos de Portugal...”, cit., p. 21. 102 ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…cit., vol. 1, p. 127, 138, 143; ALEGRIA, Maria Alegria, “O clero – homens de oração e ação”, em SERRÃO, Joel (dir.); MARQUES, A.H., Oliveira (dir.) – Nova história de Portugal, vol. 3. Lisboa: Presença, 1996, p. 232; GOMES, Saul António – “As ordens mendicantes na Coimbra medieval: notas e documentos”, Lusitania Sacra, 2ª série, vol. 10. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 1998, p. 151-152, 159; VILAR, Hermínia Vasconcelos – “As instituições e o elemento urbano”: “Os frades...”, cit., p. 233; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 9.

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pela Santa Sé, associava já à sua missão a componente do ministério pastoral103, ampliava o número de clérigos letrados e granjeava bastantes esmolas com o sucesso que fazia. Além do mais, deste 1231, a ordem ficou isenta da jurisdição episcopal104, o que, tudo somado, lhe conferiu uma liberdade muito pouco usual entre o clero regular. Esta situação tornava os Frades Menores uma verdadeira ameaça para o clero local, especialmente secular 105 , porquanto poderiam, efetivamente, pôr em causa o seu monopólio pastoral, as esmolas, o poder e a influência social que este detinha. Apesar da Santa Sé se esforçar em persuadir os prelados das dioceses a receber e cooperar com os frades nos territórios de sua jurisdição, não foram poucos os que recusaram determinantemente recebê-los106. Em Portugal, foi acima de tudo no Norte que os Franciscanos enfrentaram as maiores resistências e violências, nomeadamente no Porto, Braga e Guimarães, conhecendo-se também alguns casos em Leiria e Estremoz107. Foi graças ao apoio popular e a proteção de algumas famílias mais importantes que a ordem conseguiu permanecer, ainda que instavelmente, nestas cidades. Face às resistências no Norte, os Frades Menores privilegiaram a implantação na zona Centro-Sul, tendo como núcleo irradiador o Tejo Inferior, uma tendência que se manteve até ao final do séc. XIV. Diversamente, os seus assentamentos nas regiões de Entre-Douro-e-Minho, Alentejo e Algarve foram de caráter isolado108. Os Franciscanos, possivelmente seguindo os fluxos migratórios no reino

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,

prosseguiram fundando casas em Portugal, ao longo da segunda metade do séc. XIII, desta vez sem padecer oposições tão fortes. Nesta época, levantaram-se os primeiros conventos Para conhecer melhor o amplo ministério dos Franciscanos, ver IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 166-171. 104 TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 63. 105 LANDINI, Laurentino C. – The causes of the clericalization..., cit., p. 57, 61-62; ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…cit., vol. 1, p. 127. 106 De modo a promover a fixação e ministério dos Frades Menores no Ocidente europeu, o Papa correspondeuse amiúde com os bispos, apelando-lhes insistentemente para que cooperassem com a nova ordem e repreendendo-os sempre que ofereciam resistências significativas, o que, muitas vezes, pouco efeito surtiu. LANDINI, Laurentino C. – The causes of the clericalization..., cit., p. 57, 64-65; ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…cit., vol. 1, p. 136-137; TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 42-45. 107 Para conhecer melhor as resistências e violências cometidas pela hierarquia eclesiástica local contra os Franciscanos nestas cidades, ver TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 40-41; ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja..., cit., vol. 1, p. 136-138; MARQUES, José – “Os Franciscanos no norte de Portugal nos finais da Idade Média”, Boletim do Arquivo Distrital do Porto, vol. 1 (separata). Porto: Arquivo Distrital, 1982, p. 12-13; GOMES, Saul António – “O Convento de S. Francisco de Leiria”, Itinerarium: colectânea de estudos, Braga: Editorial Franciscana, vol. 150. 1994, p. 404-407; MORENO, Humberto Baquero – “O poder real e...”, cit., p. 88-92; VILAR, Hermínia Vasconcelos – “As instituições e o elemento urbano”: “Os frades...”, cit., p. 230-231. 108 TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 49. 109 José Mattoso considera que as fundações franciscanas, no século XIII, podem ter estado relacionadas com a crise social e com os movimentos migratórios, ainda que não resultem necessariamente deles. MATTOSO, José – “O enquadramento social e económico das primeiras fundações franciscanas”. Atas: Colóquio Antoniano, Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1982, p. 70-71. 103

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urbanos de raiz, ainda de traços bastante simples. Devido à preferência por estas novas construções urbanas, as comunidades eremíticas começaram, desde então, a diminuir em número e importância 110 . Em 1272, prova incontornável do crescimento da ordem em Portugal, a custódia portuguesa foi dividida em duas: Lisboa (com os conventos de Alenquer, Estremoz, Leiria, Portalegre e Santarém) e Coimbra (com os conventos de Coimbra, Covilhã, Guarda, Guimarães, Lamego e Porto)111. Deve ser ainda aludido que, desde esta altura, os minoritas portugueses começaram a servir como agentes diplomáticos pontifícios em questões eclesiásticas e diplomáticas e a ascender a dignidades eclesiásticas episcopais e cardinalícias 112 e, uma vez conquistada a simpatia e devoção régia, a servir a Coroa portuguesa como conselheiros, confessores, pregadores, testamenteiros e biógrafos 113 . Também desta época, datam as primeiras escolas públicas franciscanas no país, sintoma de que os estudos, inicialmente descurados pela ordem, se iam tornando fundamentais para os frades

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. Além disto, os Franciscanos portugueses ingressaram e lecionaram nas

universidades, tanto estrangeiras como portuguesa115. Antes do findar do século XIII, uma vez consolidada em território nacional, a ordem lograva o que José Mattoso define como normalidade institucional116. Desde esse momento, a sua influência e relevância na vida social

LOPES, Fernando Félix – “Escolas públicas dos franciscanos...”, cit., p. 366; TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 64-65. 111 O convento de Bragança ficou integrado na custódia de Ourense devido à proximidade geográfica. MOREIRA, António Montes – “Franciscanos”, cit., p. 274. 112 ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…cit., vol. 1, p. 138; MOREIRA, António Montes – “Implantação e desenvolvimento...”, cit., p. 18; TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 47. 113 ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…cit., vol. 1, p. 138; MARQUES, João Francisco – “Franciscanos e Dominicanos Confessores dos Reis Portugueses das duas Primeiras Dinastias”, Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas, Anexo V: Actas do Colóquio Espiritualidade e Corte (séculos XVI a XVIII), Porto, 1993, p. 53-60; MOREIRA, António Montes – “Implantação e desenvolvimento...”, cit., p. 18; VILAR, Hermínia Vasconcelos – “As instituições e o elemento urbano”: “A procura de uma vivência alheia ao mundo”, em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) – História Religiosa…cit., vol. 1, p. 217; Idem – “As instituições e o elemento urbano”: “Os frades...”, cit., p. 233; TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 4748. 114 As primeiras escolas públicas franciscanas em Portugal, de gramática, filosofia e teologia, foram as de Lisboa e Santarém, documentadas desde 1261, porém o ensino, no século XV, já se havia estendido a quase todas as casas da ordem. A escola de teologia de Lisboa foi a mais bem reputada, tendo sido elevada a Estudo Geral e incorporada na Universidade de Lisboa em 1453. Para aprofundar o conhecimento sobre as escolas franciscanas em Portugal, ver LOPES, Fernando Félix – “Escolas públicas dos franciscanos...”, cit., p. 353-354, 367-369; Idem – “As escolas franciscanas portuguesas de...”, cit., p. 371-384; Idem – “Os estudos entre os franciscanos portugueses no século XVI”, Colectânea..., cit., vol. 1, p. 393-400, 404-405; MOREIRA, António Montes – “Implantação e desenvolvimento...”, cit., p. 19-20. 115 Acerca dos Franciscanos e a universidade, ver LOPES, Fernando Félix – “Os estudos entre os franciscanos...”, cit., p. 385, 400-403; Idem – “As doutrinas escotistas na cultura e escolas de Portugal”, Colectânea..., cit., vol. 1, p. 464-471. 116 José Mattoso dividiu a evolução da ordem em Portugal no século XIII em 5 períodos: 1º (1217-1230), implantação em humildes eremitérios junto às cidades; 2º (1230-1245), sofrimento de represálias eclesiásticas e senhoriais; 3º (1245-1266), construção dos primeiros conventos nas cidades; 4º (1266-1286), desvanecimento de resistências externas, mais ativo desempenho de frades em missões da Santa Sé e mais frequente ascensão ao episcopado e ainda conquista da proteção régia; 5º (1286-1300), instauração da pacificidade, diminuição do 110

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e cultural portuguesa, emanada a partir das ruas, dos púlpitos e dos confessionários, tanto junto dos mais miseráveis como dos mais poderosos, foi assinalável. O desenvolvimento da instituição franciscana em Portugal até meados do séc. XIV, ao contrário do que aconteceu noutros lugares do continente europeu, parece ter decorrido sem discórdias ou conflitos internos notáveis, talvez devido ao equilíbrio existente entre o eremitismo das origens e a tendência conventualizante117. A Querela dos Espirituais, célebre conflito que abalou a ordem e que opôs os Espirituais e a Comunidade 118, afigura-se não ter tido grande impacto no país. Na custódia portuguesa, foi, pois, a Comunidade, o maior sector da ordem de tendência conventualizante, que imperou sem conhecidas dissidências. Dito isto, atente-se que o período de maior exacerbação desta querela estendeu-se de 1283 a 1317/18, ou seja, desde que a Santa Sé criou a figura do síndico apostólico e os Espirituais pediram em vão a sua independência da ordem, até que o Papa João XXII decretou drasticamente a supressão dessa fação, levando a cabo grandes perseguições. É de todo o interesse sublinhar que, durante estas mesmas quatro décadas em Portugal, se registou uma clara pausa na fundação de conventos franciscanos119, que pode ser interpretada como um reflexo da tensão vivida no seio da ordem e da existência de prementes prioridades. Passados os anos que marcaram o fim dos Espirituais, na década de 20 do séc. XIV, assistiu-se ao retomar da fundação de conventos em Portugal, principiando por Loulé e Tavira120. Perante esta nova vaga fundacional no Sul do país, criou-se uma terceira custódia, a de Évora, em 1330, com os conventos de Beja, Estremoz, Évora, Loulé, Portalegre e Tavira121. Nesta época, a ordem passava a desenvolver-se com uma orientação cada vez mais vigorosa para a conventualidade. Efetivamente, ao longo de todo o séc. XIV, a sua evolução

ritmo fundacional e alcance da normalidade institucional. MATTOSO, José – “O enquadramento social...”, cit., p. 68. 117 TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 90. 118 A Querela dos Espirituais foi uma contenda que sucedeu na ordem, desde meados do século XIII, à década de 20 do século XVI, com maior enfoque na Itália Central e no Sul de França. Ela opôs a Comunidade, parte dominante e de tendência conventualizante da ordem, e os Espirituais, sector minoritário associado a proposições heréticas que pugnava por uma radical reforma interna, a qual necessariamente compreendia a anulação de quaisquer concessões feitas à Regra e a defesa do retorno à pobreza absoluta. Os Espirituais foram influenciados pelas profecias de Joaquim Di Fiori através da obra de Fr. Gerardo de Borgo de San Donnino, Introdução ao Evangelho Eterno, publicada em 1254, que identificava os Franciscanos como a ordem profetizada, a qual iria impor a nova Igreja espiritual, despojada de hierarquias e corrupção. O cunho anticlerical desta proposta fez com que fosse considerada herética. Os Franciscanos Espirituais, por juntarem estas proposições heréticas à sua fervorosa vontade de reforma, acabaram por ser perseguidos e extintos. Acerca da Querela dos Espirituais, ver MOORMAN, John – A history of the Franciscan..., cit., p. 188-204, 310-313; RÍOZ RODRÍGUEZ, María Luz – “Franciscanismo y movimentos heréticos...”, cit., p. 73-87; TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 62-79. 119 TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 48. 120 Idem, ibidem, loc. cit. 121 MOREIRA, António Montes – “Franciscanos”, cit., p. 274.

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da ordem, de forma geral, caraterizou-se pela ampliação de conventos e igrejas e pela sua transferência para dentro dos muros das cidades, pelo desenvolvimento de escolas junto dos conventos, pela intensa recepção de esmolas, legados e fundações piedosas, pela muito profícua relação com a Coroa, pela consumação prática de concessões e dispensas à Regra e pela assimilação do ritmo litúrgico e da solenidade das ordens monásticas 122 . Toda esta evolução contribuiu, todavia, para a uma certa degradação institucional e moral dos Frades Menores, que, cada vez mais, se afastavam dos primordiais preceitos e práticas do Franciscanismo123. Na verdade, o século XIV foi, para todas as ordens religiosas, um século de degradação, de incessantes discussões e divisões e, naturalmente, também de grande urgência de reformas consistentes124. No caso da Ordem dos Frades Menores, quando se abafavam ainda os últimos sopros dos Espirituais, já “alguma contestação interna crescia e tentava resistir à forte tendência de conventualidade, acusando a ordem de se afastar do verdadeiro espírito da regra do fundador”125. Esta contestação, com ambição de reforma e raízes quase tão antigas quanto a existência da própria ordem, ganhou maior fulgor a partir do Concílio de Vienne (1309-1312), no qual se discutiu a pobreza franciscana126. Ainda em clima de debate, a ordem, no Capitulo Geral de Perugia, em 1322, considerou ser verdadeira a proposição de que Cristo e os Apóstolos não haviam tido qualquer propriedade individual ou comum. No entanto, o Papa João XXII discordou abertamente e, no mesmo ano, declarou que a Santa Sé não seria mais proprietária dos bens da ordem e proibiu ainda a instituição de dispor de síndicos apostólicos, imputando aos frades a plena posse e gestão de tudo o que lhes era doado, o que, naturalmente, contribuiu para o desvirtuamento da Regra127. Para colocar um ponto final na questão da pobreza, em 1323 emitiu ainda a bula Cum inter nonnullos, em que declarava

MOORMAN, John – A history of the Franciscan..., cit., p. 307, 353-368; MOREIRA, António Montes – “Implantação e desenvolvimento...”, cit., p. 20-21; TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 90. 123 RAPP, Francis – L’Église et la Vie Religieuse en Occident à la Fin du Moyen Age, Paris: Presses Universitaires de France, 1971, p. 220-221; IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 102-103; TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 82-85, 481. 124 RAPP, Francis – L’Église et la..., cit., p. 216-224; TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 80-81. 125 Idem, ibidem, p. 66. 126 MOORMAN, John – A history of the Franciscan...cit., p. 201-204; MOREIRA, António Montes – “Implantação e desenvolvimento...”, cit., p. 20; TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 72, 78. 127 O decreto de 1322 foi revogado em 1428 pelo Papa Martinho V, ver LYNCH, C. J. – “Franciscans”, cit., p. 42. No Concílio de Trento, decidiu-se, todavia, permitir à ordem a propriedade comunitária, ver JEDIN, Hubert – Historia del Concilio de Trento, vol. 4. Pamplona: Editiones de la Universidad de Navarra, 1972-1981, p. 264. 122

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herética a proposição do Capítulo Geral do ano anterior128. Foi na sequência destas discussões e do afrontamento papal à pobreza absoluta de Francisco de Assis que o movimento de reforma entre os minoritas se renovou, purificado de heresias. O enérgico progredir da adulteração da Regra e da conventualidade, a par da gradual degeneração institucional e moral da ordem, ao longo do séc. XIV e XV, incentivou, portanto, vontades e iniciativas que deram ímpeto ao profundo movimento reformista da Observância Franciscana. A Observância Franciscana129 foi, inicialmente, um movimento bastante heterogéneo de pequenas fraternidades que se retiraram para simples eremitérios e oratórios, de modo a observar com todo o rigor a Regra, mormente no que dizia respeito à pobreza absoluta e à mendicância130. Giovanni della Valle foi o primeiro a traçar este caminho quando, em 1334, com autorização do ministro geral, se recolheu com alguns companheiros no eremitério de Brogliano 131 . No entanto, foi a experiência análoga de Paoluccio Trinci, em 1368, que desencadeou uma onda de entusiasmo entre os que almejavam uma reforma interna, muitos deles leigos, e levou a que, progressivamente, inúmeros eremitérios fossem reocupados na Itália Central e no Sul de França132. Definitivamente benéfico para o sucesso e expansão do movimento, nas últimas três décadas do século, a Observância ganhou suporte por parte da Santa Sé, do generalato e dos provinciais da ordem 133 . Em 1390, em virtude do seu crescimento, foi, de facto, necessário nomear um comissário para os já muitos conventos reformados por toda a Europa 134 . Subsequentemente, ao tornar-se inegável a amplitude e fundamentação do movimento observante, desencadeou-se um novo conflito interno, desta vez menos radical e violento do que o sucedido com os Espirituais, mas com consequências 128

Este conflito entre os Frades Menores e o Papa João XXII, a propósito da pobreza absoluta, nos anos de 1322 e 1323, está muito bem referido em RÍOZ RODRÍGUEZ, María Luz – “Franciscanismo y movimentos heréticos...”, cit., p. 97; LYNCH, C. J. – “Franciscans”, cit., p. 41-42. 129 Em primeiro lugar, tenha-se em conta que a Observância foi um movimento de reforma que, no século XIV, teve repercussão em todas as ordens religiosas, porém com particular impacto entre os Franciscanos. Para se aprofundar o conhecimento sobre a Observância Franciscana, ver MOORMAN, John, A history of the Franciscan..., cit., p. 369-383, 442-456, 479-500, 569-585; IRIARTE, Lazaro, Historia Franciscana, cit., p. 104-108, 111-117. Especificamente sobre a Observância Franciscana em Portugal, ver REMA, Henrique Pinto, “A observância franciscana na Peninsula Ibérica”, Itinerarium: coletânea de estudos, vol. 175/176. Braga: Editorial Franciscana, 2003, p. 61-96; MOREIRA, António Montes – “Implantação e desenvolvimento...”, cit., p. 21; e ler especialmente TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit. 130 MARQUES, José – “Os Franciscanos no norte...”, cit., p. 18-19; TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 90. 131 MOORMAN, John – A history of the Franciscan..., cit., p. 369-370; IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 104; ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…, cit., vol. 1, p. 323; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 18. 132 MOORMAN, John – A history of the Franciscan..., cit., p. 371-373; IRIARTE, Lazaro, Historia Franciscana, cit., p. 105; ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…, cit., vol. 1, p. 323; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 19. 133 TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 96-97; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 19-20. 134 MURRAY, Bruno – As ordens monásticas..., cit., p. 133.

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internas bem mais significativas. Ainda antes de o século findar, Observantes e Conventuais tornaram-se adversários empenhados pela supremacia da sua conceção de espírito e vida franciscana dentro da ordem. Os Observantes buscavam o retorno à austeridade primitiva estabelecida por Francisco de Assis. Os Conventuais, também designados Claustrais, desejavam a manutenção de uma disciplina regular mais moderada em relação ao rigorismo da Regra, uma realidade materializada através das muitas concessões papais. Foi durante o Cisma do Ocidente (1378-1417) que a Observância Franciscana entrou em Portugal. Em 1382, a Província de Santiago desdobrara-se, na prática, em duas, uma de obediência a Roma e outra de obediência a Avinhão. A custódia portuguesa, devido às tensões com Castela, motivadas pelas guerras luso-castelhanas de 1383-85, por ser a única da província que perante o Cisma prestava obediência a Roma, e também porque o provincial de Santiago, encontrando-se em Portugal, começara a governar separadamente as custódias portuguesas, passou a reger-se de forma cada vez mais independente 135 . Neste contexto, alguns frades observantes galaico-castelhanos136, desejando colocar-se sob a obediência do Papa de Roma137 e levar a Observância para Portugal, entraram no país, provavelmente, em 1392 138 , e, nesse mesmo ano, estabeleceram-se em cinco eremitérios no Norte 139 . As primeiras instalações observantes no país tiveram um caráter eremítico e não clerical, à semelhança do que acontecera com o Franciscanismo primitivo. Ao apartarem-se das cidades, em lugares de solidão, silêncio e agrura, os frades evitaram possíveis conflitualidades com o clero local, como aquelas que haviam sofrido os primeiros Minoritas140. Sem qualquer dúvida, a Observância conheceu uma pujança imediata no território português, pois, em 1407, quando foi autoproclamada a Província de Portugal, alguns conventos importantes, como o de Alenquer e o de Leiria, estavam já reformados e muitos outros se reformaram ou foram

ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…cit., vol. 1, p. 332; MOREIRA, António Montes – “Implantação e desenvolvimento...”, cit., p. 17; TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 102, 111; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 19. 136 Entre os primeiros observantes a entrar em Portugal estavam Fr. Diogo Arias e Fr. Gonçalo Mariño e Fr. Pedro Dias. ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…, cit., vol. 1, p. 332. 137 Estes frades observantes procuravam estabelecer-se em Portugal, porque o Papa de Roma, a quem os Minoritas portugueses obedeciam, era mais favorável à Observância do que o de Avinhão. TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 97. 138 Embora não se possa afirmar com toda a certeza, toma-se como ano da introdução da Observância em Portugal, o ano de 1392, pois dele é o primeiro documento conhecido que faz menção à Observância no país, a bula Vestrae Devotionis. Idem, ibidem, p. 101-102, 106. 139 Os cinco primeiros eremitérios observantes no país foram Santa Maria de Mosteiró, Santa Maria de Ínsua, S. Francisco de Viana do Castelo, S. Paio do Monte e S. Clemente de Penhas. REMA, Henrique Pinto – “A observância franciscana na Península...”, cit., p. 63. 140 TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit. p. 114. 135

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fundados pelos observantes ao longo do século XV141, progressão que se orientou de norte para sul e se estendeu rapidamente às ilhas e territórios ultramarinos142. Refira-se ainda que, até meados do séc. XV, a Observância soube manter um equilíbrio fundacional entre dois polos, a região Entre-Douro-e-Minho e a Estremadura, sempre privilegiando a ruralidade143. Findo o Cisma, um acontecimento de grande relevância aconteceu para a ordem em Portugal. No Capítulo Geral de 1418 ou no de 1421, aprovou-se canonicamente a Província de Portugal, o que ditou a autonomização dos minoritas portugueses 144 . Por essa mesma altura, a divergência entre Observantes e Conventuais ganhava maiores proporções. Um mais seguro alinhamento da hierarquia da ordem com a Observância, tal era a consciência da necessidade de reformar para sobreviver, concorreu, sem dúvida, para o seu íntimo fortalecimento. Para evitar uma cisão no seio da ordem, que conquanto não constasse das primeiras intenções dos Observantes se tornava cada vez mais iminente, tomaram-se iniciativas para conciliar, ainda que infrutiferamente, as duas fações, ao longo da primeira metade do séc. XV145. Ao contrário do que muitos pretendiam, logo em 1415, no Concílio de Constança, a Observância obteve a permissão para observar integralmente a Regra em custódias e províncias autónomas, sob direção de um vigário geral, diretamente submetido ao ministro geral146. Novo passo em direção ao triunfo, em 1446, por meio da bula Ut Sacra de Eugénio IV, a Observância Franciscana tornou-se, irreversivelmente, um ramo autónomo dentro da ordem, com direito a nomear dois vigários-gerais, a serem confirmados pelo ministro geral, um para a Família Cismontana e outro para a Ultramontana 147 e também vigários provinciais para todas as províncias reformadas; além disso, poderia realizar capítulos gerais independentes e ter legislação própria 148 . Com efeito, a partir de 1447, a 141

Para se conhecer com pormenor o processo quer fundacional quer reformador de casas claustrais pela Observância em Portugal, ver TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 143-317. 142 MARQUES, José – “Os Franciscanos no norte...”, cit., p. 21. 143 TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 137-138, 384-385. 144 MOREIRA, António Montes – “Franciscanos”, cit., p. 274; TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 102-103. 145 Com vista a encontrar soluções, o problema foi discutido no Concílio de Constança (1414-1418) e no de Basileia (1431-1438) e esteve na base das Constituições Martinianas de João Capistrano (1430), em vigor durante um só ano. IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 113; ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…, cit., vol. 1, p. 333; GARCÍA ORO, José – “Reforma y reformas en la família franciscana del Renascimiento. Cuadro histórico del tema”, em I Congresso Internacional. El franciscanismo en la Peninsula Iberica. Balance y perspetivas. Atas. s.l.: GBG Editora, 2005, p. 239. 146 MOORMAN, John – A history of the Franciscan..., cit., p. 383; GARCÍA ORO, José – “Reforma y reformas en...”, cit., p. 236-237. 147 A Família Ultramontana era a parte da ordem que compreendia todos os conventos franciscanos da Observância ou por ela reformados para cá dos Alpes. A Família Cismontana compreendia os que se situavam na península itálica, Balcãs, Europa de Leste e Mediterrâneo Oriental. TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância..., cit., p. 423-424. 148 LYNCH, C. J. – “Franciscans”, cit., p. 42; MOORMAN, John – A history of the Franciscan..., cit., p. 452; IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 114.

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Província de Portugal passou a ter um vigário provincial observante, para além do ministro provincial 149 . O ministro geral continuava, contudo, a ser um só para toda a ordem e obrigatoriamente claustral. Na segunda metade do séc. XV, a partir do momento em que a Observância se tornou um ramo franciscano autónomo e consolidado, a reforma das casas portuguesas dos Conventuais ganhou novo fôlego. Rapidamente os Observantes rumaram para sul, para a planície alentejana, buscando fixar-se fora das áreas monástico-conventuais antigas150. Porém, a partir de 1446, a Observância portuguesa começou também a seguir uma nova orientação no que tocava à vivência prática dos preceitos franciscanos. De certa forma, uma mesma história recomeçava. Nesta fase, os Observantes, além de terem conquistado a proteção régia, começaram a desfavorecer o eremitismo, a construir maiores e melhores estruturas, entre as quais se destaca o Convento de Xabregas, a receber privilégios diversos, a promover os estudos e a cultura, a abraçar o meio urbano, a clericalizar-se e a dedicar-se ao ministério pastoral151. O Convento de Varatojo, fundado em 1472, confirmou a efetividade de todas estas novas orientações152. É então chegado o momento de afirmar que a Observância Franciscana, tal como o Franciscanismo nos séculos XIII e XIV, começou a caminhar para a conventualidade e adulteração do rigorismo projetado por Francisco de Assis, adaptando-se contudo perfeitamente e muito melhor que a Claustra, às necessidades devocionais da sociedade moderna de Quinhentos. Concordando com Vítor Teixeira, só uma Observância hierarquizada, culta e letrada, com uma componente clerical acentuada e uma instituição bem organizada, poderia captar prestigiosos apoios sociais e estimular uma devocionalidade mais culta e exigente, como, de facto, aconteceu 153 . Capaz de responder melhor aos anseios religiosos desta nova sociedade, a Observância suplantou definitivamente em número e sucesso o ramo claustral dos Frades Menores154. Em Portugal, contribuiu zelosamente para este êxito o ilustre vigário provincial Frei João da Póvoa155.

MOREIRA, António Montes – “Implantação e desenvolvimento...”, cit., p. 21-22; REMA, Henrique Pinto – “Implantação do Franciscanismo em Portugal”, Itinerarium: coletânea de estudos, vol. 181-183. Braga: Editorial Franciscana, 2005, p. 270; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 28. 150 TEIXEIRA, Vítor – O movimento da observância...cit. p. 237, 385-387. 151 Idem, ibidem, p. 237, 385-387; Idem, “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 22-23. 152 Idem – O movimento da observância..., cit., p. 320. 153 Idem, ibidem, p. 239. 154 Idem, ibidem, p. 238. 155 Frei João da Póvoa (1439-1506) foi sete vezes eleito vigário provincial da Província de Portugal, além de ter sido confessor e testamenteiro de D. João II. Sobre Fr. João da Póvoa, ver TEIXEIRA, Vítor – “Fr. João da Póvoa e o Movimento da Observância Franciscana Portuguesa entre 1447 e 1517”, Lusitania Sacra, 2ª série, vol. 17. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2005, p. 227-254. 149

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Perante o encaminhamento da Observância Franciscana para a conventualidade e os seus primeiros sintomas de crise e afrouxamento da disciplina regular, tendo em conta que a situação era bem mais crítica e evidente na Claustra156, mais uma vez na história dos Frades Menores emergiram novos anseios pelo retorno à primitiva austeridade. A segunda metade do séc. XV e o séc. XVI assistiram, pois, ao despontar de diversas reformas no seio da ordem. Constate-se, a propósito, que a centúria de Quinhentos foi, para as ordens religiosas em geral, as quais continuavam a multiplicar-se, um tempo marcado, por um lado, pelo exacerbar da degradação institucional e da indisciplina

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, bem mais acentuada entre as ordens

monásticas158, e por outro, pelo empreendimento de reformas mais consistentes, embebidas pelo espírito contrarreformista, sendo, neste contexto, necessário salientar a importância do Concílio de Trento (1545-1563), que, entre muitos assuntos, também se dedicou à reforma das ordens regulares159. Comparativamente ao estado do clero diocesano e monástico e também dos Franciscanos Conventuais, a degradação dos Observantes era pouco significativa

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,

continuando a ser percecionados como os “verdadeiros missionários do ideal cristão”161. No entanto, prova de que também na Observância Franciscana se desvirtuava a austeridade primitiva, medraram, no seu intimo, novos movimentos de reforma. Em Portugal, tais reformas formaram a Estrita ou Mais Estreita Observância, assim denominada devido ao DIAS, José Sebastião da Silva – Correntes de sentimento..., cit., p. 57, 59, 137; MEA, Elvira – “A Igreja em reforma”, em SERRÃO, Joel (dir.); MARQUES, A.H., Oliveira (dir.) – Nova história de Portugal, vol. 5. Lisboa: Presença, 1998, p. 226; GOMES, António Saul – “O Mosteiro de S. Francisco...”, cit., p. 393. 157 Sobre a degradação institucional, indisciplina e reforma das ordens religiosas no século XV e XVI em Portugal, ver ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja em Portugal (Nova edição preparada por Damião Peres), vol. 2. Porto: Livraria Civilização: Portucalense Editora, 1968, p. 204-210, 490-492; OLIVEIRA, Miguel de – História Eclesiástica..., cit., p. 156-157; DIAS, José Sebastião da Silva – Correntes de sentimento..., cit., p. 47-66, 100-177; SERRÃO, Joaquim Veríssimo – História de Portugal. vol. III. 2ª edição, Lisboa: Verbo, 1980, p. 339-342; GARCÍA ORO, Jose – “La reforma de la vida religiosa en España y en Portugal durante el Renacimiento”, Archivo Ibero-Americano, vol. 243. Madrid: Franciscanos Españoles, 2002, p. 456-507; MARQUES, José – “Os Franciscanos no norte...”, cit., p. 25-27; MEA, Elvira – “A Igreja em reforma”, cit., p. 421-423. 158 DIAS, José Sebastião da Silva – Correntes de sentimento..., cit., p. 47, 57, 137; PAIVA, José Pedro – “Os mentores”: “Frades e freiras”, em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) – História Religiosa de Portugal, vol. 2. [Lisboa]: Círculo de Leitores: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000, p. 205. 159 O Concílio de Trento dedicou-se na sessão XXV à reforma dos regulares. As orientações conciliares a estes consagradas insistiram no reforço da vigilância e disciplinamento dos religiosos. Trento, indubitavelmente, incutiu traços fundamentais na estrutura monástico-conventual do Antigo Regime. Para se conhecer mais aprofundadamente as discussões e normas tridentinas relativamente às ordens religiosas, ver JEDIN, Hubert – Historia del Concilio..., cit., p. 251-287; ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…, cit., vol. 2, p. 212213; BARBOSA, David Sampaio – “Concílio de Trento e as ordens”, em FRANCO, José Eduardo (coord); ABREU, Luís Machado de (coord.) – Para a história das ordens e congregações religiosas em Portugal, na Europa e no Mundo, vol. 1. Lisboa: Paulinas Editora, 2014, p. 409-419. 160 DIAS, José Sebastião da Silva – Correntes de sentimento..., cit., p. 137, 141; MARQUES, José – “Os Franciscanos no norte...”, cit., p. 27. 161 DIAS, José Sebastião da Silva – Correntes de sentimento..., cit., p. 57. 156

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estrito rigor com que os seus frades cumpriam a Regra e em oposição à Regular Observância. A primeira reforma deste cariz em Portugal foi a dos frades capuchos da Piedade, assim chamados devido aos capuzes pontiagudos que usavam. Esta reforma derivou da reforma descalça em Espanha, iniciada por Juan Guadalupe, que se havia retirado, em 1496, com alguns companheiros para um eremitério em Granada de modo a observar com estrito rigor a Regra. Com a apoio de D. Jaime de Bragança, em 1500, Juan Guadalupe fundou em Portugal o Convento de Nossa Senhora da Piedade, em Vila Viçosa, para nele outros frades viverem de acordo com os austeros preceitos dos descalços espanhóis. Ampliada esta reforma pelo Alentejo e Algarve, em 1517, os capuchos formaram a Província da Piedade162. No entanto, esta não foi a única nem a mais importante mudança ocorrida na ordem nesse ano. Em 1517, a Observância finalmente triunfou. Através da bula Ite vos, promulgada por Leão X no mesmo ano, a Ordem dos Frades Menores foi dividida em dois ramos praticamente independentes, Observantes e Conventuais, e os ministros gerais da ordem passaram a ser nomeados de entre os Observantes, intercalando entre a Família Cismontana e a Ultramontana. Não menos relevante, determinou-se também que as diversas reformas nascentes, entre as quais a capucha, fossem reunidas dentro da Observância. Ainda em 1517, uma outra bula, Omnipotens Deus, definiu que os Conventuais teriam, daí em diante, um mestre geral, necessariamente confirmado pelo ministro geral observante163. A Observância assumiu, pois, a primazia na ordem e os Conventuais ficaram, de certa forma, submetidos a ela. Em Portugal, essas determinações iam precisamente ao encontro da política régia, que, desde o reinado de D. Manuel, intentava a assimilação da Claustra pela Observância164. Em virtude das bulas de 1517, Portugal passou a ter, portanto, três províncias. A Província de Portugal foi repartida em duas, a Observante e a Claustral 165, e formou-se ainda a Província 162

Para aprofundar o conhecimento acerca da reforma capucha em Portugal, conhecida como descalça ou alcantarina em Espanha, e que não deve ser confundida com os Capuchinhos, pois estes formavam uma ordem independente, ver DIAS, José Sebastião da Silva – Correntes de sentimento..., cit., p. 146-148, 151; IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 211-212; ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…cit., vol. 2, p. 168-169; TEIXEIRA, Vitor – “Capuchos”, em FRANCO, José Eduardo (dir.), Dicionário: Familia..., cit., p. 8790. 163 Relativamente às duas bulas promulgadas em 1517, ver LYNCH, C. J. – “Franciscans”, cit., p. 42-43; MOORMAN, John – A history of the Franciscan..., cit., p. 582-585; IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 116-117. 164 D. Manuel, D. João III e o Cardeal Infante D. Henrique ambicionaram reformar as ordens religiosas e, nesse sentido, procuraram que todos os conventos claustrais franciscanos fossem reformados pelos observantes. O Cardeal Infante obteve inclusivamente permissão papal, em 1517, para reformar casas religiosas e, em 1541, para visitar e reduzir conventos de Clarissas e Franciscanos à Observância. DIAS, José Sebastião da Silva – Correntes de sentimento..., cit., p. 98-99, 139-140; ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…cit., vol. 2, p. 143; LOPES, Fernando Félix – “Os estudos entre os franciscanos...”, cit., p. 388-391; MEA, Elvira – “A Igreja em reforma”, cit., p. 226. 165 A Província de Portugal da Regular Observância integrava 27 casas, entre as quais as da Madeira, e teve como sede o Convento de S. Francisco de Lisboa. A Província de Portugal dos Claustrais ficou com 22 casas,

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da Piedade, da reforma capucha, entretanto acolhida pela Observância. Pouco depois, em 1532/33, criou-se a observante Província dos Algarves com os conventos a Sul do Tejo e na Estremadura (à exceção do Convento de S. Francisco de Lisboa) desagregados da Província de Portugal166. No decorrer do séc. XVI, outras duas reformas da designada Estrita Observância raiaram em Portugal, a dos Arrábidos ou Alcantarinos e a dos Recoletas ou das Recoleções. Corria o ano de 1539, quando o castelhano Frei Martim de Santa Maria, para uma observação mais solitária e austera da Regra, se recolheu com um companheiro à Serra da Arrábida, cedida para esse fim por D. João de Lencastre, 1º Duque de Aveiro. Após ter recebido, em 1542, a visita de Pedro de Alcântara dos Conventuais Reformados da Galiza e a do Ministro Geral da ordem, o simples movimento foi integrado na reforma capucha, começando depois a receber noviços e a formar novas casas. Em 1560, os arrábidos formaram a Província da Arrábida167. Com um percurso bastante diferente, as casas de recoleção da Observância168, mormente na Península Ibérica, tornaram-se, nos séculos XV e XVI, importantes lugares onde se recolhiam, a longo prazo, aqueles que almejavam um retorno à austeridade e acabaram transformando-se em verdadeiras comunidades, estabelecendo uma rede entre si. Em 1568, os recoletas portugueses constituíram então a Província de Santo António169. Note-se, porém, que, enquanto as três reformas da Estrita Observância portuguesa – Capucha, Arrábida e Recoleta – se expandiram e consolidaram, a Claustra foi sendo reduzida. Embora o Concílio de Trento tenha optado por não a extinguir170, em Portugal promoveu-se ativamente, desde o reinado de D. Manuel, a reforma dos seus conventos, até que em 1584, ela foi por completo suprimida171. entre as quais as dos Açores e de Ceuta, e teve como sede o Convento de S. Francisco do Porto. MOREIRA, António Montes – “Implantação e desenvolvimento...”, cit., p. 22; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 33. 166 D. João III solicitou a divisão da Província de Portugal dos observantes por ser esta demasiado extensa. ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…, cit., vol. 2, p. 145-146; LOPES, Fernando Félix – “Os estudos entre os franciscanos...”, cit., p. 391. 167 Para aprofundar o conhecimento acerca da reforma arrábida, ver DIAS, José Sebastião da Silva – Correntes de sentimento..., cit., p. 148-149, 151; IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 212-213; ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…cit., vol. 2, p. 181-183; SILVA, António Pereira da – “Espiritualidade e evangelização dos arrábidos”, Itinerarium: coletânea de estudos, vol. 164. Braga: Editorial Franciscana, 1999, p. 207-213; Jesué Pinharanda – “Arrábidos”, em FRANCO, José Eduardo (dir.), Dicionário: Familia..., cit., p. 5569. 168 As casas de recoleção ou de retiro observantes serviam, originalmente, para os frades se afastarem da missão social franciscana e se dedicarem à oração e a uma intensa disciplina, mas sempre por períodos breves. LYNCH, C. J. – “Franciscans”, cit., p. 43. 169 Para se ficar a conhecer melhor a reforma das recoleções em Portugal, ver IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 209-211; ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…, cit., vol. 2, p. 146. 170 BARBOSA, David Sampaio – “Concílio de Trento e...”, cit., p. 412. 171 Por meio dos esforços do Cardeal Infante D. Henrique, em 1567 foi emitido um breve papal ordenando que os conventos portugueses da Claustra fossem integrados na Observância, conforme era vontade da Coroa, para

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No final do séc. XVI, os Frades Menores, esta “grande família de pensamento onde se poderão expressar várias correntes que, por vezes, também se poderão combater, e até mesmo dividir”172, estava intimamente transformada e vivia a sua fase de maior crescimento, que se estendeu dos inícios de Quinhentos a meados do século XVIII173. Em Portugal, a Regular Observância e, na sua dependência, a Estrita Observância, depois de incorporarem todos os conventos franciscanos, lograram uma estabilidade institucional maior do que até então, sem conflitos ou cisões internas de grandes proporções, mas pontuada por um contraste entre o afrouxamento da disciplina das Províncias da Regular Observância e a austeridade no cumprimento da Regra das Províncias da Estrita Observância

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. Nesta conjuntura,

conservada durante o século XVII, a ordem prosperou através das suas muitas vocações, conventos, seminários, escolas e missões, o que a tornou uma das mais relevantes do Antigo Regime português 175 . Não só floresceu no país, onde era a mais numerosa e com maior número de conventos176, como se expandiu e enraizou por todo o império português, sendo de realçar a obra missionária que nele encetou desde o início da Expansão177. Uma vez conseguida uma maior estabilidade na Ordem dos Frades Menores, procedeu-se em Portugal, ao longo do séc. XVII, ao aperfeiçoamento do seu governo provincial e à consolidação da estabilidade adquirida. Para atingir esses fins e porque se via como causas de dificuldades e desacordos o grande número de conventos e a extensão das

serem eficazmente reformados e, em 1584, este ramo franciscano foi definitivamente abolido no país, por breve de Pio V. OLIVEIRA, Miguel de – História eclesiástica..., cit., p. 159; MOREIRA, António Montes – “Implantação e desenvolvimento...”, cit., p. 22-23. 172 MURRAY, Bruno – As ordens monásticas..., cit., p. 128. 173 MOREIRA, António Montes – “A restauração da Província Franciscana de Portugal em 1891”, Itinerarium: coletânea de estudos, vol. 146/147. Braga: Editorial Franciscana, 1993, p. 163. 174 DIAS, José Sebastião da Silva – Correntes de sentimento..., cit., p. 140-141,149, 155. 175 ANDRADE, Maria Filomena – “Franciscanos”, em FRANCO, José Eduardo (dir.), MOURÃO, José Augusto (dir.), Ana Cristina da Costa (dir.) – Dicionário histórico das ordens e instituições afins em Portugal. Lisboa: Gradiva, 2010, p. 163. 176 SERRÃO, Joaquim Veríssimo – História de Portugal. vol. IV. 1ª edição, Lisboa: Verbo, 1979, p. 304. 177 Os Franciscanos foram pioneiros como missionários no vasto império português, tendo participado na Expansão desde a conquista de Ceuta, onde fundaram um convento em 1420, e alargado depois a sua relevante ação para os arquipélagos atlânticos, costa africana, Índia, Extremo Oriente e Brasil. Sobre a atividade missionária franciscana no império português, ver MORENO, Humberto Baquero – “Franciscanos, Descobrimentos e missionação”, Itinerarium: coletânea de estudos, vol. 82. Braga: Editorial Franciscana, 1973, p. 434-435; AAVV – III-IV Seminário. O Franciscanismo em Portugal. Actas (A ação missionária dos franciscanos). Lisboa: Fundação Oriente, 2000; XAVIER, Ângela Barreto – “Itinerários franciscanos na Índia seiscentista e algumas questões de história e de método”, Lusitania Sacra, 2ª série, vol. 18. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2006, p. 87-116; COSTA, José Paulo Oliveira e – “Ordens e missionação na época moderna”, em FRANCO, José Eduardo (coord); ABREU, Luís Machado de (coord.) – Para a história das ordens..., cit., vol. 1, p. 454; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 31, 33. Existem ainda vários artigos que abordam a temática da ação franciscana em diferentes territórios ultramarinos portugueses e espanhóis nas coletâneas de estudos Itinerarium e Archivo Ibero-Americano.

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províncias que os aglomeravam 178 , estas foram geograficamente desdobradas. Assim, em 1639/40, a partir da Província dos Algarves criou-se a Província de S. João Evangelista, que compreendia todos os conventos nos Açores; em 1671/73, com os conventos a Norte do Tejo da Província da Piedade, formou-se a Província da Soledade; e, por fim, foi criada a última província portuguesa, a da Conceição, em 1705/06, com os conventos a Norte do Mondego da Província de Santo António (à exceção do Convento de Cantanhede). Para além disto, tomaram-se medidas para uniformizar as reformas da Estrita Observância. Nesse sentido, no ano de 1639, a Província de Santo António da reforma das recoleções foi integrada na reforma capucha179. Na mesma senda, desde 1642, as províncias Capuchas ou Descalças, que à época já compreendiam todas as da Estrita Observância portuguesa, passaram a submeter-se diretamente ao ministro geral, sem intermediação do comissário geral ultramontano, e obtiveram ainda constituições próprias180. Importa mencionar que em 1679/80 se fundou no país o primeiro Seminário de Missionários Apostólicos181, o Seminário de Varatojo182. Ainda antes de findar o séc. XVII, as ordens religiosas, de maneira geral, entraram num estado de estagnação e até recessão que foi acompanhado pelo acentuar, por um lado, da indisciplina interna, fruto da perda de autenticidade do espírito religioso e do excesso de formalismo no quotidiano, e por outro, da má situação financeira, resultado de uma prolongada incompetência na administração dos bens comunitários. Este estado propendeu a piorar no séc. XVIII, que, com efeito, foi para as ordens religiosas um tempo de grande degeneração espiritual e material 183 , intrincado num gradual desajuste entre a Igreja e o

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Estas circunstâncias obrigavam os frades a fazer longas e perigosas viagens a pé entre conventos, dificultavam as visitas do ministro provincial a todas as casas da sua província, tarefa que lhe competia, e instigavam conflitos de interesses entre conventos de uma mesma província, provocados pela diversidade regional. SANTIAGO, Fr. Francisco de – Chronica da Santa Provincia de Nossa Senhora da Soledade da Mais Estreita e Regular Observancia do Serafico Padre S. Francisco do Instituto dos Descalços no Reino de Portugal, tomo 1. Lisboa: Officina de Miguel Manescal da Costa, 1767, p. 86-93. 179 IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 210. 180 Idem, ibidem, p. 214. 181 Estes seminários funcionavam com total independência das províncias portuguesas, estavam apenas sujeitas ao Ministro Geral da ordem e destinavam-se a formar frades para exercerem missões internas no país, os quais habitualmente andavam em grupos de três ou quatro. Sobre os seminários apostólicos e as suas missões internas ver, OLIVEIRA, Miguel de – História Eclesiástica..., cit., p. 213; MOREIRA, António Montes – “Implantação e desenvolvimento...”, cit., p. 24-25; PAIVA, José Pedro – “Pastoral e evangelização”: “As missões internas”, em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) – História Religiosa…, cit., vol. 2, p. 241, 244. 182 O Convento de Varatojo foi fundado em 1472 e definitivamente transformado por Frei António das Chagas em Seminário Apostólico, em 1679/1680. Sobre o Convento e Seminário de Varatojo, ver MARIA SANTISSIMA, Manoel de – Historia da Fundaçaõ do real Convento e Seminario de Varatojo com a compendiosa noticia da Vida do Veneravel Padre Fr. Antonio das Chagas e de Alguns Varoens Illustres, 2 vol. Porto: Officina de Antonio Alvarez Ribeiro, 1799; LOPES, Fernando Félix – “ Os últimos dias do Seminário de Missionários Apostólicos de Varatojo”, Coletânea..., cit., vol. 2, p. 297-299. 183 Sobre a degradação das ordens religiosas desde o final do século XVII, acentuada ao longo do século XVIII, ver ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja em Portugal (Nova edição preparada por Damião Peres), vol. 3. Porto: Livraria Civilização: Portucalense Editora, 1970, p. 135-140, 423; OLIVEIRA, Miguel de – História

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Estado. Os Franciscanos, que à data continuavam a ser os religiosos mais numerosos em Portugal184, não escaparam à geral decadência dos institutos regulares 185. Por outras palavras, na segunda metade do séc. XVIII, inclusivamente em Portugal, aprofundou-se um descompasso entre as ordens religiosas, formatadas pelo espírito disciplinador de Trento, e uma sociedade que, progressivamente contagiada pelos valores do Iluminismo, começava a destituir a religião e a Igreja da sua tradicional centralidade e influência na vida privada e social 186 . Neste contexto, os religiosos, vistos como um contingente demasiado amplo de ociosos e inúteis e, portanto, como um peso para o Estado, caíram em grande descrédito entre largas faixas sociais187. Em Portugal, as primeiras consequências significativas concebidas pelo espírito iluminista católico, jansenista e regalista, nomeadamente para as ordens religiosas, resultaram da política do Marquês de Pombal188. Entre as medidas que tomou, citese que, a partir de 1773, todos os institutos religiosos tiveram que se sujeitar a um núncio Eclesiástica..., cit., p. 210; SERRÃO, Joaquim Veríssimo – História de Portugal, vol. V. 1ª edição, Lisboa: Verbo, 1982, p. 360-363; MOREIRA, António Montes – “A restauração da província...”, cit., p. 164; BRAGA, Paulo Drumond – “Igreja, Igrejas e culto”, em SERRÃO, Joel (dir.); MARQUES, A.H. Oliveira (dir.) – Nova história de Portugal, vol. 7. Lisboa: Presença, 2001, p. 104-106. 184 RODRIGUES, José Damião – “A estrutura social”, em SERRÃO, Joel (dir.); MARQUES, A.H. Oliveira (dir.) – Nova história de Portugal, vol. 7, p. 419-421; VOGEL, Christine – “A critica do iluminismo às ordens religiosas: a influência portuguesa no pensamento europeu”, em FRANCO, José Eduardo (coord); ABREU, Luís Machado de (coord.) – Para a história das ordens..., cit., vol. 2, p. 453. 185 MOREIRA, António Montes – “Franciscanos”, cit., p. 277; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 47. 186 Na segunda metade do século XVIII, o Estado, embebido nos valores iluministas e regalistas, ou seja, do primado da razão crítica e da suprema centralização do poder régio, procurou submeter o poder espiritual, a Igreja, ao poder temporal, o Estado. Deste modo, buscava-se formar uma Igreja Portuguesa, controlada pelo Estado. Consequência dessa submissão, a Igreja, que exacerbadamente influenciara a vida privada e social durante a Época Moderna, e que, na verdade, continuou a ter uma influência significativa até ao século XX, sofreu uma grande debilitação, a qual, naturalmente, se estendeu às ordens religiosas. SERRÃO, Joaquim Veríssimo – História de Portugal. vol. VI. 5ª edição, Lisboa: Verbo, 1996, p. 12-13, 116; RAMOS, Luís de Oliveira – “Iluminismo”, em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) – Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. 2. [Lisboa]: Círculo de Leitores: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000, p. 414-418; PAIVA, José Pedro – “Igreja e Estado: Época Moderna”, em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) – Dicionário de História..., cit., vol. 2, p. 393-40; BRAGA, Paulo Drumond – “Igreja, Igrejas e culto, em SERRÃO, Joel (dir.); MARQUES, A.H. Oliveira (dir.) – Nova história de Portugal, vol. 9. Lisboa: Presença, 2002, p. 307. 187 IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 411-412; MOREIRA, António Montes – “A restauração da província...”, cit., p. 164; Idem – “Franciscanos”, cit., p. 277; KRÜGER, Kristina – Órdenes religiosas y monasterios..., cit., p. 400. 188 A política pombalina procurou reduzir o avultado número de religiosos, que comportava um encargo tamanho para o Estado, bem como cercear a grande autonomia das ordens regulares que não estavam subordinadas ao Estado como se considerava necessário, o que era percecionado como um obstáculo aos interesses da Coroa e do País. Sobre a política pombalina em relação à Igreja e às ordens religiosas, de que melhor se conhece a expulsão dos jesuítas, ver ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…, cit., vol. 3, p. 342-345; SERRÃO, Joaquim Veríssimo – História de Portugal, vol. VI, cit., p. 48-54; RAMOS, Luís de Oliveira – “Iluminismo”, p. 414-418; VIEIRA, Benedita Duque – “A sociedade: configuração e estrutura”, em SERRÃO, Joel (dir.); MARQUES, A.H. Oliveira (dir.) – Nova história de Portugal, vol. 9. Lisboa: Presença, 2002, p. 171, 173; PAIVA, José Pedro – “A Igreja e o poder”: “Da reforma pombalina até 1820”, em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) – História Religiosa…, cit., vol. 2, p. 171-176; FRANCO, José Eduardo – “Correntes especializadas do anticlericalismo: antijesuitismo e anticongreganismo em Portugal ou o Sebastianismo invertido”, em FRANCO, José Eduardo (coord); ABREU, Luís Machado de (coord.) – Para a história das ordens..., cit., vol. 2, p. 498-499.

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apostólico, antes da obediência aos seus superiores internos 189 . Nas décadas seguintes, o poder secular prosseguiu intervindo nas ordens regulares, no sentido de diligenciar a redução de religiosos, a limitação da sua autonomia institucional, a sua submissão ao estado e a reforma da disciplina interna 190 , como comprova a criação da Junta do Exame do Estado Actual e Melhoramento Temporal das Ordens Regulares, o que terá incrementado a desordem entre os religiosos191. Esta situação desfavorável não impediu que muitos regulares, entre os quais franciscanos, se destacassem, tal como sempre havia acontecido, como grandes homens, eruditos e promotores da cultura e do ensino em Portugal. As primeiras décadas de Oitocentos apenas serviram para confirmar a manifesta decadência económica e moral das ordens religiosas e impossibilitar qualquer recuperação192. Em Portugal, depois do alvoroço das Invasões Francesas, que afetou desfavoravelmente os conventos, inclusivamente franciscanos 193 , foi tempo das Lutas Liberais ainda mais os desestabilizarem 194 . Numa conjuntura já pouco favorável aos regulares, o Liberalismo aprofundou os valores antes pregados pelo Iluminismo, nomeadamente os de índole regalista e anti-congreganista. Ao considerar fundamental a liberdade individual e almejar uma maior centralização administrativa, o governo liberal tomou as ordens religiosas, ainda bastante autónomas, vinculadas a um voto pessoal de obediência perpétuo e num deplorável estado de indisciplina e desorganização, como contrárias à nova ordem que pretendia instaurar e sem qualquer sentido social 195 . Com efeito, o universo franciscano português encontrava-se 189

No caso dos Frades Menores, antes da obediência aos ministros provinciais e gerais. LOPES, Fernando Félix – “Fr. Joaquim do Espirito Santo, repovoador do Seminário de Missionários Apostólicos de Varatojo”, Colectânea..., cit., vol. 2, p. 336; MOREIRA, António Montes – “Franciscanos”, cit., p. 278. 190 Assinale-se que, em 1789, D. Maria I criou esta junta para analisar o estado da vida monástica-conventual e encontrar soluções para empreender uma necessária reforma entre os regulares. Sobre esta junta, ver ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…, cit., vol. 3, p. 136-138; BRAGA, Paulo Drumond – “Igreja, Igrejas...”, cit., vol. 9, p. 326. 191 OLIVEIRA, Miguel de – História Eclesiástica..., cit., p. 211. 192 Sobre a decadência material e moral das ordens religiosas nos inícios do século XIX, ver ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…, cit., vol. 3, p. 141-145; VIEIRA, Benedita Duque – “A sociedade...”, cit., p. 172; BRAGA, Paulo Drumond – “Igreja, Igrejas e...”, cit., vol. 9, p. 325. 193 Durante as invasões francesas houve conventos franciscanos ocupados por tropas ou por estas danificados, adaptados como tribunais ou hospitais e também frades ativos na guerra. SERRÃO, Joaquim Veríssimo – História de Portugal, vol. VII. 3ª edição, Lisboa: Verbo, 2002, p. 230; MOREIRA, António Montes – “A restauração da província...”, cit., p. 164; VIEIRA, Benedita Duque – “A sociedade...”, cit., p. 172; REMA, Henrique Pinto – “Os frades menores nas guerras do liberalismo”, Itinerarium: coletânea de estudos, vol. 206. Braga: Editorial Franciscana, 2013, p. 288-292. 194 Especialmente durante a Guerra Civil de 1832-1834, apesar de a maioria dos Franciscanos se ter mantido neutral, alguns tomaram partidos, lutaram em campo de batalha, foram presos ou aproveitaram para fugir dos conventos. Houve novamente conventos adaptados como hospitais. MOREIRA, António Montes – “A restauração da província...”, cit., p. 164; BRAGA, Paulo Drumond – “Igreja, Igrejas e...”, cit., vol. 9, p. 311312; VIEIRA, Benedita Duque – “A sociedade...”, cit., p. 176; REMA, Henrique Pinto – “Os frades menores nas guerras...”, cit., p. 287, 293. 195 O Liberalismo em Portugal, longe de ambicionar separar a Igreja do Estado, procurou reformar o aparelho eclesiástico português no sentido de submetê-lo plenamente ao Estado, nacionalizá-lo e colocá-lo ao seu serviço.

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minado pela decadência interna, que não sendo geral, afetava um grande número de comunidades e frades196. O culminar deste processo de decadência chegou em 1834, quando o governo liberal triunfante suprimiu todas as ordens religiosas masculinas 197, cujo património foi incorporado na Fazenda Nacional com o objetivo de pagar com ele a dívida externa feita com a Guerra Civil. Entre elas, suprimiu-se a instituição franciscana, que representava, no principio do séc. XIX, cerca de 40% da população monástico-conventual portuguesa198. Foi através da esperança e esforço de Franciscanos egressos 199 , forçados a abandonar os seus conventos quando se extinguiram as ordens masculinas, que a vida comunitária dos minoritas

Enquanto a classe sacerdotal seria uma peça essencial à nova ordem como intermediária cívica junto à consciência dos cidadãos, os institutos regulares, no estado em que estavam, eram totalmente prescindíveis e ainda incompatíveis com a supremacia do Estado e com os valores da nova sociedade oitocentista. Sobre o Liberalismo, a Igreja e as ordens religiosas, ver NETO, Vítor – O Estado, a Igreja e a Sociedade em Portugal: 1832-1911. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1998, p. 45-52; VIEIRA, Benedita Duque – “A sociedade...”, cit., p. 173; FERREIRA, António Matos – “Liberalismo”, em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) – Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. 4. [Lisboa]: Círculo de Leitores: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2001, p. 428-441; Idem – “Desarticulação do Antigo Regime e a guerra civil”: “Igreja e religião no debate da instauração do regime liberal”, em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) – História Religiosa de Portugal, vol. 3. [Lisboa]: Círculo de Leitores: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2002, p. 24-27; MOREIRA, António Montes, “A restauração da provincia…”, cit., p. 164-169. 196 TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 47. 197 A supressão das ordens religiosas, depois de um prelúdio nas Cortes Constituintes de 1821-22, começou a ser posta em prática pelos liberais nos Açores, em 1832. Depois de se proibirem as profissões religiosas e acabarem com os noviciados, em 1834, Joaquim António de Aguiar decretou a extinção de todas ordens masculinas no país. As femininas, conforme um decreto de 1833, estavam proibidas de admitir noviças e realizar profissões e sobreviveram até à retirada ou morte da última freira. Acerca da extinção das ordens religiosas ver, ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…, cit., vol. 3, p. 131-135, 145-146; OLIVEIRA, Miguel de – História Eclesiástica..., cit., p. 232-233, 245-246; MOREIRA, António Montes – “A restauração da província...”, cit., p. 168-223; BRAGA, Paulo Drumond – “Igreja, Igrejas e...”, cit., vol. 9, p. 327-328; VIEIRA, Benedita Duque – “A sociedade...”, cit., p. 175-177; BARBOSA, David Sampaio – “Extinções dos regulares portugueses (1834/1910): Duas formas de resistência carismática!”, em FRANCO, José Eduardo (coord); ABREU, Luís Machado de (coord.) – Para a história das ordens..., cit., vol. 2, p. 378-379; TEIXEIRA, Vítor, – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 48-51. 198 BRAGA, Paulo Drumond – “Igreja, Igrejas e...”, cit., vol. 9, p. 324. 199 Muitos Franciscanos saíram dos conventos sem roupas seculares, alguns doentes e/ou já idosos. Entre os egressos, alguns ingressaram em conventos no estrangeiro. A maioria, conformada com a situação e tendo que procurar meios de subsistência no século, mesmo porque as pensões dadas pelo Estado foram muito irregulares, dedicou-se ao ensino e ao sacerdócio, entrou no clero diocesano ou abandonou de vez o hábito. Outros foram marginalizados e tornaram-se mendigos. Logo em 1842, Alexandre Herculano, liberal convicto que participara no processo de arrolamento dos livros conventuais, denuncia, indignado, a situação miserável em que muitos exclaustrados haviam caído. Ver HERCULANO, Alexandre – “Egressos. Petição humilissima a favor de huma classe desgraçada”, em Opusculos, tomo 1. 6ª edição, Lisboa: Livraria Bertrand; Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves, p. 133-152. Sobre Franciscanos egressos, ver MOREIRA, António Montes – “Franciscanos”, cit., p. 278; VIEIRA, Benedita Duque – “A sociedade...”, cit., p. 296; RODRIGUES, Henrique – “Extinção das ordens religiosas e dinâmicas sócio-culturais: frades residentes no Alto-Minho no século XIX”, Lusitania Sacra, 2ª série, vol. 16. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2004, p. 13-42; BARBOSA, David Sampaio – “Extinções dos regulares...”, cit., p. 379; TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 49-50.

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recomeçou no Convento de Varatojo, em 1861, abrindo caminho à restauração canónica da Província de Portugal, alcançada em 1891200.

2.2 – As províncias franciscanas portuguesas no final do Antigo Regime Perceber como funcionava o governo provincial e se estruturava a hierarquia interna da Ordem dos Frades Menores, nos século XVIII e princípios do XIX, não é possível sem fornecer as devidas articulações com o poder a que a província se submetia e com aquele que lhe estava subordinado. Em primeiro lugar, entenda-se que o governo desta ordem articulava três níveis de poder: geral, provincial e local. Aqui optou-se por privilegiar a explanação dos cargos e órgãos governativos das províncias e conventos franciscanos, fazendo alusões, sempre que necessário, à dimensão suprema da ordem 201 . O recurso aos estatutos das províncias portuguesas foi de grande utilidade para conhecer este universo em Portugal 202. Em segundo lugar, tenha-se em conta que o desempenho dos mais importantes cargos e ofícios internos, entre os quais os do governo provincial e local 203, bem como os méritos individuais conferiam honras, precedências e isenções nos atos comuns e disciplina regular como forma de reconhecimento pelos referidos serviços prestados e merecimentos. Esta situação contribuía para a existência de uma oligarquia interna da ordem, em cujo topo se encontravam os definidores perpétuos e os padres da província, ambos títulos muito honrosos 204 . Tenha-se ainda em conta que, após 1517, os Observantes, de modo a evitar abusos de poder, encurtaram o tempo de ocupação dos cargos e impuseram pausas entre as

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Fr. Joaquim de Santo António comprou o Convento de Varatojo, em 1861, para nele alguns Franciscanos egressos retomarem a vida religiosa. Posteriormente, adquiriram o Convento de S. Bernardino de Peniche e o de Montariol de Braga. O Estado Português tolerou a reinstalação e ação franciscana, embora só tenha assumido legalmente a existência da Província de Portugal no início do século XX. Sobre o processo de restauração da Província de Portugal até 1891 ver, ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja…, cit., vol. 3, p. 151-153; OLIVEIRA, Miguel de – História Eclesiástica..., cit., p. 247; LOPES, Fernando Félix – “Fr. Joaquim do Espirito...”, cit., p. 325-336; MOREIRA, António Montes – “A restauração da província...”, cit., p. 168-223; NETO, Vítor – O Estado, a Igreja..., cit., p. 319-323. 201 O governo provincial franciscano sofreu alterações ao longo dos séculos, nomeadamente aquando do triunfo da Observância em 1517. Neste estudo interessa conhecer estes contornos após 1517. Para comparar o governo da ordem antes e depois de 1517, ver IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 125-131, 275-281. 202 Os estatutos consultados mais relevantes para o conhecimento da hierarquia e do governo da Ordem dos Frades Menores em Portugal foram os das províncias capuchas, que na verdade são muito semelhantes entre si: Estatutos Santo António, 1673; Estatutos Arrábida, 1698; Estatutos Piedade, 1726; Estatutos Conceição, 1735; Estatutos Santo António, 1737; Estatutos Soledade, 1751. 203 Os cargos governativos dos Minoritas estavam vedados a leigos, que não possuíam voz ativa nem passiva nos capítulos provinciais e locais. IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 281. 204 Acerca de honras, precedências e isenções atribuídas dentro da ordem, ver Idem, ibidem, p. 276-277, 292.

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prelaturas 205 . Feita esta introdução, prossiga-se para uma breve explicação do governo provincial da ordem.

2.2.1 – O governo provincial e a hierarquia interna Todas as províncias da ordem, designadamente em Portugal, tinham como superior um ministro provincial206. Esta figura era eleita em capítulo provincial e a sua prelazia durava três anos, findos os quais se realizava novo capítulo 207 . Os provinciais, bem como os custódios, igualmente eleitos em capítulo provincial, estavam obrigados a apresentar-se e a votar nos capítulos gerais, em pessoa ou através de um comissário, como representantes da sua província perante o governo geral da ordem208. A cabeça de toda a hierarquia franciscana era, pois, o ministro geral, eleito em capítulo geral, alternadamente entre a Família Cismontana e a Ultramontana209, o qual era diretamente assistido por um conselho de nome definitório geral210. Repare-se que o governo provincial era, verdadeiramente, uma réplica do governo geral, contudo com uma jurisdição territorial mais concentrada. Da mesma forma, o ministro provincial era auxiliado por um definitório provincial, composto por quatro definidores eleitos em capítulo provincial211, cujo conselho era imperativo para os assuntos mais importantes da província 212. Caso o provincial morresse durante o seu governo, este definitório elegia um vigário provincial, cujas funções duravam até ao capítulo provincial seguinte, no qual um novo provincial seria eleito 213 . Falta referir que a mais importante reunião da província era, pois, o capítulo provincial, realizado trienalmente, no qual se reuniam todos os guardiães dos conventos com o provincial e o custódio da respetiva província214. Antes de se iniciar este capítulo, reunia-se a mesa da definição ou do definitório provincial, órgão formado fundamentalmente pelo ministro provincial, custódio e definidores IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 130, 277. IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 129-130, 280; LOPES, Fernando Félix – “Franciscanos de Portugal...”, cit., p. 8, 13; LEITE, António – “Provincial”, em Verbo: enciclopédia luso-brasileira de cultura (Edição Século XXI), vol. 24. Lisboa: São Paulo: Verbo, 2002, p. 269. 207 IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 280; Estatutos Conceição, p. 57-58; Estatutos Soledade, p. 116. 208 Estatutos Santo António, 1673, p. 42; Estatutos Conceição, p. 52, 58. 209 Quando o ministro geral era da Família Cismontana, a Ultramontana tinha como superior um comissário geral e vice-versa. O comissário geral, embora submetido ao ministro geral, tinha a mesma autoridade deste, todavia apenas sobre a família a que pertencia, Estatutos Gerais Barcelona, p. 70; IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 206. Havia ainda comissários gerais nacionais. Portugal passou a ter um, independente do comissário de Madrid, depois de 1640, ano da restauração da independência, Idem, ibidem, p. 279. 210 Idem, ibidem, p. 280. 211 Estatutos Santo António, 1673, p. 39; Estatutos Conceição, p. 48. 212 IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 280. 213 Estatutos Conceição, p. 59; Estatutos Santo António, 1737, p. 136. 214 IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 280-281. 205 206

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da província, a quem competia tratar dos negócios mais importantes desta, sentenciar as culpas graves dos frades e eleger os novos prelados e oficiais dos conventos, uma vez que a eleição do provincial, custódio e definidores cabia ao corpo do capítulo215. Depois de feitas todas as eleições para o triénio seguinte, reuniam-se simultaneamente, mas de forma separada, as juntas do definitório, esta com o novo definitório eleito, e do discretório, esta com os definidores e prelados cujo ofício terminara, para fazer nova legislação para a província 216. A meio do triénio, e portanto, também de três em três anos, tinha lugar o capítulo intermédio ou congregação provincial, que, na verdade, era uma congregação do definitório, com força de capítulo provincial, não para fazer leis, mas para eleger prelados e oficiais para os conventos, ofícios que tinham a duração de um ano e meio217. Por sua vez, cada convento franciscano tinha como prelado superior um guardião, que, como já foi indicado, era eleito pela mesa da definição no capítulo provincial. A sua prelazia, dita guardiania, durava um ano e meio 218 . Caso este se ausentasse do convento, tinha autoridade, com voz ativa e passiva, o presidente, igualmente eleito pela mesa da definição219. Para prestar conselho e assistência ao guardião, principalmente nos assuntos mais graves da comunidade, cada convento tinha dois discretos220. Lembre-se que, para além dos prelados e seus conselheiros, todos os conventos possuíam diversos irmãos oficiais, eleitos pela mesa da definição, por um período de ano e meio221. Entre estes contam-se, por exemplo, o porteiro, o mestre, o hebdomadário222, o cantor e o leitor. Resta apenas referir que existia um outro tipo de hierarquia interna que nada tinha a ver com o governo da ordem ou com os cargos ocupados, mas com os critérios seguintes: se eram ou não professos, se tinham ou não ordens sacras, se exerciam ou não a pregação e/ou o sacramento da confissão. Assim sendo, identifica-se uma hierarquia da população conventual

215

Estatutos Santo António, 1673, p. 46; Estatutos Arrábida, p. 90, 127; Estatutos Conceição, p. 49; Estatutos Santo António, 1737, p. 152-153; Estatutos Soledade, p. 127. 216 Estatutos Arrábida, p. 121; Estatutos Santo António, 1737, p. 152. Cada junta, definitório e discretório fazia as suas propostas e apresentava-as à outra. Estas só se tornavam estatuto da província quando eram aprovadas pelas duas juntas, Estatutos Conceição, p. 105. As leis providas pelo definitório só eram válidas por um triénio, a não ser que fossem renovadas pelo definitório do triénio seguinte, Estatutos Soledade, p. 128. 217 Estatutos Arrábida, p. 122; Estatutos Santo António, 1737, p. 155. 218 Estatutos Santo António, 1673, p. 30; Estatutos Arrábida, p. 91, 93. 219 Estatutos Santo António, 1673, p. 28; Estatutos Soledade, p. 94, 95. 220 Estatutos Santo António, 1673, p. 26; Estatutos Conceição, p. 32; Estatutos Soledade, p. 129. 221 Estatutos Soledade, p. 98. 222 Conforme explica Bluteau, o hebdomadário era o oficial responsável por principiar e entoar as orações, durante uma semana, no coro de um convento. BLUTEAU, Raphael – Vocabulario portuguez e latino, vol. 4. Coimbra : Collegio das Artes da Companhia de Jesus : Officina de Pascoal da Sylva, 1712-1721, p. 11.

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que, no séc. XVIII, integraria cerca de vinte frades223. O estatuto mais baixo era o de donato, como se chamava uma criança oferecida pelos pais a uma comunidade religiosa para a servir 224 . De seguida, encontravam-se os noviços leigos e os noviços clérigos, que se preparavam para professar na ordem. Entre os professos, existiam os frades leigos, os coristas e os frades clérigos. Os primeiros, geralmente pouco estudados, estavam proibidos de tomar ordens e tinham o estatuto de servos 225 . Os segundos preparavam-se para tomar ordens menores e, muitas vezes, também ordens sacras ou maiores, de modo a tornarem-se clérigos. Os terceiros, embora já fossem clérigos, acompanhavam durante alguns anos a formação dos coristas 226 . Entre os frades com ordens sacras, distinguiam-se os simples sacerdotes, os confessores de frades e de seculares e ainda, os de maior prestigio, os pregadores227.

2.2.2 – As províncias Ao longo do séc. XVIII e até 1834, a Ordem dos Frades Menores em Portugal encontrava-se, como já foi referido, dividida em dois ramos: a Regular Observância, descendente do antigo movimento reformador da Observância, triunfante em 1517, e a Estrita ou Mais Estreita Observância, procedente das novas reformas – Capucha, Arrábida e Recoleções – desenvolvidas no seio da Observância Portuguesa, ao longo do séc. XVI, e, mais tarde, uniformizadas como Capuchas. Devido à expansão destas reformas no séc. XVI e ao posterior desmembramento das províncias até então formadas, no século XVIII, existiam, no território que hoje constitui Portugal, três províncias e duas custódias da Regular Observância e cinco províncias da Estrita Observância. Convém mencionar que cada província possuía pelo menos uma casa em Lisboa 228 , bem como estatutos próprios 229 , distinguindo-se os seus frades através da cor e feitio das suas vestes 230 . Face a esta

223

Em 1680, a média de religiosos por casa era de dezassete, número que em 1762 havia aumentado para vinte. IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 290-291. Em 1725, confirmando a informação apresentada por Iriarte, cada convento da Província da Piedade tinha cerca de 20 religiosos, Estatutos Piedade, p. 147. 224 Os donatos não costumavam professar na ordem. No entanto, passados sete anos, podia ser-lhes oferecida essa possibilidade, devido ao bom serviço prestado à comunidade, Estatutos Santo António, 1737, p. 21. 225 Estatutos Santo António, 1673, p. 18; Estatutos Piedade, p. 13. 226 Estatutos Santo António, 1673, p. 12. 227 Acerca da hierarquia da população conventual franciscana, professa e não professa, ver IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 291-292. 228 ANDRADE, Maria Filomena – “Franciscanos”, cit., p. 163. 229 Apenas não se conhecem estatutos da Província dos Algarves. LOPES, Fernando Félix – Colectânea..., cit., vol. 1 (Fontes Históricas e Bibliografia Franciscana Portuguesa), p. 68. 230 OLIVEIRA, Miguel de – História Eclesiástica..., cit., p. 159.

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diversidade, estes foram, compreensivelmente, apelidados em associação à sua província231. No quadro seguinte sistematiza-se parte do que acabou de se expor232.

Convento sede

Província de Portugal

Aprovação e criação233 1517

Província dos Algarves

1532/ 1533

S. Francisco de Xabregas

Regular Observância

Província de São João Evangelista Custódia de Santiago Menor Custódia de Nossa Senhora da Conceição Estrita Observância Província de Nossa Senhora da Piedade Província de Santa Maria da Arrábida

S. Francisco de Lisboa

Localização dos conventos norte do rio Tejo sul do rio Tejo e quatro casas na Estremadura

1639/ 1641

Açores

1683/ 1702

ilha da Madeira ilhas de São Miguel e Santa Maria Localização dos conventos

1717 Aprovação e criação 1517 1560

Província de Santo António

1568

Província de Nossa Senhora da Soledade

1673

Província da Conceição

1705/ 1706

Convento sede Nossa Senhora da Piedade de Vila Viçosa S. Pedro de Alcântara; Mafra (entre 1730 e 1771) St.º António dos Capuchos de Lisboa St.º António do Vale da Piedade St.º António de Viana do Castelo

sul do rio Mondego

sul do rio Mondego norte do rio Tejo norte do rio Mondego, à exceção de Cantanhede

Ao que se apresentou no quadro anterior, somavam-se as províncias e custódias estabelecidas além-mar, no império português, nomeadamente no Brasil e na Índia Oriental234. Aponte-se ainda a existência de cinco seminários de missionários apostólicos em

231

Os frades da Província dos Algarves foram apelidados Xabreganos, os da Piedade de Piedosos, os de Santo António, de Pedreiros, os da Conceição de Estrelas e os da Arrábida de Arrábidos. Idem, ibidem, loc. cit. 232 Para uma breve história institucional de cada província e custódia portuguesa, ver REMA, Henrique Pinto – “Implantación del Franciscanismo en Portugal”, em I Congresso Internacional. El franciscanismo en la..., cit., p. 215-223; MATTOSO, José (coord.), FARINHA, Maria do Carmo Jasmins Dias (Coord.) – Ordens monásticoconventuais: inventário: Ordem de São Bento, Ordem do Carmo, Ordem dos Carmelitas Descalços, Ordem dos Frades Menores, Ordem da Conceição de Maria. Lisboa: IAN/TT, 2002, p. 190-191, 344, 347, 356, 362, 370. Acerca dos conventos que compunham cada província à data da extinção de 1834, ver TEIXEIRA, Vítor – “Introdução: Os Franciscanos...”, cit., p. 40-45. Sobre a documentação essencial existente para o estudo de cada província, ver LOPES, Fernando Félix – Colectânea..., cit., vol. 1, p. 7-34, 35-43, 45-69, 71-88, 89-97, 139-143, 169-176, 177-183. 233 Nas datas duplas, a primeira indica o ano do decreto fundacional e a segunda o da sua execução, à exceção do Seminário de Falperra, cujas datas indicadas apontam a obtenção do beneplácito régio e a confirmação pontifícia, conforme documento cedido por D. António Montes Moreira, a quem muito agradecemos. 234 No Brasil foram criadas as províncias de Santo António e da Imaculada Conceição e na Índia Oriental as de São Tomé e da Madre de Deus. Sobre as províncias franciscanas no Brasil e na Índia, ver REMA, Henrique

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Portugal, independentes das províncias e dedicados às missões internas no país: Varatojo (1679/1680), Brancanes (1708/1711), Vinhais (1753), Mesão Frio (1790) e Falperra (1825/1828)235. Conhecida a organização institucional franciscana em Portugal, no final do Antigo Regime, exponham-se (pois são conhecidos) os quantitativos de frades das suas províncias, custódias e maiores seminários, no séc. XVIII, informações sistematizadas no quadro seguinte236:

Províncias, custódias e seminários

Nº de frades em 1739

Província de Portugal

868

Província dos Algarves

922

Província de S. João Evangelista

309

Custódia de S. Tiago Menor

100

Custódia da Conceição

173

Província da Piedade

285

Província da Arrábida

613

Província de Santo António

378

Província da Soledade

435

Província da Conceição

343

Seminário de Varatojo

41

Depois desta contextualização sobre a Ordem dos Frades Menores em Portugal, numa ótica mais institucional, primeiro delineando uma evolução de caráter geral e depois particularizando o período entre 1700 e 1834, crê-se ser tempo de partir para os resultados concretos desta investigação. Munidos de conhecimentos que facilitarão a compreensão de diversas dimensões do universo franciscano na Época Moderna, entrar-se-á no domínio das visitas canónicas aos conventos minoritas portugueses.

Pinto – “Implantación del Franciscanismo...”, cit., p. 223-226; LOPES, Fernando Félix – Colectânea..., cit., vol. 1, p. 99-138, 145-168. 235 Para uma sumária exposição acerca da fundação dos cinco seminários apostólicos portugueses, ver REMA, Henrique Pinto – “Implantación del Franciscanismo...”, cit., p. 226-227. 236 Citam-se os números contabilizados para 1739 e apresentados originalmente em CONCEYÇAÕ, Apolinario da – Claustro Franciscano erecto no dominio da Coroa Portugueza, e estabelecido sobre dezeseis Venerabilissimas Columnas. Lisboa Occidental: Officina de Antonio Isidoro da Fonseca, 1740. Os dados simplificados foram cedidos por D. António Montes Moreira e são habitualmente citados por vários autores.

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Capítulo 3 – Visitas a conventos franciscanos. A norma (séc. XVIII)

Na Ordem dos Frades Menores, cuja evolução institucional em Portugal se traçou no capítulo anterior, as visitas canónicas, pelos superiores da ordem, realizavam-se internamente e com total isenção do poder episcopal, desde pouco depois da sua fundação. No séc. XVIII e até 1834, exigia-se, em todas as províncias portuguesas, que os ministros provinciais as visitassem anualmente e que um comissário visitador, delegado pelo prelado geral, o fizesse trienalmente, antes do capítulo provincial. Estas visitas, de facto, enquadram-se no que se designa por visita canónica. Contudo, também os guardiães estavam obrigados a visitar com regularidade os seus conventos e a conhecer, corrigir e castigar as culpas dos frades seus súbditos. Articulavam-se e complementavam-se, portanto, três intervenções pelos três níveis de poder da ordem, local, provincial e geral, com o intuito de vigiar, corrigir e disciplinar as comunidades franciscanas, induzindo-as à observância da Regra, estatutos e bons costumes. Ainda que a regulamentação destes três tipos de visitas, mormente das visitas canónicas dos provinciais e comissários visitadores, se assemelhe em muitos aspetos, ao integrar a inspeção dos espaços conventuais, a inquirição dos religiosos e a repreensão, correção e punição das suas culpas, algumas circunstâncias variavam, como, por exemplo, os poderes e limitações de cada um dos referidos agentes em visita237. Neste capítulo, expõe-se, portanto, com pormenor, o que as normas das províncias portuguesas, patentes essencialmente nos seus estatutos, determinavam acerca das visitas dos guardiães, provinciais e comissários visitadores, no final do Antigo Regime. Esta exposição é fundamental para, no capítulo seguinte, se verificar se a realidade visitacional decorria conforme a dita regulamentação.

3.1 – Visita do Guardião Os guardiães, como superiores dos conventos e coadjutores dos provinciais, eram os primeiros que deveriam zelar pela observância da disciplina regular das comunidades, sempre vigilantes sobre os seus súbditos, não deixando passar os seus defeitos sem repreensão e

Entenda-se que “visitador”, “visitador geral”, “visitador delegado” e “comissário delegado”, designações que surgem nos livros de visitas franciscanos, têm, com frequência, o mesmo significado que “comissário visitador”, o termo mais usado nos estatutos e, por vezes, também nos livros de visita para referir os delegados dos prelados gerais. Porém, “visitador delegado” e “comissário delegado” também podem designar os delegados do provincial. Ademais, “visitador” pode simplesmente significar aquele que visita, seja por direito ou delegação de poder. Neste estudo, tem-se preferido distinguir provinciais e comissários e evitar o uso de “visitadores” em sentido amplo. Optou-se usar, para isso, as expressões “agentes de visita” ou “agentes visitacionais”. 237

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castigo nem castigando-os com exagero238. Assim, tinham a obrigação de se informar, no dia à dia, sobre as faltas dos religiosos, visitar com regularidade os espaços do convento e realizar capítulos de culpas para repreender e castigar paternalmente os erros dos frades. Porém, segundo os estatutos provinciais, estes deveres consubstanciavam-se em atos de natureza distinta. Por isso, considerou-se que não eram visitas canónicas, como as realizadas pelos provinciais e pelos comissários visitadores239. Na verdade, a visita do guardião corresponderia somente à inspeção dos espaços conventuais. Embora não constituíssem uma visita canónica, estes procedimentos seriam muito relevantes para o disciplinamento das comunidades240. Além de constantemente atentos aos seus súbditos, os guardiães deviam ouvir sempre os avisos que estes lhe faziam sobre problemas do quotidiano conventual, guardando deles segredo. Informar-se-iam depois melhor, com cautela, para dar-lhes o remédio necessário241. Os religiosos nunca deveriam guardar informações desse teor para a visita do provincial ou do comissário, devendo sempre comunicá-las antes ao prelado local, a quem cabia intervir, em primeiro lugar, se fosse da sua alçada242. Os discretos, como seus auxiliares, tinham a especial obrigação de lhe comunicar tudo o que considerassem necessário à conservação do convento 243 . Só estando sempre a par do que acontecia de bom e de mau no seio da comunidade é que os guardiães podiam intervir de modo a corrigir o que estivesse mal nela. Quanto à sua obrigação de visitar os espaços conventuais, deveriam fazê-lo sempre acompanhados pelos discretos. Além desta ser uma forma de apreenderem o que havia a corrigir materialmente, ficavam a conhecer melhor os hábitos dos frades. Ordenava-se que visitassem, em particular, os confessionários para se certificarem da clausura e decência deles, as celas e tudo o que fosse do uso dos frades para verificarem se possuíam a simplicidade e decência exigidas, retirarem as coisas desnecessárias e proverem as necessárias, e ainda as oficinas para confirmarem se nelas existia o que indicavam os inventários244. A regularidade ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente José de Tavira”, ago 1829, p. 235; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 113. 239 Como no capítulo seguinte se explicará, no Seminário de Brancanes e, provavelmente, nos demais seminários apostólicos, talvez devido à ausência da visita dos provinciais, o próprio guardião visitava os espaços, inquiria formalmente os frades e prescrevia determinações, de forma sequencial e, portanto, muito mais próxima de uma visita canónica. Estas visitas eram chamadas visitas de guardiania e eram registadas com termo nos livros de visitas da casa, conforme se encontra em ANTT – CNSABrancanes, lv. 9. Nada mais se encontrou sobre estas visitas de guardiania. 240 Embora sejam atos separados que não correspondem a uma visita canónica, optou-se por designá-los conjuntamente como visita do guardião, de modo a facilitar a sua referência. 241 Estatutos Soledade, p. 126. 242 Estatutos Santo António, 1737, p. 106. 243 Estatutos Gerais Barcelona, p. 65. 244 Na mesma altura, deveriam analisar as contas conventuais junto do síndico e dos discretos. Estatutos Santo António, 1673, p 32; Estatutos Arrábida, p. 53; Estatutos Piedade, p. 61; Estatutos Conceição, p. 40; Estatutos Santo António, 1737, p. 106. 238

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destas visitas variava, no entanto, de província para província. Por exemplo, na da Arrábida, a frequência instituída era semanal245. Na da Conceição e na de Santo António só se prescrevia uma visita de três em três meses246. Na da Piedade, apenas de quatro em quatro meses247. Para se corrigirem e punirem as culpas dos religiosos, era ainda fundamental entre os Minoritas a realização de capítulos de culpas regulares 248, atos comunitários de humildade habitualmente presididos pelo guardião. Nestes capítulos, os religiosos reconheciam as suas culpas e negligências e pediam perdão por elas, perante os seus irmãos 249 . Depois de repreender e castigar o que achasse conveniente, o guardião dirigia-se ainda à comunidade, admoestando ao cumprimento da Regra e advertindo sobre o que deveria ser evitado e observado250. Contudo, ao castigar culpas, um guardião só podia dar penas menores, como reclusão temporária na casa da disciplina251, admissão pública de culpas ou jejum de pão e água. Sempre que tivesse conhecimento de defeitos mais graves, que exigissem penas maiores, deveria transmiti-los ao provincial para que este interviesse paternalmente ou recorrendo, se achasse necessário, à vara da justiça, inacessível ao guardião252. Além destes capítulos de culpas maiores, aconselhava-se que os religiosos admitissem as suas culpas nos atos comuns, pelo menos uma vez por semana. Nas províncias portuguesas, também a regularidade destes momentos de audição e repreensão de culpas variava. Na da Arrábida, os frades deveriam dizer as suas faltas três vezes por semana, segundas, quarta e sextas, mas nunca em dias santos e de guarda 253 . Na da Piedade, deveriam fazê-lo com esta mesma regularidade, depois do jantar, porém, o capítulo de culpas só se realizava de quatro em quatro meses254. Nas de Santo António e Conceição, ordenava-se um capítulo de culpas por mês255.

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Estatutos Arrábida, p. 53. Estatutos Santo António, 1673, p. 32; Estatutos Conceição, p. 40; Estatutos Santo António, 1737, p. 106. 247 Estatutos Piedade, p. 61. 248 Na OFM, os capítulos de culpas derivaram de um ato comunitário de acusação que se fazia no tempo de S. Francisco. As Constituições de Narbona (1260) já prescreviam que estes capítulos deviam ser feitos uma vez por semana. Mais tarde, chegaram a ser realizados três vezes por semana, sendo deste modo adotados pelos observantes. Porém, a regularidade destes capítulos variou bastante entre os ramos e províncias da ordem. IRIARTE, Lazaro – Historia Franciscana, cit., p. 138. 249 Não se encontraram registos de capítulos de culpas franciscanos, presididos por guardiães. Porém, note-se que os conventos jerónimos espanhóis possuíam atas destes capítulos, o que sugere que talvez eles existissem na OFM. CAMPOS Y FERNÁNDEZ DE SEVILLA, Francisco Xavier – “La vida cotidiana en el monasterio de San Lorenzo el real del Escorial a fines del Antiguo Régimen (1780-1830), Monjes y monasterios españoles: actas del simposium, vol. 3. S.l: s.n., 1995, p. 875-877. 250 Os padres da província, custódios e definidores ficavam, frequentemente, isentos de admitir as suas culpas. Estatutos de Santo António, 1673, p. 32; Estatutos Gerais Barcelona, p. 34; Estatutos Piedade, p. 60-61; Estatutos Conceição, p. 40; Estatutos Santo António, 1737, p. 106. 251 A casa da disciplina era um lugar conventual de reclusão, fechado e apartado, que servia de cárcere, embora não o fosse. Podia ser uma simples cela com chave, Estatutos Santo António, p. 107; Estatutos Piedade, p. 90. 252 Estatutos Piedade, p. 85, 88. 253 Estatutos Arrábida, p. 39. 254 Estatutos Piedade, p. 61. 246

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3.2 – Visita do Ministro Provincial “Como os Prelados devem inquirir, e saber as cousas, que nos seus súbditos saõ dignas de correcçaõ, e remedio, deve o Irmaõ Provincial visitar todos os Conventos da Provincia huma vez em cada anno, como sempre na Provincia se costumou, a saber; duas vezes antes da Congregaçaõ, e outra no anno seguinte depois da Congregaçaõ, de sorte que cinco mezes antes de acabar os seu trienio tenha lugar o Visitador de visitar a Provincia.”256.

Desta forma, articulavam-se em todas as províncias franciscanas portuguesas, no tempo de um triénio, as visitas canónicas dos provinciais e dos comissários visitadores. As que teriam mais influência na vida da comunidade seriam, arrisque-se a suposição, as dos ministros provinciais. Por um lado, estes superiores tinham um poder mais amplo sobre os conventos e seus religiosos que o dos guardiães e, por outro, eram mais presentes e próximos das comunidades que os visitadores e os prelados gerais que os enviavam. Ordenava-se, portanto, que os provinciais, que deveriam zelar pelo bom governo, harmonia e estado físico e espiritual das comunidades da sua província, visitassem anualmente, ao longo do seu triénio 257 , todos os seus conventos, duas vezes antes da congregação provincial e uma depois, à qual se seguia então a visita do visitador externo258. Em algumas províncias havia, porém, a ressalva de ela se poder realizar apenas duas vezes259, talvez devido à consciência da dificuldade e esforço que implicava a sua boa execução260. Quanto à duração destas visitas, mandava-se que o provincial se detivesse o maior número de dias que pudesse em cada casa para ter tempo de apreender, em primeira mão, o verdadeiro quotidiano da comunidade. Só na Província da Arrábida se prescrevia, em especifico, que a visita durasse pelo menos oito dias261. Assim se obrigava o prelado para que “veja com seus olhos, como se seguem as Communidades, & e lhes conste milhor da vida, & procedimentos dos Religiosos”262, “a experiencia ocular lhe dè noticia do bem, ou mal, que se procede nos Conventos”263, “com mais attenção veja tudo o que nelle se faz”264, “veja com

255

Estatutos Santo António 1673, p. 32; Estatutos Santo António, 1737, p. 106. Estatutos Piedade, p. 83. 257 No entanto, o provincial podia visitar sempre que quisesse, extraordinariamente, qualquer um dos conventos da sua província, Estatutos Arrábida, p. 84. 258 Estatutos Santo António, 1673, p. 49; Estatutos Arrábida, p. 84; Estatutos Gerais Barcelona, p. 45; Estatutos Piedade, p. 83; Estatutos Conceição, p. 61; Estatutos Santo António, 1737, p. 133. 259 Estatutos Conceição, p. 61. Na Província da Piedade, o definitório decretou, por volta de 1765, que só era necessário executar duas visitas por triénio, uma antes e outra depois da congregação. Poucos anos depois, a obrigação de três visitas foi reposta. ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do definitório e discretório”, entre 1764 e 1765, fl. 8v; “Determinações do definitório e discretório”, entre 1770 e 1771, fl. 84v. 260 Lembre-se que um dos motivos que levou ao desmembramento de províncias foi precisamente a dificuldade dos prelados em visitar tantos conventos, por vezes, bastante afastados entre si. 261 Estatutos Arrábida, p. 84. 262 Estatutos Santo António, 1673, p. 49. 263 Estatutos Arrábida, p. 84. 256

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seus olhos, como se seguem as comunidades, e observa a vida religiosa, juntamente saiba dos procedimentos de cada hum” 265 e “assistindo a todos os actos de Comunidade, para que melhor, e com mais evidencia lhe conste se se observa a vida regular”266. Ainda que visitar toda a província fosse uma tarefa penosa, o provincial deveria evitar a todo o custo a sua delegação. Apenas impedimentos graves podiam justificá-la. Embora a maioria dos estatutos nada declare sobre o assunto, os da Arrábida referem que, perante um impedimento grave como uma doença, o prelado podia delegar parte da visita num religioso de satisfação da província, o qual começaria por visitar os conventos mais distantes. Isso permitia que o provincial, a um dado momento, a continuasse. Se até seis meses, permanecesse impedido, se, por exemplo, não se curasse da doença, teria que renunciar ao oficio, por não estar apto a cumprir com o que este exigia 267 . Na Província da Piedade, aconselhava-se a não delegar a visita, por mais justa que fosse a causa. Nos casos excecionais de delegação, menciona-se, igualmente, que se deveria incumbir um religioso muito grave268. O provincial podia chegar aos conventos para visitá-los, com o seu secretário já instituído, no dia e hora que lhe parecesse269. A sua receção, embora solene e festiva, devia decorrer com bastante simplicidade. Na Província da Soledade, determinava-se que, antes do provincial entrar no convento, “estará a Communidade esperando-os fora da porta da Igreja em duas fileiras, e o Prelado da caza á porta da Igreja aberta lhes dará agoa benta, estando as vellas do Altar mór accezas, e feita oraçaõ na capela mór, os recolheraõ ás suas cellas. De nenhum modo haveràõ repiquies de sino na entrada de qualquer dos dous”270. Ainda maior simplicidade se almejava na Província da Piedade, cujos provinciais avisaram, nas suas patentes, que não os deveriam esperar fora do convento, recebê-los e despedi-los com toque de sino, acompanhá-los em parte da jornada, nem hospedá-los de forma especial271. Depois da comunidade e do provincial entrarem na igreja, realizar-se-ia então uma missa ou oração solene de receção272. Nos primeiros dias da chegada do prelado, havia festa no convento, o que desregularia o quotidiano religioso. Na Província da Soledade, os estatutos particularizavam que, após três dias de festa, seguir-se-iam à risca todos os atos da

264

Estatutos Piedade, p. 83. Estatutos Santo António, 1673, p. 49. 266 Estatutos Santo António, 1737, p. 133. 267 Estatutos Arrábida, p. 84-85. 268 Estatutos Piedade, p. 84. 269 Estatutos Piedade, p. 83. 270 Estatutos Soledade, p. 117-118. 271 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 17; “Patente Vicente de Estremoz”, jun 1784, p. 53. 272 BPMP – Formulario de Inquirições, abadessados e visitas, século XVIII, fl. 7-10. 265

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comunidade, incluindo as penitências no refeitório, para que o provincial visse como tudo se cumpria273. Era essencial que se normalizassem as rotinas para a avaliação do quotidiano. Deveriam, desde o primeiro dia, ser deixados, na cela em que o provincial se hospedasse, alguns livros conventuais, pois era sua tarefa analisá-los. Mesmo que pudessem ser colocados outros, a mais ou a menos, assinalava-se, mais enfaticamente, que tivesse acesso aos seguintes: livros de receita e despesa, rol das dívidas, livros com os nomes dos religiosos moradores, de patentes, missas, óbitos e atas dos capítulos conventuais274. Além destes, o livro de visitas, que habitualmente estava na cela do guardião, deveria passar para a sua cela para que pudesse escrever nele os mandados da sua visita275. Para dar início à visita, o provincial mandaria, antes de mais, convocar toda a comunidade na sala capitular ou no coro, ao som da campa tangida 276 . Seguir-se-ia o momento de admoestar, exortar e persuadir os frades, capitularmente congregados, à visita, explicando o modo como deveriam proceder nela, para serviço de Deus e reforma de toda a província277. No final do seu discurso, o prelado “mandarà a todos por Santa Obediencia, que cada um lhe advirta, e declare o que tiver necessidade de correcção, e remedio”278. Findo o capítulo, o provincial deveria sempre iniciar a visita com a inspeção das áreas e objetos sagrados do convento, necessariamente acompanhado pelo guardião e dois discretos,. Veria, pois, o estado da igreja e da sacristia e, com especial atenção, o Santíssimo Sacramento, os santos óleos, relíquias e ornamentos. Em seguida, inspecionaria os restantes espaços conventuais, ordenando que “tudo esteja com a clausura, perfeyçaõ, e decência, que convem a nosso estado”279. Visitaria a enfermaria, onde se certificaria se estava provida de roupa e de tudo o que era necessário à cura dos enfermos, a livraria para averiguar com o inventário se tinha todos os livros inventariados e se algum estava danificado ou em falta, as oficinas para ver se havia coisas supérfluas ou em falta de modo a retirá-las ou provê-las, os confessionários para confirmar se tinham a decência devida e ainda as celas e coisas do uso dos frades também para tirar o que fosse supérfluo e ofendesse a santa pobreza e prover o que

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Estatutos Soledade, p. 117-118. Estatutos Piedade, p. 84-85; BPMP – Formulario de Inquirições..., fl. 7-10; ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1814 e 1815, p. 197. 275 Estatutos Soledade, p. 117-118; BPMP – Formulario de Inquirições..., fl. 7-10. 276 Estatutos Piedade, p. 83; BPMP – Formulario de Inquirições..., fl. 7-10; ANTT – ML 80, p. 3. 277 Estatutos Santo António, 1673, p. 49; Estatutos Gerais Barcelona, p. 46; Estatutos Conceição, p. 61; Estatutos Santo António, 1737, p. 133; Estatutos Soledade, p. 118; BPMP – Formulario de Inquirições..., fl. 710; ANTT – ML 80, p. 2-3. 278 Estatutos Piedade, p. 83 279 Estatutos Piedade, p. 84. 274

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fosse, de facto, necessário280. Esta visita aos espaços de clausura podia ser, contudo, deixada para depois das inquirições, como seria hábito nas Províncias da Piedade e da Soledade 281. Já a visita ao Santíssimo Sacramento só poderia ser realizada mais tarde em casos excecionais282. Terminadas as referidas diligências de inspeção, determinavam as normas que se procedesse à inquirição individual dos moradores do convento283. O provincial, de regresso à sua cela, deveria, em primeiro lugar, mandar chamar à sua presença o guardião, para que este o informasse dos problemas de que tinha conhecimento e sobre os quais achava conveniente o prelado superior tomar parte e resolver. No final das inquirições, terminaria falando, de novo, com o guardião. Além disso, as inquirições seriam feitas por ordem de precedência, do mais para o menos digno284. O provincial interrogaria, paternalmente, em segredo e com grande cuidado, os frades sobre como se cumpria a lei de Deus, os decretos tridentinos, a regra e os estatutos gerais e provinciais285. Mais particularmente, os estatutos da ordem prescreviam que perguntasse como se observavam os ofícios divinos, os exercícios de oração mental, o necessário à cura dos enfermos, a santa pobreza, os jejuns, o silêncio, o recolhimento e também se todos se comportavam como convinha ao bom exemplo dentro e fora do convento 286. Além de abordarem vários aspetos do quotidiano religioso, deveriam inquirir sobre o governo dos prelados locais287. Contudo, de tudo isto, só deveriam ter em conta o que houvesse acontecido desde a última visita canónica. Não deveriam inquirir, julgar nem punir culpas cometidas, corrigidas, castigadas ou sentenciadas no tempo dos provinciais antecedentes nem os excessos desses antecessores, a não ser com especial comissão do

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Estatutos Santo António, 1673, p. 49; Estatutos Gerais Barcelona, p. 46; Estatutos santo António, 1737, p. 133-134; Estatutos Conceição, p. 61; ANTT – ML 80, p. 3. 281 Estatutos Piedade, p. 84; Estatutos Soledade, p. 119 282 Só se houvesse muito pouco tempo para realizar toda a visita ou outra causa urgente, se poderia deixar a visita dos espaços e objetos sagrados para o fim das inquirições. ANTT – ML 80, p. 151. 283 Todas as inquirições da visita deveriam ser registadas pelo secretário num documento único, com termos de abertura e conclusão, constando de cada inquirição a data, nome do inquirido, sua idade natural e de hábito, cargo ou oficio ocupado, o que lhe foi perguntado pelo provincial e o que respondeu. BPMP – Formulario de Inquirições..., fl. 7-10; ANTT – ML 80, p. 3-5; ANTT – CSAVCastelo, fl. 3v; ANTT – CNSEVConde, fl. 56v. 284 Estatutos Santo António, 1673, p. 49; Estatutos Conceição, p. 62; Estatutos Santo António, 1737, p. 134; Estatutos Soledade, p. 118. 285 Deviam ser inquiridos todos os moradores do convento, inclusivamente os que estivessem reclusos, penitenciados ou privados de visitar. Estatutos Piedade, p. 84. 286 Estatutos Santo António, 1673, p. 49; Estatutos Gerais Barcelona, p. 45; Estatutos Piedade, p. 83-84; Estatutos Conceição, p. 62; Estatutos Santo António, 1737, p. 134; Estatutos Soledade, p. 118. O Formulario de Inquirições... especifica ainda que se deveria perguntar se os religiosos guardavam a lei de Deus, a disciplina regular e a vida evangélica, se guardavam a regra, constituições apostólicas e estatutos da ordem, patentes e atas capitulares, se faltavam ao coro, culto e ofícios divinos, se rezavam com a perfeição e pausa devida, se faltavam às orações, disciplinas, capítulos de culpa e sufrágios, se havia paz e caridade entre os religiosos, se havia escândalos notáveis, maus exemplos ou conversas suspeitosas dentro ou fora do convento, se os enfermos eram assistidos com caridade e se havia o necessário para o seu cuidado e cura e se a comunidade tinha lição espiritual no refeitório, BPMP – Formulario de Inquirições..., fl. 7-10. 287 ANTT – CSAFronteira, “Patente Antonino de Castelo de Vide”, abr 1803, p. 151.

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capítulo288. Atente-se que o prelado nunca deveria desprezar as informações que lhe eram confidenciadas na visita nem declarar a outros o nome de quem as havia feito, informação que ficava apenas guardada nos registos das inquirições, a que a comunidade não tinha acesso289. Ao serem inquiridos, os religiosos deveriam advertir290 ao prelado como a um pai, sob pena de pecado mortal, todos os defeitos que, desde a última visita, precisavam de correção e remédio 291 , ainda que ele não corrigisse paternalmente, mas de forma jurídica, ou que os defeitos fossem ocultos, mas houvesse perigo de reincidência ou não pudessem ser remediados por outra via, como pelo guardião292. Os frades que não manifestassem na visita informação relevante de que tinham conhecimento e a guardassem para visitas posteriores deviam ser castigados como perturbadores da paz 293 . Por outro lado, os que advertissem maliciosamente ou dessem a conhecer faltas que podiam ter sido reveladas ao guardião para que este as remediasse antes da visita deviam também ser castigados294. Acrescente-se que, caso o prelado notasse que um frade visitava repetidamente sem fundamento, deveria apontar o seu nome para se lhe dar pouco crédito nas visitas posteriores295. Quando não faltasse inquirir mais ninguém, a visita era oficialmente concluída 296 . Depois, o provincial tinha obrigatoriamente de presidir a um capítulo de culpas297, no qual, depois de os religiosos admitirem as suas imperfeições ou transgressões, os repreenderia e castigaria, terminando por exortar e ordenar a todos aquilo que considerasse conveniente para a mais perfeita conservação da vida religiosa298, pois esta “si estuviere relaxada, se reforme, y se estuviere reformada se conserve”299. Embora só pudesse dar penas maiores como cárcere, privação de voz passiva e ativa ou de atos legítimos com o consentimento do definitório e

288

Estatutos Santo António, 1673, p. 50; Estatutos Piedade, p. 93; Estatutos Conceição, p. 62; Estatutos Santo António, 1737, p. 134. 289 Estatutos Piedade, p. 84. 290 Na documentação das visitas, os verbos “advertir” e “visitar” surgem com o sentido de dar a conhecer, informar ou denunciar. Com esse mesmo significado estão a ser usados neste texto. 291 Se os religiosos dissessem coisas graves, o provincial deveria anotá-las à parte para logo lhes dar o remédio oportuno, ANTT – ML 80, p.7. 292 Os frades, ao delatarem erros, deveriam, porém, evitar fazer denúncias e acusações jurídicas, duas formas que, no quinto capítulo, se explicarão. Também os prelados deveriam evitar proceder juridicamente. Estatutos Piedade, p. 84. 293 Estatutos Santo António, 1673, p. 103; Estatutos Arrábida, p. 124; Estatutos Soledade, p. 215. 294 No entanto, se o provincial notasse que os frades lhe advertiam muitas faltas, porque o prelado local era pouco cauteloso e não guardava segredo das culpas e de quem lhas evidenciava, deveria castigar então o guardião. Estatutos Soledade, p. 125-126. 295 Estatutos Santo António, 1673, p. 50; Estatutos Conceição, p. 62; Estatutos Santo António, 1737, p. 134. 296 BPMP – Formulario de Inquirições..., fl. 7-10; ANTT – CSAVCastelo, fl. 4r. 297 Embora fosse preferível este capítulo decorrer na véspera do provincial abandonar o convento, ele podia realizar-se quando este achasse conveniente. Estatutos Soledade, p. 119. 298 Estatutos Santo António, 1673, p. 49; Estatutos Gerais Barcelona, p. 46; Estatutos Piedade, p. 84; Estatutos Conceição, p. 62; Estatutos Santo António, 1737, p. 135; ANTT – ML 80, p. 6. 299 Estatutos Gerais Barcelona, p. 46.

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como sentença jurídica, o provincial em visita podia suspender temporariamente ofícios, inclusivamente o de guardião, e ainda dar os mesmos castigos menores permitidos ao guardião, como reclusão na casa da disciplina, admissão pública de culpas e jejuns de pão e água 300 . As culpas mais graves que considerasse necessitarem de averiguações e penas maiores e exigissem entrar no foro jurídico teriam que ser levadas à mesa da definição, legitima e juridicamente processadas 301 . Cabia, antes de qualquer outro, ao provincial abandonar o preferível discurso e correção paternal e proceder juridicamente, quando houvesse malícia e corrupção que o justificasse302. Deveria também evitar deixar quaisquer culpas por castigar e sentenciar, especialmente para o tempo dos provinciais sucessores e dos comissários visitadores. Os defeitos que não fossem visitados nem castigados num triénio, deveriam ficar em silêncio para sempre303. Ainda assim, as culpas que se descobrissem na visita, mas não fossem do período sobre o qual a visita deveria incidir, não ficariam necessariamente sem castigo, pois os guardiães e os provinciais podiam castigá-las, porém apenas paternalmente304. Antes de o provincial e o seu secretário deixarem o convento, este último deveria registar no livro de visitas da casa que este ato se havia realizado, especificando a identidade do prelado que visitara e a data da sua ocorrência. Abaixo desse termo, caso os houvesse, registaria os mandados ou capítulos que o antístite deixava para serem cumpridos, mesmo que mandasse somente observar o que fora ordenado nas visitas anteriores. Tanto o provincial como o secretário deveriam assinar esse registo305. Aponte-se que era também durante a visita do provincial que os religiosos deveriam aproveitar para comunicar-lhe quaisquer necessidades suas, já que era incumbência daquele prelado, nesse momento, atendê-las, se fossem justas306. Ocasionalmente, eles poderiam ainda ocupar-se da avaliação dos sacerdotes instruídos em cerimónia de missa bem como de confessores e pregadores, designadamente em teologia moral, para comprovarem se estavam bem preparados para exercer as suas funções. Podiam ainda proceder ao exame das certidões 300

Estatutos Santo António, 1673, p. 101; Estatutos Piedade, p. 85-87; Estatutos Soledade, p. 119-123, 214. Estatutos Santo António, 1673, p. 49; Estatutos Piedade, p. 84-85, 93; Estatutos Conceição, p. 62; Estatutos Santo António, 1737, p. 134; Estatutos Soledade, p. 126. 302 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente José de Fronteira”, jul 1817, p. 211. 303 Os frades que visitassem tarde demais faltas passadas não deveriam ser ouvidos, mas castigados como semeadores de discórdias e infamadores, Estatutos Santo António, 1673, p. 50; Estatutos Conceição, p. 62; Estatutos Santo António, 1737, p. 134. 304 Proceder juridicamente sobre o que devia ter sido comunicado e castigado em visitas anteriores só seria possível com o consentimento excecional do definitório. Estatutos Santo António, 1673, p. 103; Estatutos Piedade, p. 93. 305 Estatutos Gerais Barcelona, p. 46; BPMP – Formulario de Inquirições..., fl. 7-10. 306 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do provincial”, entre 1789 e 1790, p. 95; “Determinações do provincial”, entre 1798 e 1799, p. 138. 301

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de coristas e dispensas de leigos307 e, por certo, a muitas outras averiguações. A sua visita era, sem dúvida, o melhor momento para saberem com rigor se tudo decorria conforme as normas. Por fim, tanto no capítulo como na congregação provincial, o provincial estava obrigado a mostrar à mesa da definição as sindicações e visitas que fizera e a apresentar as culpas que delas haviam resultado. Se não o fizesse, a mesa pedi-las-ia e caso se negasse, seria privado de atos legítimos, por dois meses. Era importante que a mesa visse as sindicações e visitas, antes das eleições capitulares para os ofícios internos, para que conhecesse melhor a qualidade dos elegíveis. Desta forma, podia evitar que os indignos fossem eleitos308. Ademais, no final do triénio, o provincial tinha que entregar os registos das visitas e autos judiciais não sentenciados para que o sucessor os conhecesse e completasse309.

3.3 – Visita do Comissário Visitador Após as duas ou três visitas que o provincial devia executar e antes que terminasse o seu triénio, este ministro estava obrigado a avisar um dos prelados gerais, o ministro ou o comissário geral 310 , do dia em que o triénio se encerraria, com o intuito de pedir a sua autorização para a realização do capítulo provincial, convidá-lo a estar presente nele e ainda pedir que provesse um visitador externo para a província311. Embora devesse ser o próprio prelado geral a visitar todas as províncias da ordem e a presidir aos seus capítulos, ao longo dos seis anos de prelazia312, perante o óbvio desafio que seria cumprir tão exigente agenda, ele delegava as suas visitas a comissários visitadores, ou pelo menos assim ficou instituído nas províncias portuguesas. Os comissários visitadores eram, assim, “los que por comission

ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1788 e 1789, p. 85; “Determinações do provincial”, entre 1788 e 1789, p. 90; “Determinações do provincial”, entre 1794 e 1795, p. 127; “Avisos do provincial”, entre 1796 e 1797, p. 133; “Determinações do definitório”, out 1821, p. 253. 308 A mesa tinha ainda o dever de analisar se o provincial fizera demasiados gastos durante a sua visita, pois se tivesse feito, seria castigado. Estatutos Santo António, 1673, p. 50; Estatutos Arrábida, p. 123; Estatutos Gerais Barcelona, p. 94; Estatutos Conceição, p. 63. 309 Estatutos Piedade, p. 93. 310 O ministro provincial deveria avisar o ministro geral ou o comissário geral, contudo sempre aquele que pertencesse à Família Ultramontana da ordem. Lembre-se que os dois cargos de prelazia geral, muito pouco distintos na prática, alternavam entre a Família Cismontana e Ultramontana. Quando o ministro governava uma, necessariamente o comissário governava a outra, sempre sujeito ao ministro. 311 Estatutos Santo António, 1673, p. 47; Estatutos Arrábida, p. 115; Estatutos Conceição, p. 64; Estatutos Santo António, 1737, p. 125; Estatutos Soledade, p. 114. 312 Estatutos Gerais de Barcelona, p. 45. No caso de o próprio geral se dirigir a um convento, a comunidade deveria recebê-lo fora dele, com uma cruz, cantando Salve Sancte Pater. O provincial e o guardião deveriam acompanhar o prelado geral até ao altar-mor da igreja, onde, depois de cantada a oração, todos os frades tomariam a sua benção, Estatutos Gerais Barcelona, p. 79. Não se encontrou nenhuma visita dos próprios prelados gerais, mas somente dos seus comissários, como se verá no capítulo seguinte. 307

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de los Prelados generales van à visitar alguna Provincia” 313 e, enquanto a sua visita não terminasse, não se poderia realizar o capítulo provincial. Os gerais nunca deveriam, portanto, deixar de enviar estes visitadores 314 , cuja diferente natureza de poder exige que este seja explicado. Por outro lado, esclareça-se já que as visitas dos comissários eram muito semelhantes às dos ministros provinciais, ainda que a regulamentação dos seus procedimentos e circunstâncias seja menos pormenorizada nos estatutos. Neste caso, poder-se-á generalizar à visita do comissário muito do que se disse sobre a forma da visita do provincial. Mais distintos eram os poderes e limitações de ambos durante os atos visitacionais. A altura certa para os provinciais pedirem visitadores aos gerais315, ainda que sempre no final do triénio, variava de província para província. Por exemplo, na de Santo António, o pedido deveria ser feito pelo menos seis meses antes do final do triénio316 e na da Soledade com pelo menos sete meses de antecedência317. Contudo, tanto para pedir visitador como para confirmar o escolhido, o prelado provincial tinha que dar parte ao definitório da província e ter em consideração os seus pareceres 318 . Ao que tudo indica, existiam duas formas de escolhê-lo e, em ambas, o provincial deveria, logo à partida, esclarecer que qualidades deveria ter o visitador. Para além disso, aquele prelado intervinha na decisão sobre quem seria o escolhido. Embora alguns estatutos não explicitem qual das modalidades se adotava na respetiva província, três fazem-no. Nas Províncias da Piedade e de Santo António, por exemplo, o provincial selecionava três ou quatro religiosos com as qualidades desejadas para o que o prelado geral nomeasse um deles319. Já na da Soledade, era o geral que apontava um religioso, cabendo ao provincial aceitá-lo ou não, ouvindo os pareceres do definitório320. As qualidades que o comissário visitador deveria ter são as mesmas para todas as províncias portuguesas, salientando-se apenas uma diferença. De forma geral, ele nunca poderia pertencer à província que ia visitar, sendo este um costume já antigo; teria que ter sido ministro, vigário, custódio ou definidor provincial; devia ser um dos frades mais graves 313

Estatutos Gerais Barcelona, p. 72. Estatutos Gerais Barcelona, p. 45, 72. 315 Se não houvesse forma de recorrer aos prelados gerais para pedir visitador, devido a circunstâncias graves como guerras, o provincial tinha que recorrer, primeiramente, ao comissário nacional da Regular ou da Estrita Observância, conforme a filiação da sua província, e, se tal também não fosse praticável, ao núncio de Portugal ou diretamente à Santa Sé. Se nem isso fosse exequível, o definitório provincial teria que eleger um visitador de outra província do mesmo ramo e, em último caso, da própria província. Nunca ficaria, pois, a província sem visitador. Se, entretanto, fosse possível comunicar com os prelados gerais, mal o comissário enviado por estes tomasse posse para visitar a província, o outro visitador ficaria sem qualquer poder. Estatutos Gerais Barcelona, p. 73; Estatutos Santo António, 1737, p. 128-129. 316 Estatutos Santo António, 1737, p. 125. 317 Estatutos Soledade, p. 114. 318 Estatutos Santo António, 1673, p. 43; Estatutos Arrábida, p. 115; Estatutos Conceição, p. 54. 319 Estatutos Piedade, p. 94; Estatutos Santo António, 1737, p. 125. 320 Estatutos Soledade, p. 114. 314

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da sua província, de reconhecida prudência, piedade, religião e zelo; e, não menos importante, não podia ser o visitador do triénio anterior. Os visitadores das províncias capuchas tinham ainda que ser frades capuchos, conquanto os da Regular Observância não podiam ter nelas jurisdição alguma, à exceção dos prelados gerais 321 . Provavelmente, os visitadores das províncias da Regular Observância também teriam que pertencer a esse ramo da ordem. Para poder exercer os poderes da sua comissão, que eram delegados pelos prelados gerais, o comissário visitador tinha, antes de chegar à província, de ser aprovado pelo definitório provincial e enviar um treslado da sua patente de comissão ao provincial. Segundo ditavam os estatutos, não poderia entrar na província para a visitar, senão cinco meses antes de terminar o seu triénio. Mais tarde, assim que entrasse na província, deveria mostrar a sua patente e receber do provincial, este em pessoa ou através de um religioso grave, o selo menor da província, o qual deveria usar enquanto cumprisse o seu oficio nela322. Era pela leitura da patente à primeira comunidade a que se apresentava que o comissário tomava posse dos poderes que lhe transferia o documento. Ao tomar posse, deveria, primeiramente, instituir um secretário para a visita, de entre os frades graves e competentes da província323. Entenda-se que os provinciais, diversamente, não precisavam de qualquer patente, por ser direito do seu ofício tudo o que estava subjacente à visita dos conventos. Depois de tomar posse e instituir um secretário, o comissário mandaria o guardião ou o presidente do convento em que estava enviar a dita patente aos outros conventos da província, num prazo de vinte e quatro horas324. O comissário visitador passava então a dispor temporariamente de “plenário poder, pelo que no tocante a visita dos Frades, reformaçaõ dos costumes, & correiçaõ de culpas pòde dar à execução o que mandar, julgar ou determinar da ditta vizita sem inhibiçaõ, appellaçaõ, aggravo, que lho impida, ou suspenda”325 ou, por outras palavras: “en todas las cosas que tocan à la visita, y à la reformacion, y correcion de las costumbres, tienen los visitadores...faculdad, y poder, para ordenar, moderar, corrigir, castigar, y poner en execucion aquellas cosas que mejor les pareciere ser necessarias, conforme à los Estatutos

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Estatutos Santo António, 1673, p. 43, 45; Estatutos Arrábida, 114-115; Estatutos Gerais Barcelona, p. 72-73; Estatutos Piedade, p. 94; Estatutos Conceição, p. 54, 56; Estatutos Santo António, 1737, p. 126. 322 Estatutos Santo António, 1673, p. 43; Estatutos Arrábida, p. 115; Estatutos Gerais Barcelona, p. 73; Estatutos Piedade, p. 94-95; Estatutos Conceição, p. 54; Estatutos Santo António, 1737, p. 126; ANTT – CSAVCastelo, fl. 3r. 323 Os registos da visita do comissário deveriam incluir um termo de instituição e aceitação do secretário perante duas testemunhas e a patente do comissário, que comprovava o seu direito de visitar por delegação. Estatutos de Santo António, 1737, p. 216-219; BPMP – Formulario de Inquirições..., fl. 7-10; ANTT – ML 80, p. 1; ANTT – CSAVCastelo, fl. 1r. 324 O último convento que recebesse a patente deveria remeter ao convento inicial um testemunho de que todos os conventos a haviam recebido e lido. ANTT – CSAVCastelo, fl. 2v. 325 Estatutos Santo António, 1673, p. 45; Estatutos Conceição, p. 56.

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Provinciales, ò Generales de la Orden, para la enmienda de los subditos, y utilidad de las Provincias.”326.

É importante referir que, quando o visitador tomava posse, o provincial perdia uma parte da sua jurisdição ordinária sobre a província. Não podia, durante o tempo daquela visita, proceder juridicamente, dar licenças ordinárias, se proibidas pelo visitador, nem mudar frades de convento. Os seus mandados também deixavam de ser válidos, se não fossem confirmados pelo visitador, enquanto que os do definitório valiam sempre até ao capítulo provincial327. Em relação à duração das visitas dos comissários, os estatutos provinciais nada prescrevem sobre a visita particular a cada convento. Determinava-se, por outro lado, que a sua visita a todos os conventos da província não durasse mais que três ou quatro meses328. Acrescente-se ainda que havia a possibilidade, sempre inconveniente, do comissário recorrer a subdelegados para a visita329 . No tempo normal de uma visita, face à autoridade que o visitador ganhava sobre toda província, o frade que desprezasse ou desobedecesse aos seus mandados, desde que estes não ultrapassassem os poderes que lhe haviam sido conferidos nem fossem contra os preceitos da província, incorreria em pena de excomunhão maior ipso facto, reservada ao papa, e em inabilitação perpétua de ofícios e de voz ativa e passiva. Também os prelados provinciais e locais ficavam obrigados a executar tudo o que os visitadores mandassem, com as mesmas exceções330. Testemunhando que alguns provinciais se preocupavam com o respeito e obediência dos frades aos visitadores, os quais eram, em parte, seus substitutos externos em direitos e deveres, um provincial chegou a solicitar que estes “obedeçaõ aós Nossos Comissarios Vizitadores, como se fosse a nós mesmos em pessoa”331. Se o comissário ainda não tivesse terminado a visita depois de quatro meses, que podia ser muito ou pouco tempo, dependendo do número de conventos integrados na província, os frades ficariam desobrigados de lhe obedecer, passando de novo a obedecer ao provincial332. Contudo, ainda que fossem representantes dos prelados gerais e dotados de grande poder, os comissários tinham também que se ajustar a algumas limitações. Em primeiro lugar, 326

Estatutos Gerais Barcelona, p. 46. Estatutos Arrábida, p. 115; Estatutos Piedade, p. 95; Estatutos Conceição, p. 54; Estatutos Santo António, 1737, p. 127. 328 Se o prelado geral que delegara a visita morresse enquanto ela era executada, o visitador tinha que continuá-la até que o novo prelado dispusesse outra coisa. Estatutos Piedade, p. 126; Estatutos Santo António, 1737, p. 128. 329 Estatutos Santo António, 1673, p. 127-128; Estatutos Arrábida, p. 114; Estatutos Piedade, p. 96; Estatutos Santo António, 1737, p. 216-219. 330 Estatutos Santo António, 1673, p. 44; Estatutos Arrábida, p. 115; Estatutos Gerais Barcelona, p. 73; Estatutos Piedade, p. 95; Estatutos Conceição, p. 54; Estatutos Santo António, 1737, p. 126. 331 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do provincial”, entre 1798 e 1799, p. 140. 332 Estatutos Arrábida, p. 114. 327

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deveriam realizar as visitas de acordo com o estilo da província e os seus estatutos, devendo para isso aconselhar-se junto do provincial e prelados locais. Não poderiam, nem temporariamente, inovar coisa alguma na província333, o que era permitido aos provinciais, não poderiam dispensar sentenças e penitências dadas pelo definitório sem consentimento da maior parte dele nem, em circunstância alguma, dispensar estatutos da província. Aliás, a única maneira de os estatutos e decisões maiores da província serem derrogados pelos visitadores era por meio de uma patente dos prelados gerais que mencionasse expressamente esse direito. Também não podiam receber noviços, enviar frades para fora da província, a não ser para enviá-los aos gerais por motivos relacionados com a visita, instituir confessores ou pregadores, promover religiosos a ordens nem dispor dos objetos dos frades defuntos, porque todas essas tarefas continuavam a ser da competência do provincial. Para interferirem nesses assuntos, precisavam necessariamente do consentimento deste e ainda do dos definidores provinciais. Acresce que os comissários também não podiam votar ou ser elegíveis nas eleições da província, dentro ou fora dos capítulos, a não ser que a sua comissão o autorizasse334. Perante as limitações que se colocavam à sua comissão, estava ordenado que, sempre que ultrapassassem o poder que esta lhes conferia ou fossem pouco observantes dos estatutos provinciais e gerais e das determinações do definitório provincial, era da responsabilidade deste definitório avisar os prelados gerais para que interviessem e castigassem o abusador. O que este havia determinado contra a sua patente e os estatutos poderia ser anulado335. Decerto, o mesmo aconteceria com os provinciais que ultrapassassem os poderes do seu ofício e desrespeitassem os estatutos. Agora que se explicou quem eram estes comissários visitadores e quais os seus poderes e limitações, o que já permite diferenciá-los dos provinciais, note-se que, de facto, os procedimentos da visita canónica de ambos pouco diferia336. Na receção solene ao visitador devia haver também uma missa e, possivelmente, alguns dias de festa, depois dos quais o quotidiano religioso obrigatoriamente se normalizaria. Os mesmos livros que deveriam ser deixados na cela do provincial em visita deveriam ser colocados, com o mesmo objetivo, na cela do comissário. Antes de iniciar a visita, era preciso mandar reunir capitularmente os frades, ao som da campa tangida, para os admoestar, exortar e persuadir à visita, explicando 333

Este tipo de legislação justificava-se, certamente, por ser o visitador um frade externo, cuja intervenção preferia-se evitar ou limitar, até porque seria mais difícil apelar das suas decisões. 334 Estatutos Santo António, 1673, p. 44; Estatutos Arrábida, p. 115-116; Estatutos Gerais Barcelona, p. 73-74; Estatutos Piedade, p. 94; Estatutos Conceição, p. 54-56; Estatutos Santo António, 1737, p. 127; Estatutos Soledade, p. 114-115. 335 Estatutos Arrábida, p. 115; Estatutos Soledade, p. 116. 336 Devido à similaridade dos procedimentos, traçar-se-á a visita do comissário visitador de forma mais breve que a do provincial. Leia-se o subcapítulo anterior: “Visita do Ministro Provincial”.

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como deveriam proceder no interrogatório. Nesse momento, deveriam, no entanto, esclarecer sobre que pontos as inquirições individuais aos moradores da casa se iriam debruçar, cujas diretivas constariam da comissão outorgada pelos prelados gerais 337, circunstância que não é mencionada na regulamentação da visita do provincial. Na mesma forma e com os mesmos objetivos que o provincial, o visitador começaria por inspecionar os espaços e objetos sagrados, com destaque para o Santíssimo Sacramento. Depois prosseguiria para a inspeção dos demais espaços conventuais, como os confessionários, celas e oficinas. De seguida, também se recolheria à sua cela e dela mandaria chamar o guardião, que seria o primeiro e o último religioso a ser visitado. A todos os frades inquiriria, especialmente sobre o governo do provincial e dos prelados locais, bem como sobre os procedimentos dos religiosos. Tudo leva a crer que o comissário podia interrogar sobre os mesmos assuntos cometidos ao provincial. Além disso, tinha que perguntar sobre o procedimento do comissário do triénio anterior, cujo desempenho ainda não fora avaliado. Repare-se que a visita do comissário devia muita da sua importância ao facto de ser a única na qual se julgava o ministro provincial e o comissário passado, enquanto os restantes frades e prelados locais eram alvo de investigação em todas as visitas. Os religiosos estavam obrigados a responder com verdade e sem malícia ao comissário visitador da mesma forma que ao provincial. Ao contrário do que dizem os estatutos sobre a visita deste último, nada indica que o visitador só pudesse inquirir e intervir sobre os defeitos posteriores à ultima visita canónica. Porém, como o guardião e o provincial deveriam esforçar-se por resolver, no seu tempo, o que estivesse errado, depreende-se que menos erros haveria para serem descobertos e remediados pelo comissário. Depois de todos os frades terem sido perguntados, finalizava-se a visita. O secretário deveria registar todas as inquirições do mesmo modo que aquando das visitas dos provinciais. Após as interrogações, o comissário presidiria também a um capítulo de culpas para os religiosos admitirem os seus erros e ele os repreender e castigar, conforme lhe parecesse justo, e ainda fazer as recomendações e determinações que considerasse necessárias para uma melhor observância da disciplina regular. Sobre o tipo de castigos que poderia impor, os estatutos nada aludem. Contudo, caso achasse culpas graves que merecessem maiores averiguações e penas, poderia, tal como o provincial, proceder juridicamente. As sentenças tinham, porém, que ser, igualmente, decididas com a mesa do definitório. Quanto às culpas que descobrisse do visitador do triénio anterior, deveria escrevê-las em particular e enviá-las

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SANTIAGO, Fr. Francisco de – Chronica da Santa Provincia de Nossa Senhora da Soledade..., p. 134.

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ao prelado geral338. Antes de deixar o convento, o secretário precisava ainda de registar a visita no livro competente, declarando quem fora o comissário, a data e as eventuais determinações que ele deixava para serem cumpridas, finalizando-se o registo com a sua assinatura e a do comissário 339 . Resta referir que, ao contrário do que acontecia com as penitências e determinações dadas pelos provinciais, as que eram dadas pelos comissários, representantes da instância suprema da ordem, não se podiam impedir ou suspender, nem delas se podia apelar, a não ser que fossem contra os estatutos franciscanos340. Finalizada a visita, o comissário mantinha os seus poderes para o capítulo provincial, que só então podia ter início341. Oito dias antes de principiar, o comissário, o provincial e os definidores deviam reunir-se, na casa capitular, para ver os inventários dos conventos, sentenciar processos, analisar as sindicações e visitas feitas pelo comissário e julgar as culpas contra o provincial que haviam resultado da sua visita342. No capítulo provincial propriamente dito, o comissário visitador deveria presidir e participar com voto consultivo, só podendo votar ou ser elegível se a sua patente, excecionalmente, o facultasse. A sua função primordial nos capítulos era, pois, assegurar, através do seu parecer, que os religiosos que tinha identificado na visita como indignos não fossem promovidos para ofícios343. A sua autoridade cessava vinte dias após o término das ações capitulares, a não ser que o prelado geral lhe concedesse, por escrito, um prolongamento do tempo da comissão344. Conhecidas as normas que orientavam as visitas atrás mencionadas, explore-se, de seguida, um pouco daquela que era a sua prática, no final do Antigo Regime.

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As culpas dos comissários visitadores eram averiguadas na visita do comissário seguinte e levadas, formalmente, ao capítulo ou à congregação geral, que se realizavam alternadamente de três em três anos. Por isso mesmo, não se podia ser comissário visitador dois triénios seguidos. Estatutos Santo António, 1673, p. 42; Estatutos Arrábida, p. 114. 339 Sobre a regulamentação dos procedimentos das visitas dos comissários visitadores ver, Estatutos Santo António, 1673, p. 127-128; Estatutos Arrábida, p. 114, 116; Estatutos Gerais Barcelona, p. 46; Estatutos Piedade, p. 95-96; Estatutos Santo António, 1737, p. 216-219; BPMP – Formulario de Inquirições..., fl. 7-10; ANTT – ML 80, p. 2-7; ANTT – CSAVCastelo, fl. 3r-4r; ANTT – CNSEVConde, fl. 56v. 340 Estatutos Gerais Barcelona, p. 46. 341 Era o comissário visitador que estava incumbido do dever de expedir para todos os conventos a convocação capitular para os vogais. Anote-se que, na época, os vogais do capítulo provincial eram o provincial, o custódio, os quatro definidores e os prelados locais com maior numero de súbitos. Estatutos Santo António, 1673, p. 45; Estatutos Conceição, p. 65; Estatutos Piedade, p. 96. 342 Estatutos Piedade, p. 97; Estatutos Santo António, 1737, p. 142-143. O provincial poderia confessar as suas culpas, se fossem leves, no capítulo, depois de abdicar do seu oficio. Se resultasse processo jurídico contra ele, não confessaria logo, mas esperaria pela sentença, Estatutos Arrábida, p. 119. Também a junta do definitório cisterciense, constituída pelo abade geral, quatro definidores e dois visitadores tinha que fazer um balanço das visitas realizadas e analisar o desempenho dos prelados, CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 324. 343 Estatutos Santo António, 1673, p. 44; Estatutos Arrábida, p. 116; Estatutos Gerais Barcelona, p. 74; Estatutos Piedade, p. 95; Estatutos Conceição, p. 55; Estatutos Santo António, 1737, p. 129. 344 Estatutos Santo António, 1673, p. 45; Estatutos Gerais Barcelona, p. 74; Estatutos Conceição, p. 55.

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Capítulo 4 – Visitas a conventos franciscanos. A prática (1725-1831)

Mais relevante que conhecer a norma que orientava as visitas dos superiores aos conventos dos Frades Menores, assunto exposto no capítulo anterior, é confrontá-la com a sua prática efetiva. Através dos cinco livros de visitas estudados, compreendidos no período entre 1725 e 1831, admite-se que pouco se pode averiguar sobre as particulares visitas e capítulos de culpas realizados pelos guardiães, uma vez que destes quase não existem registos. Diversamente, mais algumas considerações podem ser tecidas sobre a realidade das visitas canónicas dos provinciais e comissários visitadores. Os livros facultam, com efeito, traços da sua prática, especialmente no que respeita à sua frequência e agentes, procedimentos de inspeção de espaços conventuais e inquirição de religiosos, estrutura e conteúdo de termos de visita e ainda frequência em dar determinações de correção ou reforma. Deste modo, é, portanto, possível confrontar a norma e a prática destas visitas para apurar até que ponto coincidem e, além disso, comparar a realidade visitacional entre diferentes conventos. Este capítulo procura, precisamente, expor e comparar aspetos da prática visitacional de guardiães, provinciais e comissários visitadores aos conventos franciscanos, tendo como casos de estudo os conventos de Santo António de Fronteira (Província da Piedade), Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos (Província de Portugal) e o Convento e Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes (Missionários Apostólicos)345. Para isso, está dividido em quatro partes. Nas primeiras três, isolam-se aspetos concretos das visitas: a sua assiduidade, os seus procedimentos e a estrutura, conteúdo e frequência dos termos e capítulos de visita. Na última parte, procura-se fazer uma síntese sobre os três tipos de visitas abordadas, realizadas pelos três níveis de poder da Ordem dos Frades Menores.

4.1 – Assiduidade e agentes A existência de alguns livros com o registo em série dos termos das visitas efetuadas a certos conventos franciscanos, sempre datados e que se estendem por algumas décadas do período em estudo, possibilita a análise da sua assiduidade visitacional, nos três conventos já assinalados. Para se ampliar esta análise no tempo colocar-se-ia o frequente problema da

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Teria todo o interesse analisar um maior número de livros de visitas da ordem para se poderem tirar conclusões mais abrangentes e consistentes, porém, não se identificaram outros da OFM nos arquivos nacional e distritais do país.

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documentação ser muito lacunar346. Os livros de visitas do Convento de Santo António de Fronteira são os mais ricos entre os exemplares encontrados para esta abordagem, pois abrangem um século e muitos outros registos complementares além dos das visitas. Os de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos, ao contrário, só abrangem quarenta e oito anos. Já o Convento e Seminário de Brancanes é, entre todos, um caso singular. Mais do que analisar a periodicidade das visitas ao longo de oitenta e cinco anos, os seus livros permitem perceber que, nos seminários apostólicos, as visitas se executavam de maneira um pouco diferente da determinada para os conventos integrados nas províncias, o que é compreensível uma vez que os seminários eram independentes destas províncias franciscanas. Esta exposição começa com o caso de Santo António de Fronteira. Devido à particularidade dos seus dois livros de visitas, que são, como já se explicitou no primeiro capítulo, livros mistos de visitas, determinações capitulares e patentes dos provinciais, conseguiu-se, afortunadamente, obter informação sobre as visitas dos guardiães aos seus conventos. Numa patente, um provincial adverte aos guardiães da Província da Piedade que: “façaõ indespençavelmente capitulos de culpas e vezitem as officinas, clausura, conffecionarios, e celas, no tempo que mandaõ os Estatutos, e que a vezita das celas naõ seja por ceremonia antes sim extrahaõ dela tudo o que acharem contrario naõ so a Santa Pobreza, mas taõbem ao que os Estatutos mandaõ.”347.

Verifica-se que nem sempre os prelados locais eram assíduos a visitar e que, quando o faziam, nem sempre cumpriam o que se ordenava, deixando permanecer o que era contra os estatutos e agindo mais por questões de formalidade que por zelo. Muito mais se apurou sobre as visitas dos provinciais e comissários visitadores a este convento. Entre 1725 e 1825, cento e um anos, executaram-se noventa e nove visitas348. Tal como parece à primeira vista, elas decorreram com bastante assiduidade, porém, nem sempre concretizaram o que se mandava nos estatutos. Note-se que houve mais anos sem visita no século XIX que no século XVIII349. Nunca se passou, porém, um triénio sem qualquer visita.

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A análise da periodicidade visitacional depara-se, muitas vezes, com a falta de documentação em série. No caso das visitas pastorais às paróquias, devido à grande quantidade de registos, é geralmente possível fazê-lo de forma bastante completa, embora haja paróquias cuja documentação é lacunar, SOARES, António Franquelim; CARVALHO, Joaquim Ramos de; PAIVA, José Pedro – “Visitações”, cit., p. 267; ARAÚJO, António de Sousa – “Visitas pastorais...”, cit., p. 289; SOARES, António Franquelim– A Arquidiocese de..., cit., p. 282-285. As visitas aos conventos parecem sofrer de maiores lacunas, um grande impedimento para analisar a sua frequência e ritmos em períodos longos como se salienta em SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 387. 347 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Advertências da patente do provincial”, 1767, fl. 78v-79r. 348 Ver ANEXO 1 – Visitas ao Convento de Santo António de Fronteira, Província da Piedade da Mais Estreita Observância (1725-1825). 349 Não houve qualquer visita canónica em 1797, 1799, 1801, 1802, 1809, 1813, 1820 e 1824. Confira-se no ANEXO 1.

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Em primeiro lugar, averiguou-se que, com frequência, o mesmo provincial visitou o convento duas ou três vezes no tempo do seu triénio. Até 1746, cumpriu zelosamente os estatutos, visitando sempre três vezes no triénio. Contudo, daí até à década de 70, passou a haver triénios em que somente fez duas visitas. A partir de 1773, a tendência de visitar duas vezes sobrepôs-se, definitivamente, à das três vezes. Desde 1796, nunca mais os provinciais visitaram o convento três vezes por triénio. Concluiu-se, portanto, que, ao longo dos anos, se tendeu a reduzir, de três para duas, o número de visitas do provincial a Santo António de Fronteira, por triénio350. Atente-se também que foi raríssimo um provincial delegar a visita noutro frade. O único caso de delegação deu-se em 1794. No entanto, em 1775 e 1795, a visita foi realizada por vigários provinciais351. As visitas dos comissários visitadores não foram, contudo, tão assíduas como as dos provinciais, achando-se vários períodos em que não ocorreram352. Até aos anos 60, muito rara foi a sua visita353 . Em compensação, lembre-se que, nesta altura, os provinciais visitaram anualmente o Convento de Fronteira. Entre 1764 e 1784, verificou-se o período de maior assiduidade das visitas dos comissários, que aconteceram, aproximadamente, de três em três anos, tal como ordenado nos estatutos. A partir de 1784, maiores intervalos entre estas visitas voltaram a suceder. Tornou-se, pois, normal os visitadores visitarem dois triénios seguidos e ficarem depois um ou dois triénios sem visitar. Acrescente-se também que as suas visitas tiveram quase sempre lugar após as de um mesmo provincial, tendo mudado nas visitas posteriores o nome deste prelado, o que confirma que aconteceram no final dos triénios. Uma exceção foi a visita de 1775, que surge entre duas de um mesmo provincial, estas em 1774 e 1775. Também foi possível perceber que a visita do comissário visitador decorria, em média, seis meses depois da última visita do provincial354. Foi ainda exceção um comissário delegar a sua visita. A única vez que incumbiu um visitador subdelegado foi em 1770. Destaque-se, por fim, que, a partir de 1773, os comissários passaram a ser instituídos pelos núncios ou

350

Encontram-se também, ao longo destes cem anos, algumas peculiaridades como a de um mesmo provincial, Frei José de Redondo, visitar o convento sete anos consecutivos, de 1748 a 1754, o que se estranha, porque não era normal eleger o mesmo frade dois triénios seguidos para o mesmo oficio. Há ainda a pontual situação de haver somente uma visita trienal, a de Frei Martinho de Beja, em 1800. Confira-se no ANEXO 1. 351 As visitas terão sido realizadas pelo vigário provincial, muito provavelmente devido à morte do ministro provincial. Quando este falecia, como se explicou no segundo capítulo, era necessário o definitório nomear um vigário para a província, o qual substituiria o ministro provincial até um novo ser eleito no capítulo. O vigário assumia a responsabilidade de visitar os conventos da província. 352 Os comissários visitadores não visitaram o convento nos seguintes períodos, que compreendem um ou mais triénios: 1725-1739, 1741-1754, 1756-1763, 1785-1792, 1796-1804, 1809-1813, 1818-1822. Confira-se no ANEXO 1. 353 Estas concretizaram-se só em 1740, 1755 e 1764, com intervalos de 10 e 15 anos. Confira-se no ANEXO 1. 354 O intervalo entre a última visita do provincial e a do comissário oscilou entre os dois e os treze meses, variando principalmente entre 1770 e 1800.

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delegados apostólicos e não pelos prelados gerais como mandavam os estatutos, o que comprova a adaptação das leis dos Frades Menores à diretiva de 1772 do Marquês de Pombal, que obrigava os regulares à obediência ao núncio antes da obediência aos seus próprios superiores, como referido no segundo capítulo. Desde então, os comissários foram, frequentemente, designados “visitadores gerais” nos registos. Outro aspeto que se evidenciou foi que ser secretário de visita servia de trampolim para desempenhar os cargos de comissário visitador e provincial. São, com efeito, muitos os secretários que aparecem, em registos posteriores, a visitar como comissários, provinciais ou vigários355. É igualmente frequente encontrar os que já visitaram o convento como ministros provinciais a fazerem-no, posteriormente, como visitadores e vigários, e vice-versa356. Em suma, foi possível compreender que, entre 1725 e 1825, nem sempre as visitas a Santo António de Fronteira aconteceram com a frequência devida. Os guardiães, por vezes, não realizavam capítulos de culpas nem visitavam as áreas conventuais ou, então, faziam-no sem o rigor que lhes era exigido. Os provinciais tenderam a deixar de visitar anualmente o convento para, a partir do final do século XVIII, passarem a visitar somente duas vezes no seu triénio. Os comissários visitadores, embora tenham visitado alguns anos conforme prescreviam os estatutos, ficaram, várias vezes, um ou mais triénios sem o fazer. Assim sendo, resta concluir que foi mais exceção que regra haver triénios com três visitas do provincial e uma do comissário visitador, o que só aconteceu quatro vezes, até à década de 70. Na verdade, nos triénios em que o provincial visitou três vezes, o comissário raramente visitou e quando o comissário o fez, o provincial geralmente só realizou duas visitas. Aliás, há que frisar que, tendo-se reduzido o número de visitas canónicas no século XIX, estas passaram a ser mais bem intercaladas entre provinciais e comissários que anteriormente. Não se pode deixar de admitir que, ainda assim, a assiduidade destas visitas se aproximou do que ordenavam os estatutos, sobretudo se as compararmos com as do Convento de Matosinhos. O livro de visitas do Convento de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos apenas informa sobre as visitas canónicas dos provinciais e comissários visitadores, pois compõe-se, 355

Por exemplo, Frei Francisco de Vila Viçosa foi secretário de visita em 1725 e 1726 e visitou como provincial em 1728, 1729 e 1730. Frei Bento de Serpa foi secretário em 1740, 1741 e 1742 e visitou como provincial em 1755 e 1756. Frei António de Loulé foi secretário em 1810 e 1811 e também visitou como provincial em 1815 e 1816. Confira-se no ANEXO 1. 356 Por exemplo, Frei Boaventura de Portalegre, talvez o caso mais ilustrativo de como se tendia a encarregar, de diversas formas, um mesmo frade para as visitas, foi secretário em 1761, 1762 e 1763, visitou como comissário delegado pelo provincial em 1773, como vigário provincial em 1775, como provincial em 1776 e 1778 e como visitador geral ou comissário visitador em 1784. Frei Lino de Nisa foi secretário em 1784, 1788 e 1789, visitou como provincial em 1791 e 1792 e como vigário provincial em 1794. Frei Francisco de Nisa foi secretário em 1782 e 1783, visitou como provincial em 1788 e 1789, como comissário visitador em 1793 e como vigário provincial em 1795. Confira-se no ANEXO 1.

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exclusivamente, pelos registos dos seus atos visitacionais como parece ser mais habitual neste tipo de livro. Acreditando que todas foram registadas, nos quarenta e oito anos que se estenderam de 1778 e 1826, neste convento só se realizaram vinte e seis visitas357. Atente-se que os períodos em que decorreram mais visitas a este convento foram os de 1778 a 1789, com seis em doze anos, e de 1821 a 1826, com cinco em seis anos. Ainda assim, é difícil evidenciar um período em que estas tenham decorrido de acordo com a norma, se tivermos em conta a intercalação entre as do provincial e as do comissário. Já de 1790 a 1820, a sua frequência foi drasticamente reduzida, contando-se apenas quatro. A diferença em relação a Santo António de Fronteira é rapidamente assumida, pois muitos foram os anos e mesmo triénios sem visitas. Surpreendentemente, o provincial ficou, várias vezes, dois, três, quatro e mesmo dez anos sem visitar o convento de Matosinhos. Aponte-se que, entre 1789 a 1823, mais de vinte anos, não visitou nenhuma vez, uma situação verdadeiramente irregular. Tal como denunciam estes intervalos, nunca o mesmo provincial visitou mais que uma vez o convento no seu triénio. Também nunca delegou a sua visita a outro frade. Reconhece-se, porém, tal como em Santo António de Fronteira, o hábito de um mesmo frade visitar mais do que uma vez, uma como comissário visitador e outra como provincial 358 . Afastando-se por completo dos estatutos, a visita do comissário visitador foi ainda mais rara do que a do provincial, só tendo lugar em 1786, 1789, 1822 e 1823. É, desde logo, curioso o facto de, por duas vezes, elas decorrerem em anos seguidos ou muito próximos. As visitas canónicas ao Convento de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos estiveram, em suma, muito longe de se aproximar do que ordenavam os estatutos sobre a sua realização. Pontuaram-se por imensos e longos intervalos, especialmente no final do século XVIII e início do XIX. Os provinciais nunca fizeram mais que uma visita no seu triénio e os comissários quase nunca visitaram. Apesar de todas estas irregularidades, pode-se indicar como período em que houve uma maior aproximação da prática efetiva das visitas à sua regulamentação, aquele que decorreu entre 1784 e 1789, no qual, depois de uma visita trienal do provincial, seguiu-se, com um ano de intervalo, a visita do comissário visitador, repetindose exatamente o mesmo nos anos imediatos. Contrariamente ao que aconteceu em Santo António de Fronteira, repare-se, contudo, que houve um aumento do número de visitas na década de 20 do século XIX. Como atrás se mencionou, entre 1821 e 1826, houve cinco Ver ANEXO 2 – Visitas ao Convento de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos, Província de Portugal da Regular Observância (1778-1826). 358 Tome-se como único exemplo Frei Pedro de Jesus Maria que visitou como comissário visitador em 1789 e como provincial em 1796. Confira-se no ANEXO 2. 357

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visitas, a maior concentração de ocorrências que se identificou. Porém, estas não aconteceram na ordem decretada 359 , o que as afasta da norma. Aproveite-se para referir que não se encontrou qualquer sinal de que os comissários, a partir de 1772, passassem a ser instituídos pelos núncios apostólicos, embora, muito provavelmente, o tivessem sido. O último caso a abordar é o do Convento e Seminário de Brancanes, convento particular pelo seu estatuto de seminário apostólico, de que não se conhecem normas específicas sobre a ação visitacional. Os seus dois livros de visitas, refletem, no entanto, o modo como eram visitados. Primeiramente, revelam que não eram visitados pelos provinciais, circunstância previsível por serem estes seminários independentes das províncias e diretamente submetidos aos prelados gerais franciscanos. Eram estes que tinham o dever de nomear os comissários visitadores para os fiscalizarem, como atestam as patentes de comissão existentes nos livros analisados 360 . Além disso, enquanto os guardiães dos conventos integrados nas províncias deviam visitar os espaços conventuais e conhecer, corrigir e castigar os erros dos frades, ainda que não segundo o modelo de visita canónica e sem necessidade de efetuar delas registo, os guardiães e discretos dos seminários, ao que tudo indica, realizavam visitas mais formais e aproximadas das visitas canónicas dos provinciais e comissários. Eram as visitas de guardiania, que surgem registadas nos livros de Brancanes361. Os livros de visitas deste seminário permitem examinar a periodicidade destes atos empreendidos pelos comissários visitadores, cujas normas, presumivelmente, seriam semelhantes às das províncias. As suas visitas ao Convento e Seminário de Brancanes concretizaram-se dezoito vezes, aos longo dos oitenta e cinco anos compreendidos entre 1746 e 1831362. Começaram por ser mais frequentes, até 1775, com apenas dois ou três anos de intervalo, o que evidencia o seu caráter trienal, semelhante ao que se mandava nas províncias. Desde 1775, os intervalos foram tornando-se maiores devido às isenções apostólicas concedidas para poder haver eleições conventuais sem a presença do comissário 363 . Por exemplo, entre 1802 e 1828, quase trinta anos, o seminário não recebeu a sua visita. Tendeuse, pois, à redução das visitas, no final do século XVIII e inícios do XIX.

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Nestes anos, depois de uma visita do provincial, o comissário visitou dois anos consecutivos, havendo, no ano seguinte, uma nova visita do provincial. Após um ano sem visita, ocorreu ainda mais uma visita do provincial. Repare-se que as duas visitas consecutivas do comissário são uma prática irregular. Confira-se no ANEXO 2. 360 ANTT – CNSABrancanes, lv. 1, p. 3, (1746). 361 ANTT – CNSABrancanes, lv. 9, “Visita de guardiania 1752”, “Visita de guardiania 1754”, fl. 4r-6v. Devido à escassez de registos não se pode indagar sobre a sua regularidade. 362 Ver ANEXO 3 – Visitas ao Convento e Seminário de Brancanes (1746-1831). 363 Estas isenções estão integradas no próprio livro de visitas. Foram dadas nos anos entre 1775-1785, 1788-1799 e 1820-1828, ANTT – CNSABrancanes, lv. 1.

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Os comissários nunca se repetiram, sendo de notar a variedade dos cargos que ocupavam e das proveniências dentro da ordem. Se, inicialmente, se optou pelo guardião de Varatojo como visitador de Brancanes364, tornou-se depois habitual ser um frade externo aos Missionários Apostólicos 365 . Verificou-se também que esses visitadores, desde 1772, passaram a ser nomeados pelo núncio apostólico e não pelos prelados gerais. Anote-se ainda que, desde os anos 80 e, principalmente, a partir de 1800, tornou-se comum a confirmação régia dos visitadores de Brancanes, um sintoma da crescente intervenção da Coroa nas ordens regulares. Em relação ao Seminário de Brancanes, pode-se apenas concluir que era visitado pelo guardião e pelos comissários visitadores e nunca por provinciais. Os visitadores, embora o tenham visitado com grande regularidade até 1775, depois desse ano quase deixaram de o fazer, devido a isenções apostólicas, afastando-se, por isso, do que seria o preceito. Agora que se analisou a regularidade das visitas a estes três conventos, é possível avançar com a conclusão, proposta como ilação geral, de que na Ordem dos Frades Menores, entre 1825 e 1831, foi de extrema raridade cumprir-se à letra os estatutos que ordenavam que os provinciais visitassem anualmente as suas provinciais e que os comissários visitadores, em nome dos prelados gerais, o fizessem de três em três anos, no final de cada triénio. No Convento de Santo António de Fronteira, a prática não se distanciou muito do regulamentado, pecando pelos provinciais tenderem a visitar duas e não três vezes por triénio e pelos comissários ficarem, frequentemente, um ou dois triénios sem visitar. Também os guardiães, por vezes, falharam no cumprimento das suas visitas e capítulos de culpas. No Convento de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos, a prática afastou-se muito do prescrito nos estatutos, havendo longos períodos sem quaisquer visitas, sobretudo, sem as dos comissários. Comparando os casos de Fronteira (Província da Piedade) e de Matosinhos (Província de Portugal), coloca-se também a hipótese de nas províncias da Regular Observância as visitas terem sido menos regulares do que nas da Mais Estreita Observância. Desse modo, a vigilância e o disciplinamento das suas comunidades podem ter sido menos intensos e, consequentemente, menos eficazes, que nas províncias capuchas. No Convento e Seminário de Brancanes, onde os guardiães assumiam a responsabilidade de fazer uma visita mais formal, talvez em substituição da que não era feita por um ministro provincial, os comissários visitadores também tenderam a deixar de visitar. Na segunda metade do século XVIII, à 364

O guardião de Varatojo foi visitador de Brancanes em 1746, 1747, 1754 e 1757. Confira-se no ANEXO 3. Foram nomeados comissários visitadores frades ex-provinciais, custódios e definidores da Provincia de Portugal, um guardião do Convento de São Pedro de Alcântara e até um bispo do Funchal, em 1799. Confira-se no ANEXO 3. 365

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medida que o final do século se aproximava, identificou-se a propensão para as visitas se tornarem cada vez menos regulares, redução que se intensificou no século XIX, mormente nos casos de Fronteira e Brancanes.

4.2 – Procedimentos. Inspeção dos espaços conventuais e inquirição dos religiosos Os livros de visitas analisados, na verdade, muito pouco dão a conhecer acerca dos procedimentos que constituíram cada visita. Porém, através do que é sinteticamente dito em cada termo, é possível constatar a realização de certas ações. O estudo de um registo de inquirições de visita aos religiosos ajudou a completar este cenário, dado que particulariza uma das fases mais importantes do ato visitacional. Em primeiro lugar, quanto às visitas e capítulos de culpas executados pelo guardião, não se pode atestar o cumprimento de quaisquer procedimentos, devido à falta de documentação, a não ser no caso das singulares visitas de guardiania do Seminário de Brancanes, de que há dois registos. Estes informam, claramente, que o guardião, acompanhado pelos discretos, visitou o convento e fez inquirição secreta aos religiosos, tal como era usual nas visitas canónicas. As determinações que o prelado prescreveu para uma melhor observância da disciplina foram depois lidas à comunidade capitularmente reunida366. Sobre as visitas canónicas dos provinciais e dos comissários visitadores, antes de mais, recorde-se, a propósito dos seus poderes em visita, que o comissário possuía uma ampla autoridade que lhe era delegada pelos prelados gerais, enquanto que a do provincial era já inerente ao seu ofício e, logo, por direito. Uma patente de comissário visitador de Brancanes, englobada num livro de visitas, ilustra muito bem a autoridade que lhe era, de facto, outorgada. Recebeu, portanto, permissão “para que vizite, corriga, amoneste y castigue tam in capite; quam in membris, y fuere necessário, forme processos, y los concluya” 367. Identificouse ainda um termo de visita que refere que, instalado o comissário no convento, se tangera o sino para a comunidade se reunir na sala capitular. Em capítulo, ele lera então a sua patente 368 , como prova do poder que detinha. Sem isso a visita não podia começar. O provincial não precisava, compreensivelmente, de qualquer patente. Poucos termos de visita confirmam, explicitamente, que na visita os prelados e os comissários inspecionaram os vários espaços do convento e inquiriram os religiosos. Os que

ANTT – CNSABrancanes, lv. 9, “Visita 1778” e “Visita 1782”, fl. 4r-6v. ANTT – CNSABrancanes, lv. 1, “Patente comissário visitador”, p. 3. 368 ANTT – CNSABrancanes, lv. 1, “Visita 1788”, p. 96. 366 367

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tal referem, reportam-se somente à visita dos espaços e objetos sagrados. Indicam, por exemplo, que, na presença do guardião e da comunidade, o agente da visita vistoriara a igreja, os santos óleos e a sacristia369. Nenhum termo discrimina, todavia, a realização da visita a espaços conventuais como celas, oficinas, confessionários ou enfermaria, embora isso possa ser percebido pelos capítulos de correção deixados. É possível que nem sempre se visitassem todas as áreas com a mesma minúcia, talvez só constando do registo os espaços e objetos a que o provincial ou o comissário haviam prestado maior atenção. Além disso, as inquirições feitas aos religiosos também nunca vêm atestadas nos termos de visita nem nunca se explicita neles o que lhes foi perguntado370. O que era, definitivamente, mais usual era registar que o ato visitacional se havia realizado conforme as normas instituídas nos estatutos371, o que, por si só, já permite crer que englobou os vários procedimentos descritos no capítulo anterior, nomeadamente a inspeção dos espaços conventuais e a inquirição dos religiosos. Essa indicação genérica tornaria desnecessário maiores pormenorizações. No caso da Província da Piedade, é ainda possível detetar, nas patentes dos provinciais, a intenção destes em executar com especialidade as suas visitas, conforme ordenam os estatutos, observando com cuidado o quotidiano conventual e castigando o que fosse necessário372. Para se conhecerem os procedimentos concretos das inquirições durante as visitas, isto é, o que se perguntava de facto aos frades e o que eles respondiam, é proveitoso explorar os registos específicos desta etapa visitacional. Por este motivo, explorou-se o registo de inquirições de uma visita de 1788 ao Seminário de Varatojo 373 , que cumpre o formato habitualmente usado entre os Franciscanos374. Trata-se de um registo impessoal, escrito pelo

ANTT – CNSCMatosinhos, “Visita 1778” e “Visita 1782”, fl. 2r-2v. Alguns aspetos sobre os quais incidiam as inquirições aos religiosos já seriam conhecidos antes da visita. Por vezes, nas determinações capitulares e patentes dos provinciais da Província da Piedade, cuja notícia chegaria a todos os seus conventos, indicou-se que na visita seguinte se inspecionaria ou inquiriria sobre uma ou outra matéria especifica, que o provincial julgaria ser mais necessária, para confirmar se, de facto, se cumpriam as determinações corretivas dadas anteriormente. ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Disposições do provincial”, 1748, fl. 27v; Lv. 3, “Patente Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 17; “Determinações do provincial”, fev 1777, p. 34-35; “Determinações do provincial”, entre 1788 e 1789, p. 90-91; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 110; “Determinações do definitório”, entre 1794 e 1795, p. 127: “Determinações do provincial”, entre 1798 e 1799, p. 127, 140; “Determinações do provincial”, entre 1814 e 1815, p. 180; “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 191-192; “Determinações do definitório”, out 1816, p. 227; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 238. 371 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Visita 1732”, fl. 4v. 372 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 15; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 110. 373 ANTT – CSAVaratojo, fl. 1-8. 374 O registo de inquirições desta visita de 1788 ao Seminário de Varatojo segue as normas franciscanas para este tipo de documento, que se encontram nos manuais de normas e fórmulas jurídicas, ANTT – ML 80, p. 5-6; ANTT – CNSCVCastelo, fl. 3v; ANTT – CNSEVConde, fl. 56v. Também se assemelha na sua estrutura às inquirições de visita seiscentistas a S. Francisco de Coimbra, transcritas por Saul Gomes, que são, 369 370

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secretário da visita, que recorreu a uma mesma estrutura e vocabulário para registar o interrogatório a cada frade. Principia com um termo de abertura, escrito quando o comissário regressara à sua cela, no final da inspeção dos espaços conventuais. Identifica-se o nome do comissário375, declara-se que está em ato de visita e indica-se a data do seu início, bem como o convento visitado. De seguida, refere-se, sumariamente, o que já havia sido realizado: a tomada de posse do comissário, isto no dia anterior, a sua visita ao Santíssimo Sacramento, relíquias e santos óleos e ainda a chamada dos religiosos moradores à cela do visitador376. Ao termo de abertura, seguem-se as inquirições feitas a trinta frades de Varatojo, ao longo de um só dia, 28 de Junho de 1788, conforme revelam os repetidos inícios das inquirições “E logo no mesmo dia foi chamado” 377 , concluindo com “Ultimamente foi chamado no mesmo dia” 378. Há, assim, indícios para acreditar que a inquirição dos religiosos de uma comunidade decorria, usualmente, com bastante brevidade e que cada visita não demoraria o tempo aconselhado nos estatutos, que rondava os oito dias. Perscrutando a identificação dos inquiridos, rapidamente também se nota que se começou por interrogar o presidente, seguido do mestre de noviços e terminou com os dois discretos e com o guardião, o qual, conforme os estatutos, deveria ser sempre visitado tanto em primeiro como em último lugar. Cada registo de inquérito, sempre assinado pelo inquirido e pelo secretário, abarca a identificação do frade interrogado e, mais concretamente, o que lhe perguntou o comissário e o que respondeu o frade. A cada um dos religiosos, o comissário perguntou o mesmo: “se tinha algua couza, que vezitar, ou que advertir tanto a respeito do commum, como parte deste seminário, asim a respeito do Prelado, como quanto a qualquer Religiozo”379. Procura, pois, informar-se sobre os procedimentos do guardião e dos religiosos de Varatojo, tal como prescreviam os estatutos sobre a visita do comissário. A maioria dos frades limitou-se a responder que “nada tinha que dizer” 380 ou “não tinha que advertir, ou vizitar” 381 . Ao terminarem os interrogatórios, findava o ato visitacional. O secretário escrevia, para encerrálo, um termo de conclusão, rematado pela sua assinatura e pela do comissário: simultaneamente, mais simples quanto ao discurso e mais informativas sobre o quotidiano dos frades, GOMES, Saul António – “O Mosteiro de S. Francisco...”, cit. 375 Frei Luís d’Anunciação atuaria, com quase total certeza, como comissário visitador, embora tal não esteja declarado no registo de inquirições a Varatojo. Isso é deduzível por se tratar de uma visita canónica a um seminário e por se denotar no registo a sua tomada de posse, o que implica delegação de poderes. 376 ANTT – CSAVaratojo, fl. 1r. 377 ANTT – CSAVaratojo, fl. 1r. 378 ANTT – CSAVaratojo, fl. 7v. 379 ANTT – CSAVaratojo, fl. 1v. 380 ANTT – CSAVaratojo, fl. 2r. 381 ANTT – CSAVaratojo, fl. 2r.

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“E por não haver mais Religiozo algum neste Seminario de Santo Antonio de Varatojo, que haja de ser chamado, e admitido á vizita, como morador dele, a dei, por feita, e acabada, em fé do que fiz este termo, que firmei com a minha Letra, e Signal de que uzo.”382.

Não se poderia concluir esta exposição sobre os procedimentos da prática visitacional sem aludir às dificuldades com que se deparavam os provinciais e visitadores. Estes teriam, sem dúvida, motivos para se lamentar da ocultação de factos, nos interrogatórios, e disfarce das más práticas, durante a sua permanência no convento. Não foi, por acaso, que, por patente, um provincial se lamentou da existência de abusos a corrigir, não admitidos pelos religiosos nas visitas, nomeadamente a falta de caridade e fraternidade com que eram tratados os enfermos. Os frades que haviam sido negligenciados quando estavam doentes queixaramse ao núncio que, por sua vez, transmitira essa situação ao provincial. Porém, tais problemas eram “ocultados pelos religiosos, que no acto da vezita nos devem fazer presente esta falta de caridade e fraternidade” 383. Estes, ao serem inquiridos, somente respondiam que a caridade era praticada com fervor e zelo, o que impedia o provincial de tomar providências quanto ao assunto. Outra situação identificada no definitório e no discretório da Província da Piedade foi a de constar “com serteza que só se privaõ do seu uzo [de calção] em ocasião de vezita” 384. Após a análise de livros e inquirições de visitas com o objetivo de perceber, ainda que parcamente, até que ponto os procedimentos praticados nelas cumpriam as normas dos Frades Menores, concluiu-se que as suas visitas canónicas abarcariam, normalmente, todos os procedimentos e formas definidas nos estatutos, designadamente a inspeção dos espaços conventuais e a inquirição dos religiosos. No entanto, os atos visitacionais nem sempre durariam o tempo aconselhado, realizando-se com maior rapidez, e nem sempre estariam livres de obstáculos como a ocultação e disfarce, pelos frades, do que havia para ser emendado, dois factos que podiam por em causa o propósito e a eficácia deste instrumento. Compreenda-se também, tendo em conta a natural diversidade dos agentes de visita e das comunidades visitadas bem como as circunstâncias concretas de cada tempo que, entre visitas, variaria, sobretudo, o rigor com que cada ato era empreendido.

4.3 – Estrutura, conteúdo e frequência de termos e capítulos de visita

ANTT – CSAVaratojo, fl. 8r. ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Antonino de Castelo de Vide”, abr 1803, p. 150-151. 384 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório e do discretório”, a quo 1814 ad quem 1815, p. 178. 382 383

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A última matéria que se pretende explorar, nesta secção, prende-se com dois aspetos: a estrutura e conteúdo dos termos das visitas canónicas dos provinciais e dos comissários visitadores aos três conventos que têm sido alvo de maior estudo e ainda a frequência com que nelas deram capítulos ou determinações de correção e reforma, integradas por escrito nos referidos termos. Estes termos são, como já se terá percebido, registos das visitas e das determinações delas resultantes, num livro do próprio convento, para testemunho da sua ocorrência e para uma mais presente memória delas junto da comunidade. Por vezes, geralmente quando se deixavam mandados à comunidade, o provincial ou o visitador até ordenava que os capítulos de visita fossem, posteriormente, lidos em ato comunitário, com ou sem regularidade. Tal leitura visava dar “continuada a noticia das couzas dadas que nos foraó delatadas na prezente vizita, para lhe darem o ôpportuno remedio” 385 e ainda evitar que os frades alegassem ignorá-los para justificarem os seus erros386. Os termos que se encontram nos livros de visitas dos conventos de Fronteira, Matosinhos e Brancanes são, de maneira global, bastante concisos. Sobre aquilo que referem, nota-se que existe um padrão de dados que devem conter e também que usam, com recorrência, um mesmo tipo de vocabulário. Isso aproxima-os bastante em conteúdo, simultaneamente formal e simples. No entanto, muitas vezes, falham alguns elementos, tornando os termos ainda mais breves, e varia a ordem em que a informação é apresentada. Ainda assim, é possível encontrar um modelo dominante, tanto em conteúdo como em estrutura387. Um termo de visita começa, quase sempre, por identificar o agente dela pelo seu nome, dignidade e ofício. Caso seja um comissário visitador ou outro delegado, imediatamente se nomeia quem lhe delegou o poder de visitar. Segue-se a indicação de que está em ato de visita e o nome do convento visitado. Explica-se, genericamente, que visitou o convento conforme o que os cânones sagrados e os estatutos franciscanos mandavam ou, bem menos frequentemente, sumaria-se o que já realizou durante o ato, como a inspeção dos espaços conventuais e a inquirição dos religiosos. Só posteriormente é que, por vezes, surgem elogios e críticas ao estado do convento e da sua comunidade, bem como capítulos ou determinações ordenados por quem a executou. A maior parte dos termos não inclui, contudo, ANTT – CNSABrancanes, lv. 1, “Visita 1760”, p. 44. ANTT – CNSCMatosinhos, “Visita 1782”, fl. 4r. Por exemplo, também em São Bento de Cástris, no século XVIII, se mandava que as leis das visitas fossem lidas todas as sextas feiras de quaresma, em capítulo, para que não se alegasse a sua ignorância, CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 327. 387 A maioria dos termos de visitas dos três conventos, Fronteira, Matosinhos e Brancanes, segue as normas franciscanas para a redação deste tipo de registo, patentes em ANTT – CNSEVConde, fl. 56v; ANTT – CSAVCastelo, fl. 3r-3v. 385 386

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nem impressões qualitativas nem mandados de correção ou reforma. Por vezes, quando surge algum mandado, segue-se um apelo ou ordem de cumprimento. O termo termina, habitualmente, com a indicação do local e data do registo e com as assinaturas do secretário e do agente da visita388. Seguem-se dois exemplos de termos de visita simples, sem capítulos, para ilustrar o que acima se explicou, um do Convento de Santo António de Fronteira e outro do Seminário de Brancanes. “Aos vinte e tres do mes de Setembro de 1732 vizitou o nosso muito amado Irmaõ Frei Antonio de Villa de Frades Pregador e Ministro Provincial desta Provincia este Convento de Santo Antonio de Fronteira segundo os Sagrados Canones, Concilio Tridentino, e os Estatutos dispõem. Em fé do qual fiz este termo que comigo, assignou no mesmo dia, mes, e anno ut supra. Frei Antonio de Villa de Frades Ministro Provincial Frei Gregorio de Portalegre Secretario da Provincia.”389. “Em virtude do Rescripto Apostolico acima copiado vizitey este Real Seminario de Brancanes; e náo só achey que nelle se observava fielmente a ley de Deus; e da Igreja, a Regra Serafica, e constituiçóes da Ordem, mas tambem com para edificaçáo achey que o primitivo espirito, e observancia desta respeitante fundaçáo estava em todo o seu vigor, observando-se toda a Disciplina Regular com a mayor exactidáo.”390.

Os termos dos livros de visitas franciscanos a que se recorreu para este estudo não se diferenciam muito, em estrutura e tipo de informação contida, dos de outras ordens já explorados. Distinguem-se, sobretudo, por serem mais curtos e raramente integrarem capítulos de visita ou uma avaliação qualitativa, seja ela positiva ou negativa, do estado da comunidade391, o que os torna também menos informativos sobre os quotidianos conventuais. De seguida, pretende-se analisar a frequência com que se deram capítulos de visita nos três conventos de Fronteira, Matosinhos e Brancanes e demonstrar como, de facto, foram poucos.

388

Há casos excecionais em que se encurta de tal forma o termo que dele só constam as determinações e a assinatura daquele que visitara o convento. ANTT – CNSABrancanes, lv. 1, p. 41. 389 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Visita 1732”, fl. 4v. 390 ANTT – CNSABrancanes, lv.1, “Visita 1799”, p.111. A patente do núncio apostólico, que antecede a visita, identifica que quem fez esta visita foi o Bispo do Funchal. 391 Os termos de visita de Santa Isabel de Valladolid são, comparativamente, mais extensos, MARTINEZ RUIZ, Enrique – “La visita en los...”, cit., p. 394-395. Nos livros de visitas de São Bento de Cástris, frequentemente, se deram capítulos e se fizeram críticas ao quotidiano conventual, CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 327-328. O mesmo parece acontecer nos livros de visitas do Convento da Glória do Faial e nos de alguns mosteiros de Braga, MATOS, Artur Teodoro de – “Virtudes e Pecados...”, cit; BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades...”, cit. Nos livros de visita de Nuestra Señora de la Piedad, pelo contrário, frequentemente se fizeram elogios à vida comunitária, MORGADO GARCÍA, Arturo – “Modelos de...”, cit., p. 213.

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Repare-se que das noventa e nove visitas assinaladas no livro de visitas do Convento de Santo António de Fronteira, apenas doze compreendem capítulos392. Além de se notar que estes foram quase sempre dados por provinciais, identificou-se ainda a tendência de terem sido cada vez mais raramente ordenados. Se, na década de 1720, em quase todas as visitas se deixaram capítulos, praticamente deixaram de ser prescritos a partir dos anos 50. No século XIX, apenas se deixaram capítulos numa única visita. Algumas vezes, também se requereu que se observassem as determinações dadas nas visitas anteriores393, por exemplo, ordenando “se guarde tudo, o que assima esta mandado”394. A menção que mais recorrentemente surge nos termos é, porém, “na vizita nada innovou”395, o que esclarece que raramente se deram mandados novos ou mais específicos para toda a comunidade cumprir. No Convento de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos, só se deram capítulos em quatro das suas quinze visitas, todas estas realizadas pelo provincial e nenhuma no século XIX396. Ocasionalmente, também se pediu que “se observe os Capitulos antecedentes” 397. Por fim, no Seminário de Brancanes, as primeiras visitas registadas dos comissários visitadores, de 1747 a 1760398, nem termo possuem. Caso particular, sabe-se que ocorreram através da patente do comissário e das atas das eleições conventuais a que este presidiu, registos que se encontram no mesmo livro. Nas dezoito visitas realizadas, deram-se capítulos em apenas cinco399, todas executadas pelo comissário e nenhuma no século XIX. Notou-se, pois, que a frequência em dar capítulos foi-se reduzindo ao longo do tempo. Reparou-se ainda ter sido raro pedir-se a observação dos capítulos das visitas anteriores. De facto, nos livros de visitas estudados ressalta a falta de capítulos de visita e de comentários qualitativos, positivos ou negativos, sobre as casas e comunidades visitadas. Além disso, ambos se foram tornando cada vez mais escassos, mormente a partir da década de 1770, o que sucedeu nos três conventos. Esta situação levanta algumas questões. Significa isto que não haveria nada a corrigir nos conventos em causa? Ou não seriam os guardiães, 392

Deram-se capítulos em 1725, 1726, 1727, 1729, 1734, 1743, 1747, 1757, 1764, 1773, 1785 e 1815. Conferir no ANEXO 1. 393 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Visita 1726”, fl. 2r; “Visita 1727”, fl. 2v. 394 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Visita 1731”, fl. 4r. 395 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Visita 1795”, p. 128. 396 Deram-se capítulos em 1778, 1782, 1784 e 1799. Conferir no ANEXO 2. 397 ANTT – CNSCMatosinhos, fl. 6r. 398 ANTT – CNSABrancanes, lv. 1. 399 Deram-se capítulos nas visitas de 1756, 1760, 1766, 1768 e 1788. Conferir no ANEXO 3. O livro 1 de Brancanes não indica quaisquer capítulos para as visitas de 1766 e 1768. No entanto, o livro 9, que compreende algumas das mesmas décadas e logo o registo das mesmas visitas do livro 1, de 1752 a 1768, pois coincidem os nomes dos visitadores e as datas, acrescenta-lhes capítulos de visitas. Não se encontrou justificação para esta divergência e mesmo para a existência de dois livros em vez de um só. Talvez o livro 1, que, na verdade, integra também muitas patentes e isenções apostólicas, se tratasse de um livro em que o registo das visitas podia ser mais breve, tornando-se desnecessário incluir os capítulos, porque estes já estavam registados no livro 9.

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provinciais e comissários suficientemente zelosos e minuciosos nas inspeções e inquirições que faziam?

4.4 – Articulação de três visitas por três poderes Após a exposição feita no terceiro e neste quarto capítulo acerca do funcionamento das visitas aos conventos franciscanos, pretende-se concluir toda esta parte com uma súmula e reflexão sobre a matéria apresentada. As visitas do guardião, do provincial e do comissário visitador aos conventos franciscanos, fundamentadas na inspeção dos espaços conventuais e na inquirição dos religiosos moradores, estavam concebidas para se articularem e complementaarem no sentido de empreender um mais eficaz disciplinamento interno. Até o procedimento dos provinciais e comissários visitadores passados devia ser alvo de avaliação na visita do comissário. Em teoria, todas estas visitas seriam de suma importância para o governo da ordem, pois, através delas, os prelados e visitadores podiam conhecer o estado físico, espiritual e moral dos conventos e suas comunidades. Em cada visita, deviam detetar, corrigir e punir, paternal ou juridicamente, os defeitos dos frades e também promover a boa administração da casa, o bom estado dos espaços conventuais e a perfeição da disciplina interna, deixando, se necessário, mandados escritos. Além disso, ficavam avisados, antes das eleições para os diversos ofícios, sobre quem era indigno de ocupá-los. Não menos importante, nelas podiam ainda apreender o que nas províncias, de maneira geral, precisava de correção e reforma, informação que ajudava a decidir que orientações e determinações haveriam de ser dadas em comum para os conventos, especialmente, por meio dos capítulos provinciais. No entanto, apesar de possuírem normas precisas para a sua realização, ao executarem-se os atos visitacionais, elas não eram observadas à risca. Na verdade, embora se cumprissem as etapas necessárias, as visitas dos diferentes agentes não aconteciam com a regularidade nem a duração previstas. Com efeito, os livros de visitas dos conventos de Fronteira, Matosinhos e Brancanes mostram que, ao longo da segunda metade do século XVIII, foram-se empreendendo cada vez menos visitas, notoriamente reduzidas no século XIX. Ao compararem-se os casos de Matosinhos e Fronteira, colocou-se mesmo a hipótese de ser maior o afastamento das prescrições estatutárias na Regular Observância do que na Mais Estreita Observância. Nos seminários apostólicos, conforme elucida o caso de Brancanes, salientou-se que só visitavam os guardiães e os comissários visitadores. Vários obstáculos colocavam-se ainda ao sucesso das visitas, porquanto os frades omitiam e disfarçavam as 90

práticas incorretas. Todas estas circunstâncias poriam, por certo, em causa a eficácia prática das visitas, não inviabilizando totalmente os seus efeitos corretivos e disciplinadores. Notou-se também que existia uma preferência por corrigir e punir os erros dos religiosos através da instância mais local de poder, talvez para evitar intervenções externas ao convento ou à província ou ainda prejudicar a boa imagem da comunidade. O guardião, com poder para castigar por iniciativa própria de forma paternal, devia estar sempre ao corrente das culpas dos religiosos e zelar para que nada ficasse por corrigir e castigar nas visitas dos seus superiores. Aliás, a amplitude do seu poder reflete-se nas palavras do guardião de Varatojo. Inquirido em 1788, respondeu ao comissário visitador que não tinha: “couza que vezitar de algum dos seus súbditos, que pertensese á correpçáo dos vizitadores, e náo coubesse na sua alsada castigo de algum delito”400. Só os delitos mais graves é que deveriam ser comunicados ao provincial, pois era a este que cabia, em primeiro lugar, proceder juridicamente. O provincial deveria também resolver, no seu tempo, todos os problemas que detetasse na província, dentro ou fora das suas visitas, evitando deixar casos por corrigir ou sentenciar para a visita do comissário, durante a qual, perdia parte da sua jurisdição. Seria desejável que o comissário nada encontrasse para corrigir ou punir na sua visita, pois da sua sentença difícil seria a apelação. A Ordem dos Frades Menores tinha, portanto, uma rede de visitas muito bem articulada para tentar assegurar a disciplina interna. Sabendo que elas não foram convenientemente aplicadas, mais dúvidas se levantam quanto à sua eficácia. Averiguou-se também que os termos das visitas canónicas dos provinciais e comissários, aquelas que estão, naturalmente, mais bem documentadas nos livros de visitas analisados, seguiram um mesmo modelo de estrutura e conteúdo, embora se encontrem variações. São, de maneira geral, registos curtos, formais e pouco informativos, nos quais é pouco frequente encontrar quer elogios e críticas quer capítulos de visitas para correção ou reforma das comunidades. Estes foram também rareando nas visitas, à medida que se caminhava para o século XIX. Tal constatação obriga a tecer algumas considerações, fruto de questões cujas respostas só podem ainda ser incertas. Em primeiro lugar, há que perceber que o facto de não se terem deixado para a comunidade nem determinações corretivas nem comentários sobre ela, por escrito, não significa necessariamente que as imperfeições e transgressões tenham sido convenientemente corrigidas e castigadas pelos prelados e visitadores, nem sequer que tais desvios à norma simplesmente não existissem, pautando-se o quotidiano pelo perfeito cumprimento da

400

ANTT – CSAVaratojo, fl. 7v.

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disciplina franciscana. Também não implica obrigatoriamente que tenha havido negligência por parte dos agentes de visita. Estas são somente hipóteses explicativas. Na verdade, como os livros de visitas de Fronteira bem ilustram e isso mesmo se mostrará melhor no sexto e último capítulo, o silêncio das visitas nem sempre se deve traduzir, sem maiores averiguações, pela perfeição da disciplina conventual. Há que lembrar que os erros individuais e comunitários eram supostamente corrigidos nos capítulos de culpas. Isto poderia tornar desnecessário o trabalho de aludir a desregramentos e ordenar correções, por escrito, para toda a comunidade. Os prelados e visitadores franciscanos podiam até considerar que a memória escrita no seio da comunidade do que havia a corrigir, reformar e banir podia prejudicá-la mais que ser-lhe benéfica. Note-se ainda que, se pouco se diz de negativo nestas fontes, também pouco se diz de positivo. Isto dá a entender que podia haver uma preferência consciente pela omissão do que resultava das visitas nos livros dos conventos. Ademais, deve-se considerar que esta parcimónia de determinações e comentários pode também ser o reflexo da eventual negligência dos agentes de visita. De tudo isto, certeza apenas se pode ter de que os livros de visitas franciscanos estudados são extremamente reservados sobre a vida conventual e que esse silêncio, como se verá, não corresponde necessariamente à ausência de imperfeições e transgressões. Até que ponto isto era assim em todas as províncias e conventos, por ora é impossível responder. Fica a hipótese, com o intuito de que venha a ser confirmada ou refutada através de mais aprofundadas investigações. Todas estas possibilidades são revistas, com maior pormenor, no final do capítulo seis. Até agora, falou-se sobretudo do recomendado procedimento paternal dos prelados e visitadores durante as suas visitas. Porém, os provinciais e os comissários visitadores podiam proceder juridicamente para averiguar, julgar e sentenciar delitos mais graves e com indícios credíveis, detetados ou não no decorrer desses atos. É sobre a forma como deveriam realizarse tais processos que o próximo capítulo incide, um tanto em jeito de excursão ao tema central deste estudo.

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Capítulo 5 – Da visita ao processo jurídico (séc. XVIII)

As normas setecentistas da Ordem dos Frades Menores explicitavam com muita precisão as condições necessárias para formalizar um processo jurídico e o modo como ele deveria ser internamente encaminhado. Isso atesta um esforço da hierarquia franciscana para que não se processasse e sentenciasse de ânimo leve, mas se atuasse com muita prudência e senso de justiça. De facto, como já se deu a entender, os prelados com jurisdição para processar nas províncias, os ministros provinciais e os comissários visitadores eram sempre aconselhados a corrigir e castigar os erros dos frades paternalmente, quer dentro quer fora das visitas canónicas. No entanto, existiam circunstâncias como a suspeita credível de delitos muito graves que justificavam o recurso ao foro jurídico, o qual permitia fazer investigações mais minuciosas e condenar com maiores penas. Reunidas as condições necessárias e aberto o processo na ordem, várias fases se sucediam, culminando na sentença final, que só podia ser dada pelo definitório provincial. Se o delito pertencesse a outra jurisdição, por exemplo à inquisitorial, o caso devia ser enviado para o poder competente. Esclareça-se que os processos jurídicos franciscanos, de que se encontrou documentação relevante de âmbito normativo, não são o assunto central deste estudo e, por isso, não foram alvo do mesmo aprofundamento que as visitas. Na verdade, careceu investir no estudo do direito canónico da época e pouca foi a documentação explorada com vista a conhecer a aplicação prática das normas jurídicas. Este capítulo compõe-se por duas partes. Na primeira, procura-se definir os motivos, intervenientes e formalidades que constituíam as condições necessárias à abertura formal de um processo jurídico. Na segunda parte, explica-se como deveria este decorrer, isolando cada uma das suas fases: inquirição das testemunhas, depoimento do réu, apresentação de cargos e descargos, inquirição das testemunhas de defesa, sentença e apelação.

5.1 – Condições para proceder juridicamente Na Ordem dos Frades Menores estava definido que havia três vias fundamentais para proceder juridicamente contra um transgressor: por visita clamorosa ou infâmia, denunciação e acusação401. Perante estas três formas, que podiam concretizar-se tanto dentro como fora das visitas, a decisão final de formalizar um processo era, contudo, do provincial ou do comissário visitador, conforme o que a sua prudência, bom senso e sentido de justiça lhe ditassem. 401

Estatutos Arrábida, p. 183; ANTT – ML 80, p. 10; ANTT – CSAVCastelo, fl. 5r.

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Em primeiro lugar, explique-se que a insinuação clamorosa era quando toda a comunidade tinha conhecimento de um delito grave e o denunciava ao provincial ou ao visitador. Em contexto de visita, significa que uma mesma infração era revelada na inquirição por todos os frades, tomando o nome de visita clamorosa. A infâmia distinguia-se por ser o delito do conhecimento de apenas parte da comunidade que, igualmente, o notificava. Ambas as formas se assemelhavam por se fundamentarem na má fama de um frade 402. Se na visita houvesse testemunhos evidentes da má fama de um religioso, o prelado ou o visitador não precisava de fazer prova de fama por se considerar que esta já estava legalmente provada em visita. Podia, pois, processar. Porém, se a fama chegasse de fora da visita, era necessário inquirir antes duas testemunhas fidedignas, sem juramento, para fazer prova leve de fama. Sem essa primeira prova, necessária para não infamar um inocente com maiores inquirições, não se podia passar à prova de fama. Para esta, reuniam-se mais testemunhas, que, com juramento, eram inquiridas de forma jurídica. Se estas atestassem a fama, fazia-se um auto de fama provada. Por esta via, só com a certeza da fama, legalmente provada, dentro ou fora da visita, havia motivo para abrir um processo jurídico403. A denunciação e a acusação, por sua vez, eram duas formas muito semelhantes entre si, que não implicavam, todavia, a fama de uma infração ou de um infrator. Ambas deveriam ser formalizadas pelos religiosos na visita, preferencialmente durante as inquirições, através da entrega de um papel particular, que especificava que infração e/ou infrator se notificava, declarava se aquele que advertia pretendia fazer denunciação ou acusação e estava assinado por este404. Aquele que denunciava tinha que tomar juramento de calúnia, jurando sobre os Santos Evangelhos que denunciava sem paixão ou ódio, e ainda nomear testemunhas para serem inquiridas juridicamente. Não ficava sujeito à pena de talião, pois não precisava de provar o que denunciava405. O provincial ou o visitador, que não eram obrigados a aceitar uma denunciação, deveriam analisar com cuidado se a denúncia era credível e bem intencionada, motivada pela caridade e não pela inimizade e se havia dela escândalo na

Estatutos Arrábida, p. 183; ANTT – ML 80, p. 10; ANTT – CSAVCastelo, fl. 4r. Para proceder juridicamente contra prelados não bastava haver infâmia. Tinha que haver insinuação clamorosa. Devia ainda haver cuidado com qualquer suspeita de fama para confirmar que não se tratava só de um mero rumor, ANTT – ML 80, p. 14. 403 Estatutos Santo António, 1737, p. 219; Estatutos Arrábida, p. 122, 184-186; Estatutos Gerais Barcelona, p. 47; Estatutos Soledade, p. 215; ANTT – ML 80, p. 15-22; ANTT – CSAVCastelo, fl. 6v-7v, 30v, 33r. 404 O papel particular de uma denunciação ou acusação podia ser escrito e assinado pelo próprio ou escrito pelo secretário e assinado por aquele que denunciava ou acusava, Estatutos Santo António, 1737, p. 225-226. Não podia, de modo algum, ser uma advertência anónima, Estatutos Piedade, p. 86. 405 Pela pena de talião, se o réu fosse declarado inocente e a sua culpa não fosse provada, aquele que injustamente o acusara teria que ser castigado com as penas que seriam atribuídas ao réu se fosse declarado culpado. 402

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comunidade, antes de decidirem processar o denunciado. Podiam preferir intervir só dentro do foro paternal 406 . A acusação já comportava outros riscos. Aquele que acusava, tendo que fazer, igualmente, juramento de calúnia, não só dava a conhecer um delito para sua correção, como pedia justiça sobre algo que o ofendera. Por isso, sujeitava-se à pena de talião caso não se provasse que o réu era culpado. Embora o provincial e o visitador devessem tomar cuidado e certificar-se da credibilidade do delito e boa intenção do acusador, estavam obrigados a aceitar a acusação e a proceder juridicamente, a não ser que o acusador desistisse da causa e fizesse termo de perdão407. Um exemplo prático de denúncia ou acusação, identificou-se nas inquirições da visita a Varatojo de 1788. Frei Manuel da Mãe de Deus, perguntado se tinha alguma coisa a visitar, “respondeo, que o que tinha, que dizer, e advertir mo intregaria em hú papel escripto de sua própria Letra”408. Porém, como foi referido no capitulo três, os religiosos deviam evitar apresentar as culpas dos seus irmãos através de denunciações e acusações, preferindo o modo fraternal. Só se não houvesse outra forma de remediar o mal feito ou se houvesse perigo de reincidência é que se sugeria recorrer à vara da justiça dos provinciais e visitadores 409. Estes, além do que já foi dito, estavam obrigados a proceder juridicamente quando o crime fosse atroz ou nefando. Lembre-se ainda que os provinciais deviam evitar ao máximo deixar a abertura e sentença de processos para os visitadores externos. Também não deviam, senão excecionalmente, processar e sentenciar o que já fora processado e sentenciado pelos seus antecessores410. Conclusivamente, o provincial e o comissário visitador tinham todo o direito de proceder juridicamente411: primeiro, se da visita resultasse infâmia ou insinuação clamorosa contra um infrator ou infração grave, ou a sua má fama, sabida fora da visita, tivesse sido confirmada através de prova de fama, com base em testemunhos credíveis e suficientes; segundo, se aceitasse uma denunciação fundamentada e livre de ódios de um delito grave; terceiro, se recebesse uma acusação justa de um delito grave; e quarto, se tivesse suspeita ou conhecimento de um crime atroz ou nefando. Contudo, para se abrir um processo jurídico era

406

Estatutos Santo António, 1737, p. 226; Estatutos Arrábida, p. 183, 192-193; Estatutos Piedade, p. 86-87; ANTT – ML 80, p. 5, 11-13, 61-68; ANTT – CSAVCastelo, fl. 4r, 6r. 407 Estatutos Santo António, 1737, p. 226; Estatutos Arrábida, p. 183; Estatutos Piedade, p. 86-87; ANTT – ML 80, p. 5, 10-13, 65; ANTT – CSAVCastelo, fl. 4r, 5v-6r. 408 Aquilo que Frei Manuel denunciou ou acusou não consta do registo. ANTT – CSAVaratojo, fl. 1r-1v. 409 Estatutos Santo António, 1737, p. 224; Estatutos Piedade, p. 84. 410 Estatutos Santo António, 1673, p. 102-103; Estatutos Arrábida, p. 123-124; Estatutos Gerais Barcelona, p. 48; Estatutos Piedade, p. 93; Estatutos Soledade, p. 214. 411 Os provinciais só podiam reservar os processos jurídicos por seis meses desde que acabavam o seu triénio. Depois disso, os delitos deviam ficar em perpétuo silêncio, podendo ser castigados apenas paternalmente. Só com especial consentimento de definitório podiam então ser processados. Estatutos Santo António, 1673, p. 103; Estatutos Arrábida, p. 124; Estatutos Gerais Barcelona, p. 48.

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obrigatório haver quatro tipos de intervenientes: um juiz legitimo, um ou mais denunciadores ou acusadores, um réu e testemunhas412. Como se tem vindo a frisar, somente os ministros provinciais, os comissários visitadores como representantes dos prelados gerais e, acrescente-se, os delegados instituídos por ambos podiam formar processos nas províncias e dar-lhes sentença em definitório provincial413. Da mesma forma, o juiz legítimo de um processo podia ser um juiz ordinário, como o provincial e o comissário, ambos com uma ampla jurisdição, um juiz delegado pelo provincial ou pelo comissário visitador, com autoridade limitada aos poderes que lhe eram outorgados por patente414, ou ainda juízes árbitros, escolhidos um da parte do réu e outro da de quem denunciava ou acusava, com consentimento do ordinário415. Percebeu-se, através do recorrente emprego do termo “delegado”, nas normas e fórmulas jurídicas, que seria frequente os juízes ordinários, mormente os ministros provinciais 416 , recorrerem a delegados para a execução de inquirições jurídicas 417 . Se o juiz delegado aceitasse a comissão, devia fazer termo da sua aceitação e informar-se muito bem dos poderes que lhe eram conferidos para estar consciente dos seus limites, pois se excedesse os direitos e deveres discriminados na patente, corria o risco do processo ser anulado. Com efeito, só podia inquirir sobre o que solicitava a sua patente. Mesmo que descobrisse nas suas investigações outros delitos, não podia inquirir sobre eles, enquanto não se emitisse uma nova e mais abrangente patente418. Aceite a comissão, se a patente não nomeasse um secretário, o delegado logo escolheria um, o qual deveria fazer termo de aceitação perante duas testemunhas, tal como os secretários das visitas419. Da mesma forma, o delegado, ao chegar ao convento onde realizaria as inquirições, tinha que ler a sua patente à comunidade para esta conhecer os seus poderes, os

ANTT – ML 80, p. 7-8; ANTT – CSAVCastelo, fl. 4r. Estatutos Piedade, p. 87. 414 O provincial e o comissário visitador, se tivessem ocupações mais urgentes, podiam delegar, por patente, a um frade de confiança, o poder judicial para realizar em seu nome uma parte das formalidades do processo, nomeadamente a inquirição especial ou jurídica, também chamada de devassa, que, conforme o que transparece da documentação explorada, englobava a inquirição das testemunhas, depoimento do réu e, caso este negasse a culpa, também a apresentação dos descargos e a inquirição das testemunhas de defesa. Já o poder de sentenciar não seria delegado, pois tal cabia ao provincial ou ao comissário, em conjunto com o definitório provincial. A patente dos delegados devia sempre explicitar se as inquirições jurídicas a realizar se deviam a insinuação clamorosa, infâmia, denunciação ou acusação, Estatutos Santo António, 1737, p. 245; ANTT – CSAVCastelo, fl. 16r, 32r. 415 ANTT – ML 80, p. 8-10; ANTT – CSAVCastelo, fl. 4v-5r. 416 Como existiria o esforço para nada haver a processar aquando da visita do comissário, era natural que fosse, na maioria das vezes, o provincial a processar e a ser juiz. Isso reflete-se nas normas e fórmulas jurídicas, nas quais geralmente se refere o provincial como aquele que faz a delegação das inquirições, por patente. 417 Optou-se por designar sempre, neste capítulo, “delegado” àquele que realiza tais procedimentos jurídicos, os quais se podem entender como procedimentos investigatórios. 418 Estatutos Arrábida, p. 183; ANTT – ML 80, p. 138-139; ANTT – CSAVCastelo, fl. 16r. 419 Estatutos Arrábida, p. 184; ANTT – ML 80, p. 140; ANTT – CNSEVConde, fl. 49r. 412 413

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delitos que ia investigar e de que modo se estava a processar 420 . Esta patente seria, na verdade, o primeiro documento a constar do registo das ditas inquirições. Esclareça-se que o interrogatório a fazer às testemunhas podia já estar incluído na patente do delegado. Se não estivesse, o secretário devia formá-lo com base no que, segundo a mesma patente, se pretendia investigar421. No entanto, nem todas as pessoas podiam testemunhar contra ou a favor do réu, abrindo-se exceções no caso do crime ser muito grave422. Desde a leitura da patente de comissão, o processo e a sua sentença ficavam ainda sujeitas à anulação, caso surgissem motivos que o justificassem423 e passava a ser possível mudar de juiz, se o réu o pedisse, manifestando dele suspeita por inimizade ou alegando o mau cumprimento do seu ofício424. Reunidos os motivos e intervenientes necessários à abertura de um processo jurídico e executadas as suas primeiras formalidades, dava-se início ao processo propriamente dito “para que tam grande crime nam fique sem castigo e com a falta delle se abra a porta a tam exzurbitantes relaxações”425.

Estatutos Arrábida, p. 183; ANTT – ML 80, p. 141-143. As perguntas que habitualmente deveriam ser feitas às testemunhas eram: se conhecia o réu, se sabia que ele era religioso professo da província, se sabia que em determinado lugar se cometera determinado delito, como sabia disso, se sabia que o réu cometera tal delito, em que dia, hora e lugar ele ocorrera, se estava alguém presente no momento do delito, se o réu já fora punido por ele e se achava que o réu era capaz de o cometer. ANTT – ML 80, p. 143-144; ANTT – CNSEVConde, fl. 49v. 422 Estavam impedidos de testemunhar contra o réu: infames, excomungados, caluniadores, conspiradores e acusados do mesmo crime. Estavam igualmente impedidos de testemunhar, a não ser para pedir justiça de seu agravo: inimigos, mulheres e seculares, inimigos reconciliados há pouco tempo, parentes do inimigo até ao 4º grau, seus familiares (provavelmente no sentido de dependentes ou das suas relações próximas) e favorecidos, mentecaptos e suspeitos. Qualquer um poderia testemunhar, excecionalmente, contra o réu em casos muito graves como heresia, sodomia ou crime de lesa majestade. Na defesa do réu, era possível todos testemunharem, até o excomungado, se absolvido primeiro. Crianças com menos de 10 anos não podiam testemunhar e até aos 15 só faziam semiplena prova, ANTT – ML 80, p. 70-72. Quando as testemunhas respondessem contraditoriamente, variando no essencial nos seus dois depoimentos, estes deixavam de ser válidos no processo. Variando alguma coisa menos significante do primeiro para o segundo, dever-se-ia dar mais crédito ao segundo. Competia ao juiz levar em conta ou não cada testemunho, ANTT – ML 80, p. 73. 423 Os motivos que podiam levar à anulação do processo eram: a falta de secretário, a falta de denunciador, acusador ou fama provada decorrente de infâmia ou insinuação clamorosa, não se tirarem as testemunhas necessárias quer contra réu quer a seu favor, se as testemunhas depusessem sem juramento, se não fosse dado tempo suficiente ao réu já após o seu depoimento para responder aos cargos (delitos de que é formalmente acusado o réu no processo, colocados por escrito num documento a ser-lhe entregue), se este fosse sentenciado sem ter sido ouvido, se não lhe fossem admitidas exceções, suspeições e apelações justas e legais, se fosse condenado sem número suficiente de testemunhas (pelo menos duas, a não ser excecionalmente), se fosse sentenciado por alguém sem autoridade para isso, se o juiz fosse seu inimigo ou se o juiz não guardasse a forma do direito canónico ao longo do processo. Estatutos Arrábida, p. 193; Estatutos Piedade, p. 85; ANTT – ML 80, p. 69-70. 424 O réu só podia pedir para mudar o juiz do seu processo aquando da leitura da patente de comissão, depois de depor ou quando recebesse os cargos. Depois disso, estava impedido de o fazer. ANTT – ML 80, p. 93-94. 425 ANTT – CNSEVConde, fl. 59r. 420 421

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5.2 – O processo: inquirição jurídica ou devassa e sentença

O processo era composto pela inquirição jurídica ou especial, designada também por devassa426 e pela sentença, da qual se podia apelar. Ao proceder-se por insinuação clamorosa ou infâmia, denunciação ou acusação, a forma como deveria decorrer o processo e produzir-se os autos judiciais era idêntica, conforme se apurou. Variava um pouco o vocabulário usado para diferenciar a via pela qual se procedia.

5.2.1 – Inquirição das testemunhas contra o réu

Notou-se que “inquirição especial ou jurídica” e “devassa”, na OFM, eram formas de designar o mesmo ato no qual, extraordinária e juridicamente, se inquiriam testemunhas sobre alguma culpa ou culpado em particular, de que havia suspeição, dentro ou fora de um processo judicial, para investigar e confirmar a sua veracidade. Fazendo parte de um processo, como dão a entender as normas e fórmulas jurídicas franciscanas, também se percebeu que tais designações podem não se reportar somente à inquirição de testemunhas contra o réu, mas ainda à inquirição do próprio réu e, caso este negasse a culpa, também à apresentação dos descargos e à inquirição das testemunhas de defesa, ou seja, abrangiam tudo o que fosse inquirição jurídica no mesmo processo, excluindo, claro está, a sentença. Eram, além do mais, atos independentes e diferiam das inquirições das visitas canónicas, pois estas não eram jurídicas nem procuravam descobrir culpas pré-definidas, constituindo um ato regular e não extraordinário. Quanto muito, a suspeita da culpa ou culpado sobre o qual se inquiria podia ter resultado de alguma visita. Porém, “devassa” é um termo que, significando sempre inquirição jurídica, adquiria diferentes acepções em diferentes meios. Nas visitas regulares às paróquias, ditas pastorais, a devassa correspondia à fase de inquirições da própria visita, cujo caráter em Portugal era singularmente jurídico, para apurar delitos, sem queixas prévias por parte de ofendidos, pois se as houvesse não seria não uma devassa, mas uma querela. Nas visitas pastorais, a devassa dizia-se geral quando procurava quaisquer culpas e particular quando procurava culpas ou culpados específicos de que havia suspeita, CARVALHO, Joaquim Ramos de – As visitas pastorais..., cit, p. 102-115; CARVALHO, Joaquim Ramos de – “A jurisdição episcopal...”, cit., p. 133135; SOARES, António Franquelim – A Arquidiocese..., cit., p. 265. As devassas realizadas aos recolhimentos possuíam também acepções díspares. No Recolhimento da Misericórdia do Porto, assemelhavam-se às das visitas pastorais, pois as devassas eram as inquirições gerais feitas às recolhidas nas próprias visitas regulares à instituição, LOPES, Maria Antónia – “Transgressões femininas...”, cit., p. 105-106. No Recolhimento da Misericórdia de Coimbra, estas inquirições gerais, de caráter relativamente regular, eram chamadas visitas e não devassas, LOPES, Maria Antónia – “Dominando corpos...”, cit., p. 17-18; LOPES, Maria Antónia – “Repressão de...”, cit., p. 190, 195. Já no Recolhimento da Misericórdia de Campo de Vinha e ainda no Recolhimento de Santo António do Sacramento, administrado pela Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, pertencendo porém o seu governo espiritual ao Arcebispado de Braga, as devassas assumiam-se como atos independentes das visitas, que podiam realizar-se, extraordinariamente, em qualquer altura, desde que houvesse suspeita prévia de desordens concretas que justificassem a sua realização, MACHADO, Carla Manuela Sousa – Entre a clausura..., cit., p. 120-123; FERNANDES, Adília – O Recolhimento de..., cit., p. 270-275. Outra situação encontra-se nas devassas ao Hospital de São Marcos, onde era necessária também uma denúncia ou suspeita prévia que motivasse tais inquirições particulares, ARAÚJO, Maria Marta Lobo de – Memória e quotidiano: as visitas e as devassas ao hospital de S. Marcos de Braga na Idade Moderna. Braga: Santa Casa da Misericórdia de Braga, 2014, p. 23. Pode-se concluir que uma devassa era, de facto, um ato jurídico de inquirição sobre um delito ou crime, como a define Bluteau, provavelmente no contexto dos tribunais civis, BLUTEAU, Raphael – Vocabulario portuguez e latino, vol. 3. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus/Officina de Pascoal da Sylva, 1712-1721, p. 188. Podia ser geral ou particular, regular ou extraordinária e necessitar ou não de uma suspeita prévia conforme o âmbito em que decorria. No mundo monástico-conventual, “devassa” parece ter sido, efetivamente, uma inquirição jurídica, extraordinária e em especial sobre alguma infração ou infrator de que havia suspeita prévia, a qual justificava a sua realização. Conforme apontou Ricardo Silva, podiam, mas não tinham que decorrer em simultâneo ou como consequência de visitas, pois assim demonstram as datas incompatíveis das visitas e devassas que identificou, SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 389-390; CASTRO, Maria de Fátima – “Aspectos de vida conventual...”, cit., p. 43. 426

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O primeiro passo da devassa, no âmbito de um processo jurídico, era a escrita de um termo de abertura, pelo secretário, para o registo das inquirições às testemunhas contra o réu427 . Desde então, tudo o que decorresse ao longo do processo deveria ser notificado e justificado nos autos por um termo e tudo o que houvesse para acrescentar documentalmente deveria ser neles incluído. Escrito o termo inicial, as testemunhas seriam chamadas à cela do delegado, uma a uma428. Depois deste as admoestar a dizer a verdade, elas deviam jurar sobre os Santos Evangelhos ou tacto pectore 429 e prometer dizer apenas a verdade 430 . A cada testemunha o delegado leria, então, o interrogatório e perguntaria sobre cada um dos artigos que o compunham431, dentro do que a sua comissão lhe permitia, ou seja, só sobre o que o réu estava infamado, denunciado ou acusado. Perguntaria se a testemunha conhecia o réu e como o conhecia, se o tinha por religioso e filho daquela província, se sabia que ele tinha cometido determinado crime bem como onde e quando o cometera e ainda como o sabia. Depois da testemunha ter respondido a cada artigo, o seu depoimento ser-lhe-ia lido, permitindo-se-lhe modificar, retirar ou acrescentar o que quisesse e tendo que assiná-lo em seguida432. Mais tarde, as mesmas testemunhas seriam, novamente e da mesma forma, inquiridas. Também o segundo depoimento ser-lhes-ia lido para eventuais alterações e assinado433. A identificação de cada testemunha, o que lhe era perguntado e o que respondia bem como a nota de que o depoimento lhe fora lido e por ela ratificado deveriam constar do registo de inquirição de testemunhas contra o réu434. O delegado deveria interrogar com suavidade para não intimidar as testemunhas, com muita clareza e sem recorrer a truques com o fim de apanhar palavras que condenassem o réu. Devia também procurar informar-se sobre que conceito tinham do réu, perceber se falavam com boa ou má intenção, maior ou menor segurança, se tinham visto ou ouvido o delito de perto ou de longe. Tudo isto evidenciaria a credibilidade e relevância do testemunho. Por outro lado, as testemunhas estava obrigadas a dizer a verdade e a não recorrer a ilusões e

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No termo de abertura devia-se esclarecer o que estava a ser investigado e declarar-se que ia chamar a depor, sob juramento, as ditas testemunhas. ANTT – ML 80, p. 23-24; ANTT – CNSEVConde, fl. 49v, 59r. 428 Se alguma testemunha logo informasse que nada tinha a dizer não se tomasse sequer o seu juramento, deixando-a ir. ANTT – CNSEVConde, fl. 50v. 429 O juramento tacto pectore, feito tocando o peito, era habitual entre eclesiásticos. 430 Estatutos Arrábida, p. 187; ANTT – ML 80, p. 85-86, 145; ANTT – CNSEVConde, fl. 50r-50v, 59r. 431 Estatutos Santo António, 1673, p. 107; Estatutos Arrábida, p. 188; Estatutos Santo António, 1737, p. 237. 432 Estatutos Arrábida, p. 187-188; ANTT – ML 80, p. 25-26, 88; ANTT – CNSEVConde, fl. 59v. 433 A ratificação não era obrigatória, mas considerada conveniente no caso de se proceder por via de denunciação ou acusação. Estatutos Arrábida, p. 188-189; ANTT – ML 80, p. 27-28; ANTT – CNSEVConde, fl. 50v. 434 A identificação das testemunhas deveria especificar se eram religiosos ou seculares, parentes, amigos ou inimigos do réu, já que tal informação era relevante. Estatutos Arrábida, p. 187-188; ANTT – ML 80, p. 25-26; ANTT – CNSEVConde, fl. 50r.

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equivocações para enganar o delegado. Caso este não guardasse a forma do direito nas inquirições, perdia a autoridade para obrigá-las a depor435. O registo de uma devassa de testemunhas realizada no Convento de São Francisco de Tavira em 1797, ainda que muito provavelmente não integrada num processo jurídico 436 , serve para ilustrar a forma como uma inquirição jurídica sucedia na prática, em busca de infrações ou infratores concretos entre os Minoritas437. As patentes dos provinciais sugerem que este tipo de inquirições não era invulgar nos conventos franciscanos438. O registo começa com uma nota escrita pelo guardião do Convento de Tavira, onde este se identifica como delegado da devassa que deverá realizar ao mesmo convento, cuja ordem e comissão partiu do provincial da Província dos Algarves. Refere também a data, 16 de agosto de 1767, e que já elegeu um secretário. Segue-se, então, o termo de aceitação do dito secretário. Abaixo, este explicita o teor da ordem do provincial, conforme constava da patente do delegado, esta escrita pelo prelado a 2 de agosto desse ano. O interrogatório a fazer às testemunhas já constava da patente e foi, igualmente, reproduzido. Através do que expôs o secretário, sabe-se que o que motivou o provincial a devassar foi: “por dever de consciencia a tributarmos aos Soberanos a honra, e o respeito que lhes saõ devidos, me move a pertender hum testemunho autentico de que os nossos subditos estaõ bem persuadidos desta evangelica

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Se o delito fosse grave e o primeiro testemunho levasse a crer que o réu era culpado, este seria preso na casa da disciplina. Note-se, por exemplo, que, em caso de acusação, se resultassem das inquirições contra o réu testemunhos discordes ou singulares, faltando-lhes, portanto, a concordância ou a complementaridade necessária para suportar a tese de que o réu era culpado, o acusador deveria ser admoestado pelo delegado a desistir da acusação, pois seria difícil dar a culpa como provada ou confessada. ANTT – ML 80, p. 82-84, 86-88. 436 Percebeu-se que a devassa estudada não era parte de um processo jurídico, conquanto não investigava um infrator suspeito que já era réu, mas delitos particulares de modo a encontrar culpados que se acreditava existirem. Este documento atesta que não era preciso haver processo jurídico para haver devassa ou inquirição jurídica. Ainda que não tenha sido alvo de análise nesta investigação, encontrou-se, na documentação da Junta do Exame das Ordens Regulares, uma devassa completa integrada num processo jurídico, a qual seria interessante ler atentamente. O processo refere-se a um frade leigo de Brancanes, Fr. Luís de Lisboa, que por ordem régia vivia sujeito à província da Soledade e estava a ser julgado pelos crimes de concubinato e de faca de ponta, após a sua fama ter sido provada na visita ao Hospício de Nossa Senhora da Conceição de Cabeceiras de Basto, ANTT - Ministério dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, cx. 147, mç. 177, nº 1, Processo jurídico de inquirição especial de Frei Luís de Lisboa, 1825. 437 Uma vez que as normas e fórmulas jurídicas franciscanas nada explicam, especificamente, sobre como se devassava externamente a um processo jurídico e a devassa aqui estudada segue de perto as normas jurídicas existentes para aquelas que estavam integradas em processos, depreende-se que, dentro ou fora de um processo, as devassas se executavam de maneira muito similar. Variavam, principalmente, os termos que interpolavam as inquirições e o teor do interrogatório. Acrescente-se que a devassa ao Convento de Tavira assemelha-se, em propósitos e estrutura de registo, à realizada ao mosteiro feminino de São Bento de Barcelos, em 1744, transcrita e estudada em CASTRO, Maria de Fátima – “Aspectos de vida conventual...”, cit. 438 Nas patentes dos provinciais, ocasionalmente, refere-se a intenção de apanhar defeitos graves e, por vezes, bastante específicos como a negligência dos prelados e a falta de caridade para com os enfermos, através de “inquirição secreta juridica” ou “especial inquirição”. ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Francisco de Nisa”, ago 1787, p. 82; “Patente Antonino de Castelo de Vide”, abr 1803, p. 150-151.

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verdade”439. Por isso, determinou que se inquirisse cada religioso sobre dois delitos concretos de que se procuravam culpados440: “Se entre os Religiozoz que povoaõ esse Convento ha algum taõ desacordado, que no Claustro, ou fora delle, publica, ou particularmente sinta mal do Governo, que Sua Magestade Fidelissima taõ sabia, taõ prudente, e taõ benignamente administra, murmurando, ou ainda mucitando de suas rezuluzoens; louvando, ou aprovando, o frenetico sistema da França a sua Legislaçaõ, a sua conduta, a sua comenticia liberdade...”, Artigo 1. “Se consta haver nessa Corporaçaõ algum membro taõ corruto, que separandose do corpo de que tem a honra de receber o Nome, e de que he nobilissima Cabeça Nosso Senhor Jezuz Christo, fas semblante de aprovar alguma das propoziçoens que o Evangelho a boa razaõ, e Igreja condenaõ, mostrando inclinaçaõ as doutrinas proscritas...”, Artigo 2441.

Estas questões são, sem dúvida, significativas no contexto da época pós-revolução francesa, de pujança iluminista e degradação moral das ordens religiosas em Portugal. Haveria, com certeza, subjacente à devassa, a intenção de eliminar ideias e práticas divergentes das promovidas pela monarquia portuguesa e pela Igreja Católica, mormente face à influência dos valores revolucionários e iluministas442. Só após estas observações, surge o termo de abertura da devassa. Este, também datado de 16 de agosto, expressa que o guardião, na sua cela, em companhia do secretário, chamou as testemunhas e estas “inquirio, e perguntou devassamente”443. Segue-se o registo das inquirições individuais a catorze frades. Reparou-se que foram inquiridos do mais antigo para o mais novo, ao longo de dez dias, tempo que se afigura bastante longo para o número de inquiridos, o que denota que tudo terá sido executado com muita calma e, possivelmente, também com rigor e cuidado 444 . Cada testemunha foi, portanto, chamada à cela do guardião e, jurando “tacto pectore afirmou dizer tudo o que soubesse e lhe fosse perguntado”445. Nenhuma advertiu qualquer erro dos irmãos ao prelado. Muito pelo contrário, todos transmitiram a ideia que “religioso algum, que esquecido do respeito que os fieis vaçalos devem âos seus suberanos se animacem a sentir, e falar mal de hum governo que Sua Magestade Fidelissima administra a nosso bem [...] ò aprovace o governo, e leis de França”446 e que quanto “as determinacoins da Nossa May e ANTT – CSFTavira, p. 1. ANTT – CSFTavira, p. 2. 441 ANTT – CSFTavira, p. 1-2. 442 Seria de todo o interesse investigar, mais incisivamente, as motivações e resultados de devassas idênticas a outros conventos, do mesmo período, caso se tenham realizado e se preserve a sua documentação. 443 ANTT – CSFTavira, p. 3. 444 Como o delegado da inquirição jurídica era o guardião do próprio convento e este tipo de inquirição um ato único, independente de qualquer visita ou outros compromissos, não haveria pressa para realizá-la. Isso pode explicar a sua evidente demora. 445 ANTT – CSFTavira, p. 3. 446 ANTT – CSFTavira, p. 10. 439 440

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Santa Igreja Catholica Romana todos aprovaõ os seus sentimentos; como eternas verdades dimanadas das mais purissimas fontes”447. Alerte-se, contudo, que não se poderá ter a certeza se o que dizem os frades reflete, de facto, o que todos pensavam no Convento de Tavira sobre o governo do rei e as leis da Igreja Católica. O registo da devassa termina com um termo de conclusão, de 26 de agosto, que declara que “naõ havia mais testemunhas que tirar na comunidade, e que todas as referidas estavaõ judicialmente perguntadas”448. O guardião rematou o registo dando fé de que, por observância ao ordenado pelo provincial, tudo fora feito “debaixo de verdade, e inteireza”449.

5.2.2 – Depoimento do réu, apresentação de descargos e inquirição de testemunhas de defesa Inquiridas as testemunhas contra o réu, era tempo de o delegado o confrontar com o interrogatório e ouvir o que tinha a dizer. Tal como com as outras testemunhas, deveria admoestar o réu, em virtude de Santa Obediência, a dizer a verdade sobre os artigos da inquirição, os quais, logo de seguida, lhe deviam ser lidos pelo secretário 450. Além disso, devia informá-lo se havia indícios ou testemunhos suficientes para dar a sua culpa como provada 451 e podia mesmo ler alguns depoimentos já tirados, sem revelar nomes, para convencê-lo a confessar452. Frise-se que o delegado devia persuadir o réu a confessar a sua culpa com modos paternais, explicando-lhe que, se o fizesse, teriam maior moderação no castigo453. Devia, pois, adotar uma postura benigna e inquirir, como já se assinalou, apenas sobre aquilo que, na sua patente, havia contra o réu454. O que este último respondia devia ser registado455. No final do depoimento, o registo era-lhe lido456. Depois de depor, era ainda

ANTT – CSFTavira, p. 10. O termo de conclusão também explica o formato final do documento, quantas páginas tinha e ainda o modo como ia lacrado, sem entrelinhas, borrões ou coisas que levantassem dúvidas. ANTT – CSFTavira, p. 17. 449 ANTT – CSFTavira, p. 17. 450 Se o réu estivesse solto, ia ele próprio à presença do delegado. Se estivesse preso na casa da disciplina, ia o juiz até ele. ANTT – ML 80, p. 29; ANTT – CNSEVConde, fl. 50v, 60r. 451 Havendo provas suficientes para concluir que o réu era culpado, este ficava obrigado a confessar. ANTT – ML 80, p. 89-90. 452 Estatutos Arrábida, p. 189. 453 ANTT – ML 80, p. 30, 90. 454 Quem realizava a inquirição ao réu não devia obrigá-lo a descobrir cúmplices, a não ser que estes também estivessem gravados com infâmia ou indícios de culpa suficientes ou ainda se o delito objetivasse a destruição da comunidade. Se o réu admitisse um cúmplice que não estivesse nessas condições, o juiz não podia proceder logo contra ele. Estatutos Santo António, 1673, p. 102; Estatutos Arrábida, p. 123; Estatutos Gerais Barcelona, p. 48; Estatutos Piedade, p. 86; ANTT – ML 80, p. 91-92. 455 ANTT – ML 80, p. 29; ANTT – CNSEVConde, fl. 50v. 456 ANTT – CNSEVConde, fl. 51r. 447 448

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importante perguntar ao réu se queria um procurador para agir em seu nome no processo, daí para a frente457. Se o réu, ao depor, confessasse a sua culpa diante do juiz ou o fizesse por carta, considerava-se, por plena prova, que era culpado, passando-se à sentença 458 . Se nada respondesse, interpretava-se, que “o callar obstinado equivale á confissão” 459 . Porém, se negasse ser culpado, mas houvesse indícios ou testemunhos que levassem a crer ou provassem a sua culpa, o delegado devia dar-lhe cargos para responder e permitir, para sua justiça, que se defendesse, podendo para isso nomear testemunhas460. Continuaria, pois, a devassa. Recapitulando, se não houvesse condições de passar à sentença, ou por não haver certeza da culpa do réu, não tendo este confessado ou tendo permanecido em silêncio total, ou por não haver certeza da sua inocência, havendo indícios e testemunhos que sustentavam a sua culpa, dever-se-ia insistir na confissão e dar a possibilidade do réu se defender face ao que havia contra ele461. Depois de analisar o seu depoimento, o delegado devia dar-lhe cargos para responder. Quer isto dizer que, por escrito, numa folha à parte, assinada pelo delegado, este enumerava todas as culpas pelas quais o réu estava a ser processado e declarava que a devassa não o ilibara, intimando-o a responder sinceramente, dentro de um determinado prazo, por exemplo, de vinte e quatro horas462. O réu podia, contudo, pedir mais tempo para responder aos referidos cargos, precisando, para isso, de fazer uma petição formal 463 . Antes de responder, o réu podia ainda pedir ao juiz delegado, de novo por meio de uma petição, para ter vista dos nomes e ditos das testemunhas, para bem de sua justiça. Para que isso lhe fosse concedido, teria de alegar ter suspeita de alguém que havia deposto contra si. Se não fosse

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Para nomear um procurador, o réu tinha que fazer termo de procuração, pelo qual concedia ao escolhido, necessariamente frade franciscano, os poderes para que, em seu nome, requeresse e apelasse por sua justiça. O procurador tinha de assinar um termo de aceitação do oficio. Todos estes termos deveriam constar dos autos. O réu podia dispensar ter procurador. ANTT – ML 80, p. 94-96; ANTT – CNSEVConde, fl. 50v, 51r, 52v, 60r. 458 ANTT – ML 80, p. 78. 459 ANTT – ML 80, p. 69-70. 460 Estatutos Arrábida, p. 122; Estatutos Gerais Barcelona, p. 47; Estatutos Soledade, p. 215; ANTT – ML 80, p. 69-70, 78. 461 Nos casos em que o réu negasse a culpa, mas houvesse fortes indícios de que era culpado, sendo o delito muito grave, o réu podia ser posto a censuras e tormento para confessar. Tal não podia acontecer, contudo, com frades de grande autoridade. Se, sob tormento, não confessasse, o que se tomava como prova de que era inocente, seria ilibado das culpas que sobre ele haviam recaído. Estatutos Arrábida, p. 123; Estatutos Gerais Barcelona, p. 47; Estatutos Soledade, p. 215; ANTT – ML 80, p. 79. 462 Era necessário fazer termo da entrega e aceitação dos cargos pelo réu nos autos judiciais. Estatutos Arrábida, p. 189; ANTT – ML 80, p. 31-32; ANTT – CNSEVConde, fl. 51r, 60v. 463 O despacho dado à petição para ter mais tempo para responder aos cargos deveria ser registado no próprio documento, que seria incluído nos autos. Nestes últimos, far-se-ia ainda um termo referindo que o réu fizera a petição. ANTT – ML 80, p. 35-37; ANTT – CNSEVConde, fl. 51v.

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com o objetivo de confirmar a inocência do réu, o juiz nunca deveria permitir que o réu conhecesse os depoimentos464. Posteriormente, o réu ou o seu procurador devia apresentar-se na cela do juiz para entregar os descargos, ou seja, a sua resposta a cada um dos cargos pelos quais era processado. Essas respostas deviam ser escritas noutro papel particular, no qual também podiam indicar testemunhas de defesa, pedindo para que fossem inquiridas de forma a provarse a sua inocência 465 . Se não nomeasse testemunhas a seu favor, desejando apenas ser sentenciado conforme ditasse a análise dos autos, passava-se, pois, à sentença, dando-se a devassa ou inquirição jurídica por encerrada466. As testemunhas de defesa deviam ser todas inquiridas para justiça e favorecimento do réu, uma preocupação que sobressai nas normas e fórmulas jurídicas franciscanas467. A forma de o fazer era a mesma usada para as testemunhas contra o réu, já descrita neste capítulo. O secretário deveria fazer termo de abertura do registo de inquirições, contudo, desta vez, justificando que estas eram necessárias porque pedidas pelo réu, devido à sua suspeita sobre a veracidade das declarações das testemunhas que haviam deposto contra ele 468 . As novas testemunhas chamadas deveriam jurar, sobre os Santos Evangelhos ou tacto pectore, que só diriam a verdade e, só depois, seriam perguntadas individualmente: se conheciam o réu, se o tinham por religioso professo, se sabiam que cometera determinado delito, se sabiam que os frades de quem o réu suspeitava eram inimigos dele e se achavam que por inimizade haviam deposto contra ele. Embora parte do questionário fosse igual ao que seria feito às testemunhas contra o réu, as últimas duas questões são, justificadamente, diferentes, já que procuram evidenciar as más intenções e pouca credibilidade dos anteriores depoimentos, alegadas pelo réu. Cada depoimento devia também ser lido à respetiva testemunha para que tivesse oportunidade de modificar, retirar ou acrescentar alguma informação. Só depois de ratificado é que era por ela assinado. Novamente, tudo o que era perguntado à testemunha e por ela

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O despacho dado à petição para ter vista dos nomes e ditos das testemunhas contra si deveria ser registado no próprio documento, a ser também incorporado nos autos, a par de um termo que notificasse que tal petição fora feita pelo réu. Nos casos mais graves, devia permitir-se ao réu ter acesso, em primeiro lugar, aos nomes das testemunhas todos juntos, e só depois aos depoimentos desordenados, para não ser capaz de associá-los. Em casos menos graves, não seria necessário dar sequer conhecimento dos nomes, mas somente dos ditos. Se a petição fosse aceite, quando os depoimentos fossem entregues ao réu, teria que se fazer termo da sua entrega. Estatutos Arrábida, p. 190; Estatutos Gerais Barcelona, p. 47; Estatutos Piedade, p. 86; ANTT – ML 80, p. 3537; ANTT – CNSEVConde, fl. 51v, 60v-61r. 465 Devia fazer-se termo da entrega dos descargos, juntando o original ou sua cópia aos autos. Se o réu pedisse para se inquirirem testemunhas de defesa, tal informação deveria constar no dito termo. Estatutos Arrábida, p. 191; ANTT – ML 80, p. 34, 37; ANTT – CNSEVConde, fl. 51v-52r, 61r, 60v. 466 Estatutos Arrábida, p. 191; ANTT – ML 80, p. 35; ANTT – CNSEVConde, fl. 52r. 467 ANTT – ML 80, p. 37, 42. 468 ANTT – ML 80, p. 39; ANTT – CNSEVConde, fl. 52v, 61v.

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respondido, bem como a indicação de que o seu depoimento lhe fora lido e por ela ratificado, deveria constar do registo de inquirições e, logo, também dos autos do processo469. Se, depois de inquiridas as testemunhas de defesa, o réu não tivesse mais nada a alegar em sua justiça, encerrava-se, definitivamente, a devassa ou inquirição jurídica. Para formalizar o seu encerramento era preciso escrever um termo de conclusão 470 . Só após a conclusão da devassa, tivesse ela sido mais curta ou mais longa, se poderia proceder à sentença. O secretário preparava, portanto, todo o documento, em cuja primeira página, antes da patente do delegado, se redigiria o título “Processo e auto judicial de especial inquirição contra...”. Este documento que, na verdade, eram os autos judiciais do processo, com tudo o que havia decorrido nele até então, devia ser enviado ao provincial ou ao visitador para ser apresentado ao definitório provincial471.

5.2.3 – Sentença e apelação Os autos, nos quais deviam constar todos os depoimentos, petições e demais procederes encetados ao longo da inquirição jurídica ou devassa, deviam ser, posteriormente, analisados pelo definitório provincial, composto pelo ministro provincial e/ou comissário visitador, os quatro definidores e o custódio da província, a quem pertencia, conjuntamente, a responsabilidade de sentenciar. Isto podia ocorrer nas suas reuniões no capítulo ou na congregação provincial ou, eventualmente, numa reunião extraordinária. Depois da análise, vingava como sentença a decisão que tivesse a maior parte dos votos da mesa definitorial. Devia haver muita prudência e cuidado ao decidir a sentença, de modo a evitar excessos nas penas atribuídas e injustiças, pois, se houvesse, ela poderia ser modificada ou anulada e o juiz castigado, isto em caso de apelação 472. Cada pena precisava, pois, de ser muito bem medida face ao delito a castigar. Aliás, só se devia condenar com penas maiores se, de facto, houvesse prova suficiente por indícios e testemunhos ou se houvesse 469

Estas testemunhas de defesa não seriam, no entanto, inquiridas uma segunda vez, ao contrário do que acontecia com as testemunhas contra o réu. ANTT – ML 80, p. 40-42. 470 No termo de conclusão, deveria ser indicado quantas páginas o documento tinha e que ia selado com o selo do convento devassado, sem emendas, borrões ou coisa que suscitasse dúvida, declarando que, caso os houvesse, seriam mencionados de antemão, ANTT – ML 80, p. 35, 42; ANTT – CNSEVConde, fl. 52v, 61v. 471 O documento deveria ser cosido para ficar bem fechado e, nas suas costas, devia ser claramente identificado que se tratava de uma inquirição jurídica, quem a realizara e a quem era dirigida, ou seja, aquele que delegara a devassa. Além desta informação, especificava-se também por fora, o modo como ia fechada, quantos pontos de linha tinha e de que cor estes eram e ainda quantos pingos de lacre tinha, de que cor eram e em que zonas estavam. ANTT – ML 80, p. 35; ANTT – CNSEVConde, fl. 52v. 472 A sentença deveria sempre especificar se o processo resultava de inquirição por infâmia, insinuação clamorosa, denunciação ou acusação e ser assinada por toda a mesa definitorial. Estatutos Santo António, 1737, p. 128, 252; Estatutos Piedade, p. 85; ANTT – ML 80, p. 43-44; ANTT – CNSEVConde, fl. 53r.

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confissão473. Por outro lado, um réu declarado culpado não podia ficar sem pena justa. O castigo era uma peça fundamental para disciplinar comportamentos e reprimir práticas incorretas, pois: “Como a ley ordene o homem a bem viver, & elle naturalmente apeteça sempre o mal, larguesa, & liberdade, importa aver para tudo remedio, & ordenar para tudo castigo: porque quando o amor da rasaõ & da justiça, lhe naõ concerte a vida, o temor da pena lhe possa reprimir a acçaõ desordenada”474.

Conforme as culpas a castigar, os estatutos provinciais e gerais da Ordem dos Frades Menores enunciavam diversas penas475. Muitas delas, as mais gravosas, só seriam aplicadas como sentença jurídica e nunca paternalmente no decorrer de visitas 476 . As culpas que permaneciam ocultas para a maior parte da comunidade, ainda que graves, deviam ser castigadas ocultamente para não infamar o réu, não perecer o bem da religião e para que “se naõ dè nota alguma entre seculares”477. Se a culpa fosse conhecida ou de grande notoriedade, devia, pois, a sentença ser lida em plena comunidade conventual478. Acrescente-se ainda que as sentenças jurídicas deviam ser registadas num livro próprio que estava guardado no arquivo provincial. Após a morte do frade sentenciado, o seu nome era nele riscado e os autos 473

Estatutos Arrábida, p. 122; Estatutos Gerais Barcelona, p. 47; Estatutos Piedade, p. 85-86; Estatutos Soledade, p. 214. Nas determinações do definitório de 1750, faz-se menção a um frade infamado de um delito que cumpriu pena de privação de atos legítimos e encarceramento por alguns anos, prova de que estes processos e suas sentenças eram realmente executados. ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do definitório”, 20 out 1750, fl. 34 r/v. 474 Estatutos Santo António, 1673, p. 100. 475 Penas discriminadas nos diversos estatutos provinciais: pena de talião (para testemunhas falsas, acusadores maliciosos sem provas, acusadores de delitos já castigados por outros prelados); privação de voz ativa e passiva, de eleger e ser eleito; privação de ofícios na ordem, de inabilitação para ser eleito prelado, presidente e visitador; privação de atos legítimos, de inabilitação para os diversos ofícios na ordem, incluindo privação de voz ativa e passiva (permitindo porém o exercício das ordens menores ou maiores); pena de proprietários, que inclui privação de atos legítimos, cárcere e privação de sepultura eclesiástica; pena de cárcere, de reclusão num lugar fechado ou apartado, sem hábito, com privação de atos legítimos (só o guardião podia prender num lugar que se considerasse cárcere, como a casa da disciplina, apenas por crimes muito graves como inobediência contumaz, pecado da carne ou furto escandaloso); penas impostas ipso facto para os delinquentes, de suspensão para serem impostas mal se cometa o delito; pena de tormento para delitos atrozes (se fosse pecado nefando devia dar-se a pena de fogo e para outras culpas apenas jejuns de pão e água por dias, nudez, mãos atadas às costas, ásperos açoites e outros; penas para prelados e padres qualificados (apenas podiam ser dadas com o consentimento da parte do definitório, por dois meses e depois de ouvir o culpado); excomunhão ipso facto incurrenda; redução ao estado de noviço; privação do hábito; envio para as galés; cárcere perpétuo. Todas as penas podiam ser temporárias ou perpétuas, Estatutos Santo António, 1673, p. 106-119; Estatutos Arrábida, p. 127-131. Aproveite-se para referir, como complemento, que as penas punitivas que podiam ser aplicadas entre as Clarissas no séc. XVII estão identificadas e estudadas em GONÇALVES, Rolando Lalanda; LALANDA, Maria Margarida – “Regra e comunidade: Os Poderes nas Constituições Gerais de 1641 para os Mosteiros de Clarissas”, Arqueologia do Estado. Primeiras jornadas sobre formas de organização e exercício dos poderes na Europa do Sul, Séculos XIII-XVIII. Actas. Lisboa: História & Crítica, 1988, p. 969-994. 476 Estatutos Piedade, p. 85. 477 Estatutos Piedade, p. 84; Estatutos Soledade, p. 215. 478 ANTT – ML 80, p. 44. O único caso em que um delito oculto e seu castigo deviam ser tornados públicos era se o crime fosse nefando, mormente se cometido com vista ao dano da república. Estatutos Arrábida, p. 123; Estatutos Gerais Barcelona, p. 47; Estatutos Soledade, p. 215.

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do seu processo inteiramente queimados 479 , “para que a seu delicto se imponha perpetuo silencio”480. No entanto, o réu podia recusar a sua sentença. Caso não a aceitasse, podia apelar ao governo geral, desde que a sua situação cumprisse os requisitos para isso481. A apelação podia ser requerida até dez dias após ter sido dada a sentença e nunca antes 482. O réu ou o seu procurador devia apelar primeiro em palavras e, em seguida, por escrito, junto ao juiz que havia dado a sentença, que seria o provincial ou o comissário visitador, e também do secretário competente, diante de duas testemunhas. Ao fazê-lo, tinha que justificar porque apelava e pedir ao juiz uma cópia dos autos do seu processo 483 . Nos casos em que não houvesse confissão nem suficiência de provas ou as penas dadas fossem muito rigorosas ou excessivas, como cárcere formal ou privação do oficio de prelado ou de atos legítimos, ou então se houvesse algo que excedesse o que era regular, legal e legitimo, o juiz estava obrigado a aceitar a apelação. Noutras condições, podia ser considerada uma apelação ilegítima e, logo, recusada. Por exemplo, nunca deveria ser permitido apelar da sua sentença a um réu que tivesse confessado484. Se o juiz que havia dado a primeira sentença aceitasse a apelação, o secretário juntála-ia aos autos e escreveria uma certidão para o réu ou o seu procurador se poder apresentar perante os prelados superiores, dando fé de que havia apelado e pedido a cópia dos autos. Em tempo hábil, essa cópia deveria ser entregue ao réu ou seu procurador, fielmente fechada, para um destes poder entregá-la aos referidos superiores. Desde a sentença, o réu tinha trinta dias para se apresentar aos prelados gerais. Se não levasse os autos, os gerais notificariam o juiz de

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Estatutos Santo António, 1673, p. 51; Estatutos Santo António, 1737, p. 60; Estatutos Conceição, p. 63. Estatutos Piedade, p. 93. 481 Se o réu aceitasse a sua sentença, deveria fazer termo de aceitação dela com o secretário para se concluir o processo e a sentença ser executada. Senão, poderia apelar dela, ANTT – ML 80, p. 44-45. As apelações de sentenças na OFM deveriam ser movidas segundo um determinado procedimento, cujo desrespeito e também o recurso a outro tribunal ou ao Núncio Apostólico poderia levar à sua anulação, Estatutos Soledade, p. 228. Encontraram-se duas versões quanto à hierarquia da apelação. Uma, referente às províncias capuchas, indica que deveria ser feita do ministro provincial, ou eventualmente do comissário visitador, para o ministro geral ou o comissário geral e destes para a Congregação de Cardeais de Roma ou para a Sé Apostólica, Estatutos Soledade, p. 228. Outra, referente à Regular Observância, explicita que dos prelados gerais se apelaria antes ao Protetor da ordem e só depois ao Papa, Estatutos Gerais Barcelona, p. 49. 482 Estatutos Santo António, 1737, p. 253; Estatutos Gerais Barcelona, p. 49; ANTT – ML 80, p. 45; ANTT – CNSEVConde, fl. 53r. Nos processos resultantes das visitas pastorais, também só se podia apelar após o auditório eclesiástico ou mesa da justiça dar a sua sentença, CARVALHO, Joaquim Ramos de – As visitas pastorais..., cit, p. 149. 483 Estatutos Santo António, 1737, p. 253-258; ANTT – ML 80, p. 45-47; ANTT – CNSEVConde, fl. 53r. 484 Quando as penas dadas não constassem das leis da província, da ordem ou do direito canónico, por castigarem culpas não previstas nesses regulamentos, também não era possível apelar delas. Estatutos Gerais Barcelona, p. 49; Estatutos Soledade, p. 227-228; ANTT – ML 80, p. 46. 480

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quem apelava para este enviasse uma cópia deles 485 . Se nem o réu nem o procurador pudessem deslocar-se até eles, o próprio juiz da primeira sentença deveria, posteriormente, enviar-lhes cópia dos autos. O mais importante era, pois, que os autos, notoriamente fulcrais para avaliar a sentença dada, chegassem às mãos dos prelados gerais. Sem eles, a apelação seria anulada486. Os prelados gerais ou seus delegados, como juízes, deveriam aceitar que o réu apresentasse novas testemunhas e documentação de defesa, as quais seriam levadas em conta a par da análise dos autos e da anterior sentença487. Depois das suas investigações, se os juízes da apelação considerassem que o apelante não tinha justiça nem legitimidade para apelar, manter-se-ia a sentença e poder-se-iam acrescentar novos castigos. Se considerassem a sentença justa, ordenariam ao ministro provincial que ela fosse executada. Se concluíssem que fora uma sentença mal dada, dariam uma nova sentença, mais leve, e poderiam castigar o juiz que a dera, sobretudo se a pena fosse significativamente pesada e ilegítima488. Os processos jurídicos na Ordem dos Frades Menores, sujeitos a normas muito precisas e bem mais pormenorizadas do que aqui ficou exposto, implicavam sempre a realização de uma devassa ou inquirição jurídica e uma sentença final. Na devassa, necessariamente, inquiriam-se as testemunhas contra o réu e o próprio réu. Caso este negasse a culpa, a devassa, muito provavelmente, alongar-se-ia com a inquirição das testemunhas de defesa por ele indicadas. Da sentença dada pelo definitório provincial, poder-se-ia, em certos casos, primeiro, apelar aos prelados gerais e, subsequentemente, a instâncias superiores da hierarquia eclesiástica. Depois desta breve excursão pela forma como deveriam decorrer os processos jurídicos no seio da Ordem Franciscana, que muito teria a ganhar com um estudo aprofundado sobre o direito canónico vigente no séc. XVIII e sobre a sua aplicação em diversas instituições religiosas, voltar-se-á à temática central das visitas canónicas aos conventos franciscanos, para tentar, agora, identificar algumas das imperfeições e transgressões que marcavam o quotidiano conventual e confrontar o silêncio dos registos das visitas com outros bem mais informativos.

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Se, por algum motivo, não fosse possível requerer a apelação e os autos ao juiz, caberia ao guardião do convento do réu, por meio de um secretário por si instituído, passar a dita certidão, perante duas testemunhas, para que o réu ou o seu procurador pudesse apresentar-se aos superiores. Não seria, porém, da sua responsabilidade a entrega dos autos, que haveriam de ser enviados aos prelados, mais tarde. Estatutos Santo António, 1737, p. 253-258, 260; Estatutos Gerais Barcelona, p. 49; ANTT – ML 80, p. 51-52. 486 Estatutos Santo António, 1737, p. 253-258; Estatutos Gerais Barcelona, p. 49; ANTT – ML 80, p. 48-50. 487 Estatutos Santo António, 1737, p. 261. 488 Estatutos Santo António, 1737, p. 261-263.

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Capítulo 6 – Imperfeição e transgressão no quotidiano franciscano (1725-1831)

O estado temporal, espiritual e moral das ordens religiosas tendeu a degradar-se, ao longo do séc. XVIII e princípios do XIX. Os livros explorados nesta investigação, dos conventos de Fronteira, Matosinhos e Brancanes, de facto, revelaram que, entre 1725 e 1831, as comunidades franciscanas, em Portugal, não estiveram isentas da ocorrência de diversas imperfeições e transgressões e confirmaram a existência de um clima de certa degradação na Ordem dos Frades Menores. No entanto, se no caso de Matosinhos e Brancanes, pouco se apreendeu sobre inobservância, devido à escassez de capítulos de visitas, no caso de Fronteira, o vasto conteúdo documental, concernente a toda a Província da Piedade, permitiu um maior aprofundamento. Pretende-se, acima de tudo, identificar práticas que denunciam o imperfeito cumprimento ou transgressão dos preceitos franciscanos, nomeadamente relativas ao comportamento dos frades, através de determinações e comentários que, direta ou indiretamente, comprovam a sua existência 489. Entenda-se que, se houve a necessidade de produzir determinações corretivas é porque, certamente, se cometiam as práticas que elas procuraram evitar. Há, porém, que ter o cuidado de não generalizar, à partida, a toda a comunidade, ordem e institutos regulares, essas incorreções, mesmo que sejam recorrentes490. Este capítulo reparte-se em quatro partes. O primeiro subcapítulo, mais longo, debruça-se sobre a Província da Piedade. Começando por mencionar imperfeições e transgressões manifestadas nos capítulos das visitas do Convento de Fronteira, logo se estende ao revelar as muitas que se subentendem na documentação emitida pelo governo provincial. Atesta-se, por último, o declínio que a Piedade experienciou. Os dois subcapítulos seguintes salientam, por sua vez, imperfeições e transgressões sucedidas nos conventos de Matosinhos e Brancanes. O subcapítulo final consiste numa reflexão sobre inobservância e adulteração de costumes entre os Franciscanos491 e, mais a propósito da Piedade, acerca da divergência informativa entre os registos das visitas e os a documentação de foro provincial.

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A documentação analisada também alude às condições materiais dos conventos e a alterações sobre privilégios, precedências, isenções, liturgia e ofícios divinos, estudos e funções dos oficiais. 490 Há que ter em conta que, por certo, existiam comunidades regulares mais propensas à indisciplina e outras à perfeição. No entanto, o mais frequente, à imagem do que acontecia na sociedade fora dos claustros, seria as comunidades repartirem-se moderadamente entre religiosos devotos e cumpridores e religiosos desinteressados e defeituosos, revelando-se os grandes transgressores apenas casos de exceção. Por este motivo, não se deve, à partida, generalizar as práticas imperfeitas e transgressivas nem tomá-las como realidade em todo o panorama monástico-conventual. GILCHRIST, J. – “Visitation…”, cit., p. 719; MORGADO GARCÍA, Arturo – “Modelos de...”, cit., p. 213-214; ALGRANTI, Leila – Honradas e devotas..., cit., p. 231; MATOS, Artur Teodoro de – “Virtudes e Pecados...”, cit., p. 168-169. 491 Considerou-se bibliografia essencial, nas línguas portuguesa e castelhana, sobre imperfeição e transgressão no quotidiano monástico-conventual, na Época Moderna, claramente mais dedicada à clausura feminina, a seguinte:

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6.1 – A Província da Piedade. Um século de gradual debilitação (1725-1825) Os livros analisados do Convento de Fronteira, ao conjugarem termos e capítulos de visitas a esse convento com determinações capitulares (exclusivamente do definitório; do definitório e do discretório; e do provincial), patentes dos provinciais e outros registos dirigidos a toda a Província da Piedade, demonstraram ser muito ricos para o conhecimento de uma vasta diversidade de imperfeições e transgressões, ocorridas numa ou mais comunidades desta província. Instigam, pois, a realçar a discrepância entre as poucas e sucintas determinações das visitas, que serão apresentadas primeiro, e as muitas e mais minuciosas determinações dos referidos capítulos e patentes, cuja exposição ocupa a maior parte deste capítulo. Esta documentação facultou ainda acompanhar a gradual degradação, tanto temporal como espiritual e moral, da Província da Piedade, no final do Antigo Regime.

6.1.1 – O Convento de Santo António de Fronteira através dos capítulos das visitas Os capítulos de visita de Fronteira consagram-se, sobretudo, ao uso de acessórios por parte dos frades, às suas saídas do convento para pedirem esmolas e ao consumo de tabaco, assuntos que surgem, igualmente, nas determinações capitulares e patentes dos provinciais. Estes capítulos dão, assim, a conhecer que alguns religiosos usavam, indevidamente, adornos como contas de coral, anéis e outras curiosidades492. Revelam que algum frade já teria rasgado, riscado, queimado e/ou escondido os estatutos provinciais 493 . Atestam a presença de porcos no convento, indesejada pelo ministro provincial que ordenou que “se

MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 8-275 (a informação contida nesta obra não deve ser tomada por inequívoca, uma vez que foi mandada elaborar pelo Marquês de Pombal) ; ASSUNÇÃO, Lino – As monjas de Semide..., cit., p. 79-88; MARQUES, José – “Os mosteiros cistercienses..., cit., p. 258-260; ALGRANTI, Leila – Honradas e devotas..., cit., p. 231-261; MARTINEZ RUIZ, Enrique – “La visita...”, cit., p. 397-404; CAMPOS Y FERNÁNDEZ DE SEVILLA, Francisco Xavier – “La vida cotidiana...”, cit., p. 876-877; CASTRO, Maria de Fátima – “Aspectos de vida conventual...”, cit., p. 43-74; MATOS, Artur Teodoro de – “Virtudes e Pecados...”, cit., p. 157-168; ENES, Maria Fernanda – “A vida conventual...”, cit., p. 332-341; CAPELO, Ludovina Cartaxo – “Inventário do arquivo...”, cit., p. 247-253; CAEIRO, Maria Margarida – Clarissas..., cit., p. 429-472; CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 371-418; BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades...”, cit., p. 309-321; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 392-442; ESPONERA CERDÁN, Afonso – “La vida cotidiana conventual a fines del siglo XVIII en cinco províncias de la America Hispana de la Orden de Predicadores”, Hispania Sacra, vol. 65. S.l. : s.n., 2013, p. 315-358. 492 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Visita 1726”, fl. 2r. O uso de acessórios, imitando hábitos e modas seculares, foi realçado em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 10, 129-130, 166, 185, 234-237; CASTRO, Maria de Fátima – “Aspectos de vida conventual...”, cit., p. 46, 52, 60; MATOS, Artur Teodoro de – “Virtudes e Pecados...”, cit., p. 162; CAPELO, Ludovina Cartaxo – “Inventário do arquivo...”, cit., p. 252; CAEIRO, Maria Margarida – Clarissas..., cit., p. 458-459; CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 372374; BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades...”, cit., p. 317-318; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 413, 415. 493 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Visita 1734”, fl. 5r.

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evitase o aver porcos no convento” 494, a não ser reclusos ou com alguém que os conduzisse, para não destruírem a cerca, como já teria acontecido. Sobre o consumo de tabaco, ao proibirse a sua plantação nas hortas, à vista de seculares e em quantidades além do estritamente necessário aos religiosos, depreendeu-se que ele era produzido e consumido em maiores porções do que era permitido. Anos depois, proibiu-se todo o seu cultivo no convento, por ser contra as ordens régias495. Quanto às saídas dos religiosos aos povos, entendeu-se que, possivelmente, haveria religiosos que furtariam as chaves da clausura para dela saírem durante a noite. Essa seria a motivação mais plausível para que se ordenasse que as chaves “no tempo do silêncio, e nocturno, estejam na cella do Perlado fechadas e occultas” 496 . Ademais, ao saírem à rua durante o dia, por vezes, apartavam-se do seu companheiro. Ainda se averiguou que os frades de Fronteira, teimosamente, pediam nas esmolas o que não lhes cabia, como galinhas, frangos e ovos, em lugares que lhes estavam vedados, por estarem atribuídos ao Convento de Alter497.

6.1.2 – A Província da Piedade através da documentação provincial As determinações capitulares, patentes dos provinciais e outros registos do âmbito do governo provincial, contidos nos livros explorados do Convento de Fronteira, atestam, de forma mais esclarecedora e autêntica, a inobservância na Província da Piedade, que o Convento de Fronteira integrava. Ainda que os erros cometidos fossem, provavelmente, emendados nas visitas, se o governo provincial prescreveu determinações corretivas dirigidas a toda a sua jurisdição, pode justificá-lo que mais do que uma casa dessa província necessitasse delas. Isso indica que, efetivamente, havia práticas a corrigir na Piedade. ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Visita 1773”, fl. 87v. A criação de animais (galinhas, gansos, perus, cães, gatos, carneiros, cabritos, porcos) nos conventos, mormente no claustro e na cerca, e os seus inconvenientes como imundície, barulho, destruição de espaços e desestabilização são referidos em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 222; CAEIRO, Maria Margarida – Clarissas..., cit., p. 443-444; CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 402; BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades...”, cit., p. 312; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 432-433 (este último refere a criação de porcos e a falta de higiene que isso causava). 495 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Visita 1726”, fl. 2r; “Visita 1729, fl. 3v. O consumo de tabaco, um hábito social setecentista, radicou-se também nos conventos. O seu cultivo, venda e consumo excessivo, nesses espaços, provocou problemas com a Coroa. Em 1714, D. João V procurou expurgar dos conventos a sua plantação e venda. Sobre o tabaco nos conventos ver, MARQUES, José – “Os mosteiros cistercienses..., cit., p. 360; MATOS, Artur Teodoro de – “Virtudes e Pecados...”, cit., p. 158; CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 411; BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades...”, cit., p. 314-315; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 419. 496 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Visita 1717”, fl. 26v. 497 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Visita 1725”, fl. 1r-1v; “Visita 1727”, fl. 2v.; “Visita 1757”, fl. 48v; “Visita 1764”, fl. 73r. Saídas noturnas da clausura, no Convento de S. Francisco de Coimbra, são denunciadas nas inquirições de visita publicadas em GOMES, Saul António – “O Mosteiro de S. Francisco...”, cit., p. 403. 494

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Por outro lado, a gradual ruína da província é, qualitativamente, manifestada nos registos da segunda metade de Setecentos e, de forma mais expressiva, na viragem para Oitocentos e após as invasões francesas, através do progressivo aumento de correções, críticas e comentários desgostosos e reprovativos e ainda da dureza do vocabulário usado. Para uma apresentação mais organizada das imperfeições e transgressões reveladas na documentação provincial, contida nos dois livros da Piedade explorados, optou-se por agrupálas em sete grupos. Como algumas das incorreções se reportam a áreas conventuais concretas, nos primeiros dois grupos, resolveu-se percorrer um roteiro pelos espaços e assim expor, ordenadamente, o que se refere a cada um deles. Primeiro, exploram-se as zonas de fronteira com o século, a igreja pública, o coro e a portaria. Segue-se para os áreas de clausura, o refeitório, dormitórios e celas, enfermaria, livraria e oficinas. Depois, aludindo a práticas que não se prendem a áreas conventuais concretas, agrupa-se o que respeita à convivência, lazer e instrução dos frades. Sobre aspetos quotidianos mais materiais, no quarto grupo, aponta-se o que se refere ao vestuário, calçado, acessórios e tonsura dos religiosos e, no quinto, à procura, uso e posse de bens, dinheiro e favores. O sexto grupo dedica-se apenas às saídas do convento e o sétimo ao governo dos prelados e à obediência dos súbditos aos superiores. Soma-se, porém, um oitavo ponto para referir alguns outros sinais que atestam o processo de decadência espiritual e moral, mas também temporal da província.

6.1.2.1 – A fronteira com o século: igreja, coro e portaria Para iniciar este percurso pelos espaços conventuais e pelos desvios à norma que neles ocorriam escolheu-se a igreja, na qual ganhava relevo a vivência dos religiosos no coro. Primeiramente, aponte-se que a limpeza das igrejas e altares era, por vezes, descurada. Ademais, ao ter-se exigido que “evitem comidas nas nossas igrejas e muito menos palrrarias á grade da capela”498, atestou-se que, no seu interior, se serviam refeições e tinham animadas conversas. Averiguou-se também que algum frade teria já roubado relíquias do sacrário499. As missas eram, por outro lado, celebradas sem a devoção e o respeito exigidos e de forma apressada. Além disso, “alguns sacerdotes: raras vezes dizem a Missa” 500. Em adição, “ha frades náo sacerdotes, que paçaó mezes e mezes sem xigarem ao Santo Sacramento da ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 6 mai 1765, fl. 74r. ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Advertências da patente do provincial”, 3 jul 1767, fl. 78r; Lv. 3, “Patente Francisco de Nisa”, ago 1787, p. 83; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 113. 500 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 189. A pouco assiduidade e a imperfeição na celebração da missa numa igreja franciscana consta, igualmente, da transcrição documental em GOMES, Saul António – “O Mosteiro de S. Francisco...”, cit., p. 403. 498 499

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Confiçaó, e Comunhaõ” 501 , mesmo com consentimento dos prelados. Muitos confessores abandonavam ainda os confessionários, rejeitando o seu ministério. Tal negligência sacerdotal e desprezo pelos sacramentos escandalizava os seculares502. A vivência religiosa no coro sofria males semelhantes aos da celebração das missas. Insistiu-se que “faltaõ Religiozos para o coro”503 e estavam “os córos desertos athe nas horas diurnas, e ao mesmo tempo, os Frades vagueando pelos povos”504. Além de faltarem e de se atrasarem para os ofícios e orações, os religiosos nem sempre tiravam o capelo à entrada do prelado nem se levantavam quando ele se levantava, faltando-lhe assim ao respeito. Desobedeciam igualmente às suas orientações sobre mudanças de lugar no coro505. Mais grave e recorrente, os frades careciam de devoção, desvelo e perfeição na realização dos ofícios divinos e orações. Não se esforçavam em cantar ou faziam-no vagarosamente e cantavam músicas que distraíam os fiéis, em vez de cânticos humildes e compostos. Os porteiros levavam recados ao coro e a cortina que separava esse espaço da parte pública da igreja nem sempre estava corrida, o que contribuía para maiores distrações. Verificou-se também que os frades tomavam, levianamente, tabaco no coro, uma prática que se quis moderar, pedindo que só o fizessem em caso de grande necessidade e com modéstia506. Na portaria, outras práticas incorretas sucediam. Dava-se de comer a religiosos externos à casa, embora não fosse “lugar deputado para comer, ou beber”507. Os porteiros eram ásperos para os seculares e admitiam conversas com mulheres. Que os hóspedes nem sempre eram bem recebidos, depreende-se também da ordem dada aos porteiros para que “recebaõ os hóspedes com urbanidade christam e que todos tratem com sibilidade que athe ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 191-192. ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 100; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 105-106; “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 164-166; “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 191-192; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 243; “Determinações do definitório”, out 1821, p. 253. A frequência pouco assídua dos sacramentos é destacada em MATOS, Artur Teodoro de – “Virtudes e Pecados...”, cit., p. 159; CAPELO, Ludovina Cartaxo – “Inventário do arquivo...”, cit., p. 248-249; GOMES, Saul António – “O Mosteiro de S. Francisco...”, cit., p. 401, 403, 406; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 394. A falta de confessores minoritas bem preparados e em exercício de funções, ainda que o número de frades, na maioria ignorantes e imorais, fosse imenso, foi uma realidade, por exemplo, nos Açores, nas primeiras décadas do séc. XIX, conforme explica ENES, Maria Fernanda – “A vida conventual...”, cit., p. 330-331. 503 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 16. 504 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 189. 505 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Decretos do capítulo”, entre 1740 e 1741, fl. 8v; “Decretos do provincial”, entre 1742 e 1743, fl. 21r; “Determinações do definitório”, 1752, fl. 35r; “Advertências do provincial”, 3 jul 1767, fl. 78r; Lv. 3, “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 99; “Determinações do definitório”, entre 1796 e 1797, p. 133; “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 163; “Determinações do definitório”, out 1818, p. 227. 506 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 31v-32r; “Determinações do definitório”, 1752, fl. 35r; “Advertências do provincial”, 3 jul 1767, fl. 78r; Lv. 3, “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 99; “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 163. 507 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 32v. 501 502

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aqui témos visto em poucos”508. Estes oficiais abririam ainda as portas da portaria, mais vezes do que lhes era permitido, uma vez que se informa que os prelados lhes podiam tirar as chaves e dá-las a quem considerassem mais digno de zelar pela clausura509.

6.1.2.2 – A clausura: refeitório, dormitórios e celas, enfermaria, livraria e oficinas Passando agora para a clausura conventual, comece-se por assinalar que os prelados, a certa altura, consideraram necessário que todas as celas tivessem chaves, isto para que “naõ sejam devassadas pelos Donatos e por mais alguma couza de que se tem larga expiriência” 510. Fica, deste modo, claro que havia invasões a celas alheias e quiçá furtos. Diversamente, também se percebeu que os frades entravam, amistosamente, nas celas uns dos outros, por certo, para ocuparem o seu tempo de forma mais recreativa, conversarem, usufruírem de laços de afetividade, divergindo assim da sua rotina religiosa e perturbando o silêncio. Todavia, já se havia ordenado “para naõ entrarem, nem asistirem em tempo do silencio nas celas dos outros” 511, ordem válida tanto para súbditos como para prelados. É presumível que, nesses espaços mais privados, ocasionalmente, resultassem palavras ou gestos menos decorosos entre frades, nomeadamente durante as confissões nas celas, o que justificaria que se tenha exigido que, em tais momentos, a candeia estivesse sempre acesa e que uns e outros procedessem com toda a religião. Provavelmente, pelos mesmos motivos, mandou-se que os frades não dormissem de portas fechadas, o que revela que o faziam512. Por outro lado, seculares e ainda frades que haviam deixado a província entravam na clausura e subiam aos dormitórios e celas, o que contrariava largamente a austeridade claustral. Decretou-se, várias vezes, que “se não consinta subir seculares aos nossos ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 17. O problema das muitas conversações entre os frades e seculares, inclusivamente do sexo feminino, na portaria, foi salientado em ESPONERA CERDÁN, Afonso – “La vida cotidiana...”, cit., p. 344. 509 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1796 e 1797, p. 130. 510 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório e discretório”, entre 1776 e 1777, p. 19. 511 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 29v-29r. 512 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1794 e 1795, p. 125. O não consentido hábito de frades e freiras entrarem nas celas uns dos outros, de noite e de dia, perturbando, muitas vezes, o silêncio claustral, para se divertirem, partilharem camas e usufruírem de amizades, inclusivamente as designadas amizades particulares ou ilícitas, o que se entende por homossexualidade, é referido em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 31, 127; MATOS, Artur Teodoro de – “Virtudes e Pecados...”, cit., p. 167; BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades...”, cit., p. 309-310; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 409-410; ESPONERA CERDÁN, Afonso – “La vida cotidiana...”, cit., p. 344. Os mesmos hábitos reveladores de afetos, amizade e homossexualidade verificavam-se nos recolhimentos femininos, LOPES, Maria Antónia – “Repressão de comportamentos...”, cit, p. 190-192, 199-201, 204-210, 220-224; JESUS, Elisabete Maria Soares de – Poder, caridade e..., cit., p. 108; LOPES, Maria Antónia – “Dominando corpos...”, cit., p. 10, 23-25; FERNANDES, Adília – O Recolhimento de Santo..., cit., p. 123; LOPES, Maria Antónia – “Transgressões femininas...”, cit., p. 104-105, 107, 111-112, 120. 508

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dormitórios; e a estes se não permita entrar nas cellas”513. Também andavam os frades pelo convento, mormente nos dormitórios, de sandálias e não descalços, como preceituado514. O refeitório era outro espaço de atos comunitários, neste caso de refeições e de lições espirituais e morais, ocasiões a que os religiosos não eram assíduos 515 . A compostura da entrada no refeitório, dois a dois, cada um para o seu lugar, inclinando a cabeça à passagem do prelado, não era sempre cumprida nem os prelados proviam, contínua e convenientemente, o alimento para os seus súbditos. Assinalou-se, porém, alguma superfluidade de iguarias. Acrescia que, ao terminarem as refeições e outros atos no refeitório, os frades não se encaminhavam prontamente para os seus afazeres, preferindo prolongar o convívio, pelo que se determinou que “naõ se detenhaõ a conversar no refeitório [...] mas hum se retirará para onde lhe toca”516. Percebeu-se ainda que os seculares eram, por vezes, convidados a jantar neste espaço, por ocasião de festa, ora por terem prestado algum serviço à comunidade517. Destaque-se também que grande era o consumo de vinho pela população conventual. É relatado, claramente, que alguns frades tinham a doença ou vício do vinho e que havia justificados motivos e queixas, quiçá consequências infelizes do seu consumo em excesso, para, recorrentemente, se ter pedido que houvesse mais escrúpulo na sua distribuição518. Deve ser também realçado que as condições da enfermaria e o cuidado aos enfermos foram um alvo recorrente das atenções do governo provincial. Conclui-se que não se cuidava diligentemente dos enfermos e que, muitas vezes, nem as enfermarias estavam preparadas para isso. Os prelados não proviam, continuamente, a roupa e o alimento necessário ao restabelecimento dos doentes nem zelavam para que fossem devidamente assistidos. Para

ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do provincial”, fev 1777, p. 34. Evidenciou-se ainda que entravam barbeiros seculares nos conventos. ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Decretos do capítulo”, entre 1740 e 1741, fl. 9r; “Determinações do provincial”, 1749, fl. 30v; Lv. 3, “Determinações do provincial”, fev 1777, p. 2; “Patente do provincial”, jun 1784, p. 54; “Determinações do definitório”, entre 1788 e 1789, p. 89; “Determinações do definitório e do discretório”, entre 1796 e 1797, p. 130. A entrada de seculares (homens e mulheres, serviçais e familiares) na clausura e, em particular, em áreas mais privadas do convento, é apontada em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 106-107; ASSUNÇÃO, Lino – As monjas de Semide..., cit., p. 88; MARTINEZ RUIZ, Enrique – “La visita...”, cit., p. 400-401; CASTRO, Maria de Fátima – “Aspectos de vida conventual...”, cit., p. 47, 58, 61, 65-66, 73-74; CAPELO, Ludovina Cartaxo – “Inventário do arquivo...”, cit., p. 250; CAEIRO, Maria Margarida – Clarissas..., cit., p. 436, 477-449; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 398, 400-401. 515 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 30r; Lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1794 e 1794, p. 127. 516 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 30r. 517 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, entre 1736 e 1737, fl. 6v; “Determinações do provincial”, 1749, fl. 30r; “Advertências da patente do provincial”, 3 jul 1767, fl. 78v; Lv. 3, “Determinações do provincial”, fev 1777, p. 34; “Patente do provincial”, jun 1784, p. 54. 518 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 32v; Lv. 3, “Determinações do definitório e do discretório”, entre 1794 e 1795, p. 124; “Determinações do definitório”, entre 1794 e 1795, p. 126; “Determinações do definitório e do discretório”, entre 1796 e 1797, p. 129; “Determinações do provincial”, entre 1798 e 1799”, p. 137. 513 514

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além disso, alguns enfermeiros eram negligentes no cumprimento do seu dever519. A falta de caridade para com os enfermos era real, chegando “a crueldade de alguns a verem seos Irmaos súbditos doentes em desamparo sem lhes ademenistrarem o remedio” e forçando-os a meios excecionais para se curarem e a serem transgressores até na hora da morte520. Distinguiram-se também práticas incorretas relacionadas com a livraria conventual. Ao ter-se proibido que os religiosos fizessem da livraria sua morada, transparece que alguém da comunidade permaneceria lá mais tempo que o permitido e talvez até ali dormisse, o que era inadequado. Aliás, ao ordenar-se que as chaves da livraria ficassem na cela do prelado e só fossem usadas para procurar ou repor algum livro, sugere-se que seriam cometidos abusos no uso deste espaço, o qual também não seria satisfatoriamente limpo. Além disso, não se fazia registo dos livros levados para fora da livraria, o que propiciava a sua não devolução521. Por fim, resta referir que os porteiros deixavam entrar seculares nas oficinas, o que reforça a convicção de que a entrada de seculares na clausura e a sua deambulação pelas diversas áreas conventuais não era algo tão invulgar522.

6.1.2.3 – Convivência, lazer e instrução O quotidiano conventual pautava-se tanto pelo convívio amistoso entre religiosos como por inimizade e conflito. Ambas as faces das relações entre os frades são exploradas nos próximos parágrafos. Efetivamente, o lado menos fraternal da convivência incluía desentendimentos, discórdias, parcialidades e falta de caridade e de paz. Por isso mesmo, procurava-se averiguar se “fas algum religioso acçaô alguma, ou profere palavra, com a qual possaô seus Irmaõs ofenderse, e os de fora escandalizarse”523. A caridade, da mesma forma, não era continuamente praticada pelos prelados face aos súbditos nem por todos face aos enfermos. O respeito, por parte dos mais novos, pelos mais antigos também não era

ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Advertências da patente do provincial”, 3 jul 1767, fl. 78v; Lv. 3, “Patente Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 16; “Determinações do provincial”, entre 1788 e 1789, p. 92; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 113; “Patente Antonino de Castelo de Vide”, abr 1803, p. 150-151; “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 163; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 238. O pouco zelo dos prelados em prover o necessário à cura dos enfermos, como alimento, vestuário e especial assistência é assinalada em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 33, 36, 255-256; ESPONERA CERDÁN, Afonso – “La vida cotidiana...”, cit., p. 333. 520 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 186. 521 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do provincial”, entre 1788 e 1789, p. 90; “Determinações do definitório e discretório”, 1817, p. 202. 522 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do provincial”, entre 1788 e 1789, p. 89. 523 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 29r. 519

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constante 524 . Além disso, alguns frades revelavam problemas e defeitos dos irmãos, da comunidade e da província, que deviam ser mantidos em segredo, a seculares e religiosos de fora. Na verdade, “muitos religiosos se famarelizao con os ceculos dando lhes a saber tudo o que entre nos se paça de bom, e mal” 525 . O pouco segredo contribuía para a ruína da província526. A familiaridade e as conversações com os leigos seriam, sem dúvida, uma das formas de recreio costumadas pelos frades, ainda mais tratando-se de uma ordem mendicante, vocacionada para a pregação e a assistência às populações fora do claustro. Como a ruptura com a vivência secular e a adoção de uma conduta rigidamente preceituada seria difícil de concretizar de forma plena, muitos mantinham, ainda que não lhes fosse permitido, interesses e práticas da sua vida antes de professarem na ordem e descuidavam-se das suas incessantes tarefas religiosas para se ocuparem de recreações diversas. O moderado recreio transformavase, por vezes, em autêntica ociosidade, de tal forma que se chegou a declarar que certos frades “naò pregam, e nada mais fazem, do que tornar-se odiosos aos povos”527. Retornando ao lazer dos religiosos, averiguou-se que alguns alegavam que “lhes falta o tempo para cuidarem nas suas obrigações” quando, na verdade, declara o provincial, “lhes sobra este para consumirem em conversassões e outros divertimentos alheos da sua profiçaõ” 528 . Tais conversas frequentes ocorriam no coro, nas celas e dormitórios e no refeitório e quebravam o silêncio diurno e noturno, como já se explicou

529

. Não

estranhamente, por vezes, dedicavam-se às inconvenientes “couzas do mundo que ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 17; “Determinações do definitório”, entre 1794 e 1795, p. 126; “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 170; “Patente José de Fronteira”, jul 1817, p. 170; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 235. As diferenças de valores, de estatutos sociais e de devoção provocavam desentendimentos, conflitos, ódios, ambições, concorrências, enredos, segredos, violência verbal e física ou desrespeito dentro das comunidades religiosas como assinalaram MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 56-57, 102, 150-151, 130, 234, 244; ASSUNÇÃO, Lino – As monjas de Semide..., cit., p. 80; CASTRO, Maria de Fátima – “Aspectos de vida conventual...”, cit., p. 56, 63; MATOS, Artur Teodoro de – “Virtudes e Pecados...”, cit., p. 163-164; CAEIRO, Maria Margarida – Clarissas..., cit., p. 222, 462-463; CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 375-377; BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades...”, cit., p. 310-311; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 399, 420-426. 525 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 244. 526 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Advertências da patente do provincial”, 3 jul 1767, fl. 79r; Lv. 3, “Patente Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 16. O problema dos frades falarem em demasia com seculares e religiosos de fora e lhes contarem os segredos da comunidade é indicado em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 39, 59-60, 73-74; GOMES, Saul António – “O Mosteiro de S. Francisco...”, cit., p. 403. 527 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 191. 528 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do provincial”, fev 1777, p. 34-35. 529 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Advertências da patente do provincial”, 3 jul 1767, fl. 78v; Lv. 3, “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 114. As muitas conversações entre religiosos e a falta de silêncio diurno e noturno nos institutos regulares são apontadas em ASSUNÇÃO, Lino – As monjas de Semide..., cit., p. 88; MATOS, Artur Teodoro de – “Virtudes e Pecados...”, cit., p. 167; CAEIRO, Maria Margarida – Clarissas..., cit., p. 356; GOMES, Saul António – “O Mosteiro de S. Francisco...”, cit., p. 404; CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 394-395; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 408. 524

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deixaraõ” 530 . Essas conversas promoveriam um maior convívio e dinamismo no seio da comunidade, quebrando a austeridade que a regra impunha e que assim se tornaria mais suportável. Percebeu-se também que se realizavam festas no convento, para as quais se convidavam mais seculares para além do síndico, médicos e cirurgiões. Alguns frades ainda se ocupavam com empregos temporais e outros escreviam cartas para fora, sem a devida licença dos prelados531. Quanto a estes, também alguns “jogão cartas a dinheiro dentro, e fora dos conventos tanto com seculares, como com os proprios súbditos”532. Destaque-se ainda que certos religiosos se entretinham com a criação de aves de estimação, mormente papagaios. Aliás, refere-se que muitos jovens frades eram: “taõ inclinados a terem gaiolas de passarinhos muzicos a titolo de honesto devirtimento; e ainda com pretexto de lhes cantarem no coro, aonde os tais coriozos saõ mui poucos, que chegaõ a levalos consigo na mudança de um convento para outro, mostrando nos ditos trastes, que são regalados senhores, e naõ uns frades humildes, e penitentes”533.

Por este abuso e pela imundícia que as ditas aves provocavam nas celas, entre outros inconvenientes da sua criação, esta foi condicionada a um número reduzido de espécimes por convento. As aves só podiam estar ao cuidado de religiosos velhos e nunca seriam levadas pelos cuidadores quando se mudassem de convento, por mais apego que lhes tivessem534. ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 114. A preocupação dos religiosos com o que acontecia no século, demonstrada pelas conversas que mantinham sobre este mesmo assunto e ainda pela sua vontade de receber informações de fora do convento é revelada em ASSUNÇÃO, Lino – As monjas de Semide..., cit., p. 80; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 402. 531 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 32v-33r; “Determinações do provincial”, entre 1767 e 1768, fl. 76v; Lv. 3, “Patente Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 15; “Determinações do definitório”, entre 1814 e 1815, p. 198. Também se refere a escrita clandestina de cartas para fora do convento em SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 402. 532 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 187. A realização de vários jogos, entre eles o de cartas, dentro e fora dos mosteiros e conventos, com a participação de religiosos, é mencionada em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 11; MARQUES, José – “Os mosteiros cistercienses..., cit., p. 360; GOMES, Saul António – “O Mosteiro de S. Francisco...”, cit., p. 403. 533 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 29v-30r. 534 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório e do discretório”, entre 1776 e 1777, p. 18. No séc. XVIII, afigura-se ter sido frequente criarem-se animais de estimação como papagaios, cães, cadelas e gatos, dentro dos institutos regulares, sobretudo femininos. A criação desses animais e o apego que os regulares lhes tinham, levando-os consigo para os ofícios no coro e nas suas mudanças de casa, evidencia a existência de laços de afeto entre eles e os bichos. Impedidos de desenvolver amizades e amores dentro da comunidade religiosa e com gente do século, o apego aos animais seria uma forma de compensarem carências afetivas. Alguns textos da autoria de religiosas, como o apólogo do papagaio em Aves Ilustradas de Soror Maria do Céu, bem como registos de visitas e devassas a conventos, revelam o afeto de religiosos e religiosas por animais de estimação. No entanto, semelhantes hábitos evidenciaram-se, igualmente, no século. Um anúncio na Gazeta de Lisboa de 22 de Junho de 1724 dá a conhecer a preocupação dos donos pela sua “cadelinha de estrado” desaparecida. Desde inícios do século XIX que outras fontes corroboram os novos hábitos e afetos que ligavam as pessoas, sobretudo mulheres, aos animais. Por exemplo, a literatura de cordel satirizou esses novos afetos. LOPES, Maria Antónia – Mulheres, espaço e sociabilidade. A transformação dos papéis femininos em Portugal à luz de fontes literárias (segunda metade do século XVIII). Lisboa: Livros Horizonte, 1989, p. 60; MARQUES, A. H. Oliveira – “Introdução à história dos gatos em Portugal”, em TENGARRINHA, José (coord.) – A Historiografia portuguesa hoje. São Paulo: Editora Hucitec, 1999, p. 46-59; BRAGA, Paulo Drumond – História dos cães em 530

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Aproveite-se para transmitir que a quebra da castidade é enunciada uma só vez, o que basta para perceber que o voto não era respeitado por todos. Afirmou-se, pois, que a castidade “se apagua e extingue nos nossos membros com a maceração da carne” e advertiu-se que os frades deviam recorrer “a modéstia e compostura e mortificação dos olhos, para que naõ vejaõ vaidades, e a fuga das pessoas do diversso sexo”535. Por outro lado, averiguou-se que alguns solicitavam tabaco aos prelados e fumavam-no sem necessidade que a isso os obrigasse536. Considerou-se oportuno introduzir aqui algumas considerações acerca do nível de instrução e/ou ignorância dos frades. A documentação, mormente oitocentista, insiste que muitos deles, incluindo sacerdotes, eram significativamente ignorantes e mal instruídos para o bom desempenho de funções sacerdotais, nomeadamente de pregação e confissão, como médicos das almas. Estavam também mais impregnados de vícios que de virtudes, não constituindo um bom exemplo para os fiéis. Saliente-se que os mais jovens tendiam a ser excessivamente distraídos, ignorantes e ociosos, causando grande escândalo aos seculares537.

6.1.2.4 – Vestuário, calçado, acessórios e tonsura O aspeto físico dos frades, no qual se integrou o vestuário, o calçado, os acessórios e a tonsura que usavam, embora estivesse especificamente regulamentado, desobedecia com alguma frequência ao padrão uniformizado e simples da província. Desde logo, há que esclarecer que, mais do que uma vez, foi apontado o uso de hábitos, túnicas, mantos e capelos deformados, ou seja, cuja forma era contra a Regra 538 . Porém, de várias maneiras se deformava o hábito, se excedia a pobreza franciscana e se manifestava a vaidade dos religiosos. Portugal. Das origens a 1800. Lisboa: Hugin, 2000, p. 42-47, 54-55; BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades...”, cit., p. 312; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 392; LOPES, Maria Antónia – “Escritores e animais: vivências, representações e sentimentos, do Barroco ao Naturalismo”, em BRAGA, Isabel Drumond (coord.); BRAGA, Paulo Drumond (coord.) – Animais e companhia na História de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2015, p. 453-454. 535 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 112. A quebra do voto de castidade pelos frades franciscanos, dentro e fora dos conventos, é também apontada em GOMES, Saul António – “O Mosteiro de S. Francisco...”, cit., p. 402-406. 536 Essa necessidade devia ser atestada por um médico ou cirurgião e sem ela nenhum prelado deveria fornecer o dito tabaco. ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1774 e 1775, p. 10; “Patente Lino de Nisa”, p. 117; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 246. 537 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 165; “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 190-191, 194; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 242. A insuficiente instrução de frades sacerdotes para o bom cumprimento das suas tarefas espirituais é igualmente salientada em ESPONERA CERDÁN, Afonso – “La vida cotidiana...”, cit., p. 340. 538 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Advertências da patente do provincial”, 3 jul 1767, fl. 79r; “Determinações do provincial”, 17 dez 1768, 81r; Lv. 3, “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 110; “Determinações do definitório”, 1817, p. 117.

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Averiguou-se, por exemplo, que se usavam tecidos tingidos e menos vis em vez de lã pura para a confecção dos hábitos. Contudo, a incorreção mais apontada foi o uso de “algum traste impróprio ao nosso estado, e criacão” 539 , dentro e fora dos conventos. Havia, em particular, quem usasse vestuário secular como camisas, coletes, véstias e calções, além de adornos nas próprias vestimentas como costuras e bainhas ornamentadas, colarinhos largos, mangas grandes e pregas e ainda acessórios adicionais, igualmente seculares, como alçadeiras, pescocinhos, lenços, contas pendentes, botões, borlas, gorros e anéis. Por vezes, as cordas à cintura também eram assaz grandes540. Os frades, de facto, encontravam maneiras de se distinguir e “ocultarem milhor os vestidos seculares que por baxo trazem” 541 . Entre os mais jovens, caía-se no extremo de andarem descompostos “con os hábitos caídos, e outros con elles, enrolados as cinturas contra o que se lhes ensinou”542. Abusos destes, que eram “naò só falta de religião, e de regularidade, mas ainda louca extravagancia”543, escandalizavam “naõ so os demais religiosos: mais taõ bem os siculares que nunca viraõ tais fatalidades praticadas na Provincia”544. Também as formas ou moldes preceituados dos sapatos e sandálias eram desrespeitados. Verificou-se o incorreto uso de sapatos todos fechados, com botões e ainda com correias de cor distinta da do sapato. Quanto às sandálias, era produzidas em materiais que não necessariamente o couro, tinham formas diferentes, cobriam demasiado o peito do pé e eram adornadas com artifícios545. Por fim, sobre a tonsura, refira-se que, embora o costume na província fosse o uso de cercilhos546 grandes, alguns frades usavam-nos mais pequenos, ostentando mais cabelo seu547.

ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do provincial”, entre 1794 e 1795, p. 127. ANTT – CSAFronteira, lv. 2, 1749, fl. 30v-31r; Lv. 3, “Patente do provincial”, jun 1784, p. 54; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 110; “Determinações do provincial”, entre 1794 e 1795, p. 127; “Determinações do definitório e discretório”, entre 1798 e 1799, p. 137; “Determinações do provincial”, entre 1813 e 1814, p. 153; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 246; “Determinações do definitório e discretório”, entre 1814 e 1815, p. 178; “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 188; “Determinações do provincial”, entre 1814 e 1815, p. 199; “Patente José de Fronteira”, jul 1817, p. 209; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 247. 541 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 188. 542 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 247. 543 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 171. 544 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 246. 545 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Advertências da patente do provincial”, 3 jul 1767, fl. 79r; “Determinações do provincial”, 17 dez 1768, fl. 81r; Lv. 3, “Patente do provincial”, jun 1784, p. 54; “Determinações do definitório”, entre 1786 e 1787, p. 71; “Patente Francisco de Nisa”, ago 1787, p. 85; “Determinações do provincial”, entre 1788 e 1789, p. 90-91; , “Determinações do definitório e discretório”, entre 1789 e 1790, p. 94; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 110; “Determinações do definitório e discretório”, entre 1794 e 1795, p. 121; “Determinações do definitório”, entre 1794 e 1795, p. 126-127; “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 171; “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 188; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 246. 546 Cercilho é sinónimo de tonsura e coroa. BLUTEAU, Raphael – Vocabulario portuguez..., cit., vol. 2, p. 248. 547 Alguma extravagância no uso de cercilhos demasiado pequenos e fartas cabeleiras pelos frades foi detetada em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 10. Religiosos e religiosas procuravam contornar a 539 540

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Esclareça-se ainda que só os enfermos podiam usar determinadas peças de vestuário e calçado devido à sua condição e somente com prescrição médica548.

6.1.2.5 – Bens, dinheiro e favores Consistindo o voto de pobreza um preceito franciscano fundamental e tendo-se evidenciado, na documentação, várias indicações de que este era, de diferentes formas, transgredido549, optou-se por isolar tudo o que lhe é concernente. Em primeiro lugar, apurou-se que alguns religiosos possuíam bens móveis, entre eles objetos supérfluos, que persistiam em querer levar consigo quando mudavam de convento, e, além disso, bens imóveis. Também alienavam, para uso próprio, objetos de irmãos falecidos ou do convento, pediam dinheiro emprestado e aceitavam penhores550. Com o intuito de obterem maiores somas pecuniárias ou em géneros, os frades pediam esmolas frequentemente, porquanto “os nossos bemfeitores se escandalizaõ dos muitos peditórios, e dizem que nôs pediamos menos quando eramos mais” 551 . Mais grave ainda, andavam “pedindo esmola de porta em porta, e aparecemos em ar de fidalgos, revestidos de ensignias diante daquelles mesmos, que talvez tirem parte do sustento neceçario aos seus filhos para nos socorerem”552. Peticionavam também em feiras e em bancas montadas nos conventos, igrejas e alpendres, neste último caso, em troca de bentinhos da conceição553.

austeridade e uniformidade que a Regra impunha ao aspeto físico reproduzindo as modas seculares e deformando o hábito, o calçado e o penteado regular. No caso feminino, por vezes, os trajes, adornos e penteados eram bastante extravagantes e acrescentava-se ainda o uso de cosméticos. Recorriam a esses artifícios para expressar beleza, luxo, riqueza e distinção social, MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 10, 129-130, 166, 185, 234-237; ASSUNÇÃO, Lino – As monjas de Semide..., cit., p. 81; CASTRO, Maria de Fátima – “Aspectos de vida conventual...”, cit., p. 46, 52; MATOS, Artur Teodoro de – “Virtudes e Pecados...”, cit., p. 161-162; CAPELO, Ludovina Cartaxo – “Inventário do arquivo...”, cit., p. 252-253; CAEIRO, Maria Margarida – Clarissas..., cit., p. 458-459; CONDE, Antónia Fialho – Cister a Sul..., cit., p. 371-374; BRAGA, Isabel Drumond – “Vaidades...”, cit., p. 319-320, 316-319; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 412-413, 414; ESPONERA CERDÁN, Afonso – “La vida cotidiana...”, cit., p. 320, 329. Nos recolhimentos femininos, verificavam-se usos similares, LOPES, Maria Antónia – “Repressão de comportamentos...”, cit, p. 210-211, 214, 216, 218, 220-224; JESUS, Elisabete Maria Soares de – Poder, caridade e..., cit., p. 89-90; LOPES, Maria Antónia – “Dominando corpos...”, cit., p. 23-24; FERNANDES, Adília – O Recolhimento de Santo..., cit., p. 256; MACHADO, Carla Manuela Sousa – Entre a clausura..., cit., p. 113-114, 130, 139, 143; LOPES, Maria Antónia – “Transgressões femininas...”, cit., p. 105, 107, 109-110, 119. 548 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório”, 1817, p. 203. 549 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 107-108; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 239. 550 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Disposições do provincial na congregação”, 1748, fl. 27r-27v. Lv. 3, “Determinações do provincial”, entre 1776 e 1777, p. 25; “Patente Francisco de Nisa”, ago 1787, p. 83; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 111; “Patente José de Fronteira”, jul 1817, p. 206-210. 551 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Manuel de Arroches”, entre 1776 e 1777, p. 16. 552 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 192. 553 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 32v; “Advertências da patente do provincial”, 3 jul 1767, fl. 78v.

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Encontraram-se, igualmente, críticas ao facto de alguns frades pedirem esmolas pelo seu trabalho pastoral, o qual deveriam executar sem interesses materiais e tão somente pelo bem espiritual dos fiéis. Alguns diziam missa, faziam sermões e instruíam e assistiam os seculares somente com vista às esmolas que receberiam pelo seu serviço554. As esmolas eram, sem dúvida, um dos meios a que mais recorriam os frades para obter verbas. Adicionalmente, alguns negociavam compras e vendas com seculares, por exemplo de fruta e hortaliça da horta conventual, em praça pública e em vendas particulares, até com autorização dos prelados que igualmente compravam e vendiam bens aos súbditos555. Por outro lado, o dinheiro e géneros obtidos nas petições nem sempre eram entregues aos prelados, como mandavam os estatutos, permanecendo na posse nos frades. Os próprios prelados retinham-nos em seu poder, não os entregando ao síndico, e gastavam-nos contra a intenção da comunidade. A gestão e contagem do dinheiro, mormente em festas, também ficava, por vezes, a cargo dos frades que estavam impedidos de a fazer 556 . Como alguns tinham que viajar entre o Algarve e o Alentejo para mudarem de convento, uma jornada considerada difícil, por causa dos poucos recursos com que era feita, nela cometiam-se “transgressoens [...] contra a pobreza” 557, que interpretamos, dado o contexto, como roubos. Finalmente, entendendo-se a petição de favores como falta de modéstia e excesso de ambição, também essa prática era uma transgressão à pobreza espiritual. Eram, de facto, comuns os pedidos de favores, graças, patrocínios e privilégios, por parte dos frades, a seculares e eclesiásticos para os mais diversos tipos de favorecimento tanto dentro como fora da comunidade. Tais procedimentos foram proibidos diversas vezes558.

ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 104, 108; “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 168; “Determinações do definitório e discretório”, entre 1814 e 1815, p. 178. Também se verificou a existência de frades que diziam missas e confessavam fiéis com o único intuito de receber esmolas em ESPONERA CERDÁN, Afonso – “La vida cotidiana...”, cit., p. 339-340. 555 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório e discretório”, entre 1814 e 1815, p. 177; “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 187. 556 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 29r, 33r; Lv. 3, “Patente Francisco de Nisa”, ago 1787, p. 80; “Determinações do definitório”, entre 1788 e 1789, p. 89; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 108-109; “Determinações da congregação”, 1817, p. 202-203. Sobre a procura, posse e uso individual de bens e dinheiro por religiosos, incluindo o recurso ao seu património familiar, a não entrega das esmolas ao prelado e ao síndico e também a negociação de empréstimos, compras e vendas ver, CAMPOS Y FERNÁNDEZ DE SEVILLA, Francisco Xavier – “La vida cotidiana...”, cit., p. 876; CAEIRO, Maria Margarida – Clarissas..., cit., p. 446; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 429, 442; ESPONERA CERDÁN, Afonso – “La vida cotidiana...”, cit., p. 320, 329-331. Faz-se ainda menção a prelados que guardavam em sua posse, geriam e gastavam a seu gosto e em excesso o dinheiro das esmolas e de pagamentos em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 12; ASSUNÇÃO, Lino – As monjas de Semide..., cit., p. 83; MATOS, Artur Teodoro de – “Virtudes e Pecados...”, cit., p. 161; GOMES, Saul António – “O Mosteiro de S. Francisco...”, cit., p. 404-405; ESPONERA CERDÁN, Afonso – “La vida cotidiana...”, cit., p. 329. 557 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do provincial”, entre 1776 e 1777, p. 25. 558 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Declarações do provincial”, entre 1754 e 1755, fl. 37v; “Advertências da patente do provincial”, 3 jul 1767, p. 79r; Lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1776 e 1777, p. 33; 554

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6.1.2.6 – Vagueação, pernoita e residência fora da clausura Apurou-se que os prelados eram muito indulgentes com as saídas dos súbditos dos conventos. Não terá sido por acaso que se insistiu que só com grande urgência enviassem religiosos fora, nunca sozinhos, evitando a todo o custo a saída dos enfermeiros e porteiros559. Contudo, fora do claustro, contrariamente ao que previam os estatutos, os frades não andavam sempre com um companheiro. Na verdade, “os Religiozos se apartaõ dos companheiros e muitas vezes sahem sós, com escândalo desacreditando-se a si mesmos e ao nosso habito”560. Igualmente sós, entravam em casas de seculares para receber esmolas, o que só se consentia se fosse entrada sem demora e por razão muito precisa. Por vezes, até jantavam em habitações seculares561. A propósito das esmolas, note-se que alguns religiosos resistiam a mendigar, um ponto da Regra que nenhum franciscano podia dispensar. Outros, davam esmolas de alimentos sem terem a autorização dos prelados562. Facilitadas pelo pouco zelo dos prelados, as vagueações dos frades pelos povos eram demasiadas, tanto de manhã como de tarde, mesmo nas horas dos ofícios divinos no coro, que chegavam a ficar desertos 563 . Ademais, nas suas andanças, os religiosos nem sempre se comportavam como deviam, de tal modo que esta era “a cauza de muitos desmanxos, e hé pouco, ou nenhuma edificaçaõ para o Póvos”564 e causava “escândalo e emfado aos seculares, e taõ bem porque distrahem o espírito e depois custa a sujeitallo á devoção e oração” 565. Até os pregadores demonstravam ter uma imoderada conduta que “tem passado ao exceço escandaloso, sahindo quazi todos os dias da manhã e tarde”566.

“Determinações do definitório”, entre 1782 e 1783, p. 48; “Determinações do provincial”, entre 1789 e 1790, p. 95; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 111; “Determinações da congregação”, entre 1806 e 1807, p. 156; “Determinações do provincial”, entre 1814 e 1815, p. 179; “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 194; “Determinações do definitório e discretório”, 1817, p. 201; “Determinações definitório”, out 1818, p. 227. 559 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Disposições do provincial na congregação”, 1748, fl. 27r; “Determinações do provincial”, 1749, fl. 30r; “Determinações do provincial”, 1 dez 1761, fl. 72r; “Advertências da patente do provincial”, 3 jul 1767, fl. 78v; Lv. 3, “Patente de Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 16; “Determinações do provincial”, entre 1788 e 1789, p. 92. 560 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do provincial”, entre 1803 e 1804, p. 153. 561 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 29v; Lv. 3, “Patente Francisco de Nisa”, ago 1787, p. 85; “Determinações do definitório”, entre 1788 e 1789, p. 89; “Determinações do provincial”, entre 1813 e 1814, p. 153; “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 189. 562 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do definitório e discretório”, entre 1770 e 1771, fl. 84r/84v; Lv. 3, “Patente Francisco de Nisa”, ago 1787, p. 82. 563 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Manuel de Arroches”, entre 1776 e 1777, p. 16; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 114; “Determinações do provincial”, entre 1803 e 1804, p. 153-154; “Patente António de Loulé, entre 1814 e 1815, p. 189. 564 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do provincial”, entre 1803 e 1804, p. 153-154. 565 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 114. 566 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente António de Loulé, entre 1814 e 1815, p. 189.

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Além destas deambulações, os religiosos, às vezes, também pernoitavam fora dos conventos, contribuindo para isso, de novo, a permissividade e pouco zelo dos prelados em recolher os seus súbditos, diariamente. Mesmo sem haver circunstâncias de urgência nem compromissos de sermões, confissões ou esmolas que as pudessem justificar, as pernoitas fora da clausura aconteciam567. Ficavam os frades, por exemplo, em casa de pais e irmãos, pois isso era permitido. Todavia, abusavam dessa condescendência, dormindo noutras casas568. O esforço em evitar peditórios e sermões em lugares distantes, que obrigassem a longas permanências fora do convento, também não era suficiente569. Ao irem pedir esmolas e pregar sermões para longe, os frades ainda se deslocavam, muitas vezes, a cavalo e não a pé, como mandava a Regra, mesmo sem enfermidade ou necessidade que a isso obrigasse. Alegavam até motivos falsos para poderem usufruir desta comodidade e recreação570. A situação mais grave era, porém, a prolongada residência de alguns frades da Piedade fora da clausura, provocada pela fácil e desmedida concessão e prorrogação de licenças pelos prelados que a autorizavam por meses e anos. A troca do convento pelo século, situação verificada em diversas ordens religiosas, concorreu para o lamentável descrédito e decadência das mesmas. Os capuchos da Piedade padeceram esses infortúnios571.

6.1.2.7 – Administração da comunidade e obediência aos superiores

ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 29v; Lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1776 e 1777, p. 24; “Breve papal transmitido pelo comissário visitador apostólico dos reinos de Portugal”, dez 1786, p. 67; “Patente Francisco de Nisa”, ago 1787, p. 83. 568 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório e discretório”, entre 1800 e 1802, p. 146; “Determinações do provincial”, entre 1803 e 1804, p. 153; “Determinações da congregação”, entre 1806 e 1807, p. 157; “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 193. 569 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Manuel de Arroches”, entre 1776 e 1777, p. 16; “Patente Francisco de Nisa”, ago 1787, p. 84; “Determinações do definitório”, entre 1814 e 1815, p. 197. 570 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do provincial”, fev 1777, p. 34; “Patente do provincial”, jun 1784, p. 54; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 109; “Determinações do definitório”, entre 1784 e 1795, p. 126; “Patente José de Fronteira”, jul 1817, p. 209. 571 O Estado ordenou aos prelados, inclusivamente franciscanos, que recolhessem todos religiosos que estivessem fora da clausura, refreassem a concessão de licenças e enviassem as já outorgadas à Junta do Exame das Ordens Religiosas para análise e aprovação. ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente do provincial sobre carta régia”, nov 1777, p. 38; “Provisão régia”, dez 1800, p. 142-143; “Patente José de Tavira sobre portaria régia”, abr 1823, p. 267. As licenças de residência fora dos conventos vulgarizaram-se, a partir de meados do séc. XVIII, em Portugal. O Estado, através de vários decretos, como a Real Resolução de Maio de 1772, e da referida Junta do Exame das Ordens Regulares procurou remediar a situação e reduzir o numero de licenças, MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 187; FERNANDES, Maria Eugénia Matos – O Mosteiro de Santa Clara...., cit., p. 161-162. Casos de vagueação de frades pelos povos, sem urgências que as motivassem, realizadas com demora, sem companheiro e/ou para longe, e também casos de pernoita fora da clausura e ainda de fácil concessão de licenças de saída e residência no século, foram encontrados em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 9, 11, 25, 32, 53-55, 133, 187-188, 219, 230; ESPONERA CERDÁN, Afonso – “La vida cotidiana...”, cit., p. 320, 345-346. 567

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Em último lugar, pretende-se, por um lado, salientar algumas imperfeições e transgressões do governo temporal e espiritual dos prelados provinciais e locais e, por outro, realçar a desobediência e desrespeito dos frades perante a organização institucional da ordem e pelos seus superiores. Antes de mais, deve ser feita uma alusão ao governo dos provinciais, extensível ao dos guardiães, ainda que diga mais respeito à sua obediência ao Papa e ao rei do que à Regra. Na documentação analisada, afirma-se que os superiores da Piedade nem sempre executavam os breves, bulas, decretos, ordens, mandados e sentenças da Cúria, seus legados, auditores e juízes nem mesmo os da Coroa. Por exemplo, estando proibida a aceitação de noviços nas ordens regulares, souberam contornar a lei de modo a continuar com os ingressos572. Porém, para situar alguns defeitos do governo dos provinciais, refira-se que alguns autorizavam transferências de frades na província, sem o consentimento do definitório, e que, além disso, não realizavam assiduamente as visitas canónicas preceituadas, como já se enfatizou no capítulo quatro573. Transpondo agora para uma dimensão mais local de poder, o governo temporal dos guardiães e presidentes dos conventos, apurou-se que alguns conventos eram mal administrados pelos prelados, os quais faziam gastos desnecessários, nem sempre registavam as receitas e despesas, mantinham dívidas e eram pouco assíduos nas contas com os síndicos e no envio dos inventários para os capítulos provinciais574. Alguns guardiães faltavam também ao seu dever de prover as necessidades dos súbditos, entenda-se isto por alimentos, roupa e o bom estado e asseio da casa conventual. A distribuição, aparentemente mensal, de tabaco pela comunidade, consoante a necessidade dos religiosos, também não era corretamente cumprida, provocando desordens e queixas575. Outra irregularidade na sua administração temporal era a pouca ou nenhuma consulta que faziam aos discretos, cujo parecer era obrigatório para as

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Contornaram a proibição do ingresso de noviços, permitindo que estes fossem tomar hábito ao estrangeiro para depois se integrarem nos conventos portugueses. ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Carta régia”, 18 mai 1769, fl. 81v; “Carta do Conde de Oeiras”, 23 ago 1770, fl. 84v. 573 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do definitório e discretório”, entre 1770 e 1771, fl. 83r, 84v. 574 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório e discretório”, entre 1786 e 1787, p. 70; “Patente Antonino de Castelo de Vide”, abr 1803, p. 151; “Determinações da congregação”, entre 1806 e 1807, p. 158159; “Determinações do definitório e discretório”, entre 1800 e 1802, p. 146. A incorreta gestão temporal efetuada por alguns prelados locais é assinalada em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 242-246; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 438-442. 575 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 17 dez 1768, fl. 81r; Lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1774 e 1775, p. 10; “Patente Francisco de Nisa”, ago 1787, p. 82; “Determinações do provincial”, entre 1788 e 1789, p. 92; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 116; “Patente Antonino de Castelo de Vide”, abr 1803, p. 151. A deficiente provisão de roupa e comida, mesmo aos enfermos, e ainda casos de maltrato e abuso de poder pelos prelados locais face aos súbditos é referida em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 84, 86; ESPONERA CERDÁN, Afonso – “La vida cotidiana...”, cit., p. 333.

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decisões importantes da comunidade, nomeadamente sobre compras e vendas 576. Surgiam, inclusivamente, “queixas que tivemos do disputismo de alguns Prelados”577. Quanto ao governo espiritual, alguns guardiães não zelavam tanto quanto deviam, paternalmente, com desvelo, caridade e honra, pelo recolhimento e observância dos seus súbditos, confirmando-se, desta forma, a sua negligência no que era a sua primordial função. Alguns fracassavam como auxiliares dos provinciais, não vigilando, admoestando, repreendendo, corrigindo e castigando, local e continuamente, os frades, mas deixando-os “viver distraídos, e abandonados a si proprios”578. Além disso, nem todos eram moderados, caindo no erro da brandura ou aspereza excessiva, tirando o necessário vigor da disciplina ou afligindo com violência os espíritos. Embora os prelados devessem dar um bom exemplo às comunidades, pois “são os fazem as comunidades boas, e más”579, nem todos eram modelos a seguir, um problema que somente estimulava mais a inobservância580. Descendo agora do governo dos prelados para a desobediência dos seus súbditos, note-se que alguns religiosos não cumpriam zelosamente todas as suas obrigações no convento e na província, algo que pode ser confirmado através das muitas imperfeições e transgressões identificadas, até este momento, neste capítulo. Escusavam-se, por exemplo, de confessar fiéis, ainda que houvesse grande falta de confessores na província. Além disso, não respeitavam os seus prelados e comissários visitadores nem obedeciam às suas ordens 581 . Subentende-se, em particular, que, ao tomarem a bênção para saírem ou ao voltarem ao convento, não cumpriam sempre as formalidades de respeito de pôr os joelhos em terra e inclinar a cabeça. Declarou-se que havia “muita falta desta disciplina religiosa”582. Também se é levado a crer que, contra a legislação e organização provincial, algum frade já teria

ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 11 dez 1763, fl. 72r; “Determinações do provincial”, 17 dez 1768, fl. 81r; Lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1782 e 1783, p. 47; “Determinações do provincial”, entre 1814 e 1815, p. 180; “Determinações do definitório”, 1817, p. 202. A reduzida consulta que os prelados franciscanos faziam aos discretos para a resolução de decisões importantes é também apontada em GOMES, Saul António – “O Mosteiro de S. Francisco...”, cit., p 403-404, 406. 577 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações da congregação”, entre 1806 e 1807, p. 158. 578 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 191. 579 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente do provincial”, jun 1784, p. 56. 580 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Advertências da patente do provincial”, 3 jul 1767, fl. 78v-79r; Lv. 3, “Determinações do provincial”, fev 1777, p. 34; “Determinações do provincial”, entre 1788 e 1789, p. 92; “Patente do provincial”, jun 1784, p. 55-56; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 113; “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 162-163; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 235. Faz-se alusão a guardiães que negligenciavam o seu dever de zelar pela observância das comunidades em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 65-67, 70, 86, 124, 174, 188; SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 396, 436-437. 581 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 17; “Determinações do provincial”, entre 1798 e 1799, p. 140; “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 168-169; “Patente José de Fronteira”, jul 1817, p. 210; “Determinações do definitório”, out 1821, p. 253.. A falta de obediência e respeito da comunidade pelos superiores é assinalada em CAEIRO, Maria Margarida – Clarissas..., cit., p. 461. 582 ANTT – CSAFronteira, lv. 2 ,“Decretos do definitório e discretório”, entre 1736 e 1747, fl. 6r. 576

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rompido, queimado ou desfeito livros do arquivo conventual583. Por outro lado, a fidelidade dos frades leigos, que, cada vez mais, se queixavam de que, na falta de coristas, os seus deveres aumentavam, foi-se tornando quase inexistente. Apontou-se ainda a presença de donatos indignos, que podiam e deviam ser lançados fora584. Contudo, a desobediência mais notável dos religiosos às ordens provinciais, repetida em quase vinte determinações, diz respeito às mudanças de convento, como residência. Os frades tanto eram resistentes à sua transferência de moradia, quando estavam bem adaptados a ela, como ansiosos por mudar de convento, quando não estavam satisfeitos nele. Ao longo das décadas, rogou-se para não recusarem conventos e prelados, para se acomodarem com as suas novas casas e cumprirem as mudas com brevidade. Da mesma forma, pediu-se que se conformassem com as casas onde estavam e não pedissem transferência antecipadamente585. Resta apontar que ocorriam na província casos de apostasia, renúncia de votos e deserção586.

6.1.2.8 – A gradual degradação da Província da Piedade Depois desta exposição concreta de imperfeições e transgressões perpetradas no quotidiano franciscano da Província da Piedade, pretende-se agora adicionar alguns outros elementos encontrados na documentação explorada, de modo a entender-se melhor o seu gradual declínio espiritual, moral e temporal, em finais de Antigo Regime. Para principiar, aponte-se que a primeira referência clara à decadência e ruína da província é de 1767. Deste então, na Piedade, o número de determinações corretivas, por vezes recorrentes, bem como a quantidade de críticas e comentários desgostosos e repreensivos tendeu, de facto, a aumentar. Aumentou, igualmente, a dureza e clareza do ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Disposições do provincial na congregação”, 1748, fl. 27r. ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1782 e 1783, p. 48; “Determinações do definitório e discretório”, entre 1796 e 1797, p. 130; “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 169; “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 194. 585 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Disposições do definitório”, entre 1746 e 1747, fl. 26r; “ Determinações do provincial”, 6 mai 1765, fl. 74r; “Determinações do provincial”, entre 1767 e 1768, fl. 76v; “Determinações do provincial”, 17 dez 1768, fl. 81r; Lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1774 e 1775, p. 7; “Determinações do provincial”, entre 1775 e 1776, p. 14; “Patente Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 17; “Determinações do provincial”, entre 1776 e 1777, p. 25; “Determinações do provincial”, fev 1777, p. 36; “Mandamentos do provincial”, entre 1782 e 1783, p 48; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 110-111; “Determinações do provincial”, entre 1794 e 1795, p. 128; “Determinações do provincial”, entre 1798 e 1799, p. 140; “Determinações do definitório e discretório”, entre 1800 e 1802, p. 147; “Determinações provincial”, entre 1814 e 1815, p. 179; “Determinações do provincial”, entre 1814 e 1815, p. 199; “Determinações do definitório”, out 1818, p. 227; “Mandamentos do provincial”, out 1821, p. 254. 586 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Decretos do capítulo”, entre 1740 e 1741, fl. 9r; Lv. 3, “Breve através da patente do comissário visitador”, dez 1786, p. 67. No séc. XIX, vulgarizou-se, mesmo entre os Minoritas, o abandono do estado regular e a transição ao estado secular, fruto da falta de vocação e descontentamento com a situação das ordens religiosas, o que se apresenta em consonância com o que se encontrou a propósito dos frades da Província da Piedade. ENES, Maria Fernanda – “A vida conventual...”, cit., p. 343. 583 584

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vocabulário negativo utilizado. Esta evolução foi notada, especialmente, em três momentos, que constituem três saltos na ênfase dada à ruína provincial: década de 1760; 1800-1802; e 1814-1815. Neste último caso, a deterioração terá sido dilatada pelas invasões francesas. De acordo com a documentação posterior a 1767, a Piedade caminhava, sem dúvida alguma, para uma grave decadência587. Asseverou-se que “se tem afroxado daquele espírito com que nos queriarão nossos primeiros pais” 588 e “denegrido o esplendor desta Provincia da Piedade, famoza no Orbe seráfico por ser a primeira que arvorou o estandarte da reforma, e restituhio os costumes ao espírito primitivo da regra dos Frades Menores”589. Anos antes, em 1749, o provincial já declarara, após as suas determinações, que “se achaõ na Provincia outras muitas em deferentes matérias, que tambem necessitaõ de advertencia por serem de naõ menor importancia” 590 , o que leva a crer na existência de inúmeras imperfeições e transgressões, logo naquela época. Porém, insista-se que é a partir da década de 1760 que se vão encontrando referências cada vez mais intensas de que os súbditos, especialmente os mais jovens, andavam alheios à disciplina e pouco praticavam as leis da perfeição, que cresciam na província “esceços escandalozos e intoleraveis abuzos”591, que se transgrediam os votos essenciais da Regra, mormente de pobreza, e que mais faltas haveria a mencionar além das apontadas nas determinações592. Consequentemente, os frades tornaramse “odiosos naõ só a Relligiaõ; que deviam hônrrar, mas ao mundo mesmo, que apezar da sua corrupçaõ se aterra e espanta com o escandallo daqueles que só deviaõ dar-lhe exemplos de penitencia, de virtude, e de idifficaçaõ”593, provocando o descrédito dos seculares pelo hábito franciscano594.

ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Advertências da patente do provincial”, 3 jul 1767, fl. 79r; Lv. 3, “Patente Vicente de Estremoz”, jun 1784, p. 60; “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 181-183; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 244. 588 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Francisco de Nisa”, ago 1787, p. 81. Referências semelhantes sobre a adulteração da primitiva pureza instituída pelo fundador de uma ordem religiosa e a consequente necessidade de restabelecer a disciplina regular encontram-se em MARQUES, José – “Os mosteiros cistercienses..., cit., p. 374. 589 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 98-99. 590 ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, 1749, fl. 33r. 591 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 193. 592 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Vicente de Estremoz”, jun 1784, p. 54, 61; “Patente Lino de Nisa”, ago 1790 p. 110; “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 188; “Patente José de Fronteira”, jul 1817, p. 206-210; “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 247. 593 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente António de Loulé”, entre 1814 e 1815, p. 181-183. Sobre a Ordem de S. Domingos, encontram-se comentários similares, da mesma época, que denotam uma acentuada inobservância e ruína temporal e espiritual entre os dominicanos, em MANSILHA, João de – Historia Escandalosa..., cit., p. 175-176; 120-121; ESPONERA CERDÁN, Afonso – “La vida cotidiana...”, cit., p. 321-322. 594 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Provisão régia”, dez 1800, p. 142-144; “Determinações do provincial”, entre 1803 e 1804, p. 153-154. O regente D. João, em carta dirigida ao provincial dos Algarves, refere que o congénere da Piedade, após haver admitido a suma dificuldade que tinha em conseguir a observância dos seus súbditos, os caraterizara cruamente como “vagabundos, e apostatas”, ANTT – MNEJ, lv. 35, Registo de Provisões, Ordens, Cartas e Despachos da Junta do Exame do Estado Actual e Melhoramento Temporal das 587

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De entre os excessos e abusos contra a Regra e estatutos, expostos nas páginas anteriores, podem salientar-se alguns, aparentemente mais frequentes e persistentes, conforme se compreende pela recorrência das determinações que lhes são relativas: a negligência e ignorância dos frades na execução de missas, ofícios, confissões e pregações; o seu desprezo pelos sacramentos; a sua imperfeição e falta de devoção nos ofícios no coro; a frequente entrada de seculares na clausura; a quebra do silêncio; o consumo excessivo de tabaco e vinho; a falta de cuidado e caridade para com os enfermos; a falta de segredo sobre os assuntos da comunidade; a emergência de conflitos internos; a prática de divertimentos e ocupações temporais; a deformação do hábito e calçado e o uso de profanidades; a posse individual de bens e dinheiro, bem como a retenção indevida de esmolas; a excessiva petição de esmolas e favores a seculares; as demasiadas vagueações e pernoitas, sem companheiro, no século; as muitas conversas e familiaridade com seculares; a deslocação a cavalo; o excesso de licenças para habitar no século; a deficiente administração por parte dos prelados; a sua falta de zelo em promover a observância regular; a fraca provisão de roupa e alimento aos súbditos; a reduzida obediência e respeito dos frades pelos seus superiores; a sua grande resistência às mudanças de casa; e a cada vez mais frequente renúncia aos votos religiosos. Na documentação, todavia, também sobressaem algumas referências à degradação temporal da província. Por um lado, faz-se, repetidamente, menção à falta de religiosos nela, mormente a partir das décadas de 60 e 70 de Setecentos e, progressivamente, de forma cada vez mais frequente. Esta situação provocava alguma inquietação e perturbação na vivência quotidiana das comunidades, porquanto se tornava mais difícil que os poucos frades que restavam satisfizessem as mesmas tarefas antes realizadas. Em particular, certifica-se a falta de donatos, noviços, coristas e confessores 595 . Em 1827, a Piedade “aparecia quazi Ordens Regulares, fl. 58v, 1803. Aproveite-se para explicar que a documentação da Junta do Exame das Ordens Regulares, existente na Torre do Tombo no fundo do Ministério dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, é composta pelos livros 35 a 47 e por alguns maços. Nesta documentação avultam petições, pareceres, consultas e ordens, sobretudo relacionadas com licenças de residência fora da clausura, admissão de noviços ou profissões religiosas e supressão de conventos. Algumas referem-se, contudo, também a situações de indisciplina, abusos de poder, negligências de prelados e problemas de rendimentos. A documentação contém ainda os planos e regulamentos para a reforma das casas femininas e masculinas, do ano de 1789, e um conjunto de pareceres sobre o estado espiritual e temporal das várias ordens religiosas, redigidos entre 1819 e 1830. É, principalmente, devido a esta última referência que a exploração da documentação da Junta pode ser útil e complementar para o estudo da inobservância no seio das várias ordens regulares, entre elas na dos Frades Menores. 595 Desde a última década do séc. XVIII, insistiu-se na grande falta de religiosos na província. Esclarece-se que, enquanto que em 1742 havia na Piedade 285 religiosos, em 1821 havia somente 196, na maioria jovens, o que representa uma redução de 1/3 em 80 anos, ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Manuel de Arronches”, entre 1776 e 1777, p. 16; “Determinações do provincial”, fev 1777, p. 36; “ Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 111; “Determinações do definitório e discretório”, entre 1796 e 1787, p. 130; “Determinações do provincial”, entre 1814 e 1815, p. 179; “Patente António de Loulé, entre 1814 e 1815, p. 190-191; “Determinações do definitório”, out 1821, p. 253; “Mandamentos do provincial”, out 1821, p. 254. Em 1823, o Estado proibiu a admissão de donatos nas ordens religiosas, ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente José de Tavira sobre portaria régia”, fev

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deserta”596. Também se encontraram alusões à grande pobreza dos conventos, explicitada com bastante clareza logo em 1774-1775. Posteriormente, entendeu-se que a pobreza era visível no vestuário indigno de alguns frades e na necessidade de obter mais dinheiro para subsistir demonstrada pelas comunidades597. A penúria dos conventos e a falta de religiosos atestam a decadência temporal da província. Antes de concluir a exposição sobre o Convento de Fronteira, esclareça-se que os seus dois livros dão também notícia sobre a situação decadente vivida pelas demais ordens religiosas. Nos finais do séc. XVIII, os prelados da Piedade sentiam que a religião e os Estados estavam em perigo na Europa e que se viviam tempos calamitosos em que o verdadeiro espírito das instituições monásticas afrouxava 598 . Lamentava-se que “o corpo Regular se acha taõ desfigorado, e taõ destante daquele caminho, em que o puzeraõ os seus Santos Fundadores”599, pois passara “a viver em escandaloza relaxação: não observando os seus institutos, e religiosos costumes, vem fazerse naõ so inúteis ao estado, mas ate a serem prejudiciais, e insofríveis aos mesmos Povos com os seus irregulares procedimentos”600. Toda esta conjuntura de degradação levou, na segunda metade do séc. XVIII, a uma maior intervenção do Estado português nas ordens regulares, manifesta nos livros explorados e também neles justificada como útil ao bem temporal e espiritual dos povos. Os regulares, que deveriam contribuir com o seu bom exemplo para o bem da sociedade, faziam

1823, p. 256. Desde meados do séc. XVIII, devido ao excesso de regulares em Portugal, a Coroa começou a proibir o ingresso de noviços nas ordens religiosas, ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Carta régia”, 18 mai 1769, fl. 81v; Lv. 3, “Patente Boaventura de Portalegre sobre carta régia”, nov 1777, p. 38; “Determinações do definitório e discretório”, entre 1786 e 1787, p. 70. Se não entravam noviços nas comunidades, o número de coristas era drasticamente reduzido, ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do definitório e discretório”, 20 jun 1767, fl. 76v; Lv. 3, “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 166-167, 169. Muitos confessores abandonaram o seu ministério, ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Lino de Nisa”, ago 1790, p. 105-106; “Patente Provincial José de Almada”, jan 1809, p. 166; “Determinações do definitório”, out 1821, p. 253. 596 ANTT – MNEJ, cx. 215, mç. 269, nº 1, Consulta sobre petição do Provincial da Piedade para admitir coristas e frades leigos, 1827. Na documentação da Junta do Exame das Ordens Regulares, existem várias petições dos prelados franciscanos, das províncias e dos seminários, a requererem permissão para o ingresso de noviços e donatos e ainda para a profissão de novos religiosos. Esse tipo de petições, aos quais a junta deu o seu parecer, geralmente positivo, compõe, na verdade, uma parte significativa do seu conjunto documental desde a fundação. No seu todo, provêm das diversas ordens e comunidades religiosas. Conclui-se que a Junta, de facto, entendeu “a grande necessidade que as Corporações Regulares tem de individuos”, conforme declarara em 1817. 597 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do definitório”, entre 1774 e 1775, p. 10; “Mandamentos do provincial”, entre 1782 e 1783, p. 48. A situação seria, porém, mais grave nas casas do Algarve, para onde as alentejanas deviam enviar roupa, com o propósito de acudir as maiores necessidades dos seus religiosos. ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Determinações do provincial”, entre 1736 e 1737, fl. 7r. 598 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Determinações do provincial”, entre 1796 e 1797, p. 131; “Patente José de Almada”, jan 1809, p. 161. 599 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente José de Tavira”, ago 1820, p. 244. 600 ANTT – CSAFronteira, lv. 3, “Patente Boaventura de Portalegre sobre carta régia”, nov 1777, p. 38.

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precisamente o contrário. Era, pois, necessário que o Estado reformasse as diversas ordens, fiscalizando e estimulando a exata observância da disciplina regular601. Ao conjugar-se a enumeração de imperfeições e transgressões perpetradas pelos frades com algumas críticas e comentários, de caráter mais geral, que as reforçam e ainda revelam outros problemas que a Província da Piedade enfrentava, comprovou-se a sua degradação espiritual, moral e temporal, no final do Antigo Regime. A decadência foi gradual, acentuando-se, com maior vigor, a partir dos finais do séc. XVIII602. Contudo, até que ponto se pode estender ao Convento de Fronteira estas circunstâncias, quando os registos das suas visitas são tão pouco informativos? No final deste capítulo, a questão é retomada.

6.2 – O Convento de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos (1778-1826) Os pouquíssimos capítulos das visitas ao Convento de Matosinhos focam-se apenas em três assuntos: a qualidade dos objetos litúrgicos, o perfeito preparo da enfermaria e a longa permanência dos seus religiosos fora do convento. Relativamente aos objetos litúrgicos, notou-se que os religiosos se descuidavam no reparo das alfaias da sacristia e que usavam uma âmbula dos santos óleos já velha e indecente, pelo que se ordenou que se fizesse uma nova, a partir do metal da antiga, para ser depois coberta por um véu de tafetá e guardada num sacrário. Anos depois, num termo de visita, louvou-se a decência da nova âmbula e a prontidão com que se havia cumprido o mandado603. Acerca da enfermaria, ordenou-se que fosse bem preparada e conservada com muito asseio, que se nomeasse um enfermeiro que fosse isento de outras funções bem como um médico e um cirurgião, que o procurador trouxesse ao enfermeiro carne fresca, duas vezes por semana, que, naquele espaço, não se recebessem hóspedes nem doentes sem cura, pois estes últimos deviam ficar na sua própria cela, que não se fizessem comidas separadas para 601

Registos da intervenção do Estado sobre as ordens religiosas, que comprovam que ela se estendeu também sobre a Província da Piedade, quer proibindo ou intermediando o ingresso de noviços, quer ordenando o retorno dos frades com licença de residência no século à sua comunidade, quer avaliando e revalidando as mesmas licenças, quer denotando a intenção reformadora e disciplinadora do Estado, encontram-se nos livros analisados. ANTT – CSAFronteira, lv. 2, “Carta régia”, 18 mai 1769, fl. 81v; “Carta do Conde de Oeiras”, 23 ago 1770, fl. 84v; Lv. 3, “Patente Boaventura de Portalegre sobre carta régua”, nov 1777, p. 38; “Aviso do provincial sobre pedido régio”, entre 1796 e 1797, p. 133-134; “Provisão régia”, dez 1800, p. 142-144; “Patente José de Fronteira”, jul 1817, p. 215; “Patente José de Tavira sobre portaria régia”, jul 1823, entre 267-271. Essa intervenção é também perfeitamente observável na documentação da Junta do Exame das Ordens Regulares. 602 Relativamente à Ordem dos Frades Menores, sabe-se que, nas primeiras décadas do XIX, a sua situação nos Açores era verdadeiramente preocupante, verificando-se graves casos de indisciplina. Identificaram-se, por exemplo, casos de partidarismos e rixas internas, licenciosidade, manipulações políticas, grande relaxação, luxos, freiratismo, violação dos votos de pobreza e castidade e insubordinação aos superiores da ordem e ordinários diocesanos. ENES, Maria Fernanda – “A vida conventual...”, cit., p. 332-341. 603 ANTT – CNSCMatosinhos, “Visita 1778”, fl. 2r; “Visita 1782”, fl. 2v; “Visita 1784”, fl. 4r.

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diferentes doentes, porque todos deviam comer da comida comum, e que o enfermeiro zelasse pelas roupas e alfaias da enfermaria através de um inventário604. Por fim, declarou-se ainda que “nos consta, que alguns Religiózos, com pretextos frîvolos, apparentes especiosos, pouco legítimos, e sem algum fundamento, querem fazer costume de assistir a maior parte do tempo fóra do convento, sem licença legîtima”605.

6.3 – O Convento e Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes (1746-1831) Em último lugar, esclareça-se que os capítulos das visitas ao Convento e Seminário de Brancanes se debruçam, essencialmente, sobre os alimentos oferecidos na igreja e portaria, as conversas com seculares durante os ofícios no coro, a modéstia e fecho das celas, o fraco cuidado aos enfermos, as saídas da clausura e pernoitas fora e a falta de zelo do guardião. Descobriu-se que os frades davam de comer a seculares na igreja, tal como faziam na portaria, e que iam, sem autorização dos prelados, aos confessionários, obtendo facilmente as suas chaves, em posse do sacristão. Por outro lado, enquanto celebravam ofícios, rezavam ou meditavam no coro, por vezes, saíam dele para falar com mulheres e nem sempre para lhes celebrarem sacramentos, o que poderia servir-lhes de justificação606. Quanto às celas, evidenciou-se que andavam sempre abertas por falta do uso das chaves, as quais só podiam ser usadas por fora. Também os armários e as gavetas da estante podiam ser fechados à chave. A repreensão feita sobre o pouco uso das chaves pode estar relacionada com eventuais consequências dessa falha, por exemplo, invasões e roubos como, de facto, se verificou no Convento de Fronteira. No entanto, todas as chaves deveriam ser entregues ao prelado quando os religiosos a quem estas pertenciam se ausentassem da casa, o que nem sempre se cumpria. Acresce que alguns frades possuíam indevidamente bancos e canastras fechadas. Ademais, as estantes e os leitos das celas, bem como os copos individuais dos religiosos não eram todos uniformes e desprovidos de singularidades como deviam607. Criticou-se, igualmente, a falta de um enfermeiro. Os enfermos careciam, portanto, da caridade e assistência que, segundo a Regra, muito lhes era devida608. ANTT – CNSCMatosinhos, “Visita 1782”, 2v-3r. ANTT – CNSCMatosinhos, “Visita 1782”, fl. 3v. O abuso das licenças de residência no século e o uso de pretextos falsos para as obter, por religiosos de diferentes ordens, é patente no registo das ordens da Junta do Exame das Ordens Regulares. ANTT – MNEJ, NE, lv. 35, Registo de Provisões, Ordens, Cartas e Despachos da Junta do Exame do Estado Actual e Melhoramento Temporal das Ordens Regulares, fl. 22v-23v. 606 ANTT – CSNSABrancanes, lv. 9, “Visita de guardiania”, 1754, fl. 6r; Lv. 1, “Visita 1760”, p. 41. 607 ANTT – CSNSABrancanes, lv. 9, “Visita de guardiania”, 1752, fl. 4r; “Visita de guardiania”, 1754, fl. 6v; “Resoluções do discretório”, 22 jul 1761, fl. 8r. 608 ANTT – CSNSABrancanes, lv. 1, “Visita 1760”, p. 41. 604 605

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Em relação às múltiplas saídas dos frades do convento, recolhimentos tardios após o crepúsculo e suas pernoitas nos povos, sem um bom motivo como ir pedir esmola, confessar ou assistir fiéis, questionou-se o quanto “hê reparável nos olhos dos seculares o andarem os Religiozos fora dos seus Conventos em horas, que nelles devem estar recolhidos”609. Ao irem às esmolas, por vezes, os frades também se separavam e desconheciam o paradeiro uns dos outros. Quando pernoitavam no século, ocorria ainda dois companheiros dormirem em casas distintas e, ao viajarem para Lisboa, nem sempre se alojavam no hospício dos frades610. Notou-se ainda que nem todos os guardiães zelavam com desvelo pela observância da disciplina regular ou se esforçavam por ser um bom exemplo para os súbditos. Ociosos e movidos por interesses, alguns só cumpriam os seus deveres quando recompensados611.

6.4 – A divergência informativa entre capítulos de visita e documentação provincial Embora com base num estudo bastante limitado, afigura-se certo que havia problemas a lamentar, criticar e corrigir nos conventos franciscanos portugueses, entre 1725 e 1831, como se averiguou, claramente, no caso da Província da Piedade. Há, sem dúvida, razões para acreditar que a inobservância nas províncias portuguesas era significativa 612 . Ademais, encontraram-se determinações recorrentes, o que evidencia que alguns erros eram persistentes e dificilmente emendáveis e que havia, por parte dos frades, alguma resistência e insubmissão às normas e aos superiores. A recorrência de correções também comprova alguma preocupação dos prelados em preservar e restituir a observância regular. Diversamente, demonstra ainda que os instrumentos de vigilância, correção e disciplinamento das comunidades, entre eles as visitas canónicas, não eram tão eficazes como deviam613.

ANTT – CSNSABrancanes, lv. 1, “Visita 1760”, p. 43. ANTT – CSNSABrancanes, lv. 9, “Visita de guardiania”, 1752, fl. 4r; “Visita de guardiania”, 1754, fl. 6r; Lv. 1, “Visita 1760”, p. 43; “Visita 1831”, p. 154. 611 Por exemplo, um guardião que fora nomeado “escritor” do seminário, não cumpriu o seu novo dever, com prejuízo do seminário, até lhe serem concedidas isenções de coro e missões. ANTT – CSNSABrancanes, lv. 1, “Visita 1746”, p. 7; Lv. 9, “Visita 1768”, fl. 9v-9r. 612 No parecer geral de Lucio Jozé de Gouvêa sobre as províncias e seminários apostólicos franciscanos, está, de facto, expresso que, embora nos seminários ainda se vivesse com grande observância, “quanto porém ás Provincias, á excepção da Conceição, em que ainda se observão alguns vizos de reforma, as demais estaõ na maior relaxação possivel”. Foram apontadas três causas maiores para a ruína franciscana: a negligência dos visitadores, a multiplicidade de conventos e a intervenção do estado civil nos assuntos regulares, ANTT MNEJ, cx. 216, mç. 270, nº 1, documento 27, Parecer sobre o estado da Ordem dos Frades Menores, 1819. A Província de Portugal sobressai, na documentação da Junta, como a mais decadente e menos creditada da ordem, ANTT - MNEJ, cx. 216, mç. 270, nº 1, documento 24, Parecer sobre o estado da Província de Portugal, 1819; cx. 230, mç. 284, nº 1, Consulta sobre abusos praticados e providências a tomar na Província de Portugal, 1825. 613 Sobre possíveis causas da inobservância e do insucesso das determinações corretivas como, por exemplo, o desconhecimento da Regra, estatutos e determinações, falta de vocação, desinteresse, falta de autoridade e 609 610

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Há, porém, que salientar, novamente, que os registos das visitas aos conventos de Fronteira, Matosinhos e Brancanes dão, ao invés do que se esperava, muito pouca nota sobre o quotidiano das suas comunidades, dos problemas que estas enfrentavam e das imperfeições e transgressões que praticavam. Já as determinações capitulares, patentes dos provinciais e outra documentação emitida pelo governo provincial da Província da Piedade demonstraram que, pelo menos, alguns dos seus conventos não estavam isentos de diferentes casos de inobservância e que, indubitavelmente, a província se degradava no final do Antigo Regime. Embora não se possa imputar, de ânimo leve, à comunidade de Fronteira o que se identificou a partir das determinações corretivas concebidas para toda a Província da Piedade, a significativa discrepância entre as ordenadas nas visitas e as mandadas pelos capítulos e nas patentes dos provinciais impõe que se questione até que ponto não haveria mais a criticar e corrigir em Fronteira do que aquilo que transparece nos capítulos das visitas. A consciência dessa discrepância também estimula a reflexão sobre o zelo de prelados e comissários visitadores nas visitas que realizavam, a eficácia destas, os modos de correção e castigo que nelas eram aplicados e a preferência dos ditos agentes visitacionais quanto ao tipo de informação a deixar registada nos termos das visitas. Talvez essa discrepância possa ser igualmente encontrada nas demais províncias franciscanas, já que se deparou com similar escassez de determinações e impressões qualitativas nas visitas de Matosinhos e Brancanes. Várias hipóteses poderão explicar esta divergência informativa. Os casos estudados tanto podem ser exceções nas suas províncias e na ordem como podem constituir elementos de um padrão. Fronteira, o caso que foi alvo de maior aprofundamento, podia, de facto, estar isento das imperfeições e transgressões que se revelaram nas determinações capitulares e patentes dos provinciais, o que faria dele um lugar de grande perfeição. Os outros dois conventos estudados, cujos registos de visita sofrem da mesma parcimónia de capítulos e comentários, podiam estar na mesma situação. Porém, isso não pode ser afirmado sem investigações mais abrangentes, ainda mais tratando-se de conventos de províncias e jurisdições diferentes. Os agentes das visitas podiam também, apesar do seu esforço, não estar a ser bem sucedidos detetando e corrigindo erros, os quais permaneceriam ocultos. No entanto, seria improvável que tal encobrimento se concretizasse em tantas visitas. Por outro lado, os agentes visitacionais podiam tão somente não ter redigido determinações por falta de zelo. Visitariam, portanto, sem o devido empenho em corrigir e reformar a comunidade, deixando que a inobservância continuasse, mesmo detetando graves orientação por parte dos prelados, má aplicação dos instrumentos de controlo, fraca aplicação das penas e degradação temporal do convento ver, SILVA, Ricardo – Casar com..., cit., p. 443-451.

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problemas. Outras averiguações seriam precisas para validar também esta hipótese. Afigurase, porém, muito provável que os visitadores fossem, de facto, negligentes. Num parecer da Junta do Exame das Ordens Regulares é afirmado que, desde o momento em que os núncios apostólicos se haviam responsabilizado por nomear visitadores em lugar dos prelados gerais, na década de 1770, os visitadores escolhidos passaram a ser da amizade e favor dos provinciais cujas províncias lhes estava incumbido visitar. A partir de então, “ainda que haja muito que emendar nada emendão, antes favorecem as Relaxações”614. Coloca-se ainda a possibilidade de a omissão de determinações ter sido intencional ou costumada entre os Minoritas portugueses, verificando-se, portanto, em conventos bastante distintos. Os provinciais, através das suas determinações e comentários integrados na documentação de caráter provincial, afiguram ter sido mais zelosos. Estes ao repreenderem, corrigirem e castigarem os erros de forma oral, em cada comunidade, dispensariam talvez deixar mais determinações por escrito, por preferirem o segredo e o esquecimento como remédio para evitar a repetição desses erros. Sugere-se, nesse caso, que os provinciais e restante governo provincial, ao verificarem nas suas visitas que alguns desses erros ocorriam em mais do que uma comunidade ou que mereciam ser concretamente alvo de maior regulamentação, preferiam esperar pelos capítulos e congregações provinciais para emitir, por escrito, determinações mais relevantes para toda a província, sem nunca nomear convento algum em particular, como se evidenciou na documentação relativa à Província da Piedade. Colocam-se então como explicações mais plausíveis para a carência de capítulos de visita e abundância de determinações corretivas emitidas pelo governo provincial: por um lado, a negligência visitacional dos comissários e, por outro, o costume ou preferência dos provinciais em não deixar capítulos escritos no momento da visita e em conceber determinações corretivas ou de reforma sobretudo nas suas patentes e a partir dos capítulos e congregações provinciais. Em suma, reafirma-se que as visitas eram um meio privilegiado e aparentemente eficaz para a hierarquia minorita apreender o que precisava de correção ou reforma nas suas comunidades. No entanto, se foram eficazes na apreensão de imperfeições e transgressões, não o foram tanto na sua correção. Na verdade, tal eficácia permanece questionável. Além disso, só o estudo de mais livros de visitas e o seu confronto com a documentação dos governos provinciais permitiria certificar se o vazio de capítulos de visitas e a explicitada discrepância informativa eram, de facto, frequentes na Ordem dos Frades Menores. ANTT – MNEJ, cx. 216, mç. 270, nº 1, documentos 27, Parecer sobre o estado da Ordem dos Frades Menores, 1819. 614

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Conclusão

Definiram-se as visitas canónicas em contexto monástico-conventual como um importante instrumento de vigilância, correção e disciplinamento das comunidades regulares na Época Moderna, ainda que se duvide da sua eficácia. Na sua execução, os agentes da visita, a partir da inspeção dos espaços conventuais, da inquirição individual dos religiosos e da observação do quotidiano comunitário, detetavam práticas e outros aspetos imperfeitos ou transgressivos, os quais corrigiam, repreendo e castigando, e deixando ainda por escrito as determinações corretivas ou reformadoras que considerassem necessárias, com o fim último de preservar ou aperfeiçoar o estado temporal, espiritual e moral da casa, especialmente o perfeito cumprimento da austera disciplina regular. Tais visitas surgiram na Alta Idade Média. Os bispos, além de visitarem as comunidades do século, deslocando-se às paróquias da sua diocese, começaram também a visitar as gentes do claustro. No séc. XII, instituiu-se, pela primeira vez, entre os cistercienses, um sistema de visitas interno e autónomo do poder episcopal, sendo os prelados regulares os agentes visitacionais. As ordens mendicantes, fundadas no principio do séc. XIII, rapidamente adotaram esse sistema. Para explorar o referido instrumento visitacional, esta dissertação tratou uma ordem religiosa concreta, a dos Frades Menores, cuja originalidade primitiva residiu na adoção do preceito de pobreza absoluta e no caráter apostólico e assistencial da sua ação, ao qual rapidamente se aliou uma forte componente sacerdotal. Os frades franciscanos, ao contrário dos monges, viviam para servir o mundo e as suas gentes e não para dele se resguardarem em completo isolamento, o que nunca permitiu que entre eles se estabelecesse uma clausura total. Desde os últimos anos de vida de Francisco de Assis até ao séc. XVII, a evolução da instituição minorita foi extremamente complexa e repleta de divergências e conflitos internos que não poucas vezes resultaram em reformas e cisões. Saliente-se a Reforma da Observância que, em 1517, passou a dominar a ordem e, posteriormente, as diversas reformas da Mais Estreita Observância, comummente conhecidas como Capuchas em Portugal. O mundo franciscano do séc. XVIII português, preservado até 1834, era constituído apenas por províncias destes dois ramos. Nesse tempo, crê-se ter havido um certo declínio da instituição, inclusivamente nas províncias mais reformadas, tal como ocorreu nas demais ordens regulares. Este estudo corrobora essa asserção. Todavia, o que até agora se referiu não constitui novidade na historiografia portuguesa, pelo que mais importante é agora aludir, de forma sintética e conclusiva, aos resultados da presente investigação.

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Em primeiro lugar, os estatutos provinciais franciscanos esclareceram quais as normas que no séc. XVIII regulamentavam as visitas no seio da ordem. No período que esta dissertação se propôs estudar, entre 1725 e 1831, distinguiram-se logo três tipos de atos visitacionais, dois deles canónicos. Tais visitas manifestam a propícia articulação de três níveis diferentes de poder, local, provincial e geral, os quais se complementam numa ação vigilante, corretiva e disciplinadora sobre as comunidades minoritas. Nestes atos dever-se-ia privilegiar a intervenção paternal e evitar entrar no foro jurídico. Por um lado, o guardião, prelado local de cada casa, estava incumbido de inspecionar os espaços conventuais, indagar os religiosos seus súbditos e ainda corrigir as faltas destes nos capítulos de culpas. Contudo, embora devessem obedecer a uma certa periodicidade, estes atos decorriam separadamente, o que impede que sejam equiparados a uma visita canónica. Por outro lado, em cada província, realizavam-se dois tipos de visitas canónicas. Anualmente, no tempo do seu triénio, o ministro provincial devia visitar todas as casas da sua província. No final dos triénios, cada província deveria ser visitada por um comissário visitador, necessariamente delegado por patente pelos prelados gerais, já que visitava em seu nome. O visitador tinha, pois, um poder mais limitado do que o do provincial, cuja ampla autoridade era inerente à prelazia que ocupava. Nestas visitas não se devia descurar a avaliação dos próprios prelados, uma vez que os guardiães eram examinados nas visitas de ambos os seus superiores, os provinciais nas dos comissários e estes, por sua vez, nas visitas dos seus sucessores comissários. Também se devia fazer um esforço para resolver os problemas e corrigir os erros desde o nível da comunidade conventual e evitar deixá-los para serem descobertos e emendados pelos provinciais e sobretudo pelos comissários, a não ser que fosse erros graves ou recorrentes. Se observarmos a prática visitacional através das normas estatutárias, conclui-se que entre os Frades Menores havia um sistema de visitas periódico, bem articulado entre poderes e que privilegiava a intervenção paternal dos agentes das visitas e a resolução local dos problemas. É ainda importante apontar que sobressaem três funções primordiais destes atos visitacionais: a deteção e correção imediata dos erros dos frades, a identificação de quem era indigno de ocupar ofícios e prelazias, antes das eleições provinciais de modo a evitar a sua eleição, e ainda o conhecimento dos problemas materiais, espirituais e morais das comunidades e do que mais urgentemente necessitava de correção e reforma na província para, mais tarde, se emitirem as determinações necessárias nos capítulos e congregações provinciais. Em segundo lugar, foi possível confrontar com a norma um pouco daquela que era a prática visitacional efetiva, com base nos termos das visitas, datados e assinados, que se preservam da sua realização aos conventos de Fronteira, Matosinhos e Brancanes. Deste 137

modo, verificou-se que, entre 1725 e 1831, foi raro cumprir-se rigorosamente a frequência visitacional prescrita nos estatutos. Distanciou-se mais da norma o Convento de Matosinhos, da Regular Observância, que esteve longos períodos sem ser visitado, sobretudo por comissários, o que sugere uma maior negligência neste ramo da ordem comparativamente à Estrita Observância, de que temos o exemplo do Convento de Fronteira. De facto, neste os provinciais tenderam a visitar duas e não três vezes por triénio e as visitas dos comissários ficaram frequentemente um ou dois triénios sem acontecer. Já no Convento e Seminário de Brancanes realçou-se a singular situação dos seminários apostólicos. Por serem independentes das províncias neles não estava instituída a visita dos provinciais. Aproveite-se para relembrar que os comissários, desde a década de 1770, passaram a ser instituídos pelos delegados apostólicos e não pelos prelados regulares. Também se notou que a delegação da visita por parte de provinciais e comissários foi raríssima. Observou-se ainda uma tendência para a falta de assiduidade, cada vez maior ao longo do período em estudo e intensificada no séc. XIX. Por outro lado, as parcas indicações na documentação induzem a acreditar que se cumpriam os procedimentos visitacionais prescritos em estatuto, designadamente a inspeção dos espaços conventuais e a inquirição individual dos religiosos. Isto admite, ainda assim, não descartar a negligência dos agentes de visita, pois o facto de detetarem práticas incorretas não significa que as corrigissem convenientemente. Aliás, as visitas parecem ter durado menos tempo do que o aconselhado. No entanto, percebeu-se também que provinciais e comissários enfrentavam obstáculos como a ocultação e disfarce das infrações, por parte dos frades. Houve, portanto, alguma falta de rigor e perfeição no geral cumprimento das visitas. Averiguou-se ainda que os termos das visitas analisados são sempre curtos, formais e pouco informativos, seguindo um modelo aproximado de estrutura, vocabulário e informação. Neles, porém, o que mais surpreendeu foi a expressiva ausência quer de capítulos ou determinações corretivas quer de comentários positivos ou negativos sobre o estado dos conventos. Em terceiro lugar, alguns compêndios jurídicos franciscanos deram a conhecer as normas que regulamentavam a abertura e concretização de processos jurídicos na ordem. Concluiu-se que apenas os prelados provinciais, os prelados gerais e os seus delegados tinham autoridade para recorrer à vara da justiça e que, embora se devesse priorizar a intervenção paternal, havia três modos distintos de se proceder juridicamente: por insinuação clamorosa ou infâmia com fama provada, por denunciação e por acusação. Todas elas podiam suceder numa visita, embora isso não fosse obrigatório. Era igualmente imprescindível reunir quatro intervenientes: um ou mais denunciadores ou acusadores, um réu, um juiz e testemunhas. Só assim poderia ser formalizado o processo e ter início o auto judicial de especial inquirição, 138

esta também denominada por devassa. Nesta fase, inquiriam-se as testemunhas contra o réu e o próprio réu. Se negasse a culpa, havendo indícios ou testemunhos que a credibilizassem, apresentavam-se-lhe os cargos e o réu a eles respondia com os descargos, indicando, se quisesse, testemunhas de defesa, as quais, por fim, seriam também inquiridas. Todas estas inquirições integravam a devassa. Porém, pelo que se averiguou, uma devassa tanto podia decorrer integrada num processo como de forma extraordinária e autónoma, com o fito exclusivo de apurar culpas ou culpados de que havia prévia suspeita. Neste último caso, seria composta apenas pela inquirição de testemunhas. Distinguia-se, portanto, das visitas canónicas, que eram regulares e não implicavam a existência de suspeitas prévias nem de objetos concretos de investigação. Após a fase de inquirição jurídica, a sentença era atribuída pela maior parte do definitório provincial. O réu, reunindo certas condições, podia apelar dela. Considera-se que muito se pode ainda explorar acerca dos meandros destes processos jurídicos. Nesta dissertação só se procurou expor brevemente a norma que os regimentava. Em quarto lugar, identificaram-se diversas imperfeições e transgressões praticadas pelos frades nos conventos de Fronteira, Matosinhos e Brancanes. Os escassos capítulos de visitas pouco revelaram neste sentido e através deles poder-se-ia pensar que predominava uma perfeita observância regular nesses conventos. Porém, a leitura das determinações capitulares, patentes dos provinciais e outra documentação do governo da Província da Piedade, de que faz parte o convento de Fronteira, veio mostrar que afinal muito havia a corrigir no quotidiano das suas comunidades. As determinações são, por vezes, recorrentes, o que certifica a ineficácia das visitas como instrumento corretivo. Por outro lado, alguns comentários dos provinciais atestam que, no final do séc. XVIII, a Província da Piedade, antes tão reformada, estaria num grave estado de degradação temporal, espiritual e moral, em que a falta de frades e a inobservância se tornavam bastante significativas. A província sofria ainda de descrédito por parte das populações. Uma leitura documental sensível ao discurso utilizado permite perceber um agravamento após as invasões francesas. A decadência da Ordem dos Frades Menores é igualmente testemunhada em pareceres da Junta do Exame das Ordens Regulares. Face à manifesta escassez de capítulos de visitas a Fronteira e contrastante abundância de determinações corretivas e comentários reveladores na documentação do governo provincial da Piedade, a questão que se colocou foi: Porquê esta significativa omissão nas visitas, mas tanta revelação na restante documentação? Quiçá, a mesma divergência se tenha verificado noutras províncias. Porém, esta pergunta só se justifica porque se considerou muito provável que também em Fronteira tivessem ocorrido alguns casos de inobservância referidos na documentação provincial. 139

Em resposta à questão enunciada, há indícios para acreditar que havia grande negligência por parte dos comissários visitadores, sobretudo a partir do momento em que estes passaram a ser nomeados pelos delegados apostólicos. Ainda que detetassem erros, pouco ou nada faziam para corrigi-los, como se refere num parecer da Junta do Exame sobre o estado da ordem. A isto acresce o esforço que devia ser feito pelos prelados para que nada houvesse a corrigir nas visitas dos comissários. Tudo isto pode explicar que estes nunca deixassem capítulos de visitas. Já os provinciais parecem ter sido bem menos negligentes. Porém, para corrigirem e castigarem os erros que detetavam nas visitas, favoreciam uma intervenção oral. Talvez por costume e/ou por considerarem que seria desnecessário ou mesmo prejudicial, raramente deixavam determinações por escrito à comunidade. Iam, contudo, apreendendo as necessidades de correção e reforma das várias casas de forma a poderem emitir determinações mais genéricas a partir dos capítulos provinciais. Isso explicaria que tão raramente os provinciais tenham dado capítulos nas visitas. Muitas questões ficaram sem resposta, outras foram suscitadas e ambicionam-se conclusões mais consistentes, o que incentiva a continuação da investigação que aqui se começou. Para complementá-la no âmbito da instituição franciscana, seria profícuo explorar, além de mais livros de visitas franciscanos, os livros concernentes aos governos das várias províncias portuguesas, nomeadamente os que contêm atas e determinações capitulares, também ver com maior minúcia a documentação da Junta do Exame e ainda analisar processos inquisitoriais de frades franciscanos. Embora seja um projeto ambicioso, seria igualmente pertinente estender às demais ordens religiosas em Portugal o estudo sobre o funcionamento das visitas canónicas, norma e prática, e sobre o desvio à norma, com o intuito de compor um mais completo panorama visitacional na Época Moderna. Por último, posso apenas manifestar a consciência de que esta foi uma investigação ainda bastante circunscrita no seio do vasto panorama das ordens regulares em Portugal na Época Moderna. Além disso, por mais que tenha apreciado o labor que resultou nesta dissertação, ela estará, por certo, eivada de limitações e imperfeições que apenas com uma maior experiência profissional e uma maior amplitude de tempo de execução poderiam ser superadas. Ainda assim, reafirmo a minha esperança de que esta dissertação, de alguma forma, seja um contributo para a historiografia, permitindo alargar perspetivas de investigação e fornecer inspiração e alicerces para estudos futuros.

140

ANEXOS ANEXO 1 – Visitas ao Convento de Santo António de Fronteira, Província da Piedade, Mais Estreita Observância (1725-1825) 1.1 – Visitas (1725-1773)615 Fonte: ANTT – OFM, Província da Piedade, CSAFronteira, lv. 2, “Livro das Vizitas deste convento de Santo Antonio de Fronteira”. Data 1

23 nov 1725*

2

14 ago1726*

3

3 out 1727*

4

16 out 1728

5

10 out 1729*

6

21 out 1730

7

30 out 1731

8

23 set 1732

9

26 mar 1733

10

14 out 1734*

11

19 jul 1735

12

31 jul 1736

Nome do agente da visita616 Frei Francisco de Castelo de Vide Frei Francisco de Castelo de Vide Frei Francisco de Castelo de Vide Frei Francisco de Vila Viçosa Frei Francisco de Vila Viçosa Frei Francisco de Vila Viçosa Frei António de Vila de Frades Frei António de Vila de Frades Frei António de Vila de Frades Frei Domingos de Campo Maior Frei Domingos de Campo Maior Frei Domingos de Campo Maior

Agente da visita Min. Provincial Min. Provincial Min. Provincial Min. Provincial Min. Provincial Min. Provincial Min. Provincial Min. Provincial Min. Provincial Min. Provincial Min. Provincial Min. Provincial

13

25 set 1737

Frei Agostinho de Borba

Min. Provincial

14

1 set 1738

Frei Agostinho de Borba

Min. Provincial

Secretário Frei Francisco de Vila Viçosa Frei Francisco de Vila Viçosa Frei Pedro de Portel Frei Domingos de Campo Maior Frei Domingos de Campo Maior Frei João do Redondo Frei Gregório de Portalegre Frei Gregório de Portalegre Frei Gregório de Portalegre Frei Gregório de Portalegre Frei Gregório de Portalegre Frei Manuel da Vidigueira Frei Francisco de Moura Frei Francisco de Moura

615

Em todas as tabelas, as visitas em que o ministro provincial ou o comissário visitador deixou capítulos de visitas estão assinaladas com asterisco (*), em frente à data correspondente. 616 Como, por vezes, os comissários visitadores ou visitadores gerais são designados apenas “visitadores”, cujo poder é delegado e não de direito, para evitar ambiguidades, optou-se por usar a denominação mais genérica “agente da visita”, englobando todos aqueles que a executam: os ministros provinciais, os comissários visitadores e ainda os delegados ou substitutos de ambos.

141

15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25

9 out 1739 22 mar 1740 17 nov 1740 26 ago 1741 26 jan 1742 10 dez 1743* 8 fev 1745 7 fev 1746 7 jan 1747* 11 jan 1748 19 dez 1748

Frei Agostinho de Borba

Min. Provincial

Frei António de Nazaré

Comissário visitador

Frei Gregório de Portalegre

Min. Provincial

Frei Gregório de Portalegre

Min. Provincial

Frei Gregório de Portalegre

Min. Provincial

Frei Miguel de Sousel

Min. Provincial

Frei Miguel de Sousel

Min. Provincial

Frei Miguel de Sousel

Min. Provincial

Frei João de Serpa

Min. Provincial

Frei João de Serpa

Min. Provincial

Frei José do Redondo

Min. Provincial

26

16 nov 1749

Frei José do Redondo

Min. Provincial

27

23 mai 1750

Frei José do Redondo

Min. Provincial

Frei José do Redondo

Min. Provincial

28

30 set 1751

Frei José de Beringel Frei Manuel do Amparo Frei Bento de Serpa Frei Bento de Serpa Frei Bento de Serpa Frei António de Loulé Frei António de Loulé Frei António de Loulé Frei marcos de Fronteira Frei marcos de Fronteira Frei marcos de Fronteira Frei Sebastião de Castelo de Vide Frei Sebastião de Castelo de Vide Frei Paulo de Portalegre Frei Manuel da Ribeira de Nisa Frei Manuel da Ribeira de Nisa Frei Manuel da Ribeira de Nisa Frei Carlos da Visitação Frei Boaventura de Beja Frei Boaventura de Beja

29

23 out 1752

Frei José do Redondo

Min. Provincial

30

16 jul 1753

Frei José do Redondo

Min. Provincial

Frei José do Redondo

Min. Provincial

Frei Clemente de São José

Comissário visitador

Frei Bento de Serpa

Min. Provincial

Frei Bento de Serpa

Min. Provincial

Frei José de Portel

Vigário Provincial

Frei Anjo de ?

Frei José de Portel

Min. Provincial

Frei António de

31 32 33 34 35 36

19 set 1754 20 fev 1755 21 ago 1755 20 jul 1756 5 nov 1757* 30 set 1758

142

37 38 39 40 41 42

20 set 1759 19 jul 1760 5 set 1761 26 out 1762 4 out 1763 20 mar 1764*

Frei José de Portel

Min. Provincial

Frei José de Portel

Min. Provincial

Frei Manuel da Ribeira de Nisa Frei Manuel da Ribeira de Nisa Frei Manuel da Ribeira de Nisa Frei Bartolomeu de Portalegre

Min. Provincial Min. Provincial Min. Provincial Comissário visitador

43

19 ago1765

Frei Paulo de Portalegre

Min. Provincial

44

10 nov 1766

Frei Paulo de Portalegre

Min. Provincial

Frei António de Estremoz

Comissário visitador

Frei Francisco de Portel

Min. Provincial

Frei Francisco de Portel

Min. Provincial

27 nov 1769

Frei Francisco de Portel

Min. Provincial

23 jun 1770

Frei Gabriel de Castelo de Vide Frei Ambrósio de Castelo de Vide Frei Ambrósio de Castelo de Vide Frei Ambrósio de Castelo de Vide Frei Boaventura de Portalegre Frei Manuel de Arronches

Comissário subdelegado

45 46 47 48 49

24 mar 1767 4 jan 1768 3 nov 1768

50

20 mar 1771

51

15 out 1771

52

27 out 1772

53

1 jul 1773

54

5 nov 1773*

Min. Provincial Min. Provincial Min. Provincial Comissário delegado Min. Provincial

Vila Viçosa Frei António de Vila Viçosa Frei António de Vila Viçosa Frei Boaventura de Portalegre Frei Boaventura de Portalegre Frei Boaventura de Portalegre Frei Domingos da Ribeira de Nisa Frei Domingos de Vila Viçosa Frei Domingos do Crato Frei Francisco de Estremoz Frei António de Grândola Frei António de Grândola Frei Custódio de Castelo de Vide Frei Bernardino de ? Frei Eusébio de Mora Frei Eusébio de Mora Frei Eusébio de Mora Frei Domingos de Castelo de Vide Frei Feliz de Serpa

1.2 – Visitas (1774-1825) Fonte: ANTT – OFM, Província da Piedade, CSAFronteira, lv. 3, Livro de visitas, determinações e patentes. Data

Nome do agente da visita

Agente da visita

Secretário

143

1 2

3

4 5

13 mai 1774

Frei Manuel de Arronches

Min. Provincial

Frei Boaventura de Portalegre

Vigário Provincial

20 nov 1775

Frei Gabriel de Castelo de Vide

Comissário delegado instituído pelo núncio apostólico

17 mai1776

Frei Boaventura de Portalegre Frei Boaventura de Portalegre

18 set 1775

20 jan 1778

Min. Provincial Min. Provincial

Frei Feliz de Serpa Frei Feliz de Serpa Frei Cândido de Castelo de Vide Frei Feliz de Serpa Frei Feliz de Serpa

6

20 jul 1779

Frei Gabriel de Castelo de Vide

Comissário visitador delegado instituído pelo núncio apostólico

7

18 set 1779

Frei João de Évora-Monte

Min. Provincial

8

28 set 1780

Frei João de Évora-Monte

Min. Provincial

9

2 mai 1781

Frei Vicente de Estremoz

Comissário delegado

Frei Domingos do Crato

Min. Provincial

Frei Domingos do Crato

Min. Provincial

17 jan 1784

Frei Boaventura de Portalegre

Visitador geral

25 jun 1785*

Frei Vicente de Estremoz

Min. Provincial

Frei Vicente de Estremoz

Min. Provincial

Frei Francisco de Nisa

Min. Provincial

Frei Lino de Nisa

Frei Francisco de Nisa

Min. Provincial

Frei Lino de Nisa

Frei Lino de Nisa

Min. Provincial

Frei Inácio de ?

Frei Lino de Nisa

Min. Provincial

Frei Manuel de Serpa

Frei Francisco de Nisa

Comissário visitador geral instituído pelo

Frei Inácio de Évora

10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

10 mai 1782 14 dez 1782

16 ago 1786 30 jul 1788 11 ago 1789 10 mai 1791 25 ago 1792 12 mar 1793

Frei José de Viana Frei Angélico do Redondo Frei Angélico do Redondo Frei Pedro de Castelo de vide Frei Francisco de Nisa Frei Francisco de Nisa Frei Lino de Nisa Frei João de Moura Frei João de Moura

144

20

21 22 23 24 25 26

15 set 1794

10 set 1795 8 mar 1796 2 nov 1796 12 mai 1798 28 mai 1800 27 jun 1803

27

28 set 1804

28

17 jan 1805

29 30 31

27 mai 1806 6 jul 1807 31 mar 1808

Frei Lino de Nisa

núncio apostólico Visitador delegado por comissão do Min. Provincial Frei Francisco de Nisa

Frei Francisco de Nisa

Vigário Provincial

Frei Vicente de Estremoz

Visitador geral

Frei José de Tavira

Min. Provincial

Frei José de Tavira

Min. Provincial

Frei Martinho de Beja

Min. Provincial

Frei Antonino de Castelo de Vide Frei Antonino de Castelo de Vide

Min. Provincial Min. Provincial

Frei José de Tavira

Visitador geral

Frei Manuel de Serpa

Min. Provincial

Frei Manuel de Serpa

Min. Provincial

Frei Francisco de Barbacena

Visitador geral

Frei António de Castelo de Vide Frei Inácio da Cuba Frei António de Castelo de Vide Frei Domingos de ? Frei José de Almada Frei Francisco de Barbacena Frei Ambrósio de Castelo de Vide Frei Ambrósio de Castelo de Vide Frei Francisco de Castelo de Vide Frei Joaquim de Tavira Frei Joaquim de Tavira Frei Bernardino de Castelo de Vide Frei António de Loulé Frei António de Loulé Frei Vicente de Castelo de Vide Frei Vicente de Castelo de Vide

32

9 mar 1810

Frei José de Almada

Min. Provincial

33

27 jul 1811

Frei José de Almada

Min. Provincial

34

30 dez 1812

Frei Francisco de Barbacena

Min. Provincial

35

25 fev 1814

Frei Francisco de Barbacena

Min. Provincial

Frei José de Tavira

Visitador geral instituído pelo delegado apostólico

Frei Inácio de Serpa

Frei António de Loulé

Min. Provincial

Frei Pedro de Estremoz

36

37

16 jun 1814

18 ago1815*

145

38

39

40 41

2 out 1816 21 fev 1817

7 jul 1818 22 jul 1819

Frei António de Loulé

Min. Provincial

Frei Pedro de Estremoz

Frei José de Almada

Visitador geral instituído pelo delegado apostólico

Frei José de Tavira

Frei José de Fronteira

Min. Provincial

Frei José de Fronteira

Min. Provincial

Frei Pedro de Estremoz Frei Domingos de Elvas Frei Manuel de Elvas Frei Manuel de Elvas

42

6 ago 1821

Frei José de Tavira

Min. Provincial

43

12 set 1822

Frei José de Tavira

Min. Provincial

Frei José de Borba Frei Manuel de Elvas

44

12 dez 1823

Frei Francisco de Flor da Rosa

Visitador geral instituído pelo delegado apostólico

45

21 mar 1825

Frei António de Fronteira

Min. Provincial

146

ANEXO 2 – Visitas ao Convento de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos, Província de Portugal, Regular Observância (1778-1826) Fonte: ANTT – OFM, Província de Portugal, CNSCMatosinhos, lv. 7, “Livro dos Capitulos das Vizitas deste nosso Convento da Conceição de Mathozinhos”. Data

Nome do agente da visita

Agente da visita

1

15 ago1778*

Frei Manuel dos Querubins

Min. Provincial

2

11 out 1782*

Min. Provincial

3

25 mar 1784*

Frei Manuel de São Carlos Frei João de Santa Teresa de Jesus

4

7 mar 1786

Frei João de Jesus Nazaré

Comissário visitador

5

19 fev 1787

Frei José da Conceição Monte Alverne

Min. Provincial

6

28 fev 1789

Frei Pedro de Jesus Maria

7

2 mar 1796

8

19 abr 1799*

9

15 out 1809

10

21 mai 1811

11

26 jul 1821

12

20 mar 1822

13

3 set 1823

14

26 ago 1824

15

27 jan 1826

Frei Pedro de Jesus Maria Frei José de Santa Ângela de Foligno Frei António da Encarnação Trindade Frei António da Encarnação Trindade Frei Isidoro de São Bernardino de Sena Frei Félix das Chagas Frei António Joaquim de Santa Bárbara Frei António Joaquim de Basto Frei Lourenço de Santa Margarida

Secretário Frei João de Nossa Senhora da Graça

Min. Provincial

Comissário visitador Min. Provincial Min. Provincial

Min. Provincial Min. Provincial Visitador Geral Comissário visitador Min. Provincial Min. Provincial

147

ANEXO 3 – Visitas ao Convento e Seminário Apostólico de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes (1746-1831) 3.1 – Visitas (1746-1831) Fonte: ANTT – OFM, Missionários Apostólicos, CNSABrancanes, lv. 1, Livro de atas capitulares e de visitas. Data 1

11 jun 1746*

2

23 nov 1747

Nome do agente da visita Frei Manuel da Mãe de Deus Frei Manuel da Mãe de Deus

3

27 ago 1749

Frei António de Santa maria dos Anjos Melgaço

4

2 set 1752

Frei João de S. Francisco

5

28 jun 1754

Frei Gaspar da Virgem maria

6

12 jul 1757

Frei José do Nascimento

7

14 jul 1760*

Frei Manuel do Espírito Santo

8

4 jun 1763

Frei António de Nossa Senhora das Neves

9

12 jun 1766

Frei José de S. Francisco

10

30 mai 1768

Frei José de São Tomás

11

10 jun 1769

Frei José de São Tomás

12

10 ago 1775

Frei António de Santa maria da Graça

Agente da visita Guardião de Varatojo Guardião de Varatojo

Secretário Frei José do Nascimento Frei Francisco de Jesus Maria

Custódio da Província de Portugal Definidor da Província de Portugal Guardião de Varatojo Guardião de Varatojo Examinador sinodal de Lisboa e pregador na Real Capela da Bemposta Fundador do Sem. de Vinhais Leitor de vésperas no Convento de S. Francisco da Cidade de Lisboa Guardião do Convento de S. Pedro de Alcântara Guardião do Convento de S. Pedro de Alcântara Ex-provincial da Província de Portugal instituído

148

13

19 jul 1785

14

19 jul 1788*

15

1 fev 1799

16

1 mar 1802

17

25 jul 1828

18

7 ou 9 jul 1831

pelo Núncio Apostólico Presidente do Hospício da Frei Joaquim da Soledade Conceição da Bemposta Ex-provincial da Frei João de Santa Teresa de Província de Jesus Portugal Bispo do Funchal Frei José de Santa maria dos Anjos Pinto Frei José Joaquim de N.S. Examinador do Carmo da Covilhã sinodal Frei José Joaquim de N.S. Examinador do Carmo da Covilhã sinodal

3.2 – Visitas (1752-1768) Fonte: ANTT – OFM, Missionários Apostólicos, CNSABrancanes, livro 9, “Livro para as actas e determinaçoens”.

1 2

Data 19 ago 1752* 24 jun 1754*

Nome do agente da visita visita de guardiania visita de guardiania

Agente da visita

3

12 jul 1757

Frei José do Nascimento

Comissário visitador

4

14 jun 1766*

5

19 mai 1768*

Frei José de São Tomás

Comissário visitador

Secretário

149

Fontes e estudos

Fontes manuscritas

1 - Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT)

1.1 - Documentos de conventos por identificar Caixa 19, Devaça do Convento de S. Francisco da Cidade de Tavira da Provincia dos Algarves, 1797 (CSFTavira). 1.2 - Manuscritos da Livraria (ML) nº 80, Modo de visitar conventos, 1780-1790. 1.3 – Ministério dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça (MNEJ) Negócios Eclesiásticos (NE) livro 35, Registo de Provisões, Ordens, Cartas e Despachos da Junta do Exame do Estado Actual e Melhoramento Temporal das Ordens Regulares, 1790-1818; livro 46, Reforma das Ordens Regulares, 1800-1823. Caixa 147, maço 177, nº 1, Processo jurídico de inquirição especial de Frei Luís de Lisboa, 1825. Caixa 215, maço 269, nº 1, Consulta sobre petição do Provincial da Piedade para admitir coristas e frades leigos, 1827. Caixa 216, maço 270, nº 1, documentos 24, 25, 26 e 27, Pareceres sobre o estado da Ordem dos Frades Menores, 1819-1830. Caixa 230, maço 284, nº 1, Consulta sobre abusos praticados e providências a tomar na Província de Portugal, 1825. 1.4 - Ordem dos Frades Menores (OFM) a) Missionários Apostólicos Convento de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes (CNSABrancanes) livro 1, Livro de atas capitulares e de visitas, 1746-1833; livro 9, Livro para as actas e determinaçoens, 1752-1787. b) Província da Conceição Convento de Santo António de Viana do Castelo (CSAVCastelo) livro 1, Fórmulas jurídicas para uso do convento, século XVIII.

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c) Província da Piedade Convento de Santo António de Fronteira (CSAFronteira) livro 2, Livro das Vizitas deste convento de Santo Antonio de Fronteira, 17251773; livro 3, Livro de visitas, determinações e patentes, 1774-1825. d) Província de Portugal Convento de Nossa Senhora da Conceição de Matosinhos (CNSCMatosinhos) livro 7, Livro dos Capitulos das Vizitas deste nosso Convento da Conceição de Mathozinhos, 1778-1826. Convento de Nossa Senhora da Encarnação de Vila do Conde (CNSEVConde) livro 6, Livro das obrigacoíns e custumes deste Convento de Nossa Senhora da Incarnaçáo de Villa do Conde, reformado no anno de 1789, 1789. e) Província de Santo António maço 7, macete 12, Vezita Do Seminario de Santo Antonio do Varatojo, 1788 (CSAVaratojo).

2 - Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP)

Formulario de Inquirições, abadessados e visitas, séc. XVIII.

Fontes impressas

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